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Copyright 2020 © Rubanne Damas

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.


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reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meio eletrônico ou mecânico
sem a permissão por escrito do Autor.

CAPA
Rubanne Damas
Createdby Pikisuperstar - Freepik.com

FICHA CATALOGRÁFICA
DAMAS, RUBANNE
Confie em Mim/ Damas, Rubanne – Jacarezinho/PR
2020 16 x 23cm
236 p.
ASIN:
1. Literatura brasileira. 2. LGBT

Produzido no Brasil
“Não desista, vá em frente, sempre há uma chance de você tropeçar em algo
maravilhoso.”
– Charles F. Kettering
P
— orra!
Xingo quando meu pé cai dentro de um bueiro entupido assim que
saio do táxi. Chacoalho meu pé, tentando fazer a água escorrer mais rápido,
porém é fato de que estou encharcado até minha canela. Levanto o olhar do
meu sapato estragado e praguejo mais uma vez ao perceber que o filho da
puta do motorista se foi.
Não tinha como não ver que havia uma maldita poça de esgoto aqui.
Balanço meu pé mais uma vez e bufo, sabendo que nada vai adiantar a não
ser retirar tudo e jogar no lixo mais próximo. Resignado, sigo pela calçada
apinhada de pessoas e desvio de alguns guarda-chuvas errantes. A época fria
do outono está no auge, o que promete um inverno frio e seco. E eu odeio
inverno. Todos os ventos e a água nunca é suficientemente quente no
chuveiro, deixando sua bunda fria enquanto você esquenta a frente.
Estremeço com o pensamento enquanto meu pé faz um estranho
barulho de meia molhada dentro de sapato de couro. Como uma galinha de
borracha estragada.
Aceno para o homem na portaria e entro no hall do prédio já quase
vazio. A secretária ergue os olhos quando me aproximo do balcão e abre um
sorriso pequeno, mas com olhos tristes. Eu nunca entendi o porquê ela
sempre me olha assim quando eu chego. Como se tivesse pena da minha
pessoa.
Pigarreio, ajeitando meu terno.
— Oi, Estefânia. Por acaso Maria Cecília já saiu? Eu ligo no celular
dela e só dá caixa postal.
Seus dentes mordiscam o lábio inferior e dá uma rápida olhada para o
elevador. Balança a cabeça de leve e suspira.
— Não, ela ainda não saiu, Pablo. Acho que deve estar na sala dela.
Quer que eu avise que está aqui?
— Não. Quero fazer uma surpresa.
Seus lábios comprimem e encolhe levemente os ombros.
— Boa sorte.
Ela se vira antes que eu possa perguntar o que quis dizer com isso.
Ajusto minha gravata e vou para o elevador, me sentindo estranhamente
incomodado com a atitude de Estefânia. As portas se fecham e aperto o botão
do quinto andar. Inclino-me contra a parede e olho para o visor, pensando em
tudo que aconteceu em minha vida desde que me casei com Maria Cecília.
Eu a conheci na faculdade e ela era tão doce e adorável. Me
apaixonei-me imediatamente pela forma como era atenciosa comigo e como
nossos gostos eram parecidos. Foram meses de sexo selvagem e eu coloquei
uma aliança em seu dedo quando completamos um ano de namoro. Eu estava
crescendo rápido na empresa onde ainda trabalho, conquistando um cargo
melhor que o outro e meu salário subindo.
Para um garoto de vinte anos isso é mais que perfeito.
Uma garota sexy no braço e uma promoção de salário alto no outro.
Eu não queria mais nada além de me casar com aquela mulher. Minha mãe
disse que isso era loucura, que eu estava cometendo o maior erro da minha
vida. Que Maria Cecília não era meu destino.
Entretanto, eu nunca acreditei nessa porcaria que minha mãe e irmãos
vivem dizendo. Nós fazemos nosso próprio destino. Não há um fio invisível
idiota que nos liga a alguém especial. Essa merda não existe.
