Dissertação No Spa Com Deus

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

DAIANE RODRIGUES DE OLIVEIRA

NO SPA COM DEUS:


UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA REVISTA VISÃO
MISSIONÁRIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO


INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM, DA UNICAMP
PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM
LINGUÍSTICA.

ORIENTADOR: SÍRIO POSSENTI

CAMPINAS, 2012

i
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR
TERESINHA DE JESUS JACINTHO – CRB8/6879 - BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE
ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP

Oliveira, Daiane Rodrigues de, 1984-


No SPA com Deus : uma análise discursiva da revista
Visão Missionária / Daiane Rodrigues de Oliveira. --
OL4n Campinas, SP : [s.n.], 2012.

Orientador : Sirio Possenti.


Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Discurso constituinte (Lingüística). 2. Discursos


religiosos. 3. Feminino. 4. Protestantismo. 5. Semântica
global. I. Possenti, Sírio, 1947-. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III.
Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em inglês: In the SPA with God: a discursive analysis of the Visão
Missionária magazine.
Palavras-chave em inglês:
Constituent discourse (Linguistics)
Religious discourse
Feminine
Protestantism
Global semantics
Área de concentração: Linguística.
Titulação: Mestre em Linguística.
Banca examinadora:
Sirio Possenti [Orientador]
Maria da Conceiçao Fonseca Silva
Nilson Cândido Ferreira
Data da defesa: 22-03-2012.
Programa de Pós-Graduação: Linguística.

ii
FOLHA DE APROVAÇÃO

iii
iv
Dedico este trabalho às minhas avós,
Maria Joaquina (in memoriam) e Percilia (in memoriam),
Mulheres em Ação.

Aos meus pais, Dimas e Leide,


Amor em Ação.

v
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Prof. Dr. Sírio Possenti pela cuidadosa orientação, pelas discussões, pelas
leituras atentas e pela confiança, por me mostrar que sempre podem ser feitas outras
perguntas e outras análises.

À Prof. Dra. Maria da Conceição Fonseca Silva, por todo apoio, por me introduzir na vida
acadêmica e mostrar-me a importância da dedicação e da disciplina na condução desta, por
participar do meu exame de qualificação e também na banca de defesa.

Ao Prof. Dr. Nilson Cândido Ferreira, pelas considerações e sugestões valiosas


apresentadas em meu exame de qualificação e na banca de defesa.

Ao Prof. Dr. Manoel Luiz Gonçalves Correia e à Profa. Dra. Anna Flora Brunelli, pela
disponibilidade em comporem a suplência da banca.

Aos professores do Instituto de Estudos da Linguagem, pelas reflexões e ensinamentos


fundamentais para meu percurso teórico.

Aos professores do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários da Universidade


Estadual do Sudoeste da Bahia, em especial à Profa. Dra. Edvania Gomes da Silva, pelo
incentivo e pronta disposição em ajudar.

À minha família, por todo apoio e amor, por acreditar no meu sonho, deixando de lado o
sonho de viver em uma cidade “tranquila”, para voltar para uma cidade “grande”. Ao meu
pai Dimas, por ser um exemplo em minha vida e também por atuar como “secretário” neste
trabalho. À minha mãe Leide, pelas conversas preciosas e apoio incondicional. Ao meu
querido irmão Leonardo, pelos incentivos e também pelas horas de descontração.

Aos familiares, aos amigos de longe e também aos conquistados na nova cidade. Em
especial aos amigos Tiago Bitencourt, Denise Gomes, Marcone Higino, Ingridd Lopes,

vii
Francisca Adriana, Beatriz Rocha, Leandro Chagas, Saulo Martins, Jefferson Lopes, Talita
Souza, Julia Lucca, Ana Amélia Calazans, Fernanda Ávila, Vinícius Massad, Hélio de
Oliveira, Guilherme Adorno e Isabel Faria.

Aos amigos doutorandos, Tatiane Macedo e Francisco Meneses, com quem compartilhei
sonhos, aflições e também alegrias.

A Eliene, Luís, Natália e Débora, pela tão boa acolhida em sua casa e pela recepção
carinhosa em Campinas.

A Cida e Hélio, por toda a ajuda e apoio na adaptação no novo lar.

A Elza Sant’Anna e a equipe da revista Visão Missionária, pela assistência na busca de


exemplares antigos.

Aos funcionários do Instituto de Estudos da Linguagem, por tornarem as obrigações


burocráticas um pouco mais amenas.

Ao CNPq, pela concessão da bolsa.

E, sobretudo, a Deus, que concedeu o desejo do meu coração.

viii
“O temor do Senhor é o princípio da Sabedoria”

Provérbios

ix
x
RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar como a Semântica Global Batista filtra discursos sobre
o feminino na revista Visão Missionária. Este trabalho fundamenta-se nas noções de
Semântica Global e de Discursos Constituintes propostas por Maingueneau. O corpus de
análise é a revista Visão Missionária, a qual é uma publicação da União Feminina
Missionária Batista do Brasil. Essa revista ensina como a mulher batista deve exercer suas
funções diárias como uma mulher cristã. Nesta pesquisa, inicialmente, discute-se o espaço
protestante brasileiro e a constituição do discurso batista. Em seguida, descreve-se a
Semântica Global Batista e seu funcionamento nas práticas da Igreja. A seguir, apresenta-se
a constituição de Visão Missionária, contrapondo-a a outras revistas femininas.
Posteriormente, analisa-se como a revista representa a mulher batista em seus papéis de
mãe, esposa e profissional como uma “Mulher Cristã em Ação”. Depois disso, investiga-se
como a Semântica Global Batista também regula as recomendações indicadas à mulher em
seu cuidado com o corpo e a beleza. Por fim, verifica-se o funcionamento dessa Semântica
Global no sistema de citações, particitações e comentários na revista. Os resultados da
pesquisa mostram como a Semântica Global Batista regula não apenas os níveis
discursivos, mas também os institucionais da Igreja, bem como os discursos sobre o
feminino veiculados em Visão Missionária.

Palavras-chave: Discurso Constituinte; Discurso Religioso; Feminino; Protestantismo;


Semântica Global.

xi
xii
ABSTRACT

The objective of this research is to analyze how Baptist Global Semantic filters discourses
about the feminine in Visão Missionária magazine. This work is based in the notions of
Global Semantic and Constituents Discourses proposed by Maingueneau. The corpus of
analysis is the Visão Missionária magazine, which is a publication of the Baptist Woman's
Missionary Union of Brazil. The magazine teaches the Baptist Woman how to play her
various functions in daily as a Christian. First of all, this research discusses the Brazilian
Protestant space and the constitution of the Baptist discourse. Second, it describes the
Baptist Global Semantics and its functioning in the church practices. Next, it presents the
constitution of Visão Missionária, contrasting it to other women's magazines. Later, it
considers how the magazine represents the Baptist woman in their roles as mother, wife and
professional as a "Christian Women in Action." After that, it investigates how the Global
Semantic Baptist also regulates the recommendations given to women in their care with her
body and beauty. Finally, it verifies the functioning of this Global Semantic in the system
of citations, particitations and comments in the magazine. The research results show how
the Baptist Global Semantic regulates not only the discursive level, but also the institutional
church as well the discourses about the women published in Visão Missionária.

Keys-word: Constituint Discourse; Religious Discourse; Feminine; Protestantism; Global


Semantics

xiii
xiv
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos grupos protestantes no Brasil ..................................................... 13


Tabela 2: Semas positivos e negativos do discurso batista ....................................... 27
Tabela 3: Distribuição das páginas da Revista Visão Missionária em relação aos assuntos
tratados .................................................................................................................................. 54

xv
xvi
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Semas do discurso batista ..................................................................................... 26


Quadro 2: Distribuição das páginas de Visão Missionária em relação aos temas tratados.... 55

xvii
xviii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CBB - Convenção Batista Brasileira


CC - Cantor Cristão
CIEM - Centro Integrado de Educação de Missões
HCC - Hinário para o Culto Cristão
MCH - Revista Mulher Cristã Hoje
RTS - Revista de Trabalho para Senhoras Baptistas
SEC - Seminário de Educação Cristã
UFMBB - União Feminina Missionária Batista do Brasil
VM - Revista Visão Missionária

xix
xx
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………................. 1
1. A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO DISCURSIVO PROTESTANTE ................... 5
1.1 A reforma protestante: uma questão de interpretação ....................................... 6
1.2 O espaço protestante no Brasil .......................................................................... 10
1.3 Considerações finais .......................................................................................... 13
2. A SEMÂNTICA GLOBAL DO DISCURSO BATISTA ........................................ 15
2.1Quem são os batistas? ……………………………………………………......... 15
2.2 O sistema de restrições batista............................................................................ 18
2.2.1 Os semas negativos: o processo de interincompreensão ............................ 26
2.3 A organização da igreja Batista.......................................................................... 32
2.3.1 Escola Bíblica Dominical ............................................................................... 32
2.3.1.1 Ensino laico X evangelização: os colégios batistas ................................ 34
2.3.2 A ordem do culto ……………………………………………………............ 36
2.3.3 O culto doméstico ………………………………………………………....... 38
2.4 Os hinos: por uma análise intersemiótica .......................................................... 39
2.5 Considerações finais .......................................................................................... 43
3. A REVISTA VISÃO MISSIONÁRIA ..................................................................... 45
3.1 União Feminina Missionária Batista do Brasil .................................................. 47
3.2 Sobre Visão Missionária …………………....…………………………............ 49
3.3 Descrição de um exemplar................................................................................. 52
3.4 Visão Missionária e o funcionamento da semântica global batista ................... 55
3.5 Visão Missionária e as revistas femininas em geral: uma comparação ............. 58
3.5.1 Os anúncios ................................................................................................ 58
3.5.2 As celebridades .......................................................................................... 64
3.6 A revista Mulher Cristã Hoje ............................................................................. 72
3.7 Considerações finais .......................................................................................... 78
4. DISCURSOS SOBRE A MULHER EM VISÃO MISSIONÁRIA ......................... 79
4.1 A esposa cristã ................................................................................................... 80
4.1.1 A esposa evangelista .................................................................................. 83

xxi
4.1.2 A esposa do pastor ..................................................................................... 84
4.1.3 A ordenação feminina................................................................................. 87
4.2 Mãe: a guardiã da fé .......................................................................................... 88
4.2.1 A mãe da sociedade ................................................................................... 91
4.3 O privilégio de ser sogra .................................................................................... 93
4.4 A profissional .................................................................................................... 95
4.5 O sentido de “mulher cristã”.............................................................................. 99
4.6 Considerações finais .......................................................................................... 102
5. A BELEZA E A FÉ NOS DISCURSOS SOBRE O CUIDADO COM O CORPO 105
5.1 Considerações sobre a beleza feminina ............................................................. 105
5.2 O cuidado com a beleza e a semântica global do discurso batista .................... 106
5.3 Receitas de beleza para a Mulher Cristã ............................................................ 108
5.4 O cuidado com o corpo: uma questão de culto a Deus ...................................... 116
5.5 Considerações finais .......................................................................................... 121
6. A RELAÇÃO DO BATISTA COM A BÍBLIA: QUESTÕES DE CITAÇÃO,
PARTICITAÇÃO E COMENTÁRIO ......................................................................... 123
6.1 Como a mulher cristã deve utilizar a Bíblia ...................................................... 124
6.2 As citações em Visão Missionária ..................................................................... 126
6.3 A “particitação” ................................................................................................. 132
6.4 O comentário de um texto segundo as condições de produção do discurso ...... 135
6.4.1 O feminismo protestante ............................................................................ 135
6.4.2 As interpretações da submissão feminina em Visão Missionária............... 138
6.4.3 Considerações sobre o comentário ............................................................. 143
6.5 O caráter atemporal do texto ............................................................................. 144
6.6 Considerações finais .......................................................................................... 145
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 151

xxii
INTRODUÇÃO

Quanto ao motivo que me impulsionou foi muito simples. Para alguns,


espero, esse motivo poderá ser suficiente por ele mesmo. É a curiosidade
– em todo caso, a única espécie de curiosidade que vale a pena ser
praticada com um pouco de obstinação: não aquela que procura assimilar
o que convém conhecer, mas a que permite separar-se de si mesmo. De
que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição
dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o
descaminho daquilo que conhece? Existem momentos na vida onde a
questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e
perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a
olhar ou a refletir (MICHEL FOUCAULT).

No final do século XIX, começa aparecer uma infinidade de pesquisas relativas


à questão da mulher na sociedade. Cada vez mais, os diversos campos de saber (filosofia,
sociologia, antropologia, medicina) investigam como é construída a relação entre os sexos.
Por outro lado, a questão religiosa já tem sido objeto pesquisas há muito tempo. Entretanto,
no campo da Análise do Discurso, no qual esta pesquisa se inscreve, Maingueneau (2008)
afirma que se pode “lamentar que discurso religioso continue a ser o parente pobre da
análise do discurso, ao mesmo tempo em que o fato religioso está particularmente presente
no mundo contemporâneo” (p.13).
Tendo em vista essa falta de estudos que tratem do discurso religioso, o
objetivo desta dissertação é analisar a relação desse discurso com o discurso sobre o
feminino. Esta pesquisa nasce, assim, no entrecruzamento de dois discursos: o discurso
religioso batista e o(s) discurso(s) sobre o feminino. Buscamos analisar como o
posicionamento1 batista constrói a imagem da chamada “Mulher Cristã em Ação”. Para

1
Maingueneau (2009) explica que a noção de formação discursiva conserva uma grande instabilidade por
conta de sua dupla origem. Foucault, em Arqueologia do discurso, propõe a noção para tratar dos conjuntos
de enunciados que estão associados a um mesmo sistema de regras, historicamente determinadas. Pêcheux
reconfigura a noção no quadro teórico da análise do discurso, como aquilo o que pode e deve ser dito a partir
de uma posição dada em uma conjuntura dada. Mais tarde, Pêcheux propõe que uma formação discursiva não
é um espaço estruturalmente fechado, mas é inseparável do interdiscurso, do qual provêm elementos de outras

1
tanto, tomamos como corpus de análise a revista Visão Missionária, uma publicação da
União Feminina Missionária Batista do Brasil, dirigida às mulheres batistas.
A formulação No SPA com Deus, que aparece em uma das reportagens de
Visão Missionária (primeiro trimestre de 2010), foi escolhida para ser o título desta
dissertação porque toca diretamente a problemática desta pesquisa. Embora as práticas de
embelezamento façam parte da história da humanidade de uma forma geral, em nossa
sociedade, assiste-se cada vez mais a busca pelo corpo perfeito. Há um número crescente de
SPAs que oferecem serviços para o bem-estar, saúde e, principalmente, embelezamento.
Embora, cada vez mais, esteja aumentando a procura do homem por tratamentos de beleza,
essa prática ainda é diretamente associada à figura feminina. Desde antiguidade grega, a
beleza feminina é associada a um conjunto de práticas de embelezamento. Para os gregos,
como propõe Platão no Banquete, o belo está ligado aos corpos masculinos, enquanto a
beleza feminina é tomada como falsa, construída por meio de artifícios de toilette. Assim, a
formulação No SPA com Deus toca a ligação entre as práticas de embelezamento e cuidado
com o corpo e o discurso religioso. Tal formulação relaciona-se à questão chave desta
investigação: quais especificidades o discurso sobre o feminino apresenta, na revista Visão
Missionária, ao ser filtrado pelo discurso batista?
Visão Missionária funciona como um meio educativo da igreja batista e trata
não apenas de questões eclesiásticas, mas aborda questões acerca do cotidiano das leitoras.
O cristianismo apregoado na revista não se detém apenas a um conjunto de regras e rituais,
mas exige uma relação da fé com todos os aspectos da vida. A publicação dirige-se às
mulheres batistas casadas, dando conselhos, principalmente, a respeito da vida em família.

formações discursivas, por meio de “pré-construídos” e “discursos transversos”. Maingueneau afirma que
dada a sua dupla origem, a noção obteve grande êxito, mesmo em trabalhos fora da análise do discurso.
Entretanto, o uso do termo tem diminuído por seu caráter mal definido e, principalmente, por uma associação
caricatural de que termo refere-se a uma unidade doutrinária compacta e independente das condições de
comunicação, o que impediria a análise de corpora não doutrinais. Frente a essa diminuição do uso do termo,
Maingueneau defende a utilização do termo posicionamento. Segundo o autor, um posicionamento se define
como uma identidade enunciativa forte em um campo discursivo. No entanto, embora seja uma identidade
enunciativa, o posicionamento não é uma unidade fechada e cristalizada, mas está sob um constante trabalho
de reconfiguração por meio do interdiscurso. Em nossa pesquisa, a noção de “posicionamento” equivale e
substitui a de “formação discursiva”. Propomos que o discurso batista é um posicionamento no campo
religioso, que tem a sua identidade assegurada por uma contínua relação com outros discursos do campo
protestante.

2
As recomendações sempre são suportadas por um discurso cristão de que Deus dá força e
ajuda na realização de todas as tarefas. O periódico mostra como equilibrar as atividades
cotidianas com a prática da fé, ensinando como a mulher batista deve exercer as diferentes
funções (ser mãe, esposa, profissional) de uma forma cristã:

A Bíblia nos ensina a termos comunhão com ele, a vivermos dignamente melhor.
Fazendo assim, agradaremos a ele em tudo. Relacionarmo-nos bem com Deus
significa relacionarmo-nos bem no lar, na escola, no trabalho, na igreja e na
comunidade onde vivemos (VM2, 2T1998).

O aporte teórico principal que sustenta nossa pesquisa é o da Semântica global


dos discursos, proposta por Maingueneau no livro Gênese dos discursos (1984). De acordo
com o autor, todo discurso obedece a um sistema de restrições globais, que regula todos os
níveis do discurso como também os espaços institucionais por onde esse discurso circula.
Tendo em vista esse pressuposto, partimos das seguintes hipóteses:

i. Há uma semântica global do discurso batista que rege todos


os planos discursivos da Igreja Batista e das suas organizações,
entre elas a União Feminina Missionária e, por consequência, a
Revista Visão Missionária.
ii. Os discursos sobre o feminino veiculados em Visão
Missionária são filtrados por essa semântica global.

Esta dissertação estrutura-se da seguinte forma: no primeiro capítulo,


apresentamos a história e configuração do espaço protestante no Brasil. No segundo
capítulo, esboçamos a Semântica global batista e o seu funcionamento nas instituições da
igreja. No terceiro capítulo, discutimos a constituição da revista Visão Missionária e
realizamos uma comparação dessa publicação com outras revistas femininas. No quarto
capítulo, investigamos a representação da mulher no periódico em análise, como uma
evangelista e educadora, responsável pela evangelização de todos ao seu redor. No quinto

2
Doravante as citações da revista Visão Missionária serão apresentadas da seguinte maneira: a sigla VM
representa o nome da revista, após a sigla aparece o trimestre de publicação acompanhado da letra T, e,
posteriormente, o ano de publicação. Assim, nesta nota, VM, 2T1998 representa revista Visão Missionária,
segundo trimestre de 1998.

3
capítulo, buscamos verificar como a publicação constrói a imagem da chamada “mulher
cristã”, na relação com o cuidado com a beleza e com o corpo. E, por fim, no sexto e último
capítulo, explicitamos como sistema de citações nessa revista também é regulado pela
semântica global do discurso batista.
Entretanto, antes de iniciar esta pesquisa, convém fazer uma consideração:
Maingueneau (2006a) afirma que uma das unidades sobre as quais a análise do discurso
trabalha são as unidades tópicas, as quais podem ser divididas em territoriais e transversas,
e as unidades não-tópicas. Segundo o autor, as unidades tópicas territoriais estão ligadas a
uma instituição. O discurso batista é uma unidade territorial, ele é um discurso ligado a um
aparelho institucional – a igreja batista – e produz uma diversidade de gêneros (jornais,
revistas, folhetos) no interior do campo religioso. Já o discurso acerca do feminino, do qual
também tratamos nesta investigação, é uma unidade não-tópica. Essa unidade não pode ser
delimitada senão pelas fronteiras estabelecidas pelo pesquisador. Não há uma “instituição”
do discurso sobre o feminino (e também sobre o masculino); ele aparece diluído no
discurso das mais diversas instituições. Ele aparece nos mais diversos gêneros e nas mais
diversas enunciações.

4
CAPÍTULO 1

A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO DISCURSIVO


PROTESTANTE

Um discurso não tem, de direito, início: o discurso se conjuga sempre


sobre um discursivo prévio, ao qual ele atribui o papel de matéria-prima
(MICHEL PÊCHEUX).

Como já foi dito, nesta pesquisa, nosso objetivo centra-se em analisar o


entrecruzamento entre o discurso sobre o feminino e o discurso batista nos textos da revista
feminina Visão Missionária. Para tanto, primeiramente, discutimos como se forma o
discurso batista no espaço3 protestante. Sabemos que não é óbvio o que seja o discurso
protestante, uma vez que é formado por diferentes posicionamentos discursivos. Nesse
sentido, não é uma tarefa simples definir o que seria o discurso batista, visto que este refere,
remete, dialoga e polemiza tanto com outros discursos religiosos de base não cristã, quanto
com discurso católico e, principalmente, com outros discursos protestantes.
Ao discutir a história do protestantismo, tentamos não cair no risco de tratá-la
como resultante da ação de sujeitos geniais ou descrevê-la como uma sequência de causas e
efeitos evolutivos. Também tentamos fugir da ilusão de que a história de que tratamos aqui
seja a mais completa, a mais verdadeira ou a única possível. Considerando a não
transparência da língua, entendemos que um sentido sempre pode ser outro. Por exemplo, o
que o discurso protestante por ler como “perseguição religiosa”, o discurso católico pode
ler como “cuidado com as heresias”. Outra questão que se coloca é saber por onde

3
Maingueneau (2008) propõe o refinamento da noção de “interdiscurso”, substituindo-a pela tríade: universo
discursivo, campo discursivo e espaço discursivo. O autor define que dentro do universo discursivo, formado
pelo “conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem numa conjuntura dada” (p.33), estão
os campos discursivos passíveis de análise. Os discursos se constituem no interior do campo e, uma vez que
as relações nele não são dadas a priori, cabe ao analista descrever as operações que permitiram a formação
desse discurso em relação aos outros no espaço discursivo. Em nossa pesquisa, investigamos como o discurso
batista configura-se no espaço discursivo protestante em relação a outros discursos religiosos.

5
começar, pensando que algo sempre fala antes e alhures4. Sendo assim, pretendemos
começar pela Reforma Protestante na Europa no século XVI. Talvez se diga que essa
história já bastante conhecida, porém acreditamos que alguns aspetos dela sejam
imprescindíveis para explicitarmos as relações da grade semântica do discurso batista,
principalmente, no que concerne a sua relação com a leitura da Bíblia, porque é a partir das
postulações defendidas por Lutero acerca do sacerdócio universal de cada cristão que o
discurso batista constitui-se.

1.1 A Reforma Protestante: uma questão de interpretação

A Reforma Protestante não foi o primeiro movimento que se impôs ao


catolicismo5, mas foi o mais forte. Para tratamos dessa força, poderíamos elencar questões
como o sucesso das navegações, que traziam novos horizontes para conquista e expansão;
ou o surgimento das nações-estado que começa a fragmentar o poder papal. No entanto,
com um olhar de linguista, chamamos a atenção para uma questão de linguagem: a
interpretação.
O historiador David Olson (1997) afirma que, a partir do texto bíblico do
apóstolo Paulo “a letra mata, mas o espírito dá vida” (II Cor. 3:5), os cristãos da era
primitiva julgavam que a leitura das Escrituras deveria justamente recuperar esse “espírito”.
Na busca por esse sentido espiritual verdadeiro, apareceram diferentes métodos de exegese,

4
Pêcheux (2009) propõe que o processo discursivo não tem um início recuperável, mas um discurso sempre se
conjuga sobre um discurso anterior. Sendo assim, impossível definir uma origem das condições de produção.
A partir das teses althusserianas, Pêcheux propõe que o processo discursivo se constitui por dois
esquecimentos: de que o indivíduo se constitui como sujeito pelo “esquecimento” daquilo que o determina, o
que lhe dá a ilusão de ser a unidade fundadora do que diz, e de que todo indivíduo “seleciona” suas palavras
(em forma de paráfrases) de uma formação discursiva que o domina. Desse modo, um processo discursivo se
caracteriza não somente pelos efeitos semânticos que nele se encontram realizados, isto é, o que é dito no
discurso x, mas também pela ausência de um certo número de efeitos que estão presentes pelo interdiscurso.

5
Por exemplo, os Petrorusianos no Sul da França, em 1106, defendiam que a missa e as orações pelos mortos
deviam ser repudiadas. Os Valdenses, em Lião 1150, argumentavam que a missa, o purgatório e a confissão
não tinham base bíblica e que as indulgências deviam ser rejeitadas. (Cf. Faircloth, 1989)

6
a fim de revelar, no que fora dito (na “letra”), o que estava em silêncio6. Para essa
perspectiva, o sentido “espiritual” seria revelado apenas a sujeitos autorizados: os clérigos.
Olson salienta que, nesse período,

pensava-se que todos os textos religiosos necessitavam de uma chave para ser
compreendidos; chave dada primordialmente pelo papel que tinham na doutrina e
na liturgia da Igreja e, secundariamente, pelas experiências pessoais daqueles que
viveram a doutrina, especialmente as vidas de santos. Não se pensava que a chave
fosse dada pelos próprios textos (1997, p.164).

Nesse contexto, os concílios da Igreja e os Decretos do Papa começaram a ter


um estatuto de autoridade em relação aos textos bíblicos, como uma chave de leitura,
colocando-se no mesmo plano de autoridade das Escrituras. A interpretação desses textos
deveria seguir a chave dessa Tradição. Logo, apenas sujeitos “especializados” e
“autorizados” poderiam realizá-la.
De acordo com Olson, no século V, tendo em vista a grande ênfase dada à
interpretação espiritual em detrimento da literal, Santo Agostinho advertia que, apesar do
sentido espiritual ser o mais importante, a interpretação deveria estar respaldada na “letra”.
Apenas no século XII, os doutores da Igreja passaram a reconhecer a
importância do sentido literal, desenvolvendo uma abordagem acadêmica e sistemática da
interpretação. A “revelação” dava, assim, lugar à pesquisa.

6
Em The Age of Reform (1980), Steven Ozment explica que, para a exegese medieval, as passagens bíblicas
têm dois significados: o literal e o espiritual. O literal é o que é imediatamente afirmado, relacionado às
circunstâncias da produção do texto. O espiritual, por sua vez, divide-se em três: o alegórico, o moral e o
anagógico. O alegórico é o mais importante do texto e refere-se à igreja e a Cristo. O sentido moral reporta-se
ao indivíduo, fala-lhe sobre a salvação individual. E o anagógico é o texto significado como a realidade
transcendente, descrevendo os eventos futuros, os segredos místicos, metafísicos e escolásticos escondidos no
texto. Apresentamos, a seguir, um exemplo, dado por Ozment, desse tipo de interpretação:
Texto bíblico: “Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel” (Salmo, 76.1)
Literalmente: o texto se refere aos reinos do sul e do norte do povo Hebreu nos tempos bíblicos. Assunto,
portanto, não pertinente aos cristãos medievais.
Alegóricamente: o texto pode ser aplicado a Jesus e a Igreja, na qual Deus é conhecido através da revelação e
pelo ato de salvação.
Moralmente: esse texto se refere à alma do cristão, a qual conhece a Deus pela oração e meditação.
Anagogicamente: o texto refere-se ao Juízo Final, no qual a gradiosidade de Deus e seus preceitos serão
conhecidos de modo total.

7
No final da Idade Média, São Tomás de Aquino propõe uma solução para o
problema medieval da interpretação: o sentido literal do texto corresponde à intenção do
autor. Olson explica que, na Summa, Aquino

reconhece em Deus o autor da Escritura, mas elabora a distinção de uma nova


forma, lembrando que os escritores humanos exprimem seu sentido por meio de
palavras. O que os autores humanos pretendem constitui o sentido literal, e esse é
o objeto legítimo da pesquisa e dos estudos científicos. O sentido espiritual é o
que o “autor” divino expressou por meio de fatos descritos pelo autor humano, e
esse sentido espiritual era objeto de estudo da teologia. Só a Escritura tinha os
dois sentidos (1997, p.168).

Desse modo, explica o historiador, “o entendimento da leitura deixou de ser um


entendimento de ‘epifanias’ ou revelações do sentido, para se tornar o reconhecimento
metódico das intenções do autor” (p.160). Nesse contexto, a atenção voltou-se para as
palavras empregadas. O sentido literal emerge, assim, como um nível autônomo e
independente. O texto passa a ser valorizado como sendo a fonte mais importante de sua
própria interpretação. Em consequência disso, o pesquisador afirma que

houve um interesse renovado e um novo respeito para com as palavras originais


dos textos. A fixação escrupulosa da forma verbal de um texto, que levou
inclusive a corrigir os textos existentes, na tentativa de chegar ao “original”,
tornou-se o principal interesse dos humanistas da Renascença (OLSON, 1997,
p.167).

Nesse período, cresce de forma significativa o estudo das línguas antigas (latim,
grego e hebraico) na tentativa de recuperar os originais dos textos. A ênfase dada à
literalidade causou uma crescente dificuldade para que a Igreja sustentasse interpretações
não respaldadas nos textos sagrados, provocando um progressivo desprestígio da
“Tradição” e abrindo possibilidades para a Reforma Protestante.
Olson afirma que a teoria de leitura de Martinho Lutero foi uma consequência
direta da noção de sentido literal de Aquino. Para Lutero, o sentido da Escritura não se
baseava nem nos dogmas da Igreja (na Tradição), nem em inspirações pessoais, mas estava
no literal, disponível “para todos que se dispusessem a ler cuidadosamente” (OLSON,
1997, p.169). Ou seja, o texto tinha um sentido único e histórico, acessível a todos que
quisessem ler (independente de um conhecimento privilegiado). De acordo com Lutero, os
textos não poderiam ser interpretados ao acaso, mas exigiam um estudo sério e sistemático.

8
Ele propõe que “os níveis de sentido que os escritores precedentes tinham encontrado ‘no
texto’ eram fantasias, sonhos, extrapolações e interpolações, elaborados para sustentar ‘os
dogmas da Igreja’” (1997, p.169).
Por acreditar que alguns pregadores católicos faziam uma má interpretação dos
textos bíblicos, Lutero apresentou, em 1517, 95 teses que colocavam em xeque a prática
católica da indulgência como meio de alcançar a salvação. Em suma, a teologia luterana
defende a justificação pela fé, a infalibilidade da Bíblia e o sacerdócio de todos os crentes.
Segundo o posicionamento católico, a palavra do Papa é infalível e a interpretação bíblica
está sujeita a ela. Contra isso, Lutero argumenta que a Bíblia é a única autoridade de fé e
prática para o cristão e que não haveria nenhum intermediário humano entre o homem e
Deus.
Para Olson (1997), a contribuição de Lutero foi mostrar que os textos poderiam
ser lidos por si mesmos, sem intervenção nem do dogma nem de qualquer outra autoridade.
Com Lutero, a interpretação foi ao mesmo tempo “naturalizada e democratizada”.
Democratizada, na medida em que cada cristão, sendo responsável por sua alma, deve
conhecer bem as escrituras, a fim de ter uma vida “correta”. Naturalizada, porque o sentido
de um texto podia ser determinado com certeza e, consequentemente, só poderia ser
interpretado corretamente de um modo, um sentido natural7.
Em 1534, por questões políticas, econômicas e pessoais (após o Papa recusar-se
a cancelar o seu casamento com Catarina de Aragão), o rei Henrique VIII separa a igreja
inglesa da Igreja de Roma. Contudo, nessa mudança, a única modificação significativa é
que o poder passa do Papa para o rei, porém a liturgia se mantém a mesma. Só a partir de
1549 é que a igreja Anglicana é reformulada, em conformidade com os ensinamentos
luteranos. Todavia, a história da igreja Anglicana é marcada por ser um certo meio termo
entre o catolicismo romano e protestantismo. Por exemplo, no anglicanismo, há bispos e

7
Faz-se necessário esclarecer que, para a teoria da Análise do Discurso, não há um sentido único e literal em
um texto. Segundo a teoria, as palavras ganham sentido no interior de um posionamento discursivo. Logo, o
sentido sempre pode ser outro a depender da posição. Assim, ao contrário da interpretação que busca um
sentido natural e verdadeiro, revelado por Deus a sujeitos autorizados (como concebiam os clérigos) ou dado
pela própria natureza (como concebia Lutero); a Análise do Discurso defende que os sentidos não são dados a
priori, mas historicamente dependente das posições discursivas.

9
padres como na igreja Católica, porém, como no protestantismo, esses não precisam ser
celibatários.
Ainda no final do século XVI, grupos insatisfeitos com a doutrina da igreja
Anglicana, os chamados separatistas, buscavam a total separação da igreja e o estado. Tais
grupos são vistos como hereges e passam a ser perseguidos. Por volta de 1606, um grupo
liderado pelo anglicano John Smyth foge para Holanda, que havia se tornado um campo de
refúgio para os separatistas ingleses. Smyth, conhecedor de línguas antigas, defende que a
igreja Anglicana e a Católica não seguem o modelo de batismo bíblico – imersão e não
aspersão. E, por essa interpretação da prática do batismo, funda uma nova igreja em 1609.
Ele rebatiza todos os membros e inclusive a si mesmo na forma de imersão. Entre os
membros da nova igreja está o advogado Tomás Helmys, o qual retorna para Inglaterra, em
1612, e organiza a Primeira igreja Batista em Spitalfield, nos arredores de Londres.
Não nos deteremos mais sobre os detalhes da constituição histórica dos batistas
na Inglaterra, pois este não é nosso objetivo aqui. Só chamamos a atenção para o fato de
que entre o final do século XVIII e início do XIX, o movimento missionário batista teve um
grande crescimento. Surgiram grandes organizações para a assistência financeira aos
ministros e às igrejas. Segundo o historiador batista Samuel Faircloth (1959), foi, nesse
período, que surgiram os primeiros periódicos batistas: Baptist Register (1790); Periodical
Accounts (1794); General Baptist Magazine (1797); Particular Baptist Magazine (1809).

1.2 O espaço protestante no Brasil

A fim de discutirmos a constituição do espaço protestante no Brasil,


recorremos, principalmente, aos postulados do historiador francês Émile Léonard (1963) no
livro O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social, uma vez que
esse tem sido considerado um dos mais importantes estudos sobre a questão.
De acordo com o historiador, foi pelas vias do liberalismo que o Brasil teve o
primeiro contato com protestantismo. Em 1819, foi aberta uma capela protestante, como
aplicação do tratado de 1810 com a Inglaterra que, além da abertura dos portos brasileiros
ao comércio inglês, permitia que súditos britânicos possuíssem, em terra portuguesa, igrejas

10
desde que não tivessem a forma exterior de templo. Entretanto, essa capela era frequentada
por ingleses, que não pareciam interessados em tornar seus cultos conhecidos no Brasil.
O envio sistemático de missionários protestantes para o Brasil começou em
1836, com a chegada do Reverendo metodista Spaulding, que fundou uma pequena escola
para crianças brasileiras e estrangeiras. Em 1847, o Rev. Daniel Kidder juntou-se a
Spaulding, dedicando-se principalmente à distribuição de cópias Bíblia em uma tradução
autorizada pela igreja católica. O missionário obteve a aprovação de autoridades, porém
seus maiores fregueses eram os educadores. Léonard (1981) explica que estes “viam, nessas
distribuições, um meio de obter gratuitamente livros de leitura para seus alunos” (p.44), em
um tempo em que o número disponível desses ainda era pequeno. Convém lembrar que,
durante muito tempo, o ensino da leitura se deu a partir de textos religiosos.
Em 1855, o missionário e médico Robert Kalley chega ao Rio de Janeiro, e
realiza, em 1858, o batismo do primeiro brasileiro que se converteu ao protestantismo. Essa
data também é considerada como a da fundação da primeira comunidade protestante do
país: a Igreja Evangélica, mais tarde, Fluminense. O batismo realizado por Kalley gerou
grandes repercussões. O missionário foi acusado de ferir a Constituição Brasileira8 com
doutrinas contrárias à religião do Estado. No entanto, obteve parecer favorável de três
importantes juristas e pode continuar exercendo seu trabalho.
Léonard explica que os missionários enviados ao Brasil eram

homens instruídos, competentes muitas vezes em assuntos bem distantes da


teologia, eles puderam muitas vezes completar e estender o seu trabalho de
evangelização com a fundação de escolas e com um apostolado médico que
aumentava o seu prestígio junto às populações (1963, p.79).

Em 1867, foi organizada a Primeira Igreja Presbiteriana, em 1870, a


Primeira Metodista, e, em 1881, a Primeira Batista. No início do protestantismo no
Brasil, vários de seus líderes sofreram agressões, emboscadas, calúnias, apedrejamentos,

8
Segundo a Constituição Brasileira de 1824, o Catolicismo é a região oficial do estado, e ainda que outras
religiões fossem permitidas, os cultos deveriam ter um caráter doméstico e templos não poderiam ser
construídos.

11
tiveram igrejas incendiadas, porém, não podemos falar de um plano geral e organizado
contra os protestantes. Foram ações isoladas e episódios locais. O grande desafio do
protestantismo foi interno: a relação com as “igrejas-mães” americanas. Léonard (1963)
afirma que o mesmo sentimento patriótico da proclamação da República envolveu os fiéis
protestantes em relação às igrejas matrizes. Nas palavras do autor,

este sentimento de independência haveria de agravar-se ainda mais com as


maneiras indelicadas por que aquela tutela se exercia, pelo seu autoritarismo,
incompreensão dos hábitos nacionais que se fazia por ignorar e, sobretudo, pela
demonstração segura de uma superioridade étnica que, no momento, levava a
tratar aos brasileiros por “nativos” (p.131).

Talvez nesse momento o leitor argumente que estamos dando ênfase demais aos
fatos históricos e deixando de lado os discursivos. Nesse sentido, cabe explicitar que é na
tentativa de separação das igrejas matrizes que surge na história das igrejas protestantes no
Brasil um meio (econômico) que nos interessa aqui: as revistas. As denominações
protestantes buscavam independência das igrejas matrizes. Para tanto, o primeiro passo foi
a organização da “Sociedade Brasileira de Trabalhos Evangélicos” em 1884, com vistas a
fazer com que as igrejas do país pudessem se sustentar sem recursos estrangeiros. Em 1888,
foi publicada a primeira revista evangélica do país, a “Revista das Missões Nacionais”.
Ao contrário do catolicismo, que tende a abrigar em um mesmo plano
institucional uma diversidade da tradição cristã, o protestantismo tende à separação. O
catolicismo, mesmo que a ferro e fogo, mantém sob o controle papal diversas ordens e
congregações. As igrejas protestantes, ao contrário, não tem um controle régio, cada igreja
que se forma é independente das demais. Dessa forma, ao contrário da Igreja Católica, não
podemos falar da “Igreja Protestante”, mas em uma diversidade de igrejas protestantes
divididas em muitas ramificações. O sociólogo Antônio Gouvêa Mendonça (1990) propõe
que não há “o protestantismo brasileiro”, mas vários “protestantismos”, que passaram e
passam por diversas transformações institucionais e teológicas. Apresentamos a seguir uma
tabela elaborada por Mendonça acerca dos ramos da Reforma Protestante no Brasil:

12
Tabela 1 – Distribuição dos grupos protestantes no Brasil
Anglicano Luterano Reformado Paralelos à Pentecostais
Reforma
Anglicanos Luteranos Presbiterianos Batistas Clássicos: Assembleia de
Deus; Congregação Cristã
no Brasil; Igreja do
Evangelho Quadrangular;
Igreja Evangélica O Brasil
para Cristo
Episcopais Congregacionais Menonitas Cura divina: Deus é
Metodistas Reformados Amor

europeus
Fonte: Mendonça, 1990, p. 17-18.

Ressaltamos que há também uma grande divisão no que se chama de batista. Há


diferentes ramificações dessa igreja: a Igreja Batista Brasileira, a Igreja Batista Regular, a
Igreja Batista Restrita, a Missão Batista da Fé, a Igreja Cristã Batista Bíblica e a Igreja
Batista Revelação. Esclarecemos que as análises realizadas nesta investigação são relativas
principalmente à Igreja Batista ligada à Convenção Batista Brasileira (CBB), conhecida
também como Igreja Batista Tradicional.

1. 3 Considerações finais

Essa breve discussão a respeito da configuração do espaço discursivo


protestante mostra que a igreja católica sofre uma divisão, que leva a outras divisões. Tais
divisões passam, primordialmente, por questões de interpretação da Bíblia. Cada nova
igreja criada legitima a necessidade de sua existência ao afirmar que as outras não haviam
interpretado bem as Escrituras. Sabemos que estas denominações estão ligadas por uma
série de pressupostos básicos, entretanto, diferenciam-se uma das outras por algumas
questões. Assim, uma questão que se impõe é como essas diferentes igrejas protestantes
relacionam-se entre si?

13
No que tange a nossa pesquisa, como já foi dito, buscamos analisar, na revista
Visão Missionária, como discurso batista filtra, a partir de sua semântica global, os
enunciados sobre o feminino. Entretanto, tendo em vista a discussão aqui realizada, a
questão que se impõe é como esse discurso se coloca em relação aos demais discursos
protestantes? Que tipo de relação (de aliança, de neutralidade ou de concorrência) ele
estabelece com os demais discursos no campo?

14
CAPÍTULO 2

A SEMÂNTICA GLOBAL DO DISCURSO BATISTA

Essas reflexões sobre a relação entre semântica do discurso e a instituição


nos conduzem, pois, a tomar distância em relação à ideia segundo a qual
ela seria um simples ‘suporte’ para as enunciações que seriam
fundamentalmente exteriores a ela. Ao contrário, parece muito claro que
essas enunciações são tomadas pela mesma dinâmica semântica pela qual
a instituição é tomada (DOMINIQUE MAINGUENEAU).

Como já foi dito, em nossa pesquisa, propomos que há uma Semântica global
do discurso que rege tanto os diferentes planos discursivos em funcionamento na revista
Visão Missionária quanto o espaço institucional e organizacional da UFMBB e da igreja
Batista, de uma forma geral. Logo, a análise da constituição histórica destas organizações é
um lugar produtivo para o desenvolvimento deste estudo. Neste capítulo, esboçamos essa
Semântica global batista e a sua relação com as práticas desse discurso, a partir de textos
veiculados no site oficial da Convenção Batista Brasileira e outros textos batistas. Para
tanto, primeiramente, analisamos a constituição do posicionamento batista no espaço
protestante a partir da proposta de Maingueneau (2006a) acerca dos discursos constituintes.

