O Segredo de Justiça No Direito Das Contra-Ordenações

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA FACULDADE DE

DIREITO DE LISBOA

O Segredo de Justiça no Direito


das Contra-ordenações

Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Direito de


Lisboa, para a obtenção do grau de Mestre em Forense.

A presente dissertação foi preparada sob a orientação do Senhor Professor Doutor


Germano Marques da Silva.

Cristina Maria Correia de Faria


Lisboa 2015
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”

In Mensagem, Fernando Pessoa, Segunda Parte: Mar


Português, O Infante.

1
Agradecimentos

Ao Senhor Professor Germano Marques da Silva, pela força entusiástica transmitida,


pela sua responsabilidade e conhecimentos na orientação e preparação deste estudo.
Ao meu pai e à minha mãe, pelo apoio incondicional.
Aos meus irmãos.
Ao Manuel e à sua família.
Aos meus amigos.
Aos meus Colegas de escritório, pela compreensão demonstrada perante a ausência para
me dedicar à investigação e à escrita.

Agradeço-vos pela confiança.


Sou muito grata por todo o vosso cuidado sem reservas, procurarei ser digna e merecida
do vosso apoio.

Bem hajam.

2
Índice

Introdução ..........................................................................................................................4

I. O Direito das Contra-ordenações: um ramo do direito sancionatório. ......................6

II. As Contra-ordenações no trilho da publicidade e do segredo de justiça, à luz das

disposições da nossa Lei Fundamental e do Código de Processo Penal .........................10

1. Breve justificação: o fundamento jurídico da publicidade e do segredo de justiça 13

2. A subsidiariedade do Direito Processual Penal, uma solução? ............................. 17

3. A tramitação processual do Direito das Contra-ordenações, a fase administrativa,

em especial. ................................................................................................................... 22

4. A resposta ao objecto do nosso trabalho ................................................................ 27

III. O Direito da Concorrência no figurino da publicidade e do segredo de justiça.......38

Conclusão ........................................................................................................................50

Bibliografia ......................................................................................................................52

3
Introdução

No âmbito do Mestrado Profissionalizante Forense coube o estudo do Direito das


Contra-ordenações, onde senti particular gosto e interesse pelas matérias leccionadas.
Face ao exposto e à pertinência da matéria, optei por incursar neste estudo, com especial
incidência sobre segredo de justiça.

O método adoptado para proceder ao tema supra passará, num primeiro plano, pela
análise do disposto no Regime Geral das Contra-ordenações. Num segundo plano, e na
medida do possível, sobre o regime jurídico da Lei da Concorrência.

Salientamos que na análise desta matéria não nos cabe debruçar sobre a polémica entre
publicidade e segredo, no entanto, reconhecemos a sua importância.

O Direito das Contra-ordenações, enquanto ramo, justifica-se pela necessidade de tutela


jurídica sancionatória em determinadas áreas de intervenção estatal, em detrimento da
resposta penal, 1 em clara obediência ao princípio de intervenção de última ratio,
plasmado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Não
descuramos de que este tem profundas ligações com aquele, ainda que se reconheça a
tão almejada autonomia neste ramo.

Coloca-se a questão de saber qual a extensão da aplicação do direito penal adjectivo no


objecto deste estudo, isto é, até que ponto, e em que termos, será o direito processual
penal subsidiariamente aplicado.

Colocada a premissa, consideramos adequado ter presente uma breve alusão à


tramitação do processual do Direito das Contra-ordenações. 2 O processo contra-
ordenacional tem uma primeira fase designada por fase administrativa, uma vez que a
competência para instruir o processo e para prolação da decisão final cabe a uma
autoridade administrativa. Nesta fase, poderão intervir órgãos policiais e órgãos de
inspecção, na aplicação das medidas cautelares e polícia ou para transmitir a notícia da
infracção, coadjuvando a autoridade administrativa. Pontualmente, o tribunal intervém
nas questões ligadas aos direitos do arguido. A fase judicial nasce por efeito da

1
Em consonância com o exposto no Preâmbulo do Decreto-lei 433/82, de 27 de Outubro.
2
Veja-se a este propósito de forma concisa: Afonso, Ana Cristina. SMMP. s.d. http://www.smmp.pt/?page_id=98
(acedido em 26 de Setembro de 2014).

4
existência de um recurso apresentado pelo arguido sobre a decisão da autoridade
administrativa. Nesta fase, o sujeito activo é o Ministério Público, o qual diligenciará a
prova e tomará o recurso presente ao Juiz, valendo este último acto, como acusação. Por
fim, o tribunal poderá condenar, absolver ou arquivar o processo.

No que respeita ao vertido em sede de disposições legais sobre o tema Segredo de


Justiça, o Regime Geral das Contra-ordenações nada dispõe de forma directa. No
entanto, prevê o artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações que as disposições
vertidas no direito adjectivo criminal são subsidiariamente aplicáveis aqui. Já o artigo
86.º, n.º1 do Código de Processo Penal sobre a epígrafe “Publicidade do processo e
segredo de justiça”, consagra a regra da publicidade do processo penal.

Face ao exposto, coloca-se a questão de se impor ou não uma interpretação que permita
uniformidade de procedimentos, a par da compreensão da dimensão das consequências
que poderão decorrer, tendo especial atenção às contra-ordenações em áreas mais
sensíveis como seja a concorrência.

A pedra angular do nosso estudo terá presente a panóplia de princípios constitucionais,


bem como a subsidiariedade do Direito Penal e Processual Penal consagrados
respectivamente nos artigos 32.˚ e 41.˚ do Regime Geral das Contra-ordenações.

Sabemos que a nossa tarefa é exigente e que o nosso raciocínio deverá ser
desapaixonado dos casos concretos e mediáticos que surgiram por excelência no direito
criminal.

Cumpre proceder a este estudo, embora se sinta a complexidade da matéria dada a


pulverização dos regimes especiais, aliada à ausência de experiência prática e alguma
escassez sobre os elementos em estudo.

5
I. O Direito das Contra-ordenações: um ramo do direito
sancionatório.

O Regime das Contra-ordenações foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de


Julho. O artigo 1º, n.º 1 do referido diploma fundou o conceito de contra-ordenação
como todo o facto ilícito e subjectivamente censurável que preenchesse um tipo legal no
qual cominasse uma coima.

Miguel Pedrosa Machado, socorrendo-se da leitura do Preâmbulo do referido


decreto-lei, refere que de entre os factores atinentes à criação de “um direito de mera
ordenação social” está a necessidade de o ordenamento jurídico português dispor de um
regime sancionatório alternativo e diferente do Direito Criminal. E, bem assim, relegar
o Direito Penal para “tutela de valores ético-sociais fundamentais”, assegurar “a eficácia
dos comandos normativos (…) cuja inobservância não tem a ressonância moral
característica do direito penal”, “encurtar a distância que, a este propósito, separa a
ordem jurídica portuguesa do direito contemporâneo vigentes noutros Estados”. 3

Na edificação deste regime Eduardo Correia, Ministro da Justiça de então,


veiculou que o direito de mera ordenação é um “alliud que, qualitativamente, se
diferencia daquele [referindo-se ao direito criminal], na medida em que o respectivo
ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano
ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito
criminal”.4

Em 1979, pelo Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, é aprovado o Regime Geral das
Contra-ordenações. Este diploma, desprovido de qualquer norma cominada com uma
coima, estabelecia que eram “equiparáveis às Contra-ordenações as contravenções ou
transgressões previstas pela lei vigente a que sejam aplicadas sanções pecuniárias”, e
que ao mesmo tempo podiam ser submetidos os casos indicados na lei (artigo 1.º n.º 3 e
4 desse diploma legal).

3
Veja-se Machado, Miguel Pedrosa. “Elementos para o estudo da legislação portuguesa sobre contra-ordenações,.” In
Direito Penal Económico Europeu, Volume I, Problemas Gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 145 e ss.
4
Cf. Correia, Eduardo. “Direito penal e direito de mera ordenação social.” In Direito Penal Económico e Europeu,
Volume I, Problemas Gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 3 e ss.

6
O direito das contra-ordenações não foi imune a reacções desencadeadas fruto da
ausência de qualquer referência a este tipo de ilícito, que nem era criminal, nem
contravencional, na Constituição de 76, o que também provocou dúvidas de
inconstitucionalidade orgânica.5

A publicação do Decreto-lei 411-A/79, de 1 de Outubro não logrou consolidar o regime


das contra-ordenações, muito pelo contrário, este ficou sem eficácia directa e própria.6

Com o Decreto-lei 433/82, de 27 de Outubro, publicado no uso da autorização


legislativa de 24/82, de 23 de Agosto, o qual instituiu o Regime Geral do Ilícito de Mera
Ordenação Social recordando no Preâmbulo que “o aparecimento do direito das contra-
ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado
contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos
domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc.”, de forma
avessa ao alargamento da intervenção do direito criminal e em entendimento que tal
“significaria, para além de uma manifesta degradação do direito penal, com a
consequente e irreparável perda da sua força de persuasão e prevenção, a
impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas
de prevenção e repressão da criminalidade mais grave”.

O significado do Direito das Contra-ordenações ficou, pelo menos, em termos formais,


bem firmado segundo a definição colhida no vertido Decreto-lei nos termos do artigo
1.º:“constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo
legal no qual se comine uma coima”. A discussão no plano doutrinal sobre os critérios
substanciais que presidiram na separação da fronteira entre crime – contra-ordenação,
ficou, pelo menos, amenizada, sendo certo que tal “não significa porém que atrás da
decisão legislativa não estejam (e devam estar) razões de ordem substancial que a
comandam e que ela deva respeitar.” 7 Assim, a fórmula utlizada pela lei para fazer
corresponder os factos à subsunção ao direito das contra-ordenações, afere-se pela

5
Na medida em que o Governo invadiu a reserva da competência da Assembleia da República nos termos do texto
constitucional de 79, no artigo 167.º, al. e), hoje equivalente ao disposto no artigo 165.º, al. d). A referência ao
domínio deste regime apenas foi admitido expressamente na revisão de 1982 (Cf. Miranda, Jorge. As Constituições
Portuguesas de 1982 ao texto actual da Constituição. Lisboa: Petrony, 2004, p. 330.
6
Foi eliminado disposto no artigo 1.º, n.º 3 e 4 do Decreto-lei 232/79, de 24 de Julho, em consequência ficou
comprometido o âmbito da aplicação do direito das contra-ordenações.
7
Vide Dias, Jorge de Figueiredo.“Direito Penal, Tomo I.” pp. 155-168. Coimbra Editora, 2011, p.165.

7
dependência directa do texto conter o vocábulo “coima”, 8 segundo um critério
simplesmente nominal. 9 Na certeza, porém, de que “a qualificação das contra-
ordenações (..) não pode ser uma decisão arbitrária do legislador ordinário”.10 A coima é
uma sanção exclusivamente patrimonial, não convertível em pena de prisão.11

Reconhecemos a proximidade material, desde logo, na própria edificação do Regime


Geral das Contra-ordenações, face ao direito criminal, sem prejuízo da diversidade
processual marcada pela prerrogativa que a autoridade administrativa desempenha na
12
tramitação do processo desde a instrução à decisão. O núcleo do domínio
sancionatório está colocado sobre a esfera da acção da autoridade administrativa, na
iniciativa do processo ou da decisão que venha a proferir, condenatória ou de
arquivamento (artigo 54.º do Regime Geral das Contra-ordenações). A decisão
condenatória é, porém, susceptível de impugnação judicial, interposta pelo arguido ou
defensor. É a lei que dita a conversão da decisão impugnada numa acusação, artigo 62.º,
n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações, relegando, agora, o papel da autoridade
administrativa, em prol do Ministério Público (artigo 70.º do Regime Geral das Contra-
ordenações). Posto isto, é proferida uma decisão pelo Tribunal que a aprecia, condena o
arguido (diferentemente ou não), absolve ou arquiva o processo.

No processo contra-ordenacional, o conhecimento da infracção e o sancionamento, por


estar sob a órbita dos poderes da entidade administrativa, coloca os tribunais ao nível da

8
A coima é uma sanção não convertível em pena de prisão, pelo que, assume a configuração de uma pena
exclusivamente pecuniária, veja-se o disposto no artigo 89.º do Regime Geral das Contra-ordenações que dispõe
sobre a execução deste tipo de sanção.
9
Cf. Moutinho, José Lobo. Direito das contra-ordenações, Ensinar e Investigar. Lisboa: Universidade Católica,
2008, p. 29. Apud, Ferreira, Cavaleiro de. Direito Penal Português. Lisboa: Verbo, 1982, p. 17.
10
Cf. Idem, p. 32.
11
Nos termos do disposto no artigo 17.º do Regime Geral das Contra-ordenações estatui-se sobre a variação dos
limites máximos e mínimos quanto ao montante da coima. Já o artigo 89.º do mesmo diploma prevê que o não
pagamento da coima gera um processo de execução. É certo que a natureza exclusivamente patrimonial não constitui
um critério diferenciador, porquanto em processo penal as multas aplicadas às pessoas colectivas não são susceptíveis
de serem convertidas em prisão. As coimas enquanto sanção punitiva não estão associadas a um carácter admonitório,
conforme veicula Figueiredo Dias. Cf. Dias, Jorge de Figueiredo.“Direito Penal, “Direito Penal, Tomo I.”.
Coimbra Editora, 2011, p.166. Não se encontra essa correspondência na estrutura ou no regime legal da coima.
“Mesmo em caso de ínfima gravidade, a coima pode ser substituída por admoestação (…)” Cf. Moutinho, José Lobo.
(Op. cit.), p. 37.
12
À excepção dos casos em que se verifica concurso de crime e contra-ordenação nos termos do disposto do artigo
38.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações, os quais caem sob o domínio das autoridades competentes para o
processo criminal, assim como, nas situações em que a contra-ordenação é conhecida no processo criminal, por
conversão do tribunal (art.º 77.º do Regime Geral das Contra-ordenações).

8
subsidiariedade, na medida em que intervêm por via do recurso de impugnação 13
quando haja divergência quanto à sanção aplicada.

Face à diversificação sentida, sobretudo, pela força da autoridade administrativa na


promoção do processo e respectiva sanção, admitimos que o processo das contra-
ordenações assume uma natureza muito própria – “híbrida”14 e/ou mista.

Exposta esta afirmação, coloca-se a seguinte questão: não obstante a diferença entre o
ilícito criminal e contra-ordenacional, estarão os arguidos nos processos contra-
ordenacionais protegidos pelo “escudo” das garantias do processo penal previstas na
Constituição da República Portuguesa?

A resposta é positiva. Reconhecemos no tópico das garantias a existência de confluência


na diversidade destes regimes. Aliás, de outra forma não se poderia entender a revisão
de 1989 que previu a inclusão deste ramo do direito no disposto no artigo 32.º da nossa
Lei Fundamental. Avançando, quer os direitos de audição e defesa e as demais garantias
do processo criminal constantes na Constituição aplicam-se e engrandecem o Direito
das Contra-ordenações. Sem prejuízo de se subordinarem “um juízo estruturalmente
analógico, o que terá de ser levado a cabo mediante o confronto da razão de ser da
garantia constitucional do processo penal com a estrutura do processo de contra-
ordenações” 15

É a autonomia e diversidade da natureza própria do Direito das Contra-ordenações, a


par da proximidade ao Direito Penal e os princípios constitucionais que nos movem
neste curso.

13
Ou, ainda, por via da necessidade de executar a sanção nos termos e para efeitos do disposto no artigo 55.º do
Regime Geral das Contra-ordenações.
14
Cf. Moutinho, José Lobo. Direito das contra-ordenações, Ensinar e Investigar. Lisboa: Universidade Católica,
2008, p. 39. Apud, Ferreira, Cavaleiro de. Curso de processo penal, II. Lisboa: Danúbio, 1986, p. 64.
15
Cf. Idem, p. 41.

9
II. As Contra-ordenações no trilho da publicidade e do segredo de
justiça, à luz das disposições da nossa Lei Fundamental e do Código de
Processo Penal

O regime da publicidade versus segredo de justiça no Regime Geral das Contra-


ordenações deverá ser interpretado à luz da Constituição da República Portuguesa, bem
como atendendo ao disposto no Código de Processo Penal. Este último, relembre-se,
aplicável ao direito sancionatório contra-ordenacional, atento ao artigo 41.º, n.º1 do
Regime Geral das Contra-ordenações que determina a aplicação subsidiaria do direito
penal adjectivo.