Então eu me casei, comprei um apartamento gigante e um carro de
luxo. Depois de um ano casado, eu comecei a perceber que algo estava
definitivamente errado. Eu achei que Maria Cecília era tímida ao redor da
minha família, porque Deus sabe como eles são loucos. Pensei que se a
levasse com mais frequência até eles, iriam acabar gostando uns dos outros e
tudo seguiria em paz, mas percebi que os olhares da minha esposa para meus
irmãos não era timidez.
Era asco.
Meus irmãos me diziam as palavras duras com que ela se dirigia a
eles quando não estava por perto, mas eu pensei que eles estavam mentindo
para mim porque não aceitavam meu casamento com ela. Entretanto, suas
palavras duras começaram a vir mesmo quando eu estava presente. Cada vez
que ela agia daquela forma, tão preconceituosa e homofóbica, eu tentava
contornar a situação e manter ambos os lados separados. E quando
chegávamos em casa, havia discussões infinitas comigo me sentindo culpado
no final sem mesmo saber o motivo e indo dormir no quarto de hóspedes.
Quarto que nunca foi usado por ninguém porque ela não permitia visitas em
casa.
Tudo estava se tornando impossível. E esses dias em que fiquei fora
visitando a nova filial da empresa que está expandindo, eu percebi que tudo
se tornou intragável. O casamento está fadado a acabar mais cedo ou mais
tarde e eu não sei se eu sinto alívio ou fico arrasado por fracassar.
Esfrego meu rosto quando as portas se abrem e me empurro para
longe. Estou exausto pela viagem de avião cheia de turbulências e não durmo
há mais de trinta horas. Eu preciso de um banho e tirar esse maldito sapato
encharcado. Porém, eu quero ter uma conversa com Maria Cecília primeiro e
quando não a encontrei em casa, eu deixei minha mala no apartamento e vim
direto para seu trabalho.
As luzes do corredor estão apagadas, apenas alguns abajures nas salas
estão acesos. Caminho devagar até a sala de Maria Cecília e suspiro, não
sabendo por que eu estou temeroso em abrir sem chamar. Talvez Estefânia
tenha deixado minha mente perturbada com sua atitude estranha.
Balançando a cabeça, pego a maçaneta da porta e a empurro, meu
sorriso no rosto morrendo quando a porta se abre e me deparo com uma cena
que nunca pensei ver na minha vida. Maria Cecília de joelhos, chupando o
pau de um cara que eu não faço a menor idéia de quem seja.
Maria Cecília nunca chupou meu pau.
Em mais de quatro anos que a conheço, a vadia nunca me chupou.
E agora está de joelhos, engolindo o pau de um cara qualquer.
Seus olhos viram para os meus, sua boca ainda envolvendo o idiota
que sorri para mim, passando a mão entre os cabelos soltos dela.
— Que droga é essa?
Suas mãos apertam as coxas do idiota, que envolve o punho em seu
cabelo. Jogo as mãos para cima quando seus olhos debochados me dizem
claramente: “estou chupando um pau que não é o seu, otário”. Sua cabeça se
afasta, sua língua lambendo os lábios inchados quando um sorriso aparece em
seu rosto.
— O que parece para você?
Esfrego minha têmpora, grunhindo na sua direção.
— Por que está fazendo isso?
— Porque ele fode melhor que você — diz, encolhendo os ombros.
Inacreditável.
A sorte dela é que eu sou muito controlado e me limito a apenas
amaldiçoar ao invés de quebrar seu pescoço magro contra a mesa.
— Foda-se! Espere a maldita carta de divórcio em sua mesa, vadia!
Bato a porta atrás de mim e sigo com passos apressados para a
escada. Não há como eu descer de elevador. Eu poderia socar tudo dentro
daquela maldita caixa e acabar preso entre os andares. Mais humilhação para
minha conta.