2.1 Quem são os batistas?

Maingueneau (2006a) propõe que os discursos religioso, filosófico, científico e


literário têm um estatuto particular, na medida em que não reconhecem nenhuma
autoridade acima de si mesmos. A esse grupo de discursos, o autor chama de discursos
constituintes. De acordo com o pesquisador, tais discursos legitimam as práticas discursivas
de uma coletividade e funcionam como fiadores (como lugar de autoridade, norma e
garantia) de múltiplos gêneros do discurso. Eles se apresentam como autorizados por uma
Fonte legitimadora. Esses discursos supõem um conflito permanente entre diversos
posicionamentos. Cada posicionamento “pretende nascer de um retorno às coisas, de uma

15
justa apreensão do Belo, da Verdade, etc. que os outros posicionamentos teriam
desfigurado, esquecido, subvertido” (2006a, p.39).
Falar da história dos batistas não é apenas descrever dados históricos, pois,
além destes, os batistas apresentam a teoria teológica JJJ (Jerusalém-Jordão-João) como
uma explicação para sua origem. De acordo com tal teoria, os batistas haveriam começado
em Jerusalém, com os batismos realizados por João Batista no rio Jordão. Todavia, um
problema levantado por essa teoria é explicar como se deu a sucessão histórica até a
fundação da primeira igreja Batista. Como resposta a isso, as seguintes explicações são
apresentada no site da Convenção Batista Brasileira (CCB):

Um povo que vem de longe, com muitos nomes, de muitas perseguições, de


muitas lutas, mas construindo uma bela história de fé, de doutrina e de princípios
[...] o povo da Bíblia, a Palavra Infalível e Eterna de Deus 9.

Considerando as Raízes Doutrinárias, os Batistas saem diretamente das páginas


do Novo Testamento: dos lábios e ensinos de Jesus e dos apóstolos e tem sua
trajetória marcada pela oposição a toda corrupção da doutrina cristã claramente
exposta no Novo Testamento10 (grifo nosso).

Os batistas atribuem sua origem diretamente às páginas da Bíblia, caracterizada


como infalível palavra de Deus. Eles afirmam que sua fonte legitimante é o próprio Deus.
Ainda sobre a origem dos batistas, o missionário W. Taylor afirma que estes

sempre existiram naqueles que pela fé aceitaram o Salvador; pelo arrependimento


e fé foram batizados em nome da Trindade; pela fé creram unicamente na
autoridade das Escrituras Sagradas; pela fé anunciaram as Boas Novas (VM,
1T2004).

Nessa formulação, há uma posição de que já havia batistas mesmo antes da


fundação da Primeira Igreja Batista. Maingueneau (2006b) afirma que, por seu caráter auto
e heteroconstituinte, um discurso constituinte torna-se paradoxal na medida em que o
“Absoluto a partir do qual se autoriza é supostamente exterior ao discurso, para que possa
lhe conferir sua autoridade, mas deve ser construído por esse mesmo discurso para poder
fundá-lo” (p.35). O pesquisador postula que esses discursos são paratópicos, visto que têm

9
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=19&Itemid=12 Acesso em 25
de junho de 2010.
10
http://www.batistas.com/index.php?view=article&catid=11%3Anossa-historia&id=19%3Aa-nossa-historia-
no-brasil-e-no-mundo&format=pdf&option=com_content&Itemid=12 Acesso em 25 de junho de 2010.

16
um estatuto de pertencimento e não pertencimento ao universo social, sendo impossível
incluí-los em uma ‘topia’. A esse respeito, esclarece que o enunciador de um discurso
constituinte, na própria cena da enunciação, constrói a impossibilidade de sua posição na
sociedade. O autor salienta que paratopia não se restringe apenas às personagens, mas opera
igualmente através dos lugares. Propomos que a formulação de Taylor aponta de certa
forma para um funcionamento paratópico em relação à origem da igreja Batista. Esta, ainda
que possa ser precisada no espaço (Inglaterra) e no tempo (1612), é apresentada por Taylor
como sempre existente, antes mesmo de sua organização.
Essa apresentação dos batistas como saídos diretamente dos lábios de Jesus
retoma, em certa medida, a narração da criação do mundo no discurso cristão: bem como
Deus teria criado o mundo pela palavra, os batistas também saíram diretamente dos lábios
de Cristo (Deus na terra). Tal apresentação indica uma paratopia de lugar de origem, que
funciona para legitimação do discurso, criando um efeito de primeiro, genuíno, portanto,
verdadeiro e incontestável desse discurso. Desse modo, tratar da história dos batistas não é
uma questão simples, já que estes afirmam não serem diretamente ligados à Reforma, mas
se propõem como anteriores a ela.
Apresentando-se como o povo legitimamente escolhido, os batistas atribuem a
si a função de defender a Verdade que os outros posicionamentos teriam “corrompido”.
Afirmam que a sua função é lutar contra a “corrupção” da verdade. Considerando-se como
os diretamente constituídos, os batistas atribuem a si a responsabilidade de evangelizar o
mundo, como encontramos no site da CBB: “a missão primordial do povo de Deus é a
evangelização do mundo, visando à reconciliação do homem com Deus” 11. A missão
evangelística do mundo constitui-se como o lugar fundamental e primordial no discurso
cristão.
Por consequência desta “missão”, em 1882, foi organizada a Primeira Igreja
Batista no Brasil, pelos casais de missionários batistas norte-americanos, Willian Bagby e
sua esposa Anne Luther Bagby e Zacharias Taylor e sua esposa Crawford Taylor,
juntamente com ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque, na cidade de Salvador, Bahia.
11
http://batistas.com/index.php?view=article&catid=5%3Adeclaracao-doutrinaria&id=15%3Adeclaracao-
doutrinaria-da-convencao-batista-brasileira&format=pdf&option=com_content&Itemid=15 Acesso em 25 de
junho de 2010.

17
Em 1907, havia 83 igrejas batistas organizadas no Brasil, com um total de
aproximadamente 4.200 membros. Nesse mesmo ano, foi organizada a Convenção Batista
Brasileira (CBB), órgão máximo da denominação, que tem como finalidade integrar as
igrejas, definindo o padrão doutrinário dos batistas no Brasil.

2.2 O sistema de restrições batista

Maingueneau (2008) propõe que cada discurso é regido por uma Semântica
Global, a qual funciona como um filtro de enunciados, que permite distinguir os discursos
pertencentes a um posicionamento discursivo. Segundo o autor,

a menor unidade discursiva supõe o acionamento do conjunto do sistema de


restrições, e seu pertencimento à FD se manifesta por referência a esses esquemas
de base, que são igualmente fórmulas de uma generalidade e de um rigor
máximos, que cada enunciado especifica a sua maneira (2008, p.70).

Apesar de sua abrangência, esse sistema é “pobre”, no sentido de que são


necessários poucos operadores para construir um discurso. E é justamente a simplicidade
desse sistema que possibilita que os enunciadores o dominem. O autor afirma que cada
enunciador de discurso dispõe de uma competência discursiva12: um sistema simples,
porém, fortemente estruturado, o qual permite que ele seja capaz reconhecer enunciados
pertencentes ao seu posicionamento como também capaz de produzir um número ilimitado
de enunciados inéditos pertencentes a esse posicionamento. Além disso, essa competência
é também interdiscursiva, permitindo que o enunciador reconheça enunciados contrários a
sua competência. Como explica o autor, a competência interdiscursiva supõe a “aptidão
para reconhecer a incompatibilidade semântica de enunciados ou da(s) formação(ões) do
espaço discursivo que constitui (em) seu Outro” (MAINGUENEAU, 2008, p.55).

12
Maingueneau (2008) propõe a existência de uma competência discursiva semelhante ao modelo da
competência linguística de Chomsky, mas diferente desta, a discursiva não se funda na hipótese do inatismo,
nem pode ser analisada como a gramática do discurso. Enquanto a questão da aquisição da linguagem
chomskiana relaciona-se à explicação da capacidade que os falantes têm de aprender uma língua diante de um
número limitado de performances, a “aquisição” da competência discursiva relaciona-se à simplicidade do
sistema de restrições do discurso e a possibilidade de dominá-lo.

18
Quando propôs a hipótese da semântica global, Maingueneau baseou-se na
pesquisa que realizara acerca da polêmica entre o discurso jansenista e o humanista devoto,
estabelecendo, como procedimento de análise, a construção de semânticas globais a partir
da relação polêmica entre dois discursos. Nesta pesquisa, nosso objeto de análise é o
discurso batista em sua relação com o(s) discurso(s) sobre o feminino. Buscamos analisar
em que medida o discurso batista corrobora, atualiza e polemiza com o(s) discurso(s) sobre
o feminino. Ou seja, como enunciados acerca do feminino são filtrados em Visão
Missionária pela semântica global batista. No entanto, apesar de não elegermos um
discurso específico que se contraponha ao discurso batista, julgamos possível mostrar,
fundamentados na proposta de Maingueneau (2008) de que todo discurso nasce do
interdiscurso, como discurso batista nasce e se mantém em uma relação de oposição a
outros discursos do campo religioso cristão.
Como já foi dito, o espaço protestante é formado por diversos posicionamentos
que, embora partilhem muitos pressupostos básicos, dividem-se/individualizam-se por
algumas questões doutrinárias. Nesse espaço, o discurso batista inscreve-se no chamado
“Protestantismo Histórico”, ao lado dos Presbiterianos, Luteranos e Metodistas. Todas
essas denominações partilham pressupostos, entretanto, diferem em algumas questões. Os
batistas se distinguem dos outros pela ênfase dada ao batismo em idade adulta por imersão.
A questão do batismo por imersão é fundamental na doutrina batista. As prerrogativas
básicas desse discurso para que um indivíduo seja considerado um cristão são: (i) que o
indivíduo creia em Jesus Cristo como seu salvador pessoal (tese partilhada não só entre os
protestantes históricos, mas entre todos os protestantes de uma forma geral) e (ii) que o
indivíduo seja batizado por imersão quando adulto. Enquanto os presbiterianos, os
luteranos e os metodistas realizam o batismo infantil e o batismo por aspersão, para um
batista, tais práticas são inaceitáveis.
Destacamos a seguir algumas declarações dos batistas concernentes à prática do
batismo:
O batismo consiste na imersão do crente em água, após sua pública profissão de
fé em Jesus Cristo como Salvador único, suficiente e pessoal. Simboliza a morte e
sepultamento do velho homem e a ressurreição para uma nova vida em
identificação com a morte, sepultamento e ressurreição do Senhor Jesus Cristo e
também prenúncio da ressurreição dos remidos. O batismo, que é condição para

19
ser membro de uma igreja, deve ser ministrado sob a invocação do nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo13.

Batizar, pela origem da palavra, quer dizer imergir ou mergulhar. O batismo é o


sinal de identificação do discípulo com Jesus Cristo. Sua prática foi ordenada
pelo próprio Senhor aos seus seguidores.
O significado do batismo: De acordo com Romanos 6 .1-10, o batismo tem pelo
menos três significados fundamentais: 1) representa a morte e ressurreição de
Jesus Cristo; 2) proclama uma experiência transformada na vida do crente, qual
seja a morte do velho homem para o pecado e a ressurreição do novo homem em
Cristo; 3) simboliza a bem- aventurada esperança na gloriosa ressurreição do
corpo, quando o Senhor voltar.
O batismo esvazia-se de conteúdo se não exprimir verdadeiramente a passagem
da morte para vida, através do arrependimento pelos pecados, e senão houver
aceitação de Cristo, pela fé, como único que pode remir. Em suma, o batismo é
um testemunho público do poder transformador do evangelho. É sinal de
identificação com o Senhor da nova vida, Jesus Cristo14 (grifos nossos).

Assim, para se tornar um membro da igreja batista, é preciso que o indivíduo


após o ato de “aceitar” Cristo como seu salvador pessoal, seja batizado por imersão. É
preciso que o indivíduo se “arrependa” de seus pecados. Essas duas práticas
(arrependimento e aceitação) pressupõem um indivíduo que tenham a capacidade de
arrepender-se e aceitar. Logo, indivíduos que não sejam crianças. Para justificar o tipo de
batismo, os batistas apresentam o argumento da origem da palavra que significaria:
“imersão ou mergulho”. Levando em conta o que já foi dito acerca dos discursos
constituinte – que se apresentam como ligados a uma fonte legitimadora – chamamos a
atenção para a formulação “sua prática foi ordenada pelo próprio Senhor aos seus
seguidores”. Nessa formulação, o batismo (por imersão) é descrito como uma ordem divina
(do “próprio Senhor”) aos seus seguidores. Logo, o efeito é de que só os que são assim
batizados são os seguidores de Cristo.
Tais considerações fazem ver a impossibilidade de analisarmos o discurso
batista como em uma relação de plena aliança com demais discursos do chamado
protestantismo histórico, uma vez que, para esse posicionamento, o batismo por imersão e
de não crianças é um dos requisitos básicos para ser considerado um cristão. Ainda que os
presbiterianos, luteranos e metodistas aceitem pessoas batizadas tanto por aspersão como
por imersão, para os batistas, isso é inaceitável. Para eles, ser um cristão significa ser
13
http://www.batistas.com/images/pdfs/pactocomunhao.pdf
14
Revista A nova vida em Cristo: crescendo na compreensão das doutrinas básicas da fé, Rio de Janeiro,
Juerp. 1997. P. 37-38.

20
batizado por imersão. Tal mudança de prática nos impede de falarmos de um discurso
cristão protestante que abranja todos esses grupos. Assim, mesmo que o discurso batista
compartilhe uma série de pressupostos (ou pontos doutrinários) com os demais protestantes
históricos, a prática do batismo é um impedimento para que todos possam pertencer à
mesma grade semântica.
As igrejas batistas obedecem a um sistema congregacionalista-individualista
(cf. LÉONARD, 1963). Isto é, apesar de todas as igrejas batistas tradicionais estarem
ligadas pela CBB, cada igreja local tem uma autonomia de decisão em seus assuntos
administrativos e também doutrinários.

Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas


igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não
ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas,
baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra
geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos
modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação
social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações
regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto,
autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como
sugestões ou apelos15.

Destarte, há uma cooperação entre as igrejas, porém não há um líder específico.


Esse modelo de individualidade não é relativo apenas às igrejas, mas também aos seus
membros. Essa individualidade aparece representada nos textos batistas pela
responsabilidade pessoal defendida a todo o momento.

A Bíblia revela que cada ser humano é criado à imagem de Deus; é único,
precioso e insubstituível. Criado ser racional, cada pessoa é moralmente
responsável perante Deus e o próximo. O homem, como indivíduo, é distinto de
todas as outras pessoas. Como pessoa, ele é unido aos outros no fluxo da vida,
pois ninguém vive nem morre por si mesmo.
A Bíblia revela que Cristo morreu por todos os homens. O fato de ser o homem
criado à imagem de Deus, e de Jesus Cristo morrer para salvá-lo, é a fonte da
dignidade e do valor humano. Ele tem direitos, outorgados por Deus, de ser
reconhecido e aceito como indivíduo sem distinção de raça, cor, credo, ou

15
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=15 Acesso em 08
de julho de 2011.

21
cultura; de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena
oportunidade de alcançar o seu potencial16.

Propomos que /Individualidade/ seja um sema do discurso batista. Tal


/Individualidade/ está relacionada à capacidade de por meio da reflexão tomar as próprias
decisões e ser responsável “perante Deus e o próximo”. Propomos que a própria prática do
batismo apenas de indivíduos adultos também está relacionada ao sema de
/Individualidade/. Para os batistas, apenas indivíduos adultos podem assumir a
responsabilidade do batismo. Essa é, assim, uma decisão individual. Propomos que esse
sema distingue os batistas dos demais discursos religiosos do protestantismo histórico.
Afirmamos que outro sema, nesse discurso, é /Ação/. O batista é, antes de tudo,
aquele que age no mundo.

O programa de janeiro apresenta a atuação da mulher no plano de Deus e o


desenvolvimento de seu trabalho no Brasil. Escrito por Dra. Haydée S. Gomes,
esse programa é um verdadeiro desafio à mulher moderna a reconhecer seu lugar,
sua herança cristã e a fazer um exame próprio no sentido de compreender que ela
tem uma tarefa a realizar – um serviço a prestar (VM, 1T1967, grifos nossos).

Dar significado à vida é também envolver-se com o próximo. A mulher, devido a


sua grande sensibilidade e disponibilidade para o serviço, tem uma forte presença
no âmbito do trabalho social e pode-se perceber na igreja a sua atuação nas
diversas etapas do trabalho – “é o exercício do Ver, Sentir e Agir”. “Isto indica
uma forma peculiar de ver e perceber a si mesmo e o mundo que a cerca, e de
envolver-se como agente de transformação deste mundo”, afirma Delaine
Cavalcanti Santana de Melo. Confira a matéria sobre a Missão do Serviço (VM,
1T2004, grifos nossos).

A sociedade, a nossa comunidade, aí está a exigir cada vez mais uma atuação
dinâmica do crente. Os compromissos da mulher cristã devem ser buscados por
toda mulher que se dispõe comprometer-se com o reino de Deus quer como mãe,
profissional liberal, ou vocacionada especial. Devemos ser agentes da vinda do
reino de Deus, hoje, agora (VM, 2T1991, grifos nossos).

Segundo esse discurso, não só o cristão é aquele que age no mundo, como Deus
também é um agente. Para os batistas, Deus e o homem são as duas forças que agem na
história.

16

http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=16&limitstart=1Aces
so em 08 de julho de 2011.

22
Mulheres também fazem a História. No Brasil, como no mundo todo, mulheres
cristãs batistas têm registrada uma bela trajetória de serviços no Reino de Deus,
de realizações, de conquistas e vitórias para honra e glória desse Deus que é o
dono da História (VM, 1T2003, grifos nossos).

O progresso que verificamos hoje é fruto do amor e dedicação de irmãs que, em


todo o Brasil, têm empregado muito do seu tempo e esforço nesta causa. Tudo
isso foi possível graças à mão poderosa de Deus sobre a UFMBB, A Ele, pois,
todo honra e toda glória! Amém (VM, 2T1988, grifos nossos).

É reconhecida, assim, nesse discurso, uma dupla /Ação/, a de Deus e a humana.


Além do caráter divino das ações, o papel humano é sempre enfatizado, e, para tal /Ação/, é
exigida uma /Formação/ cristã específica:

Amemos a causa de missões. Cremos nela e nos empenhamos para que ela cresça
em nossos corações. Livros e histórias missionárias são constantemente
estudados. [...] Somos levadas a orar pela obra missionária ao redor do mundo, a
evangelizar a tempo e fora de tempo, a alfabetizar para que o indivíduo leia a
Palavra de Deus, a contribuir financeiramente para o progresso da Causa da
igreja. Quem poderá medir o valor dos trabalhos realizados nos acampamentos e
nos cursos de liderança? Nossa identificação será maior quanto melhor for o
nosso preparo (VM, 1T1967, grifos nossos).

E hoje em dia temos visto muitos líderes evangélicos que usam o nome de Deus
para manipular, chantagear, e levar vantagem sobre pessoas simples e incautas.
Isso sem falar naqueles que fazem conchavos, manobras e dobradinhas para se
manterem no poder! Estou falando dentro da igreja evangélica, não é fora não.
Infeliz e lamentavelmente (VM, 3T2010, grifos nossos).

Desde que a fé há de ser pessoal, e voluntária cada resposta à soberania de Cristo,


o ensino e treinamento são necessários antecipadamente ao Discipulado Cristão, e
a um testemunho vital. Este fato significa que a tarefa educacional da igreja deve
ser o centro do programa. A prova do ministério do ensino e treinamento está no
caráter semelhante ao de Cristo e na capacidade de enfrentar e resolver
eficientemente os problemas sociais, morais e espirituais do mundo hodierno.
Devemos treinar os indivíduos a fim de que possam conhecer a verdade que os
liberta, experimentar o amor que os transforma em servos da humanidade, e
alcançar a fé que lhes concede a esperança no reino de Deus. A natureza da fé e
experiência cristãs e a natureza e necessidades das pessoas fazem do ensino e
treinamento um imperativo17.

Nesse discurso, o preparo é visto como uma necessidade. O cristão deve sempre
preparar-se antes de agir, tal preparação se dá, prioritariamente, pelo estudo da Bíblia e de

17
http://www.batistas.com/index.php?view=article&catid=6%3Aprincipios-batistas&id=16%3Aprincipios-
batistas&format=pdf&option=com_content&Itemid=16

23
livros batistas. Outro sema que aparece, geralmente, ligado à /Formação/ e também
derivado do sema /Ação/ é a /Evangelização/:
Toda aula na igreja, seja alfabetização, curso para os jovens, aula de corte e
costura, trabalhos manuais, ou outra qualquer, deve ter uma parte devocional com
uma leitura bíblica, oração e uma oportunidade para explicação do evangelho,
como também um convite aos cultos da igreja. Deve haver, na aula, alguém que
possa dar orientação espiritual a quem dela necessitar. O amor em ação não
consiste somente em ensinar a fazer um vestido novo, e sim, em levar a pessoa
através dessa atividade a escolher Cristo para ser o padrão de sua vida. Eis aí a
diferença entre uma aula oferecida pelo governo e uma, oferecida pela igreja
(VM, 3T1967).

Para esse discurso, toda ação do cristão deve ter como objetivo final a
“conversão” do outro ao seu discurso. Pêcheux (2010) propõe que, na relação entre os
lugares discursivos, pode haver dois processos: quando o enunciador A dirige-se a B na
tentativa de transformá-lo (persuadi-lo) e quando o enunciador de A fala a coenunciadores
que também se identificam com A. No funcionamento do discurso religioso, um enunciador
tanto pode se dirigir a seu auditório para tentar convertê-lo a sua fé (AB) quanto pode se
dirigir a um auditório que já compartilha a mesma fé (AA). O processo de evangelização
pressupõe um processo do primeiro tipo, em que o enunciador tenta “converter” o
coenunciador. Chamamos a atenção para o fato de que a revista Visão Missionária
pressupõe um processo do tipo AA, dado que é uma revista feminina batista dirigida à
mulher batista.
No discurso batista, os cristãos são advertidos, a todo o momento, que sua
função é ser um evangelista. Essa ênfase na conversão do outro está ligada ao
funcionamento dos discursos constituintes. No campo do discurso religioso, cada
posicionamento propõe-se como o defensor da verdadeira fé que os demais
posicionamentos teriam subvertido. No caso do discurso cristão, cada discurso apresenta-se
como responsável pela “conversão” dos demais à verdadeira fé. Com isso, a tese da
/Evangelização/ é constitutiva nesse discurso.
Quanto a sua vida no mundo, os cristãos vivem em uma espécie de
ambivalência. O cristão é alguém que vive no mundo, mas não é do mundo. Ele teria um
duplo pertencimento entre “terra” e “céu”. A esse respeito, os batistas defendem uma
/Integração/ ou contextualização do cristão no mundo. A necessidade da /Integração/ está

24
relacionada à /Evangelização/. De acordo com esse discurso, o cristão deve estar
contextualizado para ser um evangelista no mundo.

Somos membros da família do nosso Pai Celestial. Estamos vivendo em um


mundo caracteristicamente dinâmico. “O progresso está diante de todos”,
escreveu alguém. Ninguém espera que a família cristã pare no seu crescimento e
adaptação. É necessário fazermos o máximo pela sua preservação, não obstante as
mudanças por que tudo passa atualmente. Desse modo, ela continuará unida,
concorde naquelas coisas que amamos, nos valores que nos são preciosos, no
trabalho em que colocamos nossas mãos, mentes e corações em nome do Senhor
(VM, 4T1967, grifos nossos).

Diante deste novo milênio temos alguns desafios a enfrentar. Temos que encarar
a modernidade, acompanhá-la (VM, 2T2002).

Essa /Integração/, contudo, não significa unificação. Deve ser uma /Integração/
moderada:

A Igreja de Cristo precisa parecer com a sociedade que a cerca? Até onde deve ir
esta semelhança? Perguntas que sempre me perseguem quando penso em
contextualização. Apesar de “contextualização” não significar “unificação”, não
se pode negar que algumas comunidades cristãs estão ficando cada vez mais
parecidas com instituições comerciais, no afã de atrair pessoas.
Equilíbrio. Atualizar a casca sem mudar a essência. É isso que evitará um
enrijecimento estrutural que pode matar a igreja pela desatualização e
descontextualização e, também, a metamorfose desenfreada, que provocará a
descaracterização e desintegração. (MIRANDA, 2003, p.68).

Nesse sentido, esse discurso defende que haja uma /Moderação/ nas ações.
Além disso, o cristão é advertido a sempre agir de forma ordenada. Propomos que /Ordem/
também seja um sema nesse discurso. Desde a estrutura fortemente organizada até as
mínimas ações devem ser sempre planejadas para não saírem da ordem. Com esse intuito,
além da Convenção Batista Brasileira, há convenções estaduais, diversas Uniões (de
homens, de mulheres, de jovens), juntas de missões mundiais, nacionais e as estaduais e
diversas associações, como a de esposas de pastores batistas, a de escolas batistas, a de
músicos batistas.
Em nossa pesquisa, investigamos como o discurso batista entra em relação com
o(s) discurso(s) sobre o feminino. Contudo, não encontramos um sema específico em
relação à mulher. Ela é tomada como um cristão, que, mais do que os homens, têm a função
de formar.

25
Em suma, a análise aqui empreendida mostra que o discurso batista funciona a
partir das seguintes teses:

O cristão deve agir.


O cristão age ordenadamente.
O cristão age no mundo, mas não é do mundo.
O cristão deve agir de forma equilibrada.
Todo cristão é um evangelizador.
Cada cristão precisa ter uma formação bíblica.
Cada cristão é responsável por si

Ressaltamos que tais teses não funcionam exclusivamente no discurso batista,


pois, como já foi dito, o espaço protestante configura-se por um conjunto de pressupostos
compartilhados pelos diferentes discursos. Contudo, a relação com essas teses varia entre os
discursos.
A partir dessas considerações, propomos que semas básicos que compõem esse
discurso são: /Ação/, /Ordem/, /Integração/, /Moderação/, /Evangelização/, /Formação/ e
/Individualidade/.
Quadro 1 – Semas do discurso batista

2.2.1 Os semas negativos: o processo de interincompreensão

Maingueneau (2008) afirma que cada discurso tem um conjunto de semas


repartidos em dois registros: os que são reivindicados (“positivos”) e os que são rejeitados
(“negativos”). De acordo com o autor, a relação polêmica entre os discursos se dá por um
processo de interincompreensão. Um posicionamento discursivo não pode sair de seu
fechamento semântico, ele só pode falar de seu Outro a partir de seu próprio sistema de

26
restrições, referindo-se a ele por meio de traduções ou “simulacros” que dele constrói.
Esses simulacros são construídos a partir dos semas negativos do discurso-agente.
No discurso batista, além dos semas positivos apresentados, há também os
semas negativos, pelos quais esse discurso lê outros discursos com os quais polemiza. Por
hipótese, poderíamos elencar os seguintes semas negativos nesse discurso:

Tabela 2 – Semas positivos e negativos do discurso batista


Semas “positivos” Semas “negativos”

Ação Acomodação
Formação Ignorância
Evangelização Enganação
Integração Alienação
Moderação Mistura
Individualidade Centralização
Ordem Desordem

Para explicitarmos um pouco mais essa questão, discutimos alguns exemplos de


como a doutrina batista lê outras doutrinas. Em sua dissertação de mestrado, Ronald Alves
Nunes (2005) investigou as diferenças entre os cristãos da igreja Batista e os da Igreja
Pentecostal Deus é Amor (IPDA). Esse autor afirma que haveria recebido as seguintes
respostas ao questionar um enunciador de cada igreja sobre a outra igreja:

Enunciador da IPDA: “Tentei ser batista, mas não dá, a doutrina deles é muito
fraca. Lá pode tudo, como ir à praia, ver futebol, jogar bola etc. Não dá para ter
uma vida cristã agradável a Deus dessa forma. Pertencer a esta denominação é
como se o crente estivesse no mundo”.

Enunciador batista: “Ser fiel da IPDA é sair deste mundo. Lá, não se pode fazer
nada: mulher pintar cabelos, unhas, usar brincos, ver televisão etc. coisas comuns
do cotidiano. Querem viver como na época de Cristo, mas esquecem que isso foi
há dois mil anos, e nós estamos no século vinte e um. A igreja precisa se adaptar
aos novos tempos”.

Uma questão do discurso cristão é qual deve ser o comportamento do cristão no


mundo. Historicamente, essa questão relaciona-se à da salvação da alma: seria o cristão
salvo independente de suas ações, isto é, predestinado à salvação, ou seria a salvação da
alma alcançada por um certo tipo de comportamento no mundo. Nessas formulações, o

27
enunciador da IPDA argumenta que o batista “pode tudo”, enquanto o batista que o da
IPDA “não pode nada”. Afirmamos que essas duas respostas são simulacros que um
discurso constrói do outro. O batista acusa do IPDA de não estar no mundo e precisar se
adaptar aos novos tempos, enquanto o da IPDA acusa o batista estar no mundo e ter
doutrina fraca. Na resposta do batista, o sema /Integração/ aparece invertido como
/Alienação/. Segundo o discurso batista, o cristão da IPDA é aquele que “sai” deste mundo.
Aquele que está alienado. Por sua vez, o enunciador da IPDA também constrói um
simulacro do discurso batista como aquele que permite tudo, que está misturado com o
mundo.
No que diz respeito à relação do discurso batista (e dos demais discursos
protestantes históricos) com o discurso Pentecostal, o tratamento dado ao sema /Formação/
é outro, devido à diferente função atribuída ao Espírito Santo. Para os Pentecostais, há
revelações divinas até os dias de hoje por intermédio Espírito Santo, o que justifica, nesses
discursos, uma grande ênfase dada aos dons de profecia e revelação. Não que eles não
estudem a Bíblia18, mas creem na ação do Espírito Santo no sentido de “batizar” pessoas
com dons. Já para os protestantes tradicionais, como os batistas, toda a revelação divina já
está na Bíblia. Logo, a importância sumária é dada a /Formação/ do cristão. Ele deve estar
apto a reconhecer a “verdade divina” revelada na Bíblia. Selecionamos, a seguir, um
comentário batista relativo à doutrina do Espírito Santo:

Na consideração do assunto sobre o poder do Espírito Santo na vida dos crentes,


existem duas atitudes extremadas a serem evitadas pelo crente: 1) a dos que só
creem nas forcas do próprio homem, nas emanações de justiça do interior do
próprio regenerado, como responsáveis por todo o testemunho e atuação cristã no
mundo. Essas emanações, em forma de atitudes e formação de normas de
comportamento, existem e crescem à medida que a pessoa aumenta seu
conhecimento da Bíblia, toma conhecimento dos ensinos e, pelo o próprio
esforço, passa a cumpri-los. Esse tipo de comportamento está certo apenas no
tocante a dar valor à Bíblia como nossa única autoridade de revelação, como
única regra de fé e de comportamento. Erra, porém, em não aceitar a intervenção

18
A esse respeito, por exemplo, encontramos a seguinte afirmação no site da igreja Assembleia de Deus:
“Tendo a Bíblia como a sua única regra de fé e prática, a confissão das Assembleias de Deus realça a salvação
pela crença no sacrifício vicário de Cristo, a atualidade do batismo no Espírito Santo e dos dons espirituais e a
esperança na segunda vinda do Senhor Jesus”. In: http://www.cpad.com.br/assembleia/. Acesso em 20 nov.
2011.

28
sobrenatural do Espírito Santo na mente, nas emoções, na vontade das pessoas
regeneradas como um poder independente dos poderes dos homens, sobrenatural
e, portanto, a eles superior. 2) A segunda atitude extremada é daqueles que
desconsideram a Bíblia, relegam-na a uma ênfase a manifestações místicas,
creem em profetas e profetizas, seguem o que estes dizem e se entrega ao
descontrole emocional, muitas vezes atribuído ao Espírito Santo comportamentos
doentios, irracionais e até fraudulentos.

Nunca o Espírito de Deus vai atuar e operar em harmonia ou contradição com, o


que está escrito na Bíblia. Ele age como poder independente dos poderes
humanos e a eles superior, como pessoa real que habita no interior dos crentes,
mas o faz através da Palavra de Deus, para ensinar e guiar. E quando opera para
capacitar, ajudar e encorajar diante de confrontações com a tentação, com a dor,
com a enfermidade e com a inimizade mortífera do mundo e de Satanás, ele o faz
em consonância e harmonia com a Bíblia, jamais lhe sendo contraditório consigo
mesmo. E a Bíblia é sua palavra. A atitude correta, então, é a de apego à Palavra
de Deus para aprendermos cada vez mais sua vontade, para que haja constante
renovação de nosso entendimento e submissão consciente à direção do Espírito
como nosso Ajudador19·.

Segundo o enunciador, haveria duas posições erradas em relação ao Espírito


Santo. A primeira posição seria daqueles que não consideram que o Espírito Santo age nas
emoções e na vontade dos cristãos. Tal posição estaria errada porque não considera a
intervenção do Espírito, ainda que reconheça a importância da /Formação/. A segunda
posição seria daqueles que relegam a Bíblia a um segundo plano, dando mais ênfase às
ações “místicas”. Esse comportamento é avaliado como “doentio”, “irracional”,
“fraudulento”, um “descontrole emocional”. Tais avaliações estão contra a grade batista no
que diz respeito aos semas /Ordem/ e /Formação/. Aqueles que agem de forma “irracional”
e “descontroladamente” ferem esses semas. Propomos que, nessas avaliações, o discurso
batista faz um simulacro de discursos (neo)pentecostais, que acreditam em dons de profecia
e revelação. Propomos que este é um simulacro porque que aquilo que o discurso batista lê
como “descontrole emocional” e “manifestações místicas” é lido pelo discurso
(neo)pentecostal como “manifestações do Espírito Santo”.
Chamamos ainda a atenção para o efeito criado quando discurso batista afirma
que seu Outro “relega” e “desconsidera” a Bíblia. De acordo com Maingueneau (2008),
uma das formas da polêmica “é desqualificar o adversário, mostrando que ele viola as
regras do jogo” (p.110). Nesse caso, a desqualificação do adversário se dá pela afirmação

19
A plenitude do Espírito Santo, Revista Atitude: a revista do jovem cristão. Rio de Janeiro: Juerp, 4º
trimestre de 2002. p.40

29
de que ele “desconsidera” a Bíblia. Tal acusação descaracteriza o Outro no campo religioso
cristão, uma vez que um dos pressupostos básicos desse é que a Bíblia é a Palavra de Deus.
Levando em consideração a importância sumária da Bíblia nesse campo, afirmar que seu
Outro a desconsidera cria um efeito de que ele não é confiável nem digno de fé, pois quebra
a ética de um “bom cristão”.
Além desses exemplos, discutiremos também o funcionamento do termo
“evangélico” nesse discurso. Mendonça (1990) explica que, enquanto o termo “protestante”
é, em geral, utilizado por pesquisadores como historiadores, teólogos e sociólogos; a auto-
identificação de “evangélico” tem um caráter individual, amplamente utilizado e significa
um compromisso com um conjunto de princípios doutrinários cristãos (não-católicos)
independentes de uma denominação. Assim, ser evangélico está acima de uma
denominação específica. Logo, os batistas estão contidos no grupo dos evangélicos. Para
discutir essa questão, selecionamos os seguintes excertos:

(1) Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas
igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não
ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas,
baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra
geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos
modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação
social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações
regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto,
autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como
sugestões ou apelos20.

(2) “Além destas cidades atuou também em Pacatuba, e como em todos os lugares
não havia nenhum trabalho evangélico e era difícil iniciar. Mas Deus usou o
Dispensário e a capacidade de servir de Zênia para introduzir o Evangelho” (VM,
3T2001, grifo nosso).

(3) E hoje em dia temos visto muitos líderes evangélicos que usam o nome de Deus
para manipular, chantagear, e levar vantagem sobre pessoas simples e incautas.
Isso sem falar naqueles que fazem conchavos, manobras e dobradinhas para se
manterem no poder! Estou falando dentro da igreja evangélica, não é fora não.
Infeliz e lamentavelmente (VM, 3T2010, grifo nosso).

(4) Alguns evangélicos, querendo a nossa cidadania celeste, condenam toda e


qualquer participação dos cristãos na sociedade, afinal, está não é “nossa Pátria”.
E no caso da mulher, esta deveria ser a primeira a se manter calada e omissa.
Salomão, contundentemente nos apresentou uma mulher que atua nas mais

20
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=15 Acesso em: 08
jul. de 2011.

30
variadas esferas da sua vida. O apóstolo Paulo nos conclama a não nos
conformarmos com a situação do nosso século, mas que, ao nos transformarmos
pela atuação de Deus, possamos influenciar o meio onde estamos (VM, 2T1990,
grifo nosso).

A análise de (1) e (2) indica que os batistas se apresentam participantes do


grupo dos evangélicos. Todavia, nesse conjunto, eles se propõem como aqueles que são os
pioneiros na “evangelização”, na “educação teológica, religiosa e secular”, na “ação social”
e na “beneficência”. Eles não negam que os outros evangélicos também realizem essas
práticas, mas se apresentam como os primeiros. Esse argumento de pioneirismo cria um
efeito de legitimidade desse discurso. Ele se propõe como o desbravador e percussor, como
autoridade no assunto. Por conseguinte, no conjunto dos evangélicos, eles estariam em uma
posição de destaque.
A análise dos excertos (3) e (4) mostra que o termo “evangélico” nesse
discurso, na maioria das vezes, está relacionado a uma crítica aos demais posicionamentos
evangélicos. Em (3), o termo está ligado a líderes que manipulam e chantageiam os fiéis.
Nesse excerto, o sema negativo é em relação à /Formação/. Assim, segundo esse discurso,
há líderes de outras denominações evangélicas que enganam os fiéis. Esses são enganados
por não terem uma /Formação/ forte. Nesse sentido, afirmamos que /Ignorância/ funciona
como o avesso de /Formação/. Segundo o discurso batista, os fiéis de outras denominações
não têm uma boa /Formação/, sendo assim, ingênuos e facilmente enganados. Outro sema
que também pode ser evocado na formulação é o de /Evangelização/. De acordo com a
revista, os fiéis de outras denominações evangélicas são enganados e não doutrinados da
forma “correta”. Desse modo, o avesso da /Evangelização/ seria a /Enganação/.
Em (4), o termo está ligado a evangélicos que vivem “alienados” e não
participam das atividades sociais, contrários, portanto, ao sema de /Integração/. Nesse
excerto, o discurso batista faz uma tradução de outros posicionamentos evangélicos, como
aqueles que condenam toda e qualquer participação dos cristãos na sociedade, defendendo
o cristão não deveria se envolver, visto que a sua pátria não é terrena. No excerto, o
discurso batista afirma que há discursos que defendem que as mulheres não deveriam se
envolver com a sociedade, permanecendo “caladas” e “omissas”. Essa imagem revela uma
relação do discurso batista com seu Outro. Esse Outro é descrito como aquele no qual as

31
mulheres não podem/devem ter participação na sociedade. Face a essa imagem, o discurso
batista cria também uma imagem de si como atuante, defendendo a /Ação/ da mulher. E,
ademais, cria uma imagem de si como não sexista, na medida em que permite e incentiva o
trabalho feminino na igreja.
Assim, o discurso batista propõe-se como o genuíno no conjunto dos discursos
evangélicos. Não é que esse discurso não reconheça a legitimidade dos outros
posicionamentos evangélicos, mas ele se descreve como o mais legítimo.

2.3 A organização da igreja Batista


2.3.1 Escola Bíblica Dominical – EBD

Maingueneau (2006b) propõe que “todo estudo que se pergunta sobre o modo
de emergência, circulação e consumo de discursos constituintes deve dar conta do modo de
funcionamento dos grupos que produzem e gerem” (p.69). Nesse sentido, entendemos que é
relevante considerar de que forma os batistas concebem a educação como forma de
alcançar a evangelização mundial, empenhando-se em formar missionários, através de um
forte investimento na educação religiosa de seus membros.
De acordo com Leonard (1981), a base do protestantismo europeu é “adorar e
orar”. A finalidade suprema da igreja é o culto. Já no Brasil, explica o autor, essa base é o
“aprender e trabalhar”. Os cultos protestantes no Brasil funcionam para os pastores como
um trabalho para a salvação das almas, e, para os fiéis, como uma escola onde devem
aprender como trabalhar na evangelização. Destarte, o historiador propõe que a vida do
protestante se define em três “tempos”: a conversão, a instrução e a evangelização e o
grande motor disso é a Escola Bíblica Dominical (doravante EBD).
A história da EBD remonta à história da educação na Inglaterra. Em 1785, foi
criada, pelos batistas ingleses, a Sociedade das Escolas Dominicais. Aos domingos de
manhã, as crianças pobres eram reunidas para aprender a ler e escrever, através da Bíblia. O
historiador batista Samuel Faircloth (1959) salienta que esta era a única instrução que essas
crianças recebiam. Essas escolas funcionavam como uma escola primária e sem auxílio
financeiro do estado. Só em 1862, o governo inglês realizou um movimento contra o

32
trabalho das crianças na moagem, estabelecendo que estas deveriam ter um tempo para
dedicar aos estudos. Em 1870, foi elaborado um projeto de estabelecimento de escolas
primárias e secundárias sob a direção do Estado.
Com isso, as Escolas Dominicais perderam o caráter de ensino de leitura e
escrita, mas continuaram com o enfoque de estudo das Escrituras. Na Europa, apenas as
crianças frequentam a EBD. Por outro lado, no Brasil, além destas, os adultos também
participam.
Há todo um material didático que atende às diferentes faixas etárias (crianças,
juniores, adolescentes, jovens e adultos). A EBD funciona geralmente pela manhã, com o
estudo de revistas, que têm como currículo o estudo completo da Bíblia, em um período de
sete anos. A EBD funciona principalmente como uma formadora de evangelizadores. É
uma das portas de entrada à igreja. Levar visitantes à EBD é uma prática estimulada nas
igrejas, e, por vezes, há até concursos para ver que classe (crianças, jovens ou adultos) traz
mais visitantes por trimestre. Cada crente é visto, assim, como um
recrutador/evangelizador, inclusive, as crianças.
Além da EBD, a igreja batista é subdivida em diferentes departamentos,
organizações e grupos de trabalhos, dos quais, os principais são as Juntas de Missões
Mundiais, Nacionais e Estaduais, a União de Homens Batistas do Brasil e a União
Feminina Missionária Batista do Brasil. Todas essas subdivisões estão ligadas ao sema
/Ordem/.
O primeiro Seminário Batista no Brasil foi fundado em 1902, em Recife, e, em
1908, foi fundado outro na cidade do Rio de Janeiro. Toda essa rede institucional funciona
como lugar onde discursos são não só produzidos, mas, principalmente, geridos.
Segundo o site da CBB,

a educação é uma marca visível do povo batista. Sua paixão pelo estudo da
Bíblia desenvolveu o interesse pela educação religiosa, cultivada nas igrejas
através das organizações de treinamento e da EBD. Os templos se tornaram
verdadeiros complexos educacionais21.

Atendendo à imbricação entre discurso e instituição, na igreja Batista, os

21
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=19&Itemid=12&limitstart=3
Acesso em: 05 nov. 2010.

33
templos funcionam como um lugar de ensino, onde se (re)afirma a legitimidade e a
necessidade da missão de evangelizar o mundo. Nesse sentido, a própria arquitetura das
igrejas obedece à grade semântica do discurso batista, além do templo, as igrejas Batistas
possuem salas de aulas, nas quais funcionam a EBD e as reuniões das uniões e sociedades
missionárias.
Acerca da relação entre instituição e discurso, Maingueneau (2008) salienta:

Essas reflexões sobre a relação entre semântica do discurso e instituição nos


conduzem, pois, a tomar distância em relação à ideia segundo a qual ela seria um
simples ‘suporte’ para as enunciações que seriam fundamentalmente exteriores a
ela. Ao contrário, parece muito claro que essas enunciações são tomadas pela
mesma dinâmica semântica pela qual a instituição é tomada (p.128).

