Dissertação No Spa Com Deus
Dissertação No Spa Com Deus
Dissertação No Spa Com Deus
CAMPINAS, 2012
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR
TERESINHA DE JESUS JACINTHO – CRB8/6879 - BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE
ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP
Título em inglês: In the SPA with God: a discursive analysis of the Visão
Missionária magazine.
Palavras-chave em inglês:
Constituent discourse (Linguistics)
Religious discourse
Feminine
Protestantism
Global semantics
Área de concentração: Linguística.
Titulação: Mestre em Linguística.
Banca examinadora:
Sirio Possenti [Orientador]
Maria da Conceiçao Fonseca Silva
Nilson Cândido Ferreira
Data da defesa: 22-03-2012.
Programa de Pós-Graduação: Linguística.
ii
FOLHA DE APROVAÇÃO
iii
iv
Dedico este trabalho às minhas avós,
Maria Joaquina (in memoriam) e Percilia (in memoriam),
Mulheres em Ação.
v
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Prof. Dr. Sírio Possenti pela cuidadosa orientação, pelas discussões, pelas
leituras atentas e pela confiança, por me mostrar que sempre podem ser feitas outras
perguntas e outras análises.
À Prof. Dra. Maria da Conceição Fonseca Silva, por todo apoio, por me introduzir na vida
acadêmica e mostrar-me a importância da dedicação e da disciplina na condução desta, por
participar do meu exame de qualificação e também na banca de defesa.
Ao Prof. Dr. Manoel Luiz Gonçalves Correia e à Profa. Dra. Anna Flora Brunelli, pela
disponibilidade em comporem a suplência da banca.
À minha família, por todo apoio e amor, por acreditar no meu sonho, deixando de lado o
sonho de viver em uma cidade “tranquila”, para voltar para uma cidade “grande”. Ao meu
pai Dimas, por ser um exemplo em minha vida e também por atuar como “secretário” neste
trabalho. À minha mãe Leide, pelas conversas preciosas e apoio incondicional. Ao meu
querido irmão Leonardo, pelos incentivos e também pelas horas de descontração.
Aos familiares, aos amigos de longe e também aos conquistados na nova cidade. Em
especial aos amigos Tiago Bitencourt, Denise Gomes, Marcone Higino, Ingridd Lopes,
vii
Francisca Adriana, Beatriz Rocha, Leandro Chagas, Saulo Martins, Jefferson Lopes, Talita
Souza, Julia Lucca, Ana Amélia Calazans, Fernanda Ávila, Vinícius Massad, Hélio de
Oliveira, Guilherme Adorno e Isabel Faria.
Aos amigos doutorandos, Tatiane Macedo e Francisco Meneses, com quem compartilhei
sonhos, aflições e também alegrias.
A Eliene, Luís, Natália e Débora, pela tão boa acolhida em sua casa e pela recepção
carinhosa em Campinas.
viii
“O temor do Senhor é o princípio da Sabedoria”
Provérbios
ix
x
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é analisar como a Semântica Global Batista filtra discursos sobre
o feminino na revista Visão Missionária. Este trabalho fundamenta-se nas noções de
Semântica Global e de Discursos Constituintes propostas por Maingueneau. O corpus de
análise é a revista Visão Missionária, a qual é uma publicação da União Feminina
Missionária Batista do Brasil. Essa revista ensina como a mulher batista deve exercer suas
funções diárias como uma mulher cristã. Nesta pesquisa, inicialmente, discute-se o espaço
protestante brasileiro e a constituição do discurso batista. Em seguida, descreve-se a
Semântica Global Batista e seu funcionamento nas práticas da Igreja. A seguir, apresenta-se
a constituição de Visão Missionária, contrapondo-a a outras revistas femininas.
Posteriormente, analisa-se como a revista representa a mulher batista em seus papéis de
mãe, esposa e profissional como uma “Mulher Cristã em Ação”. Depois disso, investiga-se
como a Semântica Global Batista também regula as recomendações indicadas à mulher em
seu cuidado com o corpo e a beleza. Por fim, verifica-se o funcionamento dessa Semântica
Global no sistema de citações, particitações e comentários na revista. Os resultados da
pesquisa mostram como a Semântica Global Batista regula não apenas os níveis
discursivos, mas também os institucionais da Igreja, bem como os discursos sobre o
feminino veiculados em Visão Missionária.
xi
xii
ABSTRACT
The objective of this research is to analyze how Baptist Global Semantic filters discourses
about the feminine in Visão Missionária magazine. This work is based in the notions of
Global Semantic and Constituents Discourses proposed by Maingueneau. The corpus of
analysis is the Visão Missionária magazine, which is a publication of the Baptist Woman's
Missionary Union of Brazil. The magazine teaches the Baptist Woman how to play her
various functions in daily as a Christian. First of all, this research discusses the Brazilian
Protestant space and the constitution of the Baptist discourse. Second, it describes the
Baptist Global Semantics and its functioning in the church practices. Next, it presents the
constitution of Visão Missionária, contrasting it to other women's magazines. Later, it
considers how the magazine represents the Baptist woman in their roles as mother, wife and
professional as a "Christian Women in Action." After that, it investigates how the Global
Semantic Baptist also regulates the recommendations given to women in their care with her
body and beauty. Finally, it verifies the functioning of this Global Semantic in the system
of citations, particitations and comments in the magazine. The research results show how
the Baptist Global Semantic regulates not only the discursive level, but also the institutional
church as well the discourses about the women published in Visão Missionária.
xiii
xiv
LISTA DE TABELAS
xv
xvi
LISTA DE QUADROS
xvii
xviii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
xix
xx
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………................. 1
1. A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO DISCURSIVO PROTESTANTE ................... 5
1.1 A reforma protestante: uma questão de interpretação ....................................... 6
1.2 O espaço protestante no Brasil .......................................................................... 10
1.3 Considerações finais .......................................................................................... 13
2. A SEMÂNTICA GLOBAL DO DISCURSO BATISTA ........................................ 15
2.1Quem são os batistas? ……………………………………………………......... 15
2.2 O sistema de restrições batista............................................................................ 18
2.2.1 Os semas negativos: o processo de interincompreensão ............................ 26
2.3 A organização da igreja Batista.......................................................................... 32
2.3.1 Escola Bíblica Dominical ............................................................................... 32
2.3.1.1 Ensino laico X evangelização: os colégios batistas ................................ 34
2.3.2 A ordem do culto ……………………………………………………............ 36
2.3.3 O culto doméstico ………………………………………………………....... 38
2.4 Os hinos: por uma análise intersemiótica .......................................................... 39
2.5 Considerações finais .......................................................................................... 43
3. A REVISTA VISÃO MISSIONÁRIA ..................................................................... 45
3.1 União Feminina Missionária Batista do Brasil .................................................. 47
3.2 Sobre Visão Missionária …………………....…………………………............ 49
3.3 Descrição de um exemplar................................................................................. 52
3.4 Visão Missionária e o funcionamento da semântica global batista ................... 55
3.5 Visão Missionária e as revistas femininas em geral: uma comparação ............. 58
3.5.1 Os anúncios ................................................................................................ 58
3.5.2 As celebridades .......................................................................................... 64
3.6 A revista Mulher Cristã Hoje ............................................................................. 72
3.7 Considerações finais .......................................................................................... 78
4. DISCURSOS SOBRE A MULHER EM VISÃO MISSIONÁRIA ......................... 79
4.1 A esposa cristã ................................................................................................... 80
4.1.1 A esposa evangelista .................................................................................. 83
xxi
4.1.2 A esposa do pastor ..................................................................................... 84
4.1.3 A ordenação feminina................................................................................. 87
4.2 Mãe: a guardiã da fé .......................................................................................... 88
4.2.1 A mãe da sociedade ................................................................................... 91
4.3 O privilégio de ser sogra .................................................................................... 93
4.4 A profissional .................................................................................................... 95
4.5 O sentido de “mulher cristã”.............................................................................. 99
4.6 Considerações finais .......................................................................................... 102
5. A BELEZA E A FÉ NOS DISCURSOS SOBRE O CUIDADO COM O CORPO 105
5.1 Considerações sobre a beleza feminina ............................................................. 105
5.2 O cuidado com a beleza e a semântica global do discurso batista .................... 106
5.3 Receitas de beleza para a Mulher Cristã ............................................................ 108
5.4 O cuidado com o corpo: uma questão de culto a Deus ...................................... 116
5.5 Considerações finais .......................................................................................... 121
6. A RELAÇÃO DO BATISTA COM A BÍBLIA: QUESTÕES DE CITAÇÃO,
PARTICITAÇÃO E COMENTÁRIO ......................................................................... 123
6.1 Como a mulher cristã deve utilizar a Bíblia ...................................................... 124
6.2 As citações em Visão Missionária ..................................................................... 126
6.3 A “particitação” ................................................................................................. 132
6.4 O comentário de um texto segundo as condições de produção do discurso ...... 135
6.4.1 O feminismo protestante ............................................................................ 135
6.4.2 As interpretações da submissão feminina em Visão Missionária............... 138
6.4.3 Considerações sobre o comentário ............................................................. 143
6.5 O caráter atemporal do texto ............................................................................. 144
6.6 Considerações finais .......................................................................................... 145
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 151
xxii
INTRODUÇÃO
1
Maingueneau (2009) explica que a noção de formação discursiva conserva uma grande instabilidade por
conta de sua dupla origem. Foucault, em Arqueologia do discurso, propõe a noção para tratar dos conjuntos
de enunciados que estão associados a um mesmo sistema de regras, historicamente determinadas. Pêcheux
reconfigura a noção no quadro teórico da análise do discurso, como aquilo o que pode e deve ser dito a partir
de uma posição dada em uma conjuntura dada. Mais tarde, Pêcheux propõe que uma formação discursiva não
é um espaço estruturalmente fechado, mas é inseparável do interdiscurso, do qual provêm elementos de outras
1
tanto, tomamos como corpus de análise a revista Visão Missionária, uma publicação da
União Feminina Missionária Batista do Brasil, dirigida às mulheres batistas.
A formulação No SPA com Deus, que aparece em uma das reportagens de
Visão Missionária (primeiro trimestre de 2010), foi escolhida para ser o título desta
dissertação porque toca diretamente a problemática desta pesquisa. Embora as práticas de
embelezamento façam parte da história da humanidade de uma forma geral, em nossa
sociedade, assiste-se cada vez mais a busca pelo corpo perfeito. Há um número crescente de
SPAs que oferecem serviços para o bem-estar, saúde e, principalmente, embelezamento.
Embora, cada vez mais, esteja aumentando a procura do homem por tratamentos de beleza,
essa prática ainda é diretamente associada à figura feminina. Desde antiguidade grega, a
beleza feminina é associada a um conjunto de práticas de embelezamento. Para os gregos,
como propõe Platão no Banquete, o belo está ligado aos corpos masculinos, enquanto a
beleza feminina é tomada como falsa, construída por meio de artifícios de toilette. Assim, a
formulação No SPA com Deus toca a ligação entre as práticas de embelezamento e cuidado
com o corpo e o discurso religioso. Tal formulação relaciona-se à questão chave desta
investigação: quais especificidades o discurso sobre o feminino apresenta, na revista Visão
Missionária, ao ser filtrado pelo discurso batista?
Visão Missionária funciona como um meio educativo da igreja batista e trata
não apenas de questões eclesiásticas, mas aborda questões acerca do cotidiano das leitoras.
O cristianismo apregoado na revista não se detém apenas a um conjunto de regras e rituais,
mas exige uma relação da fé com todos os aspectos da vida. A publicação dirige-se às
mulheres batistas casadas, dando conselhos, principalmente, a respeito da vida em família.
formações discursivas, por meio de “pré-construídos” e “discursos transversos”. Maingueneau afirma que
dada a sua dupla origem, a noção obteve grande êxito, mesmo em trabalhos fora da análise do discurso.
Entretanto, o uso do termo tem diminuído por seu caráter mal definido e, principalmente, por uma associação
caricatural de que termo refere-se a uma unidade doutrinária compacta e independente das condições de
comunicação, o que impediria a análise de corpora não doutrinais. Frente a essa diminuição do uso do termo,
Maingueneau defende a utilização do termo posicionamento. Segundo o autor, um posicionamento se define
como uma identidade enunciativa forte em um campo discursivo. No entanto, embora seja uma identidade
enunciativa, o posicionamento não é uma unidade fechada e cristalizada, mas está sob um constante trabalho
de reconfiguração por meio do interdiscurso. Em nossa pesquisa, a noção de “posicionamento” equivale e
substitui a de “formação discursiva”. Propomos que o discurso batista é um posicionamento no campo
religioso, que tem a sua identidade assegurada por uma contínua relação com outros discursos do campo
protestante.
2
As recomendações sempre são suportadas por um discurso cristão de que Deus dá força e
ajuda na realização de todas as tarefas. O periódico mostra como equilibrar as atividades
cotidianas com a prática da fé, ensinando como a mulher batista deve exercer as diferentes
funções (ser mãe, esposa, profissional) de uma forma cristã:
A Bíblia nos ensina a termos comunhão com ele, a vivermos dignamente melhor.
Fazendo assim, agradaremos a ele em tudo. Relacionarmo-nos bem com Deus
significa relacionarmo-nos bem no lar, na escola, no trabalho, na igreja e na
comunidade onde vivemos (VM2, 2T1998).
2
Doravante as citações da revista Visão Missionária serão apresentadas da seguinte maneira: a sigla VM
representa o nome da revista, após a sigla aparece o trimestre de publicação acompanhado da letra T, e,
posteriormente, o ano de publicação. Assim, nesta nota, VM, 2T1998 representa revista Visão Missionária,
segundo trimestre de 1998.
3
capítulo, buscamos verificar como a publicação constrói a imagem da chamada “mulher
cristã”, na relação com o cuidado com a beleza e com o corpo. E, por fim, no sexto e último
capítulo, explicitamos como sistema de citações nessa revista também é regulado pela
semântica global do discurso batista.
Entretanto, antes de iniciar esta pesquisa, convém fazer uma consideração:
Maingueneau (2006a) afirma que uma das unidades sobre as quais a análise do discurso
trabalha são as unidades tópicas, as quais podem ser divididas em territoriais e transversas,
e as unidades não-tópicas. Segundo o autor, as unidades tópicas territoriais estão ligadas a
uma instituição. O discurso batista é uma unidade territorial, ele é um discurso ligado a um
aparelho institucional – a igreja batista – e produz uma diversidade de gêneros (jornais,
revistas, folhetos) no interior do campo religioso. Já o discurso acerca do feminino, do qual
também tratamos nesta investigação, é uma unidade não-tópica. Essa unidade não pode ser
delimitada senão pelas fronteiras estabelecidas pelo pesquisador. Não há uma “instituição”
do discurso sobre o feminino (e também sobre o masculino); ele aparece diluído no
discurso das mais diversas instituições. Ele aparece nos mais diversos gêneros e nas mais
diversas enunciações.
4
CAPÍTULO 1
3
Maingueneau (2008) propõe o refinamento da noção de “interdiscurso”, substituindo-a pela tríade: universo
discursivo, campo discursivo e espaço discursivo. O autor define que dentro do universo discursivo, formado
pelo “conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem numa conjuntura dada” (p.33), estão
os campos discursivos passíveis de análise. Os discursos se constituem no interior do campo e, uma vez que
as relações nele não são dadas a priori, cabe ao analista descrever as operações que permitiram a formação
desse discurso em relação aos outros no espaço discursivo. Em nossa pesquisa, investigamos como o discurso
batista configura-se no espaço discursivo protestante em relação a outros discursos religiosos.
5
começar, pensando que algo sempre fala antes e alhures4. Sendo assim, pretendemos
começar pela Reforma Protestante na Europa no século XVI. Talvez se diga que essa
história já bastante conhecida, porém acreditamos que alguns aspetos dela sejam
imprescindíveis para explicitarmos as relações da grade semântica do discurso batista,
principalmente, no que concerne a sua relação com a leitura da Bíblia, porque é a partir das
postulações defendidas por Lutero acerca do sacerdócio universal de cada cristão que o
discurso batista constitui-se.
4
Pêcheux (2009) propõe que o processo discursivo não tem um início recuperável, mas um discurso sempre se
conjuga sobre um discurso anterior. Sendo assim, impossível definir uma origem das condições de produção.
A partir das teses althusserianas, Pêcheux propõe que o processo discursivo se constitui por dois
esquecimentos: de que o indivíduo se constitui como sujeito pelo “esquecimento” daquilo que o determina, o
que lhe dá a ilusão de ser a unidade fundadora do que diz, e de que todo indivíduo “seleciona” suas palavras
(em forma de paráfrases) de uma formação discursiva que o domina. Desse modo, um processo discursivo se
caracteriza não somente pelos efeitos semânticos que nele se encontram realizados, isto é, o que é dito no
discurso x, mas também pela ausência de um certo número de efeitos que estão presentes pelo interdiscurso.
5
Por exemplo, os Petrorusianos no Sul da França, em 1106, defendiam que a missa e as orações pelos mortos
deviam ser repudiadas. Os Valdenses, em Lião 1150, argumentavam que a missa, o purgatório e a confissão
não tinham base bíblica e que as indulgências deviam ser rejeitadas. (Cf. Faircloth, 1989)
6
a fim de revelar, no que fora dito (na “letra”), o que estava em silêncio6. Para essa
perspectiva, o sentido “espiritual” seria revelado apenas a sujeitos autorizados: os clérigos.
Olson salienta que, nesse período,
pensava-se que todos os textos religiosos necessitavam de uma chave para ser
compreendidos; chave dada primordialmente pelo papel que tinham na doutrina e
na liturgia da Igreja e, secundariamente, pelas experiências pessoais daqueles que
viveram a doutrina, especialmente as vidas de santos. Não se pensava que a chave
fosse dada pelos próprios textos (1997, p.164).
6
Em The Age of Reform (1980), Steven Ozment explica que, para a exegese medieval, as passagens bíblicas
têm dois significados: o literal e o espiritual. O literal é o que é imediatamente afirmado, relacionado às
circunstâncias da produção do texto. O espiritual, por sua vez, divide-se em três: o alegórico, o moral e o
anagógico. O alegórico é o mais importante do texto e refere-se à igreja e a Cristo. O sentido moral reporta-se
ao indivíduo, fala-lhe sobre a salvação individual. E o anagógico é o texto significado como a realidade
transcendente, descrevendo os eventos futuros, os segredos místicos, metafísicos e escolásticos escondidos no
texto. Apresentamos, a seguir, um exemplo, dado por Ozment, desse tipo de interpretação:
Texto bíblico: “Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel” (Salmo, 76.1)
Literalmente: o texto se refere aos reinos do sul e do norte do povo Hebreu nos tempos bíblicos. Assunto,
portanto, não pertinente aos cristãos medievais.
Alegóricamente: o texto pode ser aplicado a Jesus e a Igreja, na qual Deus é conhecido através da revelação e
pelo ato de salvação.
Moralmente: esse texto se refere à alma do cristão, a qual conhece a Deus pela oração e meditação.
Anagogicamente: o texto refere-se ao Juízo Final, no qual a gradiosidade de Deus e seus preceitos serão
conhecidos de modo total.
7
No final da Idade Média, São Tomás de Aquino propõe uma solução para o
problema medieval da interpretação: o sentido literal do texto corresponde à intenção do
autor. Olson explica que, na Summa, Aquino
Nesse período, cresce de forma significativa o estudo das línguas antigas (latim,
grego e hebraico) na tentativa de recuperar os originais dos textos. A ênfase dada à
literalidade causou uma crescente dificuldade para que a Igreja sustentasse interpretações
não respaldadas nos textos sagrados, provocando um progressivo desprestígio da
“Tradição” e abrindo possibilidades para a Reforma Protestante.
Olson afirma que a teoria de leitura de Martinho Lutero foi uma consequência
direta da noção de sentido literal de Aquino. Para Lutero, o sentido da Escritura não se
baseava nem nos dogmas da Igreja (na Tradição), nem em inspirações pessoais, mas estava
no literal, disponível “para todos que se dispusessem a ler cuidadosamente” (OLSON,
1997, p.169). Ou seja, o texto tinha um sentido único e histórico, acessível a todos que
quisessem ler (independente de um conhecimento privilegiado). De acordo com Lutero, os
textos não poderiam ser interpretados ao acaso, mas exigiam um estudo sério e sistemático.
8
Ele propõe que “os níveis de sentido que os escritores precedentes tinham encontrado ‘no
texto’ eram fantasias, sonhos, extrapolações e interpolações, elaborados para sustentar ‘os
dogmas da Igreja’” (1997, p.169).
Por acreditar que alguns pregadores católicos faziam uma má interpretação dos
textos bíblicos, Lutero apresentou, em 1517, 95 teses que colocavam em xeque a prática
católica da indulgência como meio de alcançar a salvação. Em suma, a teologia luterana
defende a justificação pela fé, a infalibilidade da Bíblia e o sacerdócio de todos os crentes.
Segundo o posicionamento católico, a palavra do Papa é infalível e a interpretação bíblica
está sujeita a ela. Contra isso, Lutero argumenta que a Bíblia é a única autoridade de fé e
prática para o cristão e que não haveria nenhum intermediário humano entre o homem e
Deus.
Para Olson (1997), a contribuição de Lutero foi mostrar que os textos poderiam
ser lidos por si mesmos, sem intervenção nem do dogma nem de qualquer outra autoridade.
Com Lutero, a interpretação foi ao mesmo tempo “naturalizada e democratizada”.
Democratizada, na medida em que cada cristão, sendo responsável por sua alma, deve
conhecer bem as escrituras, a fim de ter uma vida “correta”. Naturalizada, porque o sentido
de um texto podia ser determinado com certeza e, consequentemente, só poderia ser
interpretado corretamente de um modo, um sentido natural7.
Em 1534, por questões políticas, econômicas e pessoais (após o Papa recusar-se
a cancelar o seu casamento com Catarina de Aragão), o rei Henrique VIII separa a igreja
inglesa da Igreja de Roma. Contudo, nessa mudança, a única modificação significativa é
que o poder passa do Papa para o rei, porém a liturgia se mantém a mesma. Só a partir de
1549 é que a igreja Anglicana é reformulada, em conformidade com os ensinamentos
luteranos. Todavia, a história da igreja Anglicana é marcada por ser um certo meio termo
entre o catolicismo romano e protestantismo. Por exemplo, no anglicanismo, há bispos e
7
Faz-se necessário esclarecer que, para a teoria da Análise do Discurso, não há um sentido único e literal em
um texto. Segundo a teoria, as palavras ganham sentido no interior de um posionamento discursivo. Logo, o
sentido sempre pode ser outro a depender da posição. Assim, ao contrário da interpretação que busca um
sentido natural e verdadeiro, revelado por Deus a sujeitos autorizados (como concebiam os clérigos) ou dado
pela própria natureza (como concebia Lutero); a Análise do Discurso defende que os sentidos não são dados a
priori, mas historicamente dependente das posições discursivas.
9
padres como na igreja Católica, porém, como no protestantismo, esses não precisam ser
celibatários.
Ainda no final do século XVI, grupos insatisfeitos com a doutrina da igreja
Anglicana, os chamados separatistas, buscavam a total separação da igreja e o estado. Tais
grupos são vistos como hereges e passam a ser perseguidos. Por volta de 1606, um grupo
liderado pelo anglicano John Smyth foge para Holanda, que havia se tornado um campo de
refúgio para os separatistas ingleses. Smyth, conhecedor de línguas antigas, defende que a
igreja Anglicana e a Católica não seguem o modelo de batismo bíblico – imersão e não
aspersão. E, por essa interpretação da prática do batismo, funda uma nova igreja em 1609.
Ele rebatiza todos os membros e inclusive a si mesmo na forma de imersão. Entre os
membros da nova igreja está o advogado Tomás Helmys, o qual retorna para Inglaterra, em
1612, e organiza a Primeira igreja Batista em Spitalfield, nos arredores de Londres.