Passo pela porta como um furacão e Estefânia se ergue lentamente da
cadeira, os dentes mordendo os lábios mais uma vez. Bato a mão sobre o
balcão, fazendo-a saltar.
— Você sabia?
Seus olhos se arregalam quando assente devagar.
— Há quanto tempo? — rosno.
Estefânia passa a mão por sua nuca, seus olhos presos em algo sobre
sua mesa. Torno a bater a mão sobre o balcão, chamando sua maldita atenção
para mim.
— Há quanto tempo, porra?!
— Há seis meses, Pablo. Me desculpe.
Solto um grunhido frustrado e me viro para sair do prédio. Passo pela
porta cegamente, minha raiva fluindo pelas minhas veias e misturada com a
dor da traição. Tudo estava indo de mal a pior no casamento, mas me trair?
Caminho pela calçada, minha mão coçando meu peito dolorido e eu sinto que
posso bater no primeiro imbecil que cruzar meu caminho. Ando sem rumo
por horas até parar na frente de um bar. Empurro a porta e caminho pelo
interior levemente escuro e sento em uma das mesas vazias.
Apoio minha cabeça sobre minha mão, fechando os olhos apertados
enquanto a voz da minha mãe soa na minha cabeça sobre o quão errado me
envolver com Maria Cecília seria. Um copo é depositado na minha frente e
ergo a cabeça para dizer que ainda não havia pedido nada quando vejo os
olhos conhecedores de uma mulher alta.
— Eu vi que você precisava de uma dose.
Assinto, envolvendo o copo com ambas as mãos.
— Obrigado. Mas, talvez, eu precise de mais algumas além desta.
Ela assente, sorrindo.
— Se precisar de qualquer coisa, me chame. Sou Dandara.
Torno a assentir enquanto a observo se afastar. Alta demais e com
ombros largos demais. Definitivamente é trans. Com o cabelo loiro cortado
na altura dos ombros, grandes olhos castanhos e boca vermelha, Ivete poderia
gostar muito dela.
Viro o copo sem olhar e faço uma careta quando o líquido desce
queimando minha garganta. Chacoalho a cabeça para tirar a sensação
esquisita e suspiro ao perceber que estou de estômago vazio e logo essa
bebida vai subir fazendo estragos. Gesticulo com a mão e Dandara se
aproxima novamente com um largo sorriso e mais uma dose de tequila pura.
Três doses depois eu estou vendo o triplo. Já tentei tirar minha
camisa, o que me foi impedido e resmunguei. Está calor como o inferno o
lugar. Dandara está sentada na minha frente com sobrancelhas unidas.
— Você me parece terrível.
Sorrio, levantando o copo.
— Obrigado.
— Não foi um elogio. — Balança a cabeça. — O que está fazendo
você beber tanto assim?
— Uma vadia — falo, franzindo o cenho. — Não gosto de me referir
a mulheres dessa forma, mas essa merece.
Dandara sorri, puxando o copo vazio da minha mão.
— Você me parece um cara bastante respeitável e certinho. O que
essa mulher fez para você?
— Ela é minha esposa — falo com amargura a palavra. — Era. Vou
pedir o divórcio.
— Por quê?
— Porque ela estava chupando o pau de outro cara, a cadela.
Nunca fez tanto sentido o apelido que meus irmãos deram para essa
mulher. Dandara bufa, me entregando um copo com água.
— Definitivamente, ela merece ser chamada de cadela e vadia.
Assinto, tentando focar em apenas uma das três mulheres na minha
frente.
— Cristo, precisa de tantas garçonetes assim para me ver beber?
Dandara revira os olhos e gesticula com a mão.
— Certo, cara engomado. Sua hora já deu. Vou chamar um táxi para
você.
Franzo as sobrancelhas ao me levantar e o bar gira, pendendo para o
lado. Apoio a mão sobre a mesa e aponto para uma das três garçonetes me
olhando.