Há um laço semântico crucial entre o discurso batista e o funcionamento das


instituições da igreja Batista. O discurso sobre a necessidade da educação é sustentado e
sustenta as divisões hierárquicas e organizacionais dentro da instituição, como a própria
disposição do espaço físico atende a esse modelo semântico. Tendo em vista essa
imbricação entre discurso e instituição, Maingueneau (2008) propõe que se desloque então
a noção de discurso para a de prática discursiva. Sobre isso, autor explica:

No início, nós o concebemos [o discurso] como permanecendo na órbita da estrita


textualidade. Agora, somos deslocados em direção a seu ‘ambiente’, para fazer
aparecer uma imbricação semântica irredutível entre aspectos textuais e não-
textuais (MAINGUENEAU, 2008, p.136).

Desse modo, no discurso batista, há toda uma prática discursiva voltada para a
/Formação/ cristã, tendo como objetivo último a /Evangelização/ mundial.

2.3.1.1 Ensino laico X evangelização: os colégios batistas

De acordo com Léonard (1981), no século XIX, as missões americanas


multiplicaram as instituições de ensino no Brasil, em uma época em que ainda eram pouco
numerosas. Para elas, a educação servia como um meio de propaganda indireta do
protestantismo. Cabe lembrar que essa também foi a mesma justificativa utilizada pelos

34
jesuítas no Brasil colônia. Podemos afirmar que a história do cristianismo no Brasil, em
parte, confunde-se com a história da educação no país.
No início, os missionários batistas eram contrários a qualquer meio de
evangelização que não fosse direto, “puro e simples”. Diferentemente dos presbiterianos e
metodistas, não criaram colégios paralelamente à fundação das igrejas. Com o tempo, a
construção de colégios pareceu ser um bom meio para a evangelização. Nesse sentido, foi
fundado o primeiro colégio batista em 1898 na Bahia, o colégio “Americano Egídio”. Nos
EUA, as igrejas protestantes mantinham colégios que eram frequentados por filhos de
protestantes. Já no Brasil, estes colégios recebiam uma clientela variada, alunos
pertencentes às “melhores famílias”, como filhos de autoridades, ex-ministros e professores
da Faculdade de Medicina. Em 1902, também foi fundado um colégio em São Paulo, o
“Colégio Progresso Brasileiro”, no qual mais tarde foi criada uma Escola Normal,
reconhecida pelo estado, a qual funcionava como a espécie de uma mini-universidade, com
curso de odontologia e ciências domésticas. Outros colégios foram construídos no Recife
(1906) e no Rio de Janeiro (1908).
Hoje há colégios batistas espalhados por todo país. Segundo o site do Colégio
Batista Brasileiro, a missão deste é “educar, ensinando fatos, conceitos, desenvolvendo
habilidades, atitudes e valores para cidadania responsável, permeada pelo amor e pelos
princípios contidos na Palavra de Deus”22. Assim, há uma tentativa de unir os elementos
educacionais laicos ao ensino da Bíblia.

A igreja é uma agência educativa, uma comunidade de pessoas regeneradas e


batizadas após profissão de fé, cujo objetivo primordial é pregar uma Palavra viva
àqueles que não a conhecem.
A alfabetização é uma questão de suma importância e deve merecer o respeito
não só do sistema educacional como também da igreja. Deve primar por uma
relação de interesses em prol do valor e desenvolvimento do indivíduo, uma vez
que ser alfabetizado é um direito de todo cidadão. A igreja não pode ficar alheia à
importância da alfabetização. Algumas já dispõem do multiministério que tem
sido um veículo abençoado para atender também a essa carência na área de
alfabetização de adultos (MCH23, 2000/2, p.27).

22
http://www.batistabrasileiro.com.br/ Acesso em: 12 fev. de 2011.
23
Revista Mulher Cristã em Ação da UFMBB.

35
Os batistas defendem a alfabetização. Essa defesa tem a ver com sema de
/Formação/ e também com o sema de /Individualidade/. Como cada um é responsável por
sua “salvação”, é necessário que todos saibam ler (principalmente a Bíblia e os textos
batistas).

2.3.2 A ordem do culto

As igrejas batistas têm em média três cultos por semana, dois no domingo
(manhã e noite) e um durante a semana. Também pode haver programações especiais aos
sábados (como casamentos, culto de quinze anos), ou em outros dias da semana. Além das
reuniões das sociedades.
Geralmente (a depender dos recursos financeiros de cada igreja), é distribuída
aos membros a programação dos cultos. Descrevemos aqui, por exemplo, a ordem de um
culto ocorrido na Igreja Batista em Barão Geraldo no dia 20 de março de 2011. Primeiro, há
o prelúdio (execução instrumental de um hino). O culto começa com uma oração, há a
leitura de um texto bíblico e mais alguns cânticos. A seguir, há a leitura de mais um trecho
bíblico e um hino para o momento da dedicação (entrega de dízimos e ofertas, cada fiel
deve levantar e depositar no gazofilácio24 localizado na parte da frente do púlpito). A
seguir, há o sermão, mais um hino, uma oração, os avisos e o poslúdio (a execução
instrumental de um hino).
Concernente à prática do sermão, Maingueneau (2010) explica que este, assim
como um curso universitário ou uma conferência, “entra na categoria das enunciações
monologais orais, apoiadas em geral em um texto prévia e cuidadosamente escrito” (p.104).
Nesse sentido, apesar de previamente escrito, o pregador deve parecer divinamente
inspirado. Como explica o autor, “o pregador deve mostrar em sua própria enunciação que
é obrigado, por uma necessidade interior, a falar como o faz” (p.108).

24
Caixa de madeira, posicionada em frente ao púlpito, na qual os batistas devem depositar os dízimos e as
ofertas.

36
Por exemplo, em um culto realizado na Igreja Batista Cidade Universitária
(IBCU), em Campinas, no dia 10 de outubro de 2010. Antes de iniciar o sermão
propriamente dito, o pastor faz a seguinte oração:
Pai Celestial muito obrigado por este tempo que temos diante de Ti, junto com a
tua igreja, para que possamos aprender o recado que o Senhor tem a nos dar. Vem
nos abençoar neste tempo de reflexão na tua Palavra. Eu oro em nome de Jesus,
amém25.

Na formulação “para que possamos aprender o recado que o Senhor tem a


nos dar”, o sermão é apresentado como um recado de Deus à igreja. O sermão, tomado
enquanto recado de Deus, seria visto não como o que o pregador quer dizer, mas o que
Deus quer que ele diga. A sua voz daria lugar a uma Voz transcendente, construindo, assim,
um ethos “inspirado”. No entanto, ao mesmo tempo, em que o sermão é descrito como um
recado de Deus é caracterizado também como uma reflexão da Palavra. “Refletir” implica
uma posição de estudo da Bíblia, posição ligada à Semântica Global desse discurso (ao
sema /Formação/). Desse modo, é comum durante um sermão batista que o pregador, além
do texto básico, peça para que o auditório abra a Bíblia em diferentes textos. Além disso,
durante o ritual do culto, há muitas leituras de trechos bíblicos.
Quanto ao tema, os sermões batistas podem, apesar de não necessariamente,
estar ligados a situações locais. Por exemplo, o sermão pregado na IBCU no dia 10 de
outubro de 2010, dois dias antes da comemoração do dia das crianças, teve como tema a
evangelização das crianças no lar. Essa contextualização do tema do sermão ao calendário é
derivada do sema /Integração/, sema derivado da posição de que, para os batistas, os
cristãos agem no mundo. Chamamos a atenção para o fato de que a igreja comemora várias
datas festivas do calendário como o natal e a páscoa, que têm uma inspiração cristã, além
de datas como o dia das mães, o dos pais e o das crianças. E ainda há datas específicas do
calendário batista, como o dia do pastor, da Bíblia, de Oração, da Educação Cristã
Missionária.

25
http://www.ibcu.org.br/Monografias/101010noite_monografia.pdf. Acesso em: 12 maio. 2011.

37
2.3.3 O culto doméstico

Outra prática dos batistas é o culto doméstico. Visão Missionária afirma que “é
a adoração a Deus no aconchego do lar. É momento diário em que a família faz uma pausa
e em conjunto medita na Palavra e adora a Deus” (VM, 1T1997). Para tanto, há toda uma
literatura de apoio. Dentre essa, ressaltamos a revista Manancial. Essa é uma publicação da
UFMBB (bem como a revista Visão Missionária). Ela é divida pelos dias do ano, para
cada dia há um tema, um texto da Bíblia que deve ser lido e um hino batista que deve ser
cantado. Do trecho da Bíblia lido, é ressaltado um versículo básico acerca do qual é
apresentado um texto que o comenta. Esses textos são escritos por pastores, missionários ou
educadores religiosos.
De acordo com Visão Missionária, a prática do culto doméstico é uma
determinação bíblica: “É na Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus, que encontramos a base, o
estímulo, a segurança para a prática do Culto Doméstico” (VM, 1T1997). Esse culto é
descrito como um momento pedagógico:

O Culto Doméstico é pedagógico, pois auxilia no aprendizado daqueles que estão


aprendendo a ler. Nele aprendemos a orar. O Culto Doméstico, pelos ensinos
éticos e morais que comunica pela Palavra, contribui na formação, na educação
dos membros da família. Ele torna conhecida a Palavra de Deus; divulga o
Evangelho de Cristo e seus mandamentos (VM, 1T1997, grifos nossos).

E, além disso, o culto doméstico é visto como uma estratégia para a


evangelização: “o Culto Doméstico é uma das fontes de evangelização dos componentes da
família” (VM, 1T1997).
Dessa forma, a prática do culto doméstico também tem é regulada pelo sistema
de restrições da semântica do discurso batista: /Formação/ e /Evangelização/. Nesse
discurso, o crente, em todo momento, deve preocupar-se com a sua formação espiritual, por
isso, o estudo da Bíblia é enfatizado.

38
2.4 Os hinos: por uma análise intersemiótica

Desde 1691, músicas religiosas ou hinos foram introduzidos nos cultos das
igrejas batistas. As igrejas batistas brasileiras contam com dois livros oficiais de hinos: o
Cantor Cristão (CC) e o Hinário para o Culto Cristão (HCC). O primeiro é composto
por 581 hinos, os quais estão divididos em dez assuntos, a saber: adoração a Deus; Deus; o
filho Jesus Cristo; Deus, o Espírito Santo; culto público; o evangelho; a vida Cristã; a vida
futura; mocidade; Ocasiões especiais (Hinos vespertinos, Ano novo, Consagração de
templo, viagens, casamento, ministério, funeral) e Hinos Pátrios (incluindo o Hino da
Proclamação da República do Brasil, o Hino à Bandeira Nacional e o Hino Nacional
Brasileiro). A grande maioria desses hinos são traduções de versões americanas e inglesas
das chamadas músicas sacras.
Já o HCC foi lançado em 1990 como uma versão comemorativa dos cem anos
do CC. Ele é composto por 441 hinos, dos quais muitos são do CC, porém com letras
modificadas. Além dos hinos, o HCC tem também 172 sugestões de leitura de trechos da
Bíblia para serem utilizadas durante os cultos.
Segundo o HCC,

o cântico reflete a fé, as tradições, os valores, as preferências, as doutrinas, os


rumos e a espiritualidade cada um de nós. Nosso cântico reflete quem somos e
onde estamos, na peregrinação cristã. Um hinário é uma coletânea de cânticos
que, além de refletir quem somos, indica o estágio em que nos encontramos nessa
trajetória cristã. Além disso, prevê quem seremos e medirá, no percurso, nossa
estatura espiritual. O formato, o estilo e a disposição do conteúdo de um hinário
definem os dias e a época de seu uso.

De uma forma geral, os cristãos atribuem um grande valor à prática de cantar


hinos. Segundo os batistas, essa prática é um reflexo de quem são e como agem enquanto
cristãos. Julgamos, por isso, que seja de grande importância a análise desses cânticos.
Maingueneau (2008) defende que

limitar o universo discursivo unicamente aos objetos linguísticos constitui sem


dúvida algum um meio de precaver-se contra os riscos inerentes a qualquer
tentativa “intersemiótica”, mas apresenta o inconveniente de nos deixar muito
aquém daquilo que todo mundo sempre soube, a saber, que os diversos suportes
semióticos não independentes uns dos outros, estando submetidos às mesmas
escansões histórias, às mesmas restrições temáticas, etc... (p.137-138).

39
Nesse sentido, o autor não limita a função da semântica global apenas ao
domínio textual, mas propõe que o mesmo sistema semântico integra tanto produções
verbais quanto outros domínios semióticos. O autor defende que “o pertencimento a uma
mesma prática discursiva de objetos derivados de domínios semióticos diferentes exprime-
se em termos de conformidade a um mesmo sistema de restrições semânticas” (p.138). A
partir desse pressuposto, tentamos mostrar aqui como o domínio da música nessa igreja
também obedece ao mesmo sistema semântico do discurso batista.
Sobre a importância dada ao uso destes hinários, selecionamos as seguintes
formulações presentes na introdução destes:

Na presença de Deus foi preparada esta coleção de hino, e é apresentada ao


público acompanhada de orações para que sirva de estímulo e conforto aos fiéis,
de convite poderoso aos não salvos e de padrão de glória e louvor ao Deus Pai,
Filho e Espírito Santo (CC).

Temos a honra de apresentar ao povo de Deus de fala portuguesa o Hinário para o


culto cristão, obra que vem a lume após quase cinco anos de trabalho [incansável]
e dedicado de dezenas de servos e servas do Senhor Jesus Cristo. Chega às mãos
dos adoradores como um marco histórico: A celebração do primeiro centenário de
um dos mais apreciados hinários da cristandade no Brasil – o CANTOR
CRISTÃO. [...] Ao trabalho árduo de coletar, escolher, documentar e organizar o
material do hinário somou-se a busca espiritual da vontade de Deus quanto ao seu
conteúdo. Quem seremos e como cresceremos espiritualmente ao usá-lo?
Lembramos, também, que Deus deseja que o adoremos “em espírito e em
verdade” (Jo 4.24), que cantemos “com o espírito, mas também com o
entendimento” (1Co 14.15), aquietando-nos e sabendo que ele é Deus (Sl 46.10),
buscando a sua face (Sl 24.6) (HCC).

Os dois textos defendem que o uso dos hinários é importante nos cultos. O uso
de expressões como “trabalho incansável e dedicado”, “dezenas de servos e servas”,
“trabalho árduo”, “coletar, escolher, documentar e organizar” aponta para um sentido de
/Ação/ nesse discurso. Segundo o discurso batista, o cristão deve ser alguém atuante. O
“trabalho” na igreja é muito valorizado. Outra tese defendida é de que todo trabalho é feito
de acordo com a “vontade de Deus” e que é vontade dele que os cristãos cantem hino. E,
além disso, os hinários são descritos como “convite aos não salvos”. Isso se relaciona à tese
da necessidade de /Evangelização/.

40
Além dos textos introdutórios dos hinários, selecionamos um hino do CC a fim
de mostrar como este é regida pela mesma grade semântica do discurso batista.

O estandarte (CC – 456)

O estandarte desta igreja


Levantemos sem temor!
Ela é a muito amada esposa
Do bendito Salvador.
É Jesus o comandante
Verdadeiro, que a conduz.
Somos nós os seus soldados,
Nesta igreja de Jesus.

Resolutos, avançai,
Trabalhando por Jesus!
O estandarte levantai,
Espalhando a sua luz!

Ó igreja, dediquemos
Nossos corpos ao Senhor!
Não devemos ser escravos
Do sagaz enganador.
As riquezas são-nos dadas
Pela terna mão real,
E o Senhor do céu observa
Se fazemos bem ou mal.

Graça e glória a Ti pertencem,


Ó esposa do Senhor!
Sê então um instrumento
De salvar o pecador;
Pois até os fins do mundo
Cristo sempre reinará,
E o domínio do evangelho
Toda a terra abrangerá.

Na letra desse hino, estão afirmadas algumas teses que sustentam o discurso
cristão de uma forma geral. Deus é descrito como o senhor (juiz) que observa a conduta do
cristão (se faz bem ou mal). Em contrapartida, a figura é o “diabo” apresentada como
“sagaz enganador”. O cristão é advertido a tomar cuidado para não cair em nenhuma
armadilha, tomando cuidado para não se tonar um “escravo”. O não cristão é descrito como
“pecador” que precisa ser salvo. Para tal discurso, o mundo viveria em trevas e precisaria
da “luz” de Cristo.

41
Para esse discurso, a evangelização equivale a uma guerra. O cristão é chamado
de “soldado”, que deve trabalhar “resoluto” espalhando a “luz” e levando o estandarte. Esse
funciona como um guia para a tropa e como símbolo de conquista. Cristo é caracterizado
como o “comandante” desse exército. A sequência de verbos no imperativo (“levantemos”,
“dediquemos”, “avançai”, “levantai”), o uso da locução adverbial “sem temor” e as
expressões “soldados”, “comandante” funcionam na construção de um ethos guerreiro e
atuante. Levando em conta que segundo o discurso batista, eles são responsáveis pela
/Evangelização/ mundial, a letra da música enfatiza /Ação/ do cristão em pregar o
evangelho.
Além da letra da música, se, em uma análise “intersemiótica”, levarmos em
conta a melodia, veremos, por exemplo, que a sequência das notas lembram o ritmo de uma
marcha de guerra, o que funciona para a formação de um ethos guerreiro na música.

As marchas estão associadas à música militar. De acordo com Fred Dantas26,


mestre em música pela Escola de Música da UFBA, os turcos foram os primeiros a colocar
na frente de seus exércitos um estridente grupo de percussão. Desde então, a marcha
musical passou a ser associada ao deslocamento das tropas. Nas bandas militares, as
marchas lentas são para as solenidades e a rápida para situações de ataque. O ritmo da
música em análise é rápido e lembra o dos combates. Desse modo, na música em questão,
não só a letra está associada a esse ethos guerreiro como o ritmo da música contribui na
formação dessa imagem, que corrobora a tese de que todo cristão é um evangelizador. A
música analisada é, portanto, derivada de dois semas básicos do discurso batista: a /Ação/ e
a /Evangelização/.

26
http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/04/revista%20da%20bahia/Musica/filarmo.htm

42
2.5 Considerações Finais

Após essas discussões, podemos retomar a problemática apresentada no


capítulo anterior: como o discurso batista relaciona-se com os demais discursos
protestantes? Diríamos que está em uma relação de aparente neutralidade com os demais.
Aparente porque, embora esse discurso se inclua no grupo dos evangélicos, ele se propõe
como o genuíno e primeiro. Não que ele não reconheça a cristandade dos demais, mas se
julga como o mais verdadeiro, o que saiu “diretamente” dos ensinos de Cristo. E, por isso,
responsável pela /Evangelização/ mundial. Tais considerações levam a outra questão: o que
significaria ser cristão nesse discurso? Mais especificamente, no que diz respeito a nossa
pesquisa, o que significa ser uma “mulher cristã” nesse discurso?
Passaremos agora para o objeto principal da nossa pesquisa: verificar como a
revista Visão Missionária lê/filtra enunciados sobre o feminino a partir da grade semântica
batista.

43
44
CAPÍTULO 3

A REVISTA VISÃO MISSIONÁRIA

É claro que não se pode saber como o mundo é nem para onde ele vai
lendo as revistas que circulam entre nós. Mas, por outro lado, como
compreender as correlações que homens e mulheres estabelecem em seus
discursos sem verificar minimamente de onde esses discursos provêm,
como eles circulam e de que recursos se valem para serem consumidos?
(SÍRIO POSSENTI).

Uma mulher, na intimidade de seu quarto, pode escrever um livro ou um


artigo de jornal que a introduzirão no espaço público. É por isso que a
escritura, suscetível de uma prática domiciliar, é uma das primeiras
conquistas femininas, e também uma das que provocaram mais forte
resistência (MICHELLE PERROT).

De acordo com Corrêa27, a primeira revista de que temos notícia surgiu em


1663 em Hamburgo, chamava-se “Edificantes discussões mensais”. O autor explica que a
diferença entre a revista e o livro é a variedade. Na revista, o leitor pode ler apenas a parte
que mais lhe interessa. Mesmo que trate de um mesmo tema, ela é divida em artigos.
Segundo Corrêa, a primeira revista feminina da história foi criada em 1693 na França, a
“Mercúrio das Senhoras”, que apresentava a crônica da Corte, poesias e moldes de vestidos
e bordados.
Desde então, muitas revistas foram criadas, circularam e deixaram de circular,
dirigidas aos mais diversos públicos, de leigos a especialistas. Tais publicações constituem-
se como lugar de circulação de diferentes discursos, que mostram valores, comportamentos
e crenças de uma sociedade.
A respeito das revistas femininas, a historiadora Anne Higonnet (1991) afirma
que, a partir da década de 1830, elas se tornam cada vez mais populares, atingindo a uma

27
CORRÊA, T. S. Primeira parte de uma breve história das revistas. In:
http://cursoabril.abril.com.br/coluna/materia_84318.shtml Acesso em: 30 mar. 2011.

45
vasta audiência feminina. Conforme a autora, embora algumas sejam mais centradas em
moda, outras no governo doméstico ou ainda sobre o que fazer no tempo livre, todas
partilham fronteiras da feminilidade tradicional. Em tais publicações, as mulheres são
advertidas a melhorar a sua aparência física, a gerir seus lares de um modo mais eficiente e
econômico e a triunfar sobre a adversidade. Todavia, embora as leitoras sejam encorajadas
a dominar a sua situação pessoal, nunca são encorajadas a pô-la em questão.
Visão Missionária é uma publicação trimestral da União Feminina
Missionária Batista do Brasil, e funciona como meio educativo e prescritivo da igreja,
veiculando as regras e valores da doutrina batista. Acontece que tais valores são
atravessados por posições do discurso sobre o feminino. Em nenhum momento tais
posições anulam os valores ditos cristãos, mas são configuradas e ajustadas de acordo com
tais valores. Por exemplo, uma questão discutida nas revistas femininas de um modo geral é
como a mulher deve se comportar caso seja traída: ela deve se separar ou continuar na
relação? Em Visão Missionária, esse também é um tema discutido. A edição do primeiro
trimestre de 1994 publicou uma matéria sobre o assunto:

Certa noite, vários anos após Carlos haver saído de casa, meu telefone tocou. Era
outra mulher que, naquele momento, atravessava uma situação semelhante à
minha. Ao conversarmos, notei que poderia ajudar, não somente ela, mas também
a outras. Deus não havia me abandonado. Pela graça, eu conseguiria atravessar
aqueles terríveis pesadelos.
Aquele telefonema resultou num almoço semanal e dali um estudo bíblico com
três mulheres em situações semelhantes. Mais tarde, já éramos doze. Reuníamo-
nos para nos apoiar mutuamente e estudar a Bíblia.
Na medida em que me dispus a estender minha mão e ajudar outros em seus
sofrimentos, minha própria dor foi curada e esquecida.

O texto defende que a experiência de ser traída fez com que a mulher pudesse
ajudar outras mulheres na mesma situação. Essa posição de aceitar os problemas como um
desígnio divino é uma posição típica do discurso cristão. Para esse discurso, tudo acontece
por vontade de Deus e para o bem dos fiéis. Esse propósito divino é interpretado pelo
discurso batista como uma oportunidade para que a mulher aja no mundo. Tal /Ação/ é no
sentido melhorar a /Formação/ cristã de outras mulheres, na medida em que elas se reúnem
para fazer estudos bíblicos. Além disso, essa /Ação/ também se relaciona à /Evangelização/,
uma vez que, nesse discurso, o “estudo bíblico” está relacionado à prática do evangelismo.

46
Destarte, de acordo com o discurso batista, a mulher que passou pela experiência de ser
traída, pode superar tal experiência, vendo-a como uma oportunidade de /Ação/.
Convém ressaltar que embora as recomendações apresentadas em Visão
Missionária possam por hipótese ser aplicadas por mulheres de diversas igrejas
protestantes, a leitora “ideal” da revista é uma batista. Isto é, uma mulher que seja batizada
em idade adulta por imersão.

3.1 União Feminina Missionária Batista do Brasil

Desde o início da igreja Batista no Brasil, as mulheres da denominação têm se


reunido para realizar atividades como orações, estudos bíblicos e trabalhos sociais,
formando, assim, as primeiras Sociedades Femininas Batistas. Em 1908, foi organizada a
União Missionária das Senhoras Batistas do Brasil, com o intuito de organizar
nacionalmente o trabalho das sociedades femininas. Concernente a essas sociedades,
selecionamos o seguinte texto publicado em 1923:

O que é a Sociedade: A Sociedade de Senhoras de uma egreja baptista é uma


organização composta de senhoras membros da egreja. Seu fim é promover e
organizar o trabalho das senhoras. Como parte que é da egreja, ella procura
auxiliar o pastor no que fôr necessário: visitar os interessados no Evangelho, os
enfermos, os que estão em tristeza e isolados, socorrer os necessitados, dar boas
vindas aos que visitam a egreja, emfim procurar em tudo auxiliar a egreja (RTS28,
1923)

Em 1933, na comemoração do jubileu de prata da organização, essa já contava


com pessoas que dedicam tempo integral ao trabalho, com cargos de tesouraria e diversas
secretarias. A partir de 1963, a organização passou a se chamar União Feminina
Missionária Batista do Brasil (doravante UFMBB). Segundo Elza Andrade, editora de
Visão Missionária, esse nome condiz com o ideal da organização: “Feminina porque não é
só para as senhoras, mas abrange todo o elemento feminino” e “Missionária, porque a sua
razão de ser é Missões” (VM, 2T98, p.11).
Dentro da organização, o chamado elemento feminino é dividido em quatro
grupos de trabalhos. Cada grupo tem uma publicação específica. Assim, as crianças são os
28
Revista de Trabalho para Senhoras Baptistas

47
Amigos de Missões com a revista Sorriso; as meninas e adolescentes até os 16 anos de
idade são as Mensageiras do Rei e contam com as revistas Aventura Missionária e Você
Adolescente; as jovens estão no grupo Jovens Cristãs em Ação e contam com a revista
Desafio Missionário; e, por fim, as senhoras formam o grupo Mulheres Cristãs em Ação
(doravante MCA) e têm a revista Visão Missionária.
O grupo da MCA define-se como uma organização ligada às mulheres da igreja
“ou não”, na qual as mulheres têm a oportunidade de:

1. Envolver-se em missões através de estudos e ofertas e participação em


atividades;
2. Dedicar seus talentos na ajuda ao próximo através de ação de amor e da
proclamação do evangelho;
3. Capacitar-se para sua missão de esposa e mãe;
4. Aperfeiçoar-se física, espiritual e emocionalmente,
5. Desenvolver organizações missionárias para crianças, meninas e jovens.

A análise dessas metas em termos de Semântica Global mostra que o sema


fundamental que as regula é /Ação/. Todas as metas relacionam-se a um tipo de ação da
mulher cristã. Do sema /Ação/ dois outros são derivados: /Evangelização/ e /Formação/.
Nas metas, a /Evangelização/ é o tema central. A missão de converter o mundo a sua fé é
um tema comum ao discurso religioso. Cada posicionamento atribui-se a vocação de salvar
a alma do Outro. Ademais, a /Formação/ também é descrita como fundamental no discurso
batista. A mulher deve “capacitar-se” e “aperfeiçoar-se”, ações que requerem uma
preparação.
Sobre a organização da UFMBB, a secretária de Visão Missionária afirma:

O progresso que verificamos hoje é fruto do amor e dedicação de irmãs que, em


todo o Brasil, têm empregado muito do seu tempo e esforço nesta causa. Tudo
isso foi possível graças à mão poderosa de Deus sobre a UFMBB, A Ele, pois,
todo honra e toda glória! Amém (VM, 2T1988, grifos nossos).

Essa afirmação também se relaciona ao sema /Ação/, principalmente, no que


diz respeito à /Formação/. A necessidade de preparo no trabalho é vista como uma das
especificações das mulheres que trabalham na UFMBB: são dedicadas, empregam muito
tempo e esforço. Mesmo que o mérito final da constituição e consolidação da organização
seja atribuído a Deus, a /Ação/ de cada uma é valorizada.

48
3.2 Sobre Visão Missionária

Em 1922, a União Feminina Missionária lançou o seu primeiro periódico


intitulado Revista para o trabalho de Senhoras Baptistas. Tal publicação propunha-se a
suprir a falta de uma literatura que contivesse programas para as reuniões mensais das
sociedades femininas. Apresentamos a seguir o sumário da edição do primeiro trimestre de
1923:

SUMMARIO
Padrão de Excellencia ............................................................................................................... 4
A Sociedade de Senhoras .......................................................................................................... 6
O Dízimo á luz do Novo Testamento ....................................................................................... 7
O Evangelho em Portugal ......................................................................................................... 10
Sociedade de Crianças
Programma N.1 ......................................................................................................................... 12
Programma N.2 ......................................................................................................................... 14
Programma N.3 ......................................................................................................................... 16
Sociedade de Jovens
Programma para Janeiro ............................................................................................................ 19
Programma para Fevereiro ........................................................................................................ 21
Programma para Março ............................................................................................................. 22
Sociedade de Senhoras
Programma para Janeiro ............................................................................................................ 24
Programma para Fevereiro ........................................................................................................ 27
Programma para Março ............................................................................................................. 30
Estatutos para as Sociedades de Senhoras.................................................................................. 32

Esse sumário mostra que o objetivo principal da publicação era a programação


das reuniões e cultos das sociedades femininas de crianças, jovens e senhoras. Com o
passar do tempo, a organização criou novas publicações. As crianças e jovens passaram a
ter publicações específicas. E, em 1967, a revista de senhoras passou a se chamar Visão
Missionária. Acerca da mudança do nome da revista, foram apresentadas as seguintes
justificativas:

49
Por que Visão Missionária?

É um título mais expressivo – O novo nome distingue melhor o objetio principal de nossa organização.
Através dos tempos, o ideal missionário tem animado as valorosas irmãs batistas, que dão seu irrestrito e
caloroso apoio ao trabalho de missões no mundo. O título de sua revista, portanto, fala de algo que tem sido
uma constante no coração das senhoras.
É um título mais atraente – Visão Missionária é um título que atrai e que apela ao nosso coração.
É um título mais interessante – A tendência atual, no campo jornalístico, é para títulos mais curtos, com
menor número de palavras. O novo nome está dentro deste requisito técnico, sendo mais interessante e mais
atualizado.
(VM, 1T1967)

Essas justificativas são derivadas de dois semas do discurso batista,


/Evangelização/ e /Integração/. Uma justificativa é de que o nome foi alterado, porque o
novo título relaciona-se à causa da /Evangelização/ defendida nesse discurso. Além disso,
outra justificativa é que o título precisava ser mais atraente, atualizado e interessante,
seguindo “a tendência atual”. Nesse sentido, há uma posição de /Integração/ com a
atualidade. Os batistas defendem uma contextualização no mundo, embora tal
contextualização seja moderada pela doutrina cristã.
Apresentamos, a seguir, o índice da primeira edição da revista sob o nome de
Visão Missionária:

Índice
Págs.
1. Por Que VISÃO MISSIONÁRIA? ................................................................ 1
2. Façamos Bem a Todos ................................................................................... 2
3.“Papai, pode trazer as minhas mãozinhas? ............................................ ........ 3
4. O novo curso de liderança...................................................................... ........ 4
5. As mulheres batistas em Portugal ....................................................... .......... 5
6. Nossos escritores ................................................................................... ........ 7
7. O amor de Deus – Janeiro-Fevereiro – Março ...................................... ........ 8
8. Janeiro – Atividades do mês ................................................................. ........ 9
9. Janeiro – Programa “O Amor de Cristo nos constrange? ..................... ........ 10
10. Fevereiro - Retribuindo esse grande amor .......................................... ........ 12
11. Semana de Orações Pró Missões Mundiais “Em sacrifício vivo”....... ........ 15-37
13.Um plano de atividades cristã para a Semana em Foco................................. 40
14. Janeiro – A chamada ao Serviço de Missões ...................................... ........ 41
15. Fevereiro – Meu melhor para o mestre................................................ ........ 44
16. Março – Semana de oração pró Missões Mundiais – “Em sacrifício vivo” . 15-37
Inscrição – A mensagem Missionária da Bíblia

Esse índice mostra que os temas abordados no periódico são relativos


prioritariamente ao tema de Missões. Todos os artigos tratam dessa questão. Ainda que

50
neles possamos encontrar enunciados acerca do papel do feminino, a ênfase está no serviço
missionário. Ao longo dos anos, a revista passou por diversas mudanças, “integrando-se”
um pouco mais ao estilo de revistas femininas de um modo geral. Hoje, o tema prioritário
de Visão Missionária ainda são as “Missões”, entretanto, a publicação aborda diferentes
questões relacionadas à vida da mulher no seu cotidiano por um viés do discurso batista.
Nesse sentido, a revista aborda temas típicos das revistas femininas (como por exemplo, a
questão da traição), mas esses temas são tratados de acordo com a semântica batista (a
experiência de ter sido traída pode fazer com que a mulher pudesse ajudar outras mulheres).
O grupo da MCA se reúne em suas igrejas locais semanalmente ou
mensalmente e estuda Visão Missionária. Os exemplares são organizados em diferentes
seções, são elas: o editorial, atualmente assinado por Elza Andrade, coordenadora Nacional
da MCA; a seção de cartas de leitoras, que apresenta, além das cartas, fotos das sociedades
femininas espalhadas pelo Brasil; a seção intitulada Gente Nossa, que traz biografias
mulheres ligadas à história da UFMBB; a seção programas especiais, com sugestões de
peças, jograis e poesias para a comemoração das mais variadas datas e festividades; a seção
de estudos mensais, que devem ser realizados durante as reuniões das mulheres na igreja; a
seção liderança e a seção terceira Idade. Além destas, a revista tem também seções que
tratam de beleza, saúde, artesanato, culinária e atualidade. Na seção atualidade, são tratados
diversos temas como, por exemplo, Reencarnação e comunicação com os mortos (VM,
1T1995), Brasil, 500 anos (VM, 2T2000), Fidelidade conjugal em tempos de AIDS (VM,
4T2000), Clonagem humana (VM, 1T2003).
No geral, a estruturação das edições é muito parecida, os assuntos e temas
tratados são apresentados em uma ordem mais ou menos fixa. Há uma regularidade nos
temas tratados em cada trimestre de acordo com as datas comemorativas do ano. Assim, nas
edições do primeiro trimestre, geralmente, há artigos relacionados ao Dia internacional da
mulher e o encarte com a programação de missões mundiais de acordo com o calendário da
Junta de Missões. Nas edições do segundo trimestre, os temas são Dia do Pastor, Dia das
mães, Páscoa, Dia da Educação Cristã Missionária (23 de junho) e o mês da Família
(maio). Nas edições do terceiro trimestre, há programações para o Dia dos pais e o anexo
de missões nacionais. E, por fim, nas edições do quarto trimestre, os temas são Dia da

51
Bíblia (2º domingo de dezembro), dia do professor, Dia Batista de Oração Mundial
(Baptist Women’s World Day of prayer – 1 de novembro), Natal e Ano novo.
Considerando a regularidade da disposição da revista, julgamos que a descrição
de um exemplar seja suficiente para que o leitor possa se familiarizar com a revista em
questão. E, além disso, tendo em vista que partimos da hipótese de que toda e qualquer
produção do discurso batista é regida pelo mesmo sistema de restrições semântica, a
descrição de um exemplar é suficiente para explicitar alguns aspectos do funcionamento
desse discurso.

3.3 Descrição de um exemplar

O exemplar escolhido, aleatoriamente, foi o do segundo trimestre de 2004. O


tema central deste exemplar é a família. Na capa, aparece a imagem de uma família
encostada em uma árvore. O pai e a mãe mais abaixo e os filhos (dois meninos) sentados
nos galhos na árvore. Todos sorriem. No canto superior direito, aparece o símbolo da
Convenção Batista Brasileira e o símbolo da UFMBB. Abaixo, o nome da revista Visão
Missionária. Nesta edição, as chamadas da capa são as seguintes: Família: vale a pena
investir!; Filhos de pastores; Os batistas no mundo; Como organizar uma viagem
missionária; Conceito bíblico de idoso; O ministério indo...; O envolvimento das mulheres
em educação cristã missionária.
Na contracapa da edição, aparece o anúncio do 8º Congresso Nacional da
UFMBB. O índice é está na primeira página. A página 2 é dedicada às cartas de leitoras e
às fotografias de reuniões de algumas reuniões de senhoras batistas. Na página 3, está o
editorial, assinado por Elza Sant’Anna do Valle Andrade, redatora e editora da revista e
também coordenadora nacional da MCA. Do lado direito da página, aparece a ficha da
UFMBB com os cargos da instituição e os respectivos responsáveis por eles. Abaixo, a
seguinte descrição: “VISÃO MISSIONÁRIA é uma publicação trimestral da União
Feminina Missionária Batista do Brasil, órgão da Convenção Batista Brasileira”.
As três páginas seguintes são dedicadas à seção Gente nossa. Essa seção
apresenta a biografia de uma mulher que tenha sido atuante na UFMBB. Nesta edição, é

52
apresentada a biografia de Darcília Moreira Pereira. Nas páginas seguintes, aparecem três
textos: “A mãe que se tornou mãe”, dedicado ao Dia das mães; “A importância da educação
religiosa cristã formal” e “Dia do homem batista”, comemorado no 2º domingo de junho.
A seguir, aparece uma longa reportagem de quatro páginas intitulada “Filhos de pastores”.
Uma das seções fixas da revista é a dedicada à Terceira idade. Nesta edição, a
reportagem de três folhas é intitulada “Conceito Bíblico de Idoso”, de autoria de um
Gerontólogo. Outra seção fixa é a dedicada à Atualidade. Nesta edição, o tema tratado é o
horóscopo: “O que os “astros” orientam nos horóscopos?”, assinado por um pastor. A
seguir, aparece a seção saúde, desta vez tratando de duas questões: “Lesões orais e
periorais” e “A saúde do bebê”. O primeiro texto é assinado por uma cirurgiã dentista e o
segundo foi extraído do livro A saúde do Bebê do Dr. Joel de Souza. Após essa seção,
aparece a de Beleza, que aborda, nesta edição, os benefícios da massagem. Em seguida, a
seção Culinária, com três receitas, e a de Artesanato, ensinando a fazer enfeites de geladeira
de biscuit. A seguir, aparece uma propaganda do Centro integrado de educação de Missões
(CIEM) e do Seminário de educação cristã (SEC).
As páginas 24 e 25 são dedicadas à seção Denominação Batista, com o texto
“Os batistas no mundo”, de autoria de um historiador. Esta não é uma seção fixa, porém é
muito recorrente. As páginas 26 a 28, 32 a 34 e 35 a 39 são dedicadas ao tema de Missões.
Nestas, são apresentados três textos: “Jubileu de Outro: amizade em família”; “O ministério
indo...”; “Como organizar uma viagem Missionária”. Da página 29 a 31, a seção Histórico,
que, nesta edição, narra a história da UFMBB do Pará.
A cada edição a revista apresenta três estudos. Um para cada mês. Nessa
edição, os estudos são: “Mulheres impactadas pelo amor de Deus”, de autoria de uma
pedagoga; “Família: vale a pena investir”, de autoria de uma educadora religiosa e “O
envolvimento das Mulheres em Educação Cristã Missionária”, de autoria de uma professora
do Seminário de educação cristã. Além desses, são apresentados outros textos: uma
biografia, “Ida de Freitas Dias Pereira: vida que inspirou e edificou vidas”; e um texto sobre
Educação Cristã Missionária – “Reflexões sobre a farinha e o azeite”.
O periódico apresenta também uma série de sugestões de programações para o
trimestre: dois jograis “O Dia do Pastor” e “Ação da mulher cristã”, três peças: uma para o

53
dia das mães, uma sobre o resgate de valores e outra para comemoração de aniversário de
15 anos; um programa especial para um culto do bebê e uma sugestão de atividades para
serem desenvolvidas no mês da família. Além disso, há cinco poesias que aparecem entre
os textos, “Esposa de pastor”, “O pastor de almas precisa ter”, “Quando”, “Mulher” e
“Quem é está?”.
Há ainda duas páginas dedicadas ao planejamento das programações a serem
realizadas durante o trimestre. A última página da revista traz a lista de endereço de
distribuidores da literatura da UFMBB por todo país. Na contracapa final, aparece uma
propaganda da revista Musicológica Brasileira e, na seguinte, uma propaganda da
campanha em prol do dia da Educação Cristã Missionária.
Em números, Visão Missionária é divida da seguinte forma:

Tabela 3: Distribuição das páginas da Revista Visão Missionária em relação aos


assuntos tratados
Tema Total de páginas
Índice, editorial e distribuidores 3 4%
Cartas e fotos de leitoras 1 1%
Biografias 3 4%
MCA 4 6%
Educação Religiosa 7 10%
Terceira Idade 3 4%
Atualidade 5 8%
Saúde 2 3%
Beleza 1 1%
Culinária 1 1%
Artesanato 1 1%
Propaganda 3 4%
Denominação Batista 5 8%
Missões 11 16%
Programações especiais 11 16%
Estudos 9 13%
Total 67 100%

Em gráfico, teríamos:

54
Quadro 2: Distribuição das páginas de Visão Missionária em relação aos temas tratados

Estudos 13%
Programações especiais 16%
Missões 16%
Denominação Batista 8%
Propaganda 4%
Artesanato 1%
Culinária 1%
Beleza 1%
Saúde 3%
Atualidade 8%
Terceira Idade 4%
Educação Religiosa 10%
MCA 6%
Biografias 4%
Cartas e fotos de leitoras 1%
Índice, editorial e distribuidores 4%
0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% 16% 18%

3.4 Visão Missionária e o funcionamento da Semântica global batista

Conforme a proposta de Maingueneau (2008), nos discursos não há uma


estrutura profunda e outra superficial, mas os diferentes planos discursivos devem ser
levados em conta, uma vez que integram, ao mesmo tempo, a significância e são regulados
pelo sistema de restrições do discurso. Tendo isso em vista, realizamos algumas
considerações a respeito dos planos discursivos de Visão Missionária.
Em termos de dêixis, as cenas de enunciação29 que aparecem na revista são
variadas. As cenografias e cenas genéricas estão de acordo com o esquema de composição
das revistas femininas de um modo geral. Há receitas, artigos, anúncios, cartas de leitoras.
Porém, na maioria das vezes, essas cenas genéricas e cenografias remetem à cena
englobante do discurso religioso. Obedecem, pois, ao sistema de restrições do discurso
batista. Já os estudos não compõem as revistas femininas. Esse é um gênero típico de

29
Maingueneau (2006a) propõe que um texto, enquanto rastro de discurso, pode ser analisado em termos de
“cena de enunciação”. O autor propõe que essa cena é formada por três planos complementares: a cena
englobante, que se refere ao tipo de discurso, a cena genérica, relativa ao tipo de gênero, e a cenografia,
construída no próprio texto.