Não nos deteremos mais sobre os detalhes da constituição histórica dos batistas
na Inglaterra, pois este não é nosso objetivo aqui. Só chamamos a atenção para o fato de
que entre o final do século XVIII e início do XIX, o movimento missionário batista teve um
grande crescimento. Surgiram grandes organizações para a assistência financeira aos
ministros e às igrejas. Segundo o historiador batista Samuel Faircloth (1959), foi, nesse
período, que surgiram os primeiros periódicos batistas: Baptist Register (1790); Periodical
Accounts (1794); General Baptist Magazine (1797); Particular Baptist Magazine (1809).
10
desde que não tivessem a forma exterior de templo. Entretanto, essa capela era frequentada
por ingleses, que não pareciam interessados em tornar seus cultos conhecidos no Brasil.
O envio sistemático de missionários protestantes para o Brasil começou em
1836, com a chegada do Reverendo metodista Spaulding, que fundou uma pequena escola
para crianças brasileiras e estrangeiras. Em 1847, o Rev. Daniel Kidder juntou-se a
Spaulding, dedicando-se principalmente à distribuição de cópias Bíblia em uma tradução
autorizada pela igreja católica. O missionário obteve a aprovação de autoridades, porém
seus maiores fregueses eram os educadores. Léonard (1981) explica que estes “viam, nessas
distribuições, um meio de obter gratuitamente livros de leitura para seus alunos” (p.44), em
um tempo em que o número disponível desses ainda era pequeno. Convém lembrar que,
durante muito tempo, o ensino da leitura se deu a partir de textos religiosos.
Em 1855, o missionário e médico Robert Kalley chega ao Rio de Janeiro, e
realiza, em 1858, o batismo do primeiro brasileiro que se converteu ao protestantismo. Essa
data também é considerada como a da fundação da primeira comunidade protestante do
país: a Igreja Evangélica, mais tarde, Fluminense. O batismo realizado por Kalley gerou
grandes repercussões. O missionário foi acusado de ferir a Constituição Brasileira8 com
doutrinas contrárias à religião do Estado. No entanto, obteve parecer favorável de três
importantes juristas e pode continuar exercendo seu trabalho.
Léonard explica que os missionários enviados ao Brasil eram
8
Segundo a Constituição Brasileira de 1824, o Catolicismo é a região oficial do estado, e ainda que outras
religiões fossem permitidas, os cultos deveriam ter um caráter doméstico e templos não poderiam ser
construídos.
11
tiveram igrejas incendiadas, porém, não podemos falar de um plano geral e organizado
contra os protestantes. Foram ações isoladas e episódios locais. O grande desafio do
protestantismo foi interno: a relação com as “igrejas-mães” americanas. Léonard (1963)
afirma que o mesmo sentimento patriótico da proclamação da República envolveu os fiéis
protestantes em relação às igrejas matrizes. Nas palavras do autor,
Talvez nesse momento o leitor argumente que estamos dando ênfase demais aos
fatos históricos e deixando de lado os discursivos. Nesse sentido, cabe explicitar que é na
tentativa de separação das igrejas matrizes que surge na história das igrejas protestantes no
Brasil um meio (econômico) que nos interessa aqui: as revistas. As denominações
protestantes buscavam independência das igrejas matrizes. Para tanto, o primeiro passo foi
a organização da “Sociedade Brasileira de Trabalhos Evangélicos” em 1884, com vistas a
fazer com que as igrejas do país pudessem se sustentar sem recursos estrangeiros. Em 1888,
foi publicada a primeira revista evangélica do país, a “Revista das Missões Nacionais”.
Ao contrário do catolicismo, que tende a abrigar em um mesmo plano
institucional uma diversidade da tradição cristã, o protestantismo tende à separação. O
catolicismo, mesmo que a ferro e fogo, mantém sob o controle papal diversas ordens e
congregações. As igrejas protestantes, ao contrário, não tem um controle régio, cada igreja
que se forma é independente das demais. Dessa forma, ao contrário da Igreja Católica, não
podemos falar da “Igreja Protestante”, mas em uma diversidade de igrejas protestantes
divididas em muitas ramificações. O sociólogo Antônio Gouvêa Mendonça (1990) propõe
que não há “o protestantismo brasileiro”, mas vários “protestantismos”, que passaram e
passam por diversas transformações institucionais e teológicas. Apresentamos a seguir uma
tabela elaborada por Mendonça acerca dos ramos da Reforma Protestante no Brasil:
12
Tabela 1 – Distribuição dos grupos protestantes no Brasil
Anglicano Luterano Reformado Paralelos à Pentecostais
Reforma
Anglicanos Luteranos Presbiterianos Batistas Clássicos: Assembleia de
Deus; Congregação Cristã
no Brasil; Igreja do
Evangelho Quadrangular;
Igreja Evangélica O Brasil
para Cristo
Episcopais Congregacionais Menonitas Cura divina: Deus é
Metodistas Reformados Amor
europeus
Fonte: Mendonça, 1990, p. 17-18.
1. 3 Considerações finais
13
No que tange a nossa pesquisa, como já foi dito, buscamos analisar, na revista
Visão Missionária, como discurso batista filtra, a partir de sua semântica global, os
enunciados sobre o feminino. Entretanto, tendo em vista a discussão aqui realizada, a
questão que se impõe é como esse discurso se coloca em relação aos demais discursos
protestantes? Que tipo de relação (de aliança, de neutralidade ou de concorrência) ele
estabelece com os demais discursos no campo?
14
CAPÍTULO 2
Como já foi dito, em nossa pesquisa, propomos que há uma Semântica global
do discurso que rege tanto os diferentes planos discursivos em funcionamento na revista
Visão Missionária quanto o espaço institucional e organizacional da UFMBB e da igreja
Batista, de uma forma geral. Logo, a análise da constituição histórica destas organizações é
um lugar produtivo para o desenvolvimento deste estudo. Neste capítulo, esboçamos essa
Semântica global batista e a sua relação com as práticas desse discurso, a partir de textos
veiculados no site oficial da Convenção Batista Brasileira e outros textos batistas. Para
tanto, primeiramente, analisamos a constituição do posicionamento batista no espaço
protestante a partir da proposta de Maingueneau (2006a) acerca dos discursos constituintes.
15
justa apreensão do Belo, da Verdade, etc. que os outros posicionamentos teriam
desfigurado, esquecido, subvertido” (2006a, p.39).
Falar da história dos batistas não é apenas descrever dados históricos, pois,
além destes, os batistas apresentam a teoria teológica JJJ (Jerusalém-Jordão-João) como
uma explicação para sua origem. De acordo com tal teoria, os batistas haveriam começado
em Jerusalém, com os batismos realizados por João Batista no rio Jordão. Todavia, um
problema levantado por essa teoria é explicar como se deu a sucessão histórica até a
fundação da primeira igreja Batista. Como resposta a isso, as seguintes explicações são
apresentada no site da Convenção Batista Brasileira (CCB):
9
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=19&Itemid=12 Acesso em 25
de junho de 2010.
10
http://www.batistas.com/index.php?view=article&catid=11%3Anossa-historia&id=19%3Aa-nossa-historia-
no-brasil-e-no-mundo&format=pdf&option=com_content&Itemid=12 Acesso em 25 de junho de 2010.
16
um estatuto de pertencimento e não pertencimento ao universo social, sendo impossível
incluí-los em uma ‘topia’. A esse respeito, esclarece que o enunciador de um discurso
constituinte, na própria cena da enunciação, constrói a impossibilidade de sua posição na
sociedade. O autor salienta que paratopia não se restringe apenas às personagens, mas opera
igualmente através dos lugares. Propomos que a formulação de Taylor aponta de certa
forma para um funcionamento paratópico em relação à origem da igreja Batista. Esta, ainda
que possa ser precisada no espaço (Inglaterra) e no tempo (1612), é apresentada por Taylor
como sempre existente, antes mesmo de sua organização.
Essa apresentação dos batistas como saídos diretamente dos lábios de Jesus
retoma, em certa medida, a narração da criação do mundo no discurso cristão: bem como
Deus teria criado o mundo pela palavra, os batistas também saíram diretamente dos lábios
de Cristo (Deus na terra). Tal apresentação indica uma paratopia de lugar de origem, que
funciona para legitimação do discurso, criando um efeito de primeiro, genuíno, portanto,
verdadeiro e incontestável desse discurso. Desse modo, tratar da história dos batistas não é
uma questão simples, já que estes afirmam não serem diretamente ligados à Reforma, mas
se propõem como anteriores a ela.
Apresentando-se como o povo legitimamente escolhido, os batistas atribuem a
si a função de defender a Verdade que os outros posicionamentos teriam “corrompido”.
Afirmam que a sua função é lutar contra a “corrupção” da verdade. Considerando-se como
os diretamente constituídos, os batistas atribuem a si a responsabilidade de evangelizar o
mundo, como encontramos no site da CBB: “a missão primordial do povo de Deus é a
evangelização do mundo, visando à reconciliação do homem com Deus” 11. A missão
evangelística do mundo constitui-se como o lugar fundamental e primordial no discurso
cristão.
Por consequência desta “missão”, em 1882, foi organizada a Primeira Igreja
Batista no Brasil, pelos casais de missionários batistas norte-americanos, Willian Bagby e
sua esposa Anne Luther Bagby e Zacharias Taylor e sua esposa Crawford Taylor,
juntamente com ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque, na cidade de Salvador, Bahia.
11
http://batistas.com/index.php?view=article&catid=5%3Adeclaracao-doutrinaria&id=15%3Adeclaracao-
doutrinaria-da-convencao-batista-brasileira&format=pdf&option=com_content&Itemid=15 Acesso em 25 de
junho de 2010.
17
Em 1907, havia 83 igrejas batistas organizadas no Brasil, com um total de
aproximadamente 4.200 membros. Nesse mesmo ano, foi organizada a Convenção Batista
Brasileira (CBB), órgão máximo da denominação, que tem como finalidade integrar as
igrejas, definindo o padrão doutrinário dos batistas no Brasil.
Maingueneau (2008) propõe que cada discurso é regido por uma Semântica
Global, a qual funciona como um filtro de enunciados, que permite distinguir os discursos
pertencentes a um posicionamento discursivo. Segundo o autor,
12
Maingueneau (2008) propõe a existência de uma competência discursiva semelhante ao modelo da
competência linguística de Chomsky, mas diferente desta, a discursiva não se funda na hipótese do inatismo,
nem pode ser analisada como a gramática do discurso. Enquanto a questão da aquisição da linguagem
chomskiana relaciona-se à explicação da capacidade que os falantes têm de aprender uma língua diante de um
número limitado de performances, a “aquisição” da competência discursiva relaciona-se à simplicidade do
sistema de restrições do discurso e a possibilidade de dominá-lo.
18
Quando propôs a hipótese da semântica global, Maingueneau baseou-se na
pesquisa que realizara acerca da polêmica entre o discurso jansenista e o humanista devoto,
estabelecendo, como procedimento de análise, a construção de semânticas globais a partir
da relação polêmica entre dois discursos. Nesta pesquisa, nosso objeto de análise é o
discurso batista em sua relação com o(s) discurso(s) sobre o feminino. Buscamos analisar
em que medida o discurso batista corrobora, atualiza e polemiza com o(s) discurso(s) sobre
o feminino. Ou seja, como enunciados acerca do feminino são filtrados em Visão
Missionária pela semântica global batista. No entanto, apesar de não elegermos um
discurso específico que se contraponha ao discurso batista, julgamos possível mostrar,
fundamentados na proposta de Maingueneau (2008) de que todo discurso nasce do
interdiscurso, como discurso batista nasce e se mantém em uma relação de oposição a
outros discursos do campo religioso cristão.
Como já foi dito, o espaço protestante é formado por diversos posicionamentos
que, embora partilhem muitos pressupostos básicos, dividem-se/individualizam-se por
algumas questões doutrinárias. Nesse espaço, o discurso batista inscreve-se no chamado
“Protestantismo Histórico”, ao lado dos Presbiterianos, Luteranos e Metodistas. Todas
essas denominações partilham pressupostos, entretanto, diferem em algumas questões. Os
batistas se distinguem dos outros pela ênfase dada ao batismo em idade adulta por imersão.
A questão do batismo por imersão é fundamental na doutrina batista. As prerrogativas
básicas desse discurso para que um indivíduo seja considerado um cristão são: (i) que o
indivíduo creia em Jesus Cristo como seu salvador pessoal (tese partilhada não só entre os
protestantes históricos, mas entre todos os protestantes de uma forma geral) e (ii) que o
indivíduo seja batizado por imersão quando adulto. Enquanto os presbiterianos, os
luteranos e os metodistas realizam o batismo infantil e o batismo por aspersão, para um
batista, tais práticas são inaceitáveis.
Destacamos a seguir algumas declarações dos batistas concernentes à prática do
batismo:
O batismo consiste na imersão do crente em água, após sua pública profissão de
fé em Jesus Cristo como Salvador único, suficiente e pessoal. Simboliza a morte e
sepultamento do velho homem e a ressurreição para uma nova vida em
identificação com a morte, sepultamento e ressurreição do Senhor Jesus Cristo e
também prenúncio da ressurreição dos remidos. O batismo, que é condição para
19
ser membro de uma igreja, deve ser ministrado sob a invocação do nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo13.
20
batizado por imersão. Tal mudança de prática nos impede de falarmos de um discurso
cristão protestante que abranja todos esses grupos. Assim, mesmo que o discurso batista
compartilhe uma série de pressupostos (ou pontos doutrinários) com os demais protestantes
históricos, a prática do batismo é um impedimento para que todos possam pertencer à
mesma grade semântica.
As igrejas batistas obedecem a um sistema congregacionalista-individualista
(cf. LÉONARD, 1963). Isto é, apesar de todas as igrejas batistas tradicionais estarem
ligadas pela CBB, cada igreja local tem uma autonomia de decisão em seus assuntos
administrativos e também doutrinários.
A Bíblia revela que cada ser humano é criado à imagem de Deus; é único,
precioso e insubstituível. Criado ser racional, cada pessoa é moralmente
responsável perante Deus e o próximo. O homem, como indivíduo, é distinto de
todas as outras pessoas. Como pessoa, ele é unido aos outros no fluxo da vida,
pois ninguém vive nem morre por si mesmo.
A Bíblia revela que Cristo morreu por todos os homens. O fato de ser o homem
criado à imagem de Deus, e de Jesus Cristo morrer para salvá-lo, é a fonte da
dignidade e do valor humano. Ele tem direitos, outorgados por Deus, de ser
reconhecido e aceito como indivíduo sem distinção de raça, cor, credo, ou
15
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=15 Acesso em 08
de julho de 2011.
21
cultura; de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena
oportunidade de alcançar o seu potencial16.
A sociedade, a nossa comunidade, aí está a exigir cada vez mais uma atuação
dinâmica do crente. Os compromissos da mulher cristã devem ser buscados por
toda mulher que se dispõe comprometer-se com o reino de Deus quer como mãe,
profissional liberal, ou vocacionada especial. Devemos ser agentes da vinda do
reino de Deus, hoje, agora (VM, 2T1991, grifos nossos).
Segundo esse discurso, não só o cristão é aquele que age no mundo, como Deus
também é um agente. Para os batistas, Deus e o homem são as duas forças que agem na
história.
16
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=16&limitstart=1Aces
so em 08 de julho de 2011.
22
Mulheres também fazem a História. No Brasil, como no mundo todo, mulheres
cristãs batistas têm registrada uma bela trajetória de serviços no Reino de Deus,
de realizações, de conquistas e vitórias para honra e glória desse Deus que é o
dono da História (VM, 1T2003, grifos nossos).
Amemos a causa de missões. Cremos nela e nos empenhamos para que ela cresça
em nossos corações. Livros e histórias missionárias são constantemente
estudados. [...] Somos levadas a orar pela obra missionária ao redor do mundo, a
evangelizar a tempo e fora de tempo, a alfabetizar para que o indivíduo leia a
Palavra de Deus, a contribuir financeiramente para o progresso da Causa da
igreja. Quem poderá medir o valor dos trabalhos realizados nos acampamentos e
nos cursos de liderança? Nossa identificação será maior quanto melhor for o
nosso preparo (VM, 1T1967, grifos nossos).
E hoje em dia temos visto muitos líderes evangélicos que usam o nome de Deus
para manipular, chantagear, e levar vantagem sobre pessoas simples e incautas.
Isso sem falar naqueles que fazem conchavos, manobras e dobradinhas para se
manterem no poder! Estou falando dentro da igreja evangélica, não é fora não.
Infeliz e lamentavelmente (VM, 3T2010, grifos nossos).
Nesse discurso, o preparo é visto como uma necessidade. O cristão deve sempre
preparar-se antes de agir, tal preparação se dá, prioritariamente, pelo estudo da Bíblia e de
17
http://www.batistas.com/index.php?view=article&catid=6%3Aprincipios-batistas&id=16%3Aprincipios-
batistas&format=pdf&option=com_content&Itemid=16
23
livros batistas. Outro sema que aparece, geralmente, ligado à /Formação/ e também
derivado do sema /Ação/ é a /Evangelização/:
Toda aula na igreja, seja alfabetização, curso para os jovens, aula de corte e
costura, trabalhos manuais, ou outra qualquer, deve ter uma parte devocional com
uma leitura bíblica, oração e uma oportunidade para explicação do evangelho,
como também um convite aos cultos da igreja. Deve haver, na aula, alguém que
possa dar orientação espiritual a quem dela necessitar. O amor em ação não
consiste somente em ensinar a fazer um vestido novo, e sim, em levar a pessoa
através dessa atividade a escolher Cristo para ser o padrão de sua vida. Eis aí a
diferença entre uma aula oferecida pelo governo e uma, oferecida pela igreja
(VM, 3T1967).
Para esse discurso, toda ação do cristão deve ter como objetivo final a
“conversão” do outro ao seu discurso. Pêcheux (2010) propõe que, na relação entre os
lugares discursivos, pode haver dois processos: quando o enunciador A dirige-se a B na
tentativa de transformá-lo (persuadi-lo) e quando o enunciador de A fala a coenunciadores
que também se identificam com A. No funcionamento do discurso religioso, um enunciador
tanto pode se dirigir a seu auditório para tentar convertê-lo a sua fé (AB) quanto pode se
dirigir a um auditório que já compartilha a mesma fé (AA). O processo de evangelização
pressupõe um processo do primeiro tipo, em que o enunciador tenta “converter” o
coenunciador. Chamamos a atenção para o fato de que a revista Visão Missionária
pressupõe um processo do tipo AA, dado que é uma revista feminina batista dirigida à
mulher batista.
No discurso batista, os cristãos são advertidos, a todo o momento, que sua
função é ser um evangelista. Essa ênfase na conversão do outro está ligada ao
funcionamento dos discursos constituintes. No campo do discurso religioso, cada
posicionamento propõe-se como o defensor da verdadeira fé que os demais
posicionamentos teriam subvertido. No caso do discurso cristão, cada discurso apresenta-se
como responsável pela “conversão” dos demais à verdadeira fé. Com isso, a tese da
/Evangelização/ é constitutiva nesse discurso.
Quanto a sua vida no mundo, os cristãos vivem em uma espécie de
ambivalência. O cristão é alguém que vive no mundo, mas não é do mundo. Ele teria um
duplo pertencimento entre “terra” e “céu”. A esse respeito, os batistas defendem uma
/Integração/ ou contextualização do cristão no mundo. A necessidade da /Integração/ está
24
relacionada à /Evangelização/. De acordo com esse discurso, o cristão deve estar
contextualizado para ser um evangelista no mundo.
Diante deste novo milênio temos alguns desafios a enfrentar. Temos que encarar
a modernidade, acompanhá-la (VM, 2T2002).
Essa /Integração/, contudo, não significa unificação. Deve ser uma /Integração/
moderada:
A Igreja de Cristo precisa parecer com a sociedade que a cerca? Até onde deve ir
esta semelhança? Perguntas que sempre me perseguem quando penso em
contextualização. Apesar de “contextualização” não significar “unificação”, não
se pode negar que algumas comunidades cristãs estão ficando cada vez mais
parecidas com instituições comerciais, no afã de atrair pessoas.
Equilíbrio. Atualizar a casca sem mudar a essência. É isso que evitará um
enrijecimento estrutural que pode matar a igreja pela desatualização e
descontextualização e, também, a metamorfose desenfreada, que provocará a
descaracterização e desintegração. (MIRANDA, 2003, p.68).
Nesse sentido, esse discurso defende que haja uma /Moderação/ nas ações.
Além disso, o cristão é advertido a sempre agir de forma ordenada. Propomos que /Ordem/
também seja um sema nesse discurso. Desde a estrutura fortemente organizada até as
mínimas ações devem ser sempre planejadas para não saírem da ordem. Com esse intuito,
além da Convenção Batista Brasileira, há convenções estaduais, diversas Uniões (de
homens, de mulheres, de jovens), juntas de missões mundiais, nacionais e as estaduais e
diversas associações, como a de esposas de pastores batistas, a de escolas batistas, a de
músicos batistas.
Em nossa pesquisa, investigamos como o discurso batista entra em relação com
o(s) discurso(s) sobre o feminino. Contudo, não encontramos um sema específico em
relação à mulher. Ela é tomada como um cristão, que, mais do que os homens, têm a função
de formar.
25
Em suma, a análise aqui empreendida mostra que o discurso batista funciona a
partir das seguintes teses:
26
restrições, referindo-se a ele por meio de traduções ou “simulacros” que dele constrói.
Esses simulacros são construídos a partir dos semas negativos do discurso-agente.
No discurso batista, além dos semas positivos apresentados, há também os
semas negativos, pelos quais esse discurso lê outros discursos com os quais polemiza. Por
hipótese, poderíamos elencar os seguintes semas negativos nesse discurso:
Ação Acomodação
Formação Ignorância
Evangelização Enganação
Integração Alienação
Moderação Mistura
Individualidade Centralização
Ordem Desordem
Enunciador da IPDA: “Tentei ser batista, mas não dá, a doutrina deles é muito
fraca. Lá pode tudo, como ir à praia, ver futebol, jogar bola etc. Não dá para ter
uma vida cristã agradável a Deus dessa forma. Pertencer a esta denominação é
como se o crente estivesse no mundo”.
Enunciador batista: “Ser fiel da IPDA é sair deste mundo. Lá, não se pode fazer
nada: mulher pintar cabelos, unhas, usar brincos, ver televisão etc. coisas comuns
do cotidiano. Querem viver como na época de Cristo, mas esquecem que isso foi
há dois mil anos, e nós estamos no século vinte e um. A igreja precisa se adaptar
aos novos tempos”.
27
enunciador da IPDA argumenta que o batista “pode tudo”, enquanto o batista que o da
IPDA “não pode nada”. Afirmamos que essas duas respostas são simulacros que um
discurso constrói do outro. O batista acusa do IPDA de não estar no mundo e precisar se
adaptar aos novos tempos, enquanto o da IPDA acusa o batista estar no mundo e ter
doutrina fraca. Na resposta do batista, o sema /Integração/ aparece invertido como
/Alienação/. Segundo o discurso batista, o cristão da IPDA é aquele que “sai” deste mundo.
Aquele que está alienado. Por sua vez, o enunciador da IPDA também constrói um
simulacro do discurso batista como aquele que permite tudo, que está misturado com o
mundo.
No que diz respeito à relação do discurso batista (e dos demais discursos
protestantes históricos) com o discurso Pentecostal, o tratamento dado ao sema /Formação/
é outro, devido à diferente função atribuída ao Espírito Santo. Para os Pentecostais, há
revelações divinas até os dias de hoje por intermédio Espírito Santo, o que justifica, nesses
discursos, uma grande ênfase dada aos dons de profecia e revelação. Não que eles não
estudem a Bíblia18, mas creem na ação do Espírito Santo no sentido de “batizar” pessoas
com dons. Já para os protestantes tradicionais, como os batistas, toda a revelação divina já
está na Bíblia. Logo, a importância sumária é dada a /Formação/ do cristão. Ele deve estar
apto a reconhecer a “verdade divina” revelada na Bíblia. Selecionamos, a seguir, um
comentário batista relativo à doutrina do Espírito Santo:
18
A esse respeito, por exemplo, encontramos a seguinte afirmação no site da igreja Assembleia de Deus:
“Tendo a Bíblia como a sua única regra de fé e prática, a confissão das Assembleias de Deus realça a salvação
pela crença no sacrifício vicário de Cristo, a atualidade do batismo no Espírito Santo e dos dons espirituais e a
esperança na segunda vinda do Senhor Jesus”. In: http://www.cpad.com.br/assembleia/. Acesso em 20 nov.
