MatrialExclusivo Ep17-Afrodite AmoresParte2

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Olá, apoiador!

Este documento contém o conteúdo exclusivo do episódio #17 – Os


amores de Afrodite, parte 2, do podcast Noites Gregas. Os textos e
imagens deste arquivo são:

1 – Hino a Afrodite: O hino que relata o seu romance com Anquises;

2 – Helena vs. Afrodite: Na Ilíada, Helena acusa a deusa de usá-la


para dormir com Páris "por tabela".

3 – Afrodite tira a roupa: Uma crônica do professor Moreno sobre a


importância da nudez de Afrodite para a arte grega.

4 – Representações artísticas

Mais uma vez muito obrigado por apoiar o nosso podcast.

Boa leitura!
HINO HOMÉRICO III — AFRODITE E ANQUISES

Na série de poemas que se convencionou chamar de Hinos


Homéricos há vários deles dedicados a Afrodite. No III, um dos
mais extensos, Zeus resolve fazer Afrodite provar de seu próprio
remédio: acostumada a dominar a todos, deuses e homens, com a
força do amor e do desejo, é ela agora que vai se apaixonar por
um mortal, o jovem Anquises. Desta relação vai nascerr Eneias,
personagem importante da Guerra de Troia e da colonização da
Itália. O trecho abaixo foi adaptado da tradução livre da professora
Daniela Scheifler.

"Não há ninguém entre os abençoados deuses ou entre os homens


mortais que tenha escapado de Afrodite. Até mesmo o coração de
Zeus, que se deleita com o trovão, é dominado por ela. Embora ele
seja o maior de todos e tenha a majestade suprema, sempre que ela
quer engana até mesmo seu sábio coração e o joga nos braços de
mulheres mortais, desconhecidas por Hera, sua irmã e sua esposa, a
mais grandiosa em beleza entre as deusas...

"Mas Zeus também infundiu em Afrodite o desejo de se unir a um


simples pastor, de modo que nem mesmo ela ficasse imune aos
amores terrenos e nunca mais pudesse se vangloriar, em suave
zombaria, de haver induzido os deuses e as deusas a se unir com
homens e mulheres da Terra, gerando assim filhos mortais.

"Para tanto Zeus lhe inspirou um doce desejo por Anquises, jovem tão
bonito quanto um deus, que naquele momento levava a pastar os
rebanhos sobre os altos picos do monte Ida, rico de fontes e animais
selvagens. Assim que viu o pastor, o coração de Afrodite, a Senhora
dos Sorrisos, encheu-se de paixão e ela desejou compartilhar seu leito
com ele. Sem perder tempo, dirigiu-se a Chipre e recolheu-se em seu
templo em Pafos, onde possuía um santuário e um altar. Entrou,
fechou a porta resplandecente e ali as Graças a banharam e a untaram
com a essência divina que emana do corpo dos que vivem
eternamente, um óleo sublime, doce, especialmente perfumado para
ela.

"E depois de haver bem vestido todas as suas belas vestes e adornar-
se toda com ouro, a Senhora dos Sorrisos se apressou em direção a
Troia, deixando para trás o jardim fragrante de Chipre para vencer
celeremente o seu trajeto, no alto, por entre as nuvens. Chegando ao
Monte Ida, rico de fontes e animais selvagens, foi diretamente à
choupana, no coração da montanha. Atrás dela seguiam dóceis lobos
cinzentos, ferozes leões, ursos e velozes panteras, ávidas de
cabritinhos: e ela, alegre de vê-los à sua volta, infundiu no peito deles
um incontrolável desejo, fazendo todos procurarem um companheiro
para acasalar na sombra espessa dos vales.

"Enquanto isso, Afrodite chegou às bem construídas cabanas e


encontrou, deitado em seu aposento, isolado dos outros, o herói
Anquises, que havia recebido a beleza dos deuses. Enquanto os seus
companheiros estavam tangendo os bois pelos pastos relvosos, ele se
ocupava em extrair da lira notas sonoras. Diante dele parou Afrodite,
filha de Zeus, assumindo o porte e o semblante de uma jovem virgem
troiana, para que ele, ao vê-la, não se assustasse. Assim que Anquises
percebeu sua presença, encantou-se com o seu aspecto, sua estatura
e suas vestes brilhantes. O manto dela reluzia mais que as labaredas
da fogueira, um esplêndido manto de ouro, enriquecido com todos os
tipos de bordados, que cintilava como a lua sobre seus seios tenros,
uma maravilha de se ver."