Do princípio do Estado de Direito vai a exigência pelo respeito e protecção, garantia e


realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, conforme consagram os artigos 2.º e
9.º, al. b), ambos da Constituição da República Portuguesa.

No domínio do direito das contra-ordenações e, em particular, no tema em estudo, será


que podemos estender as garantias constitucionais que ocupam um lugar primordial no
direito processual penal? 16

O artigo 32.º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa prevê:


Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos
sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

Esta disposição legal reconhece que há princípios comuns no domínio dos processos
sancionatórios e impõe de forma directa e, em especial, o direito de audição e defesa.
Estes direitos estão, nas palavras do Tribunal Constitucional, no “epicentro” das
garantias. Sem prejuízo de nos adiantarmos, esta garantia foi depois directamente
concretizada no Regime Geral das Contra-ordenações no disposto do artigo. 50.º
daquele diploma. 17

16
Com resposta positiva à aplicação das garantias constitucionais processuais à fase administrativa e judicial no
processo contra-ordenacional, Vide Palma, Maria Fernanda, e Paulo Otero. “Revisão do regime legal do ilícito de
mera ordenação social: parecer e proposta de alteração.” Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
Vol. XXXVII, 1996, p. 584.
17
“As garantias constitucionalmente impostas no âmbito do processo contra-ordenacional corresponderão, assim, a
um standard representativo e concretizador dos limites constitucionais ao exercício do poder estadual sancionatório,
às quais não é, por isso, possível opor argumentos relacionados com a projecção processual da diferente natureza dos
ilícitos em causa ou da menor ressonância ética e consequencial do ilícito de mera ordenação social. No epicentro de
tais garantias encontrar-se-ão, assim, os direitos de defesa e de audiência correlativa assegurados no artigo 32º, n.º10,

10
Por outro lado, “As garantias dos arguidos nos processos sancionatórios não se limitam
a estes direitos (de audição e defesa), mas é noutros preceitos constitucionais (..) que
eles encontram estreito, ou seja, o direito de impugnação perante os tribunais das
decisões sancionatórias, direito que se funda, em geral, no artigo 20º, n.º 1 (…), para a
fase de impugnação judicial da decisão de aplicação de coima, valem as genéricas
garantias constitucionais dos processos judiciais, quer directamente referidas naquele
artigo 20.º (…) quer dimanados do princípio do Estado de Direito Democrático (…)”18

Resulta da própria arquitectura do nosso ordenamento jurídico que os direitos que


possamos conhecer no domínio sancionatório e, em especial o de audição e defesa, que
os mesmos não valem por igual ou em bloco e em toda a extensão do processo como
funcionam no direito processual penal, uma vez que dependem de uma interpretação
analógica.

Impera ter especial acuidade no domínio sancionatório, em que é necessário apelar às


garantias dos cidadãos,19 razão pela qual não é possível opor os argumentos de menor
ressonância ética do ilícito de mera ordenação social.20

da Constituição da República Portuguesa, e concretizados, para o processo contra-ordenacional, no artigo 50º do


Regime Geral das Contra-ordenações.” Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009, de 03 de Março,
Processo n.º 11/CCP, Plenário, Relator Rui Manuel Moura Ramos, in http://www.tribunalconstitucional.pt; Não
podemos argumentar pela “menor dignidade” ou pela ideia de estarmos perante “bagatelas jurídicas”, porquanto trata-
se de direito sancionatório público em que o Estado, intervenciona, protege a regulação da vida social nos vários
campos de actuação, desde os mercados, saúde pública, economia, segurança rodoviária, transparência da vida
política e pública, etc. Por outro lado, resulta do disposto no artigo 8.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa,
a obrigatoriedade de interpretar o disposto no artigo 32.º n.º 10 da Constituição à luz do artigo 6.º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, o qual no n.º 1 dispõe: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja
examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido
pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…)”. A Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, vem, assim, admitir a inexistência de distinção – “substancial” – entre direito penal e direito contra-
ordenacional para efeitos do direito de defesa, Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Outubro de
2008, Processo n.º 1441/08-1, Relator João Gomes de Sousa, in http://www.dgsi.pt/.
18
Cf. Miranda, Jorge, e Rui Medeiros. “Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I.” Coimbra Editora, 2010, em
anotação ao artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, p. 741.
19
Igual sensibilidade teve o Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Abril de 2012:“agravaram-se as sanções
aplicáveis neste ramo do Direito, através de um alargamento do leque das sanções acessórias e de um aumento
considerável dos montantes das coimas. Por outro lado, «o legislador tem procurado equilibrar este agravamento
sancionatório com um incremento da componente de garantia do regime do ilícito de mera ordenação social,
realizando para o efeito uma aproximação vincada aos institutos e soluções do direito penal. (...) Entre a garantia e a
eficácia o legislador tem optado, talvez correctamente, por privilegiar a primeira. Esta componente garantística é, a
nosso ver, indispensável para buscar o equilíbrio necessário, sem o qual se violararia o n.º 2 do Art.º 18.º da
Constituição da República Portuguesa. Neste contexto, não pode o legislador incrementar a sanção sem conceder aos
visados as garantias de defesa adequadas a este sistema igualmente punitivo, para não comprometer a justiça e a
equidade deste processo no Estado de Direito. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Abril de 2012,
Processo n.º 594/11.5TAPDL.L1-5, Relator Simões de Carvalho, in http://www.dgsi.pt/. No sentido de considerar
que as garantias do processo penal se deverão estender ao processo contra-ordenacional, já havia confirmado o

11
Assiste-se a uma construção e a articulação entre a regulamentação substantiva e
adjectiva do direito sancionatório, em geral, mediante o “transvase” dos princípios
fundamentais do direito penal e processual penal para o Ilícito de Mera Ordenação
Social, de forma directa, por força da aplicação destes em todo o domínio do direito
público sancionatório, e não apenas em regime de subsidiariedade prevista por lei. 21

Este direito sancionatório, ainda que contemple uma fase dominada por uma entidade
administrativa, o enquadramento constitucional exposto torna evidente que não estamos
perante um direito administrativo sujeito às garantias deste ramo, mas sim de “matéria
para-penal”.22

O artigo 20º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “acesso ao


direito e à tutela jurisdicional efectiva”, dispõe:
A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

Segundo Rui Medeiros,23 a inserção sistemática desta alínea no âmbito deste artigo
fora do âmbito sancionatório demonstra que a protecção do segredo de justiça
compreende uma amplitude que vai além do processo penal e que a sua regulamentação
faz-se por lei.24 De igual modo, também o ordenamento jurídico deve materializar de
forma directa ou indirecta o modus operandi da protecção do segredo noutros ramos do
direito, como seja o Direito das Contra-ordenações.

No que respeita à articulação de princípios e direitos constitucionais invocados para


aferir a necessidade de adequada protecção do segredo de justiça na ponderação de

Assento n.º 1/2003, a propósito do artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações: "Quando (..) o órgão instrutor
optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente
notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos
relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade (...)".
Cf. Assento n.º 1/2003, de 16 de Janeiro (Relator José António Carmona da Mota), in Diário da República, I Série -
A, n.º 49 de 27 de Fevereiro, pp. 1409 e ss.
20
Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da
República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora,
2011, em anotação ao artigo 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 138
21
Catarino, Luís Guilherme. Regulação e Supervisão dos Mercados de Instrumentos Financeiros. Coimbra:
Almedina, 2010, pp. 670, 748 e 749.
22
Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “As codificações sectoriais e o papel das contra-ordenações na organização
do direito penal secundários.” In Direito Penal Económico e Europeu, Volume III, Textos doutrinários. Coimbra:
Coimbra Editora, 2009, p. 37
23
Miranda, Jorge, e Rui Medeiros. “Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I.” Coimbra Editora, 2010, anotação ao
artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 455.
24
Concordamos com esta posição, até porque o legislador, não raras vezes, vem afirmar excepções à publicidade dos
processos, a título de exemplo fora do âmbito sancionatório, no domínio do processo civil atente-se ao disposto no
artigo 163.º, n.º1 do Código de Processo Civil.

12
bens, surge o princípio da presunção de inocência plasmado no artigo 32.º, n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa,25 o direito ao bom nome e à reputação (artigo
26.º da Constituição da República Portuguesa), uma expressão directa do postulado
básico do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição da
República Portuguesa), o princípio da audiência e defesa, na medida em que nenhuma
decisão atentatória da esfera jurídica das pessoas pode ser tomada sem que esta seja
ouvida, que também tem incidência na prova e parte da estrutura acusatória do processo,
cuja sede constitucional está presente no artigo 32.º n.ºs1 e 7 da Constituição da
República Portuguesa. Deste último não se confunde o direito ao contraditório, que é
também uma garantia constitucional e está presente no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição
da República Portuguesa.

1. Breve justificação: o fundamento jurídico da publicidade e do segredo de


justiça
Para darmos início ao nosso estudo há que compreender o sentido e a dinâmica do
“segredo de justiça”, atendendo ao fundamento que assiste à sua construção.

A sofisticação da organização da sociedade, aliada à concreta prática infractora, podem


determinar a sujeição de um processo ao segredo de justiça, para impedir que os agentes
frustrem a descoberta da verdade material, designadamente, actuando sobre a prova a
ser recolhida num determinado processo. Refere Germano Marques da Silva
que “não é só, porém, a preocupação de perseguição dos criminosos e descoberta da
verdade que justifica o secretismo da investigação. Também a defesa e a paz do suspeito
e dos seus familiares, até porque o suspeito tem direito a ser tratado como presumido
inocente (…)” e, acrescenta, ainda, a protecção da independência dos tribunais.26 Por
outras palavras, ditar um processo ao segredo de justiça tem por base dois vectores: o da
eficácia e utilidade da investigação e a protecção da vida privada do arguido e das
outras pessoas que surjam eventualmente no processo.

O Código de Processo Penal dispõe, no do artigo 86.º, n.º1, que a regra é a da


publicidade do processo penal. Com as alterações introduzidas pela Lei 48/2007, de 29
de Agosto, constata-se que o legislador tomou posição no que respeita à

25
Reconhecido na comunidade internacional através da sua consagração na Declaração Universal dos Direitos do
Homem (artigo 11.º) e na Convenção Europeia (artigo 6.º).
26
Silva, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, Volume II. Lisboa: Verbo, 2011, p. 42 e 43.

13
(des)necessidade de aplicar o segredo de justiça: hipervaloriza o interesse do Estado no
que toca à transparência na administração da justiça. “A publicidade é uma garantia de
transparência da justiça e consequentemente um modo de facilitar a fiscalização da
legalidade do procedimento.”27

A prossecução penal orientada pelo vector da publicidade pode, em alguns casos, ser
inócua para a investigação, no sentido de não comprometer a sua boa realização, onde a
preservação do segredo nem por isso garante a eficácia da investigação. 28 No entanto,
não pode o direito sancionatório ficar alheio à sobreposição mediática dos processos,
esta sim, propensa a prejudicar o decurso das investigações, os direitos do arguido e das
vítimas ou testemunhas, carreando dúvidas sobre uma imparcialidade instigada, por
vezes, em informações e factos que ainda não comportaram uma decisão definitiva.
Somos conscientes de que os processos que vivem na incerteza da condenação podem
sujeitar a vidas das pessoas e empresas a importantes restrições, ainda que o resultado
não passe pela sanção.

A compreensão do conteúdo e da amplitude da publicidade e segredo no direito


processual penal passa por atender ao disposto nos artigos 86.º, 87.º, 88.º, 89.º e 90.º,
todos do Código de Processo Penal.

No estudo que agora realizamos é importante termos presente o esqueleto formado pelas
disposições adjectivas penais nesta matéria para que se possa, eventualmente, caso se
figure plausível, equacionar a sua aplicação prática no direito das contra-ordenações.

A revisão de 2007 transportou para o domínio do nosso ordenamento jurídico uma


mudança de paradigma sobre a temática do segredo de justiça. A alteração introduzida
elegeu como regime regra um novo princípio: a publicidade do processo (artigo 86.º,
n.º1 do Código de Processo Penal). Esta disposição legal fixou a regra da publicidade,
mas a lei consagra possibilidades de excepção na fase do inquérito.

27
Silva, Germano Marques da. “A publicidade do processo penal e o segredo de justiça: um novo paradigma?”
Revista Portuguesa de Ciência Criminal, (a.18) n.º 2 e 3, Abril - Setembro de 2008, p. 261.
28
Cf. Inchausti, Fernando Gascón. “ffms.” http://www.ffms.pt. Janeiro de 2013. https://www.ffms.pt/upload/docs/o-
segredo-de-justica_YzcIfM_01k-lRhY6A-I56A.pdf (acedido em 10 de Agosto de 2015), p. 15.

14
Ademais, este regime não encontra paralelo em muitos dos ordenamentos jurídicos
conhecidos.29 O inquérito é de natureza inquisitória e, como tal, deveria estar coberto
pelo segredo de justiça.30

Nos termos do artigo 86.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ainda que se reconheça a
regra da publicidade do inquérito, o juiz de instrução, caso entenda que esta prejudica os
direitos dos sujeitos processuais, pode declará-lo secreto, mediante requerimento do
arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público.31

Igualmente pode o Ministério Público afastar a regra da publicidade, se entender que os


interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justificam (artigo
86.º n.º 3 do Código de Processo Penal).

A publicidade do processo implica os direitos consagrados no disposto no artigo 86.º,


n.º 6 Código de Processo Penal, os quais se referem à publicidade externa (isto é, como
e quando podem os terceiros, que não são sujeitos processuais conhecerem o processo).
Já a publicidade interna (isto é, como e quando podem os sujeitos processuais
conhecerem o processo) encontra-se regulada no artigo 89.º Código de Processo
Penal32.

Paulo Pinto de Albuquerque defende que o disposto no artigo 89.º Código de


Processo Penal ao fixar a regra da publicidade interna do inquérito é inconstitucional
assim como, por maioria de razão e identidade de argumentos, o regime relativo à
publicidade externa. O Autor, partindo do estudo do regime legal aposto quanto ao

29
Cf. Mendes, Paulo Sousa. Lições de Direito Processual Penal. Coimbra: Almedina, 2013, p. 67. Vide estudo sobre
o segredo de investigação do processo penal numa perspectiva comparada, Inchausti, Fernando Gascón. “ffms.”
http://www.ffms.pt. Janeiro de 2013. https://www.ffms.pt/upload/docs/o-segredo-de-justica_YzcIfM_01k-lRhY6A-
I56A.pdf (acedido em 10 de Agosto de 2015).
30
Esta alteração introduzida não foi imune a críticas. Cf. Idem, p. 67., Apud Dias, Jorge de Figueiredo. “Sobre a
revisão de 2007 do Código de Processo Penal Português.” Revista de Ciência Criminal Portuguesa (n.º 18), 2008,
p.371-375.
31
Sobre a ponderação realizada pelo juiz contestou o Juiz Conselheiro Benjamin Rodrigues no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 428/2008, de 12 de Agosto, onde refere: “Não cabe ao Tribunal Constitucional dizer qual é o
melhor direito, mas apenas se o direito dito como foi dito é ou não direito válido.” Assim, considera que na
ponderação dos interesses em jogo não pode o tribunal substituir-se ao legislador. Cf. Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 428/2008, de 12 de Agosto, Processo n.º 520/08, 2.ª Secção, Relator Conselheiro Mário Torres, in
http://www.tribunalconstitucional.pt.
32
Estipula o artigo 89.º n.º1 Código de Processo Penal que:
Durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar,
mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes
extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de
justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a
investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.

15
segredo interno, entende ser inadmissível e incompatível com a nossa Lei Fundamental,
de seguida, defende o mesmo entendimento quanto ao regime em sede de segredo
externo.33

No decurso da análise do artigo 89.º, n.º1 Código de Processo Penal, concebido para
regular o âmbito da publicidade interna do processo, este Autor considera que o mesmo
“viola frontalmente a estrutura acusatória do processo.” O princípio da acusação obsta a
cumulação da função de acusação e investigação na pessoa do julgador. O desígnio
deste princípio procura efectivar a garantia de imparcialidade do julgador e a igualdade
de armas e tem sede constitucional no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República
Portugesa. 34 O contraditório impera em dois segmentos: no julgamento e nos actos
instrutórios que a lei determinar. A plenitude do princípio do contraditório é alcançada,
mas não só, pela publicidade interna do processo, a qual irá servir o exercício do
contraditório sobre a prova nos autos. É a lei que tem de determinar quais são os actos
que na fase anterior ao julgamento estão subordinados ao contraditório e, acrescente-se,
à publicidade interna.35 A leitura que o Autor extrai da nossa Lei Fundamental é que
vigora a regra do segredo interno antes do julgamento e que cabe à lei concretizar as
excepções. O que não se verificou com a opção legislativa tomada em 2007, aquando da
elevação da publicidade interna como regra, em atropelo a uma disposição
constitucional não revista, tornando inócua a ideia de que o direito processual penal é
direito constitucional aplicado.