2011.
28
sobrenatural do Espírito Santo na mente, nas emoções, na vontade das pessoas
regeneradas como um poder independente dos poderes dos homens, sobrenatural
e, portanto, a eles superior. 2) A segunda atitude extremada é daqueles que
desconsideram a Bíblia, relegam-na a uma ênfase a manifestações místicas,
creem em profetas e profetizas, seguem o que estes dizem e se entrega ao
descontrole emocional, muitas vezes atribuído ao Espírito Santo comportamentos
doentios, irracionais e até fraudulentos.
19
A plenitude do Espírito Santo, Revista Atitude: a revista do jovem cristão. Rio de Janeiro: Juerp, 4º
trimestre de 2002. p.40
29
de que ele “desconsidera” a Bíblia. Tal acusação descaracteriza o Outro no campo religioso
cristão, uma vez que um dos pressupostos básicos desse é que a Bíblia é a Palavra de Deus.
Levando em consideração a importância sumária da Bíblia nesse campo, afirmar que seu
Outro a desconsidera cria um efeito de que ele não é confiável nem digno de fé, pois quebra
a ética de um “bom cristão”.
Além desses exemplos, discutiremos também o funcionamento do termo
“evangélico” nesse discurso. Mendonça (1990) explica que, enquanto o termo “protestante”
é, em geral, utilizado por pesquisadores como historiadores, teólogos e sociólogos; a auto-
identificação de “evangélico” tem um caráter individual, amplamente utilizado e significa
um compromisso com um conjunto de princípios doutrinários cristãos (não-católicos)
independentes de uma denominação. Assim, ser evangélico está acima de uma
denominação específica. Logo, os batistas estão contidos no grupo dos evangélicos. Para
discutir essa questão, selecionamos os seguintes excertos:
(1) Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas
igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não
ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas,
baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra
geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos
modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação
social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações
regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto,
autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como
sugestões ou apelos20.
(2) “Além destas cidades atuou também em Pacatuba, e como em todos os lugares
não havia nenhum trabalho evangélico e era difícil iniciar. Mas Deus usou o
Dispensário e a capacidade de servir de Zênia para introduzir o Evangelho” (VM,
3T2001, grifo nosso).
(3) E hoje em dia temos visto muitos líderes evangélicos que usam o nome de Deus
para manipular, chantagear, e levar vantagem sobre pessoas simples e incautas.
Isso sem falar naqueles que fazem conchavos, manobras e dobradinhas para se
manterem no poder! Estou falando dentro da igreja evangélica, não é fora não.
Infeliz e lamentavelmente (VM, 3T2010, grifo nosso).
20
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=15 Acesso em: 08
jul. de 2011.
30
variadas esferas da sua vida. O apóstolo Paulo nos conclama a não nos
conformarmos com a situação do nosso século, mas que, ao nos transformarmos
pela atuação de Deus, possamos influenciar o meio onde estamos (VM, 2T1990,
grifo nosso).
31
mulheres não podem/devem ter participação na sociedade. Face a essa imagem, o discurso
batista cria também uma imagem de si como atuante, defendendo a /Ação/ da mulher. E,
ademais, cria uma imagem de si como não sexista, na medida em que permite e incentiva o
trabalho feminino na igreja.
Assim, o discurso batista propõe-se como o genuíno no conjunto dos discursos
evangélicos. Não é que esse discurso não reconheça a legitimidade dos outros
posicionamentos evangélicos, mas ele se descreve como o mais legítimo.
Maingueneau (2006b) propõe que “todo estudo que se pergunta sobre o modo
de emergência, circulação e consumo de discursos constituintes deve dar conta do modo de
funcionamento dos grupos que produzem e gerem” (p.69). Nesse sentido, entendemos que é
relevante considerar de que forma os batistas concebem a educação como forma de
alcançar a evangelização mundial, empenhando-se em formar missionários, através de um
forte investimento na educação religiosa de seus membros.
De acordo com Leonard (1981), a base do protestantismo europeu é “adorar e
orar”. A finalidade suprema da igreja é o culto. Já no Brasil, explica o autor, essa base é o
“aprender e trabalhar”. Os cultos protestantes no Brasil funcionam para os pastores como
um trabalho para a salvação das almas, e, para os fiéis, como uma escola onde devem
aprender como trabalhar na evangelização. Destarte, o historiador propõe que a vida do
protestante se define em três “tempos”: a conversão, a instrução e a evangelização e o
grande motor disso é a Escola Bíblica Dominical (doravante EBD).
A história da EBD remonta à história da educação na Inglaterra. Em 1785, foi
criada, pelos batistas ingleses, a Sociedade das Escolas Dominicais. Aos domingos de
manhã, as crianças pobres eram reunidas para aprender a ler e escrever, através da Bíblia. O
historiador batista Samuel Faircloth (1959) salienta que esta era a única instrução que essas
crianças recebiam. Essas escolas funcionavam como uma escola primária e sem auxílio
financeiro do estado. Só em 1862, o governo inglês realizou um movimento contra o
32
trabalho das crianças na moagem, estabelecendo que estas deveriam ter um tempo para
dedicar aos estudos. Em 1870, foi elaborado um projeto de estabelecimento de escolas
primárias e secundárias sob a direção do Estado.
Com isso, as Escolas Dominicais perderam o caráter de ensino de leitura e
escrita, mas continuaram com o enfoque de estudo das Escrituras. Na Europa, apenas as
crianças frequentam a EBD. Por outro lado, no Brasil, além destas, os adultos também
participam.
Há todo um material didático que atende às diferentes faixas etárias (crianças,
juniores, adolescentes, jovens e adultos). A EBD funciona geralmente pela manhã, com o
estudo de revistas, que têm como currículo o estudo completo da Bíblia, em um período de
sete anos. A EBD funciona principalmente como uma formadora de evangelizadores. É
uma das portas de entrada à igreja. Levar visitantes à EBD é uma prática estimulada nas
igrejas, e, por vezes, há até concursos para ver que classe (crianças, jovens ou adultos) traz
mais visitantes por trimestre. Cada crente é visto, assim, como um
recrutador/evangelizador, inclusive, as crianças.
Além da EBD, a igreja batista é subdivida em diferentes departamentos,
organizações e grupos de trabalhos, dos quais, os principais são as Juntas de Missões
Mundiais, Nacionais e Estaduais, a União de Homens Batistas do Brasil e a União
Feminina Missionária Batista do Brasil. Todas essas subdivisões estão ligadas ao sema
/Ordem/.
O primeiro Seminário Batista no Brasil foi fundado em 1902, em Recife, e, em
1908, foi fundado outro na cidade do Rio de Janeiro. Toda essa rede institucional funciona
como lugar onde discursos são não só produzidos, mas, principalmente, geridos.
Segundo o site da CBB,
a educação é uma marca visível do povo batista. Sua paixão pelo estudo da
Bíblia desenvolveu o interesse pela educação religiosa, cultivada nas igrejas
através das organizações de treinamento e da EBD. Os templos se tornaram
verdadeiros complexos educacionais21.
21
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=19&Itemid=12&limitstart=3
Acesso em: 05 nov. 2010.
33
templos funcionam como um lugar de ensino, onde se (re)afirma a legitimidade e a
necessidade da missão de evangelizar o mundo. Nesse sentido, a própria arquitetura das
igrejas obedece à grade semântica do discurso batista, além do templo, as igrejas Batistas
possuem salas de aulas, nas quais funcionam a EBD e as reuniões das uniões e sociedades
missionárias.
Acerca da relação entre instituição e discurso, Maingueneau (2008) salienta:
Desse modo, no discurso batista, há toda uma prática discursiva voltada para a
/Formação/ cristã, tendo como objetivo último a /Evangelização/ mundial.
34
jesuítas no Brasil colônia. Podemos afirmar que a história do cristianismo no Brasil, em
parte, confunde-se com a história da educação no país.
No início, os missionários batistas eram contrários a qualquer meio de
evangelização que não fosse direto, “puro e simples”. Diferentemente dos presbiterianos e
metodistas, não criaram colégios paralelamente à fundação das igrejas. Com o tempo, a
construção de colégios pareceu ser um bom meio para a evangelização. Nesse sentido, foi
fundado o primeiro colégio batista em 1898 na Bahia, o colégio “Americano Egídio”. Nos
EUA, as igrejas protestantes mantinham colégios que eram frequentados por filhos de
protestantes. Já no Brasil, estes colégios recebiam uma clientela variada, alunos
pertencentes às “melhores famílias”, como filhos de autoridades, ex-ministros e professores
da Faculdade de Medicina. Em 1902, também foi fundado um colégio em São Paulo, o
“Colégio Progresso Brasileiro”, no qual mais tarde foi criada uma Escola Normal,
reconhecida pelo estado, a qual funcionava como a espécie de uma mini-universidade, com
curso de odontologia e ciências domésticas. Outros colégios foram construídos no Recife
(1906) e no Rio de Janeiro (1908).
Hoje há colégios batistas espalhados por todo país. Segundo o site do Colégio
Batista Brasileiro, a missão deste é “educar, ensinando fatos, conceitos, desenvolvendo
habilidades, atitudes e valores para cidadania responsável, permeada pelo amor e pelos
princípios contidos na Palavra de Deus”22. Assim, há uma tentativa de unir os elementos
educacionais laicos ao ensino da Bíblia.
22
http://www.batistabrasileiro.com.br/ Acesso em: 12 fev. de 2011.
23
Revista Mulher Cristã em Ação da UFMBB.
35
Os batistas defendem a alfabetização. Essa defesa tem a ver com sema de
/Formação/ e também com o sema de /Individualidade/. Como cada um é responsável por
sua “salvação”, é necessário que todos saibam ler (principalmente a Bíblia e os textos
batistas).
As igrejas batistas têm em média três cultos por semana, dois no domingo
(manhã e noite) e um durante a semana. Também pode haver programações especiais aos
sábados (como casamentos, culto de quinze anos), ou em outros dias da semana. Além das
reuniões das sociedades.
Geralmente (a depender dos recursos financeiros de cada igreja), é distribuída
aos membros a programação dos cultos. Descrevemos aqui, por exemplo, a ordem de um
culto ocorrido na Igreja Batista em Barão Geraldo no dia 20 de março de 2011. Primeiro, há
o prelúdio (execução instrumental de um hino). O culto começa com uma oração, há a
leitura de um texto bíblico e mais alguns cânticos. A seguir, há a leitura de mais um trecho
bíblico e um hino para o momento da dedicação (entrega de dízimos e ofertas, cada fiel
deve levantar e depositar no gazofilácio24 localizado na parte da frente do púlpito). A
seguir, há o sermão, mais um hino, uma oração, os avisos e o poslúdio (a execução
instrumental de um hino).
Concernente à prática do sermão, Maingueneau (2010) explica que este, assim
como um curso universitário ou uma conferência, “entra na categoria das enunciações
monologais orais, apoiadas em geral em um texto prévia e cuidadosamente escrito” (p.104).
Nesse sentido, apesar de previamente escrito, o pregador deve parecer divinamente
inspirado. Como explica o autor, “o pregador deve mostrar em sua própria enunciação que
é obrigado, por uma necessidade interior, a falar como o faz” (p.108).
24
Caixa de madeira, posicionada em frente ao púlpito, na qual os batistas devem depositar os dízimos e as
ofertas.
36
Por exemplo, em um culto realizado na Igreja Batista Cidade Universitária
(IBCU), em Campinas, no dia 10 de outubro de 2010. Antes de iniciar o sermão
propriamente dito, o pastor faz a seguinte oração:
Pai Celestial muito obrigado por este tempo que temos diante de Ti, junto com a
tua igreja, para que possamos aprender o recado que o Senhor tem a nos dar. Vem
nos abençoar neste tempo de reflexão na tua Palavra. Eu oro em nome de Jesus,
amém25.
25
http://www.ibcu.org.br/Monografias/101010noite_monografia.pdf. Acesso em: 12 maio. 2011.
37
2.3.3 O culto doméstico
Outra prática dos batistas é o culto doméstico. Visão Missionária afirma que “é
a adoração a Deus no aconchego do lar. É momento diário em que a família faz uma pausa
e em conjunto medita na Palavra e adora a Deus” (VM, 1T1997). Para tanto, há toda uma
literatura de apoio. Dentre essa, ressaltamos a revista Manancial. Essa é uma publicação da
UFMBB (bem como a revista Visão Missionária). Ela é divida pelos dias do ano, para
cada dia há um tema, um texto da Bíblia que deve ser lido e um hino batista que deve ser
cantado. Do trecho da Bíblia lido, é ressaltado um versículo básico acerca do qual é
apresentado um texto que o comenta. Esses textos são escritos por pastores, missionários ou
educadores religiosos.
De acordo com Visão Missionária, a prática do culto doméstico é uma
determinação bíblica: “É na Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus, que encontramos a base, o
estímulo, a segurança para a prática do Culto Doméstico” (VM, 1T1997). Esse culto é
descrito como um momento pedagógico:
38
2.4 Os hinos: por uma análise intersemiótica
Desde 1691, músicas religiosas ou hinos foram introduzidos nos cultos das
igrejas batistas. As igrejas batistas brasileiras contam com dois livros oficiais de hinos: o
Cantor Cristão (CC) e o Hinário para o Culto Cristão (HCC). O primeiro é composto
por 581 hinos, os quais estão divididos em dez assuntos, a saber: adoração a Deus; Deus; o
filho Jesus Cristo; Deus, o Espírito Santo; culto público; o evangelho; a vida Cristã; a vida
futura; mocidade; Ocasiões especiais (Hinos vespertinos, Ano novo, Consagração de
templo, viagens, casamento, ministério, funeral) e Hinos Pátrios (incluindo o Hino da
Proclamação da República do Brasil, o Hino à Bandeira Nacional e o Hino Nacional
Brasileiro). A grande maioria desses hinos são traduções de versões americanas e inglesas
das chamadas músicas sacras.
Já o HCC foi lançado em 1990 como uma versão comemorativa dos cem anos
do CC. Ele é composto por 441 hinos, dos quais muitos são do CC, porém com letras
modificadas. Além dos hinos, o HCC tem também 172 sugestões de leitura de trechos da
Bíblia para serem utilizadas durante os cultos.
Segundo o HCC,
39
Nesse sentido, o autor não limita a função da semântica global apenas ao
domínio textual, mas propõe que o mesmo sistema semântico integra tanto produções
verbais quanto outros domínios semióticos. O autor defende que “o pertencimento a uma
mesma prática discursiva de objetos derivados de domínios semióticos diferentes exprime-
se em termos de conformidade a um mesmo sistema de restrições semânticas” (p.138). A
partir desse pressuposto, tentamos mostrar aqui como o domínio da música nessa igreja
também obedece ao mesmo sistema semântico do discurso batista.
Sobre a importância dada ao uso destes hinários, selecionamos as seguintes
formulações presentes na introdução destes:
Os dois textos defendem que o uso dos hinários é importante nos cultos. O uso
de expressões como “trabalho incansável e dedicado”, “dezenas de servos e servas”,
“trabalho árduo”, “coletar, escolher, documentar e organizar” aponta para um sentido de
/Ação/ nesse discurso. Segundo o discurso batista, o cristão deve ser alguém atuante. O
“trabalho” na igreja é muito valorizado. Outra tese defendida é de que todo trabalho é feito
de acordo com a “vontade de Deus” e que é vontade dele que os cristãos cantem hino. E,
além disso, os hinários são descritos como “convite aos não salvos”. Isso se relaciona à tese
da necessidade de /Evangelização/.
40
Além dos textos introdutórios dos hinários, selecionamos um hino do CC a fim
de mostrar como este é regida pela mesma grade semântica do discurso batista.
Resolutos, avançai,
Trabalhando por Jesus!
O estandarte levantai,
Espalhando a sua luz!
Ó igreja, dediquemos
Nossos corpos ao Senhor!
Não devemos ser escravos
Do sagaz enganador.
As riquezas são-nos dadas
Pela terna mão real,
E o Senhor do céu observa
Se fazemos bem ou mal.
Na letra desse hino, estão afirmadas algumas teses que sustentam o discurso
cristão de uma forma geral. Deus é descrito como o senhor (juiz) que observa a conduta do
cristão (se faz bem ou mal). Em contrapartida, a figura é o “diabo” apresentada como
“sagaz enganador”. O cristão é advertido a tomar cuidado para não cair em nenhuma
armadilha, tomando cuidado para não se tonar um “escravo”. O não cristão é descrito como
“pecador” que precisa ser salvo. Para tal discurso, o mundo viveria em trevas e precisaria
da “luz” de Cristo.
41
Para esse discurso, a evangelização equivale a uma guerra. O cristão é chamado
de “soldado”, que deve trabalhar “resoluto” espalhando a “luz” e levando o estandarte. Esse
funciona como um guia para a tropa e como símbolo de conquista. Cristo é caracterizado
como o “comandante” desse exército. A sequência de verbos no imperativo (“levantemos”,
“dediquemos”, “avançai”, “levantai”), o uso da locução adverbial “sem temor” e as
expressões “soldados”, “comandante” funcionam na construção de um ethos guerreiro e
atuante. Levando em conta que segundo o discurso batista, eles são responsáveis pela
/Evangelização/ mundial, a letra da música enfatiza /Ação/ do cristão em pregar o
evangelho.
Além da letra da música, se, em uma análise “intersemiótica”, levarmos em
conta a melodia, veremos, por exemplo, que a sequência das notas lembram o ritmo de uma
marcha de guerra, o que funciona para a formação de um ethos guerreiro na música.
26
http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/04/revista%20da%20bahia/Musica/filarmo.htm
42
2.5 Considerações Finais
43
44
CAPÍTULO 3
É claro que não se pode saber como o mundo é nem para onde ele vai
lendo as revistas que circulam entre nós. Mas, por outro lado, como
compreender as correlações que homens e mulheres estabelecem em seus
discursos sem verificar minimamente de onde esses discursos provêm,
como eles circulam e de que recursos se valem para serem consumidos?
(SÍRIO POSSENTI).
27
CORRÊA, T. S. Primeira parte de uma breve história das revistas. In:
http://cursoabril.abril.com.br/coluna/materia_84318.shtml Acesso em: 30 mar. 2011.
45
vasta audiência feminina. Conforme a autora, embora algumas sejam mais centradas em
moda, outras no governo doméstico ou ainda sobre o que fazer no tempo livre, todas
partilham fronteiras da feminilidade tradicional. Em tais publicações, as mulheres são
advertidas a melhorar a sua aparência física, a gerir seus lares de um modo mais eficiente e
econômico e a triunfar sobre a adversidade. Todavia, embora as leitoras sejam encorajadas
a dominar a sua situação pessoal, nunca são encorajadas a pô-la em questão.
Visão Missionária é uma publicação trimestral da União Feminina
Missionária Batista do Brasil, e funciona como meio educativo e prescritivo da igreja,
veiculando as regras e valores da doutrina batista. Acontece que tais valores são
atravessados por posições do discurso sobre o feminino. Em nenhum momento tais
posições anulam os valores ditos cristãos, mas são configuradas e ajustadas de acordo com
tais valores. Por exemplo, uma questão discutida nas revistas femininas de um modo geral é
como a mulher deve se comportar caso seja traída: ela deve se separar ou continuar na
relação? Em Visão Missionária, esse também é um tema discutido. A edição do primeiro
trimestre de 1994 publicou uma matéria sobre o assunto:
Certa noite, vários anos após Carlos haver saído de casa, meu telefone tocou. Era
outra mulher que, naquele momento, atravessava uma situação semelhante à
minha. Ao conversarmos, notei que poderia ajudar, não somente ela, mas também
a outras. Deus não havia me abandonado. Pela graça, eu conseguiria atravessar
aqueles terríveis pesadelos.
Aquele telefonema resultou num almoço semanal e dali um estudo bíblico com
três mulheres em situações semelhantes. Mais tarde, já éramos doze. Reuníamo-
nos para nos apoiar mutuamente e estudar a Bíblia.
Na medida em que me dispus a estender minha mão e ajudar outros em seus
sofrimentos, minha própria dor foi curada e esquecida.
O texto defende que a experiência de ser traída fez com que a mulher pudesse
ajudar outras mulheres na mesma situação. Essa posição de aceitar os problemas como um
desígnio divino é uma posição típica do discurso cristão. Para esse discurso, tudo acontece
por vontade de Deus e para o bem dos fiéis. Esse propósito divino é interpretado pelo
discurso batista como uma oportunidade para que a mulher aja no mundo. Tal /Ação/ é no
sentido melhorar a /Formação/ cristã de outras mulheres, na medida em que elas se reúnem
para fazer estudos bíblicos. Além disso, essa /Ação/ também se relaciona à /Evangelização/,
uma vez que, nesse discurso, o “estudo bíblico” está relacionado à prática do evangelismo.
46
Destarte, de acordo com o discurso batista, a mulher que passou pela experiência de ser
traída, pode superar tal experiência, vendo-a como uma oportunidade de /Ação/.
Convém ressaltar que embora as recomendações apresentadas em Visão
Missionária possam por hipótese ser aplicadas por mulheres de diversas igrejas
protestantes, a leitora “ideal” da revista é uma batista. Isto é, uma mulher que seja batizada
em idade adulta por imersão.
47
Amigos de Missões com a revista Sorriso; as meninas e adolescentes até os 16 anos de
idade são as Mensageiras do Rei e contam com as revistas Aventura Missionária e Você
Adolescente; as jovens estão no grupo Jovens Cristãs em Ação e contam com a revista
Desafio Missionário; e, por fim, as senhoras formam o grupo Mulheres Cristãs em Ação
(doravante MCA) e têm a revista Visão Missionária.
O grupo da MCA define-se como uma organização ligada às mulheres da igreja
“ou não”, na qual as mulheres têm a oportunidade de:
48
3.2 Sobre Visão Missionária
SUMMARIO
Padrão de Excellencia ............................................................................................................... 4
A Sociedade de Senhoras .......................................................................................................... 6
O Dízimo á luz do Novo Testamento ....................................................................................... 7
O Evangelho em Portugal ......................................................................................................... 10
Sociedade de Crianças
Programma N.1 ......................................................................................................................... 12
Programma N.2 ......................................................................................................................... 14
Programma N.3 ......................................................................................................................... 16
Sociedade de Jovens
Programma para Janeiro ............................................................................................................ 19
Programma para Fevereiro ........................................................................................................ 21
Programma para Março ............................................................................................................. 22
Sociedade de Senhoras
Programma para Janeiro ............................................................................................................ 24
Programma para Fevereiro ........................................................................................................ 27
Programma para Março ............................................................................................................. 30
Estatutos para as Sociedades de Senhoras.................................................................................. 32
49
Por que Visão Missionária?
É um título mais expressivo – O novo nome distingue melhor o objetio principal de nossa organização.
Através dos tempos, o ideal missionário tem animado as valorosas irmãs batistas, que dão seu irrestrito e
caloroso apoio ao trabalho de missões no mundo. O título de sua revista, portanto, fala de algo que tem sido
uma constante no coração das senhoras.
É um título mais atraente – Visão Missionária é um título que atrai e que apela ao nosso coração.
É um título mais interessante – A tendência atual, no campo jornalístico, é para títulos mais curtos, com
menor número de palavras. O novo nome está dentro deste requisito técnico, sendo mais interessante e mais
atualizado.
(VM, 1T1967)
Índice
Págs.