[Já completamente enamorado, Anquises a saúda com prudência,


pois sua intuição lhe diz que se encontra diante de uma da deusa do
Olimpo. Respeitosamente, pede a ela apenas que lhe conceda uma
vida longa, uma descendência pujante e o respeito dos troianos. Ela,
porém, trata de acalmá-lo]

"Ó Anquises, pleno de glória entre os homens nascidos sobre a terra,


eu certamente não sou uma deusa: por que me comparas aos
imortais? Sou, ao invés, mortal, e mulher é a mãe que me gerou. Meu
pai é Otreu, do nome ilustre — talvez tenhas ouvido falar da sua fama
—, que reina sobre toda a Frígia dos belos muros. Mas eu bem conheço
a vossa língua, como a nossa; de fato me criou na minha casa uma
ama troiana, que sempre cuidou de mim, desde quando era bebê: lhe
fui entregue pela minha mãe".

[Para tranquilizar ainda mais a sua presa, a deusa então inventa


uma história fantástica que Anquises, já dominado pelo desejo, vai
aceitar sem questionar: ela, juntamente com muitas ninfas e
jovens da mesma estirpe, estava dançando em homenagem a
Artêmis quando Hermes, o mensageiro dos deuses, a arrebatou
pelos ares e a levou até ali, dizendo-lhe que ela devia casar com
Anquises e dar-lhe uma prole numerosa]
"Ele então a pegou pela mão, e Afrodite, a senhora dos sorrisos, o
seguiu com o rosto baixo, olhando por entre os cílios para o macio
leito que já estava pronto para o herói, coberto de suaves lãs, e peles
de ursos e de leões que ele havia matado nas agrestes montanhas. E
quando subiram sobre o leito bem trabalhado, Anquises primeiro tirou-
lhe os esplêndidos ornamentos — as fivelas, os broches, os brincos e
os colares. Depois' desatou-lhe o cinturão, despiu-a das brilhantes
vestes e tudo depôs sobre uma banqueta tacheada de prata; enfim,
pela vontade e dizer dos deuses, deitou-se, ele, mortal, com uma
deusa imortal, sem saber muito bem o que fazia.

"E na hora em que os pastores começaram a tocar pela estrada os bois


e as gordas ovelhas, voltando dos pastos floridos, a deusa lançou
sobre Anquises um doce sono sereno e envergou de novo suas belas
vestes. Erguida, de pé, ao lado do leito, sua cabeça chegava agora até
as vigas do teto da cabana, e sua face irradiava a beleza incomparável
que fazia dela a mais bela de todas as deusas. Despertou então o herói
do sono: "Acorda, troiano! Que sono pesado! Diz-me agora se me
pareço com aquela que viste pela primeira vez!". Assim falou, e
Anquises prontamente levantou — mas ao ver o colo e os belos olhos
de Afrodite, ficou aterrorizado e desviou os olhos, cobrindo o belo rosto
com o manto.

[Sentindo-se perdido, Anquises pede que ela não o castigue; ele


teme por sua sorte, pois "aquele que se deita com as deusas
imortais não tem uma vida florida". Afrodite afasta seus temores;
ele vai ter um filho que se chamará Eneias e que vai reinar sobre
os troianos. As ninfas vão criar o menino até os quatro anos,
quando então a própria Afrodite vai entregá-lo ao pai. E se alguém
perguntar quem é a mãe, ele deverá dizer que é uma ninfa da
floresta; contudo, se ele perder a razão e se vangloriar de ter
dormido com a deusa, o próprio Zeus vai fulminá-lo com um raio
— o que, como sabemos, realmente vai acontecer]
AFRODITE PROJETA SEU DESEJO EM HELENA