Paulo Pinto de Albuquerque evidência que esta nova redacção do Código de


Processo Penal “vem baralhar as fases de investigação e de julgamento antecipando a
publicidade e o contraditório para fase de investigação, convertendo, no fundo, o
inquérito num julgamento antecipado.” 36

33
Vide Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República
Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011,
anotação aos artigos 86.º e 89.º, pp. 250 e 262.
34
Dispõe o artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa:
O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios
que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
35
Cf. Albuquerque Paulo Pinto de. “Comentário do Código de Processo Penal…(Ob cit.), anotação ao artigo 89.º,
p.262.
36
Idem. Neste sentido, fica, então, comprometida a separação funcional e orgânica típica da estrutura acusatória e
que a Constituição da República Portuguesa desenhou, já que, é suposto que a fase da investigação seja secreta, sem
contraditório e dominada pelo Ministério Público, e que, por outro lado, a fase de julgamento seja pública, com
contraditório e dominada por um juiz. Daqui resulta que o artigo 89.º n.º1 e 2 do Código de Processo Penal é, em

16
Este Autor na análise do artigo 89.º, n.º 2 do Código de Processo Penal,37 observa um
outro contributo de inconstitucionalidade, porquanto o Ministério Público é relegado a
figura simbólica numa fase em que, supostamente, é o dominus do processo. Aqui, o
juiz de instrução criminal é o detentor da última palavra, definitiva, quanto à decisão
sobre o segredo de justiça, pronunciando-se se esta pode ou não prejudicar os interesses
de uma investigação, conferindo-lhe um poder de “arbitragem” que pode confluir com
as “tácticas de jogo” da investigação, da qual não é Senhor.38

Este autor defende que a regra da publicidade interna e externa do inquérito é


inconstitucional por violação do conceito constitucional de instrução, da estrutura
acusatória e da função constitucional do Ministério Público. Acrescentando, quanto à
dimensão da publicidade externa, a violação da protecção constitucional devida ao
segredo de justiça (artigo 20.º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa) e da
presunção de inocência (artigo 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa).39

Neste percurso, não nos cabe alongar mais sobre este posicionamento. Porém, a nossa
lei fundamental no artigo 20.º, n.º 3 não impõe o segredo de justiça no processo, admite
a sua existência por meio de uma lei apta a reger os limites e o âmbito da consagração
do segredo. Esta conformação operada por lei é concebida como um direito, cujo
garante é, em ultima instância, o juiz ou tribunal.40

2. A subsidiariedade do Direito Processual Penal, uma solução?


No direito das contra-ordenações, não encontramos qualquer disposição legal que fixe
um regime da publicidade versus segredo do processo contra-ordenacional nos termos e
moldes em que encontramos no Direito Processual Penal. Esta omissão da lei vem, por
isso, justificar a importante tarefa interpretativa do nosso trabalho.

conclusão, inconstitucional ao consagrar a regra da publicidade interna do processo na fase do inquérito por violação
dos artigos 2.º e 32.º, n.º 5, ambos da Constituição da República Portuguesa.
37
O artigo 89.º n.º2 do Código de Processo Penal refere que:
Se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior,
o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível.
38
Desta forma, vem igualmente pronunciar-se pela inconstitucionalidade deste preceito por contundir
com os artigos 2.º, 20º, n.º1, 32.º n.º 5 e 219.º n.º1, todos da Constituição da República Portuguesa.
39
Vide Albuquerque Paulo Pinto de. “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República
Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 4ª Ed., Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011,
anotação ao artigo 86.º p. 250 e 251.
40
Neste sentido, Silva, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, Volume II. Lisboa: Verbo, 2011, pp. 49 e 50.

17
Resolvido o problema sobre saber qual o viabilidade e extensão de aplicar aqui o Direito
Processual Penal, e, caso figure plausível uma resposta positiva, importa compreender
em que termos é que o regime irá funcionar. Ou seja, será um Juiz por despacho a
decretar a sujeição dos autos de um processo de contra-ordenação ao segredo de justiça?
A requerimento de quem? Para o segredo de justiça ser decretado nos termos do
disposto no artigo 86.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, bastará invocar a
necessidade de acautelar os interesses da investigação e/ou dos sujeitos processuais?
Quais as valências da autoridade administrativa? Poderá esta entidade decretar a
sujeição dos autos ao segredo de justiça? Deverá ter o Ministério Público alguma
intervenção ou papel na decisão de validação de decretar os autos a segredo de justiça?

É ponto assente que existem zonas de convergência entre o Direito Penal e o Direito das
Contra-ordenações e, bem assim, nas respectivas disposições referentes ao direito
adjectivo da cada um destes. Não é por acaso que o Regime Geral das Contra-
ordenações define o Direito Penal e o Direito Processual Penal como direito subsidiário
nos artigos 32.º e 41.º, do Regime Geral, respectivamente.

Dispõe o n.º1 do artigo 41.º do RGCO:


Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis,
devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.

Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral41 são do entendimento que


nem todo o Direito Processual Penal se aplica ao processo de contra-ordenação, nem se
aplica de forma automática em todos os casos e, quando aplicável, carece de ser
devidamente adaptado. Estes autores concebem a tarefa interpretativa em dois
momentos. No primeiro, o aplicador do Direito terá de aferir da necessidade e da
admissibilidade de regular a questão através do Direito Processual Penal. Esta fase é
decisória, porque prejudicial na análise do segundo momento. Assim, caso a resposta
seja positiva aos requisitos (necessidade e admissibilidade), terá lugar a operação
hermenêutica – determinar se as normas do Direito Processual Penal se aplicam
literalmente ou se têm de ser “devidamente adaptadas” à estrutura, funcionamento, valor
e fins do processo de contra-ordenação.

41
Cf. Mendes, António Jorge Fernandes de Oliveira, e José dos Santos Cabral. Notas ao regime geral das contra-
ordenações e coimas. Lisboa: Almedina, 2003, em anotação ao artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

18
Porém, estes autores não logram quais os critérios que devem presidir à análise dos
requisitos da necessidade e da admissibilidade de regular a questão através do Direito
Processual Penal. Cremos, no entanto, que o primeiro se traduz na análise prévia sobre
qual a intenção do legislador em ocultar o regime da situação da vida que se quer
regular, e o segundo com o exame às disposições do Regime Geral das Contra-
ordenações, se este obsta ou não à aplicação das normas adjectivas do direito criminal.

Simas Santos e Lopes Sousa, retiram deste preceito que há uma “remissão
global” para todas as disposições processuais criminais, no entanto, advertem que “tal
aplicação não é de fazer quando deste RGCO (Sic.) [Regime Geral das Contra-
ordenações] ou de legislação especial resulte o afastamento de tais normas”,42 ou ainda
por “afastamentos directamente derivados da Constituição”. Os autores evidenciam, no
entanto, a possibilidade de aplicar directamente as normas do Código de Processo Penal
quando “se adequam à natureza das contra-ordenações e à estrutura do processo contra-
ordenacional”, ainda que adaptadas, se necessário.43- 44 Todavia, estes autores, não se
pronunciam sobre a reflexão prévia à aplicação das disposições do direito adjectivo
criminal, designadamente sobre a necessidade de tutela jurídica da questão.

Helena Bolina menciona que a remissão para as disposições constantes no Código


de Processo Penal não é automática e deve ser adaptada às particularidades do Regime
do Ilícito de Mera Ordenação Social. A aplicação deste artigo fica, desde logo, excluída

42
Em sentido idêntico Sérgio Passos, “as normas do processo penal são sempre aplicáveis desde que o contrário
não resulte deste diploma (referindo-se ao Regime Geral das Contra-ordenações)”, acrescentando, “devendo também
ser aplicadas as normas para as quais remetam por sua vez as normas de processo penal”. In Passos, Sérgio. Contra-
ordenações, Anotações ao Regime Geral. Lisboa: Almedina, 2009, em anotação ao artigo 41.º do Regime Geral das
Contra-ordenações.
43
Vide Santos, Manuel Simas, e Jorge Lopes de Sousa. Contra-ordenações, anotações ao regime geral. Lisboa:
Vislis, 2001, em anotação ao artigo 41º do Regime Geral das Contra-ordenações. Também neste sentido,
Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da
República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora,
2011, em anotação ao artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações. Estes Autores acrescentam que as normas
processuais penais são aplicáveis ao processo contra-ordenacional em toda a sua extensão, quer na fase
administrativa, quer na fase judicial. Com igual posicionamento, Vide Pereira, António Beça. Regime Geral das
Contra-ordenações e Coimas: D.L. 433/82. 8.ª Edição. Coimbra: Almedina, 1992, anotação ao artigo 41.º daquele
diploma.
44
Também a pugnar pela necessária adaptação, Cf. Dantas, Leones. “Os direitos de audição e defesa no processo das
contra-ordenações, artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.” Revista do Centro de Estudos
Judiciários, (n.º 14), 2.º Semestre de 2010, p.295.

19
quando exista um “núcleo de aspectos” expressamente regulados pelo Regime Geral das
Contra-ordenações.45

Frederico da Costa Pinto46 na análise a esta disposição legal, fragmenta em


dois planos o pressuposto negativo que se traduz na exigência de “o contrário não
resultar do diploma”. O autor veicula que caso existam regras expressas no Regime
Geral das Contra-ordenações sobre uma matéria, pode-se impedir a aplicação do Direito
Processual Penal, ou ainda, quando a aplicação deste seja contrária à essência axiológica
e estrutural do Direito das Contra-ordenações. De onde resulta, a impossibilidade de
propugnar uma aplicação directa do direito adjectivo criminal e aponta para a
necessidade de aferir o intuito do legislador de aplicar ou não o regime do Direito
Processual Penal ao Direito das Contra-ordenações.

A aplicação subsidiária de um ramo de Direito ou de um regime jurídico a uma matéria


encerra uma técnica legislativa de delimitação do regime jurídico aplicável numa certa
área da vida e não um processo de integração de lacunas. Esta técnica de aplicação
subsidiária adoptada consubstancia-se numa opção de economia legislativa, sustentada
em razões de proximidade sistemática e, até, afinidade material ente os dois ramos de
Direito, a qual opera por meio de reenvio.47

Em nossa opinião, o Regime Geral das Contra-ordenações nada prevê de forma directa e
expressa sobre matéria ora em estudo. Questão que se coloca é saber se estamos perante
um caso de omissão intencional, em que o legislador faz uma opção que pretende fazer

45
Cf. Bolina, Helena Magalhães. “O direito ao silêncio e o estatuto dos supervisionados à luz da aplicação subsidiária
do processo penal aos processos de contra-ordenação no mercado de valores mobiliários.” Revista do Centro de
Estudos Judiciários, (n.º 14), 2.º Semestre de 2010, pp. 382-430.
46
“No processo de integração de lacunas, o texto a interpretar não é ab initio omisso. A lacuna será integrada de
acordo com as regras gerais dos artigo 10.º e 11.º do Código Civil, se não existirem regras especiais para o efeito
(como acontece, por exemplo, com o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal). O processo de integração
de lacunas tem pressupostos e limites que não são os de aplicação subsidiária. A Existirem lacunas no Direito de
Mera Ordenação Social no que tange ao processo de contra-ordenação deve aplicar-se, com as necessárias adaptações
(ex vi artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações), o regime do artigo 4.º do Código de Processo Penal:
aplica-se em primeira linha e devidamente adaptado as disposições do ramo específico ou do Regime Geral,
consoante a fonte da lacuna, em segundo lugar aplicam-se as normas do Código de Processo Penal, depois as
disposições processuais civis que se harmonizem com o direito das contra-ordenações, de seguida os princípios gerais
do direito das contra-ordenações e, finalmente, os princípios gerais do processo penal. Cf. Pinto, Frederico de
Lacerda da Costa. “O acesso de particulares a processos contra-ordenação arquivados. Um estudo sobre o sentido e
limites da aplicação subsidiária do Direito Processual Penal ao processo de contra-ordenação.” In Estudos em
homenagem à Professora Isabel Magalhães Collaço, Volume II. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 616 e ss.
47
Cf. Idem.

20
valer uma solução distinta e indiferente à do processo penal, e bem assim, da alteração
operada pela Lei 48/2007, de 29.08.48

Serão os valores e interesses que o direito das contra-ordenações tutelam que vão
justificar uma solução diferente? Fará sentido haver segredo de justiça no direito das
contra-ordenações, em oposição ao estatuído para o processo penal em que se fixa uma
regra da publicidade? Será pertinente e concebível que o processo penal contenha uma
regra de publicidade, inclusive na fase de inquérito, e o processo contra-ordenacional
veja na fase administrativa uma tutela de segredo? Não nos esqueçamos, a primeira fase
do direito das contra-ordenações corre perante uma autoridade administrativa, a qual,
sem prejuízo do disposto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República, não actua
com o mesmo escopo próprio das entidades judiciárias.

Cremos que a lei, numa análise global, ao prever a aplicação subsidiária do direito
processual penal, pela proximidade estrutural deste, bem como, por estarmos na órbita
do direito sancionatório público, está a concretizar um mecanismo de importação dessas
soluções, em que procura homogeneizar ou aproximar as soluções apostas no processo
penal. Em simultâneo, de forma expressa, obsta a uma aplicação directa, sem mais, abre
uma “janela” que almeja do intérprete uma tarefa de devida adaptação e, eventualmente
de criação, sem que se perverta a essência dos valores e interesses, em ordem à
salvaguarda da identidade própria e arquitectura do Regime Geral das Contra-
ordenações.

Por outro lado, desta disposição percebemos que é afastada a aplicação subsidiária do
direito administrativo, ainda que no Direito das Contra-ordenações sejamos
confrontados com uma intervenção de uma entidade materialmente administrativa, a
qual, sublinhe-se, dotada de cariz sancionatório.49

48
Antes da nova redacção dada ao Código de Processo Penal nesta matéria, a questão da aplicação subsidiária já se
suscitava. Cf. Patto, Pedro Vaz. “O segredo de negócio e o segredo de justiça no Direito sancionatório.” In Direito
sancionatório das Autoridades Reguladoras, de Maria Fernanda Palma e outros (coord.). Coimbra: Coimbra Editora,
2009, p. 226.
49
Vide Antunes, Manuel Ferreira. Contra-ordenações e coimas, anotado e comentado. Lisboa: Dislivro, 2005, em
anotação ao artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações. Para este autor a aplicação do direito administrativo
seria violadora deste artigo. “As competências contra-ordenacionais começam por ser atribuídas às autoridades
administrativas. Todavia, salvo melhor exegese, estas aplicam um direito fechado (típico) do sancionatório, que não
se confunda em qualquer vínculo do agente do facto à administração, nem na natureza do vínculo da AA (Sic.)
Autoridade Administrativa à administração, nem na noção de acto ou actividade administrativos propriamente ditos.
Funda-se, parece-nos, na diversa natureza sancionatória deste tipo de direito.”. Neste sentido, Pereira, António Beça.
Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas: D.L. 433/82. 8.ª Edição. Coimbra: Almedina, 1992, na anotação ao

21
3. A tramitação processual do Direito das Contra-ordenações, a fase
administrativa, em especial.
A correcta análise do problema apresentado impõe uma análise e compreensão do
processo de contra-ordenação nas suas diversas fases. Os contornos do objecto do nosso
estudo é vasto porque abarca toda a extensão do processo e em todas as fases tem
interesse, ainda que, em algumas conte com uma resposta mais coerente.

A tramitação do processo de contra-ordenação compreende duas grandes fases: a fase


administrativa e a fase de julgamento, esta facultativa.

O nosso estudo estará concentrado na fase administrativa, por uma questão de


metodologia e pela maior importância que o problema aqui apresenta.

A primeira grande fase, designa-se por administrativa porque é em regra conduzida por
uma autoridade administrativa (artigos 33.º, 34.º e 35.º, todos do Regime Geral das
Contra-ordenações). Porém, verificada a situação de concurso entre contra-ordenação e
crime, a competência para a promoção do processo pertence às autoridades judiciárias
em processo penal (artigos 38.º do Regime Geral das Contra-ordenações).