55
discursos didáticos. Tais estudos estão ligados ao sema /Formação/. Salientamos, no
entanto, que não só esses estudos, mas a própria existência da revista está ligada a esse
sema. Essa publicação tem um caráter pedagógico/formativo. O seu objetivo é doutrinar as
mulheres batistas.
No que concerne ao estatuto dos enunciadores na revista, esses são
caracterizados como crentes inspirados, porém devidamente preparados para isso. No
exemplar descrito, a formação profissional dos autores é enfatizada: gerontólogo, pastor,
dentista, médico, historiador, pedagoga, professora. Entretanto, além de sua formação
profissional, em Visão Missionária, enunciadora e coenunciadoras são interpeladas como
instrumentos de Deus.

E nós somos o instrumento divino na prática de tão sublime tarefa (VM, 2T1991).

A figura de Deus é tomada como fiadora do discurso. Ele é apresentado como o


verdadeiro Enunciador, como indica uma carta enviada à revista:

Eu me alegro porque sei que Deus me ama e põe no meu caminho coisas tão
boas, como as pessoas que escrevem esta revista, pessoas consagradas que
recebem a Visão de Deus (VM, 2T1998, grifo nosso).

Na carta, a leitora realiza um jogo de linguagem com a palavra “Visão”, tanto


no sentido de “Visão” como o nome da revista quanto de “Visão” enquanto uma inspiração
divina – a vontade de Deus. A leitora reconhece o caráter instrumental daqueles que
escrevem na revista, porém, esse é um instrumental consagrado. Esse adjetivo aponta para
uma preparação. Não é apenas uma inspiração, mas se exige desse “instrumento” uma
consagração – uma preparação, posição que retoma a importância que os batistas dão à
educação, à /Formação/. Eles atribuem a Deus a honra pelo trabalho, contudo enfatizam a
importância da preparação daqueles que escrevem, como mostra o excerto a seguir:

Esta é a história de uma mulher cristã que se entregou nas mãos de Deus para
fazer a sua vontade e ele a tornou uma das maiores líderes do trabalho feminino
no Brasil. Foi preparada para ser um vaso muito precioso e até o fim da sua vida
não vacilou nem temeu, porque sabia a quem servia e ao seu Deus deu toda a
glória (VM, 2T1983, grifo nosso).

56
A mulher é descrita como um “vaso preciso” e “uma das maiores líderes do
trabalho”, todavia, para tanto, ela passou por uma preparação. Assim, mesmo que os
enunciadores sejam tomados como instrumentos de Deus, devem se preparar para isso,
passando por um processo de /Formação/.
As responsáveis por Visão Missionária são mulheres que têm uma formação
específica, geralmente adquirida em cursos oferecidos pela própria denominação em duas
escolas para mulheres: o Instituto Batista de Educação Religiosa (IBER), hoje, Centro
Integrado de Educação e Missões (CIEM) e o Seminário de Educação Cristã (SEC). A
importância dada à educação feminina cristã é tão enfatizada, que a cada ano é realizada
uma campanha com esse fim. Chamamos a atenção para a apresentação que a revista faz de
uma das autoras:

Esposa do pastor Francisco Machado Rodrigues, da Segunda Igreja Batista de


Rio das Ostras, RJ, Celma do Nascimento é pós-graduada em Psicopedagogia
Institucional e Clínica. É também bacharel em Teologia e tem ainda outras
especializações, entre as quais, pós-graduação em Educação religiosa pelo antigo
Instituto Batista de Educação Religiosa (IBER), hoje Centro Integrado de
Educação e Missões (CIEM) (VM, 4T2008).

Há uma grande ênfase na /Formação/ dessa autora. Ela tem uma formação
secular específica (Psicopedagogia Institucional e Clínica), mas também uma /Formação/
batista (pós-graduação no Instituto Batista). É, nesse sentido, um sujeito autorizado nesse
discurso.
Destarte, quanto aos ritos genéticos, isto é, “o conjunto de atos realizados por
um sujeito em vista de produzir um enunciado” (MAINGUENEAU, 2008, p.132), nesse
discurso, o enunciador deve ser preparado em uma das instituições de ensino batista. O
enunciador típico é aquele que tem uma /Formação/ batista. Para poder inscrever-se nesse
discurso, e produzir enunciados é necessário ter uma formação cristã específica. E tal
/Formação/ é um pré-requisito para ser um “instrumento” de Deus.
Quanto ao modo de coesão de um discurso, Maingueneau (2008) propõe que
cada discurso tem seu modo de encadeamento, com sua maneira própria de construir “seus
parágrafos, seus capítulos, de argumentar, de passar de um tema a outro” (p.96). Em Visão
Missionária (conforme veremos no capítulo VI), o modo de encadeamento é marcado por

57
um grande número de citações, particitações30 e comentários de textos bíblicos. Propomos
que está na própria constituição desse discurso a necessidade de repetir os textos, uma vez
que é um posicionamento filiado a um discurso constituinte, e, portanto, apresenta-se como
derivado de uma Fonte transcendental (Deus) e verdadeiro interpretante do livro Sagrado (a
Bíblia). Nesse sentido, as constantes citações funcionariam como um recurso para tentar
evidenciar que não foge das Escrituras. O enunciador desse discurso (e também seus
coenunciadores) deve mostrar que tem uma boa /Formação/ cristã no sentido de
(re)conhecer as Escrituras, podendo interpretá-la e defendê-la.

3.5 Visão Missionária e as revistas femininas em geral: uma comparação

Para quem está acostumado às revistas femininas em geral, talvez a primeira


surpresa seja a quantidade e tamanho dos textos. A grande maioria dos textos publicados
em Visão Missionária tem no mínimo uma página de extensão. São textos geralmente
longos. A publicação apresenta poucas figuras e gravuras, que, na grande maioria das
vezes, são pequenas ou aparecem no plano de fundo. Essa é uma revista que exige,
portanto, que o leitor dedique um certo tempo para a leitura dos artigos. É uma revista de
/Formação/.

3.5.1 Os anúncios

Outro aspecto que talvez cause estranhamento à leitora das revistas femininas
em geral é o pequeno número de páginas dedicado à publicidade em Visão Missionária.
Fonseca-Silva (1999), em pesquisa acerca a revista Cláudia, afirma que nesta publicação
24% das páginas são dedicadas à publicidade. Segundo a autora, a quantidade de páginas

30
Maingueneau (2006a) propõe que há um sistema particular de citação, a “particitação”, que une citação e
participação. Enquanto a citação é um corte de um fragmento, que explícita sua fonte e é inserido em outra
situação de comunicação; a particitação exige que os coenunciadores reconheçam que há uma citação sem que
o enunciador indique qualquer fonte ou utilize um verbo dicendi, além do fato de que esse enunciado citado
também pode sofrer algumas modificações. Ao particitar, o enunciador mostra sua adesão à comunidade
discursiva ligada a um Thesaurus e espera que seu coenunciador, que também pertence a essa comunidade,
seja capaz de reconhecer o enunciado citado sem que se explicite que se trata de uma citação.

58
dedicadas a anúncios publicitários demonstra que esses, além de venderem o produto e
apoiarem financeiramente a publicação, vendem também uma imagem da mulher que
consome esses produtos, imagem relacionada aos temas tratados. Nas palavras da autora,
“os anúncios publicitários que são veiculados na revista [Cláudia] estão relacionados aos
temas e assuntos que são apresentados. Existe, na realidade, uma complementariedade entre
reportagens e anúncios” (FONSECA-SILVA, 1999, p.47).
A análise dos anúncios em Visão Missionária indica que essa relação também
é estabelecida. Os anúncios veiculados estão relacionados também aos temas recorrentes na
revista. Nesta publicação, apenas 3% das páginas são dedicadas a anúncios, os quais se
dividem em, no máximo, três tipos: anúncio de algum congresso ou reunião da UFMBB,
anúncio de alguma campanha evangelística ou pela educação cristã e anúncios de livros e
periódicos da editora da UFMBB ou de outras editoras batistas. A presença desses anúncios
aponta para três posicionamentos em relação à mulher cristã:

(i) A mulher deve participar das atividades ligadas à UFMBB;


(ii) A mulher deve contribuir com a obra missionária e com a educação cristã
(iii) A mulher cristã deve ter uma boa formação cristã.

A grande frequência de anúncios de literatura na revista aponta para duas


questões: uma de mercado, o próprio sustento da editora que vive do comércio desses
livros. Assim como nas revistas femininas em geral os anúncios são o sustento financeiro
da revista, em Visão Missionária, a venda da revista e dos demais livros mantém a editora.
Outra questão é a importância que os batistas dão à leitura. Como já foi discutido no
primeiro capítulo, a questão da interpretação foi fundamental na Reforma Protestante. A
partir do momento que a salvação passou ser da alçada do indivíduo, cada um tem a
responsabilidade pessoal para com a sua alma e a leitura da Bíblia passa a ser fundamental.
Nesse sentido, a venda de livros ligados à igreja Batista aponta para esse posicionamento de
responsabilidade pessoal da /Formação/ de cada batista. Essas sugestões/exigências de
leituras são derivadas da semântica global do discurso batista que defende a /Formação/ do
cristão.

59
Nossa análise indica que os anúncios de literatura veiculados em Visão
Missionária mostram uma posição do discurso batista em relação à prática da leitura.
Nestes anúncios, aparecem formulações como:

(1) Livro, o retorno é certo. A leitura é o investimento mais seguro e garantido


que você pode e deve fazer agora, por um custo infinitamente baixo. Leia e dê
livros de presente. União feminina tem tudo para você começar a investir já (VM,
3T1991, grifos nossos).

(2) O que você ganhou ano passado? Se você quiser ser lembrada por muito
tempo, ofereça algo que marque a vida de quem você ama. Presenteie com livros.
As festas vêm, as festas vão. Mas os livros ficam com a influência que deixam e
as lembranças que provocam (VM, 4T1992, grifos nossos).

(3) E a família, como vai? A vida em família é um caminho nem sempre tão
fácil e agradável. Para ultrapassar as dificuldades e vencer os conflitos é
necessário regar o lar com muito amor e boa informação. Plante valores e
conceitos cristãos com uma leitura especializada. Adquira e leia a série Família
Feliz (VM 2T1993 grifos nossos).

(4) O caminho certo para seu filho. Você é responsável pelo desenvolvimento
espiritual de seu filho até que ele possa ser capaz de responder por ele mesmo
perante Deus. Este livro é um guia prático para ajudar os pais a conduzir os
pequeninos no caminho do Senhor (VM, grifos nossos).

(5) Bons livros preparam a família cristã para a boa obra. Aproveite a ênfase
missionária destes meses e coloque à disposição de sua família livros de grande
valor! São livros que substituem, na mente e no coração, as emoções ilusórias de
falsos heróis pelas experiências reais e edificantes de grandes homens e mulheres
de Deus (VM, 3T1985, grifos nossos).

(6) Invista em cultura para sua família. Neste natal presenteie com os livros da
UFMBB (VM, 4T1995, grifos nossos).

Nessa publicação, o livro é caracterizado como “o retorno certo”, “o


investimento mais seguro e garantido”, o “guia prático”, que influencia, que deixa
lembranças, que ajuda os pais na criação dos filhos, que “prepara a família para a boa
obra”, que tem “grande valor”. A leitura de livros ligados à igreja é vista, então, como
prática benéfica e necessária na preparação do cristão para a vida. No entanto, é preciso
ressaltar que não é toda e qualquer leitura que é indicada, mas a da literatura de caráter
batista. As outras leituras são avaliadas como livros que tratam de “emoções ilusórias de
falsos heróis”. Com isso, a leitora é advertida a tomar cuidado com o que lê, para que não
se afaste da “verdadeira” fé. Essa posição também se relaciona ao funcionamento típico dos
discursos constituintes. Como já foi dito, cada posicionamento de um discurso constituinte

60
se propõe como o verdadeiro. Logo, as produções de outros posicionamentos do mesmo
campo são lidas sempre como enganosas e equivocadas.
Além dos anúncios de livros, há também reportagens acerca da importância da
leitura, como a intitulada “Livros um bom presente”, veiculada no quarto trimestre de 1995.
No artigo, o autor apresenta uma série de razões para que o leitor compre livros ao invés de
outros presentes no natal: “o livro não é um produto descartável como o videogame, que
cansa, um carrinho, que enjoa ou uma boneca que envelhece”; “o livro é por natureza um
estímulo ao pensamento, mesmo quando não lido. Quem vive entre livros (uma estante)
está sempre desafiado a lê-los e pensar”; “quando lido, o livro é um estímulo ao
desenvolvimento da consciência crítica, capaz de nos fazer mais felizes e mais cidadãos”.
Logo a seguir, a revista apresenta um anúncio de duas páginas sobre a literatura oferecida
pela UFMBB que complementa a matéria. Esse anúncio mostra que não é qualquer leitura
que é recomendada, mas a leitura de livros batistas, mais especificamente, da UFMBB.
Como já discutimos no capítulo 2, Maingueneau (2008) afirma que há um laço semântico
entre discurso e instituição. A ênfase na importância da leitura exemplifica esse laço no
discurso batista. Todo o tempo a /Formação/ é defendida e valorizada em Visão
Missionária, a qual, por sua vez, existe por conta dessa necessidade de /Formação/ cristã.
Aliás, a própria existência da UFMBB e da sua editora está baseada nessa necessidade de
/Formação/.
Além disso, Visão Missionária defende que a compra de livros relativos à
igreja é mais importante do que, por exemplo, a compra de itens de vestuário:

Achamos caro adquirir livros para ajudar no estudo bíblico, mas muitas pessoas não
titubeiam em comprar um novo par de sapatos, só para combinar com um novo par
de sapatos, só para combinar com determinada roupa... Em pouco tempo os sapatos
se acabam, mas os conhecimentos e a inspiração dos livros perduram em nossas
vidas, na vida dos filhos e na de quantos se relacionam conosco. São livros valiosos
no esclarecer, no orientar, no ajudar a compreender certos fatos e afirmativas
desconhecidas. (VM, 2T1990).

A revista propõe o estudo dos livros relativos à igreja. O “conhecimento”


adquirido pela leitura desses é avaliado como duradouro. A comparação de Visão
Missionária com outras revistas femininas mostra que, nas outras, a mulher nunca é

61
advertida a deixar de comprar um item que contribua para o seu embelezamento (como um
par de sapatos) a fim de comprar um item para sua formação (o livro).
Uma das posições relativas ao discurso sobre o feminino é que a beleza da
mulher é seu maior bem ou trunfo. As revistas femininas defendem que a mulher deve ser e
se manter bela a qualquer custo e em qualquer situação. Em Visão Missionária, a mulher
também é advertida a cuidar de sua beleza, como discutiremos no quinto capítulo. Contudo,
a /Formação/ cristã é avaliada como mais importante que a beleza. De um modo geral, a
publicação defende as mesmas posições sobre o feminino, entretanto, tais posições são
reguladas pelo discurso batista.
Além de anúncios de livros, outro tipo de propaganda veiculada em Visão
Missionária é o de congressos e eventos da UFMBB. Sobre este, selecionamos alguns
slogans de congressos:

(1) Mulher cristã para este tempo (VM, 3T1987).


(2) Mulheres Cristãs qualificadas para o Novo Século (VM, 3T2000).
(3) Celebremos e prossigamos cumprindo a Missão (VM, 1T2008).

Nesses slogans, também estão em funcionamento os semas da semântica global


batista: a /Integração/, a /Ação/ e a /Evangelização/. A mulher é convidada a participar
desses eventos, a fim de se qualificar para o tempo em que vive. A revista defende uma
contextualização da mulher. Tal contextualização não é no sentido de misturar-se, mas no
sentido de integrar-se ao mundo, a fim de mudá-lo, segundo a doutrina cristã. A mulher
deve agir no mundo (no tempo em que vive) de forma a alcançar o mundo pela
/Evangelização/. Os três semas estão, assim, inter-relacionados: a mulher deve integrar-se
ao mundo, a fim de agir na sua evangelização.
O terceiro tipo de anúncio que aparece em Visão Missionária são os das
campanhas evangelistas e pela educação cristã. Desse tipo, selecionamos o seguinte
anúncio veiculado no primeiro trimestre de 1999. Do lado esquerdo do anúncio, aparece a
imagem do rosto de uma mulher que sorri, e, acima da imagem, o tema do anúncio:

62
Programa Priscila31. Ao lado, aparece, em plano de um fundo, a imagem pintada de outra
mulher e, acima desse plano de fundo, o seguinte texto:

O Programa Priscila da Junta de Missões Mundiais foi criado


especialmente para você, mulher cristã. Embora tenha vivido há séculos passados,
Priscila se parecia muito com você.
Mulher ativa, Priscila era quase perfeita. Como você, ela sabia
muito bem como aproveitar o seu tempo dividindo-o entre as atividades
profissionais, domésticas e eclesiásticas. Administrava o lar, cuidava do esposo,
atuava na igreja e ainda engrossava o orçamento familiar com seu trabalho
profissional.
Mas não foi pela sua espetacular capacidade de governar o lar e
nem pela sua competência profissional que Priscila se destacou. Ela se sobressaiu
nas páginas da Bíblia pelo seu amor à obra missionária. Quer hospedando Paulo
ou acompanhando-o numa viagem missionária, ao lado do marido, o amor dessa
mulher pela obra era evidente.
Hoje você tem a oportunidade de exercer no seu lar, na sua igreja e
até mesmo no seu trabalho o mesmo fascínio de Priscila.
Veja como:
• Ore pelos missionários e desafie as mulheres de sua
igreja a formarem grupos de oração em prol de Missões.
• Leve sua família a adotar (parcial ou integralmente)
uma família missionária e oriente outras famílias a fazê-
lo.
• Incentive sua igreja a adotar um missionário.

Tudo isso é possível através do PAM – Programa de Adoção


Missionária da JMM.

O anúncio faz uma comparação entre a mulher cristã e a figura bíblica de


Priscila. Essa é apresentada como uma mulher ativa e sábia. Essas duas especificações
relacionam-se diretamente aos semas /Ação/ e /Formação/. Priscila é caracterizada como
uma mulher atuante na sua família (“administrava o lar” e “cuidava do esposo”), no seu
trabalho e em sua igreja. O que relaciona a figura de Priscila à da chamada mulher
moderna, que divide o seu tempo na execução de diferentes funções. Bem como a mulher
moderna, Priscila também era uma mulher de muitos afazeres domésticos e profissionais.
Contudo, o destaque principal está na atuação de Priscila no trabalho
missionário. O sema fundamental do anúncio é a /Evangelização/. A mulher batista é,
assim, convidada a participar e contribuir com o programa missionário da igreja. Além

31
Priscila é uma figura bíblica que trabalhava junto com seu marido Áquila na construção de Tendas. Ambos
auxiliaram no trabalho missionário do apóstolo Paulo, hospedando e viajando junto com o missionário.

63
disso, é o sema /Individualidade/também entra em jogo. A leitora é interpelada como uma
mulher cristã responsável pela evangelização, que deve aproveitar a “oportunidade de
exercer no seu lar, na sua igreja e até mesmo no seu trabalho o fascínio de Priscila”. Desse
modo, esse anúncio também obedece ao sistema de restrições do discurso batista.

3.5.2 As celebridades

Uma das características das revistas femininas em geral é a presença das


chamadas celebridades. Não apenas as capas são estampadas por modelos e atrizes, como
toda a publicação é recheada de informações sobre as famosas. Propagandas, entrevistas,
dicas de beleza, comportamento, fofocas, enfim, tudo é alvo de notícias. Não causa surpresa
a ninguém abrir uma revista e ver a receita de beleza de fulana ou as dicas de moda de
sicrana. Em Visão Missionária, as mulheres que estão em evidência ou são mulheres
bíblicas ou mulheres que estão diretamente relacionadas com a UFMBB, como exemplifica
a seção Gente nossa.
São inúmeras as comparações efetuadas em Visão Missionária entre as figuras
femininas bíblicas e as mulheres cristãs atuais. Por exemplo, no ano de 1990, a revista
publicou uma série de artigos intitulada Mulheres da Bíblia. Em cada edição, um aspecto
da vida da mulher era tratado a partir de exemplos de mulher da Bíblia. Desses artigos
selecionamos os seguintes excertos:

Abigail tornou-se mulher imortal pela sensatez, sabedoria, prudência que revelou
como esposa [...] Abigail não concordava com as atitudes más e desonestas de
seu marido. Com muita coragem e firmeza, mas com não menos sabedoria e
prudência, mostrava-lhe os inconvenientes de suas atitudes (VM, 1T1990).

Joquebede32 tomou à iniciativa e, com muita criatividade, providenciou os


recursos e a estratégia de preservação. Zelosa como ama, extremosa como mãe,
fiel como transmissora da fé. Joquebede preparou o seu filho para viver e convier
na corte do Faraó, mas também como cidadão do seu povo – Israel. Aprendemos
com ela que, mesmo em situações adversas, é possível criar filhos que amem e
temam a Deus (VM, 1T1990, grifos nossos).

32
Joquebede é uma figura bíblica. Ela é mãe de Moisés, que ficou conhecida por colocar o filho em um
cestinho no rio, a fim de salvá-lo do decreto de Faraó para matar todos os meninos.

64
Débora também agiu assim: embora mansa e atenciosa, soube agir com firmeza e
severidade com os inimigos do seu povo. [...] Débora julgava e aconselhava com
sabedoria, independente das circunstâncias de lugar. Deus usa mulheres como
Débora- corajosas, que lideram com firmeza e sabedoria, que sejam promotoras
de paz e justiça entre o seu povo (VM, 2T1990).

Não é só em cargos elevados, de fama e importância, que a mulher será útil à


sociedade. Dorcas33 é exemplo de mulher que serviu à sua comunidade em
trabalho bem humilde. Mas quanta influência! Quanta prestação de serviço! Em
todas as comunidades há necessidade de mulheres como Dorcas, que se deem a si
mesmas em benefício de outros. Basta colocar à disposição de Deus e do próximo
aquilo que sabem fazer. Dorcas era uma vida tão útil! (VM, 2T1990).

A ênfase nesses excertos recaí sob a /Ação/ dessas mulheres. Elas são descritas
como mulheres que agem com sabedoria, prudência, sensatez, criatividade e firmeza.
Mulheres que tomam a iniciativa, lideram e influenciam. Segundo os textos, tais mulheres,
enquanto mães, esposas e profissionais, foram usadas por Deus em suas ações. Com isso, a
revista defende que a leitora também seja uma mulher atuante. Uma das ênfases de Visão
Missionária está na capacidade de liderança da mulher batista. Desde 1959, a UFMBB
oferece cursos de liderança para as mulheres que desejam realizar um trabalho mais
eficiente na igreja local. Como afirma a revista, “desde essa época o curso vem sendo
ministrado sempre adaptado e reformulado para atender as necessidades do momento”
(VM, 2T1998). A questão da liderança é tão importante que uma das seções fixas da revista
trata especificamente dessa questão. Nesta seção, as mulheres são ensinadas/incentivadas a
tornarem-se líderes. A esse respeito, selecionamos o seguinte excerto:
Deus chama a mulher para servir como líder. Foi assim com Débora, profetisa e
juíza em Israel. “Desperta, desperta, Débora! Desperta, desperta, entoa um
cântico... Quando o povo se oferece voluntariamente, louvai ao Senhor! Eu
mesma cantarei ao Senhor salmodiarei ao Senhor Deus de Israel. (Jz 5.12, 2, 3).
Atendendo o chamado do Senhor em quem confiava, Débora se levanta e assume
o comando da batalha contra os inimigos do seu povo, e essa era a celebração que
ela apresentou ao Senhor pelas vitorias alcançadas na sua liderança. Esse
exemplo mostra que quando Deus chama mulher para liderar um grupo ou
organização, como verdadeira serva, ela não rejeita, antes obedece com
prontidão, na certeza de que Ele irá capacitá-la para isso. Ele a conhece e sabe o
que pode fazer (VM, 1T2003).

Nesses excertos, novamente a figura bíblica da juíza Débora é apresentada


como exemplo. Assim como Débora assumiu o comando da batalha, a mulher também deve

33
Figura bíblica do Novo testamento, que atuava costurando túnicas e vestidos para viúvas.

65
ser uma líder em sua igreja. Abrimos aqui um parêntese para tratar um pouco mais acerca
da questão da liderança. Para tanto, chamamos a atenção para o texto Os desafios do nosso
tempo, publicado no segundo trimestre de 2000. Com os movimentos femininos ao longo
dos dois últimos séculos, as mulheres alcançaram grandes conquistas sociais, mas, ao
mesmo tempo, acumularam muitas funções, do que deriva uma posição no discurso sobre o
feminino: “a mulher moderna” tem dificuldade de lidar com tantas atribuições (dentro e
fora do lar). O texto em questão tematiza essa questão do desafio da mulher que tem “tantos
papéis a cumprir”. Segundo o texto, a mulher moderna é “esposa, mãe, profissional, além
das responsabilidades eclesiásticas”. Assim, além das atribuições comuns a mulher
moderna, a mulher moderna cristã tem ainda responsabilidades na igreja. E, para “ajudá-
la”, são apresentadas 16 especificações que, em um primeiro momento, poderiam ser
dirigidas a qualquer líder empresarial.

• defina que tipo de líder você é; 


• sinta-se parte do grupo; 
• tenha adaptabilidade; 
• tenha agilidade; 
• trace alvos definidos; 
• seja decidido; 
• amplie sua visão; 
• motive seus liderados; 
• desenvolva serenidade; 
• seja um líder de ação; 
• acredite no treinamento; 
• tenha sentido de realidade; 
• tenha conhecimento das pessoas; 
• seja firme; 
• persista; 
• tenha espírito de justiça; 
• seja exemplo sempre; 
• tenha sentido de autoridade; 
• seja discreta; 
• tenha energia realizadora.

Todas essas especificações estão ligadas a um certo discurso administrativo
concernente à gestão de pessoas, do espaço e do tempo nas empresas. Esse discurso
defende teses como: é possível formar um bom líder a partir de certas especificações, uma

66
boa gestão faz com que as coisas funcionem corretamente e que se alcance sucesso. Nesse
discurso, um bom líder leva a empresa ao sucesso, gerando, em última instância, lucros.
Além do discurso administrativo, o texto também recorre ao discurso religioso.
No sentido de analisar tal questão, selecionamos as seguintes formulações:

(i) Não há mais tempo para ficar marcando passo, se nosso alvo for a excelência.
Aproveitem bem as oportunidades “remindo o tempo” (grifo nosso).

(ii) O líder não deve ser aquele que só vive no mundo das nuvens, mas ter o
sentido de realidade, conhecendo o fim a atingir, os meios de que dispõe, as
pessoas com quem vai trabalhar, as oposições a enfrentar etc. Como líderes
cristãs, devemos ter a cabeça no céu e os pés no chão (grifo nosso).

(iii) O mundo será ganho pelos grupos que fizerem o melhor treinamento das suas
lideranças. A igreja de Cristo precisa de líderes sadios, sábios e objetivos.

(iv) Em Romanos 12.2, o apóstolo Paulo os adverte: “Não foi conformeis com
este mundo, mas transformai-vos pela renovação do nosso entendimento, para
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. 

Em (i) a referência ao discurso religioso se dá por uma particitação bíblica


direta “remindo o tempo”. Maingueneau (2006a) propõe que a particitação é um sistema
particular de citação, que inclui citação e participação. A particitação exige que os
coenunciadores reconheçam que há uma citação sem que o enunciador indique qualquer
fonte ou utilize um verbo dicendi. O enunciador mostra sua adesão à comunidade
discursiva ligada a um Thesaurus e espera que seu coenunciador, que também pertence a
essa comunidade, seja capaz de reconhecer o enunciado citado sem que se explicite que se
trata de uma citação. No excerto em questão, a particitação vem corroborar com uma
posição do discurso administrativo sobre o bom gerenciamento do tempo. Uma questão
interessante é que se caso a coenunciadora do discurso quisesse voltar ao texto primeiro da
citação ficaria em uma situação difícil porque a recomendação “remindo o tempo” aparece
duas vezes na Bíblia: “Remindo o tempo; porquanto os dias são maus” (Efésios 5:16) e
“Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo” (Colossenses 4:5).
Entretanto, apesar de não haver como recuperar qual dos dois textos exatamente é citado,
nos dois textos remir o tempo está relacionado a usar o tempo com sabedoria.

67
Em (ii), a relação com o discurso religioso se dá por um processo de paráfrase.
É construído um jogo metafórico com as expressões “estar com a cabeça nas nuvens” e “ter
os pés no chão”. As duas expressões estão ligadas a um sentido do tipo é preciso estar
atento (com os pés no chão) e não sonhando (com a cabeça nas nuvens). Pêcheux (2010)
afirma que o sentido é dado por um efeito metafórico: “o fenômeno semântico produzido
por uma substituição contextual, para lembrar que esse “deslizamento de sentido” entre x e
y é constitutivo do “sentido” designado por x e y” (2010, p.96). Por essa relação, há no
texto uma substituição na expressão:

Aquele que vive no mundo das nuvens

Estar com a cabeça nas nuvens

Estar com a cabeça no céu

Há um deslizamento de “nuvens” para “céu”. Esse deslizamento implica uma


mudança de discurso: saísse do domínio de “mundo das nuvens” como “aquele que vive
sonhando” para o domínio do “céu” enquanto pré-construído do discurso religioso cristão,
conforme o qual, o céu é o lugar onde Deus habita e o lugar onde os cristãos viverão após a
morte. Saísse do domínio administrativo que diz respeito à gestão das coisas na terra, para o
campo religioso: a preocupação do cristão em relação à vida da alma. O que também se
relaciona aos semas de /Integração/ e /Moderação/. O cristão deve ser cristão em todos os
lugares, mas sem se esquecer que seu objetivo final é o céu.
Em (iii), há um enunciado típico do discurso administrativo de gestão: “O
mundo será ganho pelos grupos que fizerem o melhor treinamento das suas lideranças”. No
sentido de que um bom líder pode conquistar grandes negócios. Com o acréscimo da
segunda oração “A igreja de Cristo precisa de líderes sadios, sábios e objetivos”, o primeiro
enunciado muda de sentido e entra na ordem do discurso religioso. A expressão “o mundo
será ganho” relacionada a “a igreja de Cristo” liga-se a uma tese do discurso religioso
segundo o qual é tarefa da Igreja de Cristo (cada cristão) “ganhar” o mundo. Se, à
semelhança de Pêcheux (2004), déssemos uma espiada no dicionário para ver o verbo

68
“ganhar”, veríamos que o Michaelis, por exemplo, apresenta 14 acepções para o verbo,
entre as quais selecionamos duas: “conquistar” e “recuperar”. No discurso administrativo,
“ganhar” relaciona-se ao sentido de “conquistar”: um bom líder é aquele que conquista para
empresa bons negócios e mercados. Já, no discurso religioso cristão, “ganhar o mundo” tem
o sentido de conquistar o mundo para Cristo e também de recuperar o mundo, no sentido de
que o mundo, antes do pecado, era de Deus. O que faz com que o verbo possa ser
parafraseado por “reconciliar”, como aparece na missão dos batistas: “a missão primordial
do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando à reconciliação do homem com
Deus34”. Desse modo, enquanto, no discurso administrativo, o objetivo é conquistar
negócios, no discurso batista, esse é (re)conquistar fiéis.
Por fim, em (iv), que é o parágrafo final do texto, a referência ao discurso
religioso se dá por uma citação direta do texto de Romanos 12.2. O texto bíblico vem
corroborar a posição administrativa de que bons líderes podem transformar suas empresas.
Assim, bons cristãos poderiam “transformar” o mundo. A citação não apenas reforça as
especificações apresentadas, mas funciona cria um efeito de que é uma advertência não
apenas do apóstolo Paulo, mas divina.
Propomos que o sema básico que sustenta a seção liderança seja o de
/Individualidade/. Nela, a todo tempo, cada mulher batista é advertida a tornar-se uma líder
na igreja local. Nesta seção, o funcionamento da igreja é comparado ao de uma empresa. Os
enunciados do discurso sobre a liderança empresarial sustentam o discurso acerca da
liderança na igreja. Nesse sentido, essa seção se constitui por um interdiscurso com o
discurso administrativo e de gestão de pessoas.
Fechando o parêntese e retornando à questão das mulheres em Visão
Missionária, chamamos a atenção para a seção Gente Nossa. Essa seção apresenta
biografias de mulheres ligadas à UFMBB. Convém esclarecer que nesse estudo não
buscamos traçar uma cronologia da história pessoal das batistas, mas verificar como há um
funcionamento discursivo nesses textos em relação aos lugares destacados para falar dessas

34
http://batistas.com/index.php?view=article&catid=5%3Adeclaracao-doutrinaria&id=15%3Adeclaracao-
doutrinaria-da-convencao-batista-brasileira&format=pdf&option=com_content&Itemid=15 Acesso em 25 de
junho de 2010.

69
mulheres. Propomos que esses lugares formam a imagem do que seria a mulher batista
padrão. Para a análise, selecionamos alguns excertos dessa seção:

Sempre, desde menina, trabalhou muito para o Senhor: Deus a dotou com vários
talentos – toca, fala, canta, ensina, escreve, lidera, faz poesia... Todos eles Olinda
os têm devolvido ao Senhor. Realmente tudo o que sabe fazer, ela tem feito para
Deus (VM, 1T1989).

Em 1944 Edna foi estudar na Escola de Obreiras, depois ITC (Instituto de


Treinamento Cristão) e hoje IBER (Instituto Batista de Educação Religiosa), no
Rio de Janeiro, deixando a mocidade da PIB de Macaé desfalcada e muito triste,
pois ela era muito atuante na igreja, principalmente na mocidade (VM, 3T2002).

Na PIB de Joinville, onde é membro, Matilde atua nas diversas atividades da


igreja. Quer como organista, secretária, professora de crianças, professora de
senhoras ou presidente da Sociedade Feminina Missionária. Ela desempenha tudo
com amor e responsabilidade (VM, 4T1991).

Fanny integrava o ministério de música da igreja: dirigia o coral, tocava o piano.


E cooperava com o trabalho das senhoras (VM, 2T2002).

Mulher extraordinária, inteligente, dinâmica, e de uma garra impressionante; tudo


era possível e realizável uma líder de fato (VM, 1T2002).

Sua estrela começou a resplandecer como líder de Mensageiras do Rei, presidente


da Sociedade de Moças (hoje JCA), professora da EBD, líder de adolescentes,
diretora da EBD e dedicação especial ao trabalho de evangelização da igreja
(VM, 3T1998).

Foi escolhida presidente numa reunião em Santiago, Chile. Ficou conhecida em


muitos países, pois era uma pessoa alegre e comunicativa. Nunca se orgulhou da
posição que alcançou. O seu desejo foi o de sempre servir. Trabalhar era o seu
lema, e como trabalhava! Dirigia sua casa muito bem, dava aulas, trabalhava na
igreja, onde ocupou cargos como professora de Escola Bíblica Dominical,
conselheira da Sociedade de Moças e outros tantos, além de ser a secretária-
executiva da União Feminina Carioca e Presidente da União Feminina
Missionária Batista do Brasil. Era uma líder metódica e organizada. Por isso, seu
tempo dava para fazer tudo (VM, 3T1983).

Por onde passou, Edna sempre deixou sua marca de trabalho, liderança e
dinamismo (VM, 3T2002).

É pessoa disponível para o trabalho, e é responsável em tudo que faz. Atende a


tudo sempre que solicitada, e é grande incentivadora para que outros sirvam ao
Senhor com a mesma alegria com que ela o faz (VM, 4T1991).

Foi a primogênita de sete outros filhos, e embora de personalidade forte, era


obediente, e desde pequenina compreendeu que a vida era feita de trabalho,
seriedade e responsabilidades (VM, 2T2002).

70
E foi no local de trabalho que ela testemunhou do amor de Cristo, levando
folhetos para entregar aos colegas, onde teve a alegria de ver alguns convertidos a
Cristo (VM, 4T1991).

Viúva há cinco anos, Matilde afirma que agora tem se dedicado ainda mais ao
trabalho do Senhor (VM, 4T1991).

Sempre foi ativa na igreja não por ser esposa de pastor, mas pela própria
formação e incentivo que sempre teve desde pequena (VM, 1T2008).

Nesses excertos, há uma construção da imagem da mulher batista como uma


mulher atuante, que não só exerce muitas funções, mas que as exerce ao mesmo tempo. Ela
é apresentada como uma mulher dinâmica: “atuou em vários cargos”, “dirigia o coral,
tocava piano, cooperava como trabalho das senhoras”, “atua nas diversas atividades da
igreja”, “quer como organista, secretária, professora de crianças, professora de senhoras ou
presidente da SFM”. Sempre disponível. Além da /Ação/ da mulher nos trabalhos da
igreja, a mulher batista é representada como uma evangelista em todos os lugares:

E foi no local de trabalho que ela testemunhou do amor de Cristo, levando


folhetos para entregar aos colegas, onde teve a alegria de ver alguns convertidos a
Cristo. (VM, 4T1991, grifo nosso).

Tinha no coração o desejo de ser missionária. Por ser muito jovem, seus pais não
permitiram, mas ela se colocou à disposição do Senhor da Seara, para o seu
trabalho, onde quer que ela estivesse (VM, 1T1995, grifo nosso).

Além das atividades de enfermagem, a missionária Zênia sempre atuou também


como evangelista (VM, 3T2001).

Segundo esses excertos, a mulher batista deve aliar sua atividade profissional à
atividade de /Evangelização/. Ela deve ser uma evangelista em todos os lugares, estando
sempre disposta.
Voltando à questão dos anúncios veiculados em Visão Missionária, chamamos
a atenção para os anúncios de outra publicação da UFMBB: a revista Mulher Cristã Hoje.

71
3.6 A revista Mulher Cristã Hoje

Em novembro de 1989, a editora UFMBB lançou a revista Mulher Cristã


Hoje, que também tinha como público alvo as mulheres adultas. A grande diferença entre
essa nova publicação e Visão Missionária é que aquela não tem como público alvo apenas
a mulher batista, mas as evangélicas de um modo geral. A periodicidade da revista também
era trimestral, com circulação em fevereiro, maio, agosto e novembro. Ela circulou por
onze anos e parou de ser editada por falta de assinaturas.
Essa revista teve uma vida curta em comparação à Visão Missionária, que já
está em circulação há quase noventa anos. Durante esse estudo, discutiremos algumas
questões em relação à Mulher Cristã Hoje. A primeira delas é que o grande promotor de
propaganda dessa revista foi Visão Missionária, a qual veiculou diversos anúncios desta.
O que chama a atenção nessas propagandas é que, na apresentação que Mulher Cristã faz
de si, há uma contraposição desta com as outras revistas femininas em geral e também com
outras revistas cristãs, que permite ver a imagem que Mulher Cristã (e também Visão
Missionária) faz de outras revistas femininas.
Como exemplo, selecionamos alguns anúncios. O primeiro deles foi veiculado
em Visão Missionária no terceiro trimestre de 1989, antes da primeira edição do novo
periódico.
Na página superior do anúncio, aparece o nome da revista Mulher Cristã e o
slogan: “Descubra por que ela é tão parecida com você e tão diferente das outras”. Ao lado,
aparece a imagem de uma mulher lendo uma revista. Abaixo, o texto:

A revista Mulher Cristã é tão parecida com você porque se preocupa com coisas
que preocupam você: família, saúde, sexo, missões, trabalho, sociedade,
culinária, lazer e beleza. Mulher Cristã é tão diferente das outras revistas
femininas no mercado porque todos os temas são abordados a partir de uma
perspectiva cristã. Finalmente, uma revista dedicada à mulher que respeita seus
valores!

SEÇÕES:
Em cada seção, um assunto do seu interesse. Na seção “Debate”, por exemplo,
você terá a oportunidade inédita de analisar diversas opiniões de especialistas
evangélicos, compará-las e chegar às suas próprias conclusões.
Nas seções “Saúde”, “Família” e “Psicologia” você terá acesso a assuntos pouco
abordados por outros periódicos cristãos com toda a franqueza e respeito que

72
você merece. E o que é melhor, sem ter que “engolir” noções humanistas,
seculares e perniciosas que não edificam.
E tem mais: editorais e reportagens, cartas e devocionais, dicas de estética e de
trabalhos manuais...

VOCÊ PODE ACREDITAR


Nós acreditamos em Mulher Cristã. E você? Preencha e envie o cupom abaixo
para que possamos saber do seu interesse. Seu apoio nos ajudará imensamente
nesta reta final. Então...vamos lá! O primeiro número de Mulher Cristã sai em
novembro de 1989. A revista é trimestral e pode ser assinada individualmente ou
em grupo.

A partir desse anúncio, podemos fazer algumas considerações. Primeira, os


assuntos de interesse da mulher cristã são família, saúde, sexo, missões, trabalho,
sociedade, culinária, lazer e beleza. De todos esses assuntos o único que não faz parte das
revistas femininas em geral é missões. Ele não poderia aparecer em uma revisa feminina
em geral porque é um tema específico do discurso cristão. É interessante notar que é
justamente esse tema já quase não aparece nos anos finais da revista, diferente de Visão
Missionária, na qual é o tema principal. Destarte, à medida que Mulher Cristã tenta
aproximar-se das revistas femininas em geral, o tema de missões passou a não ser mais
pertinente.
Segunda, no anúncio, os outros periódicos cristãos são acusados de não
abordarem temas como saúde, família e psicologia com “franqueza” e “respeito” e os
outros periódicos não cristãos de tratarem desses assuntos a partir de visões “seculares” e
“perniciosas”. No discurso cristão, a visão “secular” é sinônima de “perniciosa”, na medida
em que em o lugar da fé, fundamento básico do discurso religioso, é substituído pela razão.
O adjetivo “perniciosa” joga com uma certa memória que remete ao Salmo 91:3 “Porque
ele [Deus] te livrará do laço do passarinheiro e da peste perniciosa”. A leitura dessas
revistas é, portanto, um laço de que a leitora cristã deve fugir. Nesse anúncio, funcionam os
seguintes efeitos de sentido:

(i) as outras revistas têm uma visão secular que se opõe totalmente à visão
cristã, por isso, não edificam a mulher;
(ii) essas revistas não servem para a leitura da mulher cristã;
(iii) tais revistas são perniciosas, isto é, prejudiciais e perigosas, logo, devem
ser evitadas;
(iv) a leitura de Mulher Cristã Hoje (e também de Visão Missionária) é
edificante e apropriada.

73
Além desse anúncio, selecionamos algumas formulações presentes em anúncios
sobre Mulher Cristã Hoje:

(1) A revista Mulher Cristã contrapõe valores do mundo, preenche lacunas de


lazer e informação do ponto de vista cristão de forma a manter firme a
posição da mulher cristã através de parâmetros bíblicos, para que incorporem
os valores do Reino no seu dia-a-dia e descubram como viver no mundo de
modo agradável a Deus (VM, 4T1990).

(2) Quem esclarece as suas dúvidas?


A mulher cristã moderna precisa ser atualizada acerca dos problemas do
mundo ao seu redor.
Qual o papel ideal da mãe e da esposa cristã?
Como ser atuante e integrada na Igreja?
Por que a sociedade tem valores éticos tão decadentes?
A resposta está em Mulher Cristã Hoje (VM, 2T1994)

(3) Frutificar é o propósito máximo para este ano. Então nada melhor que se
manter atualizada sobre política, trabalho, lazer, beleza, receitas e etc, com
uma revista moderna, feita especialmente para você (VM, 2T1995).