Helena é, no fundo, uma cópia mortal de Afrodite. Isso já fica claro no


famoso julgamento do Pomo da Discórdia. Apesar de ser um concurso
de beleza, Atena e Hera, pressentindo a superioridade de Afrodite,
tentam influir na decisão de Páris propondo-lhe vantagens adicionais:
glória, fama, sabedoria, poder. Afrodite, porém, que soube enxergar o
desejo nos olhos de Páris, oferece a si mesma, para que ele goze sua
beleza incomparável – mas através de uma substituta, Helena, que é
praticamente a sua representante, quase um simulacro, uma
espécie de Afrodite mortal e corporificada através da qual a
deusa pode tomar parte nas histórias que se desenrolam entre
os mortais. Alguém já observou que Páris talvez não tivesse sido
persuadido se o amor de Helena, que ele ainda não conhecia, fosse
oferecido por Atena ou por Hera. Vinda, porém, de Afrodite, a
oferta era irresistível, porque subentendia a promessa de que
Helena satisfaria o desejo que a deusa tinha despertado nele.
No Canto III da Ilíada, quando Páris, ao enfrentar Menelau num
combate singular, está prestes a ser vencido, Afrodite intervém a seu
favor. Envolvendo-o numa nuvem de pó, a deusa o retira da planície e
o transporta para seus aposentos, são e salvo. Em seguida, assumindo
a forma de uma anciã, vai até o topo da muralha, de onde Helena
assistia ao combate, e tenta convencê-la a fazer amor com Páris para
confortá-lo do abalo que sofreu. Helena a reconhece, apesar do
disfarce, e segue-se uma discussão acalorada.

"Chega aqui. É Alexandre* que te manda regressar para casa.


Pois ele está no tálamo, reclinado na cama embutida,
resplandecente na sua beleza e belas roupas. Não dirias que
ali foi ter depois de combater o inimigo, mas a caminho de
uma dança, ou que ali se sentou tendo parado de dançar."
Assim falou, agitando o coração no peito de Helena. E quando
esta viu o lindíssimo pescoço da deusa, o peito suscitador de
desejo e os olhos brilhantes, espantou-se e assim lhe falou,
tratando-a pelo nome: "Deusa surpreendente! Por que deste
modo queres me enganar? Na verdade me levarás para mais
longe, para uma das cidades bem habitadas da Frígia ou da
agradável Meônia, se também lá existir algum homem mortal
que te é caro, visto que Menelau venceu o divino Alexandre e
agora intenta levar para casa a mulher detestável que eu sou.
Por isso agora aqui vieste como urdidora de enganos.
Vai tu sentar-te ao lado dele, abjura os caminhos dos
deuses e que não te levem mais teus pés ao Olimpo!
Em vez disso estima-o sempre e olha por ele, até que
ele te faça sua mulher, ou até sua escrava! Mas eu para
lá não irei — seria coisa desavergonhada — tratar do leito
àquele homem. No futuro as Troianas todas me censurariam.
Tenho no peito dores desmedidas."
Encolerizada lhe respondeu a divina Afrodite: "Não me
enfureças, desgraçada!, para que eu não te abandone e
deteste do modo como agora maravilhosamente te amo; e
para que eu não invente detestáveis inimizades entre
Troianos e Dânaos: então morrerias de morte maligna."
Assim falou; e amedrontou-se Helena, filha de Zeus.
Caminhou em silêncio, cobrindo-se com um véu brilhante e
reluzente, passando despercebida a todas as Troianas: pois
era a deusa que ia à frente, indicando o caminho. Quando
elas chegaram ao lindíssimo palácio de Alexandre, as servas
voltaram-se depressa para os seus lavores, mas para o alto
tálamo seguiu a divina entre as mulheres. Para ela colocou
um assento Afrodite, deusa dos sorrisos, em frente de
Alexandre; fora a própria deusa a buscá-lo. Aí se sentou
Helena, filha de Zeus detentor da égide, desviando os olhos.
E assim disse ao marido:
"Voltaste da guerra. Quem me dera que lá tivesses morrido,
vencido por homem mais forte, como é o meu primeiro
marido! Na verdade te vangloriaste no passado de seres
melhor que Menelau, dileto de Ares, pela força das mãos e da
lança! Vai lá agora desafiar Menelau para de novo combater
contigo, corpo a corpo! Mas eu própria te mando desistir:
contra o loiro Menelau não combatas um combate corpo a
corpo nem queiras contra ele lutar insensatamente, para que
não sejas vencido pela lança dele."
A ela respondeu Páris com estas palavras: "Mulher, não fales
ao meu coração com duros insultos. Hoje venceu Menelau
com a ajuda de Atena; mas outra vez serei eu a vencê-lo:
também tenho deuses que me ajudam. Mas vamos agora
para a cama e voltemo-nos para o amor. Nunca desta
maneira o desejo me envolveu o coração — nem quando
primeiro te raptei da agradável Lacedemônia e naveguei nas
naus preparadas para o alto-mar, unindo-me a ti em leito de
amor numa ilha rochosa — da maneira como agora te amo e
me domina o doce desejo."
(Ilíada, Canto III – 390-446 – trad. de Frederico
Lourenço).
___________________________________