— Não quero ir para minha casa. Não quero ver aquela cadela lá. —
Apalpo minha calça em busca da minha carteira e derramo as notas sobre a
mesa. — Meu irmão. Eu vou até Vicenzo.
Passo o endereço da casa dele enquanto Dandara me ajuda ir até a
saída e fica comigo esperando pelo táxi. Eu me apoio contra ela quando o
carro surge pela esquina e sua mão bate suavemente em meu ombro.
— Eu não te conheço muito, mas eu sinto que você é uma boa
pessoa. E azar o da sua esposa em perdê-lo.
Sorrio, apertando sua bochecha.
— Você é uma mulher espetacular. Minha irmã ia adorar você.
— Me sinto lisonjeada, mas eu prefiro homens. — Pisca para mim e
puxa a porta aberta. — Vá curar essa dor em casa. Volte quando não estiver
bebendo por um chifre, mas por uma promoção.
Aceno quando a porta é fechada e deito minha cabeça contra o
encosto, as ruas passando como um borrão na minha janela. Eu estou ferido e
uma garçonete foi gentil comigo. Esfrego meu peito mais uma vez, a dor se
irradiando e me fazendo encolher levemente. O carro para e eu saio aos
tropeços, acenando para o porteiro ao passar. Ele me conhece, então não há
porque me barrar na entrada. Subo até o andar de Vicenzo me sentindo zonzo
e meu estômago embrulhando com os movimentos estranhos da minha
cabeça.
Bato a mão na campainha e olho duas vezes para ter certeza de que
estou no lugar certo e não perturbando alguém que não seja meu irmão. Passo
a mão pela minha camisa sem realmente tomar nota do gesto quando a porta
se abre e meu irmão me observa com sobrancelhas arqueadas.
— Vicenzo!
Envolvo meus braços ao seu redor em um abraço de urso, mas meu
corpo acaba pendendo e ambos caímos em um emaranhado confuso. Vicenzo
me empurra para o lado e se senta enquanto eu rio baixinho. Eu não sei o que
é engraçado. Nosso tombo ou meu casamento indo ladeira a baixo. Vejo
Leon surgir e aceno para ele.
— Leônidas! Como vai? Eu me chamo Pablo, lembra? Eu tenho água
nos ouvidos. Vocês também estão com água nos ouvidos?
Chacoalho a cabeça, o que parece só piorar meu estado. Merda, estou
bêbado demais. Nunca deveria beber sem comer algo antes.
— Hum... Posso perguntar o que houve? — Leon questiona.
— Acho melhor carregarmos o peso morto para o sofá e fechar a
porta. Meus vizinhos não precisam de um show.
Meu irmão me puxa do chão e me carrega até o sofá, largando meu
corpo mole entre as almofadas.
— O que fazemos com ele?
— Um balde de água fria, talvez?
As vozes parecem distantes enquanto tento me manter acordado.
— Molharia toda sua sala.
— Isso é o de menos. Eu não posso bater nele, mesmo que eu esteja
com muita vontade. Atirar um balde de água com gelo sobre sua cabeça
grande iria me deixar um pouco mais satisfeito.
Vicenzo é uma dor na bunda. E eu quero muito erguer o dedo do
meio para ele, mas minha coordenação está uma merda.
— Você é estranho quando se trata dos seus irmãos — Leon
comenta.
Ergo-me no sofá e fito Vicenzo com atenção. É um momento lúcido
no meio de tanta embriaguez.
— Vicenzo... Droga, Vicenzo...
— Hey, o que houve? — pergunta, apertando meu ombro.
— Aquela vadia...
Não me contenho e começo a choramingar. Uma vergonha.
Choramingando pela vadia da minha esposa sem alma e moral.
— Acho que ele precisa de um banho frio. Muito. Urgente.
Vicenzo agarra meu braço e me puxa para cima, o que resulta em
tudo girando descontroladamente.
— Ajude um pouco aqui, Leon.
— Eu não sabia que vir morar junto implicava em carregar seu irmão
bêbado para o banheiro.