1. Por Que VISÃO MISSIONÁRIA? ................................................................ 1
2. Façamos Bem a Todos ................................................................................... 2
3.“Papai, pode trazer as minhas mãozinhas? ............................................ ........ 3
4. O novo curso de liderança...................................................................... ........ 4
5. As mulheres batistas em Portugal ....................................................... .......... 5
6. Nossos escritores ................................................................................... ........ 7
7. O amor de Deus – Janeiro-Fevereiro – Março ...................................... ........ 8
8. Janeiro – Atividades do mês ................................................................. ........ 9
9. Janeiro – Programa “O Amor de Cristo nos constrange? ..................... ........ 10
10. Fevereiro - Retribuindo esse grande amor .......................................... ........ 12
11. Semana de Orações Pró Missões Mundiais “Em sacrifício vivo”....... ........ 15-37
13.Um plano de atividades cristã para a Semana em Foco................................. 40
14. Janeiro – A chamada ao Serviço de Missões ...................................... ........ 41
15. Fevereiro – Meu melhor para o mestre................................................ ........ 44
16. Março – Semana de oração pró Missões Mundiais – “Em sacrifício vivo” . 15-37
Inscrição – A mensagem Missionária da Bíblia
50
neles possamos encontrar enunciados acerca do papel do feminino, a ênfase está no serviço
missionário. Ao longo dos anos, a revista passou por diversas mudanças, “integrando-se”
um pouco mais ao estilo de revistas femininas de um modo geral. Hoje, o tema prioritário
de Visão Missionária ainda são as “Missões”, entretanto, a publicação aborda diferentes
questões relacionadas à vida da mulher no seu cotidiano por um viés do discurso batista.
Nesse sentido, a revista aborda temas típicos das revistas femininas (como por exemplo, a
questão da traição), mas esses temas são tratados de acordo com a semântica batista (a
experiência de ter sido traída pode fazer com que a mulher pudesse ajudar outras mulheres).
O grupo da MCA se reúne em suas igrejas locais semanalmente ou
mensalmente e estuda Visão Missionária. Os exemplares são organizados em diferentes
seções, são elas: o editorial, atualmente assinado por Elza Andrade, coordenadora Nacional
da MCA; a seção de cartas de leitoras, que apresenta, além das cartas, fotos das sociedades
femininas espalhadas pelo Brasil; a seção intitulada Gente Nossa, que traz biografias
mulheres ligadas à história da UFMBB; a seção programas especiais, com sugestões de
peças, jograis e poesias para a comemoração das mais variadas datas e festividades; a seção
de estudos mensais, que devem ser realizados durante as reuniões das mulheres na igreja; a
seção liderança e a seção terceira Idade. Além destas, a revista tem também seções que
tratam de beleza, saúde, artesanato, culinária e atualidade. Na seção atualidade, são tratados
diversos temas como, por exemplo, Reencarnação e comunicação com os mortos (VM,
1T1995), Brasil, 500 anos (VM, 2T2000), Fidelidade conjugal em tempos de AIDS (VM,
4T2000), Clonagem humana (VM, 1T2003).
No geral, a estruturação das edições é muito parecida, os assuntos e temas
tratados são apresentados em uma ordem mais ou menos fixa. Há uma regularidade nos
temas tratados em cada trimestre de acordo com as datas comemorativas do ano. Assim, nas
edições do primeiro trimestre, geralmente, há artigos relacionados ao Dia internacional da
mulher e o encarte com a programação de missões mundiais de acordo com o calendário da
Junta de Missões. Nas edições do segundo trimestre, os temas são Dia do Pastor, Dia das
mães, Páscoa, Dia da Educação Cristã Missionária (23 de junho) e o mês da Família
(maio). Nas edições do terceiro trimestre, há programações para o Dia dos pais e o anexo
de missões nacionais. E, por fim, nas edições do quarto trimestre, os temas são Dia da
51
Bíblia (2º domingo de dezembro), dia do professor, Dia Batista de Oração Mundial
(Baptist Women’s World Day of prayer – 1 de novembro), Natal e Ano novo.
Considerando a regularidade da disposição da revista, julgamos que a descrição
de um exemplar seja suficiente para que o leitor possa se familiarizar com a revista em
questão. E, além disso, tendo em vista que partimos da hipótese de que toda e qualquer
produção do discurso batista é regida pelo mesmo sistema de restrições semântica, a
descrição de um exemplar é suficiente para explicitar alguns aspectos do funcionamento
desse discurso.
52
apresentada a biografia de Darcília Moreira Pereira. Nas páginas seguintes, aparecem três
textos: “A mãe que se tornou mãe”, dedicado ao Dia das mães; “A importância da educação
religiosa cristã formal” e “Dia do homem batista”, comemorado no 2º domingo de junho.
A seguir, aparece uma longa reportagem de quatro páginas intitulada “Filhos de pastores”.
Uma das seções fixas da revista é a dedicada à Terceira idade. Nesta edição, a
reportagem de três folhas é intitulada “Conceito Bíblico de Idoso”, de autoria de um
Gerontólogo. Outra seção fixa é a dedicada à Atualidade. Nesta edição, o tema tratado é o
horóscopo: “O que os “astros” orientam nos horóscopos?”, assinado por um pastor. A
seguir, aparece a seção saúde, desta vez tratando de duas questões: “Lesões orais e
periorais” e “A saúde do bebê”. O primeiro texto é assinado por uma cirurgiã dentista e o
segundo foi extraído do livro A saúde do Bebê do Dr. Joel de Souza. Após essa seção,
aparece a de Beleza, que aborda, nesta edição, os benefícios da massagem. Em seguida, a
seção Culinária, com três receitas, e a de Artesanato, ensinando a fazer enfeites de geladeira
de biscuit. A seguir, aparece uma propaganda do Centro integrado de educação de Missões
(CIEM) e do Seminário de educação cristã (SEC).
As páginas 24 e 25 são dedicadas à seção Denominação Batista, com o texto
“Os batistas no mundo”, de autoria de um historiador. Esta não é uma seção fixa, porém é
muito recorrente. As páginas 26 a 28, 32 a 34 e 35 a 39 são dedicadas ao tema de Missões.
Nestas, são apresentados três textos: “Jubileu de Outro: amizade em família”; “O ministério
indo...”; “Como organizar uma viagem Missionária”. Da página 29 a 31, a seção Histórico,
que, nesta edição, narra a história da UFMBB do Pará.
A cada edição a revista apresenta três estudos. Um para cada mês. Nessa
edição, os estudos são: “Mulheres impactadas pelo amor de Deus”, de autoria de uma
pedagoga; “Família: vale a pena investir”, de autoria de uma educadora religiosa e “O
envolvimento das Mulheres em Educação Cristã Missionária”, de autoria de uma professora
do Seminário de educação cristã. Além desses, são apresentados outros textos: uma
biografia, “Ida de Freitas Dias Pereira: vida que inspirou e edificou vidas”; e um texto sobre
Educação Cristã Missionária – “Reflexões sobre a farinha e o azeite”.
O periódico apresenta também uma série de sugestões de programações para o
trimestre: dois jograis “O Dia do Pastor” e “Ação da mulher cristã”, três peças: uma para o
53
dia das mães, uma sobre o resgate de valores e outra para comemoração de aniversário de
15 anos; um programa especial para um culto do bebê e uma sugestão de atividades para
serem desenvolvidas no mês da família. Além disso, há cinco poesias que aparecem entre
os textos, “Esposa de pastor”, “O pastor de almas precisa ter”, “Quando”, “Mulher” e
“Quem é está?”.
Há ainda duas páginas dedicadas ao planejamento das programações a serem
realizadas durante o trimestre. A última página da revista traz a lista de endereço de
distribuidores da literatura da UFMBB por todo país. Na contracapa final, aparece uma
propaganda da revista Musicológica Brasileira e, na seguinte, uma propaganda da
campanha em prol do dia da Educação Cristã Missionária.
Em números, Visão Missionária é divida da seguinte forma:
Em gráfico, teríamos:
54
Quadro 2: Distribuição das páginas de Visão Missionária em relação aos temas tratados
Estudos 13%
Programações especiais 16%
Missões 16%
Denominação Batista 8%
Propaganda 4%
Artesanato 1%
Culinária 1%
Beleza 1%
Saúde 3%
Atualidade 8%
Terceira Idade 4%
Educação Religiosa 10%
MCA 6%
Biografias 4%
Cartas e fotos de leitoras 1%
Índice, editorial e distribuidores 4%
0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% 16% 18%
29
Maingueneau (2006a) propõe que um texto, enquanto rastro de discurso, pode ser analisado em termos de
“cena de enunciação”. O autor propõe que essa cena é formada por três planos complementares: a cena
englobante, que se refere ao tipo de discurso, a cena genérica, relativa ao tipo de gênero, e a cenografia,
construída no próprio texto.
55
discursos didáticos. Tais estudos estão ligados ao sema /Formação/. Salientamos, no
entanto, que não só esses estudos, mas a própria existência da revista está ligada a esse
sema. Essa publicação tem um caráter pedagógico/formativo. O seu objetivo é doutrinar as
mulheres batistas.
No que concerne ao estatuto dos enunciadores na revista, esses são
caracterizados como crentes inspirados, porém devidamente preparados para isso. No
exemplar descrito, a formação profissional dos autores é enfatizada: gerontólogo, pastor,
dentista, médico, historiador, pedagoga, professora. Entretanto, além de sua formação
profissional, em Visão Missionária, enunciadora e coenunciadoras são interpeladas como
instrumentos de Deus.
E nós somos o instrumento divino na prática de tão sublime tarefa (VM, 2T1991).
Eu me alegro porque sei que Deus me ama e põe no meu caminho coisas tão
boas, como as pessoas que escrevem esta revista, pessoas consagradas que
recebem a Visão de Deus (VM, 2T1998, grifo nosso).
Esta é a história de uma mulher cristã que se entregou nas mãos de Deus para
fazer a sua vontade e ele a tornou uma das maiores líderes do trabalho feminino
no Brasil. Foi preparada para ser um vaso muito precioso e até o fim da sua vida
não vacilou nem temeu, porque sabia a quem servia e ao seu Deus deu toda a
glória (VM, 2T1983, grifo nosso).
56
A mulher é descrita como um “vaso preciso” e “uma das maiores líderes do
trabalho”, todavia, para tanto, ela passou por uma preparação. Assim, mesmo que os
enunciadores sejam tomados como instrumentos de Deus, devem se preparar para isso,
passando por um processo de /Formação/.
As responsáveis por Visão Missionária são mulheres que têm uma formação
específica, geralmente adquirida em cursos oferecidos pela própria denominação em duas
escolas para mulheres: o Instituto Batista de Educação Religiosa (IBER), hoje, Centro
Integrado de Educação e Missões (CIEM) e o Seminário de Educação Cristã (SEC). A
importância dada à educação feminina cristã é tão enfatizada, que a cada ano é realizada
uma campanha com esse fim. Chamamos a atenção para a apresentação que a revista faz de
uma das autoras:
Há uma grande ênfase na /Formação/ dessa autora. Ela tem uma formação
secular específica (Psicopedagogia Institucional e Clínica), mas também uma /Formação/
batista (pós-graduação no Instituto Batista). É, nesse sentido, um sujeito autorizado nesse
discurso.
Destarte, quanto aos ritos genéticos, isto é, “o conjunto de atos realizados por
um sujeito em vista de produzir um enunciado” (MAINGUENEAU, 2008, p.132), nesse
discurso, o enunciador deve ser preparado em uma das instituições de ensino batista. O
enunciador típico é aquele que tem uma /Formação/ batista. Para poder inscrever-se nesse
discurso, e produzir enunciados é necessário ter uma formação cristã específica. E tal
/Formação/ é um pré-requisito para ser um “instrumento” de Deus.
Quanto ao modo de coesão de um discurso, Maingueneau (2008) propõe que
cada discurso tem seu modo de encadeamento, com sua maneira própria de construir “seus
parágrafos, seus capítulos, de argumentar, de passar de um tema a outro” (p.96). Em Visão
Missionária (conforme veremos no capítulo VI), o modo de encadeamento é marcado por
57
um grande número de citações, particitações30 e comentários de textos bíblicos. Propomos
que está na própria constituição desse discurso a necessidade de repetir os textos, uma vez
que é um posicionamento filiado a um discurso constituinte, e, portanto, apresenta-se como
derivado de uma Fonte transcendental (Deus) e verdadeiro interpretante do livro Sagrado (a
Bíblia). Nesse sentido, as constantes citações funcionariam como um recurso para tentar
evidenciar que não foge das Escrituras. O enunciador desse discurso (e também seus
coenunciadores) deve mostrar que tem uma boa /Formação/ cristã no sentido de
(re)conhecer as Escrituras, podendo interpretá-la e defendê-la.
3.5.1 Os anúncios
Outro aspecto que talvez cause estranhamento à leitora das revistas femininas
em geral é o pequeno número de páginas dedicado à publicidade em Visão Missionária.
Fonseca-Silva (1999), em pesquisa acerca a revista Cláudia, afirma que nesta publicação
24% das páginas são dedicadas à publicidade. Segundo a autora, a quantidade de páginas
30
Maingueneau (2006a) propõe que há um sistema particular de citação, a “particitação”, que une citação e
participação. Enquanto a citação é um corte de um fragmento, que explícita sua fonte e é inserido em outra
situação de comunicação; a particitação exige que os coenunciadores reconheçam que há uma citação sem que
o enunciador indique qualquer fonte ou utilize um verbo dicendi, além do fato de que esse enunciado citado
também pode sofrer algumas modificações. Ao particitar, o enunciador mostra sua adesão à comunidade
discursiva ligada a um Thesaurus e espera que seu coenunciador, que também pertence a essa comunidade,
seja capaz de reconhecer o enunciado citado sem que se explicite que se trata de uma citação.
58
dedicadas a anúncios publicitários demonstra que esses, além de venderem o produto e
apoiarem financeiramente a publicação, vendem também uma imagem da mulher que
consome esses produtos, imagem relacionada aos temas tratados. Nas palavras da autora,
“os anúncios publicitários que são veiculados na revista [Cláudia] estão relacionados aos
temas e assuntos que são apresentados. Existe, na realidade, uma complementariedade entre
reportagens e anúncios” (FONSECA-SILVA, 1999, p.47).
A análise dos anúncios em Visão Missionária indica que essa relação também
é estabelecida. Os anúncios veiculados estão relacionados também aos temas recorrentes na
revista. Nesta publicação, apenas 3% das páginas são dedicadas a anúncios, os quais se
dividem em, no máximo, três tipos: anúncio de algum congresso ou reunião da UFMBB,
anúncio de alguma campanha evangelística ou pela educação cristã e anúncios de livros e
periódicos da editora da UFMBB ou de outras editoras batistas. A presença desses anúncios
aponta para três posicionamentos em relação à mulher cristã:
59
Nossa análise indica que os anúncios de literatura veiculados em Visão
Missionária mostram uma posição do discurso batista em relação à prática da leitura.
Nestes anúncios, aparecem formulações como:
(2) O que você ganhou ano passado? Se você quiser ser lembrada por muito
tempo, ofereça algo que marque a vida de quem você ama. Presenteie com livros.
As festas vêm, as festas vão. Mas os livros ficam com a influência que deixam e
as lembranças que provocam (VM, 4T1992, grifos nossos).
(3) E a família, como vai? A vida em família é um caminho nem sempre tão
fácil e agradável. Para ultrapassar as dificuldades e vencer os conflitos é
necessário regar o lar com muito amor e boa informação. Plante valores e
conceitos cristãos com uma leitura especializada. Adquira e leia a série Família
Feliz (VM 2T1993 grifos nossos).
(4) O caminho certo para seu filho. Você é responsável pelo desenvolvimento
espiritual de seu filho até que ele possa ser capaz de responder por ele mesmo
perante Deus. Este livro é um guia prático para ajudar os pais a conduzir os
pequeninos no caminho do Senhor (VM, grifos nossos).
(5) Bons livros preparam a família cristã para a boa obra. Aproveite a ênfase
missionária destes meses e coloque à disposição de sua família livros de grande
valor! São livros que substituem, na mente e no coração, as emoções ilusórias de
falsos heróis pelas experiências reais e edificantes de grandes homens e mulheres
de Deus (VM, 3T1985, grifos nossos).
(6) Invista em cultura para sua família. Neste natal presenteie com os livros da
UFMBB (VM, 4T1995, grifos nossos).
60
se propõe como o verdadeiro. Logo, as produções de outros posicionamentos do mesmo
campo são lidas sempre como enganosas e equivocadas.
Além dos anúncios de livros, há também reportagens acerca da importância da
leitura, como a intitulada “Livros um bom presente”, veiculada no quarto trimestre de 1995.
No artigo, o autor apresenta uma série de razões para que o leitor compre livros ao invés de
outros presentes no natal: “o livro não é um produto descartável como o videogame, que
cansa, um carrinho, que enjoa ou uma boneca que envelhece”; “o livro é por natureza um
estímulo ao pensamento, mesmo quando não lido. Quem vive entre livros (uma estante)
está sempre desafiado a lê-los e pensar”; “quando lido, o livro é um estímulo ao
desenvolvimento da consciência crítica, capaz de nos fazer mais felizes e mais cidadãos”.
Logo a seguir, a revista apresenta um anúncio de duas páginas sobre a literatura oferecida
pela UFMBB que complementa a matéria. Esse anúncio mostra que não é qualquer leitura
que é recomendada, mas a leitura de livros batistas, mais especificamente, da UFMBB.
Como já discutimos no capítulo 2, Maingueneau (2008) afirma que há um laço semântico
entre discurso e instituição. A ênfase na importância da leitura exemplifica esse laço no
discurso batista. Todo o tempo a /Formação/ é defendida e valorizada em Visão
Missionária, a qual, por sua vez, existe por conta dessa necessidade de /Formação/ cristã.
Aliás, a própria existência da UFMBB e da sua editora está baseada nessa necessidade de
/Formação/.
Além disso, Visão Missionária defende que a compra de livros relativos à
igreja é mais importante do que, por exemplo, a compra de itens de vestuário:
Achamos caro adquirir livros para ajudar no estudo bíblico, mas muitas pessoas não
titubeiam em comprar um novo par de sapatos, só para combinar com um novo par
de sapatos, só para combinar com determinada roupa... Em pouco tempo os sapatos
se acabam, mas os conhecimentos e a inspiração dos livros perduram em nossas
vidas, na vida dos filhos e na de quantos se relacionam conosco. São livros valiosos
no esclarecer, no orientar, no ajudar a compreender certos fatos e afirmativas
desconhecidas. (VM, 2T1990).
61
advertida a deixar de comprar um item que contribua para o seu embelezamento (como um
par de sapatos) a fim de comprar um item para sua formação (o livro).
Uma das posições relativas ao discurso sobre o feminino é que a beleza da
mulher é seu maior bem ou trunfo. As revistas femininas defendem que a mulher deve ser e
se manter bela a qualquer custo e em qualquer situação. Em Visão Missionária, a mulher
também é advertida a cuidar de sua beleza, como discutiremos no quinto capítulo. Contudo,
a /Formação/ cristã é avaliada como mais importante que a beleza. De um modo geral, a
publicação defende as mesmas posições sobre o feminino, entretanto, tais posições são
reguladas pelo discurso batista.
Além de anúncios de livros, outro tipo de propaganda veiculada em Visão
Missionária é o de congressos e eventos da UFMBB. Sobre este, selecionamos alguns
slogans de congressos:
62
Programa Priscila31. Ao lado, aparece, em plano de um fundo, a imagem pintada de outra
mulher e, acima desse plano de fundo, o seguinte texto:
31
Priscila é uma figura bíblica que trabalhava junto com seu marido Áquila na construção de Tendas. Ambos
auxiliaram no trabalho missionário do apóstolo Paulo, hospedando e viajando junto com o missionário.
63
disso, é o sema /Individualidade/também entra em jogo. A leitora é interpelada como uma
mulher cristã responsável pela evangelização, que deve aproveitar a “oportunidade de
exercer no seu lar, na sua igreja e até mesmo no seu trabalho o fascínio de Priscila”. Desse
modo, esse anúncio também obedece ao sistema de restrições do discurso batista.
3.5.2 As celebridades
Abigail tornou-se mulher imortal pela sensatez, sabedoria, prudência que revelou
como esposa [...] Abigail não concordava com as atitudes más e desonestas de
seu marido. Com muita coragem e firmeza, mas com não menos sabedoria e
prudência, mostrava-lhe os inconvenientes de suas atitudes (VM, 1T1990).
32
Joquebede é uma figura bíblica. Ela é mãe de Moisés, que ficou conhecida por colocar o filho em um
cestinho no rio, a fim de salvá-lo do decreto de Faraó para matar todos os meninos.
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Débora também agiu assim: embora mansa e atenciosa, soube agir com firmeza e
severidade com os inimigos do seu povo. [...] Débora julgava e aconselhava com
sabedoria, independente das circunstâncias de lugar. Deus usa mulheres como
Débora- corajosas, que lideram com firmeza e sabedoria, que sejam promotoras
de paz e justiça entre o seu povo (VM, 2T1990).
A ênfase nesses excertos recaí sob a /Ação/ dessas mulheres. Elas são descritas
como mulheres que agem com sabedoria, prudência, sensatez, criatividade e firmeza.
Mulheres que tomam a iniciativa, lideram e influenciam. Segundo os textos, tais mulheres,
enquanto mães, esposas e profissionais, foram usadas por Deus em suas ações. Com isso, a
revista defende que a leitora também seja uma mulher atuante. Uma das ênfases de Visão
Missionária está na capacidade de liderança da mulher batista. Desde 1959, a UFMBB
oferece cursos de liderança para as mulheres que desejam realizar um trabalho mais
eficiente na igreja local. Como afirma a revista, “desde essa época o curso vem sendo
ministrado sempre adaptado e reformulado para atender as necessidades do momento”
(VM, 2T1998). A questão da liderança é tão importante que uma das seções fixas da revista
trata especificamente dessa questão. Nesta seção, as mulheres são ensinadas/incentivadas a
tornarem-se líderes. A esse respeito, selecionamos o seguinte excerto:
Deus chama a mulher para servir como líder. Foi assim com Débora, profetisa e
juíza em Israel. “Desperta, desperta, Débora! Desperta, desperta, entoa um
cântico... Quando o povo se oferece voluntariamente, louvai ao Senhor! Eu
mesma cantarei ao Senhor salmodiarei ao Senhor Deus de Israel. (Jz 5.12, 2, 3).
Atendendo o chamado do Senhor em quem confiava, Débora se levanta e assume
o comando da batalha contra os inimigos do seu povo, e essa era a celebração que
ela apresentou ao Senhor pelas vitorias alcançadas na sua liderança. Esse
exemplo mostra que quando Deus chama mulher para liderar um grupo ou
organização, como verdadeira serva, ela não rejeita, antes obedece com
prontidão, na certeza de que Ele irá capacitá-la para isso. Ele a conhece e sabe o
que pode fazer (VM, 1T2003).
33
Figura bíblica do Novo testamento, que atuava costurando túnicas e vestidos para viúvas.
65
ser uma líder em sua igreja. Abrimos aqui um parêntese para tratar um pouco mais acerca
da questão da liderança. Para tanto, chamamos a atenção para o texto Os desafios do nosso
tempo, publicado no segundo trimestre de 2000. Com os movimentos femininos ao longo
dos dois últimos séculos, as mulheres alcançaram grandes conquistas sociais, mas, ao
mesmo tempo, acumularam muitas funções, do que deriva uma posição no discurso sobre o
feminino: “a mulher moderna” tem dificuldade de lidar com tantas atribuições (dentro e
fora do lar). O texto em questão tematiza essa questão do desafio da mulher que tem “tantos
papéis a cumprir”. Segundo o texto, a mulher moderna é “esposa, mãe, profissional, além
das responsabilidades eclesiásticas”. Assim, além das atribuições comuns a mulher
moderna, a mulher moderna cristã tem ainda responsabilidades na igreja. E, para “ajudá-
la”, são apresentadas 16 especificações que, em um primeiro momento, poderiam ser
dirigidas a qualquer líder empresarial.
66
boa gestão faz com que as coisas funcionem corretamente e que se alcance sucesso. Nesse
discurso, um bom líder leva a empresa ao sucesso, gerando, em última instância, lucros.
Além do discurso administrativo, o texto também recorre ao discurso religioso.
No sentido de analisar tal questão, selecionamos as seguintes formulações:
(i) Não há mais tempo para ficar marcando passo, se nosso alvo for a excelência.
Aproveitem bem as oportunidades “remindo o tempo” (grifo nosso).