*Alexandre – O nome que o filho de Príamo recebeu ao


nascer. Páris é o nome que lhe deu Agelau, o pastor que o
criou.
AFRODITE TIRA A ROUPA
Cláudio Moreno

Apesar de ser uma simples cortesã, Frineia pertence à galeria dos


personagens inesquecíveis do mundo grego, ao lado de poetas,
filósofos e grandes estadistas. Ela era especial; ao contrário das outras,
que passeavam com túnicas completamente transparentes para
mostrar cada detalhe do corpo, Frineia usava um manto comum para
manter sua beleza escondida dos olhares indiscretos. A ninguém, a não
ser para os íntimos, mostrava seus braços ou seus ombros magníficos,
e jamais frequentou os banhos públicos, hábito tão em voga no seu
tempo.
Um dia, conta a lenda, nas grandes festas dedicadas a Posêidon, em
Elêusis, diante de milhares de participantes vindos de todos os pontos
da Grécia, ela avançou no meio da multidão reunida junto à praia e ali,
no ponto em que o mar encontra a areia, sem dizer palavra,
desamarrou o cinto, deixou cair o manto a seus pés e entrou
lentamente na água — completamente nua, a não ser pelo longo cabelo
solto, que desceu em ondas ate os quadris. Entre os espectadores
maravilhados com aquela cena estava Praxíteles, o mestre escultor de
Atenas, que imortalizou aquela visão quase divina ao transpor as
formas de Frineia para o mármore polido da famosa estátua de Afrodite
de Cnidos, tornando-se o primeiro escultor a desnudar completamente
o corpo da mulher.
Antes dele, tanto as deusas quanto as simples mortais apareciam
sempre vestidas, e os artistas mais ousados se limitavam a representá-
las usando vestes molhadas, coladas ao corpo, para realçar suas
formas. Praxíteles, inspirado em Frineia, fixou com sua Afrodite o
modelo quase definitivo de nu feminino, na arte ocidental — o da
vênus pudica, ou seja, da mulher que tenta esconder sua nudez ao ser
surpreendida sem roupa. Apesar de alguma eventual variante, a
imagem clássica pode ser vista no Nascimento de Vênus, de Botticelli,
em que Vênus (como Afrodite era chamada em Roma) cruza um braço
à sua frente para ocultar os seios, enquanto mantém o outro baixo, de
modo a deixar sua mão à altura do púbis — uma atitude que, como se
vê, tambem serve para atrair nosso olhar para os pontos que estão
sendo escondidos.
Não foi por acaso que a posteridade elegeu a Afrodite de Praxíteles
como o símbolo do pudor, esse ingrediente indispensável para existir
o erotismo. Afinal, ela era a deusa do amor e devia entender muito
bem que sem a luz não existe a sombra, e que, sem esse jogo tão
feminino de esconder o que depois vai mostrar, nós todos — homens
e mulheres — não conheceríamos aquele momento mágico de
transgressão e de vertigem em que o manto de Frineia finalmente cai
no chão.
"Luz e sombra" — Do livro Cem Lições para Viver Melhor –L&PM

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