A sistematização do Regime Geral das Contra-ordenações não prevê uma divisão entre
impulso e decisão. Não se descortina a existência de uma regulação autónoma da fase
administrativa, porém, pelos actos e actividades processuais relevantes, esta fase
engloba três momentos: da notícia da infracção à defesa do arguido, da instrução e da
decisão final do processo. 50 Assim, a extensão do processo contra-ordenacional, no

artigo 41.º do mesmo diploma legal. Assim, não figura possível que o processo contra-ordenacional seja susceptível
de ser enquadrado como procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no artigo 2.º n.º 5 do Código
Procedimento Administrativo, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro. Mais acrescente-se na
ordem de argumentos de afastamento do Direito Administrativo o facto das disposições da Constituição da República
Portuguesa confinarem-no aos valores ensaiados no Direito Processual Penal, ao inserir o direito de defesa dentro das
garantias em processo criminal (artigo 32.º, n.º 10) e não no Título IX respeitante à Administração Pública, bem
como ao abranger o regime geral no círculo das reservas relativas da Assembleia da Republica (artigo 165.º n.º1 al. d)
e, ainda, quando se refere à retroactividade da declaração de inconstitucionalidade nos termos do artigo 282.º n.º3.
Por outro lado, reforça ainda o argumento desta proximidade a elevação da protecção do segredo no direito das
contra-ordenações a um bem jurídico-penal tutelado nos termos do artigo 371º, n.º2 al. a) do Código Penal. Vide
Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “O acesso de particulares a processos contra-ordenação arquivados. Um estudo
sobre o sentido e limites da aplicação subsidiária do Direito Processual Penal ao processo de contra-ordenação.” In
Estudos em homenagem à Professora Isabel Magalhães Collaço, Volume II. Coimbra: Almedina, 2002, p.609.
50
Cf. Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “O direito de audição e direito de defesa em processo de contra-
ordenação: conteúdo alcance e conformidade constitucional.” Revista Portuguesa de Ciência Criminal, A.23, n.º 1 de
Jane-Março de 2013. Também com a mesma segmentação Cf. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral
da República n.º 84/2007, de 28 de Fevereiro (Relator António Leones Dantas), in DR 2.ª Série, n.º 68 de 7 de Abril,
pp. 15223 e ss.;

22
prisma dos actos realizados compreende os seguintes momentos: 1) a abertura e a
instrução, anteriores à imputação dos factos ao arguido (por acto equivalente a uma
acusação); 2) a fase em que se garante o direito de defesa do arguido e se prepara a
decisão final; 3) a fase posterior à decisão da autoridade administrativa de condenação
ou de arquivamento; 4) a fase de impugnação judicial; 5) a fase posterior ao trânsito em
julgado do processo junto do tribunal; 6) a fase de execução judicial por incumprimento
do pagamento da coima.51

A Administração está subordinada à Constituição e à Lei, os seus órgãos e agentes


devem actuar com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça, da imparcialidade e da boa fé, atento ao disposto no artigo 266.º, n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa.

Em consonância com o disposto nos artigos 43.º do Regime Geral das Contra-
ordenações sujeita-se o processo das contra-ordenações ao princípio da legalidade.
Inferimos que, esta disposição interpretada e conjugada com o artigo 54.º do mesmo
diploma, a autoridade administrativa é obrigada a promover o processo de contra-
ordenação.

O processo contra-ordenacional versa sobre infracções de natureza pública. As


autoridades têm um dever de participar as infracções das quais tomem conhecimento, o
que traduz a existência de um regime de notícia de infracção que nos faz recordar o
processamento dos crimes públicos.

Nos termos do artigo 54.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações, sob a epígrafe
“da iniciativa e da instrução”, o processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante
participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia
particular.

A actuação da entidade administrativa deve estrita obrigação à lei, sem margem para
discricionariedade na iniciativa da investigação e instrução da contra-ordenação. O
princípio da legalidade, a par do direito de defesa, transporta as razões de garantismo e
que se pretende salvaguardar no processamento das contra-ordenações, livra o cidadão

51
Cf. Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “O acesso de particulares a processos de contra-ordenação arquivados.
Um estudo sobre o sentido e limites da aplicação subsidiária do Direito Processual Penal ao processo de contra-
ordenação.” In Estudos em homenagem à Professora Isabel Magalhães Collaço, Volume II. Coimbra: Almedina,
2002, p. 603.

23
de ser surpreendido com um processo não consignado na lei. Desta forma, o
fundamento essencial de um Estado de Direito mantém-se honrado e é afastada
suspeição de parcialidade, deixando íntegro o princípio da igualdade vertido no artigo
13.º da Constituição da República Portuguesa.

O primeiro momento da fase administrativa tem início com a notícia da infracção52 e,


realizada a imputação da responsabilidade pela infracção, vai até ao momento em que é
dada a possibilidade do arguido se pronunciar nos termos do artigo 50.º do Regime
Geral das Contra-ordenações.53

Saliente-se que este primeiro momento é interceptado ao longo da sua extensão pela
prática de actos de investigação em instrução (artigo 54.º, n.ºs 2 e 3 do Regime Geral
das Contra-ordenações). 54

Dispõe o artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações :


Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem
antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se
pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou
sanções em que incorre.

Estes dois actos processuais podem ser, de forma simplificada e nas palavras de
Frederico da Costa Pinto, designados como acusação e defesa. Pela imputação
da contra-ordenação e respectivas sanções, principais e/ou acessórias, o arguido fica a
conhecer formalmente a sua situação de eventual sujeição à responsabilidade contra-
ordenacional.

Conceder ao arguido da possibilidade de se pronunciar sobre essa situação de sujeição,


ou seja, sobre o enquadramento jurídico e sanções, permite, assim, o exercício do seu
direito de defesa, a que acresce a possibilidade fornecer e propor à autoridade
administrativa outros elementos relevantes para a sua defesa, ou, ainda, caso entenda

52
Artigo 54.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações .
53
Vide a análise ao artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações em Dantas, Leones. “Os direitos de audição e
defesa no processo das contra-ordenações, artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.” Revista do
Centro de Estudos Judiciários, (n.º 14), 2.º Semestre de 2010, pp. 298 e ss.
54
Anote-se, a doutrina diverge quanto ao desempenho e eficácia simultânea de uma entidade receber e decidir, de
concentrar actos da notícia da infracção, instrução e de decisão, todos na mesma autoridade administrativa e no
mesmo processo. Na Lei-Quadro das Contra-ordenações Ambientais a entidade autuante ou participante não pode ter
função instrutória no mesmo processo (artigo 48.º da Lei 50/2006 de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de
31.08).

24
adequado, poderá nada dizer55/fazer. Cumpre-se, igualmente, o direito de audição, o
qual verifica-se em momento anterior à decisão final, em consonância, também, com o
disposto no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.56

O direito de audição e defesa consubstanciam um momento fulcral na fase


administrativa, na medida em que o arguido pode além de facultar elementos de prova
em eventual colaboração na obtenção da verdade material, intervir no processo e
requerer que sejam realizadas outras diligências (periciais, documentais, testemunhais)
em sua defesa, as quais deverão ser deferidas pela entidade administrativa, salvo
manifesta impertinência das mesmas. 57-58 O arguido tem um poder sem paralelo no
processo penal, onde pode influir numa decisão carreada de significado e carácter de
para-decisão final que vai além da existência de “indícios”. Saliente-se, “trata-se de
faculdades que o arguido utilizará ou não conforme entender e da forma que
entender.”59

Esta disposição legal nada refere quanto à forma para o exercício destes direitos neste
âmbito, razão pela qual, figura defensável que poderão ser exercidos de forma oral ou
escrita. Aquilo que a lei exige, em suma, é que ao arguido seja dado o conhecimento da
factualidade imputada e respectivo enquadramento jurídico, 60 - 61 e acrescente-se a
faculdade de reagir em contraditório.

55
Sem que o silêncio possa valer contra este, artigo 61.º, n.º1, al. d) do Código de Processo Penal, aplicável por força
do disposto no artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações.
56
Vide Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “O direito de audição e direito de defesa em processo de contra-
ordenação: conteúdo alcance e conformidade constitucional.” Revista Portuguesa de Ciência Criminal, A.23, n.º 1 de
Jane-Março de 2013, p. 74.
57
Há um dever de abstenção tomado por decisão da autoridade administrativa quando estas não se afigurem úteis
para a descoberta da verdade material. Cf. Santos, Manuel Simas, e Jorge Lopes de Sousa. Contra-ordenações,
anotações ao regime geral. Lisboa: Vislis, 2001, em anotação ao artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações.
58
O exercício do direito de audição e defesa, manifesta a realização do princípio do contraditório, uma exigência
natural do Estado de Direito, a qual tem assento constitucional nos termos do artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da
Republica Portuguesa. O contraditório, porém, “não é um direito absoluto e incondicionado; as provas e o juízo sobre
a pertinência das mesmas ou forma de as produzir estão cominados ao instrutor”, o qual não é obrigado a aceitar
todos os meios, sendo certo que essa decisão está submetida ao escrutínio judicial, artigo 55.º e 61.º do Regime Geral
das Contra-ordenações. Vide Catarino, Luís Guilherme. Regulação e Supervisão dos Mercados de Instrumentos
Financeiros. Coimbra: Almedina, 2010, p. 746-749.
59
Cf. Santos, Manuel Simas, e Jorge Lopes de Sousa. (Ob. cit.), na anotação ao artigo 50.º do Regime Geral das
Contra-ordenações.
60
Cf. Idem. Também neste sentido, Dantas, Leones. “Os direitos de audição e defesa no processo das contra-
ordenações, artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.” Revista do Centro de Estudos Judiciários,
(n.º 14), 2.º Semestre de 2010, p. 299.
61
“O núcleo duro do direito de defesa implica a notificação de uma acusação que contenha a imputação de factos,
objectivos e subjectivos, e a sanção abstracta cabível, com indicação de circunstâncias que possam influir na medida

25
Dispõe o artigo 33.º do Regime Geral das Contra-ordenações:
O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das
sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as
especialidades previstas no presente diploma. 62-63

A fase administrativa pode ser fragmentada em momentos distintos em função dos actos
praticados: investigação e instrução, comunicação dos factos e, por fim, é formulada
uma decisão. Não figura possível identificar e/ou comparar esta fase com o inquérito do
processo penal.

Na fase administrativa, onde reside a investigação, intervém o “intruso” do


contraditório, e ainda, para culminar, uma decisão “quase jurisdicional”, de
arquivamento do processo ou de condenação do arguido. Assim, não vale o princípio do
acusatório típico do processo penal, porquanto concentra-se funcionalmente numa
entidade o poder de instruir e decidir. A fase administrativa é uma fase sui generis, é
pluridisciplinar pelos actos introduzidos, não pelas entidades intervenientes, já que nesta
fase os únicos sujeitos processuais são apenas a autoridade administrativa e o arguido.

Recolhidos os elementos de prova nesta fase, a autoridade administrativa, caso verifique


a ocorrência de indícios da prática da infracção sobre um agente, irá proferir uma
decisão de condenação em que aplica coimas e/ou sanções acessórias. Caso não seja
imputada a responsabilidade ao infractor, profere uma decisão de arquivamento (artigo
58.º e 54.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-ordenações).

Quando a decisão administrativa é concretizada no sentido de condenar o arguido e este


recorre, o processo contra-ordenacional entra na fase judicial de recurso. Caso assim

concreta da sanção (não basta citar artigos…)” Cf. Catarino, Luís Guilherme. Regulação e Supervisão dos Mercados
de Instrumentos Financeiros. Coimbra: Almedina, 2010, p. 748
62
À luz desta disposição o critério que preside à eleição de uma autoridade como administrativa opera segundo um
critério funcional, ou seja, é toda a entidade pública que nos termos da lei tem competência para aplicar coimas. Cf.
Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da
República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora,
2011, em anotação ao artigo 33.º Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-
ordenações as autoridades admnistrativas no processo de aplicação da sanção gozam dos mesmos direitos e estão
submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não
resultar da lei. Também as autoridades policiais têm no procedimento das contra-ordenações os direitos e deveres aos
que lhes assistem no processo criminal (artigo 48.º n.º 2 do Regime Geral das Contra-ordenações).
63
Esta excepção corresponde aos casos em que há concurso entre crime e contra-ordenação ou de comparticipação
em que um dos agentes deve responder por crime e outro por contra-ordenação, em que a competência pertence ao
tribunal (artigos 38.º e 39.º, ambos do Regime Geral das Contra-ordenações).

26
suceda, só aqui é que legitimamos o uso do vocábulo “acusação”, porque o Regime
Geral das Contra-ordenações consagra no artigo 62.º, n.º 1 a seguinte equiparação:
Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa
enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz,
valendo este acto como acusação.

Em suma, a autoridade administrativa é por excelência “o grande motor” da vida do


processo contra-ordenacional na fase administrativa, com o arguido a desempenhar um
papel de grande relevo. O processo contra-ordenacional não partilha de uma divisão
sistemática entre os momentos que veiculámos, nesta fase não é aposta uma dinâmica de
partilha de actos como os que se verificam entre o Juiz e o Ministério Público no
processo penal, como sejam as disposições compreendidas nos artigos 268.º e 269.º do
Código de Processo Penal, veremos se este aspecto pode e em que termos, influir sobre
a nossa temática. No entanto, salientamos que o ambiente do processo contra-
ordenacional conhece igual, e eventualmente, a lesão de direitos fundamentais, em tudo
semelhante ao processo penal, por força da sua natureza sancionatória e dos bens
jurídicos a proteger.64 A nuance é introduzida pela condensação de actos tomados pela
entidade administrativa entre os quais, eventualmente, de aplicar medidas lesivas no
processo contra-ordenacional, em que a autoridade administrativa não conta com
qualquer interferência de autoridades judiciárias, quer seja por intervenção directa ou
autorização ou ratificação. 65

4. A resposta ao objecto do nosso trabalho


A compreensão do alcance do regime do segredo de justiça passa pelas justificações que
oportunamente já veiculámos e que, em síntese, estão interligadas com o princípio da

64
Refere o artigo 42.º do Regime Geral das Contra-ordenações:
1 - Não é permitida a prisão preventiva, a intromissão na correspondência ou nos meios de
telecomunicação nem a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional.
2 - As provas que colidam com a reserva da vida privada, bem como os exames corporais e a prova de
sangue, só serão admissíveis mediante o consentimento de quem de direito.
Esta disposição trata da matéria probatória e das medidas de coacção, estando, por isso, inteiramente aliada ao
conteúdo dos direitos fundamentais dos cidadãos consignados na nossa Lei Fundamental tipicamente evocados no
direito sancionatório. Note-se, porém, que os regimes especiais de alguns sectores podem derrogar esta disposição e
prever medidas de coacção, como seja a suspensão preventiva da actividade, a sujeição desta a determinadas
condições, ou outras destinadas a acautelar o efeito útil da decisão final.
65
Estas decisões podem ser impugnadas por uma forma especial de recurso, artigo 55.º do Regime Geral das Contra-
ordenações. Trata-se de uma decisão que consubstancia um despacho interlocutório, porque proferido no âmbito do
processo, que pode atingir sujeitos processuais, intervenientes e até terceiros ao processo, o qual deve ser
fundamentado nos termos do disposto no artigo 97.º, n.º1, al. b) e n.º 5 do Código de Processo Penal, aplicável por
força do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

27
presunção de inocência, com a eficácia da investigação e preservação dos meios de
prova, dada a natural exigência de funcionalidade e transparência da justiça, a par da
garantia e protecção da vida privada dos envolvidos.

É verdade que na prossecução de um processo contra-ordenacional encontramos os


mesmos fundamentos e receios na dialéctica entre segredo e publicidade. No direito das
contra-ordenações lidamos com a necessidade de protecção de interesses públicos a que
o Estado atribuí importância para a ordenar a vida na sociedade, interesses de vasta
natureza, dos mercados, saúde pública, segurança rodoviária, económicos, alguns e
outros conjunturais. Em todo o caso, estamos perante bens jurídicos de interesse
público, onde o conhecimento de um processo gratuitamente infundado pode, em certos
sectores, por exemplo, carrear prejuízos avultados a uma entidade, ou mesmo inflamar a
emoção da comunidade dos mercados financeiros. Reconhecemos, igualmente, que na
órbita deste ramo, alegadamente, de “bagatelas sancionatórias” deverá ser placidamente
processado e com respeito dos princípios constitucionais e valores tutelados pelo nosso
ordenamento jurídico.