(ii) O líder não deve ser aquele que só vive no mundo das nuvens, mas ter o
sentido de realidade, conhecendo o fim a atingir, os meios de que dispõe, as
pessoas com quem vai trabalhar, as oposições a enfrentar etc. Como líderes
cristãs, devemos ter a cabeça no céu e os pés no chão (grifo nosso).
(iii) O mundo será ganho pelos grupos que fizerem o melhor treinamento das suas
lideranças. A igreja de Cristo precisa de líderes sadios, sábios e objetivos.
(iv) Em Romanos 12.2, o apóstolo Paulo os adverte: “Não foi conformeis com
este mundo, mas transformai-vos pela renovação do nosso entendimento, para
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.
67
Em (ii), a relação com o discurso religioso se dá por um processo de paráfrase.
É construído um jogo metafórico com as expressões “estar com a cabeça nas nuvens” e “ter
os pés no chão”. As duas expressões estão ligadas a um sentido do tipo é preciso estar
atento (com os pés no chão) e não sonhando (com a cabeça nas nuvens). Pêcheux (2010)
afirma que o sentido é dado por um efeito metafórico: “o fenômeno semântico produzido
por uma substituição contextual, para lembrar que esse “deslizamento de sentido” entre x e
y é constitutivo do “sentido” designado por x e y” (2010, p.96). Por essa relação, há no
texto uma substituição na expressão:
68
“ganhar”, veríamos que o Michaelis, por exemplo, apresenta 14 acepções para o verbo,
entre as quais selecionamos duas: “conquistar” e “recuperar”. No discurso administrativo,
“ganhar” relaciona-se ao sentido de “conquistar”: um bom líder é aquele que conquista para
empresa bons negócios e mercados. Já, no discurso religioso cristão, “ganhar o mundo” tem
o sentido de conquistar o mundo para Cristo e também de recuperar o mundo, no sentido de
que o mundo, antes do pecado, era de Deus. O que faz com que o verbo possa ser
parafraseado por “reconciliar”, como aparece na missão dos batistas: “a missão primordial
do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando à reconciliação do homem com
Deus34”. Desse modo, enquanto, no discurso administrativo, o objetivo é conquistar
negócios, no discurso batista, esse é (re)conquistar fiéis.
Por fim, em (iv), que é o parágrafo final do texto, a referência ao discurso
religioso se dá por uma citação direta do texto de Romanos 12.2. O texto bíblico vem
corroborar a posição administrativa de que bons líderes podem transformar suas empresas.
Assim, bons cristãos poderiam “transformar” o mundo. A citação não apenas reforça as
especificações apresentadas, mas funciona cria um efeito de que é uma advertência não
apenas do apóstolo Paulo, mas divina.
Propomos que o sema básico que sustenta a seção liderança seja o de
/Individualidade/. Nela, a todo tempo, cada mulher batista é advertida a tornar-se uma líder
na igreja local. Nesta seção, o funcionamento da igreja é comparado ao de uma empresa. Os
enunciados do discurso sobre a liderança empresarial sustentam o discurso acerca da
liderança na igreja. Nesse sentido, essa seção se constitui por um interdiscurso com o
discurso administrativo e de gestão de pessoas.
Fechando o parêntese e retornando à questão das mulheres em Visão
Missionária, chamamos a atenção para a seção Gente Nossa. Essa seção apresenta
biografias de mulheres ligadas à UFMBB. Convém esclarecer que nesse estudo não
buscamos traçar uma cronologia da história pessoal das batistas, mas verificar como há um
funcionamento discursivo nesses textos em relação aos lugares destacados para falar dessas
34
http://batistas.com/index.php?view=article&catid=5%3Adeclaracao-doutrinaria&id=15%3Adeclaracao-
doutrinaria-da-convencao-batista-brasileira&format=pdf&option=com_content&Itemid=15 Acesso em 25 de
junho de 2010.
69
mulheres. Propomos que esses lugares formam a imagem do que seria a mulher batista
padrão. Para a análise, selecionamos alguns excertos dessa seção:
Sempre, desde menina, trabalhou muito para o Senhor: Deus a dotou com vários
talentos – toca, fala, canta, ensina, escreve, lidera, faz poesia... Todos eles Olinda
os têm devolvido ao Senhor. Realmente tudo o que sabe fazer, ela tem feito para
Deus (VM, 1T1989).
Por onde passou, Edna sempre deixou sua marca de trabalho, liderança e
dinamismo (VM, 3T2002).
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E foi no local de trabalho que ela testemunhou do amor de Cristo, levando
folhetos para entregar aos colegas, onde teve a alegria de ver alguns convertidos a
Cristo (VM, 4T1991).
Viúva há cinco anos, Matilde afirma que agora tem se dedicado ainda mais ao
trabalho do Senhor (VM, 4T1991).
Sempre foi ativa na igreja não por ser esposa de pastor, mas pela própria
formação e incentivo que sempre teve desde pequena (VM, 1T2008).
Tinha no coração o desejo de ser missionária. Por ser muito jovem, seus pais não
permitiram, mas ela se colocou à disposição do Senhor da Seara, para o seu
trabalho, onde quer que ela estivesse (VM, 1T1995, grifo nosso).
Segundo esses excertos, a mulher batista deve aliar sua atividade profissional à
atividade de /Evangelização/. Ela deve ser uma evangelista em todos os lugares, estando
sempre disposta.
Voltando à questão dos anúncios veiculados em Visão Missionária, chamamos
a atenção para os anúncios de outra publicação da UFMBB: a revista Mulher Cristã Hoje.
71
3.6 A revista Mulher Cristã Hoje
A revista Mulher Cristã é tão parecida com você porque se preocupa com coisas
que preocupam você: família, saúde, sexo, missões, trabalho, sociedade,
culinária, lazer e beleza. Mulher Cristã é tão diferente das outras revistas
femininas no mercado porque todos os temas são abordados a partir de uma
perspectiva cristã. Finalmente, uma revista dedicada à mulher que respeita seus
valores!
SEÇÕES:
Em cada seção, um assunto do seu interesse. Na seção “Debate”, por exemplo,
você terá a oportunidade inédita de analisar diversas opiniões de especialistas
evangélicos, compará-las e chegar às suas próprias conclusões.
Nas seções “Saúde”, “Família” e “Psicologia” você terá acesso a assuntos pouco
abordados por outros periódicos cristãos com toda a franqueza e respeito que
72
você merece. E o que é melhor, sem ter que “engolir” noções humanistas,
seculares e perniciosas que não edificam.
E tem mais: editorais e reportagens, cartas e devocionais, dicas de estética e de
trabalhos manuais...
(i) as outras revistas têm uma visão secular que se opõe totalmente à visão
cristã, por isso, não edificam a mulher;
(ii) essas revistas não servem para a leitura da mulher cristã;
(iii) tais revistas são perniciosas, isto é, prejudiciais e perigosas, logo, devem
ser evitadas;
(iv) a leitura de Mulher Cristã Hoje (e também de Visão Missionária) é
edificante e apropriada.
73
Além desse anúncio, selecionamos algumas formulações presentes em anúncios
sobre Mulher Cristã Hoje:
(3) Frutificar é o propósito máximo para este ano. Então nada melhor que se
manter atualizada sobre política, trabalho, lazer, beleza, receitas e etc, com
uma revista moderna, feita especialmente para você (VM, 2T1995).
(4) Mulher Cristã Hoje tem como objetivo atender às mulheres. Uma revista
atraente, interessante, informativa, abordando temas que têm a ver com seu
dia-a-dia (VM, 1T1999).
(5) Na estação das flores, das cores, todos ficamos mais receptivos ao belo, ao
novo. Nada se assemelha mais a este tempo que a mulher, em especial a
mulher cristã de hoje. Para uma mulher assim nada melhor que MULHER
CRISTÃ HOJE – a revista com jeito-mulher: atual, inteligente, informada e
sensível. Aproveite este momento e desenvolva a sua sensibilidade. Faça
uma assinatura de MULHER CRISTÃ HOJE e você receberá, sem sair de
casa, a revista da mulher feminina e consciente de seu papel cristão nos dias
de hoje (VM, 4T1993).
A análise desses anúncios indica que neles é construída uma imagem das outras
revistas como aquelas que mostram os “valores do mundo” e deixam “lacunas de lazer e
informações”. Ao mesmo tempo, é construída uma imagem de Mulher Cristã Hoje como
uma revista que esclarece as dúvidas, que defende os valores da fé, que dá as receitas,
baseadas na Bíblia, de um viver “agradável a Deus”.
Os anúncios sustentam, assim, a imagem de uma mulher cristã como
“atualizada”, “atuante”, “integrada” e “consciente do seu papel nos dias de hoje”. Essa
74
imagem está em conformidade com a Semântica Global do discurso batista, pondo em
funcionamento os seguintes semas: /Ação/, /Integração/, /Moderação/ e /Formação/.
Por fim, destacamos mais dois anúncios da revista. Um deles foi veiculado no
terceiro trimestre de 1990, que traz o seguinte texto:
Muitas revistas falam sobre a mulher... Mulher Cristã Hoje fala à mulher
A mulher já teve muitos motivos para sentir insegura diante dos desafios da
realidade. O seu espaço já foi limitado às áreas de serviço em casa e durante
muito tempo o seu desempenho não foi valorizado, pela falta de informação e
reconhecimento.
Hoje a mulher assume seus papéis na vida com plena consciência, buscando as
melhores maneiras de realizar-se por inteiro seja como esposa, mãe, profissional e
acima de tudo mulher.
A insegurança foi transformada em coragem para vencer os desafios da
atualidade. A ansiedade e o modo deram lugar a uma busca permanente de
informação segura e esclarecimento especializado.
Tudo isso leva a mulher sobretudo a mulher evangélica, a ler regularmente a
revista MULHER CRISTÃ HOJE.
Realmente ela já foi muito insegura.
Agora nós temos uma revista especialmente produzida para satisfazer nossas
necessidades de mulher evangélica.
A revista Mulher Cristã Hoje traz a informação segura na forma mais agradável e
atualizada, promovendo o nosso crescimento nas áreas de vida pessoal,
desenvolvimento profissional, harmonia familiar e aprofundamento cristão.
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Em cada edição da revista MULHER CRISTÃ HOJE você encontra artigos,
reportagens e entrevistas sobre saúde, família, sociedade, lazer, culinária, ética e
comportamento contemporâneo, moda e beleza.
Já fomos muito inseguras, mas agora temos informação e segurança para nós e
para eles.
Leia também a revista MULHER CRISTÃ HOJE. Todos eles vão perceber a
diferença.
Mantenha-se atualizada com a informação segura de MULHER CRISTÃ HOJE.
Faça uma assinatura e receba a revista em sua casa durante um ano inteiro.
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A televisão com seus programas imorais, explorando o sexo e a pornografia, a
imprensa e a literatura em geral muito têm contribuído para a destruição da vida
familiar. A televisão rouba da família o tempo destinado à conversação, ao
diálogo entre pais e filhos, à boa leitura e não dá oportunidade para a realização
do culto doméstico (VM, 1T1994, grifos nossos).
77
3.7 Considerações finais
78
CAPÍTULO 4
No lar, seja boa esposa, honre seu marido, reconheça ser ele o chefe do lar,
compartilhe de suas atividades. Ame seus filhos, ouça-os, eduque-os no temor
do Senhor. Plante amor, para colher benefícios especiais. Rogue do Senhor
equilíbrio nas ações e atitudes, no dividir o tempo, no falar. Na sociedade,
testemunhe com a vida fale sabiamente, distribua literatura. Abrace cada
oportunidade de serviço como ministério – servir às pessoas como que ao
Senhor. Na igreja, dê o melhor de seu tempo, de seus bens e de seu talento
(VISÃO MISSIONÁRIA).
De uma forma geral, as mulheres têm sido maioria entre os grupos religiosos.
Na igreja batista, estas, como já foi dito, organizam-se na União Feminina Missionária. Tal
organização serve como um dos principais suportes (também financeiros) da igreja. Neste
capítulo, analisaremos como Visão Missionária constrói a identidade da chamada “Mulher
Cristã em Ação” a partir do conjunto de semas do discurso batista. Para tanto, discutiremos
como a revista apresenta os papéis e funções da mulher em relação ao lar, à sociedade e à
igreja.
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4.1 A esposa cristã
De uma forma geral, nas revistas femininas, há uma tentativa de definir quais
são os papéis da mulher e do homem no lar. Em Visão Missionária, também encontramos
uma série de oposições entre o que caracteriza as funções de cada um:
(1) E Deus então formou a família onde a mulher foi colocada como a
peça fundamental para esta formação, pois depositou em suas mãos a
responsabilidade de ser o rochedo; a muralha; o ponto de equilíbrio, a
orientadora, a ajudadora, uma vez que Deus lhe deu características e
80
funções que só ela pode desempenhar, já que para isto a criou (VM,
3T1998, grifo nosso).
(2) Obviamente, todos nós queremos ser bem sucedidos na vida. Este é,
sem dúvida, o anseio natural de todo ser humano. O homem quer ser
um bom marido, um bom pai, um excelente profissional. A mulher
também quer ser uma boa esposa, mãe, dona de casa. Creio que toda
mulher, principalmente a mulher cristã, tem consciência de sua
responsabilidade, e cada uma delas deseja cumpri-la da melhor forma
possível (VM, 3T1998, grifo nosso).
(3) A força dessa união e compromisso são tão grandes que a mulher é
capaz de casar-se com um homem e sair para onde ele for, a fim de
formar uma nova família (VM, 2T1995, grifo nosso).
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Em (3), a mulher é apresentada como desprendida, é ela que tem de
acompanhar o marido, onde ele estiver. De modo que a sua vida social e profissional não é
levada em conta, uma vez que ela sempre deve estar disposta a acompanhá-lo.
Já em (4), a mulher (principalmente no que diz respeito a sua sexualidade) é
vista como uma ameaça que pode “destruir tudo de bom que Deus criou”. Essa formulação
retoma o mito da criação bíblico, em que Eva teria sido a responsável por extinguir a paz do
paraíso, fazendo o homem (Adão) pecasse e se separasse do Criador. Segundo a revista, a
mulher teria “fortes emoções e impulsos sexuais”. E, tendo isso em vista, ela é advertida a
ter uma vida equilibrada, a ter /Moderação/, a fim de que não se torne um problema. Para
tanto, exige-se dessa mulher que ela tenha uma boa /Formação/, que esteja bem
“informada” e “esclarecida”. Tal /Formação/ é alcançada principalmente pela leitura de
Visão Missionária, e também, pela revista Mulher Cristã Hoje.
A formulação (5) aponta para uma repartição de papéis entre o feminino e o
masculino: o homem é “racional”, “objetivo”, enquanto a mulher é “mais sentimental”,
“fala mais”. Essa relação do masculino com o racional sustenta a tese de que o homem é o
chefe do lar, como é defendido no texto intitulado “As chaves bíblicas para o sucesso no
lar”, veiculado segundo trimestre de 1983. De acordo com o texto, uma dessas chaves é a
da liderança, a qual é caracterizada como “muito importante, especialmente para o esposo”.
Destacamos alguns excertos desse texto:
Ser o cabeça significa ser o líder. Não significa apenas a autoridade a exercer.
Não significa usar o uniforme e ter o direito de dar a palavra final. Significa tudo
isso, mas também significa assumir as responsabilidades que acompanham tal
autoridade. O marido deve, de fato, governar (administrar) o lar. Ele é
responsável por tudo quanto sucede em seu lar!
O texto defende a tese de que o homem é o líder do lar. Ser líder seria “ter
autoridade”, “dar a palavra final”, “assumir responsabilidades”, “governar”, “ser
82
responsável”. O papel do homem no lar é liderar em consonância com a esposa. Ele é o
responsável, ela é a auxiliadora. Ele cuida da família oferecendo “bem-estar físico,
alimentação, roupa, moradia, estudo”. É o provedor. Ela é apresentada como uma “benção
de Deus”. A análise faz ver que, enquanto as atribuições masculinas estão relacionadas à
racionalidade (dar a palavra final, assumir as responsabilidades, governar), as atribuições
femininas estão relacionadas à afetuosidade (“útil”, “prestimosa”, “maravilhosa”). Essa
divisão relaciona-se a um discurso de que os homens seriam mais racionais, enquanto as
mulheres mais sujeitas às emoções. Nesse sentido, o espaço público poderia ser muito
perigoso para elas.
A revista defende, assim, que a mulher reconheça o marido, portanto, como
líder do lar:
No lar, seja boa esposa, honre seu marido, reconheça ser ele o chefe do lar,
compartilhe de suas atividades (VM, 2T2001).
83
mulher cristã com ele, vão produzir o odor que atrairá a atenção do
marido não crente e dos que estiverem de fora (VM, 2T1995).
(2) A compaixão, amor, serviço, humildade, mansidão, justiça. A maneira
como a esposa cristã trata o seu marido não crente é fundamental para
o testemunho (VM, 2T1995, grifos nossos).
(3) Lembre que para alcançar o alvo de ver o seu esposo salvo, deverá
conservar uma linguagem amável, adaptando a maneira de ser aos
desejos dele; preparando os alimentos que ele gosta, tendo a mesa
posta e pronta quando ele chegar, em honra, preferindo-se um ao
outro, conservando o seu corpo limpo e não apenas perfumado,
interessando-se pelas coisas que ele gosta (VM, 2T1995).
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teóloga autodidata, reconforta, aconselha, explica a Bíblia, dirige mesmo reuniões
de oração. A prática parecerá tanto mais natural quanto mais essa mulher
provenha de um meio social e cultural elevado, e quanto os seus auditores,
homens e mulheres, sejam de condição modesta (BAUBÉROT, 1991, p. 242).
Depois de alguns dias de oração, ele conversou com a esposa sobre sua chamada.
Para sua surpresa e confirmação da vontade de Deus, viu Olinda dando pulos de
alegria, pois desde a adolescência ela achava lindo ser esposa de pastor. Olhava
embevecida e apreciava como “ídolos” as esposas de seus pastores. E agora seria
a realização de seus sonhos – tornar-se esposa de pastor (VM, 1T1989, grifo
nosso).
O excerto enfatiza a alegria que uma mulher batista sentiu ao se tornar “esposa
de pastor”, posição que admirava desde a sua adolescência. Segundo a revista, ser esposa
de pastor implica também em desprendimento, uma vez que a mulher deve estar disposta a
seguir seu marido, deixando de lado, se necessário, a sua vida profissional:
85
as igrejas da Associação e fazia estudos dos manuais das organizações, realizava
encontros, retiros e ia organizando a UFM nas igrejas.
Sempre alegre, sorridente, desprendida, amando a obra do Senhor sobre todas as
coisas, deixou por todos os lugares por onde passou um rastro de luz e serviço.
No ano de 1975, seu esposo foi eleito Secretário Executivo da Convenção Batista
Paranaense, cargo que ocupou até 1993. Assim voltaram para Curitiba, onde
também pastoreou interinamente diversas igrejas (VM, 3T1995, grifos nossos).
O que a esposa do pastor faz quando o líder principal da igreja critica seus filhos
ou seu marido ou todos os programas da igreja? Você sabe que não adianta nada
brigar com ele (aliás, pode até ser perigoso!), você nem quer ouvir, mas
infelizmente você tem que ouvir. Você fica abanando sua cabeça como se
estivesse concordando com a pessoa que está acabando com o seu marido! Por
dentro você quer estrangular este “irmão” e defender sua família, mas acaba
dando razão a ele (VM, 1T1996).
Seu marido acabou de pregar a pior mensagem que você já ouviu sair da sua boca
ou falou uma daquelas coisas que não deveria ser dito no púlpito, e você faz o
quê? Você olhara para o seu marido como toda sua atenção, com seus olhos
cheios de devoção como se ele fosse o homem mais espiritual e inteligente da
face da terra. Por dentro você está morrendo de vergonha, mas a esposa do pastor
sempre vibra com tudo que seu marido faz (VM, 1T1996).
Essas formulações indicam que, enquanto esposa de pastor, a mulher deve ser
extremamente abnegada. Suas vontades devem ser deixadas de lado, a fim de que elas não
estraguem o ministério de seu marido. Ela deve estar “sempre alegre e sorridente”.
Entretanto, a UFMBB reconhece que a missão dessa mulher é difícil:
86
não é fácil, além de sua vida, seu trabalho, seu compromisso com o lar, tem algo
especial que Deus lhe reservou, sob o título: MULHER DE PASTOR35.
35
http://www.ufmbb.org.br/. Acesso em: 10 jun. 2011.
87
4.2 Mãe: a guardiã da fé
A mãe deve ter uma (1) Para o exercício de tão nobre tarefa [da formação do cidadão], a
mãe precisa de sabedoria divina, de amor, dedicação e também de
boa /Formação/ cuidar de si mesma. O preparo deve anteceder à realização de
qualquer atividade, principalmente a educação dos filhos. Nada
mais sério e de maior responsabilidade do que a bagagem espiritual
que deve preencher a sua vida e ser repassada a seus filhos (VM,
2T1991, grifos nossos).
A mãe deve (5) Como mães cristãs, entendemos que a disciplina é o processo de
educação do filho para prepará-lo não somente para a vida, mas
88
evangelizar os filhos para a vida eterna. A sociedade tem menosprezado o papel de
grande importância da mãe na educação de seus filhos. Como mães
cristãs precisam dar valor ao nosso propósito admirável de educar
os nossos filhos no temor e disciplina do Senhor. Através da sua
Palavra, Deus nos mostra como devemos ensinar os nossos filhos
(VM, 2T1995, grifos nossos).
(6) Você conscientizar-se do seu papel de mulher cristã, como esposa,
mãe, desempenhando-o dentro do lar, como primeiro campo
missionário (VM, 2T1983).
Ser mãe é um plano (7) A mãe que assume alegremente a sua missão sente que sua vida é
preciosa, porque está incluída no plano de Deus. O amor de Deus
de Deus para a mulher deve ser o princípio fundamental para conduzir a obra, e nós somos
o instrumento divino na prática de tão sublime tarefa. Exige muita
fé, perseverança, dedicação e muita dependência de Deus, pois é
uma missão gloriosa. Mães cristãs, devemos ter em mente que a
nossa influência é tão duradoura como a eternidade (VM, 2T1991,
grifos nossos).
A mãe é responsável (8) O lar também é o primeiro ministério da mulher, pela importância
determinante na formação do ser humano e da sociedade (VM,
pela formação da 1T1990, grifos nossos)
(9) Ser mãe é um privilégio de Deus. De todas as funções da mulher
sociedade no lar esta é mais sublime, a mais nobre, porque prepara o homem
para a vida (VM, 2T1991)
(10) A sociedade moderna, impregnada pela inversão de valores, tem
atacado violentamente o lar, ocasionando a queda do homem
moral, psicológica e espiritualmente. É urgente que os lares
cristãos se posicionem em favor da restauração familiar, e
principalmente a mãe cristã, que deve tomar consciência de que a
ela cabe o grande privilégio de ser responsável pela formação de
novas gerações (VM, 2T1991, grifos nossos).
(11) A maior atuação da mulher na sociedade é através da educação de
seus filhos. Como o mundo hoje precisa de mães dedicadas no lar!
[...] A sociedade só poderá ser salva através dos lares crentes (VM,
2T1991, grifos nossos).
89
Visão Missionária defende que “a maior atuação da mulher na sociedade é
através da educação de seus filhos”. Logo, o espaço principal definido para mulher é o
privado. Independentemente de tudo que ela fizer fora do lar, o mais importante é o que ela
faz nele, na formação dos filhos. De acordo com a revista, ser mãe é “uma missão
gloriosa”, um “privilégio de Deus”. Essa missão consiste em educar os filhos segundo a
doutrina cristã. Nesse discurso, a mulher é vista como “transmissora da fé” e “responsável
pela formação”. Portanto, a guardiã da fé no lar.
O lar, por sua vez, é caracterizado como “determinante na formação do ser
humano e da sociedade”. E o espaço fora do lar (a sociedade) é visto como um lugar
perigoso: “a sociedade moderna, impregnada pela inversão de valores, tem atacado
violentamente o lar, ocasionando a queda do homem moral, psicológica e espiritualmente”.