(4) Mulher Cristã Hoje tem como objetivo atender às mulheres. Uma revista
atraente, interessante, informativa, abordando temas que têm a ver com seu
dia-a-dia (VM, 1T1999).

(5) Na estação das flores, das cores, todos ficamos mais receptivos ao belo, ao
novo. Nada se assemelha mais a este tempo que a mulher, em especial a
mulher cristã de hoje. Para uma mulher assim nada melhor que MULHER
CRISTÃ HOJE – a revista com jeito-mulher: atual, inteligente, informada e
sensível. Aproveite este momento e desenvolva a sua sensibilidade. Faça
uma assinatura de MULHER CRISTÃ HOJE e você receberá, sem sair de
casa, a revista da mulher feminina e consciente de seu papel cristão nos dias
de hoje (VM, 4T1993).

A análise desses anúncios indica que neles é construída uma imagem das outras
revistas como aquelas que mostram os “valores do mundo” e deixam “lacunas de lazer e
informações”. Ao mesmo tempo, é construída uma imagem de Mulher Cristã Hoje como
uma revista que esclarece as dúvidas, que defende os valores da fé, que dá as receitas,
baseadas na Bíblia, de um viver “agradável a Deus”.
Os anúncios sustentam, assim, a imagem de uma mulher cristã como
“atualizada”, “atuante”, “integrada” e “consciente do seu papel nos dias de hoje”. Essa

74
imagem está em conformidade com a Semântica Global do discurso batista, pondo em
funcionamento os seguintes semas: /Ação/, /Integração/, /Moderação/ e /Formação/.
Por fim, destacamos mais dois anúncios da revista. Um deles foi veiculado no
terceiro trimestre de 1990, que traz o seguinte texto:

Muitas revistas falam sobre a mulher... Mulher Cristã Hoje fala à mulher

Essa é a grande diferença dessa Nova Revista.


Mais do que ninguém, você Mulher Cristã Hoje sabe dos tremendos desafios
desses novos tempos. Como enfrentar as pressões que os meios de comunicação
exercem sobre nossas crianças, adolescentes e jovens?
É possível conciliar a sublime tarefa da criação de filhos com a saída para o
competitivo mundo dos negócios? E a participação na vida e ministério da igreja?
Saúde, família, sexo, sociedade, missões, lazer, culinária e beleza. Estes e outros
assuntos numa linguagem simples e sem rodeios;
Mulher Cristã Hoje toca fundo nos problemas que dizem respeito ao mundo
cristão feminino, sempre dentro de uma perspectiva bíblica.
Mulher Cristã Hoje está disposta a tudo para conquistar o seu coração. Só de
uma coisa não abrimos mão: ter você sempre junto a nós.
Afinal, a Revista só faz sentido com você Mulher Cristã Hoje. Assine já!

O segundo anúncio data do primeiro trimestre de 1992, configurado da seguinte


forma: no alto da página aparece a formulação: “Ela já foi muito insegura... Agora ela lê a
revista Mulher Cristã Hoje”. Abaixo, a imagem de um homem sorrindo que aponta para
uma mulher concentrada lendo a revista anunciada. Ao redor da imagem, o seguinte texto:

A mulher já teve muitos motivos para sentir insegura diante dos desafios da
realidade. O seu espaço já foi limitado às áreas de serviço em casa e durante
muito tempo o seu desempenho não foi valorizado, pela falta de informação e
reconhecimento.
Hoje a mulher assume seus papéis na vida com plena consciência, buscando as
melhores maneiras de realizar-se por inteiro seja como esposa, mãe, profissional e
acima de tudo mulher.
A insegurança foi transformada em coragem para vencer os desafios da
atualidade. A ansiedade e o modo deram lugar a uma busca permanente de
informação segura e esclarecimento especializado.
Tudo isso leva a mulher sobretudo a mulher evangélica, a ler regularmente a
revista MULHER CRISTÃ HOJE.
Realmente ela já foi muito insegura.
Agora nós temos uma revista especialmente produzida para satisfazer nossas
necessidades de mulher evangélica.
A revista Mulher Cristã Hoje traz a informação segura na forma mais agradável e
atualizada, promovendo o nosso crescimento nas áreas de vida pessoal,
desenvolvimento profissional, harmonia familiar e aprofundamento cristão.

75
Em cada edição da revista MULHER CRISTÃ HOJE você encontra artigos,
reportagens e entrevistas sobre saúde, família, sociedade, lazer, culinária, ética e
comportamento contemporâneo, moda e beleza.
Já fomos muito inseguras, mas agora temos informação e segurança para nós e
para eles.
Leia também a revista MULHER CRISTÃ HOJE. Todos eles vão perceber a
diferença.
Mantenha-se atualizada com a informação segura de MULHER CRISTÃ HOJE.
Faça uma assinatura e receba a revista em sua casa durante um ano inteiro.

Esses dois anúncios tematizam o chamado drama da mulher moderna, que


precisa conciliar ser esposa, mãe, profissional e mulher. Além disso, essa mulher ainda
precisa aliar a essas tarefas a sua função eclesiástica, trabalhando na igreja. Os anúncios
apresentam a revista como aquela satisfaz as necessidades da mulher evangélica,
promovendo o seu crescimento pessoal, profissional, familiar e espiritual.
O primeiro anúncio discute a divisão entre esfera pública e privada. A vida
doméstica (o cuidado com os filhos) é especificada como “a sublime tarefa”, enquanto a
vida profissional é caracterizada como competitiva (“o competitivo mundo dos negócios”).
Essa divisão entre o privado, enquanto espaço seguro, e o público, como um espaço
competitivo e desfavorável, é recorrente nos textos de Visão Missionária, como
discutiremos no próximo capítulo.
Além disso, os dois anúncios sustentam uma imagem desfavorável das outras
revistas. No segundo anúncio, ao especificar “informação” com o adjetivo “segura”, o
anúncio produz um efeito de que as outras revistas não veiculam informações seguras. Por
conseguinte, ao lê-las, as mulheres também se tornariam inseguras. Nesse sentido, elas
precisariam ler a revista anunciada para que se tornem seguras.
No primeiro anúncio, não só as revistas, mas os meios de comunicação de uma
forma geral são acusados de causarem pressões sobre “as crianças, adolescentes e jovens”.
Logo, a batista deve ler a revista Mulher Cristã Hoje, e também Visão Missionária, para
aprender a lidar com essa pressão.
A referência aos meios de comunicação é recorrente em Visão Missionária:

Há uma quantidade imensa de revistas para crianças e adolescentes desprovidas


de qualquer cunho moral elevado. Mas, graças a Deus, temos uma vasta literatura
sadia, tanto para adultos como para crianças e adolescentes, que contribuem para
o estabelecimento de bases sólidas para a família (VM, 1T1994, grifos nossos).

76
A televisão com seus programas imorais, explorando o sexo e a pornografia, a
imprensa e a literatura em geral muito têm contribuído para a destruição da vida
familiar. A televisão rouba da família o tempo destinado à conversação, ao
diálogo entre pais e filhos, à boa leitura e não dá oportunidade para a realização
do culto doméstico (VM, 1T1994, grifos nossos).

É preciso lembrar, porém, que há alguns inimigos do diálogo operando hoje no


interior da família. Um deles é fortíssimo: a televisão. Essa janelinha de cores em
movimento, além de comunicar valores antievangélicos, rouba às pessoas o
privilégio do bate-papo. É claro que é impossível viver sem ela hoje; mas não se
pode permitir que ela sequestre todos os nossos momentos livres. O mundo
cristão certamente descobrirá uma benção especial no século XXI: a da televisão
desligada (VM, 4T1997, grifos nossos).

Visão Missionária avalia as outras revistas e os meios de comunicação em geral


como contrários a uma boa moral, responsáveis pela destruição da vida familiar, aqueles
que destroem a família. Adverte que a “boa leitura”, a leitura sadia (de textos batistas) e a
prática do culto doméstico estão sendo substituídas pela televisão, “com seus programas
imorais”. Não que o discurso batista proíba o uso da televisão (“é claro que é impossível
viver sem ela hoje”). O discurso defende a /Integração/. Para estar integrado, o cristão
precisa da televisão, porém é preciso ter /Moderação/: “não se pode permitir que ela
sequestre todos os nossos momentos livres”.
Estes últimos dados mostram que embora não analisemos, nesta dissertação,
nenhuma outra revista especifica paralelamente à Visão Missionária, as próprias
descrições/avaliações apresentadas na publicação introduzem o seu Outro. Mostram que a
revista constitui-se em um interdiscurso com outras publicações (e meios de comunicação
de uma forma geral). Assim, em conformidade a tese proposta por Maingueneau (2008) de
que um discurso sempre nasce no interdiscurso, propomos que Visão Missionária (e
também Mulher Cristã Hoje) impõe-se no mercado como uma revista cristã, sustentando
uma imagem de si como indicada para as mulheres batistas, ao mesmo tempo, em que
constrói uma imagem de seu Outro (as outras publicações dedicadas ao público feminino)
como perigosas para o bem-estar da mulher cristã e de sua família.

77
3.7 Considerações finais

Diante do exposto, podemos afirmar que Visão Missionária funciona como um


meio de doutrinar as mulheres batistas. Ao longo dos anos, a publicação mudou de formato.
Nos anos iniciais (segunda década do século XX), a revista era uma publicação que tinha
como objetivo trazer sugestões de programas para as reuniões de mulheres. Com o tempo,
passou a ter, cada vez mais, um formato parecido com as outras revistas femininas em
geral, trazendo seções que tratam de assuntos tidos como tipicamente femininos, como
beleza, culinária, artesanato, cuidados com a família. Essas mudanças relacionam-se a três
semas do discurso batista: /Integração/, /Moderação/ e /Formação/. A UFMBB propõe que
a mulher cristã esteja integrada no mundo, “atualizada” nos assuntos e questões atuais. No
entanto, essa integração deve ser moderada pelos valores batistas. Além disso, os semas
principais que sustentam a revista são /Ação/ e /Evangelização/. A mulher é advertida a agir
no mundo, no sentido de evangelizá-lo.
A revista constrói uma imagem de si como apropriada e indicada para a mulher
cristã. Nesse sentido, a mulher deve ler Visão Missionária e não as outras revistas
femininas em geral, as quais são caracterizadas como contrárias à ética cristã. A publicação
propõe-se, assim, a substituir as outras revistas. Ela não é uma revista de entretenimento,
nem de informação, mas de caráter formativo, visando doutrinar as mulheres batistas.
Neste capítulo, discutimos como a revista constrói uma imagem de si em
contraposição às outras revistas. No capítulo seguinte, investigaremos como essa
publicação constrói a imagem da mulher batista “ideal”.

78
CAPÍTULO 4

DISCURSOS SOBRE A MULHER EM VISÃO MISSIONÁRIA

No lar, seja boa esposa, honre seu marido, reconheça ser ele o chefe do lar,
compartilhe de suas atividades. Ame seus filhos, ouça-os, eduque-os no temor
do Senhor. Plante amor, para colher benefícios especiais. Rogue do Senhor
equilíbrio nas ações e atitudes, no dividir o tempo, no falar. Na sociedade,
testemunhe com a vida fale sabiamente, distribua literatura. Abrace cada
oportunidade de serviço como ministério – servir às pessoas como que ao
Senhor. Na igreja, dê o melhor de seu tempo, de seus bens e de seu talento
(VISÃO MISSIONÁRIA).

A nossa pretensa inferioridade não resulta de uma natureza feminina, mas do


fato de a educação das mulheres ser tão sumária que torna impossível que a sua
inteligência chegue a igualar a dos homens. As operárias não devem fazer parte
da ralé, nem serem mulheres depravadas [...] mas verdadeiras mães de família,
cuidando tanto quanto possam da educação dos seus filhos. As mulheres de
classes elevadas não devem mostrar-se indolentes nem maquiar-se até deixarem
de ser feias para esconder algumas rugas precoces, mas cumprir deveres sociais
que são, tanto quanto as fórmulas de uma oração geral, as marcas da verdadeira
piedade (ALBERTINE NECKER DE SAUSSURE).

De uma forma geral, as mulheres têm sido maioria entre os grupos religiosos.
Na igreja batista, estas, como já foi dito, organizam-se na União Feminina Missionária. Tal
organização serve como um dos principais suportes (também financeiros) da igreja. Neste
capítulo, analisaremos como Visão Missionária constrói a identidade da chamada “Mulher
Cristã em Ação” a partir do conjunto de semas do discurso batista. Para tanto, discutiremos
como a revista apresenta os papéis e funções da mulher em relação ao lar, à sociedade e à
igreja.

79
4.1 A esposa cristã

A historiadora Maureen Fitzgerald (2002) afirma que o protestantismo


americano no século XIX é marcado pela ideologia da divisão entre a esfera pública e a
privada. De acordo com a autora, nas áreas urbanas industrializadas, homens e mulheres
protestantes de classe média construíram figurativamente limites que delineiam as formas
apropriadas de trabalho masculino e feminino. O padrão, pelo menos para elite e a classe
média, era que os homens trabalhassem fora de casa e as mulheres fossem destinadas
exclusivamente à esfera doméstica. Nesse contexto, a expressão “home as heaven” (“a casa
é como o céu”) marca esse contraste entre o espaço público, como lugar onde domina a
corrupção, a competitividade e o caos, e o espaço privado, como um abrigo de harmonia e
paz. Desse modo, a masculinidade está relacionada, mais enfaticamente, ao individualismo,
à competitividade, à agressão e à racionalidade. Em contraste, a feminilidade é definida
como uma balança de atributos. As mulheres são apresentadas como afetuosas, nutridoras,
abnegadas e guardiãs da moral, das quais (enquanto mães) provém estabilidade contra o
exterior.
Os textos de Visão Missionária são marcados por essa divisão entre os papéis
ditos masculinos e femininos. De acordo com a revista, ser esposa e mãe é uma missão
dada por Deus às mulheres. Mesmo quando a publicação reconhece a atuação da mulher no
domínio público, o lar é sempre apresentado como o mais importante:

A mulher cristã tem vários papéis a desempenhar na sociedade, na igreja e,


principalmente, no lar, onde ela tem um ministério específico. Ela pode
edificar construir, eis o motivo pelo qual o senhor a criou. Contudo, se não
for sábia, pode vir a destruí-lo com as suas próprias mãos (VM, 3T1998).

De uma forma geral, nas revistas femininas, há uma tentativa de definir quais
são os papéis da mulher e do homem no lar. Em Visão Missionária, também encontramos
uma série de oposições entre o que caracteriza as funções de cada um:

(1) E Deus então formou a família onde a mulher foi colocada como a
peça fundamental para esta formação, pois depositou em suas mãos a
responsabilidade de ser o rochedo; a muralha; o ponto de equilíbrio, a
orientadora, a ajudadora, uma vez que Deus lhe deu características e

80
funções que só ela pode desempenhar, já que para isto a criou (VM,
3T1998, grifo nosso).

(2) Obviamente, todos nós queremos ser bem sucedidos na vida. Este é,
sem dúvida, o anseio natural de todo ser humano. O homem quer ser
um bom marido, um bom pai, um excelente profissional. A mulher
também quer ser uma boa esposa, mãe, dona de casa. Creio que toda
mulher, principalmente a mulher cristã, tem consciência de sua
responsabilidade, e cada uma delas deseja cumpri-la da melhor forma
possível (VM, 3T1998, grifo nosso).

(3) A força dessa união e compromisso são tão grandes que a mulher é
capaz de casar-se com um homem e sair para onde ele for, a fim de
formar uma nova família (VM, 2T1995, grifo nosso).

(4) A mulher, em sua fragilidade, é possuída de doce encanto e


suavidade, possui, no entanto, emoções fortes e impulsos sexuais que,
se não bem administrados, são capazes de destruir tudo de bom que
Deus criou para os seres humanos. Por isso, é necessário, que a
MULHER, principalmente nos dias atuais, seja esclarecida, bem
informada; que abandone os “tabus” a respeito da sua sexualidade e a
use para glorificar o nome de Deus (VM, 1T1994).

(5) O homem é mais racional, prático, de poucas palavras e mais objetivo.


A mulher é mais sentimental, fala mais, gosta de detalhes, valoriza a
pessoa (VM, 3T1998).

Em (1), a mulher teria a responsabilidade de ser a “orientadora” e a “ajudadora”


no lar. Segundo a revista, Deus haveria dado características e funções específicas para a
mulher. Nesse sentido, a repartição de papéis entre o homem e a mulher teria sido dada por
Deus. Assim, há um efeito de sentido de que essa repartição seria natural e divina. Tendo
em vista que no discurso cristão a vontade de Deus é imutável e inquestionável, por
conseguinte, essa repartição de papéis também seria.
A análise da formulação (2) mostra que a revista defende que é um anseio
natural querer ser “bem sucedido na vida”. O sentido da expressão “bem sucedido”,
entretanto, varia do homem para a mulher: ele “quer ser um marido, um bom pai, um
excelente profissional”, ela, “uma boa esposa, mãe, dona de casa”. Para ela, “ser bem
sucedida” significa estar bem no domínio do lar, para ele, além disso, significa ser um
excelente profissional. Destarte, para a revista, uma mulher bem sucedida é aquela que é
uma boa esposa e mãe.

81
Em (3), a mulher é apresentada como desprendida, é ela que tem de
acompanhar o marido, onde ele estiver. De modo que a sua vida social e profissional não é
levada em conta, uma vez que ela sempre deve estar disposta a acompanhá-lo.
Já em (4), a mulher (principalmente no que diz respeito a sua sexualidade) é
vista como uma ameaça que pode “destruir tudo de bom que Deus criou”. Essa formulação
retoma o mito da criação bíblico, em que Eva teria sido a responsável por extinguir a paz do
paraíso, fazendo o homem (Adão) pecasse e se separasse do Criador. Segundo a revista, a
mulher teria “fortes emoções e impulsos sexuais”. E, tendo isso em vista, ela é advertida a
ter uma vida equilibrada, a ter /Moderação/, a fim de que não se torne um problema. Para
tanto, exige-se dessa mulher que ela tenha uma boa /Formação/, que esteja bem
“informada” e “esclarecida”. Tal /Formação/ é alcançada principalmente pela leitura de
Visão Missionária, e também, pela revista Mulher Cristã Hoje.
A formulação (5) aponta para uma repartição de papéis entre o feminino e o
masculino: o homem é “racional”, “objetivo”, enquanto a mulher é “mais sentimental”,
“fala mais”. Essa relação do masculino com o racional sustenta a tese de que o homem é o
chefe do lar, como é defendido no texto intitulado “As chaves bíblicas para o sucesso no
lar”, veiculado segundo trimestre de 1983. De acordo com o texto, uma dessas chaves é a
da liderança, a qual é caracterizada como “muito importante, especialmente para o esposo”.
Destacamos alguns excertos desse texto:
Ser o cabeça significa ser o líder. Não significa apenas a autoridade a exercer.
Não significa usar o uniforme e ter o direito de dar a palavra final. Significa tudo
isso, mas também significa assumir as responsabilidades que acompanham tal
autoridade. O marido deve, de fato, governar (administrar) o lar. Ele é
responsável por tudo quanto sucede em seu lar!

Exercer autoridade não significa esmagar os talentos e dons da esposa. Liderança


não significa tomar decisões sem fazer consultas à esposa e aos filhos. Liderança
não significa deixar de dar à esposa o poder de tomar decisões ou fazer qualquer
outra coisa. O bom marido pensa na esposa como uma benção de Deus, útil,
prestimosa e maravilhosa. A esposa é auxiliadora, e como tal o marido a terá. Ele
a estimulará em ajudá-lo. Liderar a família significa cuidar para que todos os
membros da família recebam o melhor tratamento. Bem-estar físico, alimentação,
roupa, moradia, estudo, etc.

O texto defende a tese de que o homem é o líder do lar. Ser líder seria “ter
autoridade”, “dar a palavra final”, “assumir responsabilidades”, “governar”, “ser

82
responsável”. O papel do homem no lar é liderar em consonância com a esposa. Ele é o
responsável, ela é a auxiliadora. Ele cuida da família oferecendo “bem-estar físico,
alimentação, roupa, moradia, estudo”. É o provedor. Ela é apresentada como uma “benção
de Deus”. A análise faz ver que, enquanto as atribuições masculinas estão relacionadas à
racionalidade (dar a palavra final, assumir as responsabilidades, governar), as atribuições
femininas estão relacionadas à afetuosidade (“útil”, “prestimosa”, “maravilhosa”). Essa
divisão relaciona-se a um discurso de que os homens seriam mais racionais, enquanto as
mulheres mais sujeitas às emoções. Nesse sentido, o espaço público poderia ser muito
perigoso para elas.
A revista defende, assim, que a mulher reconheça o marido, portanto, como
líder do lar:

No lar, seja boa esposa, honre seu marido, reconheça ser ele o chefe do lar,
compartilhe de suas atividades (VM, 2T2001).

Em suma, nos textos de Visão Missionária, encontramos três teses relativas ao


funcionamento do lar:
i) o homem é o líder do lar, responsável por conseguir as
provisões;
ii) a mulher é a companheira e auxiliadora do homem no lar,
sendo responsável por gerenciar as provisões;
iii) homens e mulheres têm papéis específicos na condução do lar
por uma razão divina.

4.1.1 A esposa evangelista

Em Visão Missionária, a esposa, além de suas atribuições, também é


representada como responsável pela conversão de seu marido, caso ele ainda não seja
cristão:
(1) Espera-se da esposa crente que ela testemunhe com fidelidade acerca
de sua experiência com Jesus Cristo, da diferença que Cristo faz. Ela
deve viver de maneira a refletir Jesus Cristo, ela deve perfumar,
aromatizar com o suave cheiro de Cristo o ambiente onde vive. A
presença real e constante de Jesus Cristo no lar e a união íntima da

83
mulher cristã com ele, vão produzir o odor que atrairá a atenção do
marido não crente e dos que estiverem de fora (VM, 2T1995).
(2) A compaixão, amor, serviço, humildade, mansidão, justiça. A maneira
como a esposa cristã trata o seu marido não crente é fundamental para
o testemunho (VM, 2T1995, grifos nossos).
(3) Lembre que para alcançar o alvo de ver o seu esposo salvo, deverá
conservar uma linguagem amável, adaptando a maneira de ser aos
desejos dele; preparando os alimentos que ele gosta, tendo a mesa
posta e pronta quando ele chegar, em honra, preferindo-se um ao
outro, conservando o seu corpo limpo e não apenas perfumado,
interessando-se pelas coisas que ele gosta (VM, 2T1995).

A análise dessas formulações indica que a mulher é representada como a


responsável pela /Evangelização/ do marido descrente. As suas atitudes enquanto dona de
casa são fundamentais para “converter” esse marido em um cristão. Para tanto, ela é
advertida a ser compassiva, amorosa, humilde, mansa, justa, uma boa cozinheira,
arrumadeira, asseada. Deve, assim, adaptar a sua “maneira de ser aos desejos dele”. Nesse
discurso, ser uma boa esposa significa servir ao marido, e esse “serviço” tem como objetivo
a /Evangelização/ dele.
Para os protestantes, o papel da mulher enquanto esposa e mãe é primordial.
Uma das bandeiras protestantes foi o fim do celibato. Os líderes protestantes poderiam (e
deveriam) ser casados. Para eles, o casamento é o caminho dado por Deus ao homem: “uma
chance de agradar a Deus” (VM, 1T2008).

4.1.2 A esposa do pastor

O historiador Jean Baubérot (1991) afirma que, no que concerne à situação da


mulher, o protestantismo rompe com o catolicismo, na medida em que considera a vida
secular e a vida conjugal um lugar privilegiado para a mulher. Nesse sentido, surge a figura
feminina da “esposa do pastor”. Ela aparece associada ao ministério do marido e exerce
funções como hospedar, visitar, ensinar e cuidar dos fiéis.
Baubérot explica que o período da guerra de Secessão nos Estados Unidos e da
Primeira guerra mundial, na Europa, altera profundamente o papel da esposa de pastor. Pela
ausência prolongada de seu marido, ela precisa exercer tarefas pastorais. Nas palavras do
autor, essa mulher

84
teóloga autodidata, reconforta, aconselha, explica a Bíblia, dirige mesmo reuniões
de oração. A prática parecerá tanto mais natural quanto mais essa mulher
provenha de um meio social e cultural elevado, e quanto os seus auditores,
homens e mulheres, sejam de condição modesta (BAUBÉROT, 1991, p. 242).

De acordo com o autor, há três tipos de situações. A substituição parcial,


quando a mulher, já acostumada a ajudar o marido, realiza atividades como o presidir
reuniões e visitar doentes. A substituição interina, quando a mulher realiza todas as
atividades eclesiásticas, como casamentos, serviços fúnebres e os sacramentos (batismo e
ceia). E a substituição com inovação, uma vez que a mensagem deve dar conta dos tempos
difíceis da guerra, novas atividades se impõem. Assim, ao voltar, esse pastor encontra uma
igreja local modificada e uma esposa que deu provas da sua capacidade no ministério.
O autor conclui que a “mulher do pastor” torna-se, portanto, um modelo
positivo aos olhos da comunidade, como uma imagem de mulher dinâmica. Como explica o
autor, “prova de que é possível para mulher não se limitar ao seu interior sem se afastar da
‘modéstia que convém ao seu sexo’ e mantendo ‘uma moral irrepreensível’”.
(BAUBÉROT, 1991, p.244).
Na igreja batista, a esposa de pastor é a figura feminina mais importante, tanto
que no primeiro dia de março, comemora-se o dia da esposa do pastor. Ela é vista com
admiração:

Depois de alguns dias de oração, ele conversou com a esposa sobre sua chamada.
Para sua surpresa e confirmação da vontade de Deus, viu Olinda dando pulos de
alegria, pois desde a adolescência ela achava lindo ser esposa de pastor. Olhava
embevecida e apreciava como “ídolos” as esposas de seus pastores. E agora seria
a realização de seus sonhos – tornar-se esposa de pastor (VM, 1T1989, grifo
nosso).

O excerto enfatiza a alegria que uma mulher batista sentiu ao se tornar “esposa
de pastor”, posição que admirava desde a sua adolescência. Segundo a revista, ser esposa
de pastor implica também em desprendimento, uma vez que a mulher deve estar disposta a
seguir seu marido, deixando de lado, se necessário, a sua vida profissional:

Logo Neila começou a lecionar no então Instituto Bíblico Batista Paranaense


(IBP). Em 1971-1975 seu esposo assumiu o terceiro pastorada na PIB em Ponta
Grossa. Como presidente da UFM da Associação de Campos Gerais, ela visitava

85
as igrejas da Associação e fazia estudos dos manuais das organizações, realizava
encontros, retiros e ia organizando a UFM nas igrejas.
Sempre alegre, sorridente, desprendida, amando a obra do Senhor sobre todas as
coisas, deixou por todos os lugares por onde passou um rastro de luz e serviço.
No ano de 1975, seu esposo foi eleito Secretário Executivo da Convenção Batista
Paranaense, cargo que ocupou até 1993. Assim voltaram para Curitiba, onde
também pastoreou interinamente diversas igrejas (VM, 3T1995, grifos nossos).

No excerto, embora a mulher tivesse uma ocupação, era “desprendida”,


acompanhando seu marido onde quer que estivesse, “sempre alegre” e “sorridente”.
Segundo esse discurso, o acompanhar o marido em sua missão está ligado ao amor à obra
de Deus “sobre todas as coisas”.
Em Visão Missionária são encontrados diferentes textos que tratam da esposa
do pastor e defendem a sua atuação junto ao marido: “E, como esposa de pastor, não se
furta ao privilégio da visitação e aconselhamento” (VM, 1T1989). Em uma de suas
matérias, a revista discute algumas situações constrangedoras e as reações esperadas para a
mulher do pastor:

O que a esposa do pastor faz quando o líder principal da igreja critica seus filhos
ou seu marido ou todos os programas da igreja? Você sabe que não adianta nada
brigar com ele (aliás, pode até ser perigoso!), você nem quer ouvir, mas
infelizmente você tem que ouvir. Você fica abanando sua cabeça como se
estivesse concordando com a pessoa que está acabando com o seu marido! Por
dentro você quer estrangular este “irmão” e defender sua família, mas acaba
dando razão a ele (VM, 1T1996).

Seu marido acabou de pregar a pior mensagem que você já ouviu sair da sua boca
ou falou uma daquelas coisas que não deveria ser dito no púlpito, e você faz o
quê? Você olhara para o seu marido como toda sua atenção, com seus olhos
cheios de devoção como se ele fosse o homem mais espiritual e inteligente da
face da terra. Por dentro você está morrendo de vergonha, mas a esposa do pastor
sempre vibra com tudo que seu marido faz (VM, 1T1996).

Essas formulações indicam que, enquanto esposa de pastor, a mulher deve ser
extremamente abnegada. Suas vontades devem ser deixadas de lado, a fim de que elas não
estraguem o ministério de seu marido. Ela deve estar “sempre alegre e sorridente”.
Entretanto, a UFMBB reconhece que a missão dessa mulher é difícil:

Quando nasceste, tão pequenina e indefesa, como todas, precisavas de cuidados,


carinho e muita atenção, mas Deus lhe tinha algo a acrescentar. [...] Mas um dia
Deus colocou em suas mãos um compromisso, SER ESPOSA DE PASTOR, ser
exemplo, pacificadora, orientadora, cativante, mulher de oração, pois sua missão

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não é fácil, além de sua vida, seu trabalho, seu compromisso com o lar, tem algo
especial que Deus lhe reservou, sob o título: MULHER DE PASTOR35.

A esposa de pastor é representada como uma mulher exemplar, que concilia as


tarefas domésticas, o trabalho e a função de ser “esposa de pastor”. Ela é, portanto, uma
mulher ativa. O que está de acordo com a semântica batista, que defende a /Ação/ do cristão
no mundo. E também se relaciona a /Ordem/, em que cada um deve fazer aquilo que lhe é
atribuído.

4.1.3 A ordenação feminina

De uma forma geral, a igreja batista reconhece a /Ação/ da mulher em


diferentes funções na igreja:

No programa de educação religiosa das igrejas batistas, há espaço para o


envolvimento de toda mulher nos ministérios, desde a Escola Bíblica até as
diferentes organizações da Divisão de Crescimento Cristão. A organização
Mulher Cristã em Ação (MCA) patrocinada pela União Feminina Missionária do
Brasil, na Divisão de Crescimento Cristão, reconhece a atuação da mulher e a
incentiva a uma ação dinâmica no reino. Se propõe a ajudar a mulher a ampliar a
sua visão missionária, reconhecendo que missões não se restringem apenas a
enviar missionários aos campos, orar e contribuir para o seu sustento, mas a um
envolvimento diário em sua vida de testemunho, fazendo de missões um estilo de
vida (VM, 2T2001).

Entretanto, a igreja ainda não reconhece o sacerdócio feminino. Embora a


Convenção Batista Brasileira defenda que as mulheres exerçam as funções de educadoras
cristãs, de missionárias, de líderes, que trabalhem na área da música e da ação social, a
ordenação de pastoras batistas ainda não é uma questão aceita pela Convenção. As
mulheres podem realizar os sacramentos (ceia e batismo) apenas em situações especiais,
como missionárias, se autorizadas pela igreja local e também pela Convenção Batista. Essa
questão tem sido objeto de polêmica na igreja. Enquanto alguns defendem a possibilidade
de pastoras, pela igualdade entre homens e mulheres, outros defendem que a consagração
de pastoras é apenas um modismo, sem embasamento bíblico.

35
http://www.ufmbb.org.br/. Acesso em: 10 jun. 2011.

87
4.2 Mãe: a guardiã da fé

Um dos discursos acerca da mulher é o seu papel de guardiã dos ensinamentos,


das tradições, da cultura e da fé, enquanto responsável pela educação dos filhos. Em Visão
Missionária, a mulher-mãe é uma educadora, responsável pela “conversão” dos filhos a
doutrina batista. É por seus ensinamentos que eles alcançarão a fé (batista). A revista
defende que “o lar também é o primeiro ministério da mulher, pela importância
determinante na formação do ser humano e na sociedade” (VM, 1T1990). Na publicação,
são defendidas algumas teses sobre a figura da mãe:

A mãe deve ter uma (1) Para o exercício de tão nobre tarefa [da formação do cidadão], a
mãe precisa de sabedoria divina, de amor, dedicação e também de
boa /Formação/ cuidar de si mesma. O preparo deve anteceder à realização de
qualquer atividade, principalmente a educação dos filhos. Nada
mais sério e de maior responsabilidade do que a bagagem espiritual
que deve preencher a sua vida e ser repassada a seus filhos (VM,
2T1991, grifos nossos).

A mãe é uma (2) A Benção da Maternidade: Joquebede tomou à iniciativa e, com


muita criatividade, providenciou os recursos e a estratégia de
formadora preservação. Zelosa como ama, extremosa como mãe, fiel como
transmissora da fé. Joquebede preparou o seu filho para viver e
convier na corte do Faraó, mas também como cidadão do seu povo
– Israel. Aprendemos com ela que, mesmo em situações adversas,
é possível criar filhos que amem e temam a Deus (VM, 2T1991,
grifos nossos).
(3) A família, segundo a intenção divina, é coisa de peculiar beleza.
Por isso mesmo, a mulher cristã, grande responsável na formação
espiritual do seu lar, deve viver o seu dia-a-dia cheia do Espírito, a
fim de poder olhar para a vida como se esta fosse um pomar
necessário à frutificação. Fomos escolhidas pelo Senhor para dar
fruto na família (VM, 2T1995, grifos nossos).
(4) A nós mulher cabe a sublime tarefa de orientar a formação moral e
espiritual de nossos filhos e netos (as crianças de hoje e os homens
de amanhã), através do convívio direto e, geralmente, mais
frequente do que outro qualquer. Nossas palavras são muito
preciosas, quando surgem as oportunidades do dia a dia. Em cada
situação que surge na vida de nossas crianças, devemos aproveitar
para deixar uma sementinha dos ensinamentos da Palavra de Deus
(VM, 3T1995).

A mãe deve (5) Como mães cristãs, entendemos que a disciplina é o processo de
educação do filho para prepará-lo não somente para a vida, mas

88
evangelizar os filhos para a vida eterna. A sociedade tem menosprezado o papel de
grande importância da mãe na educação de seus filhos. Como mães
cristãs precisam dar valor ao nosso propósito admirável de educar
os nossos filhos no temor e disciplina do Senhor. Através da sua
Palavra, Deus nos mostra como devemos ensinar os nossos filhos
(VM, 2T1995, grifos nossos).
(6) Você conscientizar-se do seu papel de mulher cristã, como esposa,
mãe, desempenhando-o dentro do lar, como primeiro campo
missionário (VM, 2T1983).

Ser mãe é um plano (7) A mãe que assume alegremente a sua missão sente que sua vida é
preciosa, porque está incluída no plano de Deus. O amor de Deus
de Deus para a mulher deve ser o princípio fundamental para conduzir a obra, e nós somos
o instrumento divino na prática de tão sublime tarefa. Exige muita
fé, perseverança, dedicação e muita dependência de Deus, pois é
uma missão gloriosa. Mães cristãs, devemos ter em mente que a
nossa influência é tão duradoura como a eternidade (VM, 2T1991,
grifos nossos).

A mãe é responsável (8) O lar também é o primeiro ministério da mulher, pela importância
determinante na formação do ser humano e da sociedade (VM,
pela formação da 1T1990, grifos nossos)
(9) Ser mãe é um privilégio de Deus. De todas as funções da mulher
sociedade no lar esta é mais sublime, a mais nobre, porque prepara o homem
para a vida (VM, 2T1991)
(10) A sociedade moderna, impregnada pela inversão de valores, tem
atacado violentamente o lar, ocasionando a queda do homem
moral, psicológica e espiritualmente. É urgente que os lares
cristãos se posicionem em favor da restauração familiar, e
principalmente a mãe cristã, que deve tomar consciência de que a
ela cabe o grande privilégio de ser responsável pela formação de
novas gerações (VM, 2T1991, grifos nossos).
(11) A maior atuação da mulher na sociedade é através da educação de
seus filhos. Como o mundo hoje precisa de mães dedicadas no lar!
[...] A sociedade só poderá ser salva através dos lares crentes (VM,
2T1991, grifos nossos).

Fitzgerald (2002) afirma que, para os protestantes americanos, a esfera pública


é privada de princípios morais, sendo das mulheres, enquanto mães, que provém a
estabilidade contra o exterior. Essas mulheres são descritas como afetuosas, nutridoras,
abnegadas, e, principalmente, guardiãs da moral. Nesse sentido, a autora propõe que a
exclusão feminina da esfera pública foi considerada por muitos, inclusive mulheres, como
necessária para protegê-las (e suas famílias) da contaminação moral da vida fora do “céu”
doméstico, protegendo a moral e a pureza sexual própria e de sua família.

89
Visão Missionária defende que “a maior atuação da mulher na sociedade é
através da educação de seus filhos”. Logo, o espaço principal definido para mulher é o
privado. Independentemente de tudo que ela fizer fora do lar, o mais importante é o que ela
faz nele, na formação dos filhos. De acordo com a revista, ser mãe é “uma missão
gloriosa”, um “privilégio de Deus”. Essa missão consiste em educar os filhos segundo a
doutrina cristã. Nesse discurso, a mulher é vista como “transmissora da fé” e “responsável
pela formação”. Portanto, a guardiã da fé no lar.
O lar, por sua vez, é caracterizado como “determinante na formação do ser
humano e da sociedade”. E o espaço fora do lar (a sociedade) é visto como um lugar
perigoso: “a sociedade moderna, impregnada pela inversão de valores, tem atacado
violentamente o lar, ocasionando a queda do homem moral, psicológica e espiritualmente”.
Chamamos a atenção para a formulação “a mãe que assume alegremente a sua
missão sente que sua vida é preciosa, porque está incluída no plano de Deus” em (7). Ela
aponta para dois efeitos de sentido: ser mãe é estar incluída no plano de Deus e assumir
esse papel de forma alegre faz com que a mulher sinta que sua vida é preciosa. Esse
segundo efeito é derivado de um discurso de que diz que uma mulher só se sente realizada
se for mãe. Tal efeito também se relaciona com o posicionamento protestante, que defende
o fim dos conventos e do celibato. Nesse discurso, ser mãe é uma “tão nobre tarefa”, “a
maior atuação da mulher”, “uma benção”. No entanto, junto a essa valorização do papel de
mãe, encontramos formulações como: “exige muita fé, perseverança, dedicação e muita
dependência de Deus”, “a mãe precisa de sabedoria divina, de amor, dedicação”. Tais
formulações apontam para uma certa tensão dessa função. Ser mãe “exige” muitos
requisitos, esforços e ações que vão muito além de “dar a luz”.
Em termos da semântica global, a responsabilidade da mãe enquanto
transmissora da fé está ligada a dois semas básicos: /Evangelização/ e /Formação/. A
mulher-mãe é uma evangelista e uma formadora em seu lar. Para tanto, deve ter também
uma boa formação cristã: “o preparo deve anteceder à realização de qualquer atividade,
principalmente a educação dos filhos”. A revista apresenta a Bíblia como uma espécie de
guia para a criação dos filhos: “Através da sua Palavra, Deus nos mostra como devemos

90
ensinar os nossos filhos”. Nesse sentido, para a publicação, a mulher cristã leva vantagem
em relação a não cristã na criação dos filhos:

Seus doces bebês se foram... Agora você enfrenta adolescentes que exigem,
protestam e criticam. Sua casa transformou-se em arena, em campo de guerra! É
aí que nós, mulheres cristãs, levamos vantagem. Na palavra de Deus,
encontramos orientação para superar todas as crises. Deus pode fazer por nossa
família o que o melhor psicólogo não consegue. O psicólogo pode ajudar, os
professores podem ajudar, o Pastor pode ajudar, mas só o Senhor da Paz pode
resolver definitivamente o problema.

Em nossas salas, a TV induz a tudo que é mau, apregoando o imediatismo e o


consumismo, doa a quem doer, custe o que custar. Mas a palavra de Deus vem
em nosso socorro e tranquiliza nossos corações de mães dizendo – Não tema!
Não se espante! (VM, 3T1995).

A revista não nega a importância de vários profissionais na educação dos filhos


(psicólogo, professores, pastor), no entanto, a Bíblia é apresentada como um guia de
solução para os problemas com os filhos adolescentes. Por outro lado, a televisão é avaliada
como algo negativo, que ensina o “imediatismo” e o “consumismo”, combatidos no
discurso cristão, que, de uma forma geral, defende o não apego às coisas “mundanas”.

4.2.1 A mãe da sociedade

Segundo a UFMBB, a mesma responsabilidade da mãe, enquanto formadora


dos filhos, é atribuída à mulher, enquanto formadora da sociedade. A atuação feminina na
esfera privada, com o ensino da moral e dos valores da religião aos filhos, influencia na
formação da sociedade. Não só porque a mulher é responsável pela formação de seus
filhos, mas também pelas crianças de um modo geral.
No século XIX, as mulheres protestantes argumentam que a pobreza, a
prostituição e o vício poderiam ser extintos, caso os cuidados femininos cristãos fossem
estendidos além das fronteiras do lar. De acordo com Baubérot (1991), nessa época, na
Alemanha, foram criadas as Sociedades de Senhoras protestantes, que tinham como
objetivo cuidar dos pobres e doentes. Essas Sociedades de Senhoras passaram a exercer as
funções das freiras católicas: o ensino e o cuidado das crianças e doentes. Em pouco tempo,
essas sociedades femininas multiplicaram-se não só pela Alemanha, mas por outros países.

91
Nos Estados Unidos, foram criadas as “Uniões de Mulheres Cristãs”. Segundo Fitzgerald
(2002), essas Uniões se multiplicaram após a guerra civil, sustentadas pelo princípio “Por
Deus, pela casa e pela Nação”.
No Brasil, a UFMBB também se responsabiliza pela “ação social” na igreja
batista, desenvolvendo atividades para crianças, viúvas e idosos. O sema da /Formação/
também está ligado a essa “ação social”. A editora da UFMBB publica a revista Sorriso,
que é direcionada à educação religiosa das crianças. Ademais, na própria revista Visão
Missionária, aparecem artigos relacionados ao cuidado com as crianças. Como por
exemplo, destacamos a conclusão de uma reportagem veiculada no quatro trimestre de
1993, intitulada “Direitos das crianças”:
Como crentes em Jesus Cristo precisamos envidar esforços para que a criança,
não só em nosso lar ou igreja, mas em toda a comunidade, seja alvo de eficientes
cuidados sanitários e educacionais. Necessitamos criá-la com amor e autoridade,
no temor e na admoestação do Senhor, não permitindo que seus direitos sejam
usurpados (VM, 4T1993).