Da análise realizada ao disposto no artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações


referimos que no global o Regime Geral das Contra-ordenações é compatível com a
importação das soluções do Direito Processual Penal, feitas as necessárias advertências
no que toca esta operação.

Na reforma do Código Processo Penal vingou a regra da publicidade desde o início do


processo, incluindo a fase do inquérito, de onde se incrementa o interesse do Estado na
transparência na administração da justiça, reflexo de um novo paradigma na dialéctica
do segredo e da publicidade.

Em relação ao objecto do nosso estudo a aplicação subsidiária não é verosímil.

Sobre o tema objecto do nosso trabalho, a doutrina portuguesa tem sido sensível às
questões colocadas e debruçou-se de forma mais ou menos intensa sobre o assunto.

Em posição maioritária, alguns Autores, ainda que de forma superficial e sem distinguir
a fase e/ou momentos presentes na fase administrativa, perfilam o entendimento de que
as autoridades administrativas e o processo contra-ordenacional estão estritamente

28
vinculados às regras impostas quanto à publicidade do processo e do segredo de justiça
regulados no art.º 86.º no Código de Processo Penal.66-67

Depois da revisão do Código Processo Penal foi elaborado um Parecer pelo Conselho
Consultivo da Procuradoria Geral da República sobre a aplicação ao processo das
Contra-ordenações do regime do segredo de justiça consagrado no Código de Processo
Penal.68 A questão foi colocada pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica,
por excelência, uma autoridade bastante mediática pela importância e reflexos que um
processo de contra-ordenação poderá suscitar nos negócios, sobretudo quando não
existam indícios suficientemente consistentes no sentido de aplicação de coima.69

O Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República vem defender a


aplicação subsidiária das disposições projectadas no Direito Processual Penal, por via
do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações.

Através da importação da solução prevista no domínio do direito adjectivo criminal, o


mencionado Parecer vai no sentido de que a regra da publicidade vale igualmente no
Regime Geral das Contra-ordenações, salvo quando a publicidade seja afastada com os
fundamentos que tradicionalmente justificam o segredo de justiça: os interesses da
investigação e a protecção da imagem social do arguido, em função da natureza dos

66
Cf. Passos, Sérgio. Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral. Lisboa: Almedina, 2009, anotação ao artigo
43.º do Regime Geral das Contra-ordenações. Cf. Fernandes, António Joaquim. Regime geral das contra-ordenações,
notas práticas. 2.ª Edição. Lisboa: Ediforum, 2002, anotação ao artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações.
Este autor, apesar de também não delimitar o âmbito processual, nem adiantar o modus operandi do regime, mostrou-
se particularmente sensível aos valores ínsitos nesta problemática, ao acrescentar que o segredo se justiça no processo
contra-ordenacional tem natureza penal nos termos do artigo 371.º do Código Penal. Cf. Também Mendes, António
Jorge Fernandes de Oliveira, e José dos Santos Cabral. Notas ao regime geral das contra-ordenações e coimas.
Lisboa: Almedina, 2003, em anotação ao artigo 45.º do Regime Geral das Contra-ordenações. E Cf. Antunes, Manuel
Ferreira. Contra-ordenações e coimas, anotado e comentado. Lisboa: Dislivro, 2005, em anotação ao artigo 45.º do
Regime Geral das Contra-ordenações.
67
Destaque-se que Frederico da Costa Pinto fragmentou e posicionou-se relativamente a esta matéria,
defendeu que o processo contra-ordenacional no momento anterior à acusação formal se encontrava em segredo de
justiç, para acautelar a investigação e a situação jurídica do arguido nesta fase de resultado incerto. Para o efeito,
invocou o disposto no artigo 86.º do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 41.º do Regime Geral
das Contra-ordenações, donde resultava o segredo e uma limitação ao acesso ao processo e, em princípio, vedado aos
particulares. Posto isto, refere que durante toda a fase administrativa vigora o segredo de justiça, por força do artigo
371.º, n.º 2 do Código Penal. Cf. Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “O acesso de particulares a processos contra-
ordenação arquivados. Um estudo sobre o sentido e limites da aplicação subsidiária do Direito Processual Penal ao
processo de contra-ordenação.” In Estudos em homenagem à Professora Isabel Magalhães Collaço, Volume II.
Coimbra: Almedina, 2002. pp.603-605.
68
Vide Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 84/2007, de 28 de Fevereiro (Relator
António Leones Dantas), in Diário da República 2.ª Série, n.º 68 de 7 de Abril, pp. 15223 e ss.
69
Como salienta Patto, Pedro Vaz. “O segredo de negócio e o segredo de justiça no Direito sancionatório.” In Direito
sancionatório das Autoridades Reguladoras, de Maria Fernanda Palma e outros (coord.). Coimbra: Coimbra Editora,
2009, p. 230.

29
interesses envolvidos, resultante da aplicação do disposto no artigo 86.º n.ºs 2 e 3 do
Código de Processo Penal, por força do artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-
ordenações.

Decretado o segredo pela Autoridade Administrativa nos termos do artigo 86.º n.ºs 2 e 3
do Código de Processo Penal, o acesso do arguido ao processo pode ser vedado, sempre
que se entenda que o acesso possa prejudicar a investigação, por decisão fundada, nos
termos do disposto no artigo 89.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável por força
do o artigo 41.º n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações.

No momento em que estão pendentes as investigações preliminares, em que ainda não


foi dada a possibilidade do arguido exercer o direito de audição e defesa previsto no
artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações, o arguido pode, em todo o caso,
mediante requerimento, invocar a necessidade de acesso ao processo e preparar, desde
logo, a sua defesa atento ao disposto no artigo 89.º, n.º 1 do Código de Processo Penal,
também aplicável nos termos do artigo 41.º n.º1 do Regime Geral das Contra-
ordenações.

No seguimento deste Parecer, o acesso ao processo por parte do arguido (dimensão


interna), a ser recusado, não o pode ser ad aeternum: “vai cessar no momento em que a
investigação inicial estiver esgotada e em que a autoridade administrativa der
cumprimento ao disposto no artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações.” 70
Assim, aquando da transição para o momento da audição e defesa, realizada por
notificação ao arguido, cessa impreterivelmente o regime de segredo que haja sido
fixado. A partir deste momento, não faz sentido persistir o segredo interno, em
homenagem ao princípio do contraditório.

Na dimensão externa, a ser fixado o regime do segredo, enquanto não expirarem os


fundamentos que permitiram a sua formulação, este regime manter-se-á, até à decisão
tomada pela autoridade administrativa nos termos do artigo 59.º do Regime Geral das
Contra-ordenações.

Como evidenciámos, no âmbito do processo penal, assiste-se a uma bipartição de


tarefas entre o Juiz e o Ministério Público. Ora, confrontados com o Regime Geral das

70
Também com a mesma posição Fernandes, António Joaquim. Regime geral das contra-ordenações, notas práticas.
2.ª Edição. Lisboa: Ediforum, 2002, na anotação ao artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

30
Contra-ordenações, tal não se verifica. Na tramitação da fase administrativa do processo
consignado no Regime Geral das Contra-ordenações o Ministério Público não tem
competência para dar ordens ou directivas, tão pouco de fiscalização da autoridade
administrativa. Esta entidade apenas intervém aquando do recurso de impugnação nos
termos do artigo 62.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações. Aqui, pode, porém,
segundo o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República,
pronunciar-se sobre a actuação da autoridade administrativa nos termos do disposto no
artigo 53.º, n.º1 do Código de Processo Penal. No entanto, destaca-se que “nos casos
pontuais em que a lei preveja a possibilidade de realização no processo das contra-
ordenações de diligências que se mostram judicializadas no processo penal, o juiz, antes
de autorizar a realização das mesmas, pode ouvir o Ministério Público, mas não
ocorrem aqui as razões que impõem essa audição no processo penal”.

Teoricamente, o artigo 41.º n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações vem exigir
uma adaptação no sentido de não comprometer a estrutura deste processo.

A adaptação que aqui transposta foi colocar a autoridade administrativa sob a égide da
ponderação dos interesses relevantes (investigação e protecção da imagem social do
arguido), enquanto dominus da fase administrativa e titular da acção contra-
ordenacional, tendo por base o argumento de que não vigora o princípio do acusatório
pela ausência de divisão da tarefa de investigar e decidir. Assim, incumbe à Autoridade
Administrativa que dirige o processo proferir a decisão de sujeição do mesmo ao regime
de segredo, oficiosamente, ou a requerimento do arguido (artigo 41.º, n.º 2 do Regime
Geral das Contra-ordenações).

A decisão de decretar ou indeferir a sujeição do segredo, ou, ainda, qualquer acto que
impeça o acesso ao processo pelo arguido são susceptíveis de ser impugnadas
judicialmente (artigo 55.º do Regime Geral das Contra-ordenações). Saliente-se que o
recurso é dirigido para o Juiz competente para decidir o recurso previsto no artigo 61.º
do mesmo diploma, não o Juiz de instrução.

Paulo Pinto de Albuquerque 71 insurgiu-se contra a doutrina defendida no


Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República. Motivado pelo

71
Cf. Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da
República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora,
anotaçao ao atiro 48.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

31
espírito e pela letra da lei, este autor considera que durante a investigação preliminar e
enquanto não for notificado nos termos do artigo 50.º do Regime Geral das Contra-
ordenações, a ser decretado o segredo de justiça, o arguido não pode requerer o acesso
aos autos para preparar a sua defesa com base na aplicação do artigo 89.º, n.º1 do
Código Processo Penal. Mais adianta que se o arguido requerer o acesso aos autos nesse
momento processual, a autoridade administrativa pode indeferir o requerido, sem que
este indeferimento possa ser apreciado por um tribunal, sob pena de o tribunal passar a
dominar o processo nesta fase administrativa, sindicando a tempestividade e/ou as
diligências já realizadas ou a realizar. Desta forma, o Autor defende que a fase
administrativa está submetida à regra do segredo interno, a qual cessa com a diligência
especialmente prevista no artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

Segundo este Autor, é a autoridade administrativa que está encarregue de decidir o


momento em que o arguido é ouvido e passa a conhecer a prova processada nos autos,
nos termos do artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações. Indeferido o
requerimento apresentado pelo arguido, este poderá, tão só, suscitar a intervenção do
superior hierárquico.72 Só assim é integralmente cumprido o disposto no artigo 33.º do
Regime Geral das Contra-ordenações que estatuí o processamento das contra-
ordenações na esfera da autoridade administrativa.

A propósito do artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações, mencionámos que


este preceito fixa um momento de grande relevo para o arguido por permitir a
possibilidade deste se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada e a sanção
correspondente, e que se traduz na concretização do princípio da audição. Referimos
igualmente que está aqui em causa o exercício do direito ao contraditório em momento
anterior à decisão administrativa, o qual só pode ser cabalmente desempenhado se o
arguido conhecer a factualidade imputada e o respectivo enquadramento jurídico, o que
se traduz no conhecimento dos autos em toda a sua extensão, desde os factos às
imputações jurídicas.73

72
O autor não indica a este propósito a disposição legal aplicável. Não nos parece existir um obstáculo de natureza
constitucional na aplicação das normas consignadas no Código de Processo Administrativo quanto a uma questão que
está inserida na organização da actividade administrativa. Assim, acrescente-se, que este recurso processar-se-á com
base nos artigos 184.º e 193.º, ambos do Código de Processo Administrativo.
73
“Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, (…) na
correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a
totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante

32
Segundo este autor, porque o processo penal na matéria sobre o segredo interno
encontra uma partilha de atribuições entre Juiz e o Ministério Público, numa solução
atentatória do princípio do acusatório, é incoerente remeter por intermédio do artigo 41.º
n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações para uma solução que defende ser
inconstitucional.

Este argumento, a nosso ver e salvo o devido respeito, padece de uma pequena
fragilidade. É certo, porém, que tem razão em afirmar que não se pode, em abstracto,
invocar uma norma inconstitucional como regime subsidiário. No entanto, contender
com o acusatório não aflige particularmente no âmbito do direito das contra-ordenações
em que a fase administrativa tem uma estrutura claramente inquisitória, porquanto o
princípio da estrutura acusatória está reservado pela Constituição para o processo
criminal.74

A posição defendida nesta ilustre doutrina preconiza a desnecessidade de aplicação


subsidiária nos termos do disposto no artigo 41.º do Regime Geral das Contra-
ordenações, por entender que o artigo 50º do Regime Geral das Contra-ordenações ao
prever o direito de audição e defesa do arguido está de forma directa e expressa a
regular o regime quanto ao segredo interno no processado das contra-ordenações, já que
o exercício daquela faculdade está dependente do conhecimento dos autos em toda a sua
extensão.

O argumento aqui encontrado é bastante lógico, mas, salvo devido respeito, parece
encontrar mais do que sentido interpretativo pode permitir. Não nos parece que o
legislador esteja a regulamentar de forma directa a “adequada protecção do segredo de
justiça”, como impõe o comando constitucional do artigo 20.º, n.º 3 da Constituição da
República Portuguesa, assim não o é, por exemplo, em sede do Direito da Concorrência,
como adiante nos pronunciaremos. Além da norma não se dirigir de forma expressa ao
segredo, não nos parece que o legislador neste concreto artigo esteja a fixar os âmbitos e

afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação,
perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação
administrativa.” Vide Assento n.º 1/2003, de 16 de Janeiro (Relator José António Carmona da Mota), in Diário da
República, I Série -A, n.º 49 de 27 de Fevereiro, pp. 1409 e ss.
74
Cf. Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da
República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora,
2011, em anotaçao ao artigo 33.º. Sendo certo que, casos há em que alguns regimes especiais a autoridade
administrativa para a investigação é distinta do órgão decisor.

33
limites do segredo, tão pouco fixa os elementos de ponderação potencialmente
conflituantes.

Quanto à interpretação construída pelo referido Parecer na dimensão do segredo


externo, Paulo Pinto de Albuquerque também não o poupou a críticas. Este
Autor não concebe que o segredo externo possa cessar por requerimento ou
oficiosamente. Para justificar este posicionamento invoca o disposto no artigo 371.º,
n.º1 e n.º2 al. a) do Código Penal75, e que dispõe o seguinte:
1 - Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo,
ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de
processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo
decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com
pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra
pena for cominada para o caso pela lei de processo.
2 - Se o facto descrito no número anterior respeitar:
a) A processo por contra-ordenação, até à decisão da autoridade
administrativa; ou

(…)

Se a lei penal elege como bem jurídico penal a revelação do conteúdo de um processo
contra-ordenacional no qual ainda não foi proferida a decisão da autoridade
administrativa, quererá isto significar que vigora até este momento uma regra de regime
de segredo na sua dimensão externa? A resposta a esta questão é positiva segundo
Paulo Pinto de Albuquerque. 76 Cremos, no entanto, que esta visão é
excessiva.

75
José Lobo Moutinho e Henrique Salinas, perfilam o entendimento de que no Regime Geral das
Contra-ordenações não existe norma directa ou expressa sobre a natureza pública ou secreta no processo contra-
ordenacional. Porém, estes autores encontram na disposição penal uma fonte interpretativa, sem prejuízo dos casos
em que é legítimo dar conhecimento do acto processual, mediante uma prévia ponderação nos termos do artigo 86.º,
n.º 1 do Código de Processo Penal. Cf. Gorjão-Henriques, Miguel (Dir.). Lei da Concorrência, Comentário
Conimbricense. Coimbra: Almedina, 2013, em anotação ao artigo 32.º da Lei da Concorrência.
76
Também neste sentido, Vide Catarino, Luís Guilherme. Regulação e Supervisão dos Mercados de Instrumentos
Financeiros. Coimbra: Almedina, 2010, p. 637. E Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. “O acesso de particulares a
processos contra-ordenação arquivados. Um estudo sobre o sentido e limites da aplicação subsidiária do Direito
Processual Penal ao processo de contra-ordenação.” In Estudos em homenagem à Professora Isabel Magalhães
Collaço, Volume II. Coimbra: Almedina, 2002, p. 603.

