Nadando Com Os Tubarões - Charlie Brown JR - Resenha

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 2

Charlie Brown Jr. constituiu-se como uma das bandas mais interessantes de sua geração.

Sua
diversidade sonora sempre chamou atenção, unindo carisma e letras relevantes de Chorão à
construção musical dos excelentes instrumentistas (originalmente: Champignon, Marcão,
Thiago Castanho e Renato Pelado). Oriundo de Santos, o grupo absorveu a ambiência praiana,
bem como a cultura de skateboarding e do Rap. A partir daí, misturou esses elementos ao
Rock. Essa diversidade resultante fez com que a banda fosse considerada, por alguns, a Fugazi
brasileira.

Sob tal prisma, a influência do rock californiano nas canções do grupo santista é realmente
evidente. Porém, o CBJR sempre conseguiu imprimir uma marca brasileira, abordando temas
relevantes, como a política do país, as desigualdades e a falta de voz da periferia. Assim, o
álbum que faz duas décadas em 2020 não é diferente: Nadando com os Tubarões traz um
Charlie Brown contestador, irônico e defensor da juventude. Vindo de dois CDs de grande
sucesso, a banda foi ao Midas Studios com sede artística e com um repertório extremamente
plural, incluindo faixas de Hip Hop, instrumentais e de Punk.

Sobre o primeiro elemento musical supracitado, destacam-se as participações especiais de


RZO (incluindo a lenda Sabotage e a virtuosa Negra Li), Controllamente, Mikimba e Rajja.
Nessas canções que contam com a força das rimas, há grande enfoque político e contestador.
Em tal contexto, destacam-se versos diretos e cirurgicamente adequados à realidade social
vivida no Brasil, como em ‘Somos Extremes no Esporte e na Música’: “Verão aqui é legal/
Brasil, bunda, carnaval/ Mas na verdade todo mundo quer ver sangue/ Ver sangue é que é
legal/ Todo mundo pára para ver o caos/ O batuque, o massacre/ O batuque, o crack/ O
batuque, a bola/ O pobre sempre é a bola”. Adicionalmente, a canção que conta com a
participação de Negra Li foi o segundo single do CD e, até hoje, é muito lembrada e cantada
pelas novas gerações: ‘Não é Sério’. Nessa faixa, Chorão e a cantora salientam a
incompatibilidade entre o pseudoconteúdo transmitido pela mídia e o que, de fato, é vivido
pelos jovens (principalmente aqueles da periferia).

Sob tal prisma, pode-se perceber a intenção em tecer protestos políticos pelo próprio encarte
do álbum, ao iniciar pela capa, que é uma nota de cem dólares contendo os membros da
banda (algo, no mínimo, irônico). Logo na folha de rosto, o ouvinte/leitor depara-se com uma
imagem contendo um subúrbio em preto e branco, acompanhada de um sintético texto
extremamente contemporâneo:

“As pessoas procuram um Diabo com chifres e cara de mau, mas não percebem que o Diabo
tem fala mansa e se veste bem, é muito educado e pede seu voto pela TV, compra o voto dos
mais humildes e desinformados e há gerações os vêm deixando na miséria. Pra que escola,
saúde e empregos? Se um povo doente, ignorante e na miséria é mais fácil ser manipulado.
Nadando com os tubarões!”

Além da faceta de protesto do CD, as canções que dão destaque ao instrumental agressivo
também merecem a audição. Comecemos por ‘Rubão’, a faixa de abertura, cujo riff principal é
pesado e levanta qualquer plateia. No que se refere à sua letra, vê-se um tom irônico e bem
humorado para colocar à tona os preconceitos e as desigualdades com que convivemos todos
os dias na América Latina. Outra faixa com o peso sonoro similar é ‘Fichado’, muito indicada
para aqueles(as) que gostam de um mosh. Já a levada do punk californiano pode ser conferida
em, por exemplo, ‘Ouviu-se Falar’ e ‘Transar no Escuro’. Adicionalmente, como de costume,
também podemos constatar a habilidade da banda em confeccionar músicas mais pop, que
imediatamente se tornam composições queridas pelo público adolescente. Esse é o caso de
‘Tudo Mudar’, que possui um refrão que gruda.

Para completar o disco de forma estupenda, a banda decidiu por compor faixas
majoritariamente instrumentais, proporcionando, cada uma delas, uma ambiência peculiar.
Entre tais canções, pode-se citar a ‘Ralé’ que, apesar da ótima letra, seu instrumental advindo
do universo do Jazz também chama muito a atenção do ouvinte. Nesse prisma, há também a
‘Amor Pelas Ruas’ e ‘Fundão’, também inconfundivelmente jazzísticas, nas quais o eterno
Champignon pôde mostrar sua genialidade no contrabaixo, e Renato Pelado expõe segurança
em uma bateria incomum para o grupo.

Enfim, Nadando com os Tubarões representa o fim de um ciclo de uma das bandas mais
queridas da história do Rock brasileiro (lembrando que foi o último álbum com todos os
membros originais). Nesse sentido, podemos afirmar que ele é uma espécie de síntese da
pluralidade sonora que o CBJR sempre apresentou, bem como encerra dúvidas quanto à
colaboração de Chorão para a popularização do Rap e de outros estilos advindos da periferia.
Por essas e outras razões, devemos aproveitar o aniversário de 20 anos desse excelente CD
para realizarmos sua audição, captarmos suas mensagens e refletirmos sobre o Brasil de hoje:
será que evoluímos ou ainda estamos aquém do que poderíamos atingir como sociedade?

Obs.: O CD no Spotify está sem as faixas ‘Não é Sério’, ‘A Banca’ e ‘Somos Extremes no Esporte
e na música’.

https://open.spotify.com/album/5eF1HzO5mIQxs7bCwW9TJC?si=UE-6Pe4dTqa4HYEEwLkMfg

Você também pode gostar