Essa reportagem trata do Estatuto da Criança e do Adolescente aprovado em


1990. Após descrever as principais metas desse documento, o enunciador faz uma relação
com a fé cristã, afirmando que é de responsabilidade dos crentes fazer com que o estatuto
seja cumprido e que as crianças sejam educadas nos princípios cristãos. Mais uma vez a
definição de educação está ligada aos semas /Formação/ e /Evangelização/.
Visão Missionária tem uma seção específica para tratar de questões sobre a
Terceira Idade e também apresenta textos acerca das viúvas. Os cuidados com as crianças,
viúvas e idosos, nesse discurso, relacionam-se também à /Formação/ e /Evangelização/
desses.
Ainda quanto à educação, a proposta do sacerdócio universal de Lutero fez com
que houvesse uma preocupação com a instrução das mulheres nos países protestantes, o que
levou a um relativo avanço da educação feminina nesses países. A UFMBB mantém duas
escolas de ensino religioso para as mulheres: o Centro Integrado de Educação e Missões
(CIEM), no Rio de Janeiro, e o Seminário de Educação Cristã (SEC), em Recife. No dia 23
de junho, a UFMBB comemora o dia da “Educação Cristã Missionária” e promove uma
campanha em prol dessas instituições de ensino. Essas instituições têm como objetivo
formar educadoras cristãs. Segundo Visão Missionária,

92
Educação Cristã é mudança, transformação e crescimento com base no
conhecimento dos princípios de Cristo, fundamentada na Palavra de Deus. A
educação cristã começa com a experiência de conversão e deve continuar até o
fim da existência terrena do cristão (VM, 2T2001).

Dessa forma, a /Formação/ cristã é um processo contínuo. As alunas dessas


instituições são apresentadas como “agentes de transformação” na sociedade, devendo se
ocupar, por exemplo, da alfabetização:

O analfabetismo tem sido um grande problema brasileiro. A educadora formada


pelo IBER, Léa Teixeira do Nascimento, sentindo o peso daqueles que vivem nas
trevas da ignorância intelectual e espiritual, preparou um método de alfabetização
com palavras geradoras, baseado no evangelho de João (VM, 2T2001).

Essa alfabetização está relacionada ao estudo da Bíblia. O método de ensino de


leitura é baseado na Bíblia. O objetivo final desse ensino é a /Evangelização/. Essa
alfabetização também se relaciona à /Integração/. A mulher deve estar integrada na
sociedade, enquanto educadora, para poder evangelizar.
Desse modo, as duas funções essenciais das mulheres no protestantismo são a
educação e a obra social. Na UFMBB, o cuidado social e a educação são da alçada mulher
batista. Ela é a responsável pelo bem-estar e ascensão cultural e social da família. Como
educadora no lar, é a transmissora da fé cristã. Muito mais do que no ambiente da igreja, o
lar é onde se aprende os valores morais e religiosos, ensinados pela mãe. O papel da mulher
como guardiã da casa estende-se, por conseguinte, à coletividade e à nação.

4.3 O privilégio de ser sogra

Por fim, a última função que discutimos da mulher no lar é na relação


nora/sogra. Nas revistas femininas, a relação sogra e nora é um tema muito discutido. Há
um discurso de que sogras e noras não se entendem. Por exemplo, na revista Criativa do
mês de junho de 1993, encontramos uma reportagem intitulada “Sogras & noras: a mais
antiga das guerras continua”. Dessa reportagem, selecionamos alguns excertos:

Tão antiga quanto a história do homem, a relação entre sogras e noras sempre
esteve mais para barril de pólvora que mar de rosas.

Geralmente bem-intencionadas, mas frequentemente desastradas, quando


ansiosamente se lançam a socorrer os jovens casais, as sogras ganharam, ao longo

93
da história, a fama de intrometidas, indiscretas, invasivas, inconvenientes e
indesejáveis.

Se são cansativas, desagradáveis e causadoras de tanto sofrimento e amargura, as


brigas de nora com sogra podem, também, ser profundamente injustas, revelando
equívocos que só o tempo e a experiência podem desfazer.

Essas formulações caracterizam a relação entre sogra/nora como uma “guerra


antiga”, “um barril de pólvora”, uma relação cheia de brigas. As sogras são caracterizadas
como “intrometidas”, “indiscretas”, “invasivas”, “inconvenientes”, “indesejáveis”.
Em Visão Missionária, a relação sogra/nora também é avaliada como tensa:

Ser sogra ou nora é, dos relacionamentos da mulher no lar, talvez o mais difícil,
ou pelo menos o mais questionado (VM, 1T1990).

Qualquer sogra hoje que tenha noras a ganhar para Cristo há que ter grande
preocupação e cuidado com seu testemunho, com seu comportamento (VM,
1T1990).

Ser mulher fiel no mundo de hoje, convivendo com sua nora em paz, é um grande
desafio (VM, 2T2004).

Se há um relacionamento que precisa ser cultivado e vivenciado a cada dia é a


relação entre nora e sogra. Porque há tantos desencantos, tantos desabafos e
tantas mágoas guardadas? Precisamos parar para refletirmos e procurarmos
estreitar os laços de amizade que unem esses dois personagens que precisam
desenvolver as relações interpessoais e assim viver momentos de alegria e prazer
(VM, 2T2004).

Vemos em nossas amizades, noras e sogras que pouco se suportam. A nora tem
comentários impiedosos para com a sogra. Esta, por sua vez, não compreende as
atitudes da nora. Que lares infelizes! [...] Se desejamos que Deus seja glorificado
em nossas vidas, precisamos pensar nas nossas relações familiares como noras e
como sogras. Hoje eu sou sogra. Amanhã posso ser sogra. É um círculo familiar
de que dificilmente fugimos. E quanta sabedoria é necessária para que Deus seja
glorificado na vida da mulher cristã (VM, 3T1994, grifos nossos).

Nesse conjunto de formulações, a relação sogra/nora é avaliada como um


relacionamento complicado (“o mais difícil”, “o mais questionado”, “um desafio”). Essa
mesma posição pode facilmente ser encontrada nas revistas femininas de uma forma geral.
A comparação da chamada dessa reportagem “Sogras X Noras: Nessa guerra ninguém é
boazinha” com uma veiculada em Visão Missionária, “O Privilégio de ser sogra”, indica
uma posição diferente das revistas. Ainda que em ambas, a relação seja avaliada como
tensa, na primeira, enfatiza-se o caráter ruim da relação como “uma guerra entre mulheres”,

94
na segunda, por sua vez, a relação é avaliada como “um privilégio”, como uma
oportunidade de /Ação/. Visão Missionária adverte a mulher a tornar essa relação
amigável. Para tanto, as figuras bíblicas de Noemi e Rute são tomadas como o modelo de
amizade entre nora e sogra que deve ser seguido.

Se devemos enaltecer o exemplo de Rute, como nora afeiçoada a Noemi, não


seria certo deixarmos de mencionar o exemplo de Noemi, como sogra
compreensiva e altruísta (VM,3T1994, grifos nossos).

Noemi foi uma sogra conselheira e amiga, orientadora nas horas de decisão
difícil. Sogra que animou e fortaleceu o espírito da nora, sogra amiga e boa (VM,
3T1994, grifos nossos).

E Rute? Nora humilde e atenciosa! Nora pronta a compartilhar, a obedecer, a


ajudar, a seguir! Em referência a Rute e Noemi, a Bíblia registra que as mulheres
de Belém disseram: “Ela te é melhor do que sete filhos” (VM, 3T1994, grifos
nossos).

Nessas formulações, a sogra, na figura de Noemi, é representada como uma


mulher “compreensiva”, “altruísta”, “conselheira”, “amiga”, “orientadora”, “boa”. A nora,
Rute, por sua vez, é uma mulher “afeiçoada”, “humilde”, “atenciosa”, “obediente”. Desse
modo, a sogra “intrometida” das revistas femininas de um modo geral é apresentada, em
Visão Missionária, como “conselheira” e “orientadora”.
Essa tentativa de fazer com que essa relação seja amigável está ligada à
semântica global desse discurso, com o sema /Evangelização/. A mulher é advertida a ter
uma relação amigável com a nora, com vistas a evangelizar essa nora. Deve se preocupar
com o seu comportamento para alcançar a conversão da nora. Dessa forma, como a mulher
casada com um homem não cristão deve ser submissa a ele, a fim de alcançar a conversão
dele, uma sogra batista de uma nora não cristã deve buscar a conversão dessa nora.

4.4 A profissional

Apesar de enfatizar a importância suma da mulher no lar, Visão Missionária


também aborda questões da vida profissional da mulher. Para análise, selecionamos alguns
excertos do texto “A mulher cristã nos dias atuais”, veiculado no segundo trimestre de
2001.

95
Embora tenha o lar como prioridade, com as novas conquistas a mulher precisa
saber dividir e controlar seu tempo com outras responsabilidades, sem renegá-lo a
segundo plano. Ao constituir sua família, ela faz votos diante de Deus de
preservá-la, e de tudo fazer para proporcionar a seu esposo e filhos o melhor do
ponto de vista físico, emocional e espiritual.

Embora seja a maternidade a maior satisfação da mulher como pessoa, a


experiência tem comprovado que desempenhar uma tarefa fora das atividades
domésticas traz bem-estar emocional para algumas mulheres, por exercitar suas
potencialidades. Alguns cuidados, no entanto, se fazem necessários quanto à
qualidade de tempo no lar, como parar para conversar, brincar com os filhos
menores, fazer as refeições juntos, se possível à mesa, compartilhar a Palavra de
Deus e orar. “A mulher sábia edifica a sua casa, mas a tola derruba com as suas
mãos” (Prov. 14.1). A mulher dos dias atuais – forçada a dupla jornada, necessita
de muita sabedoria divina para desempenhar seus papéis.

No texto, a mulher é advertida que sua principal função é o lar: ela deve cuidar
da família, “tem o lar como prioridade”, “a maternidade é a maior satisfação da mulher
como pessoa”, enquanto o lado profissional é considerado importante apenas “para algumas
mulheres”. Para reforçar essa posição, aparece uma citação do texto bíblico sobre a mulher
sábia que edifica sua casa. Essa citação cria o efeito de sentido de que está não é apenas
uma posição da revista, mas da Palavra de Deus. Nesse sentido, o texto defende que a
mulher precisa ter “muita sabedoria divina” para poder desempenhar sua dupla jornada.
Selecionamos também alguns excertos do texto “Os direitos da mulher no
trabalho”, veiculado no terceiro trimestre de 1992. Após descrever uma série de mulheres
bíblicas que trabalhavam e algumas considerações sobre a legislação do trabalho da mulher,
o texto apresenta as seguintes considerações:

Será que realmente as mulheres precisam trabalhar fora do lar? – Em princípio


poderemos dizer que sim, pois as circunstâncias da vida a levam a tanto. Muitas
precisaram preencher claro que os homens deixaram em diversos setores, por
causa das grandes calamidades que assolaram a terra, ou seja, as guerras. Outras,
para ajudarem a complementar o salário um tanto pequeno do marido, outras para
poderem ajudar na aquisição e manutenção de um certo conforto no lar. Mas que
isso custa muito caro à mulher custa. Muitas se desdobram como donas de casa,
funcionárias, bancárias, etc.
Pode ocorrer o caso de uma senhora não ter necessidade de trabalha fora de casa.
Os ganhos de seu marido são suficientes para manter o lar. Ela pode ficar em
casa, mas ficará como administradora, observando o trabalho das serviçais,
levando as crianças à escola, ensinando-lhes os a algum passeio, etc.
A mulher poderá também fazer alguns cursos avulsos: de costura, crochê, flores,
docinhos, música, idiomas; até mesmo poderá cursar uma faculdade, para
acompanhar o esposo em sua cultura.

96
Infelizmente há mulheres que preferem qualquer serviço, desde que não seja
dentro do lar. É uma pena. O serviço de casa não é assim tão monótono ou
enfadonho. Um pouco de criatividade e ele será agradável, rico, prazeroso. Uma
casa bem ornamentada pela própria dona da casa tem mais valor, um bolo feito
em casa é mais gostoso, um biquinho de crochê nos panos de pratos torna-os mais
apresentáveis. Aquela roupa feita por você, minha irmã, para seus filhos, é bem
mais bonita que a das lojas. Mas isso é, como disse de início, uma questão social.
Não é norma nem se pode criticar aquelas que lutam nas atividades fora do ar.
Mulheres que precisam de trabalho são solteiras, não têm uma pensão paterna,
então precisam bastante de trabalho e, geralmente, dão conta de todo esse serviço
com muita habilidade. Conseguem amealhar algumas economias e vivem sua
vida, sem serem pesada a ninguém. E, felizmente, a Previdência Social cuida das
viúvas (VM, 3T1992, grifos nossos).

O texto defende algumas posições em relação ao trabalho feminino fora do lar.


A mulher deve ser sustentada pelo homem. Isto é, quando casada, pelo marido, e quando
solteira, pelo pai. Assim, as mulheres que realmente precisam trabalhar são as solteiras que
“não têm pensão paterna”. Ademais, os verbos “ajudar” e “complementar” apontam para
um efeito de sentido de que o trabalho da mulher não é o mais importante da casa. O seu
trabalho apenas se soma ao trabalho do marido. Ele é quem deve dar o sustento do lar, ela
apenas contribui para um certo “conforto”. O texto também defende que trabalhar fora de
casa custa muito caro à mulher, posição ligada a um discurso de que a mulher sofre muito
para realizar uma dupla jornada de dona de casa e profissional.
Destacamos ainda a formulação: “A mulher poderá também fazer alguns cursos
avulsos [...] até mesmo poderá cursar uma faculdade, para acompanhar o esposo em sua
cultura”. Tal formulação abriga alguns efeitos de sentido: (i) os homens são mais cultos que
as mulheres. Esse efeito se liga a uma posição de os homens são mais racionais que as
mulheres; (ii) a mulher estuda para acompanhar o homem. Logo, não para se tornar uma
boa profissional ou por satisfação pessoal, mas apenas para acompanhá-lo.
Além disso, o texto ainda defende que as mulheres devem ser econômicas.
Posição que funciona como o avesso de um certo estereótipo de que a mulher é consumista
e gastadeira. A revista defende que a mulher realize uma economia doméstica, costurando
as roupas dos filhos, cozinhando bem, decorando a casa com artesanatos. Segundo o
periódico, tais coisas “feitas em casa” são melhores do que as industrializadas.
De uma forma geral, as duas profissões mais valorizadas para as mulheres
segundo a UFMBB são as de professora e de enfermeiras. Como já foi dito, espera-se dessa

97
mulher que ela seja uma “mãe” da sociedade, cuidando da educação e das obras sociais.
Nesse sentido, as profissão mais valorizadas nesse discurso estão mais ligadas a uma certa
imagem de mulher-mãe: aquela que cuida e instrui.
Também neste período, durante o movimento revolucionário desencadeado na
época, fez um curso de enfermagem, preparando-se para em caso de necessidade
servir ao seu próximo (VM, 2T1983).

Mercês tem sido uma vida plena, atuante e positiva cujo objetivo inicial – o
exercício da enfermagem – Deus aliou uma preocupação toda especial com o
trabalho feminino, onde atuou como ousada pioneira. Não só cuidou da saúde
física dos enfermos que foram colocados sob seus cuidados, mas também cuidou
do desenvolvimento espiritual e da implantação do espírito missionário nas
mulheres batistas de toda uma geração (VM, 4T1990).

A educação não apenas facilita a educação da mulher no mercado de trabalho.


Importante é que a educação da mulher se transfere para as gerações seguintes –
cuidam melhor da sua saúde e da de sua família; ajudam as crianças na escola,
evitando repetência e evasão escolar; transferem bons hábitos de higiene; enfim,
orientam a vida da criança de modo mais seguro. Sem dúvida a mulher dos dias
atuais ocupa uma posição estratégica na modelagem da sociedade (VM, 2T2001).

Começou a trabalhar como professora e fez da sua sala de aula seu campo
missionário. Pela graça de Deus, nos 39 anos em que foi professora estadual,
pode falar de Jesus na escola e ver muitos alunos rendendo-se a Cristo (VM,
1T2008).

Como professora [de matemática], a sua meta era o aluno como pessoa humana,
era uma alma que podia ser levada aos pés de Cristo, e o exemplo de sua vida
marcou a vida de muitos de seus alunos que até hoje guardam em seus corações a
imagem da querida professora Ester. Mais interessada em servir do que em
ganhar dinheiro, ela ajudou muitos jovens a encontrar o seu caminho na vida. Seu
exemplo de crente fiel impressionava. Sua conduta correta e honesta era um
exemplo a ser seguido (VM, 2T1983, grifos nossos).

Nos excertos as justificativas para o trabalho da mulher não são nem a sua
independência financeira, nem a sua realização pessoal, mas sim a oportunidade de servir o
próximo: seu trabalho visa ao “serviço cristão”. Ela deve conciliar sua atividade
profissional com a atividade de /Evangelização/.
Como já foi dito, um dos semas que regula o discurso batista é a /Integração/.
Nesse sentido, na revista, a mulher, sem esquecer que sua maior atuação é o lar, é advertida
a estar integrada no mundo, a trabalhar (sem esquecer que o mais importante é o seu lar), a
buscar seu espaço, mas espaço relaciona-se aos cursos oferecidos pelo IBER e o SEC:

98
Desde os tempos mais remotos, a mulher sofre discriminação, tanto no contexto
social como no aspecto religioso. Hoje, encorajada pelo desejo de mostrar sua
capacidade, a mulher vive em busca constante do seu espaço. O IBER e o SEC
têm oferecido a oportunidade da mulher atual desenvolver seu potencial através
dos ricos recursos da área acadêmica de prática, motivando-a e ajudando-a a
desenvolver o seu ministério dentro da realidade dos nossos dias (VM, 2T1991).

Os cursos oferecidos por esses institutos visam, assim, à /Formação/ da mulher,


para que ela possa trabalhar em seu ministério, isto é, a /Evangelização/. Além disso, a
mulher também é advertida a não ser demasiadamente autossuficiente. Ela deve procurar a
/Moderação/:
Tempos difíceis para a mulher virtuosa da Bíblia estamos vivendo. Fala-se em
altos brados sobre a libertação da mulher, sua emancipação e igualdade. A
mulher, esposa, mãe e companheira é trocada pela mulher liberal, funcionária,
sócia nos negócios e no amor. Andam juntos, porém vivem em apartamentos
separados. Infelizmente isto se dá até no meio evangélico. Mas apesar deste caos
social em que vivemos, ainda há mulheres virtuosas, esposas fiéis, dignas filhas
do Rei, companheiras para todas as horas, mães exemplares, cristãs verdadeiras
em todos os sentidos, verdadeiras servas do Senhor (VM, 3T1995).

No excerto, as mulheres são advertidas a não se tornem uma mulher liberal. Isto
é, segundo esse discurso, uma mulher que troca a posição de esposa/mãe/companheira para
se tornar funcionária e sócia. Analisando o excerto em relação às propriedades apresentadas
por Fitzgerald (2002), no que diz respeito às esferas privada e pública, vemos que a mulher
é advertida a não trocar “o abrigo e harmonia do lar” (enquanto mãe/esposa) pela
“competitividade” do mundo (tornando-se uma funcionária ou uma sócia do homem).

4.5 O sentido de “mulher cristã”

Uma das teses básicas da análise do discurso é de que as palavras ou expressões


não têm um sentido em si mesmas, mas que adquirem sentido no interior de um
posicionamento. Tendo isso em vista, teceremos algumas considerações a respeito do
sentido da expressão “mulher cristã” em Visão Missionária. Nos textos da revista, as
interlocutoras são, na maioria dos textos, interpeladas de diferentes modos. Um desses
modos é chamá-la de mulher batista ou mulher cristã batista:
No mês de agosto a denominação batista homenageia os adolescentes e jovens. A
UFMBB une-se nessa homenagem, conclamado a mulher batista a que adote um
adolescente ou jovem para oração e para demonstração de carinho, amor e apoio.

99
As pressões do mundo têm feito com que muitos deles percam os valores do
Reino (VM, 3T2007, grifo nosso).

No Brasil, como no mundo todo, mulheres cristãs batistas têm registrada uma
bela trajetória de serviços no Reino de Deus, de realizações, de conquistas e
vitórias para honra e glória desse Deus que é o dono da História (VM, 1T2003,
grifo nosso).

Nas sequências, a leitora é interpelada como “mulher batista” e “mulher cristã


batista”. Podemos afirmar que “mulher batista” e “mulher cristã batista” são equivalentes.
Uma expressão parafraseia a outra. Podemos fazer uma generalização do tipo “toda mulher
batista é cristã”. Por sua vez, é esperado que o contrário não seja verdadeiro, uma vez nem
toda mulher cristã é uma batista. Entretanto, a análise da sequência, a seguir, indica um
funcionamento diferente:

A mulher cristã tem nessa virada de milênio uma pagina de serviço para o reino
que representa o seu amor, dedicação e interesse pela obra, principalmente e da
evangelização incentivada que é colocar sua ação e sua influência como sal que
dá sabor, luz que reflete Cristo e perfume que dá fragrância e transforma o
ambiente “Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5.13,14).
Esta é e continuará sendo nossa missão [...] estaremos unidas às mulheres do
mundo em oração e estudo bíblico – celebrando as Promessas de Cristo - um
privilégio da mulher batista (VM, 4T1999).

Missões em um Mundo sem Fronteiras é o tema que norteará as programações


dos batistas brasileiros durante o ano de 2005, e que conclama a todos a um
compromisso de ação efetiva em favor do Reino de Deus- anunciar paz aos que
estão perto e aos que estão longe. A mulher cristã está inserida neste contexto
(VM, 2T2005).

Chega até você mais um exemplar da sua VISÃO MISSIONÁRIA – revista para
as Sociedades Femininas Missionárias Batistas. Continuamos a estudar neste
trimestre sobre o crescimento cristão, focalizando a responsabilidade que temos
de apresentar Cristo àqueles que ainda não o conhecem. Cada oportunidade de
testemunhar de Cristo precisa ser aproveitada pela mulher cristã – CREÇAMOS
NO RELACIONAMENTO COM OS NÃO CRENTES através do testemunho e
atuação pessoal. [...] Uma sócia da SFM em cada lugar. Sendo testemunha do
Deus vivo no lar, no emprego, na igreja, onde quer que Deus a tenha colocado
(VM,3T1984).

A análise dessa sequência indica que as expressões “mulher cristã” e “mulher


batista” são equivalentes: nesse discurso, “mulher cristã” significa “mulher batista”. Em
(3), a missão da /Evangelização/, contribuindo com orações e estudos bíblicos, é descrita
como “um privilégio” da batista. É ela que tem esse privilégio, não qualquer mulher cristã.

100
Em (4), “a mulher cristã” é convocada a participar da campanha evangelística batista, logo,
essa mulher cristã é uma batista. E em (5), “mulher cristã” é relacionada à Sociedade
Feminina Missionária Batista, logo, uma sócia desta sociedade. Nesse sentido, propomos
que, de uma forma geral, nos textos de Visão Missionária, a expressão “mulher cristã”
significa/retoma “mulher batista”. Na revista, raramente o termo “mulheres cristãs” refere-
se às mulheres cristãs de uma forma geral, mas se restringe às mulheres batistas. Para
discussão, apresentamos mais alguns dados:

A sociedade, a nossa comunidade, aí está a exigir cada vez mais uma atuação
dinâmica do crente. Os compromissos da mulher cristã devem ser buscados por
toda mulher que se dispõe comprometer-se com o reino de Deus quer como mãe,
profissional liberal, ou vocacionada especial. Devemos ser agentes da vinda do
reino de Deus, hoje, agora (VM, 2T1991).

Levantemo-nos mulheres cristãs. Choremos sobre nossa cidade, como Jesus


chorou, olhando para Jerusalém (VM, 3T1994).

Que as mulheres crentes de todo o mundo saibam cumprir o seu dever para com
as almas perdidas. Esse é o meu grande desejo e oração ao Senhor (VM, 2T1995).

Mesmo nesses exemplos, que, à primeira vista, a expressão “mulher cristã” ou


“crente” parece se referir a uma mulher cristã em geral, a “mulher cristã” representada nos
textos é a “mulher batista”. É ela, segundo esse discurso, que tem o compromisso de ser
uma agente e evangelista. Mesmo que nada impeça que, empiricamente, qualquer mulher
que se julga cristã leia e se identifique com as posições defendidas em Visão Missionária,
o termo “mulher cristã” na publicação refere-se à mulher batista. Dessa forma, na aparente
transparência do termo “mulher cristã”, há uma opacidade, que abriga em sua materialidade
uma polêmica: quem seria cristão, para o discurso batista: todos os que se dizem cristãos ou
apenas os batistas? Para essa discussão, levamos em conta o seguinte excerto:

Queridas Irmãs! Um feliz 1988 para todas! Muitas perspectivas nos esperam.
Como denominação batista, estamos sendo conclamados a um grande
MOVIMENTO NACIONAL DE DESPERTAMENTO ESPIRITUAL.
Incomoda-nos pensar que em um país de quase 140 milhões de habitantes, somos
apenas 650.000 batistas. Crescem, a cada dia, os assaltos, as violências, os
roubos, os furtos. Há desespero em toda parte. A nossa terra está doente. Até que
ponto, como crentes e portadores da mensagem do evangelho, somos
responsáveis por tudo isso? [...] O movimento está sugerindo aos crentes que
desejam participar ativamente dessa busca de crescimento, momentos diários de
oração às 0, 6, 12 e 18 horas. As Sociedades Femininas Missionárias de todo o

101
Brasil precisam unir-se a este ideal. Busquemos, queridas irmãs, o poder do alto;
demos lugar ao Espírito Santo de Deus para uma atuação plena em nossas vidas, e
veremos o quanto Deus pode fazer através de uma pessoa que se entrega
totalmente a ele (VM, 1T1988).

No excerto, após a apresentação de alguns dados estáticos em relação à


denominação batista, argumenta-se que o batista é também responsável pelo aumento da
violência (porque evangeliza pouco), e, para diminuí-la, deve participar do movimento
evangelístico. Como já foi dito, Maingueneau (2006) propõe que uma das características
dos discursos constituintes é que eles se propõem como defensores da “Verdade”. Nesse
excerto, os batistas se apresentam como os responsáveis pela /Evangelização/, que
resultaria em uma melhoria social do país (com a diminuição da violência). Eles são
interpelados como responsáveis pela melhoria da “saúde” da nação. Logo, o efeito é que
não é todo cristão que é responsável pela /Evangelização/, mas o batista. No excerto, os
termos “irmãs” e “crentes” se referem especificamente aos batistas (irmãs= mulheres
batistas e crente=batistas). Retornando a nossa pergunta: quem seria “cristão”, segundo o
discurso batista? Ou quem seria a “mulher cristã” nesse discurso? A resposta seria os
próprios batistas, que se apresentam como responsáveis pela “salvação” do resto do mundo.
Como já foi dito, eles não negam a cristandade dos demais, entretanto, propõem-se como
responsáveis e exemplos para os demais.

4. 6 Considerações finais

Visão Missionária trata das diferentes relações familiares e seus conflitos.


Enquanto mãe, esposa e sogra, a mulher é advertida a recorrer a um certo “espírito cristão”,
comportando-se de uma certa forma a fim de agradar a Deus. Apesar das relações
familiares serem descritas como tensas, é necessária uma atitude cristã (“zelo”, “sabedoria”,
“virtude”) para lidar com a família. A mulher é representada como responsável pela
harmonia do lar.
De um modo geral, a revista repete um discurso sobre a repartição de papéis,
em que as mulheres estão mais ligadas ao espaço privado, enquanto os homens estão mais
ligados ao espaço público. Embora eles sejam caracterizados como mais racionais e,

102
portanto, líderes, elas são apresentadas como formadoras e guardiãs da moral e da fé. Elas
são responsáveis por manter a harmonia, a paz e a fé da família. Na revista, ao discurso
típico da divisão de papéis, soma-se o discurso batista de que a mulher deve se preocupar
com sua /Ação/ e a /Evangelização/ em todos os lugares e em todas as suas funções. Deve
se preocupar em ser uma formadora e uma evangelista em todas as suas atividades seja no
lar, na comunidade ou no trabalho:
Fazer Cristo conhecido através de um viver diário que dignifique o nome de
Jesus, demonstrado no lar, primeiro campo de ação, na comunidade, ao se doar
em forma de solidariedade, na sociedade através de sua participação como
profissional competente e responsável ao exercer suas atividades (VM, 2T2001).

103
104
CAPÍTULO 5

A BELEZA E A FÉ NOS DISCURSOS SOBRE O CUIDADO


COM O CORPO

A verdade das revistas é ao mesmo tempo a mais evidentemente discutível.


Os homens e as mulheres que encontramos na rua ou com os quais vivemos
não são nunca como os das revistas, e, no entanto, resquícios de homens e
mulheres de revistas se encontram em toda a parte, em todas as lojas, em
todas as academias, em todas as conversas, em todos os sonhos. Logo, e
paradoxalmente, são os únicos reais (SÍRIO POSSENTI).

Vivemos numa época quando a beleza, o corpo definido é altamente


valorizado. Não podemos nem devemos competir com esse padrão que
prega que para sermos felizes devemos ser magras custe o que custar, e que
devemos consumir todos os cosméticos que são apresentados na TV. Deus
nos dá criatividade para sermos bonitas com atributos que Ele mesmo nos
presenteou (VISÃO MISSIONÁRIA).

5.1 Considerações sobre a beleza feminina

Segundo a teoria da Análise do Discurso, os sentidos não são literais e


unívocos, mas constituídos historicamente no interior de posicionamentos discursivos.
Logo, a interpretação do enunciado “esta mulher é bela” pode variar ao longo dos séculos.
Para a sociedade grega clássica, por exemplo, a beleza feminina, se é que era considerada
existente, não parecia ser digna de ser contemplada, pois o gênero feminino era um sinal de
imperfeição. Os únicos corpos femininos considerados realmente belos eram os das deusas.
A beleza humana feminina era vista como o resultado de engodos e enganos, como propõe
o filósofo Tatius (apud Olivier, 1999, p.34):
tudo que as mulheres fazem é falso tanto palavras quanto ações. Mesmo quando
uma mulher aparenta ser bela, isso se deve ao laborioso artifício da maquiagem.
Sua beleza é toda perfume, cabelo tingido ou poções. E se você despojá-la de
todos esses expedientes, ela se parecerá com a gralha da fábula despojada de toda
sua plumagem.

105
Assim, para os gregos, a beleza feminina não era um dado da natureza, mas
uma ilusão construída através da maquiagem e da toillete. Já, para os clérigos da chamada
Idade Média, por exemplo, a beleza feminina era temida e vista como um mal que poderia
causar tanto a sua própria destruição quanto daqueles que a seguissem. Nesse período, os
pregadores advertiam os fiéis dos perigos que a mulher representava com seus encantos
sedutores. E, para evitar qualquer problema de conduta, a mulher devia ser educada a ser
contida em seus atos, gestos, palavras, olhares, vestimentas e adereços, visto que a beleza e
a vaidade poderiam conduzir suas almas e de seus admirados à perdição.
Visão Missionária tem uma seção fixa para tratar de beleza. Essa seção, à
semelhança das seções sobre beleza tipicamente presentes nas revistas femininas, apresenta
recomendações sobre como cuidar do corpo, como se vestir e como se comportar. No
entanto, além dos cuidados com a aparência a mulher é advertida a cuidar da “beleza” de
diferentes aspectos da sua vida.
O objetivo deste capítulo é analisar como essa relação entre feminino e beleza
tem sido discursivizada na publicação em análise. Buscamos verificar como esse periódico
constrói uma imagem da chamada “mulher cristã” em relação ao cuidado com a beleza e o
corpo.

5.2 O cuidado com a beleza e semântica global do discurso batista

Como já foi discutido no capítulo anterior, em Visão Missionária, as mulheres


que aparecem em evidência como modelos a serem seguidos ou são mulheres bíblicas ou
mulheres que trabalham na UFMBB. Em relação às mulheres bíblicas, a rainha Ester é
tomada como exemplo máximo de beleza. A edição do segundo trimestre de 1990 apresenta
a seguinte descrição da figura bíblica:
Ester era dona de uma personalidade muito bonita. Segundo a descrição bíblica,
ela era muito formosa e de bela presença. Era atraente e agradava a todos (Est.
2:15). Mulheres que Deus pode usar para influenciar positivamente na sociedade
devem cuidar, sim, de sua aparência e postura. Não com vaidade excessiva, com
preocupações e gastos que excedam os limites da vontade de Deus, mas que
cuidem de ter uma presença atraente e agradável. Afinal, somos representantes de
um povo especial, o povo de Deus (VM, 2T1990, grifos nossos).

106
No texto, são afirmadas algumas teses a respeito do comportamento da mulher:
(i) ela deve ser formosa; (ii) deve cuidar da aparência; (iii) não deve ser excessivamente
vaidosa; (iv) deve ser econômica; (v) deve ter uma personalidade bonita; (vi) deve ser
atuante e influente na sociedade porque é representante de Deus.
No que tange às duas primeiras posições, essas também são defendidas nas
revistas femininas de um modo em geral. Tais revistas recomendam que a mulher cuide de
sua aparência, que seja e permaneça bela. Já a terceira posição não se encontra nessas
publicações. Nelas, a mulher nunca é advertida a tomar cuidado para não ser
demasiadamente vaidosa, ao contrário, ela é incentivada a arrumar-se e a investir em sua
beleza sempre e acima de tudo. Em Visão Missionária, a mulher é advertida a cuidar da
beleza, mas acima da beleza, ela é advertida a cuidar da personalidade e da conduta. Nesse
sentido, propomos que, nessa revista, as teses acerca do cuidado com o corpo são também
derivadas da Semântica Global batista.
Como já apresentamos no segundo capítulo, a Semântica global do discurso
batista é composto pelos seguintes semas:

No que diz respeito a enunciados sobre o cuidado com o corpo, propomos que
os semas que mais regulam esses enunciados são: /Ação/, /Evangelização/, /Integração/ e
/Moderação/. Segundo os batistas, os cristãos devem agir no mundo atual, estando
integrados e contextualizados. Uma comparação, por exemplo, entre as recomendações
para as mulheres na Igreja Pentecostal Deus é Amor e na igreja batista, mostra que
enquanto, na primeira, as mulheres não podem usar calças, maquiagem ou joias nem cortar
os cabelos, na igreja batista, as mulheres não tem nenhum tipo de restrição quanto às roupas
e aos ornamentos. Não há um tipo especial de vestimenta para as mulheres batistas, elas

107
devem estar integradas no mundo, embora tal /Integração/ seja moderada. Para esse
discurso, a mulher deve ser uma evangelista e uma transformadora.

5.3 Receitas de beleza para a Mulher Cristã

As revistas femininas apresentam diversas receitas para cuidados de beleza. Em


Visão Missionária, as receitas também são frequentes, como a seguinte:

Beleza feminina (VM 3T1989)


CABELO
A ação do vento, da chuva e do frio prejudica a elasticidade dos fios. Desta forma, eles acabam perdendo a
flexibilidade, ficam desidratados, feios, sem brilho. O resultado é desastroso para quem quer ter o cabelo
sempre vivo, forte, sedoso. Mas existe uma solução. Confira:
Cabelo quebradiço - Algas marinhas são um excelente remédio. Elas devolvem a beleza dos fios,
recuperando-os do desgaste causado pelo inverno. Misture uma colher (sopa) de algas e 20 gotas de óleo de
amêndoas. Aplique depois de lavar os cabelos, com eles ainda molhados, e deixe que o preparado permaneça
até a lavagem.
Cabelo Ressecado – A babosa - poderoso agente hidratante - é o principal ingrediente deste creme. No
cabelo limpo, passe a seguinte mistura: uma colher (sopa) de polpa de babosa, mais 20 gotas extrato glicórico
de melissa. Deixe descansar. Retire com água fria.
Cabelo sem Brilho – É no açougue que você vai comprar o produto que vai livrá-la deste mal: um
ossobuco. Depois de levá-lo ao forno até que derreta o tutano por completo, retire, espere ficar morninho e só
então massageie o couro cabeludo com o tutano. Um xampu para cabelo normal com uma colher (sopa) de
henna natural, tudo muito bem misturado, é claro, serve para retirar o tutano. Ê só aplicar, lavar e enxaguar
muito bem.
Cabelo Sem Vida – Espinafre serve para dar força ao cabelo. No liquidificador, bata um molho de espinafre
cru com uma xícara (café) de água. A seguir, vá passando no cabelo (limpo), sempre no sentido da nuca para
a testa. Deixe por vinte minutos, retire com água e repita o tratamento uma vez por semana.
Cabelo Oleoso – No inverno, quem tem cabelo oleoso sofre com o seguinte problema: enquanto as pontas
estão secas, as raízes permanecem oleosas. Misture uma colher (sopa) de henna em pó, uma colher (sopa) de
revitalizante com confrei. Deixe no cabelo por 30 minutos e vinagre de maçã.

Em Visão Missionária, não há propagandas de produtos de beleza como nas


revistas femininas em geral. Ademais, a mulher é incentivada a fazer em casa seus produtos
de beleza. Nessa publicação, tudo pode ser feito em casa, por conta disso, é comum a
presença de receitas de produtos de beleza caseiras. Nas revistas femininas em geral
também há receitas caseiras, porém intercaladas com produtos industrializados, já em
Visão Missionária, só aparecem as caseiras. Os mesmos problemas que xampus
especializados tratam como cabelo “quebradiço”, “ressecado”, “sem vida”, “oleoso”,
podem ser tratados em casa. Esse “fazer em casa” tem a ver com uma posição relativa à

108
mulher cristã: ela deve ser econômica. É comum encontrar na revista formulações que se
refiram à economia que a mulher deve fazer: “Você nunca mais vai precisar jogar fora o
esmalte”, “Faça você mesma o seu desodorante”. Assim, segundo a revista, a mulher cristã
precisa cuidar da aparência, mas deve ser econômica. Como já foi dito no capítulo anterior,
a posição de que a mulher deve ser econômica se constitui em um avesso a uma posição de
que a mulher é gastadeira e consumista. Nesse sentido, em combate a essa mulher
consumista, o discurso batista defende que a mulher seja controlada em seus gastos, não
gastando mais do que o necessário. A revista não defende que a mulher não compre coisas,
mas que as compre com /Moderação/:

Se pode ter roupas e calçados novos, ela fica feliz. Gosta bastante disso. Mas
também quando não pode tê-los, isso não faz diferença. Ela está feliz do mesmo
jeito (VM, 1T1989).

Na formulação, a felicidade da mulher batista não está nas roupas e calçados


novos, apesar de ela gostar “bastante” disso. A sua felicidade não depende dessas coisas.
De uma forma geral, na revista, há um combate ao “consumismo”.

A sociedade contemporânea está impregnada pela febre do consumismo, pela


paixão de possuir, atacada ferozmente pela máquina da propaganda que dia e
noite nos bombardeia, vendendo a filosofia de que a vida depende da abundância
dos bens materiais que o ser humano consegue acumular.

A insatisfação com os próprios bens e a aceitação submissa ao consumismo


exacerbado que a sociedade incute na mente de seus membros levam muitos
casais a contraírem dívidas que desequilibram a vida financeira e, por
conseguinte, a relação (VM, 2T1998).

A revista constrói a imagem de uma mulher contrária ao consumismo. Uma


mulher econômica, que não segue uma filosofia “mundana” de que a felicidade “depende
da abundância dos bens materiais”. Essa posição está ligada ao discurso cristão em geral,
que defende que a felicidade do cristão está nas coisas “celestiais”.
Selecionamos para análise também o seguinte texto da seção Seja Bela Sempre
do segundo trimestre de 1989:

109
Vestuário

Estar bem vestida é importante fator que contribui para o sentimento de


autoconfiança e bem-estar, e permite despreocupar-se de si mesma para dedicar a
atenção a outros interesses. É preciso que estejamos seguras de que as nossas
vestes não serão motivos para nos pormos em desagradável evidência. Quer a
falta quer o exagero podem levar uma criatura a sentir-se no ridículo, o que lhe
tolherá os momentos, atrapalhando-a. Todavia, a principal coisa para conservar a
necessária calma de espírito é habituar-se a andar sem luxo, mas decentemente,
com trajes que não suplantam o valor da personalidade, mas que sejam por esta
valorizados. A pessoa não deve ser notada e bem vista pelo seu traje, mas este é
que deverá ser notado e bem visto por pertencer à pessoa (grifos nossos).

Aparência Pessoal

A boa aparência ainda é soberana. Uma boa aparência é consequência de um bom


estado físico e mental, além de moral. A boa postura, pele sem imperfeições,
cabelos limpos e sedosos, mão bem cuidadas, olhos vivos, dentes bons, peso
normal, são fatores essenciais para a boa aparência, cuja conservação depende de
uma vida bastante regular, de nutrição perfeita, etc. Entre todos esses requisitos,
nunca se esqueça de manter em forma a sua vivacidade de espírito, revelada
numa atitude graciosa e pela conservação.
A aparência pessoal é como um espelho em que nos refletimos. De maneira geral,
revela a nossa personalidade. O princípio básico da boa aparência, deriva do
estudo da personalidade, como seja: ser natural e permanecer natural, evitar o
artificial e o extremo, depender principalmente da saúde adquirida pelo exercício,
sono, asseio e dieta adequada (grifos nossos).

Levando em consideração a proposta de Ducrot (1987), segundo a qual na


negação há dois atos ilocutórios distintos, na formulação “A pessoa não deve ser notada e
bem vista pelo seu traje”, há duas vozes: a do enunciador 1(E1) que diz: A pessoa deve ser
notada e bem vista pelo seu traje. E a voz do segundo enunciador, E2, que nega o E1.
Ducrot explica que a voz deste segundo enunciador é assimilada à do locutor, enquanto a de
E1 é a de um locutor diferente. Neste caso, a voz de E1 é relativa ao discurso de outras
revistas femininas, as quais enfatizam a importância sumária do vestuário: a pessoa é
notada e bem vista pelo seu traje.
De um modo geral, nas revistas femininas, sempre há seções dedicadas à beleza
e à moda. Além disso, há um segmento especializado de publicações que trata,
especificamente, de moda. Na revista Manequim, por exemplo, encontramos a formulação
“Chique em qualquer ocasião: o tipo de evento determina o estilo da roupa e dos acessórios
que você vai usar” (Manequim, Maio de 2003). Estas revistas defendem não apenas que há

110
roupas adequadas para cada ocasião, mas que a roupa “errada” pode determinar o fracasso
pessoal. Esse discurso também aparece em Visão Missionária. Segundo a publicação, a
mulher cristã também deve saber as roupas certas para utilizar em cada ocasião: “Uma
mulher é elegante não só quando se veste de acordo com a moda, mas também quando
escolhe roupas apropriadas para cada situação” (VM, 4T1999). No entanto, apesar de a
mulher dever se preocupar com seu vestuário, este não é o mais importante. A ênfase recai
na pessoa, em suas atitudes e comportamento. De acordo com a revista, o traje deve ser
notado e bem visto por pertencer à pessoa. O mais importante do que a roupa é a
personalidade. Se a personalidade não for boa, a roupa sozinha não resolve. Assim, nesse
texto, é defendida a tese de que a mulher deve estar bela, mas também de que a sua
personalidade vale mais que sua formosura. O advérbio “todavia” aponta para uma posição
de que, para esse discurso, mais importante do que os ornamentos é a “calma de espírito”.
Para conservar essa “calma de espírito”, a mulher cristã é advertida a andar sem luxo,
porém bem trajada. Desse modo, apesar de andar sem luxo, ela deve andar decentemente.
Uma roupa decente não é apenas a roupa comportada/honesta/decorosa, mas também
adequada e conveniente à situação.
Em Visão Missionária, a boa aparência é apresentada como decorrente de três
domínios: o físico, o mental e o moral. No que tange ao físico, o enunciador enumera os
seguintes fatores da boa aparência:
• boa postura;
• pele sem imperfeições;
• cabelos limpos e sedosos;
• mão bem cuidadas;
• olhos vivos;
• dentes bons;
• peso normal.