— Morar junto comigo implica ter minha família na sua vida. Queira
você ou não. Somos loucos, acostume-se com isso.
Eu sorrio com suas palavras, porque essa é a mais pura verdade.
Então faço uma carranca quando penso que Maria Cecília não soube dar o
devido valor a minha família. Algo frio atinge meu rosto e eu grito, mãos
forçando meus ombros a ficar debaixo da maldita água fria.
— Limpe sua cabeça. Se seque e venha para a sala. Eu devo ter
alguma roupa para você.
Resmungo, minha cabeça encostada no azulejo. Tiro minhas roupas
quando meu irmão sai do banheiro e deixo a água fria esfriar minha cabeça e
limpar meus pensamentos, expulsando o álcool. Desligo o chuveiro e me
seco, colocando as roupas de Vicenzo que ficam folgadas. Vicenzo e Rhuan
não são mais altos do que eu, mas são mais largos.
Saio do banheiro e desabo no sofá, minha cabeça começando a gritar
uma enxaqueca.
— Então, quem é a vadia?
— Quem você acha? Maria Cecília, óbvio — resmungo.
Vicenzo senta ao meu lado quando Leon se aproxima com uma
grande xícara cheia de café. Eu aceito e tomo um gole, quase cuspindo
quando queima minha língua.
— Merda, está quente.
— E então? O que sua maravilhosa esposa fez para você chamá-la de
vadia? Mesmo que meu apelido preferido seja cadela. — Vicenzo acusa.
Eu bufo, batendo a xícara no chão.
— Eu pensei em surpreendê-la e cheguei mais cedo em seu escritório,
mas quem ficou surpreso fui eu. A peguei com outro em sua sala e a boca
dela estava muito ocupada para sequer demonstrar surpresa.
E só de me lembrar disso me faz querer bater em algo forte. Sinto
Vicenzo apertar meu ombro e me viro para vê-lo me olhar com piedade.
Merda, odeio isso.
— Sinto muito. Você os pegou no ato?
— Se pegar no ato significa a boca dela envolvendo o pau dele em
um boquete... Sim, peguei no ato — digo secamente e passo as mãos no
rosto.
— Isso deve ter sido péssimo. — Leon comenta do outro lado, seus
braços cruzados contra o peito.
Vicenzo olha seu namorado com uma carranca e então se vira para
mim.
— O que você fez, Pablo?
— O que mais eu poderia ter feito? A vadia sequer tentou se explicar.
Ela simplesmente deu de ombros e ainda teve o disparate de me dizer que o
filho da puta fodia melhor que eu. Então eu fiz o óbvio. Virei as costas e bebi
como um gambá até ver três garçonetes na minha frente ao invés de uma.
Bendita seja Dandara. Preciso encontrar esse bar e ir até lá com um
pedido de desculpas por ser um idiota bêbado dando trabalho.
— Como você veio parar no meu apartamento? Deus, diga que não
dirigiu bêbado até aqui.
Balanço a cabeça, recolhendo a xícara e tomando mais um gole de
café. Precavido desta vez.
— Dandara me enfiou em um táxi. Eu não queria ir para casa já que
Maria Cecília deveria estar lá, então eu dei seu endereço. Pelo menos eu
conseguia me lembrar disso. — Envolvo meu estômago com os braços, a
xícara pendendo em meus dedos trêmulos quando tombo a cabeça entre os
joelhos. — Jesus, eu preciso de um vaso.
Levanto e saio tropeçando pelo apartamento em busca do banheiro.
Eu mal chego quando esvazio meu estômago na privada. Deprimente. Eu
engasgo, meu estômago forçando mesmo quando não há mais nada para
jorrar.