34
Apesar de alguma doutrina encontrar na lei penal uma disciplina autónoma sobre o
segredo de justiça no processo de contra-ordenação, designadamente no artigo 371.º, n.º
2, al. a) do Código Penal, somos de entendimento que esse raciocínio é forçoso. Esta
norma penal prevê tão só uma previsão (quem no processo por contra-ordenação, até à
decisão da autoridade administrativa, ilegitimamente der conhecimento, do teor de acto
de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não
for permitida a assistência do público em geral), que comina numa estatuição de
carácter penal. A tipificação da conduta de divulgação ilegítima nos termos anunciados
é sancionada, contudo não se consegue retirar a densificação e concretização do
conceito de ilegitimidade, por ausência do critério orientador, tão pouco seria coerente
com o Código Processo Penal,77 e acrescente-se, com o nosso ordenamento jurídico, que
esta regulamentação estivesse aqui presente.

O labor da dogmática jurídica não permite a extracção da norma uma regulamentação


do segredo de justiça na dimensão externa no âmbito do processo contra-ordenacional
porque é ausente e, acrescente-se, necessário o critério delimitador dos interesses
potencialmente opostos, uma tarefa por definição realizada pelo legislador do
processo.78

Outro problema, todavia, desprovido da força de argumento jurídico, em relação à


dimensão externa da publicidade nos termos do artigo 86.º, n.º 6, al. a) do Código de
Processo Penal, destacado por Paulo Pinto de Albuquerque, bem como pelo
referido Parecer, prende-se com a questão logística, do ponto de vista da organização e
arquitectónico dos espaços para dar cumprimento ao regime em que se propugna
permitir o acesso do público nos actos processuais nesta fase. Neste sentido, o
funcionamento dos serviços não é compatível com a visita dos habituais curiosos. 79
Também por esta razão sustenta Paulo Pinto de Albuquerque a vigência de

77
Como veicula Germano Marques da Silva, a que acrescenta: “O art. 371.º [do Código Penal] é uma norma
de teor sancionatório pressupondo que a regulamentação dos factos do processo penal e do processo de contra-
ordenação e processo disciplinar submetidos a segredo consta de outros diplomas(…) é uma norma em branco quanto
ao elemento essencial da incriminação consistente na sujeição a segredo de justiça.” Cf., Silva, Germano Marques da.
“A publicidade do processo penal e o segredo de justiça: um novo paradigma?” Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, (a.18) n.º 2 e 3, Abril - Setembro de 2008, p. 271.
78
Neste sentido, A. Medina Seiça na anotação ao artigo 371.º do Código Penal. Cf. Dias, Jorge de Figueiredo
(dirigido por). Comentário Conimbricense do Código penal, Tomo III. 2.ª. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 647.
79
Vide, Silva, Germano Marques da, “A publicidade do processo penal e o segredo de justiça: um novo paradigma?”
Revista Portuguesa de Ciência Criminal, (a.18) n.º 2 e 3, Abril - Setembro de 2008, pp.257-276.

35
um regime de segredo externo durante a fase administrativa em toda a sua extensão.
Limitando-se aquele Parecer a concluir pela inaplicação daquela disposição legal.

Ao analisarmos a posição da doutrina perfilada por Paulo Pinto de


Albuquerque, sentimos que a mesma, salvo o devido respeito, está imbuída pela
filosofia de um pensamento que sobrevaloriza o regime do segredo, caindo no erro, e,
aqui, tal como no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República
n.º 84/2007, deixa ao serviço de uma autoridade administrativa o domínio de uma
ponderação de normas judiciárias de extremo grau de afectação: “a aplicação do segredo
de justiça não se traduz na aplicação de procedimentos, mas de verdadeiros princípios
pelo magistrado judicial cuja ponderação a Constituição não deixa ao aplicador
administrativo (art.º 20.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa)” 80 . Assim,
cremos que esta ofensiva não é tolerável pela nossa Lei Fundamental.

No procedimento contra-ordenacional as diligências levadas a cabo na investigação ao


nível da prova podem, tal como no processo penal, justificar a necessidade de sujeitar o
processo ao regime de segredo. Os processos contra-ordenacionais comportam
igualmente complexidade na investigação e só o regime do segredo é capaz de
salvaguardar a tranquilidade e o planeamento dos actos investigados, em particular
quando estão em causa interesses de natureza económica, onde o debate potenciado pela
comunicação social terá, naturalmente, efeitos colaterais na eficácia da investigação e
na imagem social do arguido. 81 Assim, poderão os arguidos e visados num processo
requerer a sujeição do processo a segredo de justiça (artigo 86.º, n.º2 do Código de
Processo Penal, aplicável por força do artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-
ordenações). De igual forma, poderá sujeitar-se o processo a segredo quando os
interesses da investigação ou os direitos do arguido assim imponham, por aplicação do
disposto no artigo 86.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do
artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações.

Observe-se que, a problemática do segredo interno surge, sobretudo, aquando da


investigação “preliminar”, no momento anterior em que a lei assegura ao arguido a
possibilidade de se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a

80
Cf. Catarino, Luís Guilherme. Regulação e Supervisão dos Mercados de Instrumentos Financeiros. Coimbra:
Almedina, p. 544
81
Conforme veicula o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 84/2007, de 28 de
Fevereiro (Relator António Leones Dantas), in Diário da República 2.ª Série, n.º 68 de 7 de Abril, p. 15229.

36
sanção ou sanções em que incorre nos termos do artigo 50.º do Regime Geral das
Contra-ordenações. Neste momento, o sucesso da investigação pode ditar o processo ao
regime de segredo e, em consequência, vedar o acesso ao arguido. Por aplicação do
artigo 89.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por remissão do artigo 41.º, n.º1 do
Regime Geral das Contra-ordenações, poderá este requerer o acesso, invocando a
necessidade de preparação da sua defesa. Questão que se coloca é se no âmbito das
contra-ordenações se justifica o acesso ao processo por parte do arguido em ordem à
preparação antecipada da sua defesa, já que, atento ao disposto no artigo 42.º do Regime
Geral das Contra-ordenações que rege sobre as medidas de coacção e a matéria
probatória, não se observam os mesmos “constrangimentos” sobre o arguido como
acontece no inquérito do processo penal. 82

Denunciadas estas fragilidades pensamos que, dada a proximidade dos ilícitos contra-
ordenacionais aos criminais e a reconhecida subsidiariedade presente no Regime Geral
das Contra-ordenações, casos há em que a investigação no direito contra-ordenacional
seja admissível chamar à colação as necessidades de protecção da investigação e da
imagem social do arguido. Assim sendo, inclinamo-nos no sentido de em relação ao
tema objecto do nosso trabalho aceitar a subsidiariedade das normas dispositivas no
direito processual penal quanto ao regime da publicidade e do segredo. Sendo aplicáveis
ao processo de contra-ordenação as excepções ao princípio da publicidade, cumpre
densificar o conceito de adaptação que o artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-
ordenações. Se há uma preocupação e um especial cuidado no processo penal em
colocar na esfera de uma magistratura dotada de independência e imparcialidade a
ponderação dos interesses em jogo na restrição à publicidade, não nos parece que
devemos ser menos garantísticos no direito das contra-ordenações, deixando em
primeira instância o balanceamento de valores e princípios materialmente jurisdicionais
ao cuidado de uma autoridade administrativa. A adaptação imposta traduzir-se-á na
entidade que decide submeter um processo contra-ordenacional na fase administrativa: o
Juiz competente para decidir o recurso, nos termos do artigo 55.º e 61.º do Regime

82
Este argumento pode contribuir para justificar o regime do segredo interno quanto a este momento. Contudo, não é
decisivo porque em certos regimes especiais há lugar a aplicação de medidas de coacção e diligências probatórias que
podem contender com direitos fundamentais. Cf. Albuquerque, Paulo Pinto de. “Comentário do Regime Geral das
Contra-Ordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.” Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, p. 155 e ss, em anotação ao artigo 42.º do Regime Geral das
Contra-ordenações.

37
Geral das Contra-ordenações. 83 Um Juiz que, naturalmente, pondera as variáveis em
jogo de acordo com o preceituado no direito processual penal, decidindo sob a forma de
despacho fundamentado. Reconhecemos a complexidade e a relevância do raciocínio
operado mas, só desta forma é que logramos respeitar o preceituado no artigo 20.º, n.º 3
da Constituição da República Portuguesa, em ordem a salvaguardar a adequada
composição dos interesses relevantes nesta sede.

III. O Direito da Concorrência no figurino da publicidade e do


segredo de justiça.

A evidência da vida social torna facilmente compreensível que as questões económicas


e o correcto funcionamento do mercado e das empresas tornam a concorrência numa
matéria primacial não só para os operadores do comércio, como também para os
84
decisores políticos, administrativos e judiciais. A concorrência é um bem
constitucional que se encontra plasmado no artigo 81.º al. f) da Constituição da
República Portuguesa e a sua defesa constituí uma tarefa prioritária do Estado. A
concretização deste preceito constitucional passa pela existência de um Regime Jurídico
da Concorrência capaz de fixar regras, sejam estas ex post, pela via sancionatória, ou ex
ante, pela via da regulação e definição das regras ou preços que a entidade supervisora
terá de acompanhar.85

O processo contra-ordenacional por práticas restritivas da concorrência é dotado de um


regime legal próprio que está presente no Novo Regime Jurídico da Concorrência,
aprovado pela Lei n.º 19/20012, de 08 de Maio (doravante LdC). Compete à Autoridade
da Concorrência o respeito pelas regras de promoção e defesa da concorrência, segundo
o critério da prossecução do interesse público (artigo 7.º, n.º1 da LdC). Esta entidade, no
exercício das suas atribuições legais, em especial pelos poderes sancionatórios, tem por

83
Assim, Silva, Germano Marques da, “A publicidade do processo penal e o segredo de justiça: um novo
paradigma?” Revista Portuguesa de Ciência Criminal, (a.18) n.º 2 e 3, Abril - Setembro de 2008, p.272.
84
A criação de regras de defesa da concorrência, assenta não só sobre os fundamentos políticos (designadamente no
sentido de controlar o exercício do poder dos agentes económicos no mercado, a salvaguarda da liberdade económica,
a redistribuição da riqueza e a protecção dos consumidores) mas, sobretudo nos fundamentos económicos orientados
para a promoção da eficiência e eleição do bem estar social. Com maior desenvolvimento, Silva, Miguel Moura e.
Direito da Concorrência: Uma introdução jurisprudencial. Coimbra: Almedina, 2008, p.7 a 60.
85
Cfr. Mateus, Abel M. “Economia e direito da concorrência e regulação.” Sub Judice. Justiça e sociedade, (n.º 40),
(Jul.-Set.2007) de 2007, p. 11.

38
missão vigiar o respeito por práticas restritivas da concorrência a que correspondem aos
comportamentos inseridos no Capítulo II, no artigos 9.º, 11.º e 12.º da LdC 86 e pelos
artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigo 7.º,
n.º 2 da LdC).

O respeito pelas regras da concorrência atinge todos os sectores actividade económica:


privado, público e cooperativo (artigo 2.º n.º1 da LdC), o qual é assegurado pela
Autoridade da Concorrência que dispõe de amplos poderes sancionatórios, de
supervisão e de regulamentação (artigo 5.º da LdC).87

Nos termos da Lei da Concorrência ao processo sancionatório relativo às práticas


restritivas são aplicáveis o previsto naquela lei e, subsidiariamente, o regime geral do
ilícito de mera ordenação social aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de
Outubro (artigo 13.º n.º 1 da LdC).88

O processamento sancionatório contra-ordenacional conta com uma fase administrativa,


composta por dois momentos: o inquérito (artigos 17.º a 24.º da LdC) e a instrução
(artigos 25.º a 29.º da LdC).

A Autoridade da Concorrência procede à abertura do inquérito, oficiosamente ou na


sequência de denúncia, por práticas proibidas pelos artigos 9.º,11.º e 12.º da LdC ou
pelos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia 89
(artigo 17.º, n.º 1 da LdC). O conhecimento directo das eventuais infracções pode surgir
no decurso de notícias divulgadas pela comunicação social, no desenvolvimento do
acompanhamento dos mercados, ou ainda por intermédio das informações trocadas no
âmbito da Rede Europeia de Concorrência90 (artigo 17.º n.º 1 da LdC).91 A Autoridade

86
Os quais, sucessivamente, configuram as seguintes proibições: acordos, práticas concertadas entre empresas e as
decisões de associações de empresas que atentem a concorrência; abuso de posição dominante e o abuso de posição
económica.
87
Assiste-se, assim, a uma concentração de competências. No quadro dos poderes e atribuições da Autoridade da
Concorrência importa atender ao consagrado no Estatuto da Autoridade da Concorrência, consignado no Decreto-Lei
125/2014, de 18 de Agosto, designadamente ao estatuído no artigo 5.º e 6.º.
88
Sobre o procedimento sancionatório especial por infracções às regras da concorrência, ainda que à luz da Lei
18/2003, de 11 de Junho Vide Mendes, Paulo Sousa. “O procedimento sancionatório especial por infracções às regras
de concorrência.” In Regulação em Portugal: novos tempos, novo modelo?, de Eduardo Paz Ferreira e outros
(coord.). Coimbra: Almedina, 2009,p. 209- 224.
89
Doravante, TFUE.
90
Conforme os artigos 11.º e 12.º do Regulamento da CE n.º 1/2003, do Conselho de 16 de Dezembro de 2002,
relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.ºe 82.º do Tratado e Secção 2.2. da
Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência, 27 de Abril de
2003.

39
da Concorrência também pode tomar conhecimento de alegadas infracções às regras da
concorrência por meio de denúncia de particulares, empresas ou de qualquer outra
entidade pública ou órgão de soberania, sendo que neste último caso, a denúncia de
práticas proibidas é obrigatória e traduz-se num dever legal para todos os serviços da
administração directa, indirecta ou autónoma do Estado, bem como para as autoridades
administrativas independentes (artigo 17.º n.º 1, 3, 4 e 5, todos da LdC).92 A denúncia
dá lugar a uma apreciação preliminar tendo em vista a determinação da existência ou
inexistência de elementos que permitam a abertura de um processo de contra-ordenação
ou de um processo de supervisão, nos termos do artigo 8.º da LdC.

No âmbito do inquérito a Autoridade da Concorrência é competente para promover as


diligências de investigação necessárias à determinação da existência de uma prática
restritiva da concorrência, dos seus agentes, bem como, a recolha de prova (artigo 17.º,
n.º 2 da LdC). 93 Finda esta fase, a Autoridade da Concorrência pode, consoante resulte
94
das investigações uma possibilidade razoável de ser proferida uma decisão
condenatória, ou não, dar início à instrução ou proceder ao arquivamento do processo, e
ainda, pôr fim ao processo em procedimento de transacção (artigo 24.º n.º 3 alíneas a),
b) e c)).95

91
Da mesma forma, a apresentação de um pedido de dispensa ou de redução de coima (vulgo, clemência) por parte de
uma ou mais empresas que tenham participado numa prática de cartel, punível pelo artigo 9.º da Lei n.º 19/2012
(e/ou, se aplicável, pelo artigo 101.º do TFUE), ou de um ou mais titulares de órgãos de administração daquelas, dá
origem a um processo, se contiver notícia de infracção. Neste caso, o requerimento vale como denúncia da infracção.
92
Cfr. Costa, Adalberto. O novo regime jurídico da concorrência, anotado e comentado . Porto: Vida Económica,
2014, anotação ao artigo 17.º da LdC. E, Concorrência, Autoridade da. “concorrencia.” http://www.concorrencia.pt.
26 de Março de 2013.
http://www.concorrencia.pt/vPT/Noticias_Eventos/Noticias/Documents/LO_Instrucao_Processos_2013.pdf (acedido
em 03 de Agosto de 2015), p. 2 e 3.
93
Assim, a Autoridade da Concorrência goza de poderes de inquirição dos representantes de empresas envolvidas,
solicitar documentos, realizar buscas. Vide Mendes, Paulo Sousa, e Fernando Xarepe Silveiro. “Algumas questões em
torno da nota de ilicitude no processo contra-ordenacional por práticas restritivas da concorrência.” Revista do Centro
de Estudos Judiciários, (n.º 14), 2.º Semestre de 2010:, p. 431.
94
Anteriormente na Lei da Concorrência era utilizada a formula “indícios suficientes”. A utilização desse conceito
para a passagem do processo da fase de inquérito para a instrução era altamente discutível. Este conceito tipicamente
inserido no processo penal tem subjacente uma dupla valoração: do material recolhido no processo e da sua
convicção probatória, bem como a sujeição dessa prova à imediação e ao contraditório na audiência de julgamento e
que se traduz num raciocínio de prognose sobre a viabilidade de submeter a julgamento. Não se tratava, pois, de um
conceito apto para marcar o início da instrução no processo contra-ordenacional, onde se pretendia justificar a
prossecução do processo como interrogatório do denunciado e, acrescente-se, por haver um hiato temporal até à
decisão final. Neste sentido, a doutrina distinguiu e considerou a existência de níveis de exigência completamente
diversos. Cfr. Dantas, A. Leones “Procedimentos de natureza sancionatória no Direito da Concorrência.” Sub Judice.
Justiça e sociedade, (n.º 40), Jul. - Set. de 2007, pp. 100 e 101.
95
Sobre a manifestação do principio da legalidade e oportunidade, ainda que à luz da antiga Lei da Concorrência (Lei
n.º 18/2003, de 11 de Junho), com algum paralelo à actual Lei da Concorrência, Vide Veiga, Raúl Soares da.
“Legalidade e Oportunidade no direito sancionatório das entidades reguladoras.” In Direito Sancionatório das

40
Terminado o inquérito e tendo a Autoridade da Concorrência concluído, com base nas
investigações, que existe uma possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão
final condenatória, o processo transita para a fase de instrução (artigos 24.º, n.º3, al. a) e
25.º, n.º1, ambos da LdC).