Chamamos a atenção para a formulação “a mãe que assume alegremente a sua
missão sente que sua vida é preciosa, porque está incluída no plano de Deus” em (7). Ela
aponta para dois efeitos de sentido: ser mãe é estar incluída no plano de Deus e assumir
esse papel de forma alegre faz com que a mulher sinta que sua vida é preciosa. Esse
segundo efeito é derivado de um discurso de que diz que uma mulher só se sente realizada
se for mãe. Tal efeito também se relaciona com o posicionamento protestante, que defende
o fim dos conventos e do celibato. Nesse discurso, ser mãe é uma “tão nobre tarefa”, “a
maior atuação da mulher”, “uma benção”. No entanto, junto a essa valorização do papel de
mãe, encontramos formulações como: “exige muita fé, perseverança, dedicação e muita
dependência de Deus”, “a mãe precisa de sabedoria divina, de amor, dedicação”. Tais
formulações apontam para uma certa tensão dessa função. Ser mãe “exige” muitos
requisitos, esforços e ações que vão muito além de “dar a luz”.
Em termos da semântica global, a responsabilidade da mãe enquanto
transmissora da fé está ligada a dois semas básicos: /Evangelização/ e /Formação/. A
mulher-mãe é uma evangelista e uma formadora em seu lar. Para tanto, deve ter também
uma boa formação cristã: “o preparo deve anteceder à realização de qualquer atividade,
principalmente a educação dos filhos”. A revista apresenta a Bíblia como uma espécie de
guia para a criação dos filhos: “Através da sua Palavra, Deus nos mostra como devemos
90
ensinar os nossos filhos”. Nesse sentido, para a publicação, a mulher cristã leva vantagem
em relação a não cristã na criação dos filhos:
Seus doces bebês se foram... Agora você enfrenta adolescentes que exigem,
protestam e criticam. Sua casa transformou-se em arena, em campo de guerra! É
aí que nós, mulheres cristãs, levamos vantagem. Na palavra de Deus,
encontramos orientação para superar todas as crises. Deus pode fazer por nossa
família o que o melhor psicólogo não consegue. O psicólogo pode ajudar, os
professores podem ajudar, o Pastor pode ajudar, mas só o Senhor da Paz pode
resolver definitivamente o problema.
91
Nos Estados Unidos, foram criadas as “Uniões de Mulheres Cristãs”. Segundo Fitzgerald
(2002), essas Uniões se multiplicaram após a guerra civil, sustentadas pelo princípio “Por
Deus, pela casa e pela Nação”.
No Brasil, a UFMBB também se responsabiliza pela “ação social” na igreja
batista, desenvolvendo atividades para crianças, viúvas e idosos. O sema da /Formação/
também está ligado a essa “ação social”. A editora da UFMBB publica a revista Sorriso,
que é direcionada à educação religiosa das crianças. Ademais, na própria revista Visão
Missionária, aparecem artigos relacionados ao cuidado com as crianças. Como por
exemplo, destacamos a conclusão de uma reportagem veiculada no quatro trimestre de
1993, intitulada “Direitos das crianças”:
Como crentes em Jesus Cristo precisamos envidar esforços para que a criança,
não só em nosso lar ou igreja, mas em toda a comunidade, seja alvo de eficientes
cuidados sanitários e educacionais. Necessitamos criá-la com amor e autoridade,
no temor e na admoestação do Senhor, não permitindo que seus direitos sejam
usurpados (VM, 4T1993).
92
Educação Cristã é mudança, transformação e crescimento com base no
conhecimento dos princípios de Cristo, fundamentada na Palavra de Deus. A
educação cristã começa com a experiência de conversão e deve continuar até o
fim da existência terrena do cristão (VM, 2T2001).
Tão antiga quanto a história do homem, a relação entre sogras e noras sempre
esteve mais para barril de pólvora que mar de rosas.
93
da história, a fama de intrometidas, indiscretas, invasivas, inconvenientes e
indesejáveis.
Ser sogra ou nora é, dos relacionamentos da mulher no lar, talvez o mais difícil,
ou pelo menos o mais questionado (VM, 1T1990).
Qualquer sogra hoje que tenha noras a ganhar para Cristo há que ter grande
preocupação e cuidado com seu testemunho, com seu comportamento (VM,
1T1990).
Ser mulher fiel no mundo de hoje, convivendo com sua nora em paz, é um grande
desafio (VM, 2T2004).
Vemos em nossas amizades, noras e sogras que pouco se suportam. A nora tem
comentários impiedosos para com a sogra. Esta, por sua vez, não compreende as
atitudes da nora. Que lares infelizes! [...] Se desejamos que Deus seja glorificado
em nossas vidas, precisamos pensar nas nossas relações familiares como noras e
como sogras. Hoje eu sou sogra. Amanhã posso ser sogra. É um círculo familiar
de que dificilmente fugimos. E quanta sabedoria é necessária para que Deus seja
glorificado na vida da mulher cristã (VM, 3T1994, grifos nossos).
94
na segunda, por sua vez, a relação é avaliada como “um privilégio”, como uma
oportunidade de /Ação/. Visão Missionária adverte a mulher a tornar essa relação
amigável. Para tanto, as figuras bíblicas de Noemi e Rute são tomadas como o modelo de
amizade entre nora e sogra que deve ser seguido.
Noemi foi uma sogra conselheira e amiga, orientadora nas horas de decisão
difícil. Sogra que animou e fortaleceu o espírito da nora, sogra amiga e boa (VM,
3T1994, grifos nossos).
4.4 A profissional
95
Embora tenha o lar como prioridade, com as novas conquistas a mulher precisa
saber dividir e controlar seu tempo com outras responsabilidades, sem renegá-lo a
segundo plano. Ao constituir sua família, ela faz votos diante de Deus de
preservá-la, e de tudo fazer para proporcionar a seu esposo e filhos o melhor do
ponto de vista físico, emocional e espiritual.
No texto, a mulher é advertida que sua principal função é o lar: ela deve cuidar
da família, “tem o lar como prioridade”, “a maternidade é a maior satisfação da mulher
como pessoa”, enquanto o lado profissional é considerado importante apenas “para algumas
mulheres”. Para reforçar essa posição, aparece uma citação do texto bíblico sobre a mulher
sábia que edifica sua casa. Essa citação cria o efeito de sentido de que está não é apenas
uma posição da revista, mas da Palavra de Deus. Nesse sentido, o texto defende que a
mulher precisa ter “muita sabedoria divina” para poder desempenhar sua dupla jornada.
Selecionamos também alguns excertos do texto “Os direitos da mulher no
trabalho”, veiculado no terceiro trimestre de 1992. Após descrever uma série de mulheres
bíblicas que trabalhavam e algumas considerações sobre a legislação do trabalho da mulher,
o texto apresenta as seguintes considerações:
96
Infelizmente há mulheres que preferem qualquer serviço, desde que não seja
dentro do lar. É uma pena. O serviço de casa não é assim tão monótono ou
enfadonho. Um pouco de criatividade e ele será agradável, rico, prazeroso. Uma
casa bem ornamentada pela própria dona da casa tem mais valor, um bolo feito
em casa é mais gostoso, um biquinho de crochê nos panos de pratos torna-os mais
apresentáveis. Aquela roupa feita por você, minha irmã, para seus filhos, é bem
mais bonita que a das lojas. Mas isso é, como disse de início, uma questão social.
Não é norma nem se pode criticar aquelas que lutam nas atividades fora do ar.
Mulheres que precisam de trabalho são solteiras, não têm uma pensão paterna,
então precisam bastante de trabalho e, geralmente, dão conta de todo esse serviço
com muita habilidade. Conseguem amealhar algumas economias e vivem sua
vida, sem serem pesada a ninguém. E, felizmente, a Previdência Social cuida das
viúvas (VM, 3T1992, grifos nossos).
97
mulher que ela seja uma “mãe” da sociedade, cuidando da educação e das obras sociais.
Nesse sentido, as profissão mais valorizadas nesse discurso estão mais ligadas a uma certa
imagem de mulher-mãe: aquela que cuida e instrui.
Também neste período, durante o movimento revolucionário desencadeado na
época, fez um curso de enfermagem, preparando-se para em caso de necessidade
servir ao seu próximo (VM, 2T1983).
Mercês tem sido uma vida plena, atuante e positiva cujo objetivo inicial – o
exercício da enfermagem – Deus aliou uma preocupação toda especial com o
trabalho feminino, onde atuou como ousada pioneira. Não só cuidou da saúde
física dos enfermos que foram colocados sob seus cuidados, mas também cuidou
do desenvolvimento espiritual e da implantação do espírito missionário nas
mulheres batistas de toda uma geração (VM, 4T1990).
Começou a trabalhar como professora e fez da sua sala de aula seu campo
missionário. Pela graça de Deus, nos 39 anos em que foi professora estadual,
pode falar de Jesus na escola e ver muitos alunos rendendo-se a Cristo (VM,
1T2008).
Como professora [de matemática], a sua meta era o aluno como pessoa humana,
era uma alma que podia ser levada aos pés de Cristo, e o exemplo de sua vida
marcou a vida de muitos de seus alunos que até hoje guardam em seus corações a
imagem da querida professora Ester. Mais interessada em servir do que em
ganhar dinheiro, ela ajudou muitos jovens a encontrar o seu caminho na vida. Seu
exemplo de crente fiel impressionava. Sua conduta correta e honesta era um
exemplo a ser seguido (VM, 2T1983, grifos nossos).
Nos excertos as justificativas para o trabalho da mulher não são nem a sua
independência financeira, nem a sua realização pessoal, mas sim a oportunidade de servir o
próximo: seu trabalho visa ao “serviço cristão”. Ela deve conciliar sua atividade
profissional com a atividade de /Evangelização/.
Como já foi dito, um dos semas que regula o discurso batista é a /Integração/.
Nesse sentido, na revista, a mulher, sem esquecer que sua maior atuação é o lar, é advertida
a estar integrada no mundo, a trabalhar (sem esquecer que o mais importante é o seu lar), a
buscar seu espaço, mas espaço relaciona-se aos cursos oferecidos pelo IBER e o SEC:
98
Desde os tempos mais remotos, a mulher sofre discriminação, tanto no contexto
social como no aspecto religioso. Hoje, encorajada pelo desejo de mostrar sua
capacidade, a mulher vive em busca constante do seu espaço. O IBER e o SEC
têm oferecido a oportunidade da mulher atual desenvolver seu potencial através
dos ricos recursos da área acadêmica de prática, motivando-a e ajudando-a a
desenvolver o seu ministério dentro da realidade dos nossos dias (VM, 2T1991).
No excerto, as mulheres são advertidas a não se tornem uma mulher liberal. Isto
é, segundo esse discurso, uma mulher que troca a posição de esposa/mãe/companheira para
se tornar funcionária e sócia. Analisando o excerto em relação às propriedades apresentadas
por Fitzgerald (2002), no que diz respeito às esferas privada e pública, vemos que a mulher
é advertida a não trocar “o abrigo e harmonia do lar” (enquanto mãe/esposa) pela
“competitividade” do mundo (tornando-se uma funcionária ou uma sócia do homem).
99
As pressões do mundo têm feito com que muitos deles percam os valores do
Reino (VM, 3T2007, grifo nosso).
No Brasil, como no mundo todo, mulheres cristãs batistas têm registrada uma
bela trajetória de serviços no Reino de Deus, de realizações, de conquistas e
vitórias para honra e glória desse Deus que é o dono da História (VM, 1T2003,
grifo nosso).
A mulher cristã tem nessa virada de milênio uma pagina de serviço para o reino
que representa o seu amor, dedicação e interesse pela obra, principalmente e da
evangelização incentivada que é colocar sua ação e sua influência como sal que
dá sabor, luz que reflete Cristo e perfume que dá fragrância e transforma o
ambiente “Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5.13,14).
Esta é e continuará sendo nossa missão [...] estaremos unidas às mulheres do
mundo em oração e estudo bíblico – celebrando as Promessas de Cristo - um
privilégio da mulher batista (VM, 4T1999).
Chega até você mais um exemplar da sua VISÃO MISSIONÁRIA – revista para
as Sociedades Femininas Missionárias Batistas. Continuamos a estudar neste
trimestre sobre o crescimento cristão, focalizando a responsabilidade que temos
de apresentar Cristo àqueles que ainda não o conhecem. Cada oportunidade de
testemunhar de Cristo precisa ser aproveitada pela mulher cristã – CREÇAMOS
NO RELACIONAMENTO COM OS NÃO CRENTES através do testemunho e
atuação pessoal. [...] Uma sócia da SFM em cada lugar. Sendo testemunha do
Deus vivo no lar, no emprego, na igreja, onde quer que Deus a tenha colocado
(VM,3T1984).
100
Em (4), “a mulher cristã” é convocada a participar da campanha evangelística batista, logo,
essa mulher cristã é uma batista. E em (5), “mulher cristã” é relacionada à Sociedade
Feminina Missionária Batista, logo, uma sócia desta sociedade. Nesse sentido, propomos
que, de uma forma geral, nos textos de Visão Missionária, a expressão “mulher cristã”
significa/retoma “mulher batista”. Na revista, raramente o termo “mulheres cristãs” refere-
se às mulheres cristãs de uma forma geral, mas se restringe às mulheres batistas. Para
discussão, apresentamos mais alguns dados:
A sociedade, a nossa comunidade, aí está a exigir cada vez mais uma atuação
dinâmica do crente. Os compromissos da mulher cristã devem ser buscados por
toda mulher que se dispõe comprometer-se com o reino de Deus quer como mãe,
profissional liberal, ou vocacionada especial. Devemos ser agentes da vinda do
reino de Deus, hoje, agora (VM, 2T1991).
Que as mulheres crentes de todo o mundo saibam cumprir o seu dever para com
as almas perdidas. Esse é o meu grande desejo e oração ao Senhor (VM, 2T1995).
Queridas Irmãs! Um feliz 1988 para todas! Muitas perspectivas nos esperam.
Como denominação batista, estamos sendo conclamados a um grande
MOVIMENTO NACIONAL DE DESPERTAMENTO ESPIRITUAL.
Incomoda-nos pensar que em um país de quase 140 milhões de habitantes, somos
apenas 650.000 batistas. Crescem, a cada dia, os assaltos, as violências, os
roubos, os furtos. Há desespero em toda parte. A nossa terra está doente. Até que
ponto, como crentes e portadores da mensagem do evangelho, somos
responsáveis por tudo isso? [...] O movimento está sugerindo aos crentes que
desejam participar ativamente dessa busca de crescimento, momentos diários de
oração às 0, 6, 12 e 18 horas. As Sociedades Femininas Missionárias de todo o
101
Brasil precisam unir-se a este ideal. Busquemos, queridas irmãs, o poder do alto;
demos lugar ao Espírito Santo de Deus para uma atuação plena em nossas vidas, e
veremos o quanto Deus pode fazer através de uma pessoa que se entrega
totalmente a ele (VM, 1T1988).
4. 6 Considerações finais
102
portanto, líderes, elas são apresentadas como formadoras e guardiãs da moral e da fé. Elas
são responsáveis por manter a harmonia, a paz e a fé da família. Na revista, ao discurso
típico da divisão de papéis, soma-se o discurso batista de que a mulher deve se preocupar
com sua /Ação/ e a /Evangelização/ em todos os lugares e em todas as suas funções. Deve
se preocupar em ser uma formadora e uma evangelista em todas as suas atividades seja no
lar, na comunidade ou no trabalho:
Fazer Cristo conhecido através de um viver diário que dignifique o nome de
Jesus, demonstrado no lar, primeiro campo de ação, na comunidade, ao se doar
em forma de solidariedade, na sociedade através de sua participação como
profissional competente e responsável ao exercer suas atividades (VM, 2T2001).
103
104
CAPÍTULO 5
105
Assim, para os gregos, a beleza feminina não era um dado da natureza, mas
uma ilusão construída através da maquiagem e da toillete. Já, para os clérigos da chamada
Idade Média, por exemplo, a beleza feminina era temida e vista como um mal que poderia
causar tanto a sua própria destruição quanto daqueles que a seguissem. Nesse período, os
pregadores advertiam os fiéis dos perigos que a mulher representava com seus encantos
sedutores. E, para evitar qualquer problema de conduta, a mulher devia ser educada a ser
contida em seus atos, gestos, palavras, olhares, vestimentas e adereços, visto que a beleza e
a vaidade poderiam conduzir suas almas e de seus admirados à perdição.
Visão Missionária tem uma seção fixa para tratar de beleza. Essa seção, à
semelhança das seções sobre beleza tipicamente presentes nas revistas femininas, apresenta
recomendações sobre como cuidar do corpo, como se vestir e como se comportar. No
entanto, além dos cuidados com a aparência a mulher é advertida a cuidar da “beleza” de
diferentes aspectos da sua vida.
O objetivo deste capítulo é analisar como essa relação entre feminino e beleza
tem sido discursivizada na publicação em análise. Buscamos verificar como esse periódico
constrói uma imagem da chamada “mulher cristã” em relação ao cuidado com a beleza e o
corpo.
106
No texto, são afirmadas algumas teses a respeito do comportamento da mulher:
(i) ela deve ser formosa; (ii) deve cuidar da aparência; (iii) não deve ser excessivamente
vaidosa; (iv) deve ser econômica; (v) deve ter uma personalidade bonita; (vi) deve ser
atuante e influente na sociedade porque é representante de Deus.
No que tange às duas primeiras posições, essas também são defendidas nas
revistas femininas de um modo em geral. Tais revistas recomendam que a mulher cuide de
sua aparência, que seja e permaneça bela. Já a terceira posição não se encontra nessas
publicações. Nelas, a mulher nunca é advertida a tomar cuidado para não ser
demasiadamente vaidosa, ao contrário, ela é incentivada a arrumar-se e a investir em sua
beleza sempre e acima de tudo. Em Visão Missionária, a mulher é advertida a cuidar da
beleza, mas acima da beleza, ela é advertida a cuidar da personalidade e da conduta. Nesse
sentido, propomos que, nessa revista, as teses acerca do cuidado com o corpo são também
derivadas da Semântica Global batista.
Como já apresentamos no segundo capítulo, a Semântica global do discurso
batista é composto pelos seguintes semas:
No que diz respeito a enunciados sobre o cuidado com o corpo, propomos que
os semas que mais regulam esses enunciados são: /Ação/, /Evangelização/, /Integração/ e
/Moderação/. Segundo os batistas, os cristãos devem agir no mundo atual, estando
integrados e contextualizados. Uma comparação, por exemplo, entre as recomendações
para as mulheres na Igreja Pentecostal Deus é Amor e na igreja batista, mostra que
enquanto, na primeira, as mulheres não podem usar calças, maquiagem ou joias nem cortar
os cabelos, na igreja batista, as mulheres não tem nenhum tipo de restrição quanto às roupas
e aos ornamentos. Não há um tipo especial de vestimenta para as mulheres batistas, elas
107
devem estar integradas no mundo, embora tal /Integração/ seja moderada. Para esse
discurso, a mulher deve ser uma evangelista e uma transformadora.
108
mulher cristã: ela deve ser econômica. É comum encontrar na revista formulações que se
refiram à economia que a mulher deve fazer: “Você nunca mais vai precisar jogar fora o
esmalte”, “Faça você mesma o seu desodorante”. Assim, segundo a revista, a mulher cristã
precisa cuidar da aparência, mas deve ser econômica. Como já foi dito no capítulo anterior,
a posição de que a mulher deve ser econômica se constitui em um avesso a uma posição de
que a mulher é gastadeira e consumista. Nesse sentido, em combate a essa mulher
consumista, o discurso batista defende que a mulher seja controlada em seus gastos, não
gastando mais do que o necessário. A revista não defende que a mulher não compre coisas,
mas que as compre com /Moderação/:
Se pode ter roupas e calçados novos, ela fica feliz. Gosta bastante disso. Mas
também quando não pode tê-los, isso não faz diferença. Ela está feliz do mesmo
jeito (VM, 1T1989).
109
Vestuário
Aparência Pessoal
110
roupas adequadas para cada ocasião, mas que a roupa “errada” pode determinar o fracasso
pessoal. Esse discurso também aparece em Visão Missionária. Segundo a publicação, a
mulher cristã também deve saber as roupas certas para utilizar em cada ocasião: “Uma
mulher é elegante não só quando se veste de acordo com a moda, mas também quando
escolhe roupas apropriadas para cada situação” (VM, 4T1999). No entanto, apesar de a
mulher dever se preocupar com seu vestuário, este não é o mais importante. A ênfase recai
na pessoa, em suas atitudes e comportamento. De acordo com a revista, o traje deve ser
notado e bem visto por pertencer à pessoa. O mais importante do que a roupa é a
personalidade. Se a personalidade não for boa, a roupa sozinha não resolve. Assim, nesse
texto, é defendida a tese de que a mulher deve estar bela, mas também de que a sua
personalidade vale mais que sua formosura. O advérbio “todavia” aponta para uma posição
de que, para esse discurso, mais importante do que os ornamentos é a “calma de espírito”.
Para conservar essa “calma de espírito”, a mulher cristã é advertida a andar sem luxo,
porém bem trajada. Desse modo, apesar de andar sem luxo, ela deve andar decentemente.
Uma roupa decente não é apenas a roupa comportada/honesta/decorosa, mas também
adequada e conveniente à situação.
Em Visão Missionária, a boa aparência é apresentada como decorrente de três
domínios: o físico, o mental e o moral. No que tange ao físico, o enunciador enumera os
seguintes fatores da boa aparência:
• boa postura;
• pele sem imperfeições;
• cabelos limpos e sedosos;
• mão bem cuidadas;
• olhos vivos;
• dentes bons;
• peso normal.
Tais requisitos são determinados por “uma vida bastante regular, de nutrição
perfeita”. Esse texto defende a tese de que a beleza física é resultante de uma série de ações
sobre o corpo. Fonseca-Silva (2007) afirma, por exemplo, que na revista Cláudia, a beleza
“é fruto de um trabalho da mulher sobre seu corpo, principalmente no que se refere ao
rosto. Ser bela é ter um corpo esbelto, um rosto sem marcas de envelhecimento, cabelos
tratados, pernas sem pelos” (p.212). Essa é uma posição típica defendida nas revistas
111
femininas. Em Visão Missionária, a beleza é descrita não como apenas um atributo
natural, mas fruto de um trabalho sobre o corpo, mediante disciplina, esforço e
gerenciamento de si, que requer “nutrição perfeita” do corpo, incluindo desde regras de
higiene (“cabelos limpos”) a cuidados específicos (“pele sem imperfeições”). Essas
recomendações estão sustentadas em posições do discurso médico /científico, segundo o
qual, a conservação de uma boa saúde é obtida por uma obediência a uma certa dieta, que
integra todo um estilo de vida.
Aliado a esses requisitos, o enunciador de Visão Missionária acrescenta:
“nunca se esqueça de manter em forma a sua vivacidade de espírito, revelada numa atitude
graciosa e pela conservação”. Fonseca-Silva (2007), em pesquisa acerca das revistas
Cláudia, Nova e Playboy, afirma que, nos discursos do cuidado de si materializados nestas
revistas, “a beleza é associada à saúde, ao prazer e ao bem-estar emocional. Há uma relação
direta entre aparência e autoestima, ou seja, a beleza liga-se ao aspecto moral e
psicológico” (p.229). Em Visão Missionária, encontramos um posicionamento semelhante
que relaciona beleza a saúde e também a aspectos psicológicos: “estar bem vestida é
importante fator que contribui para o sentimento de autoconfiança e bem-estar” (VM,
2T1989). Entretanto, para a revista, a boa aparência não se restringe ao cuidado com o
físico, mas integra também o cuidado com o espírito. Nesse sentido, não passa só pelo
físico e pelo mental, mas pelo “espiritual”.
