Bullying - Momentos de Reflexão - DaniStella

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O novo fardo a carregar na era da

pós-modernidade é o da perda dos


laços sociais e o da banalização
do amor e dos afetos.
— Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
O interessante neste momento de fragilidade da vida humana é que o indivíduo entenda seu papel no mundo,
como parte integrante de um todo e não como seu dono, e nisso o Direito tem um papel fundamental – de
auxiliar na concretização da fraternidade, e não da tolerância. Nesse passo, assevera Saramago (2010):

Eu sou contra a tolerância, porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja
diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas
de superioridade de um sobre o outro. Sobre a intolerância, já fizemos muitas reflexões. A intolerância é
péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,
da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.

Por meio da escola, crianças detêm o primeiro contato autônomo com o âmbito público, com estruturas sociais e
valores distintos daqueles vivenciados em suas famílias. É lá que se aprende a viver em sociedade, com noções
de coletividade, democracia e solidariedade, tendo em vista também que nela estudantes deparam-se com
diferentes culturas, credos, raças, níveis econômicos etc.
Dessa forma, não pode ser considerada apenas como um espaço destinado à aprendizagem formal ou ao
desenvolvimento cognitivo (Lisboa & Koller, 2003). Conforme Lisboa (2005), as interações que ocorrem no
contexto escolar são caracterizadas pela forte atividade social.

É nesse ambiente que as crianças e os adolescentes têm a oportunidade de expandir sua rede de interações e
relações para além da família, desenvolvendo autonomia, independência e aumentando sua percepção de
pertencer ao contexto social. As habilidades sociais, juntamente com as características de personalidade,
contribuem para determinar a forma com que o indivíduo se relaciona com seus pares e tal aprendizagem serve
como um treinamento para o convívio em sociedade (Cantini, 2004).

Contudo, a convivência na escola nem sempre é harmônica e pacífica, e daí surgem os conflitos e as violências.
Em outros termos, o ambiente escolar serve como cenário de vários processos e fenômenos grupais, dentre eles
a violência escolar, que se refere a todos os comportamentos agressivos e antissociais, incluindo conflitos
interpessoais, danos ao patrimônio e atos criminosos (Lopes, 2005).
O comportamento agressivo surge na interação social e pode ser definido como todo o
comportamento que visa causar danos ou prejuízos em alguém (Lisboa, 2005). Isto quer
dizer, é um processo decorrente da interação que ocorre entre a pessoa e o seu ambiente
físico, social e cultural através do tempo, uma vez que emerge na interação social. Dessa
forma, a referida autora aponta que é possível afirmar que uma criança está agressiva e não
que ela é agressiva.

Atos de violência, tanto de ordem psicológica, como física, são percebidos na sociedade em
geral. Todavia, tais atos também se encontram presentes no cotidiano escolar, pautados na
relação de desigualdade entre colegas, e muitas vezes vistos sob a ótica de mera indisciplina.
A esse fenômeno social de agressões repetitivas e fundadas em preconceito e discriminação,
com a intenção de intimidação e humilhação de outra pessoa, dá-se o nome de bullying.
Bullying é uma subcategoria do comportamento agressivo que ocorre entre os pares (Olweus,
1993). Constitui-se num relacionamento interpessoal caracterizado por um desequilíbrio de
forças, o que pode ocorrer de várias maneiras: o alvo da agressão pode ser fisicamente mais
fraco, ou pode perceber-se como sendo física ou mentalmente mais fraco que o perpetrador.
Pode ainda existir uma diferença numérica, em que vários estudantes agem contra uma única
vítima (Olweus, 1993; Rigby, 1998).

No bullying existe a intenção de prejudicar, humilhar, e tal comportamento persiste por certo
tempo, sendo mantido pelo poder exercido sobre a vítima, seja pela diferença de idade, força,
ou gênero (Olweus, 1993). Existem três elementos cruciais que caracterizam
o bullying, aceitos por cientistas ao redor do mundo, que são a repetição, o prejuízo e a
desigualdade de poder (Berger, 2007).
LEI Nº 13.185, DE 6 DE NOVEMBRO DE 2015.

Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).

Art. 1º: Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática


(Bullying) em todo o território nacional.