A instrução inicia-se com a notificação de nota de ilicitude ao visado em que a


Autoridade da Concorrência concede um prazo para que as empresas ou associações de
empresas arguidas se pronunciem sobre as questões que possam interessar à decisão,
bem como sobre as provas produzidas, e ademais, requerem diligências complementares
de prova que considerem convenientes (artigo 25.º n.º1 da LdC) 96 . A Lei da
Concorrência não é precisa quanto ao conteúdo e contornos exactos dessa notificação.97
Adalberto Costa considera que a nota de ilicitude é um conceito inovador a que
corresponde um auto de notícia e que consubstancia um “documento em que é dado o
conhecimento da existência de um comportamento que é indiciado como violador das
regras da competência e que portanto merece censura”. 98 Independentemente do

Entidades Reguladoras, de Maria Fernanda Palma e outros (coordenação). Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 159 e
ss.
96
Se o visado solicitar outros meios de prova, como por exemplo, a audição oral (nos termos do artigo 25.º, n.º2 e
26.º da LdC) ou a junção de documentos, a Autoridade da Concorrência pode recusar, fundamentando, para o efeito a
sua irrelevância ou por considerar constituir uma manobra dilatória do requerente. Adalberto Costa, critica
esta disposição pelo poder discricionário conferido à Autoridade da Concorrência e por comprometer o princípio da
justiça, do contraditório e da defesa. Até à decisão final, a Autoridade da Concorrência pode também propor-se a
realizar outras diligências destinadas à recolha de mais prova, mesmo depois da pronúncia do visado ao abrigo do
artigo 25.º da LdC. A realização de diligências complementares é dada ao conhecimento do visado para que o mesmo
possa reagir. Caso os factos imputados sejam substancialmente alterados, face ao teor na nota de ilicitude, a
Autoridade da Concorrência deve emitir uma nova nota de ilicitude e proceder à notificação do visado, nos termos do
artigo 25.º n.º1 e 2 da LdC. Cfr. Costa, Adalberto. O novo regime jurídico da concorrência, anotado e comentado.
Porto: Vida Económica, 2014, p. 73 e 74, em anotação ao artigo 25.º da LdC.
97
Dúvidas são colocadas sobre inferir se estamos perante uma acusação. A Lei da Concorrência na versão actual não
utiliza o vocábulo contaminado pelo léxico do processo penal como “acusações formuladas” “indícios suficientes”
constante na anterior LdC, designadamente no artigo 25.º e 26.º, correspondentes, parcialmente, aos artigos 24.º e 25.º
da actual LdC. No Regime Geral das Contra-ordenações, subsidiariamente aplicável, não há um despacho equivalente
a este, verifica-se tão só algumas regras sobre a notificação de decisões e despachos aos arguidos nos artigo 46.º e
47.º desse diploma legal. Por sua vez, o Regime Geral das Contra-ordenações, no artigo 41.º n.º1 consagra o Direito
Processual Penal aplicável subsidiariamente. Ora, no Código de Processo Penal o despacho de acusação é proferido
pelo Ministério Público (nos termos do artigo 283.º do CPP) quando hajam recolhidos indícios suficientes da prática
de crime, da mesma forma que a Autoridade da Concorrência decide dar início, através de uma nota de ilicitude, à
instrução quando as provas sejam suficientes sobre a prática de uma infracção. Feita esta análise parece ser
compaginável uma equiparação entre estas figuras, tanto que é dada a oportunidade do arguido se pronunciar sobre
as “acusações formuladas”. Vide Mendes, Paulo Sousa. “O procedimento sancionatório especial por infracções às
regras de concorrência.” In Regulação em Portugal: novos tempos, novo modelo?, de Eduardo Paz Ferreira e outros
(coord.). Coimbra: Almedina, 2009, p. 708. Concordamos com Paulo Sousa Mendes quando afirma que a notificação
não pode apenas concluir sobre a existência de indícios suficientes (Sic.) razoáveis da infracção. Com maior
desenvolvimento sobre a substanciação da notificação Vide Mendes, Paulo Sousa, e Fernando Xarepe Silveiro.
“Algumas questões em torno da nota de ilicitude no processo contra-ordenacional por práticas restritivas da
concorrência.” Revista do Centro de Estudos Judiciários, (n.º 14), 2.º Semestre de 2010, pp. 431-448.
98
Cfr. Costa, Adalberto. (Op. cit.), em anotação ao artigo 25.º da LdC, p. 73.

41
conceito técnico-jurídico utilizado, esta notificação deve integrar uma síntese descritiva
dos factos imputados, da respectiva qualificação jurídica e das sanções abstractamente
previstas para a contra-ordenação que os factos integram. 99 No Regime Geral das
Contra-ordenações, aplicável subsidiariamente, não é encontrada uma norma que
descortine de forma expressa e por completo o que deve ser notificado ao agente
infractor. A norma que aqui mais se aproxima corresponde ao artigo 50.º do Regime
Geral das Contra-ordenações, oportunamente já analisada, e que, em suma, determina
que antes da aplicação da sanção deve ser assegurado ao arguido a possibilidade de se
pronunciar. Todavia esta disposição não identifica o momento, nem o procedimento a
seguir para o efeito. Por conseguinte, atendendo ao normativo presente no artigo 25.º,
n.º1 da LdC podemos dele retirar que o mesmo comporta duas funções: transição da
fase de inquérito para a instrução e proporciona, através da nota de ilicitude, a
possibilidade de exercício do direito de audiência e defesa.100

Com a notificação da nota de ilicitude, os visados passam a ter direito de acesso pleno
ao processo, nos termos do artigo 33.º da LdC. A notificação da nota de ilicitude não
impõe a comunicação integral do conteúdo do processo, nem o envio de cópia de todos
os documentos ou elementos de prova referidos.101 Sem prejuízo de avançar, realizada a
notificação, o processo pode ser consultado pelo visado, na secretaria do Departamento
de Práticas Restritivas, por meio requerimento para o efeito, podendo ainda, obter
cópias ou certidões dos elementos constantes do processo, tendo em vista a preparação
da sua pronúncia.102

Neste contexto, a instrução procura assegurar os direitos de audiência e defesa do


arguido, facultando ao arguido o poder de exercer o contraditório da infracção que lhe
99
Cfr. Dantas, A. Leones, “Procedimentos de natureza sancionatória no Direito da Concorrência.” Sub Judice. Justiça
e sociedade, (n.º 40), Jul. - Set. de 2007, p.107.
100
Deste modo, não só do ponto de vista da entidade interveniente, constata-se que a instrução aqui nada tem que ver
com o a instrução do direito processual penal, porquanto a instrução aqui é obrigatória e não tem vista aferir da
bondade da decisão de inquérito. Cf. Mendes, Paulo Sousa, e Fernando Xarepe Silveiro. “Algumas questões em torno
da nota de ilicitude no processo contra-ordenacional por práticas restritivas da concorrência.” Revista do Centro de
Estudos Judiciários, (n.º 14), 2.º Semestre de 2010, p. 441.
101
Cf. Concorrência, Autoridade da. “concorrencia.” http://www.concorrencia.pt. 26 de Março de 2013.
http://www.concorrencia.pt/vPT/Noticias_Eventos/Noticias/Documents/LO_Instrucao_Processos_2013.pdf (acedido
em 03 de Agosto de 2015), p. 19. Apud , Despacho do Tribunal de Comércio de Lisboa (2.º Juízo), de 30 de outubro
de 2007, Lutamar - Prestação de Serviços à Navegação, Lda. et al. / Autoridade da Concorrência, Processo n.º
662/07.8TYLSB.
102
A confiança no processo só é, todavia, permitida com a decisão definitiva, conforme resultou da
Sentença do 2.º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 15 de Fevereiro, Processo 766/06.4TYLSB, publicado
na Sub Judice, Justiça e sociedade, A Confidencialidade nos Processos de Contra-ordenação, Jul-Set.2007, (n.º 40), p.
154 e ss.

42
foi notificada, assegurando o princípio basilar da disciplina sancionatória da nossa Lei
fundamental presente no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da Republica Portuguesa e
que se encontra no domínio no Regime Geral das Contra-ordenações no artigo 50.º.
Recorde-se, conforme o que oportunamente veiculámos, o exercício do direito de defesa
do arguido, como núcleo essencial das suas garantias de defesa, carece do
enquadramento jurídico das normas potencialmente aplicáveis, da prova produzida, a
par da possibilidade do arguido interferir nestas diligências, quer participando na prova
que foi trazida ao processo ou oferecendo outras. Estamos, assim, perante um princípio
que participa e incrementa a construção de um Estado de Direito, necessário à
realização dos interesses do arguido e das pessoas, em ordem à dignificação da Justiça.

A função primacial da instrução é dar oportunidade do exercício do direito de audiência


e defesa, permitindo a Autoridade da Concorrência reavaliar a situação imputada. Deste
ponto de vista, a nota de ilicitude não pode ser concebida formalmente como uma
acusação, sob pena de afrontar o disposto no artigo 32.º n.º 10 da Constituição da
República Portuguesa, e entrar em desarmonia com o artigo 50.º do Regime Geral das
Contra-ordenações. A nota de ilicitude não pode ser emitida numa fase prematura do
processo, é necessário, pelo menos, que este se encontre, tendencialmente, finalizado,
admitindo, ainda assim, a possibilidade de incorporar novos factos. Assim sendo, a nota
de ilicitude não cristaliza de forma alguma o objecto do processo, o que só se verifica
com a decisão final do processo, no entanto, é uma forma de confrontação da imputação
das práticas operadas.103

O direito de defesa do arguido neste âmbito não é um direito absoluto, porquanto


existem limitações, como sejam o segredo de justiça e o segredo de negócio ou
comercial. O tratamento merecido e a economia do presente trabalho não consente a
exploração do segundo.104

103
Vide Mendes, Paulo Sousa, e Fernando Xarepe Silveiro. “Algumas questões em torno da nota de ilicitude no
processo contra-ordenacional por práticas restritivas da concorrência.” Revista do Centro de Estudos Judiciários, (n.º
14), 2.º Semestre de 2010, p.443 e 444.
104
No entanto, remetemos para quem de direito Vide, Lopes, Patrícia. “Segredos de negócios versus direitos de
defesa do arguido nas contra-ordenações da concorrência.” In Regulação em Portugal: novos tempos, novo modelo?,
de Eduardo Paz Ferreira e outros (coord.). Coimbra: Almedina, 2009, p.77 e ss. Vide, também Sentença do 2.º juízo
do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 15 de Fevereiro, Processo 766/06.4TYLSB, publicado na Sub Judice, Justiça
e sociedade, A Confidencialidade nos Processos de Contra-ordenação, Jul-Set.2007, (n.º 40), p. 143 ss. E, Patto,
Pedro Vaz. “O segredo de negócio e o segredo de justiça no Direito sancionatório.” In Direito sancionatório das
Autoridades Reguladoras, de Maria Fernanda Palma e outros (coord.). Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pp. 233-235.

43
Um dos objectivos que propusemos no nosso trabalho é analisar o regime de
publicidade versus segredo de justiça no direito da concorrência, em particular quanto
às práticas restritivas.

O regime da publicidade versus segredo nos processos contra-ordenacionais em curso


na Autoridade da Concorrência encontra-se primeiramente regulado no artigo 32.º da
LdC. 105 A Lei da Concorrência ao introduzir este preceito clarifica e posiciona este
regime quanto aos processos aqui nascidos, afasta a necessidade de ajustamento ao
Regime Geral das Contra-ordenações e indagação da aplicação do Processo Penal, e por
conseguinte, facilita a tarefa do intérprete-aplicador do direito.

O n.º1 do artigo 32.º da LdC sob a epígrafe “Publicidade do processo e segredo de


justiça” refere:
O processo é público, ressalvadas as exceções previstas na lei.

Esta disposição consagra o princípio da publicidade do processo contra-ordenacional


quanto ao âmbito das práticas restritivas da concorrência. De acordo com o n.º 2
daquele artigo, a Autoridade da Concorrência sujeita o processo a segredo de justiça até
à decisão final (prevista no artigo 29.º da LdC), quando entenda que a publicidade
prejudique os interesses da investigação. Desta forma, pretende-se evitar que os agentes
“atrapalhem” o decurso normal da investigação interferindo sobre a prova, e, assim,
salvaguardar a descoberta da verdade material. O número 2 do artigo 32.º é
objectivamente orientado para os “interesses da investigação” e constitui uma excepção
à regra da publicidade que pode vigorar durante o inquérito ou instrução. A decisão de
sujeitar o processo ao regime de segredo de justiça é revogada quando os pressupostos
que a motivaram já não existam ou, no que respeita aos visado, quando o processo
transite para a instrução pela notificação da nota de ilicitude, neste caso, poderá manter-
se o segredo de justiça em relação a terceiros. Já o número 3 deste preceito, ainda
quanto ao mesmo momento processual, procura salvaguardar em concreto “o visado
pelo processo”. O critério diferenciador aponta para a vocação consoante os valores a
tutelar. A iniciativa da decisão de decretar o segredo de justiça neste âmbito pode ser
oficiosa ou resultar de requerimento do visado e só assim será decidido pela Autoridade

105
Caso estejamos perante uma decisão da Autoridade da Concorrência transitada em julgado a análise desta questão
passará pelo recurso ao regime legal de acesso à documentação administrativa, nos termos da Lei n.º 46/2007, de 24
de Agosto que regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização.

44
da Concorrência, quando entender que os direitos daquele o justificam. O requerimento
pode ser apresentado em qualquer momento do inquérito ou da instrução e deverá ser
devidamente fundamentado. A lei não adianta nem identifica quais são os direitos que
aqui justificam sujeitar este processo ao segredo de justiça. Os direitos que aqui podem
caber, nascem da imagem social das pessoas (singulares ou colectivas 106 ) e que se
projectam no direito à honra e no direito à presunção da inocência dos investigados (que
encontram sede no artigo 26.º e 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa),
uma exigência natural e necessária a uma sociedade democrática inserida num Estado
de Direito.

De acordo com o número 2 e 3 do artigo 32.º, constatamos que a norma permite sujeitar
o processo a segredo de justiça no inquérito ou na instrução consoante os valores que se
querem proteger, os quais, pela sua natureza poderão sobrepor-se e verificarem-se em
simultâneo.

Uma vez decretado o segredo de justiça, o mesmo pode ser levantado, quando não mais
subsistam os interesses lhes tiveram subjacentes, por meio de requerimento do
interessado ou oficiosamente pela Autoridade da Concorrência (artigo 32.º, n.º 4 da
LdC).

O artigo 32.º da LdC, partindo do princípio da publicidade do processo, procura dar


resposta sobre quem toma iniciativa e até quando é possível sujeitar o processo ao
regime do segredo. De seguida, o artigo 33.º da LdC regulamenta o acesso ao processo
ou seja, materializa e caracteriza o âmbito do conceito de acesso, o qual deverá ser
devidamente conjugado com os seus números, bem como com o normativo anterior. Do
artigo 33.º, resulta:
1 - O visado pelo processo pode, mediante requerimento, consultar o processo
e dele obter, a expensas suas, extractos, cópias ou certidões, salvo o disposto
no número seguinte.