De um modo geral, os mesmos lugares defendidos nas revistas femininas, são
reafirmados em Visão Missionária. Contudo, ao mesmo tempo, em que a publicação
também propõe que se cuide do corpo, afirma que o mais importante é a personalidade, “a
pessoa vale mais que o traje”. Esse discurso retoma que se cuide do corpo, mas nega que a
boa aparência seja determinada apenas pelo cuidado com o corpo. Sendo assim, há uma
certa polêmica em relação ao discurso veiculado nas revistas femininas em geral que
afirmam que a boa aparência é determinada pela aparência física e as roupas levam à
admiração. Em Visão Missionária, a beleza da mulher é condicionada também por sua
conduta:
112
A mulher cristã é graciosa e valorosa em todas as situações e circunstâncias de
testemunho. Mas a sua beleza interior cresce dada vez mais, agiganta-se, em
decorrência da sua comunhão e relacionamento com Deus. As Sagradas
Escrituras afirmam este conceito. Desde o Éden encontramos a mulher ímpar
singular, mãe de todos os homens. Na sua beleza de primeira mulher, saída tão
maravilhosa e singularmente das mãos de Deus. Seu rosto devia ser maravilhoso,
pois nele resplandecia as marcas da comunhão com o seu Senhor Criador. Sem
nenhuma dúvida era encantadora, como modelo e obra-prima do gênero do
humano, no ângulo feminino. Como deviam ser sublimes suas experiências de
comunhão com Deus, quando podia ouvi-lo na brisa suave, que corria pelo
maravilhoso jardim (VM, 2T1991. grifos nossos).
Tratamento de beleza
A beleza é um dos trunfos da mulher. Querer ser bela é inerente à feminilidade. Nestes dias em que a mulher
anda reinando não apenas no lar, mas se projeta no cenário público, é bom que esteja apta para reinar com
toda sua pujança.
A rainha Ester foi uma mulher que impressionou pela beleza, não apenas ao rei, mas ao guarda das mulheres e
a todos que a cercavam (Ester 2). A beleza de Ester não era superficial e nos fala de muito preparo. Foram
doze meses de embelezamento.
Eis o desafio dos próximos dozes meses para um tratamento de beleza que nos coloque numa postura que
glorifique o rei dos Reis. De tudo fez belo e admirou-se de sua criação. Aprimoremos também a beleza que
Deus criou.
A receita para esse tratamento começa com:
Limpeza interior – Do coração procedem as fontes de vida (Pv 4.20 a 27). Dele é necessário retirar todas as
manchas, cicatrizes de amargura, frustrações, toda a sujeira que esteja poluindo a alma. Jesus adverte que o
mal vem de dentro (Mc 7. 14-23) e Jeremias fala dos enganos do coração (Jr 17.9), por isso faz-se necessário
permitir um trabalho profundo do Espírito Santo para a remoção de tudo que possa comprometer a beleza do
caráter cristão. O Salmo 139.23,24 nos conduz à confissão e quebrantamento pela ação do Espírito.
Elixir de rejuvenescimento – A mente exerce um grande poder sobre nós. Somos, realmente, aquilo que
pensamos – belas ou feias, novas ou velhas. Paulo fala em transformação da mente (Rm 12.2). Faz mais efeito
que as operações plásticas que consertam ou pioram apenas o que é exterior. Encher a mente de pensamentos
positivos (Fl 4.8) e preenchê-la com a Palavra de Deus (Cl 3.15). Ai encontra-se o verdadeiro segredo da
fonte de juventude.
113
Óleo para a cabeça – O óleo da união derramado sobre a cabeça de Arão (Sl 133) que nos leva a amar as
pessoas, aceitá-las como são. Óleo que lubrifica os relacionamentos fluindo como ingrediente para uma
convivência saudável. Também o óleo da unção do Espírito que nos ungindo a cabeça, faz transbordar o
coração (Sl 23.5).
Batom para os lábios – É o louvor (Sl 34.1) nos recomenda a usá-lo constantemente. Evitemos palavras
ferinas, ou negativas ou o hábito da murmuração. Enfeitar os lábios com palavras de louvor, de conforto, que
levantem os abatidos e glorifiquem ao nosso Reis (Sl 19.14).
Maquiagem – Não há um processo mais eficaz para embelezar a face do que a alegria. “O coração alegra
aformoseia o rosto...” (Pv 15.13).
Brilho - O tempo que passamos com Deus dá brilho à vida. Que o diga Moisés (Ex 34.29). “Para ser bela pare
um minuto diante do espelho, cinco minutos diante de sua alma e quinze minutos diante de Deus” (Michel
Quoist).
Creme para mãos – Mãos adornadas com o serviço ao próximo. Mãos que trabalham, mãos que constroem,
mãos que ajudam, mãos que sustentam os debilitados (Ec 9.20 e Pv 31.20).
Calçados para os pés – Pés que andam por caminhos direitos. (Pv 4.26,27) Pés formosos que levam boas
notícias, as boas-novas de salvação (Is 52.7).
Traje – Alta costura do atelier do Senhor (1Pe 3.3,4) apresenta o trajeto do espírito manso e suave. E é a
única fórmula bíblica para conquistar o esposo para Cristo.
Perfume – Mais precioso que “Chanel 5”, pois é da “grife” do Senhor (2 Co 2.14, 15). O perfume de Cristo.
É um pouco diferente das famosas essências francesas cujos frascos precisam ser bem lacrados para não
exalar o aroma. Neste, o “vaso de alabastro” ( a nossa casca grossa) tem que ser quebrado para perfumar o
ambiente.
Etiqueta social – Aulas de etiqueta social não podem faltar ao nosso tratamento de beleza pois completam o
trabalho realizado. Define-se apenas numa palavra: AMOR. Sem ele nada tem valor. E com ele é possível nos
apresentarmos com nobreza em qualquer ambiente (1Co 13.5): “O amor comporta-se bem e não busca
vantagens próprias”.
Que Deus lhe proporcione muitas oportunidades para viver a beleza de Cristo em todo o seu esplendor.
À primeira vista, o texto parece ser uma receita de beleza comum que apresenta
os procedimentos para cuidados específicos. É dividido em itens típicos, que são
encontrados nas receitas de beleza: limpeza interior, elixir de rejuvenescimento, óleo para a
cabeça, batom, maquiagem, brilho, creme para as mãos, calçados, perfume e etiqueta
social. No entanto, há uma espécie de surpresa na leitura das especificações indicadas para
cada tratamento. No lugar de cuidados com o corpo, são recomendadas atitudes cristãs
como o louvor e a leitura da Bíblia. O uso dessas especificações é avaliado como melhor e
mais eficaz do que as veiculadas nas receitas de beleza de uma forma geral. Por exemplo, a
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leitura da Bíblia é apresentada como elixir um rejuvenescimento que faz “mais efeito que as
operações plásticas que consertam ou pioram apenas o que é exterior”. Nesse sentido, a
receita não é para a beleza “exterior”, mas para uma certa beleza interior e espiritual.
Apesar de serem apresentados os mesmos lugares recorrentes nas receitas de beleza, as
especificações são outras, passam pela doutrina do discurso batista. Tais especificações não
são apenas para que a mulher tenha beleza, mas para que tenha “a beleza do caráter
cristão”.
As especificações apresentadas são derivadas do discurso batista. Por exemplo,
de acordo com a receita, a mente deve ser preenchida com a Bíblia, o que é relaciona-se a
uma posição do discurso batista, segundo a qual o cristão deve ler e estudar a Bíblia (tê-la
em mente), mas não apenas isso, como deve também consultá-la frequentemente, o que
também justifica tantas referências a textos bíblicos na receita. Outra posição é de que a
mulher batista deve ser acima de tudo uma evangelista. Nesse sentido, deve ter “pés
formosos que levam boas notícias, as boas-novas de salvação”. Enquanto nas revistas
femininas de um modo geral, as especificações de beleza se relacionam com as estratégias
para a conquista do marido, em Visão Missionária, a mulher é advertida a se preocupar
com a evangelização do marido. A mansidão e a suavidade de seu espírito são apresentadas
como a fórmula bíblia para conquistar o marido. A beleza do traje (o espírito manso e
suave) funciona como meio de evangelização do marido. Destarte, “conquista” nesse texto
não tem o sentido de conquista amorosa do marido, mas de conquista espiritual. Além
disso, esse discurso defende que a mulher cristã é uma agente transformadora do mundo,
realizando, por exemplo, serviços sociais (“Mãos adornadas com o serviço ao próximo”,
“Enfeitar os lábios com palavras de louvor, de conforto, que levantem os abatidos”).
Maingueneau (2006, 2010) propõe que um texto, enquanto rastro de discurso,
pode ser analisado em termos de “cena de enunciação”. De acordo com o autor, a cena de
enunciação é formada por três planos complementares: a cena englobante, a cena genérica
e a cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo de discurso (religioso, político,
publicitário). Nessa cena, os locutores interagem através de gêneros de discurso específicos
(cena genérica). Já a cenografia é construída pelo próprio texto.
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A análise do texto a partir da noção de “cena de enunciação” mostra que ele é
constituído por uma cenografia típica de receitas. A princípio, poderíamos pensar que
remete a uma cena englobante do discurso acerca do cuidado (feminino) com o corpo.
Acontece que o “conteúdo” desse texto remete à cena englobante do discurso religioso. O
que é afirmado nele poderia facilmente ser apresentado em um sermão, na medida em que
os mesmos conselhos dados nos cultos aparecem na receita (ler a Bíblia, evangelizar, amar
o próximo, louvar a Deus, ser obediente, orar, fazer obras sociais).
No texto, o enunciador cristão realiza sua enunciação por intermédio de uma
cenografia de uma receita de beleza, derivada de um gênero de receita típico nas revistas
femininas. Maingueneau (2006a) explica que “para que uma cenografia faça, portanto,
sentido, é preciso que esteja em harmonia não apenas com os próprios conteúdos que
sustenta, mas também com a conjuntura na qual intervém” (p.125). Na receita analisada, o
enunciador mobiliza uma cenografia que remete ao gênero de receita típico de um discurso
de como proceder com o corpo, para apresentar um enunciado do discurso religioso, que
tem a ver com as formas adequadas de conduta do cristão. Desse modo, a leitora é
interpelada, ao mesmo tempo, como cristã e como mulher que se cuida, entretanto, não
deve receber o texto como uma pregação, e sim como uma receita de beleza, não de beleza
comum, mas de beleza cristã, que tem a ver com o caráter, a fé e a conduta.
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Vivemos num tempo em que somos assolados pela imposição dos padrões pré-estabelecidos de beleza
(referindo-me à aparência) e comportamentos. Os não enquadrados nessa fórmula são postos à margem e,
muitas vezes, expostos a visões e ações preconceituosas e retaliadoras. Porém, o cuidado com o corpo e com a
mente (instâncias não indissociáveis do indivíduo) não pode ser confundido como o “culto ao corpo” e nem
com qualquer aspecto relativo à vaidade desmedida. Por exemplo, combater a obesidade, mas que se espalha
por todo mundo e aumenta a incidencia de várias doenças crônico-degenerativas, não significa ser vaidoso.
[...]
Há alegria em Deus quando cuidamos da nossa saúde. Ainda que nosso corpo seja falho e limitado a palavra
de Deus diz através do apóstolo Paulo, que ele, o corpo, é o templo do Espírito Santo e que nós não somos de
nós mesmos. Em 1 Coríntios 6.19 e em Romanos 12.1 diz que nossos corpos deverão ser como sacrifício vivo
ao Senhor, que a vida de Jesus deverá ser manifestada em nosso próprio corpo e que devemos conservar nosso
corpo até a vinda do Senhor Jesus (2Coríntios 4.10 e 1 Tessalonicenses 5.23).
A Bíblia é a maior e melhor prova de que o autocuidado com o templo do Espírito Santo (nosso corpo) é um
ato de agrado ao nosso Deus e, portanto, uma atitude constante de culto ao pai.
O texto afirma que há dois tipos de cultos: o culto a Deus e o “culto ao corpo”.
Relacionado a esse último estaria, segundo esse discurso, uma vaidade desmedida que
impõe padrões, preconceitos e retaliações. Por outro lado, o culto a Deus estaria ligado a
um cuidado com a saúde do corpo. A partir desses dois tipos de culto, o texto defende que o
cuidado com a saúde é uma atitude de culto e que o “culto ao corpo” é um mal e uma
imposição do mundo. Nesse sentido, a mulher batista é advertida a cuidar da saúde do
corpo e da mente, combantendo, por exemplo, a obesidade. Esse cuidado é visto com “uma
atitude constante de culto ao pai”. Cuidar da saúde do corpo é uma forma de cultuar a Deus.
Contudo, ela é advertida também a não ser demasiadamente vaidosa, pois a vaidade é posta
como uma imposição do “mundo”, que põe à margem os que não se enquadram, sendo
precoconceituoso e retaliador.
O corpo é descrito como lugar de “sacríficio vivo ao Senhor”. Para esse
discurso, o sacríficio tem uma relação com o culto antes do nascimento de Cristo. Para o
perdão dos pecados, os israelistas eram advertidos a realizarem sacríficios de animais
(ovelhas ou gado). Para o discurso cristão, Cristo é o cordeiro de Deus, que fez o sacríficio
para a expiação do pecado da humanidade. Nesse sentido, não haveria mais necessidade do
sacríficos de animais. Por outro lado, o cristão deve ter atitudes de sacrifício, tendo uma
vida de “santidade”. A mulher batista é advertida a cuidar do corpo porque está é uma
atitude de sacríficio a Deus, de culto que agrada a Deus. A formulação “há alegria em Deus
quando cuidamos de nossa saúde” e o próprio título do texto: O autocuidado: uma atitude
culto apontam um efeito de sentido em que o cuidado com o corpo (com a saúde) é uma
117
atitude de culto, que alegra a Deus. Desse modo, é defendida uma /Integração/ da mulher –
que cuide do seu corpo e da sua saúde – , mas de forma /Moderada/ e equilibrada, pois o
excesso de vaidade é avaliado como um erro.
Para discutirmos ainda a relação com o cuidado com a beleza, analisamos a
receita de beleza publicada no final do texto “O adolescente e a autoimagem”, no terceiro
trimestre de 2010:
Boas leituras – 1Timóteo 4.1; Boa música – Salmos e hinos espirituais; Bons pensamentos – Filipenses 4.8;
Boas conversações – 1 Coríntios 15.33.
Evite os maus companheiros –Gálatas 6.7; Não adote seus hábitos – Êxodo 23.2; Não vá com a onda – Êxodo
34.12; Um pecado leva a outro – Salmo 1.1; Corrompem as boas maneiras – 1Coríntios 15.33; Há
desigualdade no jugo – 2Coríntios 6.14-17; Conserve-se puro, imaculado – Tiago 1;27; Não seja invejoso –
Provérbios 24.1; Lembre-se de Sansão – Juízes 16.4.19,20.
Hábitos de oração – 1Tessalonicenses 5.17; Hábitos de leitura da Bíblia – Deuteronômio 17. 19; Fidelidade à
igreja – “Alegrei-me quando me disseram (Salmo 122.1); interesse, participação e assiduidade.
O adolescente valoriza o exterior e menospreza o interior, que é o mais importante, como se pode ver no que a
Bíblia diz a respeito:
118
No texto, a beleza é relacionada à saúde. São defendidas as seguintes teses:
(2) É preciso cuidar da saúde mental com boas leituras, boa música,
bons pensamentos e boas conversações.
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O corpo do cristão é o templo do Espírito Santo
Texto Bíblico Comentário em Visão Missionária
O cristão não deve entregar-se à prostituição O cristão deve cuidar da saúde com uma
alimentação equilibrada, exercícios físicos e boas
noites de sono
120
ela seja ativa no mundo. A beleza está, assim, associada à /Ação/ da mulher no mundo
enquanto “mulher cristã”.
Além disso, tal beleza é caracterizada como “divina” e uma “dádiva de Deus”,
que se relaciona à inspiração. Como, no discurso cristão, tudo seria dado por Deus, assim
como Ele inspiraria as palavras ditas, a beleza também seria decorrente dEle.
Por fim, ainda tratando da diferença entre a beleza comum e a dada por Deus,
apresentamos a seguinte recomendação da revista:
Você não possui a beleza feminina que outras têm? Você não gosta da sua
imagem no espelho? Lembre que Deus não olha a aparência externa e sim o
coração. Deixe que Deus trabalhe em sua vida para que sua beleza não seja do
tipo que murcha e envelhece, mas do tipo que desabrocha, cresce e fica mais e
mais bonita como o passar do tempo. Desenvolva a beleza eterna (VM, 3T1995).
5. 5 Considerações Finais
Em Visão Missionária, a beleza feminina tem sido avaliada como algo que
inspira cuidados, tanto no sentido de que se deve cuidar da beleza (com cosméticos – de
preferência feitos em casa –, exercícios físicos, alimentação equilibrada) quanto no sentido
que se deve tomar cuidado com a beleza (a vaidade excessiva é um problema e um risco).
Segundo a revista, a chamada “mulher cristã” deve sim cuidar do corpo, mas não ser
vaidosa excessivamente. Diferentemente, por exemplo, de uma posição da Idade Média em
que a beleza feminina era vista como uma forma de afastar o homem de Deus, em Visão
Missionária, a beleza feminina é algo a ser buscado e conservado. A mulher é advertida a
ter “uma presença atraente e agradável”, pois é tomada como uma representante de Deus.
Contudo, o excesso da vaidade é algo que deve ser evitado, pois pode fazer com que a
mulher perca de vista que a sua função principal é a sua /Ação/ no mundo, por meio da
121
evangelização. Nesse sentido, a sua personalidade (obediente e ativa) conta mais que a sua
aparência. Ela deve se preocupar com seu testemunho e conduta no mundo, dedicando “a
atenção a outros interesses”, como a leitura da bíblia, o amor ao próximo, o louvor a Deus e
à /Evangelização/. Nessa revista, a beleza está, pois, principalmente relacionada a uma certa
conduta moral e espiritual da mulher.
Como já foi dito no capítulo anterior, de um modo geral, Visão Missionária
repete um discurso da repartição de papéis, em que as mulheres estão mais ligadas ao
espaço privado, enquanto os homens estão mais ligados ao espaço público. Entretanto, no
que diz respeito ao cuidado com a beleza, a revista não repete o discurso típico das revistas
femininas em geral. Enquanto naquelas a mulher é incentivada a cuidar da sua beleza acima
de tudo, nesta, a mulher é advertida a ser cautelosa para que seu cuidado com a beleza não
ultrapasse o seu cuidado com seu comportamento e conduta enquanto cristã.
122
CAPÍTULO 6
36
http://www.batistas.com/index.php?view=article&catid=11%3Anossa-historia&id=19%3Aa-nossa-historia-
no-brasil-e-no-mundo&format=pdf&option=com_content&Itemid=12 Acesso em 25 de junho de 2010.
123
6.1 Como o cristão deve utilizar a Bíblia
124
(4) É preciso tomar • A Bíblia não é um livro misterioso nem difícil de ser
cuidado com leituras entendido, se lido com propósitos corretos. E Deus nos deu o
seu Espírito Santo para nos instruir. Leia João 14:26. Tudo que
erradas se torna necessário no estudo e na meditação da Bíblia é a
determinação ardente de querer saber das coisas de Deus. Não
há entrada secreta para a apropriação da verdade bíblica. Abra
sua Bíblia e comece a lê-la.
• É preciso aceitar a mensagem bíblica como mensagem de
Deus dirigida a você. Tenha mente aberta para aprender o que
a Bíblia realmente diz, não o que você deseja que ela dissesse.
Seja obediente.
(5) Só “os filhos de • Ninguém pode entrar numa apreciação genuína do imenso
Deus” podem chegar a tesouro da verdade das Escrituras, enquanto não for um dos
próprios filhos de Deus.
“verdade” bíblica
125
compreensão do texto bíblico. Segundo esse discurso, a leitura desses livros tanto facilitaria
a leitura da Bíblia, quanto evitaria uma leitura “errada” desta. Desse modo, há um
funcionamento semelhante ao combatido por Lutero. Assim como a “Tradição” católica
alcançava um estatuto de chave para a compreensão da verdade bíblica, no discurso batista,
os livros batistas (entre eles, Visão Missionária) funcionam como espécie de chave de
interpretação da Bíblia a partir desse discurso.
Esse estudo sistemático da Bíblia e de livros e periódicos batistas está de acordo
com a semântica global do discurso analisado nessa pesquisa. Visão Missionária defende
que é preciso meditar na Bíblia. Isto é, “estudar”, “ponderar”, “refletir”, “pensar”,
“submeter a exame interior”, “adquirir conhecimento”, é uma “ação da mente e do
espírito”, e, sobretudo, “entendimento”. Nesse sentido, a meditação está relacionada ao
estudo organizado. Não é uma simples leitura, mas um estudo sistemático que requer regras
e um plano específico. Ademais, exige uma atitude racional e ordenada. Assim, os semas
/Formação/ e /Ordem/ estão em funcionamento nessas especificações.
Nesse discurso, portanto, a leitura da Bíblia tem um status diferenciado:
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No entanto, neste capítulo, nosso foco de análise recai sobre a primeira
modalidade: a heterogeneidade mostrada. Nas palavras da autora,
127
“não são minhas palavras”, isto é, não é apenas a doutrina “batista”, mas é a doutrina do
próprio “Deus”. Como já foi dito, os discursos constituintes se apresentam como
representantes da “Verdade” e derivados diretamente de uma “Fonte”. No caso do discurso
batista, esse grande número de citações cria um efeito de que é derivado de Deus,
representado como “autor” dessa doutrina. E, portanto, como autoridade irrevogável.
Marido e mulher são parceiros das bênçãos de Deus e, se o primeiro não tratar a
mulher como deve ser tradada, “suas orações não serão respondidas” (I Pedro
3:7). E com a palavra de Deus não se brinca impunemente (VM, 1T1988, grifo
nosso).
Interessante notar, é que a Bíblia diz: “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o
coração, como ao Senhor”. Aqui, Deus, porventura, não nos está ensinando que
nossa vida deve ser bem planejada? (VM, 2T1994, grifo nosso).
A Bíblia diz em Salmos 127.3-5: “Eis que os filhos são herança da parte do
Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão... bem aventurado o homem que enche
dele a sua aljava” Os filhos, sem dúvida, são bênçãos do Senhor, apesar da
responsabilidade em sua criação (VM, 2T1999, grifo nosso).
128
A Bíblia afirma em João 8:36: “Se pois o Filho vos libertar, verdadeiramente
sereis livres” A única condição de liberdade verdadeira está em Cristo. Sem
Cristo o homem é eterno escravo do pecado e de seu domínio (VM, 3T1988, grifo
nosso).
Para começar, como mulher cristã, a Bíblia diz “Terás somente pesos exatos e
justos e medidas exatas e justas para que se prolonguem os teus dias na terra que
o Senhor teu Deus te dá” (Dt 25.15). Busque primeiro a orientação divina e vá em
frente! (VM, 4T2001, grifos nossos).
A Bíblia instrui e adverte: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e até
quando envelhecer não se desviará dele” (Prov. 22.6) (VM, 3T2000, grifo nosso).
O uso desses verbos está de acordo com o estatuto que o texto bíblico tem para
o discurso cristão como “palavra de Deus”. Para o discurso cristão, a Bíblia tem autoridade
para “instruir” e “advertir”, isto é, doutrinar a conduta do fiel.
Outro tipo de citação comum nos textos de Visão Missionária é a introduzida
por verbos como “ler” e “lembrar”, que impõe uma certa ação do leitor em relação ao texto:
Lemos no Salmo 90, verso 12: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira
que alcancemos corações sábios”. O grande líder Moisés fez esta oração. E Deus
ouviu sua súplica que está registrada para nossa inspiração e para nosso exemplo.
Este deve ser a nossa oração também (VM, 3T1994, grifo nosso).
Lembrando sempre o que nos diz o salmista: “Oh! Quão bom e quão suave é que
os irmãos vivam em união” (VM, 1T2004, grifo nosso).
Logo, vem-nos à lembrança aquilo que está escrito em Tiago 1.5: “E, se algum de
vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não
lança em rosto, e ser-lhe-á dada” (VM, 2T1997, grifo nosso).
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Nesses exemplos, a leitora é instruída a meditar constantemente no texto
bíblico. Para esse discurso, não basta só que o cristão leia a Bíblia, é necessário que a
“tenha em mente”. Logo, que a estude com afinco. Tal recomendação está ligada ao sema
/Formação/.