§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática


(bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que
ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou
mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à
vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
Art. 2º: Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de
intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV - ameaças por quaisquer meios;
V - grafites depreciativos;
VI - expressões preconceituosas;
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se


usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais
com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.
Art. 3º: A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como:

I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;


II - moral: difamar (é tirar a boa fama ou o crédito, desacreditar publicamente atribuindo a alguém um fato
específico negativo), caluniar (quando o agente do crime imputa à vítima um fato falso que é definido como
crime por lei), disseminar rumores;
III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV - social: ignorar, isolar e excluir;
V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
VI - físico: socar, chutar, bater;
VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais
que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
Quem é quem?
Vítimas:

São as pessoas mais ansiosas e inseguras do que a média dos alunos, as mais circunspetas, sensíveis e quietas.
Essas vítimas geralmente sofrem de baixa autoestima e têm uma visão negativa de si mesmas. Quando agredidas,
reagem chorando ou se afastando dos agressores. Sentem-se fracassadas e sem nenhum tipo de atrativo que possa
conquistar amigos, o que as tornam solitárias e isoladas do grupo. A principal característica delas é que não são
agressivas e não provocam os outros alunos, reprovando atitudes violentas. Os agressores sabem que pessoas
com essas características são alvos fáceis, porque são frágeis e, no caso dos meninos, são aqueles fisicamente
mais fracos, que não revidam os ataques. Dessa forma, acaba-se criando um ciclo no qual uma criança, com tais
características, torna-se alvo de agressões e humilhações que acabam por reforçar tanto a sua personalidade
retraída quanto a avaliação negativa que faz de si própria.
Quem é quem?
Agressores:

Apresentam confiança em si próprios e não têm medo de agredir e nem de possíveis retaliações em consequência
dos atos de violência. Também são portadores do atributo da “agressividade, não apenas no trato com os colegas,
mas também com adultos, como professores e pais”.

Espectadores:

São aqueles que assistem à dinâmica da violência, aprendendo a conviver com ela ou, simplesmente, a escapar
dela. Ou seja, não interferem, não participam, mas também não acolhem a dor do outro, não defendem nem
denunciam.
Efeitos para as vítimas:

- Vidas infelizes, destruídas, sempre sob a sombra do medo;

- Perda de autoconfiança e confiança nos outros, falta de autoestima e autoconceito negativo e depreciativo;

- Falta de concentração;

- Morte (muitas vezes suicídio ou vítima de homicídio);

- Dificuldades de ajustamento na adolescência e vida adulta, nomeadamente problemas nas relações íntimas.
Dentre outras consequências às vítimas de bullying – que podem ser de ordem física ou psicológica –, Cubas
(2006, p. 185) infere que, em suas vidas adultas, e comparadas às pessoas que não tiveram a mesma experiência
na infância, tendem a ter “altos graus de sensação de medo, ansiedade, culpa, vergonha, desamparo, depressão ou
problemas com álcool”. Ademais, Cubas (2006, p. 185), aponta que a vivência com o bullying reflete o
relacionamento familiar, eis que muitas vítimas “levam suas frustrações para casa, gerando conflitos com seus
pais que, na maioria das vezes, desconhecem que os seus filhos estão sendo vitimizados na escola”.

Ainda quanto aos efeitos sentidos pelos agredidos, Pereira (2002, p. 23) expõe que a consequência mais severa
do bullying é o suicídio – “podendo este ser o resultado direto ou indireto da vitimação constante a que se é
sujeito (todas as semanas ou diariamente), até o limite da sua capacidade de suportar as agressões”.
Efeitos para os agressores:

- Vidas destruídas;

- Crença na força para solução dos seus problemas;

- Dificuldade em respeitar a lei e os problemas que daí advêm, compreendendo as dificuldades na inserção
social;

- Problemas de relacionamento afetivo e social;

- Incapacidade ou dificuldade de autocontrole e comportamentos antissociais.


A gravidade do problema para com os agressores corresponde também à possibilidade de criação de um ciclo de
violência. Cubas (2006, p. 184) afirma, nesse sentido, que “agressores têm maior probabilidade de se envolverem
em casos mais graves de agressões, de serem presos ou de terem ocorrências criminais na vida adulta”. Ainda
conforme a autora supracitada, “podem continuar agindo de maneira agressiva, inclusive com seus cônjuges ou
filhos, o que acaba criando um ciclo de violência doméstica e animando novas gerações de crianças agressivas”.