106
Importa relembrar que os destinatários dos processos por infracção à Lei da Concorrência são empresas, ou seja,
pessoas colectivas. Cf. Silva, Miguel Moura e. Direito da Concorrência: Uma introdução jurisprudencial. Coimbra:
Almedina, 2008, p. 167. É verdade que alguns direitos fundamentais são incindíveis na pessoa humana, sem a
possibilidade de extensão às pessoas jurídicas. A própria Lei Fundamental afirma que as pessoas colectivas gozam
dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12.º, n.º2). Exige-se um raciocínio de
operabilidade no sentido de aferir se são esses direitos compatíveis. Segundo a jurisprudência do Tribunal
Constitucional “a aplicação dos direitos fundamentais Às pessoas colectivas não pode deixar de levar em conta a
particular natureza destas” in Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/85, publicado na Colectânea Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 6.º Volume, p. 473 e ss.;

45
2 - A Autoridade da Concorrência pode, até à notificação da nota de ilicitude,
vedar ao visado pelo processo o acesso ao processo, caso este tenha sido
sujeito a segredo de justiça nos termos do n.º 2 do artigo anterior, e quando
considerar que tal acesso pode prejudicar a investigação.

3 - Qualquer pessoa, singular ou colectiva, que demonstre interesse legítimo


na consulta do processo pode requerê-la, bem como que lhe seja fornecida, a
expensas suas, cópia, extracto ou certidão do mesmo, salvo o disposto no
artigo anterior.
(…)

Nos termos do artigo 33.º, n.º1 da LdC, o visado no processo pode consultar o processo
e obter extratos, cópias ou certidões, sem que a lei exija quanto a este a observância do
requisito do interesse legítimo, desde logo, porque é visado e pretende tão só poder
exercer o seu direito de defesa. Esta é uma regra que vigora no processo desde o
inquérito até à decisão final e que pode conhecer uma importante excepção: sujeito o
processo ao regime de segredo nos termos do n.º 2 do artigo 32.º, a que corresponde na
sua essência à “hiperglorificação” dos interesses da investigação nos termos
anunciados, o acesso ao processo, bem como a obtenção de tais documentos, é interdito
ao visado, desde que o acesso por parte deste possa prejudicar a investigação 107. Esta
excepção vale até à notificação da nota de ilicitude, ou seja, durante a fase de inquérito
(artigo 33.º n.º2 da LdC). A fase em que o visado é susceptível de ser impedido de
consultar o processo corresponde justamente à fase em que a Autoridade da
Concorrência procede às diligências de investigação, em que esta entidade, no âmbito
dos seus poderes sancionatórios, dispõe de poderes de inquirição, buscas e apreensões
(artigos 18.º a 20.º da LdC). Estamos conscientes da importância do requerimento do
visado em termos da sua estratégia de defesa antecipada, assim como a decisão da
Autoridade da Concorrência neste âmbito, por isso impõe-se particulares exigências de
fundamentação.

A lei não refere, quanto ao visado, se realizada a notificação da nota de ilicitude se


passa a vigorar uma regra de acesso livre ao processo, por meio de requerimento

107
Conforme veicula Luís Miguel Pais Antunes, deverão ter-se preenchidos três requisitos cumulativos, a
saber: ainda não ter sido notificada a nota de ilicitude, o processo esteja em segredo de justiça nos termos do artigo
32.º, n.º 2 da LdC e a Autoridade da Concorrência tenha, por decisão fundamentada, considerado que o acesso por
parte do visado nessa fase possa prejudicar a investigação. Cf. Gorjão-Henriques, Miguel (Dir.). Lei da
Concorrência, Comentário Conimbricense. Coimbra: Almedina, 2013, em anotação ao artigo 33.º da LdC., p.39.

46
simples nos termos do artigo 33.º n.º 1, ou se terá este, como qualquer pessoa requerer o
acesso, invocando para o efeito o interesse legítimo na consulta nos termos do n.º 3.
Cremos que a resposta resulta, desde logo, da intenção do legislador no artigo 25.º, n.º 1
da LdC ao conceder a este, através da nota de ilicitude a possibilidade de se pronunciar
sobre as provas produzidas ou a produzir, o que, conforme anteriormente
demonstrámos, irá implicar um conhecimento do processo em termos de direito e de
facto e, bem assim, o acesso ao processo e a possibilidade de obter, a expensas suas,
extractos, cópias ou certidões, ainda que tenha de os requerer. Consideramos existir,
assim, uma complacência no acesso livre ao processo que não pode ser negado.108 Quer
isto dizer que o segredo interno apenas poderá vigorar até à notificação da nota de
ilicitude.

Na fase anterior à decisão final, independentemente do momento, qualquer pessoa,


singular ou colectiva, pode requerer a consulta do processo, desde que fundamente com
base num interesse legítimo.109Apesar de ser instituída a regra da publicidade, o acesso
ao processo por parte de terceiros (pessoas alheias ao processo) está condicionado pelo
sucesso da fundamentação que acompanha o requerimento. A lei não define o conceito
de interesse legítimo no acesso ao processo por parte daqueles, uma tarefa casuística
que é deixada ao intérprete aplicador do Direito.110 O preceito também acrescenta que o
direito de consulta acompanha a possibilidade de extrair cópias, extracto ou certidão. O
acesso ao processo pode, apesar do requerente ter um interesse legítimo, estar
condicionado pela publicidade ter sido afastada nos termos do artigo 32.º onde se
configuram as hipóteses de fixação do regime do segredo em função dos valores a
tutelar (artigo 33.º n.º 3 da LdC). Por conseguinte, a publicidade externa nos processos
contra-ordenacionais aqui envolvidos pode ser inviabilizada por dois motivos, a saber:
ausência de interesse legítimo e os interesses da investigação e/ou direitos do visado.

108
Mais acrescente-se que nas linhas de orientação da Autoridade da Concorrência refere apenas: “As restrições de
acesso ao processo em segredo de justiça por parte do arguido cessam com a notificação da nota de ilicitude por parte
da Autoridade.” Cf. Concorrência, Autoridade da. “concorrencia.” http://www.concorrencia.pt. 26 de Março de 2013.
http://www.concorrencia.pt/vPT/Noticias_Eventos/Noticias/Documents/LO_Instrucao_Processos_2013.pdf (acedido
em 03 de Agosto de 2015).
109
É considerado um interesse legítimo o interesse atendível, que justifique, razoavelmente, conceder-se ao
requerente o acesso ao processo. Cf. Concorrência, Autoridade da. “concorrencia.” (Op. cit.).
110
Consideramos que poderá caber neste conceito a necessidade de utilização de elementos tendo em vista a
sustentação ou junção a um processo de outra natureza, por exemplo judicial, ou ainda o conhecimento de algum
contrato ou cláusula de um agente económico análogo ou que quer entrar no mercado.

47
O acesso ao processo é realizado nas instalações da Autoridade e não abrange, porém, o
conhecimento de segredos de negócio e outras informações confidenciais de entidades
terceiras, atento ao disposto no artigo 26.º n.º 5 do da LdC.111

Os documentos ou outras informações dotados de confidencialidade devem ser


eliminados do processo e identificados através de uma listagem, junta ao processo, da
112
qual constam as razões da confidencialidade. Desta forma, assegura-se o
conhecimento, embora sumário, de quais os elementos de informação considerados
confidenciais, bem como das razões que levaram a Autoridade a conferir-lhes esse
tratamento.113

A Autoridade da Concorrência não pode sujeitar o processo ao regime do segredo, ou


vedar o acesso ao processo, com base em fórmulas vagas e imprecisas ou limitadas à
indicação das disposições legais, sem transmitir a realização de uma prévia ponderação
sobre a prevalência de um ou de outros interesses e valores em jogo, sem, contudo,
revelar aquilo que quer proteger. Assim, a decisão da Autoridade da Concorrência de
sujeitar o processo ao regime do segredo nos termos veiculados pelo n.º 2 ou 3 do artigo
32.º ou de inviabilizar o acesso ao processo nos termos do artigo 33.º, consubstancia um
decisão interlocutória que terá de ser fundamentada pelo carácter decisório e incisivo
que representa no processo, nos termos do artigo 97.º, n.º1, al. b) e n.º5 do Código de
Processo Penal aplicável por meio dos mecanismos em “cascata”, por força do artigo
13.º n.º 1 da LdC, que manda aplicar, o Regime Geral das Contra-ordenações
subsidiariamente, e que por sua vez remete, também subsidiariamente, para o Código de
Processo Penal. Desta decisão, cabe recurso para o Tribunal da Concorrência,
Regulação e Supervisão, nos termos do artigo 84.º n.º 1 a 4 da LdC.

Coloca-se a questão de compatibilização das regras apostas no regime sobre a


publicidade e segredo com os prazos sugeridos nos normativos quanto ao encerramento
do inquérito e conclusão da instrução. O inquérito deve ser encerrado, sempre que
possível, no prazo máximo de 18 meses a contar do despacho que ordenou a abertura do

111
Por outro lado, os titulares dos órgãos da Autoridade e o seu pessoal estão obrigados ao sigilo profissional (artigo
36.º dos Estatutos da Autoridade da Concorrência). Cf. Idem.
112
Cf. Sentença do 2.º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 15 de Fevereiro, Processo 766/06.4TYLSB,
publicado na Sub Judice, Justiça e sociedade, A Confidencialidade nos Processos de Contra-ordenação, Jul-Set.2007,
(n.º 40), p.143 e ss.
113
Cf. Concorrência, Autoridade da. “concorrencia” http://www.concorrencia.pt. 26 de Março de 2013.
http://www.concorrencia.pt/vPT/Noticias_Eventos/Noticias/Documents/LO_Instrucao_Processos_2013.pdf (acedido
em 03 de Agosto de 2015).

48
processo (24.º, n.º1 da LdC). Este prazo como resulta do vocábulo utilizado “deve”, é
meramente indicativo, não quer dizer que o inquérito tenha tal duração, ou que esta não
possa prolongar.114 Imagine-se que os interesses da investigação determinam sujeitar o
processo ao regime de segredo de justiça nos termos do artigo 32.º n.º2 da LdC e,
entretanto, é protelada a investigação além dos 18 meses desde a abertura do inquérito e
a Autoridade da Concorrência veda o acesso ao visado, até, finalmente, ser realizada a
nota de ilicitude. Aquando da nota de ilicitude, no exercício da defesa, o visado, não
dispõe de poder idêntico, já que o seu prazo não pode ir além de 20 dias úteis.
Alertamos, por isso, que os direitos do visado poderão ser afrontados, por inobservância
do princípio do contraditório, da igualdade de armas e da legalidade. Por outro lado, o
artigo 29.º n.º1 da LdC menciona que a instrução deve ser concluída no prazo de 12
meses a contar da nota da ilicitude. Também este prazo é meramente sugestivo, pode ser
ultrapassado.115 O alargamento do prazo pode implicar, uma vez fixado o regime do
segredo em ordem à salvaguarda dos interesses da investigação e/ou direitos do visado
(artigo 32.º n.º 2 e/ou 3 da LdC), igualmente um hiato temporal demasiado penoso para
quem tem interesse em consultar o processo nos termos do artigo 33.º n.º 3 da LdC,
comprometendo, a realização da justiça, o princípio da celeridade e da publicidade do
processo.

114
Neste sentido, Costa, Adalberto. O novo regime jurídico da concorrência, anotado e comentado. Porto: Vida
Económica, 2014, p. 71, em anotação ao artigo 24.º LdC.
115
Neste caso, determina o n.º2 do mesmo preceito que o Conselho da Autoridade da Concorrência dá conhecimento
ao visado pelo processo e do período necessário para a conclusão da instrução. A este propósito Adalberto Costa, na
anotação ao artigo 29.º da LdC pensa que o alargamento do prazo para a duração da instrução viola o princípio da
legalidade. Cf. Costa, Adalberto. O novo regime jurídico da concorrência, anotado e comentado. Porto: Vida
Económica, 2014, p. 80.

49
Conclusão

O Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social foi instituído pelo Decreto-Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro. Nasce um ramo do direito sancionatório, qualitativamente
diferente do Direito Penal, para assegurar a eficácia da ordem jurídica direccionada à
tutela de outros valores desprovidos de “ressonância moral” e que se justificam pela
intervenção estatal em detrimento da resposta penal, em honra do princípio de
intervenção de última ratio plasmado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa.

O Direito das Contra-ordenações assume uma natureza muito própria e apesar de se


encontrar qualitativamente fora do Direito e Processual Penal, participa de um
enquadramento jurídico que lhe permite integrar as garantias típicas do processo
criminal e que no fundo, constituí o sentido e a razão de ser do nosso estudo sobre a
natureza pública ou secreta deste processo.

As contra-ordenações encontram-se pulverizadas ao longo do nosso ordenamento


jurídico e o ambiente da sua tramitação conhece e exige importantes cautelas no que
tange à ponderação da publicidade versus segredo de justiça.

O domínio das Contra-ordenações também encontra a essência dos fundamentos


jurídicos que assistem à construção do regime da publicidade e do segredo aposto no
Direito Processual Penal. São estes os interesses da investigação, da legalidade e da
transparência do procedimento da administração e da protecção da imagem social do
arguido. Mas, o Regime Geral das Contra-ordenações não contempla qualquer
regulamentação nesta matéria. Coube-nos a difícil tarefa de encontrar no Regime Geral
das Contra-ordenações uma resposta a esta problemática integrada no âmbito da fase
administrativa. Propugnamos na nossa dissertação a importação do regime vertido no
Código Processo Penal, sem intervenção do Ministério Público, mas com a
consideração de que sujeitar o processo contra-ordenacional ao segredo de justiça
obedece a uma ponderação de valores materialmente jurisdicionais que obstam à
“jurisdicionalização” da actividade da autoridade administrativa e que, por isso,
deveriam estar sob a égide dos poderes de um Juiz.

50
O processo contra-ordenacional admite a regra da publicidade para garantir a
transparência da actuação das autoridades administrativas e permitir ao arguido o
exercício da sua defesa na fiscalização e controlo do procedimento da actuação da
autoridade administrativa. Também nas contra-ordenações, a eficácia da investigação e
a salvaguarda do nome do arguido compadece-se com excepções do princípio da
publicidade.

A remissão operada para as disposições adjectivas criminais funda-se não só pela


compatibilidade de fundamentos, mas também pela incoerência que o contrário geraria
no nosso ordenamento jurídico.

Nos processos contra-ordenacionais por práticas restritivas da Concorrência, a tarefa


interpretativa sobre a publicidade versus segredo não ofereceu dificuldades de maior
porque a especialidade do diploma - Lei da Concorrência - disciplina directamente esta
matéria, onde a par da fixação da regra da publicidade, indica os valores que subjazem à
excepção, de uma forma muito próxima do vertido no Direito Processual Penal.

Em suma, constatamos que na tramitação das contra-ordenações o regime da


publicidade na fase administrativa, quer no Regime Geral, quer na lei especial, Lei da
Concorrência, encontram os mesmos fundamentos, preocupações e exigências, típicos
do Direito Processual e Penal, razão pela qual achamos que nesta matéria devemos ser
tão garantísticos quanto naquele.

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2009.

Jurisprudência consultada
Assento n.º 1/2003, de 16 de Janeiro (Relator José António Carmona da Mota), in
Diário da República, I Série -A, n.º 49 de 27 de Fevereiro, pp. 1409 e ss.

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009, de 03 de Março, Processo n.º 11/CCP,


Plenário, Relator Rui Manuel Moura Ramos, in http://www.tribunalconstitucional.pt;

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/85, publicado na Colectânea Acórdãos do


Tribunal Constitucional, 6.º Volume, p. 473 e ss.;

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 428/2008, de 12 de Agosto, Processo n.º


520/08, 2.ª Secção, Relator Conselheiro Mário Torres, in
http://www.tribunalconstitucional.pt;

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Outubro de 2008, Processo n.º


1441/08-1, Relator João Gomes de Sousa, in http://www.dgsi.pt/

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Abril de 2012, Processo n.º


594/11.5TAPDL.L1-5, Relator Simões de Carvalho, in http://www.dgsi.pt/
Sentença do 2.º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 15 de Fevereiro, Processo
766/06.4TYLSB, publicado na Sub Judice, Justiça e sociedade, A Confidencialidade
nos Processos de Contra-ordenação, Jul-Set.2007, (n.º 40).

Parecer consultado
Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 84/2007, de 28
de Fevereiro (Relator António Leones Dantas), in Diário da República 2.ª Série, n.º 68
de 7 de Abril, pp. 15223 e ss.;

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