Levanto-me fraco e trêmulo, e limpo minha boca na pia. Talvez vir
até Vicenzo não fosse uma boa idéia. Ou mesmo beber como um gambá. Eu
deveria ir até minha casa, recolher as coisas de Maria Cecília e atirar janela a
baixo. Ela que se virasse. Agora eu ficaria fora de casa sendo que ela foi a
vadia? Não. Ela tinha de sair. E então eu pediria o divórcio e colocaria o
apartamento à venda. Separação igual entre nós e cada um seguiria sua vida.
Ela chupando quem quisesse e eu...
Balanço a cabeça, saindo do banheiro e sem saber quanto tempo eu
fiquei lá. Paro no corredor e escoro na parede quando engasgo ao olhar a
mulher parada perto da porta. Talvez eu estivesse meio bêbado quando
sentencio em voz alta:
— Você é um anjo?
Vicenzo bufa com meu comentário. Então talvez eu esteja realmente
bêbado, mas a garota parece muito com um anjo com todo seu cabelo de ouro
e olhos grandes. Vicenzo atinge a orelha da garota com um peteleco e eu me
encolho com o gesto.
— Ei!
— Está mais para um demônio com dentes de vampiro sugador de
almas e sentimentos felizes.
— Isso me pareceu um dementador[1] — Leon comenta, os dedos
massageando a têmpora. — Sem os dentes de vampiro. Mas combina com
ela.
— E você é um idiota trasgo.
Vicenzo grunhe e gesticula para a porta.
— Acho que está na hora de você ir. Não bata a porta quando passar.
— Você está me expulsando? — A garota praticamente grita. E sua
voz estridente dói em meus ouvidos.
Talvez ela não fosse um anjo realmente. Talvez uma Banshee[2].
— Sim. Vai pela sombra. Oh, aproveite e coloque meu irmão em um
táxi e certifique-se que ele chegue em casa.
Arqueio as sobrancelhas na sua direção ao me aproximar. Onde está
se preocupar com a família? Proteger? Cuidar?
— Eu não sou uma babá de bêbado e eu sequer o conheço! E ainda
não terminei minha conversa com Leon.
— Terminou sim — Leon resmunga de frente ao fogão.
— Mas...
— Laisha, aceite um não como resposta. Quando seu irmão quiser
conversar, ele irá até você. — Vicenzo gesticula para mim. — Você, pare de
babar e vá para casa. Chute a cadela porta a fora, durma e amanhã peça o
divórcio.
Balanço minha cabeça para parar de olhar para a garota. Parecia que
havia uma aura ao redor de seu corpo. Ou talvez eu definitivamente não
deveria beber nunca mais na minha fodida vida. A porta bate quando sou
empurrado para fora, ainda vestindo as roupas de Vicenzo. Seguro a calça
para não cair por meus quadris estreitos e olho para a garota emburrada.
— Você consegue pelo menos andar?
Suspiro, assentindo. Descemos em silêncio até o térreo e quando
saímos para a noite fria, apalpo meus bolsos e grunho ao perceber que deixei
tudo na casa do meu irmão.
— Você, uh... Se importa de pagar a corrida? Eu reembolso quando
tiver minha carteira de volta — falo rapidamente quando ela me joga um
olhar duvidoso.
Suspirando, assente e puxa sua carteira fora.
— Dê o valor da corrida ao Leon. Ele me dará depois.
Pego as notas de sua mão e abro um sorriso quando o táxi para na
nossa frente. Estico minha mão para um cumprimento e sua mão pequena
envolve a minha.
— Pablo.
— Laisha.
Aceno e entro no carro, caindo contra o encosto e me sentindo mais
cansado do que deveria. Sua cabeça loira aparece na janela e eu abaixo o
vidro.
— Seja o que for que o fez beber assim, não vale a pena.
— Provavelmente — comento amargo.
— Fique seguro.
Bate no capô e o carro se afasta. Esfrego meu rosto enquanto o taxista
segue para o meu apartamento e tomo coragem para enfrentar minha futura
ex esposa. Talvez eu não me lembre de tudo quando acordar no dia seguinte,
mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza: Maria Cecília vai se arrepender
do que fez comigo.