Tais requisitos são determinados por “uma vida bastante regular, de nutrição
perfeita”. Esse texto defende a tese de que a beleza física é resultante de uma série de ações
sobre o corpo. Fonseca-Silva (2007) afirma, por exemplo, que na revista Cláudia, a beleza
“é fruto de um trabalho da mulher sobre seu corpo, principalmente no que se refere ao
rosto. Ser bela é ter um corpo esbelto, um rosto sem marcas de envelhecimento, cabelos
tratados, pernas sem pelos” (p.212). Essa é uma posição típica defendida nas revistas

111
femininas. Em Visão Missionária, a beleza é descrita não como apenas um atributo
natural, mas fruto de um trabalho sobre o corpo, mediante disciplina, esforço e
gerenciamento de si, que requer “nutrição perfeita” do corpo, incluindo desde regras de
higiene (“cabelos limpos”) a cuidados específicos (“pele sem imperfeições”). Essas
recomendações estão sustentadas em posições do discurso médico /científico, segundo o
qual, a conservação de uma boa saúde é obtida por uma obediência a uma certa dieta, que
integra todo um estilo de vida.
Aliado a esses requisitos, o enunciador de Visão Missionária acrescenta:
“nunca se esqueça de manter em forma a sua vivacidade de espírito, revelada numa atitude
graciosa e pela conservação”. Fonseca-Silva (2007), em pesquisa acerca das revistas
Cláudia, Nova e Playboy, afirma que, nos discursos do cuidado de si materializados nestas
revistas, “a beleza é associada à saúde, ao prazer e ao bem-estar emocional. Há uma relação
direta entre aparência e autoestima, ou seja, a beleza liga-se ao aspecto moral e
psicológico” (p.229). Em Visão Missionária, encontramos um posicionamento semelhante
que relaciona beleza a saúde e também a aspectos psicológicos: “estar bem vestida é
importante fator que contribui para o sentimento de autoconfiança e bem-estar” (VM,
2T1989). Entretanto, para a revista, a boa aparência não se restringe ao cuidado com o
físico, mas integra também o cuidado com o espírito. Nesse sentido, não passa só pelo
físico e pelo mental, mas pelo “espiritual”.
De um modo geral, os mesmos lugares defendidos nas revistas femininas, são
reafirmados em Visão Missionária. Contudo, ao mesmo tempo, em que a publicação
também propõe que se cuide do corpo, afirma que o mais importante é a personalidade, “a
pessoa vale mais que o traje”. Esse discurso retoma que se cuide do corpo, mas nega que a
boa aparência seja determinada apenas pelo cuidado com o corpo. Sendo assim, há uma
certa polêmica em relação ao discurso veiculado nas revistas femininas em geral que
afirmam que a boa aparência é determinada pela aparência física e as roupas levam à
admiração. Em Visão Missionária, a beleza da mulher é condicionada também por sua
conduta:

112
A mulher cristã é graciosa e valorosa em todas as situações e circunstâncias de
testemunho. Mas a sua beleza interior cresce dada vez mais, agiganta-se, em
decorrência da sua comunhão e relacionamento com Deus. As Sagradas
Escrituras afirmam este conceito. Desde o Éden encontramos a mulher ímpar
singular, mãe de todos os homens. Na sua beleza de primeira mulher, saída tão
maravilhosa e singularmente das mãos de Deus. Seu rosto devia ser maravilhoso,
pois nele resplandecia as marcas da comunhão com o seu Senhor Criador. Sem
nenhuma dúvida era encantadora, como modelo e obra-prima do gênero do
humano, no ângulo feminino. Como deviam ser sublimes suas experiências de
comunhão com Deus, quando podia ouvi-lo na brisa suave, que corria pelo
maravilhoso jardim (VM, 2T1991. grifos nossos).

O texto defende que a beleza feminina é condicionada por seu “testemunho” e


“comunhão” com Deus. O rosto de Eva é descrito como maravilhoso porque “resplandecia
as marcas da comunhão com o seu Senhor Criador”. Em Visão Missionária, o cuidado
com a beleza passa, assim, pela semântica global do discurso batista, na medida em que a
beleza da mulher está associada ao seu comportamento e conduta, enfim, à sua /Ação/
como mulher cristã no mundo.
Ainda acerca das receitas de beleza, selecionamos o seguinte texto publicado no
terceiro trimestre de 2000 na revista Mulher Cristã Hoje, publicação ligada à UFMBB:

Tratamento de beleza

A beleza é um dos trunfos da mulher. Querer ser bela é inerente à feminilidade. Nestes dias em que a mulher
anda reinando não apenas no lar, mas se projeta no cenário público, é bom que esteja apta para reinar com
toda sua pujança.
A rainha Ester foi uma mulher que impressionou pela beleza, não apenas ao rei, mas ao guarda das mulheres e
a todos que a cercavam (Ester 2). A beleza de Ester não era superficial e nos fala de muito preparo. Foram
doze meses de embelezamento.
Eis o desafio dos próximos dozes meses para um tratamento de beleza que nos coloque numa postura que
glorifique o rei dos Reis. De tudo fez belo e admirou-se de sua criação. Aprimoremos também a beleza que
Deus criou.
A receita para esse tratamento começa com:

Limpeza interior – Do coração procedem as fontes de vida (Pv 4.20 a 27). Dele é necessário retirar todas as
manchas, cicatrizes de amargura, frustrações, toda a sujeira que esteja poluindo a alma. Jesus adverte que o
mal vem de dentro (Mc 7. 14-23) e Jeremias fala dos enganos do coração (Jr 17.9), por isso faz-se necessário
permitir um trabalho profundo do Espírito Santo para a remoção de tudo que possa comprometer a beleza do
caráter cristão. O Salmo 139.23,24 nos conduz à confissão e quebrantamento pela ação do Espírito.

Elixir de rejuvenescimento – A mente exerce um grande poder sobre nós. Somos, realmente, aquilo que
pensamos – belas ou feias, novas ou velhas. Paulo fala em transformação da mente (Rm 12.2). Faz mais efeito
que as operações plásticas que consertam ou pioram apenas o que é exterior. Encher a mente de pensamentos
positivos (Fl 4.8) e preenchê-la com a Palavra de Deus (Cl 3.15). Ai encontra-se o verdadeiro segredo da
fonte de juventude.

113
Óleo para a cabeça – O óleo da união derramado sobre a cabeça de Arão (Sl 133) que nos leva a amar as
pessoas, aceitá-las como são. Óleo que lubrifica os relacionamentos fluindo como ingrediente para uma
convivência saudável. Também o óleo da unção do Espírito que nos ungindo a cabeça, faz transbordar o
coração (Sl 23.5).

Batom para os lábios – É o louvor (Sl 34.1) nos recomenda a usá-lo constantemente. Evitemos palavras
ferinas, ou negativas ou o hábito da murmuração. Enfeitar os lábios com palavras de louvor, de conforto, que
levantem os abatidos e glorifiquem ao nosso Reis (Sl 19.14).

Maquiagem – Não há um processo mais eficaz para embelezar a face do que a alegria. “O coração alegra
aformoseia o rosto...” (Pv 15.13).

Brilho - O tempo que passamos com Deus dá brilho à vida. Que o diga Moisés (Ex 34.29). “Para ser bela pare
um minuto diante do espelho, cinco minutos diante de sua alma e quinze minutos diante de Deus” (Michel
Quoist).

Creme para mãos – Mãos adornadas com o serviço ao próximo. Mãos que trabalham, mãos que constroem,
mãos que ajudam, mãos que sustentam os debilitados (Ec 9.20 e Pv 31.20).

Calçados para os pés – Pés que andam por caminhos direitos. (Pv 4.26,27) Pés formosos que levam boas
notícias, as boas-novas de salvação (Is 52.7).

Traje – Alta costura do atelier do Senhor (1Pe 3.3,4) apresenta o trajeto do espírito manso e suave. E é a
única fórmula bíblica para conquistar o esposo para Cristo.

Perfume – Mais precioso que “Chanel 5”, pois é da “grife” do Senhor (2 Co 2.14, 15). O perfume de Cristo.
É um pouco diferente das famosas essências francesas cujos frascos precisam ser bem lacrados para não
exalar o aroma. Neste, o “vaso de alabastro” ( a nossa casca grossa) tem que ser quebrado para perfumar o
ambiente.

Etiqueta social – Aulas de etiqueta social não podem faltar ao nosso tratamento de beleza pois completam o
trabalho realizado. Define-se apenas numa palavra: AMOR. Sem ele nada tem valor. E com ele é possível nos
apresentarmos com nobreza em qualquer ambiente (1Co 13.5): “O amor comporta-se bem e não busca
vantagens próprias”.

Que Deus lhe proporcione muitas oportunidades para viver a beleza de Cristo em todo o seu esplendor.

À primeira vista, o texto parece ser uma receita de beleza comum que apresenta
os procedimentos para cuidados específicos. É dividido em itens típicos, que são
encontrados nas receitas de beleza: limpeza interior, elixir de rejuvenescimento, óleo para a
cabeça, batom, maquiagem, brilho, creme para as mãos, calçados, perfume e etiqueta
social. No entanto, há uma espécie de surpresa na leitura das especificações indicadas para
cada tratamento. No lugar de cuidados com o corpo, são recomendadas atitudes cristãs
como o louvor e a leitura da Bíblia. O uso dessas especificações é avaliado como melhor e
mais eficaz do que as veiculadas nas receitas de beleza de uma forma geral. Por exemplo, a

114
leitura da Bíblia é apresentada como elixir um rejuvenescimento que faz “mais efeito que as
operações plásticas que consertam ou pioram apenas o que é exterior”. Nesse sentido, a
receita não é para a beleza “exterior”, mas para uma certa beleza interior e espiritual.
Apesar de serem apresentados os mesmos lugares recorrentes nas receitas de beleza, as
especificações são outras, passam pela doutrina do discurso batista. Tais especificações não
são apenas para que a mulher tenha beleza, mas para que tenha “a beleza do caráter
cristão”.
As especificações apresentadas são derivadas do discurso batista. Por exemplo,
de acordo com a receita, a mente deve ser preenchida com a Bíblia, o que é relaciona-se a
uma posição do discurso batista, segundo a qual o cristão deve ler e estudar a Bíblia (tê-la
em mente), mas não apenas isso, como deve também consultá-la frequentemente, o que
também justifica tantas referências a textos bíblicos na receita. Outra posição é de que a
mulher batista deve ser acima de tudo uma evangelista. Nesse sentido, deve ter “pés
formosos que levam boas notícias, as boas-novas de salvação”. Enquanto nas revistas
femininas de um modo geral, as especificações de beleza se relacionam com as estratégias
para a conquista do marido, em Visão Missionária, a mulher é advertida a se preocupar
com a evangelização do marido. A mansidão e a suavidade de seu espírito são apresentadas
como a fórmula bíblia para conquistar o marido. A beleza do traje (o espírito manso e
suave) funciona como meio de evangelização do marido. Destarte, “conquista” nesse texto
não tem o sentido de conquista amorosa do marido, mas de conquista espiritual. Além
disso, esse discurso defende que a mulher cristã é uma agente transformadora do mundo,
realizando, por exemplo, serviços sociais (“Mãos adornadas com o serviço ao próximo”,
“Enfeitar os lábios com palavras de louvor, de conforto, que levantem os abatidos”).
Maingueneau (2006, 2010) propõe que um texto, enquanto rastro de discurso,
pode ser analisado em termos de “cena de enunciação”. De acordo com o autor, a cena de
enunciação é formada por três planos complementares: a cena englobante, a cena genérica
e a cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo de discurso (religioso, político,
publicitário). Nessa cena, os locutores interagem através de gêneros de discurso específicos
(cena genérica). Já a cenografia é construída pelo próprio texto.

115
A análise do texto a partir da noção de “cena de enunciação” mostra que ele é
constituído por uma cenografia típica de receitas. A princípio, poderíamos pensar que
remete a uma cena englobante do discurso acerca do cuidado (feminino) com o corpo.
Acontece que o “conteúdo” desse texto remete à cena englobante do discurso religioso. O
que é afirmado nele poderia facilmente ser apresentado em um sermão, na medida em que
os mesmos conselhos dados nos cultos aparecem na receita (ler a Bíblia, evangelizar, amar
o próximo, louvar a Deus, ser obediente, orar, fazer obras sociais).
No texto, o enunciador cristão realiza sua enunciação por intermédio de uma
cenografia de uma receita de beleza, derivada de um gênero de receita típico nas revistas
femininas. Maingueneau (2006a) explica que “para que uma cenografia faça, portanto,
sentido, é preciso que esteja em harmonia não apenas com os próprios conteúdos que
sustenta, mas também com a conjuntura na qual intervém” (p.125). Na receita analisada, o
enunciador mobiliza uma cenografia que remete ao gênero de receita típico de um discurso
de como proceder com o corpo, para apresentar um enunciado do discurso religioso, que
tem a ver com as formas adequadas de conduta do cristão. Desse modo, a leitora é
interpelada, ao mesmo tempo, como cristã e como mulher que se cuida, entretanto, não
deve receber o texto como uma pregação, e sim como uma receita de beleza, não de beleza
comum, mas de beleza cristã, que tem a ver com o caráter, a fé e a conduta.

5.4 O cuidado com o corpo: uma questão de culto a Deus

Selecionamos para análise também o texto “O autocuidado, uma atitude culto”,


veiculado na seção Saúde no segundo trimestre de 2009. Do texto, destacamos os seguintes
excertos:

116
Vivemos num tempo em que somos assolados pela imposição dos padrões pré-estabelecidos de beleza
(referindo-me à aparência) e comportamentos. Os não enquadrados nessa fórmula são postos à margem e,
muitas vezes, expostos a visões e ações preconceituosas e retaliadoras. Porém, o cuidado com o corpo e com a
mente (instâncias não indissociáveis do indivíduo) não pode ser confundido como o “culto ao corpo” e nem
com qualquer aspecto relativo à vaidade desmedida. Por exemplo, combater a obesidade, mas que se espalha
por todo mundo e aumenta a incidencia de várias doenças crônico-degenerativas, não significa ser vaidoso.
[...]
Há alegria em Deus quando cuidamos da nossa saúde. Ainda que nosso corpo seja falho e limitado a palavra
de Deus diz através do apóstolo Paulo, que ele, o corpo, é o templo do Espírito Santo e que nós não somos de
nós mesmos. Em 1 Coríntios 6.19 e em Romanos 12.1 diz que nossos corpos deverão ser como sacrifício vivo
ao Senhor, que a vida de Jesus deverá ser manifestada em nosso próprio corpo e que devemos conservar nosso
corpo até a vinda do Senhor Jesus (2Coríntios 4.10 e 1 Tessalonicenses 5.23).
A Bíblia é a maior e melhor prova de que o autocuidado com o templo do Espírito Santo (nosso corpo) é um
ato de agrado ao nosso Deus e, portanto, uma atitude constante de culto ao pai.

O texto afirma que há dois tipos de cultos: o culto a Deus e o “culto ao corpo”.
Relacionado a esse último estaria, segundo esse discurso, uma vaidade desmedida que
impõe padrões, preconceitos e retaliações. Por outro lado, o culto a Deus estaria ligado a
um cuidado com a saúde do corpo. A partir desses dois tipos de culto, o texto defende que o
cuidado com a saúde é uma atitude de culto e que o “culto ao corpo” é um mal e uma
imposição do mundo. Nesse sentido, a mulher batista é advertida a cuidar da saúde do
corpo e da mente, combantendo, por exemplo, a obesidade. Esse cuidado é visto com “uma
atitude constante de culto ao pai”. Cuidar da saúde do corpo é uma forma de cultuar a Deus.
Contudo, ela é advertida também a não ser demasiadamente vaidosa, pois a vaidade é posta
como uma imposição do “mundo”, que põe à margem os que não se enquadram, sendo
precoconceituoso e retaliador.
O corpo é descrito como lugar de “sacríficio vivo ao Senhor”. Para esse
discurso, o sacríficio tem uma relação com o culto antes do nascimento de Cristo. Para o
perdão dos pecados, os israelistas eram advertidos a realizarem sacríficios de animais
(ovelhas ou gado). Para o discurso cristão, Cristo é o cordeiro de Deus, que fez o sacríficio
para a expiação do pecado da humanidade. Nesse sentido, não haveria mais necessidade do
sacríficos de animais. Por outro lado, o cristão deve ter atitudes de sacrifício, tendo uma
vida de “santidade”. A mulher batista é advertida a cuidar do corpo porque está é uma
atitude de sacríficio a Deus, de culto que agrada a Deus. A formulação “há alegria em Deus
quando cuidamos de nossa saúde” e o próprio título do texto: O autocuidado: uma atitude
culto apontam um efeito de sentido em que o cuidado com o corpo (com a saúde) é uma

117
atitude de culto, que alegra a Deus. Desse modo, é defendida uma /Integração/ da mulher –
que cuide do seu corpo e da sua saúde – , mas de forma /Moderada/ e equilibrada, pois o
excesso de vaidade é avaliado como um erro.
Para discutirmos ainda a relação com o cuidado com a beleza, analisamos a
receita de beleza publicada no final do texto “O adolescente e a autoimagem”, no terceiro
trimestre de 2010:

Para atingir a verdadeira beleza

I – Cuidar da saúde fisíca – 1 Coríntios 6.19


Exercícios físicos (“mens sana in corpore sano”).
Boa alimentação – o que é muito irregular na adolescência: comem depressa demais, refrigerantes,
sanduíches, expõem-se ao sereno – gripam-se facilmente, mas não gostam de tomar remédios.
Bons hábitos de sono.

II. Cuidar da saúde mental – Provérbios 16.16

Boas leituras – 1Timóteo 4.1; Boa música – Salmos e hinos espirituais; Bons pensamentos – Filipenses 4.8;
Boas conversações – 1 Coríntios 15.33.

III . Cuidar da vida social – Salmo 133.1

Evite os maus companheiros –Gálatas 6.7; Não adote seus hábitos – Êxodo 23.2; Não vá com a onda – Êxodo
34.12; Um pecado leva a outro – Salmo 1.1; Corrompem as boas maneiras – 1Coríntios 15.33; Há
desigualdade no jugo – 2Coríntios 6.14-17; Conserve-se puro, imaculado – Tiago 1;27; Não seja invejoso –
Provérbios 24.1; Lembre-se de Sansão – Juízes 16.4.19,20.

IV. Cuidar da saúde espiritual – Romanos 8.6

Hábitos de oração – 1Tessalonicenses 5.17; Hábitos de leitura da Bíblia – Deuteronômio 17. 19; Fidelidade à
igreja – “Alegrei-me quando me disseram (Salmo 122.1); interesse, participação e assiduidade.

O adolescente valoriza o exterior e menospreza o interior, que é o mais importante, como se pode ver no que a
Bíblia diz a respeito:

Beleza falsa (física) murcha – Salmo 39.11; morre – Salmo 49.14


É vaidosa – Provérbios 31.30
É perigosa – Provérbios 11.22
É satânica – 2Coríntios 11.14

Beleza verdadeira (espiritual)


É interna – 1Samuel 16.7; Provérbios 4.3
É visível – Provérbios 15.13, 30; 17.22
É ativa – Atos.38 (participativa)
É divina – Salmo 90.17 (vem de Deus)
É dádiva de Deus – Isaías 61.3

118
No texto, a beleza é relacionada à saúde. São defendidas as seguintes teses:

(1) É preciso cuidar da saúde física com exercícios, boa alimentação


e bons hábitos de sono.

(2) É preciso cuidar da saúde mental com boas leituras, boa música,
bons pensamentos e boas conversações.

(3) É preciso cuidar da vida social, evitando as más companhias

(4) É preciso cuidar da saúde espiritual com orações, leituras


bíblicas e assiduidade na igreja.

Para cada recomendação, é apresentada uma citação bíblica para corroborar a


especificação. Se analisarmos, por exemplo, a primeira especificação “Cuidar da saúde
física” a referência correspondente é 1 Coríntios 6.19: “ou não sabeis que o vosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós
mesmos?”. A tese defendida no texto é de que o corpo do cristão não pertence a ele, mas a
Deus, que habita nele pelo Espiríto Santo. O cuidado defendido no texto diz respeito à não
prostituição. No texto bíblico, esse cuidado sexual não diz respeito a um cuidado com saúde
física, mas tem uma abragência moral do cristão.
No texto da revista, além da citação bíblica, o enunciador apresenta também a
máxima greco-latina “mens sana in corpore sano” (“mente sã em corpo são”), que aponta
para a interelação entre a saúde da mente e a saúde do corpo, as quais são descritas como
interdependentes. Fonseca-Silva (2007) explica que Foucault afirma que, “na Grécia
Clássica, regulava-se toda a vida, toda a maneira de se constituir como sujeito que tem
cuidado necessário com o seu corpo, mediante o regime de saúde (que se estendia à
alimentação, à bebida, ao sono, às relações sexuais), associada à medicina” (p.205). Desse
modo, o cuidado com a saúde abrange desde o cuidado com os hábitos alimentares às
práticas sexuais. No texto, há uma interelação da saúde moral com a saúde corporal. O
sentido de saúde moral do texto bíblico deriva para a saúde do corpo em regime alimentar,
de exercícios e de sono. No comentário em Visão Missionária, há um deslizamento do
sentido de cuidado moral para cuidado físico.

119
O corpo do cristão é o templo do Espírito Santo
Texto Bíblico Comentário em Visão Missionária
O cristão não deve entregar-se à prostituição O cristão deve cuidar da saúde com uma
alimentação equilibrada, exercícios físicos e boas
noites de sono

Cuidado moral Cuidado físico

No texto de Visão Missionária, a posição defendida é de que o cuidado com o


corpo abrange tanto o domínio da saúde física (exercícios, boa alimentação e bons hábitos
de sono), quanto a saúde mental (boas leituras, boa música, bons pensamentos e boas
conversações), como a saúde social (evitando más companhias) e também a saúde
espiritual. Essas ações são valorizadas e incentivadas.
No que concerne à saúde mental, as especificações apresentadas relacionam-se
ao sema /Formação/. Segundo esse discurso, o cristão deve ter uma certa /Formação/, que
integra boa leitura (da Bíblia e de textos relacionados à denominação), boa música (os
hinos), bons pensamentos (meditar na Bíblia) e boas conversações (relacionadas à
/Evangelização/).
No texto, é defendida a tese de que a vaidade (a beleza física) é “falsa”,
“murcha”, “perigosa” e “satânica”. Fonseca-Silva (2007) afirma que no saber da Era Cristã,
“a beleza do corpo feminino é temida e associada à mentira, à astúcia, ao engano, à ruína e
à perdição” (p.207). Essa posição é reafirmada na Idade Média, onde a beleza feminina era
vista “como um mal, associado à queda e a satã, à arma do diabo” (Ibidem, p.207). Nessa
receita, encontramos uma posição semelhante da beleza física como “perigosa e satânica”.
No entanto, é interessante ressaltar que a periculosidade da beleza não se restringe apenas
ao feminino, mas ao masculino também, visto que o texto dirige-se às mães formadoras de
adolescentes (homens e mulheres).
Por outro lado, na receita, a beleza espiritual é caracterizada como a verdadeira,
que é “interna”, “vísivel”, “ativa” e “divina” “dádiva de Deus”. As especificações dessa
beleza espiritual passam pela grade semântica do discurso batista. Nos atributos dessa
beleza, ressaltamos o caráter de ser “ativa”, A especificação básica da mulher batista é que

120
ela seja ativa no mundo. A beleza está, assim, associada à /Ação/ da mulher no mundo
enquanto “mulher cristã”.
Além disso, tal beleza é caracterizada como “divina” e uma “dádiva de Deus”,
que se relaciona à inspiração. Como, no discurso cristão, tudo seria dado por Deus, assim
como Ele inspiraria as palavras ditas, a beleza também seria decorrente dEle.
Por fim, ainda tratando da diferença entre a beleza comum e a dada por Deus,
apresentamos a seguinte recomendação da revista:

Você não possui a beleza feminina que outras têm? Você não gosta da sua
imagem no espelho? Lembre que Deus não olha a aparência externa e sim o
coração. Deixe que Deus trabalhe em sua vida para que sua beleza não seja do
tipo que murcha e envelhece, mas do tipo que desabrocha, cresce e fica mais e
mais bonita como o passar do tempo. Desenvolva a beleza eterna (VM, 3T1995).

No excerto, a mulher é advertida de que há dois tipos de beleza: uma que


murcha e envelhece com o tempo – a beleza física da aparência externa que pode ser vista
no espelho – e uma que cresce e melhora com o tempo – a beleza dada por Deus. Nesse
contexto, a mulher é advertida a desenvolver o tipo de beleza eterna, que se relaciona com a
/Ação/ da mulher enquanto cristã, permitindo que “Deus trabalhe em sua vida”.

5. 5 Considerações Finais

Em Visão Missionária, a beleza feminina tem sido avaliada como algo que
inspira cuidados, tanto no sentido de que se deve cuidar da beleza (com cosméticos – de
preferência feitos em casa –, exercícios físicos, alimentação equilibrada) quanto no sentido
que se deve tomar cuidado com a beleza (a vaidade excessiva é um problema e um risco).
Segundo a revista, a chamada “mulher cristã” deve sim cuidar do corpo, mas não ser
vaidosa excessivamente. Diferentemente, por exemplo, de uma posição da Idade Média em
que a beleza feminina era vista como uma forma de afastar o homem de Deus, em Visão
Missionária, a beleza feminina é algo a ser buscado e conservado. A mulher é advertida a
ter “uma presença atraente e agradável”, pois é tomada como uma representante de Deus.
Contudo, o excesso da vaidade é algo que deve ser evitado, pois pode fazer com que a
mulher perca de vista que a sua função principal é a sua /Ação/ no mundo, por meio da

121
evangelização. Nesse sentido, a sua personalidade (obediente e ativa) conta mais que a sua
aparência. Ela deve se preocupar com seu testemunho e conduta no mundo, dedicando “a
atenção a outros interesses”, como a leitura da bíblia, o amor ao próximo, o louvor a Deus e
à /Evangelização/. Nessa revista, a beleza está, pois, principalmente relacionada a uma certa
conduta moral e espiritual da mulher.
Como já foi dito no capítulo anterior, de um modo geral, Visão Missionária
repete um discurso da repartição de papéis, em que as mulheres estão mais ligadas ao
espaço privado, enquanto os homens estão mais ligados ao espaço público. Entretanto, no
que diz respeito ao cuidado com a beleza, a revista não repete o discurso típico das revistas
femininas em geral. Enquanto naquelas a mulher é incentivada a cuidar da sua beleza acima
de tudo, nesta, a mulher é advertida a ser cautelosa para que seu cuidado com a beleza não
ultrapasse o seu cuidado com seu comportamento e conduta enquanto cristã.

122
CAPÍTULO 6

A RELAÇÃO DO BATISTA COM A BÍBLIA: QUESTÕES DE


CITAÇÃO, PARTICITAÇÃO E COMENTÁRIO

A história da leitura no Ocidente é em boa parte a história da leitura da


Bíblia (DAVID OLSON).

O comentário conjura o acaso do discurso, fazendo-lhe sua parte: permite-


lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto
mesmo seja dito e de certo modo realizado. [...] O novo não está no que é
dito, mas no acontecimento de sua volta (MICHEL FOUCAULT).

Como discutimos no primeiro capítulo, um dos motivos fundamentais da


reforma protestante foi uma certa forma de leitura/interpretação da Bíblia. Quando, em
1517, Lutero se opôs a doutrina das indulgências, afirmou que a interpretação católica
estava equívoca. Lutero defende que a infalibilidade da Bíblia e o sacerdócio de todos os
crentes. Para ele, cada cristão é responsável pela leitura da Bíblia e pode chegar ao sentido
real (e único) das Escrituras desde que realize um estudo sério e sistemático. Como já foi
dito também, os batistas apresentam-se, enquanto posicionamento derivado de um discurso
constituinte, como um povo que tem “sua trajetória marcada pela oposição a toda
corrupção da doutrina cristã claramente exposta no Novo Testamento36”. Essa tentativa de
defender a doutrina cristã faz com que os textos batistas sejam repletos de citações de
textos bíblicos.
O objetivo deste capítulo é discutir a relação do discurso batista com textos
bíblicos, visando mostrar como essa é também regulada pela semântica global desse
discurso. Para tanto, elencamos, primeiramente, algumas posições a respeito do estatuto da
Bíblia para os batistas. E, a seguir, discutimos como as citações, particitações e comentários
aparecem nos textos de Visão Missionária.

36
http://www.batistas.com/index.php?view=article&catid=11%3Anossa-historia&id=19%3Aa-nossa-historia-
no-brasil-e-no-mundo&format=pdf&option=com_content&Itemid=12 Acesso em 25 de junho de 2010.

123
6.1 Como o cristão deve utilizar a Bíblia

No segundo trimestre de 1990, Visão Missionária publicou um texto intitulado


A vida devocional da mulher cristã. Nesse texto, a mulher cristã é advertida a ler a Bíblia,
porém não deve lê-la de qualquer maneira. Para tanto, são apresentadas algumas regras a
serem seguidas para uma leitura “apropriada” do texto. São elas:

(1) A Bíblia é a • É preciso ver e ouvir o autor da Bíblia: Deus.


Palavra de Deus • A Bíblia é a Palavra inspirada de Deus. É a espada do Espírito
nas mãos do crente, poderosa para realizar o propósito de
Deus. Uma vida inteira não é bastante para dominá-la.
• Enquanto a lemos, Deus nos ensina a sua verdade.
(2) É preciso ter uma • Com que atitude você se aproxima da Bíblia? Deve ser com
atitude de reverência e temor. Orando antes, enquanto estuda e depois de
estudá-la. É preciso ver além da letra.
“reverência” em
• Tenha mente aberta para aprender o que a Bíblia realmente
relação ao texto diz, não o que você deseja que ela dissesse. Seja obediente.

(3) A leitura exige um • Que é meditar? – É estudar, ponderar. É refletir, é pensar. É


plano específico submeter a exame interior. É uma ação tanto da mente quanto
do espírito. Só pela meditação podemos aprender
determinadas verdades. Como mulheres cristãs, a meditação
deve ter lugar de destaque entre os exercícios espirituais com
que procuramos desenvolver a nossa comunhão com Deus. A
maior necessidade do crente é ter um crescente conhecimento
de Deus – e isso fará uma revolução em sua vida. A
meditação não é apenas para adquirir conhecimento, mas
sobretudo entendimento, e este é adquirido através da Bíblia,
pois ela é o livro de Deus.
• Você já sabe que deve dispor de um local isolado e onde haja
o mínimo de interferência. Já sabe também que deve separar,
das 24 horas diárias que o Senhor lhe dá, pelo menos uns 30
minutinhos, e depois ir aumentando esse tempo. Você não vai
resistir a ficar tão pouco tempo meditando.
• Se a mulher cristã deseja adquirir conhecimento progressivo
das Escrituras, terá de planejar e seguir um plano de estudo.
Muitos não têm um plano estabelecido para estudar a Bíblia,
porque acham que não têm tempo.
• Há muitos tipos de estudo bíblico. A Bíblia pode ser estudada
por livros, tópicos, períodos, vultos de maior destaque, temas,
versículo por versículo, etc. Os grandes versículos sobre o
plano de Deus para a redenção devem ser memorizados pela
mulher cristã, devem estar entre os seus tesouros mentais e
espirituais.
• Pode-se (e deve-se) estudar livros baseados na Bíblia e livros
sobre a Bíblia: introduções bíblicas, livros históricos,
biográficos, comentários em geral, dicionários, atlas,
concordâncias, etc.

124
(4) É preciso tomar • A Bíblia não é um livro misterioso nem difícil de ser
cuidado com leituras entendido, se lido com propósitos corretos. E Deus nos deu o
seu Espírito Santo para nos instruir. Leia João 14:26. Tudo que
erradas se torna necessário no estudo e na meditação da Bíblia é a
determinação ardente de querer saber das coisas de Deus. Não
há entrada secreta para a apropriação da verdade bíblica. Abra
sua Bíblia e comece a lê-la.
• É preciso aceitar a mensagem bíblica como mensagem de
Deus dirigida a você. Tenha mente aberta para aprender o que
a Bíblia realmente diz, não o que você deseja que ela dissesse.
Seja obediente.

(5) Só “os filhos de • Ninguém pode entrar numa apreciação genuína do imenso
Deus” podem chegar a tesouro da verdade das Escrituras, enquanto não for um dos
próprios filhos de Deus.
“verdade” bíblica

De um modo geral, para o discurso cristão, a Bíblia é tomada como Palavra de


Deus. Tem um estatuto privilegiado de suma autoridade, a qual o fiel deve obedecer. No
entanto, encontramos nesse texto alguns pontos de tensão. Por exemplo, mesmo sendo a
Palavra de Deus, a revista alerta que não é fácil colocar em prática as recomendações, por
isso, propõe que o leitor “seja obediente” e “tenha a mente aberta”.
Além disso, a publicação defende que o cristão pratique a leitura dos textos
bíblicos (“não há entrada secreta para a apropriação da verdade bíblica. Abra sua Bíblia e
comece a lê-la”), o que produz um efeito de que a leitura seja simples. Entretanto, todas as
especificações de leitura apresentadas mostram que esta não é uma tarefa simples. É preciso
tomar cuidado como com a interpretação, com os “propósitos corretos”. A revista adverte
que a Bíblia pode ser utilizada de uma forma errada (“se não nos aplicarmos seriamente ao
estudo e à meditação da Bíblia com certeza a utilizaremos de maneira inadequada”). E, para
evitar essa má utilização, o leitor é advertido a ter uma atitude elaborada de estudo. Isto é,
que dedique um certo tempo e leia outros livros – batistas – para ajudar no entendimento.
Chamamos a atenção para essa especificação do estudo de outros livros para
entender a Bíblia. Como já foi dito no primeiro capítulo, uma das criticas de Lutero era de
que a leitura pautada na chave da “Tradição” católica encobria a “verdade” bíblica. Contra
isso, ele defendia que todo cristão seria capaz de interpretar a Bíblia, desde que se
dedicasse ao seu estudo sistemático. Nas especificações de leitura apresentadas em Visão
Missionária, o estudo de livros batistas sobre a Bíblia é recomendado (e exigido) para a

125
compreensão do texto bíblico. Segundo esse discurso, a leitura desses livros tanto facilitaria
a leitura da Bíblia, quanto evitaria uma leitura “errada” desta. Desse modo, há um
funcionamento semelhante ao combatido por Lutero. Assim como a “Tradição” católica
alcançava um estatuto de chave para a compreensão da verdade bíblica, no discurso batista,
os livros batistas (entre eles, Visão Missionária) funcionam como espécie de chave de
interpretação da Bíblia a partir desse discurso.
Esse estudo sistemático da Bíblia e de livros e periódicos batistas está de acordo
com a semântica global do discurso analisado nessa pesquisa. Visão Missionária defende
que é preciso meditar na Bíblia. Isto é, “estudar”, “ponderar”, “refletir”, “pensar”,
“submeter a exame interior”, “adquirir conhecimento”, é uma “ação da mente e do
espírito”, e, sobretudo, “entendimento”. Nesse sentido, a meditação está relacionada ao
estudo organizado. Não é uma simples leitura, mas um estudo sistemático que requer regras
e um plano específico. Ademais, exige uma atitude racional e ordenada. Assim, os semas
/Formação/ e /Ordem/ estão em funcionamento nessas especificações.
Nesse discurso, portanto, a leitura da Bíblia tem um status diferenciado:

A diferença entre a leitura da Bíblia e a de um livro para lazer é que a Bíblia


precisa ser estudada para ser compreendida. Não precisamos estudar o jornal, mas
com a palavra de Deus é diferente. Ela precisa ser estudada para que a sua
verdade seja colocada em nossa mente, levando-nos a práticas de vida coerentes
com seus ensinos (VM, 4T2007).

A partir dessas recomendações de leitura da Bíblia, analisamos como essa


aparece citada nos textos de Visão Missionária.

6.2 As citações em Visão Missionária

A partir das considerações de Bakhtin acerca do dialogismo e as de Lacan sobre


o Outro no inconsciente, Authier-Revuz (2004) afirma que há duas formas de
heterogeneidade do discurso: a mostrada e a constitutiva. A constitutiva diz respeito à
presença do Outro no Mesmo. Isto é, como explica a autora,

Todo discurso se mostra constitutivamente atravessado pelos ‘outros discursos’ e


pelo ‘discurso do Outro’. O outro não é um objeto (exterior, do qual se fala), mas
uma condição (constitutiva, para que se fale) do discurso de um sujeito falante
que não é fonte-primeira desse discurso (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.69).

126
No entanto, neste capítulo, nosso foco de análise recai sobre a primeira
modalidade: a heterogeneidade mostrada. Nas palavras da autora,

É o outro do discurso relatado: as formas sintáticas do discurso indireto e do


discurso direto designam de maneira unívoca, no plano da frase, um outro ator de
enunciação. No discurso indireto, o locutor comporta como tradutor: fazendo uso
de suas próprias palavras, ele remete a um outro como fonte do ‘sentido’ dos
propósitos que relata. No discurso direto, são as próprias palavras do outro que
ocupam o tempo – ou o espaço – claramente recortado da citação na frase; o
locutor se apresenta como simples ‘porta-voz’. Sob essas duas diferentes
modalidades, o locutor dá lugar explicitamente ao discurso de um outro em seu
próprio discurso (IBIDEM, p.12).

A esse respeito, Maingueneau (2002) afirma que, mesmo quando se pretende


restituir o ponto de vista do discurso citado, mesmo no discurso direto (DD), sempre há
uma tradução do texto. Ainda que no DD haja uma tentativa de simulação de restituir as
falas citadas, os embreantes mostram que se trata de duas situações enunciativas diferentes.
Nesse tipo de citação, visa-se criar um efeito de autenticidade. Contudo, não há como
comparar uma ocorrência de fala efetiva e um enunciado citado, uma vez que a situação de
enunciação é totalmente reconstruída pelo discurso citante. Nas palavras do pesquisador,
“por mais que seja fiel, o discurso direto é sempre um fragmento de texto submetido ao
enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque
pessoal” (2002, p.141).
A escolha por esse tipo de citação está relacionada ao gênero de discurso ou às
estratégias de cada texto. Segundo o autor, alguns motivos são:
i) Criar autenticidade
ii) Distanciar-se
iii) Mostrar-se objetivo
Ao tentar distanciar-se, o enunciador citante pode tanto mostrar que não adere
ao que é dito, quanto a sua adesão respeitosa ao dito, fazendo ver o desnível entre palavras
prestigiosas, irretocáveis e as suas próprias palavras.
Em Visão Missionária, os textos são repletos de citações em DD de textos
bíblicos. Tais citações visam mostrar a adesão respeitosa da publicação em relação aos
textos bíblicos. A grande recorrência desse tipo de citação busca criar um efeito do tipo

127
“não são minhas palavras”, isto é, não é apenas a doutrina “batista”, mas é a doutrina do
próprio “Deus”. Como já foi dito, os discursos constituintes se apresentam como
representantes da “Verdade” e derivados diretamente de uma “Fonte”. No caso do discurso
batista, esse grande número de citações cria um efeito de que é derivado de Deus,
representado como “autor” dessa doutrina. E, portanto, como autoridade irrevogável.
Marido e mulher são parceiros das bênçãos de Deus e, se o primeiro não tratar a
mulher como deve ser tradada, “suas orações não serão respondidas” (I Pedro
3:7). E com a palavra de Deus não se brinca impunemente (VM, 1T1988, grifo
nosso).

Nessa formulação, após a citação, é feito o comentário: “E com a palavra de


Deus não se brinca impunemente”. Esse comentário aponta para o estatuto do texto nessa
revista como autoridade (palavra de Deus), a qual deve ser respeitada, sob pena de pagar
por qualquer desobediência. Na formulação, a citação e o comentário criam um efeito de
sentido de que a advertência – Deus não responde a oração do marido que não trata a
esposa de forma correta – não é apenas uma doutrina batista, mas é a doutrina do próprio
Deus.
De acordo com Maingueneau (2002), no DD, o discurso citante deve indicar
que houve um ato de fala. Para tanto, deve utilizar sinais como os dois pontos, travessões,
aspas ou outro tipo de letra especial como o itálico. Além disso, deve também utilizar um
verbo dicendi, que indica a enunciação, o qual pode ser colocado antes, no meio ou ao final
da citação. A escolha desse verbo é muito significativa na medida em que condiciona a
interpretação do discurso citado.
Para discutirmos esse processo de citação de textos bíblicos em Visão
Missionária, selecionamos, primeiramente, alguns exemplos de citação em DD.
Selecionamos algumas citações introduzidas pelos verbos “afirmar” e “dizer”:

Interessante notar, é que a Bíblia diz: “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o
coração, como ao Senhor”. Aqui, Deus, porventura, não nos está ensinando que
nossa vida deve ser bem planejada? (VM, 2T1994, grifo nosso).

A Bíblia diz em Salmos 127.3-5: “Eis que os filhos são herança da parte do
Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão... bem aventurado o homem que enche
dele a sua aljava” Os filhos, sem dúvida, são bênçãos do Senhor, apesar da
responsabilidade em sua criação (VM, 2T1999, grifo nosso).

128
A Bíblia afirma em João 8:36: “Se pois o Filho vos libertar, verdadeiramente
sereis livres” A única condição de liberdade verdadeira está em Cristo. Sem
Cristo o homem é eterno escravo do pecado e de seu domínio (VM, 3T1988, grifo
nosso).

Para começar, como mulher cristã, a Bíblia diz “Terás somente pesos exatos e
justos e medidas exatas e justas para que se prolonguem os teus dias na terra que
o Senhor teu Deus te dá” (Dt 25.15). Busque primeiro a orientação divina e vá em
frente! (VM, 4T2001, grifos nossos).

Nesses excertos, os verbos “afirmar” e “dizer” criam um efeito de concordância


com o dito. A utilização deles cria um efeito de autenticidade: “o que eu digo está de
acordo com a Bíblia”. Como já foi dito, esses verbos introdutores das citações são muitos
significativos. Em uma escala de tomada de posição, os verbos “afirmar” e “dizer” seriam
os menos argumentativos. Alguns verbos mais argumentativos que estes são os verbos
“advertir” e “instruir” que precedem a citação a seguir:

A Bíblia instrui e adverte: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e até
quando envelhecer não se desviará dele” (Prov. 22.6) (VM, 3T2000, grifo nosso).

O uso desses verbos está de acordo com o estatuto que o texto bíblico tem para
o discurso cristão como “palavra de Deus”. Para o discurso cristão, a Bíblia tem autoridade
para “instruir” e “advertir”, isto é, doutrinar a conduta do fiel.
Outro tipo de citação comum nos textos de Visão Missionária é a introduzida
por verbos como “ler” e “lembrar”, que impõe uma certa ação do leitor em relação ao texto:

Lemos no Salmo 90, verso 12: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira
que alcancemos corações sábios”. O grande líder Moisés fez esta oração. E Deus
ouviu sua súplica que está registrada para nossa inspiração e para nosso exemplo.
Este deve ser a nossa oração também (VM, 3T1994, grifo nosso).