Cubas (2006, p. 184) aponta o bullying como um problema que deve ser suprimido, haja vista que, tanto para
vítimas como para agressores, “a frequência de casos de bullying sem nenhum tipo de intervenção traz sérias
consequências, pois favorece comportamentos antissociais e de não aceitação ou quebra de regras que podem se
estender para a vida adulta.”.

Consoante Tognetta (2005), independentemente da forma pela qual se vivencia o bullying, tanto agressores como
vítimas necessitam de olhar atento e de orientação de profissionais capacitados e familiares, considerando que
por um lado, as vítimas sofrem uma deterioração da sua autoestima, e do conceito que têm de si; por outro, os
agressores também precisam de auxílio, visto que sofrem grave deterioração de sua escala de valores e, portanto,
de seu desenvolvimento afetivo e moral.
O princípio da fraternidade e seus reflexos na garantia dos direitos inerentes à pessoa
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza”.

O que se quer aludir é que a igualdade assegurada no texto constitucional refere-se a uma similitude aos sujeitos
de direitos perante a lei, respeitando-se as características de cada um. Todavia, o que estudos vêm pretendendo é
algo muito maior é a aplicação da fraternidade no ambiente escolar como forma de combate ao bullying e de
efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes

O princípio universal da fraternidade ressurge no âmbito científico como possível forma de combate às agressões
físicas e psicológicas, de ordem preconceituosa e discriminatória, entre estudantes.

O espírito fraterno, quando estabelecido na sociedade, implica o trato igualitário não somente porque todos são
legalmente iguais e merecedores de tratamento igual na proporção de suas necessidades, mas pelo fato de que
todos são irmãos e, logo, fraternos. Em outros termos, é ter responsabilidade e respeito em relação aos deveres
para com a comunidade e para com os outros.
O princípio da fraternidade e seus reflexos na garantia dos direitos inerentes à pessoa
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Dessa feita, cabe à família, à sociedade e sobretudo ao Estado a propagação do princípio da fraternidade em
detrimento da cultura da agressividade, da violência e das relações de poder imperiosas no âmbito social. Pela
fraternidade, todos são iguais em direito, razão pela qual as práticas de bullying escolar são totalmente
descabidas.

Infere-se que a fraternidade, como meio para a conquista da plena igualdade, é consagrada a todas as pessoas,
devendo estar presente também no ambiente escolar, concedendo a crianças e adolescentes um desenvolvimento
educacional sem qualquer tipo de preconceito, discriminação ou outra violência que imponha obstáculos à sua
integridade.
Referências:
Berger, K. S. (2007). Update on bullying at school: Science forgoten? Developmental Review, 27, 90-126.

Cantini, N. (2004). Problematizando o bullying para a realidade brasileira. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia do Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo.

CUBAS, Viviane. Bullying: assédio moral na escola. In: RUOTTI, Caren; ALVES, Renato; CUBAS, Viviane de Oliveira (Orgs.). Violência na
escola: um guia para pais e professores. São Paulo: Andhep – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. p. 175-206.

Lisboa, C. S. M. (2005). Comportamento agressivo, vitimização e relações de amizade em crianças em idade escolar: fatores de risco e
proteção Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

Lisboa, C., & Koller, S. H. (2003). Interações na escola e processos de aprendizagem: fatores de risco e proteção. Em E. Boruchovitch & J. A.
Bzuneck (Eds.), Aprendizagem: processos psicológicos e o contexto social na escola (pp. 201-224). Petrópolis, RJ: Vozes.

Olweus, D. (1993). Bullying at school. What we know and what we can do Oxford, UK: Blackwell.
Referências:
OLIVEIRA, W. A. et al. Associations between the practice of bullying and individual and contextual variables from the aggressors’ perspective.
J Pediatr, v. 92, n. 32, 2016. https://doi.org/10.1016/j.jped.2015.04.003.

Rigby, K. (1998). The relationship between reported health and involvement in bully/victim problems among male and female secondary
school students. Journal of Health Psychology, 3(4), 465-476.

Rolim, M. (2008). Bullying: o pesadelo da escola, um estudo de caso e notas sobre o que fazer Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação em Sociologia, Instituto de Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

SARAMAGO, José. Saramago nas suas palavras. Lisboa: Caminho, 2010.

TOGNETTA, L. R. P. Violência na escola: os sinais de bullying e o olhar necessário aos sentimentos. In: ______. Construindo Saberes em
Educação. Porto Alegre: Zouck, 2005. p. 11-32.

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