Coisas na vida que não se devem quebrar, principalmente comigo:
confiança, promessa e meu coração. E essa vadia fez todas essas três coisas
da pior forma possível. Nada mais justo que fazê-la pagar na mesma moeda.
7 meses depois.

Meus olhos passam pelo salão pequeno, apenas com as pessoas


mais íntimas que meu irmão e seu noivo conhecem. Pensar na palavra
casamento faz um arrepio subir por minha espinha e logo o espanto com um
safanão. Meu irmão e Leon estão felizes nesse dia especial e eu preciso parar
de achar que todo mundo que se casa se torna infiel depois.
Meu pai não foi com minha mãe. Leon não será com Vicenzo. E
Maria Cecília não deveria ser usada como modelo para casamentos. Aquela
vadia sugadora de sangue e paus alheios sequer deveria surgir em um dia
como esse. Em presença ou pensamento.
Suspiro, deixando minha mente vagar para meu trabalho, que é
realmente o que devo me preocupar. Ainda mais com outra filial sendo aberta
em uma cidade menor a menos de setenta quilômetros da capital e que
precisaria de uma visita minha em breve. Fico feliz da empresa pela qual
trabalho esteja expandindo, mas fico cansado em apenas pensar em todo o
trabalho que vou ter daqui para frente.
— Por Deus, olha o tamanho da ruga de expressão na sua testa. Vai
ter cabelos brancos antes mesmo de completar trinta, daqui cinco anos.
Desvio meus olhos da banda e me viro para Olívia sentada ao meu
lado. Seus enormes cabelos ruivos estão enrolados em sua nuca com uma fita
cheia de flores ao redor e alguns cachos caem sobre seus ombros. Seus olhos
azuis estão presos nas minhas sobrancelhas com recriminação. Quem a olha
de longe pode pensar que é um anjo delicado e inocente, mas quem a conhece
sabe o quão perversa pode ser.
E eu a amo demais.
— Pare de alisar minha testa. Isso não vai diminuir minha
preocupação ou expressão. — Empurro sua mão para longe.
A música muda quando Vicenzo e Leon surgem pelas portas
dianteiras, as mãos unidas e levantadas acima de suas cabeças em
comemoração. Aplaudo junto com todos, gritando para o casal feliz enquanto
Olívia, delicada como é, assovia alto com os dedos dentro da boca. Minha
mãe surge da lateral e abraça ambos pelo pescoço, beijando suas bochechas e
deixando um rastro de batom vermelho e lágrimas.
Franzo meu cenho ao lembrar que no meu casamento não houve
barulho assim. Foi silencioso e suave. Minha mãe sequer se aproximou de
mim e Maria Cecília além do necessário. Não teve rastros de batom em
minha bochecha. Suspiro, balançando a cabeça e voltando a me sentar.
Mamãe também não fez isso no casamento de Luna. Ela insistiu que
aquilo tudo era um erro e não ficamos surpresos quando, depois de dez anos,
minha irmã apareceu dizendo que estava se divorciando. Vindo de Luna, não
ficamos surpresos pela demora em perceber como seu ex-marido é um idiota.
Sinto o toque suave em meu ombro e me viro para ver que Suzana
havia se juntado a nós e eu sequer a percebi se aproximar. Seus dedos
entrelaçam nos meus enquanto me dá um sorriso pequeno, seu polegar
acariciando minha mão.
— Vocês sabem que eu não sou uma bomba prestes a estourar. Não
precisam ficar me alisando e andando ao redor para tentar amenizar a
situação, caso ocorra alguma — falo.
Olívia bufa, cruzando os braços.
— Você mesmo dizendo que pode ocorrer uma situação já é um
perigo.
— Olívia Palito, você não está ajudando. — Suzana suspira e me olha
atentamente. — Estamos aqui para qualquer coisa, tudo bem?
Sorrio, beijando sua testa.