Tenhamos em mente as palavras do apóstolo Paulo: “Não que já o tenha


alcançado, mas prossigo para o alvo”, na certeza de que a causa é nobre e requer
de nós o melhor, sempre cônscias da influência do trabalho que nos compete
realizar na igreja e na denominação (VM, 1T1986, grifo nosso).

Lembrando sempre o que nos diz o salmista: “Oh! Quão bom e quão suave é que
os irmãos vivam em união” (VM, 1T2004, grifo nosso).

Logo, vem-nos à lembrança aquilo que está escrito em Tiago 1.5: “E, se algum de
vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não
lança em rosto, e ser-lhe-á dada” (VM, 2T1997, grifo nosso).

129
Nesses exemplos, a leitora é instruída a meditar constantemente no texto
bíblico. Para esse discurso, não basta só que o cristão leia a Bíblia, é necessário que a
“tenha em mente”. Logo, que a estude com afinco. Tal recomendação está ligada ao sema
/Formação/.
Outra forma de citação encontrada nos textos de Visão Missionária é a em DD,
porém sem um verbo dicendi, mas como uma avaliação do texto:

Ao se iniciar este novo ano, que possamos viver verdadeiramente cada dia nesta
certeza: “... os que esperam no Senhor renovarão as suas forças: subirão com asas
de águia; correrão, e não se cansarão; andarão e não se fatigarão” (Is. 40:31)
(VM, 1T1989, grifo nosso).

Quando as crises chegarem, é momento de se recorrer às promessas do Pai: “Sede


fortes e corajosos; não temais... porque o Senhor vosso Deus é quem vai conosco.
Não vos deixará, nem vos desamparará” (Deut.31:6). “Instruir-te-ei, e ensinar-te-
ei o caminho que deves seguir; aconselhar-te-ei, tendo-te sob a minha vista” (Sal.
32:8) (VM, 2T1990, grifo nosso).

É hora de reavaliarmos o uso que fazemos do tempo de vida que Deus nos dá.
Sirva-nos de alerta a advertência paulina: “Vede prudentemente como andais, não
como insensatos, mas como sábios, remindo o tempo, porquanto os dias são
maus” (Efésios 5.15-16) (VM, 1T2003, grifo nosso).

Estamos virando mais uma página de nossa existência, um novo ano se inicia. É
hora de reavaliar o uso do tempo de vida que Deus nos dá. Sirva-nos de alerta a
advertência do apóstolo Paulo: “Vede diligentemente como andais, não como
néscios, mas como sábios, usando bem cada oportunidade (...)” (Efésios 5.15,16)
(VM, 1T2003, grifo nosso).

A avaliação do texto como uma “advertência” ou “recomendação” aponta para


um estatuto do texto como aquele que doutrina. E a avaliação deste como “promessa” e
“certeza” aponta para uma posição inefabilidade do texto. Essas quatro categorizações dos
textos apontam para um funcionamento do estatuto do texto bíblico como um texto eficaz.
Um outro tipo de citação recorrente em Visão Missionária é o DD sem
nenhum verbo dicendi ou nenhuma outra especificação que se trata de uma citação, apenas
o uso das aspas e da referência:

A QUEM COMUNICAR A FÉ? Esta é a ênfase do trimestre. Que ao conhecer


experiências de pessoas no comunicar a fé, a sócia seja sensibilizada a aceitar as
oportunidades que a cercam. “Pois nós não podemos deixar de falar das coisas
que temos visto e ouvido” (At. 4:11) (VM, 2T1989).

130
Se analisarmos a vida de Jesus, vermos que ele não apenas expunha as suas
teorias, mas “andava por toda parte fazendo o bem” (VM, 3T1986).

Cristo ensinava, pregava e curava, e esta é a tríplice ação da igreja. Para isso ele
nos “Chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (I Ped. 2:9); para que
anunciássemos as suas virtudes às multidões desgarradas e errantes, à procura de
um pastor (VM, 3T1986).

Esse tipo de citação tem dois efeitos: primeiro, o estatuto diferenciado do texto
bíblico, mesmo que não se afirma que se irá realizar uma citação, as marcas (aspas e
referência) funcionam para mostrar que não é uma enunciação comum, mas de um texto
bíblico. Por outro lado, a citação “solta” no fio do discurso também tem um efeito de que as
palavras utilizadas corroboraram o que é afirmado, como se a voz bíblica viesse mostrar
que o que está sendo dito é correto e verdadeiro.
Outro tipo de citação muito comum em Visão Missionária é a apresentação
apenas da referência. Esse tipo de citação está relacionado ao Discurso Indireto (DI), pois o
enunciador não repete diretamente o que está no texto, mas mostra apenas a fonte de onde o
retirou.

Já em Gn 1.30 observamos o cuidado de Deus para com os nossos alimentos e em


todo livro de Levítico há orientações para o povo quanto à saúde física, mental e
espiritual (VM, 1T2008).

Primeira, até mesmo pela ordem cronológica das atribuições femininas. Ser
esposa e mãe foram as primeiras tarefas e realizações da mulher que Deus criou
(Gên. 2:18-24; 1:28) (VM, 1T1990).

Ester era dona de uma personalidade muito bonita. Segundo a descrição bíblica,
ela era muito formosa e de bela presença. Era atraente e agradava a todos (Est.
2:15) (VM, 2T1990).

No propósito de Deus a família se origina com um homem e uma mulher e ambos


tornam-se uma só carne. (Gênesis 2.24). O amor é o ingrediente que vai sustentar
esta união. O amor vem de Deus (1João 4.16) e por amor Ele deu (I João 3.16)
(VM, 3T1994).

Essa forma de citação está relacionado com o funcionamento do discurso


batista, no sentido de mostrar incansavelmente sua fonte bíblica. Poderíamos falar que é
como se houvesse um certo “medo” de ser acusado de não seguir as Escrituras, por isso, a
todo momento são apresentadas as referências dos textos. Esse é um funcionamento próprio

131
de um discurso derivado de um discurso constituinte. Ele precisa reafirmar a todo tempo a
Fonte da qual deriva. Além disso, esse tipo de citação exige uma ação da leitora no sentido
de conferir e confirmar o que está escrito. Mais uma vez é como se sugerisse/impusesse um
percurso de leitura do tipo “abra a Bíblia e confira a referência”. Alguns textos de Visão
Missionária sugerem/impõem esse percurso de leitura de forma ainda mais explícita, como
mostram os excertos a seguir: “abra sua Bíblia e leia Hebreus 10.16-17 para descobrir o
remédio” (VM, 2T2006), “convido você a abrir sua Bíblia e ler alguns textos” (VM,
3T2010), “pare um pouquinho a leitura deste artigo e abra a sua Bíblia em 2 Cr.32. Leia os
versos de 6 a 8” (VM, 3T1995).

6.3 A “particitação”

Maingueneau (2006a) propõe que há um sistema particular de citação, a


“particitação”, que une citação e participação. Segundo o autor, a “particitação” difere da
citação: enquanto esta é um corte de um fragmento, que explícita sua fonte e é inserido em
outra situação de comunicação; a particitação exige que os coenunciadores reconheçam que
há uma citação sem que o enunciador indique qualquer fonte ou utilize um verbo dicendi,
além do fato de que o enunciado citado também pode sofrer algumas modificações. Ao
particitar, o enunciador mostra sua adesão à comunidade discursiva ligada a um Thesaurus
e espera que seu coenunciador, que também pertence a essa comunidade, seja capaz de
reconhecer o enunciado citado sem que se explicite que se trata de uma citação. Nas
palavras do autor:
esse Thesaurus e a comunidade correspondente recorrem a um hiperenunciador
cuja autoridade garante menos a verdade do enunciado – no sentido estrito de
uma adequação a um estado de coisas do mundo -, e mais amplamente sua
‘validade’, sua adequação aos valores, aos fundamentos de uma coletividade
(MAINGUENEAU, 2006a, p.92-93).

De acordo com o autor, a particitação gera um desnivelamento entre a voz


“ordinária” do enunciador que cita e uma voz extraordinária do “hiperenunciador”, criando,
assim, uma coenunciação.

132
O pesquisador afirma que “no cristianismo, como no judaísmo, o Thesaurus
que se torna possível a particitação coincide imaginariamente com um único livro, o Livro”
(MAINGUENEAU, 2006a, p.100). O hiperenunciador que funda o Thesaurus cristão é o
próprio Deus. De acordo com o autor, no discurso cristão,

ao particitar fragmentos do Thesaurus, os locutores mostram o Espírito que os


habita. Essa prática leva logicamente ao desaparecimento das marcas de discurso
citado: cabe ao leitor e ao ouvinte reconhecê-lo. O verdadeiro crente é aquele que
tem essa competência (MAINGUENEAU, 2006a, p.100).

A partir desses pressupostos, selecionamos alguns excertos com particitações


para análise:

(1) Convém que façamos a obra, enquanto é dia! Esse é o nosso tempo, a nossa
responsabilidade, o nosso privilégio (VM, 4T2008).

(2) Como filhos de Deus, temos privilégios e responsabilidades de serviço em


seu reino. A cada um de nós Deus dá pelo menos um dom para que o
desenvolvamos. Um dia ele pedirá conta e nos declarará servo bom e fiel ou
mau e negligente. Onde estaremos? (VM, 2T2002).

(3) A alegria do Senhor é a sua força. À medida que a alegria permear a sua
alma, sua força será renovada, de repente você perceberá que o trabalho todo
está terminado – a cozinha limpa, o pó dos móveis removido, camas feitas.
Lembre-se que a alegria vem do Senhor (VM, 2T1995, grifos nossos).

Em (1), o primeiro período do exemplo é uma particitação do verso bíblico:


“Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia” (João, 9: 4a). Há
uma alteração do sujeito do verbo “fazer”: Convém que eu (Cristo) faça as obras 
Convém que façamos (nós = enunciador e coenunciador do discurso) a obra. Essa alteração
verbal muda a responsabilidade de ação de Cristo para o fiel, que deve seguir o exemplo e
dedicar-se à obra de Deus. Essa alteração, no entanto, não apaga a voz do hiperenunciador,
que continua sendo Cristo. Enquanto Deus na terra, o trabalho na obra é uma ordem dele.
Com a particitação, o enunciador faz ver não apenas o seu conhecimento bíblico, e, por
consequência, sua devoção, mas também que é habitado pelo Espírito de Deus. Nesse
sentido, constrói um ethos de fiel, devoto e também divinamente inspirado. Da leitora,
espera-se que, enquanto coenunciadora nesse discurso, seja capaz de reconhecer o texto
bíblico, reconhecendo o desafio das palavras de Cristo. O pronome “nosso” chama à

133
responsabilidade o enunciador e o coenunciador. Se Cristo em seu tempo trabalhou, cabe
agora à mulher cristã fazer a obra. Desafio descrito como “responsabilidade” e “privilégio”.
Essa alteração, que produz a particitação, relaciona-se aos semas /Evangelização/ e
/Individualidade/ no discurso batista, no sentido de que cada cristão é responsável pela
evangelização daqueles que não são cristãos.
Em (2), mais uma vez, a coenunciadora deve reconhecer a cena enunciativa do
texto bíblico:

E o seu senhor lhe disse: bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel,
sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor. [...]. Respondendo, porém,
o seu senhor, disse-lhe: Mau e negligente servo [...] lançais, pois, o servo inútil
nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes (Mateus 25: 21-30,
grifos nossos).

Nesse texto, o servo “bom e fiel” é recompensado com o céu, enquanto o “mau
e negligente” é lançado no inferno (“nas trevas exteriores”). O reconhecimento dessa cena
da enunciação é então essencial para o desenvolvimento do argumento do excerto (2) que
se encera com a pergunta “onde estaremos?”. Cria-se um efeito de sentido de que aquele
que deseja salvar a sua alma deve desenvolver seus dons, deve trabalhar no serviço do
reino. Nesse sentido, enquanto filhos de Deus, cada um teria a responsabilidade e o
privilégio de participar da evangelização do mundo. No discurso batista, cada indivíduo é
responsável perante Deus e o próximo por suas decisões morais e religiosas. Cada
indivíduo pode escolher sua crença e tem plena liberdade de religião, sendo, portanto,
responsável por sua vida e, também, responsável pela /Evangelização/.
Em (3), não há nenhuma marca gráfica que sinalize a citação, mas o trecho “a
alegria do Senhor é a sua força” é uma particitação do texto “Portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do Senhor é a vossa força” (Neemias 8:10b). Apesar da substituição do
pronome de tratamento “vossa” pelo “sua”, que dá ao texto um tom mais coloquial, típico
dos textos das revistas, o texto ainda tem um tom solene. Essa frase funciona como uma
aforização, no sentido de Maingueneau (2010). De acordo com o autor, certos fragmentos
de um texto parecem ser destacáveis. Têm um ethos ligeiramente solene. Essa enunciação
está um pouco acima das demais. Nas palavras do autor:

134
Não há posições correlativas (as facetas da cena verbal), mas uma instância que
fala a uma espécie de ‘auditório universal’ (Perelman), que não se reduz ao
destinatário localmente especificado: a aforização institui uma cena de fala onde
não há interação entre dois protagonistas colocados num mesmo plano (2010,
p.13).

A frase “a alegria do Senhor é a sua força” ocupa um lugar privilegiado (o


início do parágrafo), após uma sequência de ações da mulher no lar, e apresenta uma
generalização que não se dirige apenas às mulheres em seus afazeres domésticos, mas tem
um caráter universal (para todo cristão). O fiador dessa aforização é a voz do próprio Deus,
que deve ser reconhecida pela leitora na particitação.

6.4 O comentário de um texto segundo as condições de produção do discurso

Além das citações e particitações, o texto bíblico também passa pelo processo
de comentário em Visão Missionária. A fim de discutirmos esse processo, analisaremos
como o texto bíblico “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor” tem
sido comentado na revista. A partir dos movimentos feministas, que defendiam a igualdade
entre os sexos, esse texto passou a julgado como preconceituoso em relação às mulheres.
Entretanto, para os cristãos, como a Bíblia é tomada como palavra de Deus e, portanto,
irrevogável, o texto é avaliado como apropriado. Desse modo, buscamos analisar como
Visão Missionária comenta esse texto no sentido de defender a sua pertinência.
Antes da análise, discutimos sumariamente a constituição do movimento
feminista protestante no século XIX. Julgamos interessante apresentar esse posicionamento
porque é o momento em que o texto sobre a submissão feminina, como um postulado
cristão, foi posto em questão.

6.4.1 O feminismo protestante

A historiadora Élisabeth Sledziewski (1991) afirma que a Revolução Francesa


foi uma mutação decisiva na história das mulheres, na medida em que pôs em causa a
hierarquia dos sexos. Com a Revolução, as mulheres alcançaram direitos na sucessão dos

135
bens, a maioridade civil e a possibilidade de testemunhar nos registros civis e,
principalmente, direitos sobre o estado civil e o divórcio. O casamento foi estabelecido
como um contrato civil, em que os dois contratantes “são igualmente responsáveis e
capazes de verificar por si mesmo se as obrigações criadas pelo seu acordo são
corretamente executadas” (SLEDZIEWSKI, 1991, p.45). A nova lei do casamento abriu
uma nova possibilidade: aquela que poderia escolher o marido, também deveria poder
escolher o governo. No entanto, a possibilidade da mulher colocar-se em pé de igualdade
com o homem no corpo político causou reações contrárias mesmo entre os revolucionários
franceses. Filósofos justificavam que era a própria natureza (a vocação natural feminina
para cuidar do lar e a sua fragilidade) que exigia que as mulheres se mantivessem fora da
vida política. Em resposta a isso, diferentes textos foram produzidos no sentido de tentar
mostrar a igualdade entre as partes. Embora os enfoques fossem diferentes, uns de caráter
mais filosófico, outros políticos e outros éticos, todos defendiam a igualdade entre os sexos.
No campo da religião cristã, a questão da igualdade entre os sexos toca
diretamente o texto bíblico sobre submissão feminina de autoria do apóstolo Paulo:

Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é


a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o
salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim
também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos (Efésios, 5:22-24).

Esse texto tem sido objeto de diversos comentários na teologia cristã.


Discutindo o papel da mulher na religião, Jean Baubérot (1991) afirma que o
protestantismo afasta-se do catolicismo, na medida em que considera a vida secular e a vida
conjugal um lugar privilegiado para a mulher, porém, no que diz respeito ao sacerdócio
feminino, esse também ainda não é aceito. Segundo o historiador, a situação das mulheres
no protestantismo é marcada por uma certa ambivalência. De um lado, a concepção do
sacerdócio universal proposta por Lutero faz com que haja uma preocupação com a
instrução das mulheres nos países protestantes, o que leva a um relativo avanço da
educação nesses países no século XIX. Por outro lado, as mulheres são excluídas de
exercerem a função pastoral, por causa da concepção social dominante da repartição dos

136
papéis masculino e feminino e, principalmente, pelas passagens das epístolas de Paulo
relativas às mulheres.
De acordo com o historiador, nos Estados Unidos, as mulheres protestantes
participaram de campanhas antiescravagista. Essa participação começou com um artigo de
um jornalista calvinista que pedia que as mulheres da alta sociedade lutassem pela
libertação das mulheres negras, “entregues à crueldade e à “concupiscência” dos homens”
(BAUBÉROT, 1991, p.247). Diante dessa conclamação, essas mulheres organizaram um
movimento antiescravagista feminino. Elas acusavam as igrejas de manterem em situação
de inferioridade os negros, mesmo quando livres. Muitas faziam protestos diante de um
numeroso auditório, o que fez com que a associação dos pastores congregacionalistas
publicasse uma carta na qual, a partir de citações do Novo Testamento, defendia que o
papel das mulheres não consistia em tratar de assuntos públicos. Baubérot afirma que com
essa carta, a questão de gênero somou-se à da escravidão. Para o autor, a união dessas duas
questões foi muito importante, porque talvez as mulheres pudessem ter se calado diante da
argumentação dos pastores no que concerne às mulheres, porém viam no combate da
escravidão uma causa divina.
Em resposta a carta dos pastores congregacionalistas, Sarah Grimké publica, em
1838, Letters on Equality of the Sexes, and the Condition of Woman, considerado o
primeiro manifesto feminino protestante. Neste, a autora afirma que a Bíblia, quando
corretamente traduzida e interpretada, não ensina a desigualdade entre homens e mulheres,
mas, ao contrário, propõe que ambos foram criados com os mesmo direitos e deveres.
Chamamos a atenção nessas cartas para a interpretação que Grimké (1838) faz das
postulações do apóstolo Paulo acerca da mulher. A autora afirma que o principal suporte
para o dogma de que as mulheres seriam inferiores e, por consequência, submissas ao
marido, é encontrado em algumas epístolas desse apóstolo. A respeito dessas, a autora
afirma que, quando Paulo diz que a mulher deve ser submissa ao marido, ele estava sob
influência de preconceitos judeus, os quais não permitiam, por exemplo, que mulheres
lessem nas sinagogas. Nesse sentido, para Grimké, nessa questão, Paulo não falava como
um cristão, mas como um judeu. A autora defende que pensar que o homem é superior a
mulher é uma ordem divina seria um absurdo, e a única justificativa para isso seria paixão

137
humana pela supremacia, o que caracterizaria, na concepção da feminista, o homem como
uma criatura corrupta e caída. Ela conclui, portanto, que Paulo, enquanto cristão, não
poderia afirmar a inferioridade feminina.
Destarte, analisando o texto de Grimké (1838) segundo a hipótese da semântica
global, podemos afirmar que, para ela, o que falha no texto de Paulo é que este segue a
semântica global da doutrina judaica e não da doutrina cristã. A autora não reconhece essa
submissão como um postulado da sua semântica discursiva cristã, mas como o da semântica
de seu Outro: o judeu.

6.4.2 As interpretações da submissão feminina em Visão Missionária

Desde as cartas de Grimké (1838), o texto que trata sobre a submissão feminina
é uma questão polêmica na teologia protestante. Em Visão Missionária, o texto bíblico da
submissão feminina é um tema imposto. Nessa publicação, o texto é comentado de diversos
modos. Foucault (1999) propõe que entre os procedimentos internos de controle do
discurso, ao lado do autor e das disciplinas, está o procedimento do comentário. Segundo o
autor, entre os discursos, há um certo desnivelamento. De um lado, estão os atos de fala
que desaparecem no próprio ato que os pronunciou, de outro, aqueles discursos
permanecem e estão na própria origem do dizer. Acredita-se que em tais discursos guardam
um tipo de segredo ou riqueza, por isso, são, indefinidamente, repetidos, retomados e
transformados. São discursos que, como explica o autor, “para além de sua formulação, são
ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer” (FOUCAULT, 1999, p.22). Entre esses, o
filósofo inclui os textos religiosos. Tais textos circulam, como se guardassem um tesouro
de sentido, o qual deve ser indefinidamente comentado.
Um comentário sobre texto acerca da submissão feminina foi tecido em Visão
Missionária, na edição do segundo trimestre de 1983. Em um artigo que discute as
“Chaves Bíblicas para o sucesso no lar”, a submissão é apresentada como uma dessas
chaves:
A submissão é o desígnio de Deus para a mulher: é o ato de adoração a Deus,
quando é uma atitude adotada por decisão livre, deliberada e voluntária dela para

138
com o marido. [...] Caldas Aulete define submissão como obediência voluntária.
Biblicamente, submissão significa:
1) Rendição – quando nos sujeitamos à soberania de Jesus Cristo,
rendemos a nossa vontade.
2) Deixa de Resistir – você percebe que está resistindo
mentalmente? – “Não é justo! Por quê”.
3) Aceitar a autoridade de Outro – Dizer “sim” à autoridade de outra
pessoa
4) Ceder Sem Murmurar – fazer tudo sem murmurações e contendas
(Fil. 2: 14).
5) Igualdade de Condições em Relação ao Marido – No que se
refere à inteligência e outras qualidades, ele (o Senhor) quer que
façamos uso dessas características em nosso lar.
6) Ceder sua própria opinião – submeter às opiniões ao marido. Isso
não é um direito, mas uma responsabilidade.
7) Ser submissa – aprender a se curvar para o Senhor Jesus pode
atingir seu marido.

No texto, a submissão só é considerada um desígnio de Deus e um ato adoração


quando é uma “decisão livre, deliberada e voluntária”. Primeiro, há uma tentativa de
precisar “submissão” em termos do dicionário: “obediência voluntária”, e, a seguir, tenta-se
precisar o termo biblicamente. Nessa definição, o sentido de submissão passa por três
questões: (i) a submissão é, sobretudo, a Deus; (ii) a submissão significa igualdade de
condições. A mulher seria submissa, mas em igualdade de condições; (iii) a submissão
funciona como um meio de atingir (evangelizar) o marido.
A questão da submissão também é discutida no texto “Relacionamento
horizontal no lar” no primeiro trimestre de 1988, do qual selecionamos os seguintes
excertos:
O marido, como cabeça da família, tem a solene obrigação de estabelecer uma
atmosfera de amor e tranquilidade no lar; a mulher, com sua submissão
voluntária, colabora com esse clima de felicidade (grifos nossos).

Inúmeras vezes, na Bíblia, a responsabilidade primeira do marido para com sua


mulher é ressaltada [amá-la]; há referência quanto à mulher amar também o
marido (Tito 2:4); mas sua principal responsabilidade como mulher é obedecer a
seu marido. Obediência envolve submissão. E submissão ao marido é, realmente,
submissão ao Senhor. Se a mulher acha que o marido não merece sua submissão,
deve subordinar-se a ele por amor ao Senhor (grifos nossos).

Aqui a submissão da mulher é especificada como “voluntária”. O que retoma o


sentido do dicionário “obediência voluntária”. A especificação (voluntária) de obediência é
expandida para submissão. Essa especificação aponta para um sentido de que a submissão
não seria uma ordem ou obrigação, mas uma atitude derivada da livre vontade de ser

139
submissa. Ela não é obrigada a ser, mas é porque quer ser. As obrigações dos cônjuges são
estabelecidas: o marido deve amar a esposa e a essa obedecer ao marido. O texto levanta a
seguinte problemática: se o marido for um cristão fiel, ser submissa a ele é bom, porém, se
o marido não for um cristão, deve a mulher ainda ser submissa? A essa questão, o texto
responde que “se a mulher acha que o marido não merece sua submissão, deve subordinar-
se a ele por amor ao Senhor”. A submissão é vista como um ato de obediência a Deus.
Nesse texto, também são defendidas as teses de que a submissão feminina é, em última
instância, submissão a Deus, e de que essa é uma forma de evangelizar o marido. O que se
relaciona com o sema /Evangelização/ nesse discurso.
Em suma, os dois textos de Visão Missionária defendem três teses
fundamentais: i. a mulher deve ser submissa ao marido, porque a submissão a ele é, em
última instância, submissão a Deus; ii. a submissão é um meio de evangelização do marido;
iii. a submissão é um ato voluntário, ou seja, a mulher pode escolher ser ou não submissa.
De acordo como Foucault (1999), o comentário tem dois papéis, a saber, a
construção (indefinidamente) de novos discursos e a possibilidade de dizer o que realmente
estava no texto primeiro, ou seja, “dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia
sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito”
(FOUCAULT, 1999, p.25). Desse modo, explica o autor, o comentário permite dizer algo
além do texto primeiro, porém “com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo
modo realizado” (Ibidem, p.26).
Nos textos analisados, o enunciador de Visão Missionária tece um comentário
a respeito do texto bíblico. Em certo sentido, esse comentário atualiza o texto bíblico às
condições de produção do periódico. O mesmo é reafirmado/retomado: a mulher deve ser
submissa: “é um exemplo que deve ser imitado pela mulher crente desejosa de sabedoria de
coração”, “é a chave para levar um marido incrédulo a Deus”. No entanto, para que o texto
bíblico não seja julgado preconceituoso ou “injusto”, o enunciador desse discurso comenta-
o, visando anular o sentido impositivo de submissão. O comentário tenta acabar com as
possíveis resistências: “Não é justo! Por quê?”, “Se a mulher acha que o marido não merece
sua submissão”, apelando para o caráter voluntário da submissão. O comentário atualiza o

140
texto bíblico, na medida em que defende que a submissão proclamada na Bíblia tem um
caráter optativo e voluntário.
Assim, diferentemente de Grimké (1838) que descreve o texto acerca da
submissão feminina como derivado de uma competência não cristã, nesses artigos de Visão
Missionária, o texto é repetido e apropriado. Tenta-se anular um sentido de submissão
como algo imposto e, portanto, negativo, para mostrá-la como uma “atitude voluntária,
deliberada e livre”.
No primeiro trimestre de 2010, Visão Missionária publicou o texto “Mulheres
e homens: iguais nas diferenças”. Após descrever algumas conquistas femininas ao longo
do século XX, como chefiar grandes empresas ou governar países, o texto afirma:

Este é o século 21 nas grandes metrópoles. Não há sentido em se falar, hoje, em


submissão, como muitos ainda defendem a partir da leitura literalista do texto
bíblico. A palavra está mais do que desgastada, mas não há outra: a mensagem
bíblica precisa ser contextualizada. Aliás, nunca entendi porque contextualizamos
algumas passagens bíblicas e outras, não. Mulheres falam em igrejas (mesmo
naquelas comunidades mais obscurantistas) e há proibição na Bíblia quanto a este
ato (1Co 14. 33-35). Os intérpretes são quase unânimes em descartar a
interpretação literal, no que fazem bem. Essa deveria ser a regra (grifos nossos).

O comentário tecido acerca do texto sobre a submissão feminina é diferente


dos anteriores. Afirma-se que o texto deve ser contextualizado. O texto é visto como
circunstancial, servia para aquela realidade de Paulo, mas não se aplica mais: “não há
sentido falar, hoje, em submissão”. Segundo o texto, falar em submissão seria adotar uma
leitura “literalista do texto bíblico”, o que deve ser descartado. Tal interpretação relaciona-
se ao sema /Integração/. Segundo essa posição, é necessário que o texto seja
contextualizado.
No que concerne à posição da Convenção Batista Brasileira, José Pereira, em
História dos batistas no Brasil (1985), afirma:
Os batistas da Convenção Batista Brasileira não têm restrições quanto ao trabalho
das mulheres nas igrejas. Entendem que as advertências feitas pelo apóstolo
Paulo se prendiam a situações locais, passageiras, e que foram superadas à
proporção que o próprio cristianismo foi operando, o que se pode chamar de
redenção da mulher (p.217).

Para Pereira, as considerações de Paulo sobre a mulher também foram


circunstanciais: “locais, passageiras” e superadas, com a chamada “redenção da mulher”

141
operada pelo cristianismo. Essas considerações também se relacionam ao sema
/Integração/. Assim, a Bíblia deve ser integrada ao tempo atual.
O historiador David Olson (1997) afirma que uma das contribuições de Aquino,
e também de Lutero, foi mostrar que um texto é produzido por uma pessoa histórica,
dirigido a uma audiência histórica particular. Nesse sentido, a interpretação do texto como
circunstancial sustenta que o texto da submissão foi escrito por Paulo para uma plateia
específica (judeus que se tornavam cristãos no início do cristianismo). Logo, o texto não
deve ser interpretado como uma espécie de ordem divina irrevogável e atemporal, mas
como ligado a situações “locais” e “passageiras”.
Por fim, gostaríamos de apresentar mais uma forma de comentário do texto
acerca da submissão feminina. O texto “Maridos: sejam sujeitos às suas mulheres” foi
publicado na revista Ultimato (Marco-Abril 2011), periódico evangélico não ligado a uma
denominação específica. O texto é de autoria da psicóloga batista, Dagmar Grzybowski.
Para a autora, a chave da interpretação do texto sobre a submissão está em seu cotexto:
O fato de haver uma divisão de assunto entre os versículos 21 e 22 faz com que se
perca a fluência natural do texto escrito. [...] em Efésios, imediatamente antes de
falar sobre a submissão da mulher, Paulo afirma: “Sujeitem-se uns aos outros”
(Ef. 5.21). Ora, uns aos outros significa que os maridos devem sujeitar-se à
esposas da mesma forma que elas aos maridos (GRZYBOWSKI, 2011, p.31).

Segundo a autora, para compreender a questão, é preciso considerar o texto


bíblico anterior ao da submissão feminina, que diz que cada um deve sujeitar-se ao outro.
Para a autora, tal qual a mulher estaria submissa ao marido, o marido estaria à esposa.
Nessa explicação, a autora acrescenta:
Infelizmente, em uma parte significativa das igrejas cristãs, existe dificuldade em
lidar com a questão do funcionamento dos papéis na relação conjugal.
Influenciados pelos ranços culturais de matizes machistas, tendemos a distorcer o
propósito de Deus na criação e vivemos um modelo alicerçado na temporalidade
da queda (IBIDEM).

Dessa forma, para a autora, a submissão seria um resultado da queda do homem


no Éden. De acordo com ela, haveria três momentos distintos da história: o da harmonia da
criação, em que todos eram iguais; o após queda, em que haveria hierarquia e o momento
da restauração com Cristo, em que todos seriam novamente iguais.

142
Uma tese sustentada tanto nos textos de Grimké (1838) e de Pereira (1985),
quanto no de Grybowski (2011) é de que o cristianismo operou chamada “redenção da
mulher”. Segundo tal tese, a queda da humanidade no Éden teria causado a submissão da
mulher, a igualdade só teria sido restabelecida pela morte de Cristo.
Além da explicação pelo cotexto, Grzybowski ainda defende que a submissão é
própria do caráter cristão: “é necessária a compreensão de que o único modelo de liderança
aceito em qualquer relação, a partir de Cristo, é o modelo do próprio Cristo: o líder-servo
que dá a sua vida em favor dos liderados” (2011, p.31). Nesse sentido, para a autora,
submeter-se ao outro é um comportamento apropriado ao cristão, porque segue “o modelo
do próprio Cristo”, sendo, portanto, algo positivo.

6.4.3 Considerações sobre o comentário

Em Visão Missionária, o texto da submissão feminina é comentado de


diferentes formas: comportamento cristão, decorrência da “queda” do homem, meio de
evangelizar o marido, atitude voluntária. Quando interpretado como uma atitude voluntária,
o texto ganha um caráter optativo e cerceia a interpretação de que a mulher seria oprimida
ou julgada inferior, interpretação esta que poderia fazer com que o texto fosse julgado
preconceituoso.
A relação de Visão Missionária com os textos bíblicos é regulada pela
semântica global do discurso batista. Como já foi dito, esse discurso tem a necessidade
retomar constantemente a Bíblia, a fim de provar que não foge dela. Assim, ao citar um
texto que pode parecer polêmico (como o da submissão), o enunciador batista comenta-o,
não para anulá-lo, mas para defendê-lo, mesmo que seja para afirmar que esse já não se
aplica mais hoje literalmente ou que a submissão é um comportamento próprio de todos os
cristãos, sejam homens ou mulheres. Há uma tentativa de /Integração/ do texto, entretanto,
essa não visa a mudá-lo, mas a anular aquilo que poderia soar como preconceituoso.

143
6.5 O caráter atemporal do texto

Em Visão Missionária, outra tese que encontramos é sobre o caráter universal


e atemporal dos textos bíblicos:

O poder da Bíblia não se limita pelo tempo ou pela geografia. Urge que nós, os
crentes reconhecendo que somos mordomos da Bíblia, tomemos a sério a
reponsabilidade de verdadeiros semeadores da semente santa, e levemos a Bíblia
a outros. Desse modo, nos tornamos “colaboradores com Deus” na sua obra
eterna (VM, 1T1967, grifos nossos).

A Bíblia vive hoje e continuará a viver através de todo o tempo. Vive, porque é a
Palavra de Deus para o homem. Na Bíblia, Deus revela seu plano para a redenção
do homem por intermédio de seu Filho Jesus Cristo, o bálsamo das almas
enfermadas pelo pecado (VM, 4T1967, grifos nossos).

Uma das grandezas do evangelho é que ele não depende de um tipo de vida social
para ser válido. Na Antiguidade, a família se organizava de um jeito, no mundo
greco-romano, de outro; no feudalismo, outro ainda diferente; na sociedade pós-
moderna então, nem se fala; os papéis de cada membro da família sempre
variaram de acordo com a época. Mas o evangelho de Jesus não sofre essas
mutações; ele é o mesmo em qualquer época, porque sua mensagem tem
aplicação universal (VM, 4T1999, grifos nossos).

No discurso cristão, a Bíblia é tomada como um livro de aplicação eterna e de


caráter profético. A esse respeito, chamamos a atenção para um texto intitulado
“Preparando vocacionados para um mundo sem fronteiras”, veiculado na edição do
segundo trimestre de 2005. Desse texto, selecionamos as seguintes formulações:

É o próprio Deus quem antecipa, autoriza e comanda a globalização da fé bíblica;


isto é, a disseminação mundial do Evangelho.

O mundo atual é globalizado, portanto sem fronteiras. Entendendo-se o termo


globalização como um neologismo, geralmente utilizado na linguagem da
economia em referência à grande movimentação do capital ao redor do planeta,
percebe-se que é nesta área que mais se verifica a sua ocorrência. Mas o mundo é
globalizado também em relação aos avanços na comunicação e na veiculação de
informações. E, como vimos acima, o mundo também é globalizado do ponto de
vista da tarefa missionária.

Desde o chamado de Abraão (Gn 12.1-3), que Deus vem convocando servos e
servas para a execução de alguma tarefa visando o cumprimento do seu “eterno
propósito” (Ef 3.11) de resgatar a humanidade. E continua a fazê-lo em nossos
dias, mesmo num mundo globalizado, pós-moderno, com uma sociedade
hedonista, narcisista e sedenta de autopromoção personalista.

144
O texto defende que o fenômeno da “globalização” já está descrito e defendido
na Bíblia. O texto contrapõe dois tipos de globalização: a do mundo, que se refere à
movimentação de capital e informação, e a bíblica que é a circulação da fé. Nesse sentido, a
globalização bíblica estaria relacionada à /Evangelização/.
Nesse comentário, o termo “globalização” que passa a circular, a partir do final
do século XX, é apresentado como tendo sido antecipado por Deus “na disseminação
mundial do Evangelho”. O termo “globalização” é lido, assim, pela grade semântica batista
como relacionado à /Evangelização/.

6.6 Considerações finais

Os regimes de citação em Visão Missionária relacionam-se diretamente com o


caráter de discurso constituinte que forma o posicionamento batista. Maingueneau (2006a)
afirma que a análise de discursos constituintes deve levar em conta não apenas os textos
privilegiados, mas também os textos segundos que tentam comentar e resumir os textos
primeiros. Na revista, o texto bíblico é constantemente citado, resumido, comentado. Como
já foi dito, os discursos constituintes se pretendem como defensores da Verdade, ligados
diretamente a ela. Em Visão Missionária, os textos apresentam-se como a interpretação
correta da Bíblia. O uso recorrente das citações busca garantir essa fidelidade. Propomos
que, como defende a perspectiva da Análise do Discurso, as interpretações são sempre
filiadas a um posicionamento discursivo, logo, nas explicitações que faz dos textos bíblicos,
Visão Missionária está doutrinando segundo o discurso batista.

145
146
CONCLUSÃO

A análise do discurso não pergunta se o que o discurso diz é verdade, mas


tenta perguntar como o discurso assegura como verdade o que foi
construído (JEAN-JACQUES COURTINE).

Nesta dissertação, buscávamos analisar como a revista Visão Missionária filtra


enunciados sobre o feminino a partir da semântica global batista. Para tanto, primeiramente
discutimos como se dá o funcionamento do discurso batista dentro do espaço protestante. A
análise indicou que esse discurso configura-se por uma relação com o interdiscurso. Os
vários discursos protestantes impõem-se como a verdadeira interpretação da Bíblia, que,
como afirma Maingueneau (2006a), funciona como o Thesaurus para o discurso cristão.
Nesse campo, o discurso batista propõe-se como verdadeiro intérprete da Bíblia e como
aquele que recebeu divinamente a missão de converter o mundo à doutrina cristã.
Nesse discurso, o sentido do termo “cristão” é restringido para o de “batista”.
Mesmo que não negue diretamente a cristandade dos outros protestantes, ele coloca em
xeque a legitimidade dos demais, ao se propor como o genuíno e primeiro. Ele se constitui
em uma relação polêmica com os demais por seus semas de /Individualidade/, relacionado à
prática do batismo de adultos e por imersão, de /Formação/, apresentando os Outros como
aqueles que “relegam” a Bíblia a um segundo plano e que não tem uma “Formação forte”, e
de /Integração/, descrevendo os Outros como alienados e fora do mundo. No sentido de
provar a sua legitimidade, além de se descreverem como “diretamente” constituídos por
Deus (nas palavras de Cristo), os textos batistas apresentam uma grande quantidade de
citações, particitações e comentários, que criam um efeito de autenticidade nesses textos.
Tendo isso em vista, voltamos às hipóteses formuladas na introdução, a saber:

i. Há uma semântica global do discurso batista que rege todos os


planos discursivos da Igreja Batista e das suas organizações, entre
elas a União Feminina Missionária e, por consequência, a Revista
Visão Missionária.

147
ii. Os discursos sobre o feminino veiculados em Visão Missionária são
filtrados por essa semântica global.

A respeito da primeira hipótese, as análises empreendidas mostraram que


Semântica global batista regula desde as instâncias discursivas produzidas por esse discurso
(como a revista Visão Missionária) até as práticas institucionais realizadas na
denominação, como o culto doméstico e a Escola Bíblica Dominical.
No que concerne à segunda hipótese, a investigação revelou que Visão
Missionária defende uma /Ordem/ em que homens e mulheres teriam papéis e funções bem
distribuídos, em que o masculino estaria mais ligado à racionalidade e ao espaço público,
ao passo que o feminino estaria mais ligado ao domínio privado. Essa divisão é apresentada
como um desígnio divino. Por consequência, imutável. Nesse sentido, o periódico não
subverte o típico discurso sobre o feminino (que a mulher é mais emocional e ligada à
esfera privada), mas soma a ele o discurso batista.
A revista constrói a imagem de uma mulher cristã que é a “Mulher Cristã em
Ação” da UFMBB, a qual deve ter em mente que o seu principal objetivo é a sua atuação
no mundo enquanto evangelista. Para tanto, essa mulher deve ter uma /Formação/ cristã
específica: com a leitura ordenada e organizada da Bíblia, aliada à leitura de livros batista.
Além disso, essa mulher deve estar integrada no mundo, trabalhando em obras sociais e no
ensino, levando em conta que a sua /Integração/ deve ser moderada, a fim de que não perca
de vista que sua função principal é a /Evangelização/ daqueles que a cercam.
No tocante ao cuidado com o corpo, diferentemente das revistas femininas de
uma forma geral, que representam a imagem da mulher como extremamente vaidosa e
preocupada com sua beleza, Visão Missionária constrói a imagem de uma mulher que está
preocupada com sua /Ação/ no mundo no sentido de ser uma boa cristã. Segundo a
publicação, a principal preocupação da mulher não deve ser o embelezamento do corpo, já
que esse é passageiro, mas a busca pela beleza eterna, ligada a Deus. Voltando à
formulação No SPA com Deus, que serve como título desta investigação, a análise mostrou
que a mulher batista deve sim preocupar-se com a sua beleza, mas tendo em vista que seu

148
principal objetivo é a /Evangelização/ do mundo. Assim, estar no SPA, nesse discurso, é
preparar-se, por meio da /Formação/, para ser uma “Mulher Cristã em Ação”.
Além disso, tendo em vista a proposta de Maingueneau (2008) de que um
discurso sempre se constitui em uma relação com o interdiscurso, a análise mostrou que
mesmo que não tenhamos escolhido um discurso específico para
compararmos/contrapormos ao discurso batista, na própria descrição que faz de si, esse
discurso constrói a imagem de seu Outro, seja no que diz respeito aos outros
posicionamentos protestantes, seja no que diz respeito ao discurso não cristão (ao construir
uma imagem do mundo como um lugar de caos).
Por fim, a pesquisa mostrou também que é próprio do funcionamento do campo
religioso (por ser formado por discursos constituintes) que o discurso batista se proponha
como responsável pela conversão do mundo. Ademais, é próprio do funcionamento desse
campo que as recomendações e advertências do discurso cristão não se restrinjam ao
domínio da fé e das crenças, mas abranjam todas as áreas da vida do indivíduo. Em Visão
Missionária, as recomendações não se limitam apenas a questões eclesiásticas, mas
abrangem todas as áreas da vida da mulher: desde suas funções como dona de casa
(enquanto mãe, esposa, cozinheira, arrumadeira) até suas funções profissionais bem como o
seu cuidado com o próprio corpo e o de sua família.
Encerramos este trabalho sabendo que muitas outras análises poderiam (e ainda
podem) ter sido feitas. Sabemos que as questões aqui discutidas (res)suscitam outras
questões. No entanto, por ora, deixamos o leitor com uma angústia que nos inquietou
durante esta jornada:

Essa questão do tempo não é só um dado da natureza (no sentido de que, haja o
que houver, o dia tem só 24 horas), nem apenas uma questão individual (cada um
tem suas restrições individuais e sua energia produtiva), é também uma questão
institucional. A instituição dá cada vez menos tempo aos que dão a ela existência,
aos que a vivificam, e que, no fim das contas, são supostamente os encarregados
de cumprir as promessas que ela faz (ALICE KRIEG-PLANQUE).

149
150
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