Outra forma de citação encontrada nos textos de Visão Missionária é a em DD,
porém sem um verbo dicendi, mas como uma avaliação do texto:
Ao se iniciar este novo ano, que possamos viver verdadeiramente cada dia nesta
certeza: “... os que esperam no Senhor renovarão as suas forças: subirão com asas
de águia; correrão, e não se cansarão; andarão e não se fatigarão” (Is. 40:31)
(VM, 1T1989, grifo nosso).
É hora de reavaliarmos o uso que fazemos do tempo de vida que Deus nos dá.
Sirva-nos de alerta a advertência paulina: “Vede prudentemente como andais, não
como insensatos, mas como sábios, remindo o tempo, porquanto os dias são
maus” (Efésios 5.15-16) (VM, 1T2003, grifo nosso).
Estamos virando mais uma página de nossa existência, um novo ano se inicia. É
hora de reavaliar o uso do tempo de vida que Deus nos dá. Sirva-nos de alerta a
advertência do apóstolo Paulo: “Vede diligentemente como andais, não como
néscios, mas como sábios, usando bem cada oportunidade (...)” (Efésios 5.15,16)
(VM, 1T2003, grifo nosso).
130
Se analisarmos a vida de Jesus, vermos que ele não apenas expunha as suas
teorias, mas “andava por toda parte fazendo o bem” (VM, 3T1986).
Cristo ensinava, pregava e curava, e esta é a tríplice ação da igreja. Para isso ele
nos “Chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (I Ped. 2:9); para que
anunciássemos as suas virtudes às multidões desgarradas e errantes, à procura de
um pastor (VM, 3T1986).
Esse tipo de citação tem dois efeitos: primeiro, o estatuto diferenciado do texto
bíblico, mesmo que não se afirma que se irá realizar uma citação, as marcas (aspas e
referência) funcionam para mostrar que não é uma enunciação comum, mas de um texto
bíblico. Por outro lado, a citação “solta” no fio do discurso também tem um efeito de que as
palavras utilizadas corroboraram o que é afirmado, como se a voz bíblica viesse mostrar
que o que está sendo dito é correto e verdadeiro.
Outro tipo de citação muito comum em Visão Missionária é a apresentação
apenas da referência. Esse tipo de citação está relacionado ao Discurso Indireto (DI), pois o
enunciador não repete diretamente o que está no texto, mas mostra apenas a fonte de onde o
retirou.
Primeira, até mesmo pela ordem cronológica das atribuições femininas. Ser
esposa e mãe foram as primeiras tarefas e realizações da mulher que Deus criou
(Gên. 2:18-24; 1:28) (VM, 1T1990).
Ester era dona de uma personalidade muito bonita. Segundo a descrição bíblica,
ela era muito formosa e de bela presença. Era atraente e agradava a todos (Est.
2:15) (VM, 2T1990).
131
de um discurso derivado de um discurso constituinte. Ele precisa reafirmar a todo tempo a
Fonte da qual deriva. Além disso, esse tipo de citação exige uma ação da leitora no sentido
de conferir e confirmar o que está escrito. Mais uma vez é como se sugerisse/impusesse um
percurso de leitura do tipo “abra a Bíblia e confira a referência”. Alguns textos de Visão
Missionária sugerem/impõem esse percurso de leitura de forma ainda mais explícita, como
mostram os excertos a seguir: “abra sua Bíblia e leia Hebreus 10.16-17 para descobrir o
remédio” (VM, 2T2006), “convido você a abrir sua Bíblia e ler alguns textos” (VM,
3T2010), “pare um pouquinho a leitura deste artigo e abra a sua Bíblia em 2 Cr.32. Leia os
versos de 6 a 8” (VM, 3T1995).
6.3 A “particitação”
132
O pesquisador afirma que “no cristianismo, como no judaísmo, o Thesaurus
que se torna possível a particitação coincide imaginariamente com um único livro, o Livro”
(MAINGUENEAU, 2006a, p.100). O hiperenunciador que funda o Thesaurus cristão é o
próprio Deus. De acordo com o autor, no discurso cristão,
(1) Convém que façamos a obra, enquanto é dia! Esse é o nosso tempo, a nossa
responsabilidade, o nosso privilégio (VM, 4T2008).
(3) A alegria do Senhor é a sua força. À medida que a alegria permear a sua
alma, sua força será renovada, de repente você perceberá que o trabalho todo
está terminado – a cozinha limpa, o pó dos móveis removido, camas feitas.
Lembre-se que a alegria vem do Senhor (VM, 2T1995, grifos nossos).
133
responsabilidade o enunciador e o coenunciador. Se Cristo em seu tempo trabalhou, cabe
agora à mulher cristã fazer a obra. Desafio descrito como “responsabilidade” e “privilégio”.
Essa alteração, que produz a particitação, relaciona-se aos semas /Evangelização/ e
/Individualidade/ no discurso batista, no sentido de que cada cristão é responsável pela
evangelização daqueles que não são cristãos.
Em (2), mais uma vez, a coenunciadora deve reconhecer a cena enunciativa do
texto bíblico:
E o seu senhor lhe disse: bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel,
sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor. [...]. Respondendo, porém,
o seu senhor, disse-lhe: Mau e negligente servo [...] lançais, pois, o servo inútil
nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes (Mateus 25: 21-30,
grifos nossos).
Nesse texto, o servo “bom e fiel” é recompensado com o céu, enquanto o “mau
e negligente” é lançado no inferno (“nas trevas exteriores”). O reconhecimento dessa cena
da enunciação é então essencial para o desenvolvimento do argumento do excerto (2) que
se encera com a pergunta “onde estaremos?”. Cria-se um efeito de sentido de que aquele
que deseja salvar a sua alma deve desenvolver seus dons, deve trabalhar no serviço do
reino. Nesse sentido, enquanto filhos de Deus, cada um teria a responsabilidade e o
privilégio de participar da evangelização do mundo. No discurso batista, cada indivíduo é
responsável perante Deus e o próximo por suas decisões morais e religiosas. Cada
indivíduo pode escolher sua crença e tem plena liberdade de religião, sendo, portanto,
responsável por sua vida e, também, responsável pela /Evangelização/.
Em (3), não há nenhuma marca gráfica que sinalize a citação, mas o trecho “a
alegria do Senhor é a sua força” é uma particitação do texto “Portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do Senhor é a vossa força” (Neemias 8:10b). Apesar da substituição do
pronome de tratamento “vossa” pelo “sua”, que dá ao texto um tom mais coloquial, típico
dos textos das revistas, o texto ainda tem um tom solene. Essa frase funciona como uma
aforização, no sentido de Maingueneau (2010). De acordo com o autor, certos fragmentos
de um texto parecem ser destacáveis. Têm um ethos ligeiramente solene. Essa enunciação
está um pouco acima das demais. Nas palavras do autor:
134
Não há posições correlativas (as facetas da cena verbal), mas uma instância que
fala a uma espécie de ‘auditório universal’ (Perelman), que não se reduz ao
destinatário localmente especificado: a aforização institui uma cena de fala onde
não há interação entre dois protagonistas colocados num mesmo plano (2010,
p.13).
Além das citações e particitações, o texto bíblico também passa pelo processo
de comentário em Visão Missionária. A fim de discutirmos esse processo, analisaremos
como o texto bíblico “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor” tem
sido comentado na revista. A partir dos movimentos feministas, que defendiam a igualdade
entre os sexos, esse texto passou a julgado como preconceituoso em relação às mulheres.
Entretanto, para os cristãos, como a Bíblia é tomada como palavra de Deus e, portanto,
irrevogável, o texto é avaliado como apropriado. Desse modo, buscamos analisar como
Visão Missionária comenta esse texto no sentido de defender a sua pertinência.
Antes da análise, discutimos sumariamente a constituição do movimento
feminista protestante no século XIX. Julgamos interessante apresentar esse posicionamento
porque é o momento em que o texto sobre a submissão feminina, como um postulado
cristão, foi posto em questão.
135
bens, a maioridade civil e a possibilidade de testemunhar nos registros civis e,
principalmente, direitos sobre o estado civil e o divórcio. O casamento foi estabelecido
como um contrato civil, em que os dois contratantes “são igualmente responsáveis e
capazes de verificar por si mesmo se as obrigações criadas pelo seu acordo são
corretamente executadas” (SLEDZIEWSKI, 1991, p.45). A nova lei do casamento abriu
uma nova possibilidade: aquela que poderia escolher o marido, também deveria poder
escolher o governo. No entanto, a possibilidade da mulher colocar-se em pé de igualdade
com o homem no corpo político causou reações contrárias mesmo entre os revolucionários
franceses. Filósofos justificavam que era a própria natureza (a vocação natural feminina
para cuidar do lar e a sua fragilidade) que exigia que as mulheres se mantivessem fora da
vida política. Em resposta a isso, diferentes textos foram produzidos no sentido de tentar
mostrar a igualdade entre as partes. Embora os enfoques fossem diferentes, uns de caráter
mais filosófico, outros políticos e outros éticos, todos defendiam a igualdade entre os sexos.
No campo da religião cristã, a questão da igualdade entre os sexos toca
diretamente o texto bíblico sobre submissão feminina de autoria do apóstolo Paulo:
136
papéis masculino e feminino e, principalmente, pelas passagens das epístolas de Paulo
relativas às mulheres.
De acordo com o historiador, nos Estados Unidos, as mulheres protestantes
participaram de campanhas antiescravagista. Essa participação começou com um artigo de
um jornalista calvinista que pedia que as mulheres da alta sociedade lutassem pela
libertação das mulheres negras, “entregues à crueldade e à “concupiscência” dos homens”
(BAUBÉROT, 1991, p.247). Diante dessa conclamação, essas mulheres organizaram um
movimento antiescravagista feminino. Elas acusavam as igrejas de manterem em situação
de inferioridade os negros, mesmo quando livres. Muitas faziam protestos diante de um
numeroso auditório, o que fez com que a associação dos pastores congregacionalistas
publicasse uma carta na qual, a partir de citações do Novo Testamento, defendia que o
papel das mulheres não consistia em tratar de assuntos públicos. Baubérot afirma que com
essa carta, a questão de gênero somou-se à da escravidão. Para o autor, a união dessas duas
questões foi muito importante, porque talvez as mulheres pudessem ter se calado diante da
argumentação dos pastores no que concerne às mulheres, porém viam no combate da
escravidão uma causa divina.
Em resposta a carta dos pastores congregacionalistas, Sarah Grimké publica, em
1838, Letters on Equality of the Sexes, and the Condition of Woman, considerado o
primeiro manifesto feminino protestante. Neste, a autora afirma que a Bíblia, quando
corretamente traduzida e interpretada, não ensina a desigualdade entre homens e mulheres,
mas, ao contrário, propõe que ambos foram criados com os mesmo direitos e deveres.
Chamamos a atenção nessas cartas para a interpretação que Grimké (1838) faz das
postulações do apóstolo Paulo acerca da mulher. A autora afirma que o principal suporte
para o dogma de que as mulheres seriam inferiores e, por consequência, submissas ao
marido, é encontrado em algumas epístolas desse apóstolo. A respeito dessas, a autora
afirma que, quando Paulo diz que a mulher deve ser submissa ao marido, ele estava sob
influência de preconceitos judeus, os quais não permitiam, por exemplo, que mulheres
lessem nas sinagogas. Nesse sentido, para Grimké, nessa questão, Paulo não falava como
um cristão, mas como um judeu. A autora defende que pensar que o homem é superior a
mulher é uma ordem divina seria um absurdo, e a única justificativa para isso seria paixão
137
humana pela supremacia, o que caracterizaria, na concepção da feminista, o homem como
uma criatura corrupta e caída. Ela conclui, portanto, que Paulo, enquanto cristão, não
poderia afirmar a inferioridade feminina.
Destarte, analisando o texto de Grimké (1838) segundo a hipótese da semântica
global, podemos afirmar que, para ela, o que falha no texto de Paulo é que este segue a
semântica global da doutrina judaica e não da doutrina cristã. A autora não reconhece essa
submissão como um postulado da sua semântica discursiva cristã, mas como o da semântica
de seu Outro: o judeu.
Desde as cartas de Grimké (1838), o texto que trata sobre a submissão feminina
é uma questão polêmica na teologia protestante. Em Visão Missionária, o texto bíblico da
submissão feminina é um tema imposto. Nessa publicação, o texto é comentado de diversos
modos. Foucault (1999) propõe que entre os procedimentos internos de controle do
discurso, ao lado do autor e das disciplinas, está o procedimento do comentário. Segundo o
autor, entre os discursos, há um certo desnivelamento. De um lado, estão os atos de fala
que desaparecem no próprio ato que os pronunciou, de outro, aqueles discursos
permanecem e estão na própria origem do dizer. Acredita-se que em tais discursos guardam
um tipo de segredo ou riqueza, por isso, são, indefinidamente, repetidos, retomados e
transformados. São discursos que, como explica o autor, “para além de sua formulação, são
ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer” (FOUCAULT, 1999, p.22). Entre esses, o
filósofo inclui os textos religiosos. Tais textos circulam, como se guardassem um tesouro
de sentido, o qual deve ser indefinidamente comentado.
Um comentário sobre texto acerca da submissão feminina foi tecido em Visão
Missionária, na edição do segundo trimestre de 1983. Em um artigo que discute as
“Chaves Bíblicas para o sucesso no lar”, a submissão é apresentada como uma dessas
chaves:
A submissão é o desígnio de Deus para a mulher: é o ato de adoração a Deus,
quando é uma atitude adotada por decisão livre, deliberada e voluntária dela para
138
com o marido. [...] Caldas Aulete define submissão como obediência voluntária.
Biblicamente, submissão significa:
1) Rendição – quando nos sujeitamos à soberania de Jesus Cristo,
rendemos a nossa vontade.
2) Deixa de Resistir – você percebe que está resistindo
mentalmente? – “Não é justo! Por quê”.
3) Aceitar a autoridade de Outro – Dizer “sim” à autoridade de outra
pessoa
4) Ceder Sem Murmurar – fazer tudo sem murmurações e contendas
(Fil. 2: 14).
5) Igualdade de Condições em Relação ao Marido – No que se
refere à inteligência e outras qualidades, ele (o Senhor) quer que
façamos uso dessas características em nosso lar.
6) Ceder sua própria opinião – submeter às opiniões ao marido. Isso
não é um direito, mas uma responsabilidade.
7) Ser submissa – aprender a se curvar para o Senhor Jesus pode
atingir seu marido.
139
submissa. Ela não é obrigada a ser, mas é porque quer ser. As obrigações dos cônjuges são
estabelecidas: o marido deve amar a esposa e a essa obedecer ao marido. O texto levanta a
seguinte problemática: se o marido for um cristão fiel, ser submissa a ele é bom, porém, se
o marido não for um cristão, deve a mulher ainda ser submissa? A essa questão, o texto
responde que “se a mulher acha que o marido não merece sua submissão, deve subordinar-
se a ele por amor ao Senhor”. A submissão é vista como um ato de obediência a Deus.
Nesse texto, também são defendidas as teses de que a submissão feminina é, em última
instância, submissão a Deus, e de que essa é uma forma de evangelizar o marido. O que se
relaciona com o sema /Evangelização/ nesse discurso.
Em suma, os dois textos de Visão Missionária defendem três teses
fundamentais: i. a mulher deve ser submissa ao marido, porque a submissão a ele é, em
última instância, submissão a Deus; ii. a submissão é um meio de evangelização do marido;
iii. a submissão é um ato voluntário, ou seja, a mulher pode escolher ser ou não submissa.
De acordo como Foucault (1999), o comentário tem dois papéis, a saber, a
construção (indefinidamente) de novos discursos e a possibilidade de dizer o que realmente
estava no texto primeiro, ou seja, “dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia
sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito”
(FOUCAULT, 1999, p.25). Desse modo, explica o autor, o comentário permite dizer algo
além do texto primeiro, porém “com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo
modo realizado” (Ibidem, p.26).
Nos textos analisados, o enunciador de Visão Missionária tece um comentário
a respeito do texto bíblico. Em certo sentido, esse comentário atualiza o texto bíblico às
condições de produção do periódico. O mesmo é reafirmado/retomado: a mulher deve ser
submissa: “é um exemplo que deve ser imitado pela mulher crente desejosa de sabedoria de
coração”, “é a chave para levar um marido incrédulo a Deus”. No entanto, para que o texto
bíblico não seja julgado preconceituoso ou “injusto”, o enunciador desse discurso comenta-
o, visando anular o sentido impositivo de submissão. O comentário tenta acabar com as
possíveis resistências: “Não é justo! Por quê?”, “Se a mulher acha que o marido não merece
sua submissão”, apelando para o caráter voluntário da submissão. O comentário atualiza o
140
texto bíblico, na medida em que defende que a submissão proclamada na Bíblia tem um
caráter optativo e voluntário.
Assim, diferentemente de Grimké (1838) que descreve o texto acerca da
submissão feminina como derivado de uma competência não cristã, nesses artigos de Visão
Missionária, o texto é repetido e apropriado. Tenta-se anular um sentido de submissão
como algo imposto e, portanto, negativo, para mostrá-la como uma “atitude voluntária,
deliberada e livre”.
No primeiro trimestre de 2010, Visão Missionária publicou o texto “Mulheres
e homens: iguais nas diferenças”. Após descrever algumas conquistas femininas ao longo
do século XX, como chefiar grandes empresas ou governar países, o texto afirma:
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operada pelo cristianismo. Essas considerações também se relacionam ao sema
/Integração/. Assim, a Bíblia deve ser integrada ao tempo atual.
O historiador David Olson (1997) afirma que uma das contribuições de Aquino,
e também de Lutero, foi mostrar que um texto é produzido por uma pessoa histórica,
dirigido a uma audiência histórica particular. Nesse sentido, a interpretação do texto como
circunstancial sustenta que o texto da submissão foi escrito por Paulo para uma plateia
específica (judeus que se tornavam cristãos no início do cristianismo). Logo, o texto não
deve ser interpretado como uma espécie de ordem divina irrevogável e atemporal, mas
como ligado a situações “locais” e “passageiras”.
Por fim, gostaríamos de apresentar mais uma forma de comentário do texto
acerca da submissão feminina. O texto “Maridos: sejam sujeitos às suas mulheres” foi
publicado na revista Ultimato (Marco-Abril 2011), periódico evangélico não ligado a uma
denominação específica. O texto é de autoria da psicóloga batista, Dagmar Grzybowski.
Para a autora, a chave da interpretação do texto sobre a submissão está em seu cotexto:
O fato de haver uma divisão de assunto entre os versículos 21 e 22 faz com que se
perca a fluência natural do texto escrito. [...] em Efésios, imediatamente antes de
falar sobre a submissão da mulher, Paulo afirma: “Sujeitem-se uns aos outros”
(Ef. 5.21). Ora, uns aos outros significa que os maridos devem sujeitar-se à
esposas da mesma forma que elas aos maridos (GRZYBOWSKI, 2011, p.31).
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Uma tese sustentada tanto nos textos de Grimké (1838) e de Pereira (1985),
quanto no de Grybowski (2011) é de que o cristianismo operou chamada “redenção da
mulher”. Segundo tal tese, a queda da humanidade no Éden teria causado a submissão da
mulher, a igualdade só teria sido restabelecida pela morte de Cristo.
Além da explicação pelo cotexto, Grzybowski ainda defende que a submissão é
própria do caráter cristão: “é necessária a compreensão de que o único modelo de liderança
aceito em qualquer relação, a partir de Cristo, é o modelo do próprio Cristo: o líder-servo
que dá a sua vida em favor dos liderados” (2011, p.31). Nesse sentido, para a autora,
submeter-se ao outro é um comportamento apropriado ao cristão, porque segue “o modelo
do próprio Cristo”, sendo, portanto, algo positivo.
143
6.5 O caráter atemporal do texto
O poder da Bíblia não se limita pelo tempo ou pela geografia. Urge que nós, os
crentes reconhecendo que somos mordomos da Bíblia, tomemos a sério a
reponsabilidade de verdadeiros semeadores da semente santa, e levemos a Bíblia
a outros. Desse modo, nos tornamos “colaboradores com Deus” na sua obra
eterna (VM, 1T1967, grifos nossos).
A Bíblia vive hoje e continuará a viver através de todo o tempo. Vive, porque é a
Palavra de Deus para o homem. Na Bíblia, Deus revela seu plano para a redenção
do homem por intermédio de seu Filho Jesus Cristo, o bálsamo das almas
enfermadas pelo pecado (VM, 4T1967, grifos nossos).
Uma das grandezas do evangelho é que ele não depende de um tipo de vida social
para ser válido. Na Antiguidade, a família se organizava de um jeito, no mundo
greco-romano, de outro; no feudalismo, outro ainda diferente; na sociedade pós-
moderna então, nem se fala; os papéis de cada membro da família sempre
variaram de acordo com a época. Mas o evangelho de Jesus não sofre essas
mutações; ele é o mesmo em qualquer época, porque sua mensagem tem
aplicação universal (VM, 4T1999, grifos nossos).
Desde o chamado de Abraão (Gn 12.1-3), que Deus vem convocando servos e
servas para a execução de alguma tarefa visando o cumprimento do seu “eterno
propósito” (Ef 3.11) de resgatar a humanidade. E continua a fazê-lo em nossos
dias, mesmo num mundo globalizado, pós-moderno, com uma sociedade
hedonista, narcisista e sedenta de autopromoção personalista.
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O texto defende que o fenômeno da “globalização” já está descrito e defendido
na Bíblia. O texto contrapõe dois tipos de globalização: a do mundo, que se refere à
movimentação de capital e informação, e a bíblica que é a circulação da fé. Nesse sentido, a
globalização bíblica estaria relacionada à /Evangelização/.
Nesse comentário, o termo “globalização” que passa a circular, a partir do final
do século XX, é apresentado como tendo sido antecipado por Deus “na disseminação
mundial do Evangelho”. O termo “globalização” é lido, assim, pela grade semântica batista
como relacionado à /Evangelização/.
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146
CONCLUSÃO
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ii. Os discursos sobre o feminino veiculados em Visão Missionária são
filtrados por essa semântica global.
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principal objetivo é a /Evangelização/ do mundo. Assim, estar no SPA, nesse discurso, é
preparar-se, por meio da /Formação/, para ser uma “Mulher Cristã em Ação”.
Além disso, tendo em vista a proposta de Maingueneau (2008) de que um
discurso sempre se constitui em uma relação com o interdiscurso, a análise mostrou que
mesmo que não tenhamos escolhido um discurso específico para
compararmos/contrapormos ao discurso batista, na própria descrição que faz de si, esse
discurso constrói a imagem de seu Outro, seja no que diz respeito aos outros
posicionamentos protestantes, seja no que diz respeito ao discurso não cristão (ao construir
uma imagem do mundo como um lugar de caos).
Por fim, a pesquisa mostrou também que é próprio do funcionamento do campo
religioso (por ser formado por discursos constituintes) que o discurso batista se proponha
como responsável pela conversão do mundo. Ademais, é próprio do funcionamento desse
campo que as recomendações e advertências do discurso cristão não se restrinjam ao
domínio da fé e das crenças, mas abranjam todas as áreas da vida do indivíduo. Em Visão
Missionária, as recomendações não se limitam apenas a questões eclesiásticas, mas
abrangem todas as áreas da vida da mulher: desde suas funções como dona de casa
(enquanto mãe, esposa, cozinheira, arrumadeira) até suas funções profissionais bem como o
seu cuidado com o próprio corpo e o de sua família.
Encerramos este trabalho sabendo que muitas outras análises poderiam (e ainda
podem) ter sido feitas. Sabemos que as questões aqui discutidas (res)suscitam outras
questões. No entanto, por ora, deixamos o leitor com uma angústia que nos inquietou
durante esta jornada:
Essa questão do tempo não é só um dado da natureza (no sentido de que, haja o
que houver, o dia tem só 24 horas), nem apenas uma questão individual (cada um
tem suas restrições individuais e sua energia produtiva), é também uma questão
institucional. A instituição dá cada vez menos tempo aos que dão a ela existência,
aos que a vivificam, e que, no fim das contas, são supostamente os encarregados
de cumprir as promessas que ela faz (ALICE KRIEG-PLANQUE).
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150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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