— Eu sei. Agora vão dançar e parem de ficar me rodeando. Mamãe já
faz isso muito bem sozinha.
— Sim, bem... — Suzana encolhe os ombros, sorrindo largamente. —
Foi ela que pediu para averiguá-lo.
— A cada cinco minutos. Palavras dela. — Olívia aponta.
Rolo meus olhos e as enxoto com as mãos. Seus risos altos
acompanham-nas até do outro lado onde há uma mesa com petiscos. Cruzo
meus braços e observo Vicenzo dançando com Leon, os dois em sua própria
bolha feliz, bochechas coladas e sorrisos melosos.
Vejo Rhuan saindo do corredor lateral com um largo sorriso e
bochechas rosadas. Seus cabelos que deveriam estar penteados e ajeitados,
são uma pequena bagunça arrepiada. Caleb surge segundos depois,
arrumando seu terno amassado e alisando o cabelo para trás e é parado por
minha mãe. Suas bochechas se tornam um tom rosa ainda mais profundo
quando minha mãe cerra os olhos na sua direção.
Eu demorei a perceber que Caleb poderia ser gay, ou mesmo que meu
irmão poderia estar tendo um caso com ele. Estava tão imerso em meus
próprios problemas tão acuado em meu próprio mundo sombrio e caótico,
que não percebi as coisas ao meu redor até elas explodirem em meu rosto.
Os dois não enganavam ninguém e eu balanço a cabeça quando
Rhuan se aproxima de mim e se larga sobre a cadeira de forma desleixada.
— Vocês estão com um sorriso de merda — comento.
— E você parece muito invejoso com isso — diz, balançando as
sobrancelhas de forma sugestiva.
Desvio meus olhos para o salão e não digo nada. Rhuan é um bom
observador e se eu mentisse dizendo que não os invejava, eu estaria mentindo
e ele saberia. Então mantive a sabedoria de ficar calado, seguindo um dos
vários conselhos da minha mãe.
— Sabe, você pode conversar com a gente sobre sentimentos.
Faço um som de engasgo ao olhá-lo.
— Sem essa. Não estou conversando com você sobre isso.
Suas sobrancelhas se franzem e eu suspiro, apertando minha mão em
seu ombro.
— Rhuan, você é um ótimo irmão e eu te amo, mas não quero falar
com você e mais ninguém sobre o que houve comigo meses atrás.
— Eu só preciso que você me responda uma pergunta e prometo que
vou deixá-lo em paz.
Arqueio uma sobrancelha e gesticulo para continuar.
Se não pode com eles, junte-se.
— Qual seu nível de dor em relação ao seu término de
relacionamento tóxico com a cadela?
Franzo meu cenho com sua pergunta.
— Eu senti muita dor quando a peguei no ato, me traindo, mas então
eu só tive raiva. E então se tornou nojo. E agora... Não é nada. — Encolho os
ombros. — Por que a pergunta?
Me arrependo assim que termino de falar ao olhar para o rosto de
Rhuan. Seu sorriso idiota está ali e eu quero atirar a taça de água em seu
rosto.
— Oh, não é nada. Apenas... — pigarreia e gesticula com a mão,
formando um punho perto da boca e eu gemo ao perceber o que ele vai fazer.
— Estou indo embora. A mala já está lá fora. Vou te deixar... Porque homem
não chora!
Balanço a cabeça, cruzando meus braços e me recostando na cadeira.
— Ha-ha. Muito engraçado. Pode parar seu stand up que a platéia é
de um só e eu não gostei.
Rhuan sorri e passa o braço por meus ombros.
— A cadela não era seu destino, Pablito. Você sabe disso. Sempre
soube.
Mexo com o guardanapo na mesa e suspiro.
— Talvez não haja alguém para mim, Rhuan. Estou conformado com
isso.
Sua língua estala ao me soltar ao mesmo tempo em que Caleb senta
ao seu lado.
— Você ainda é novo. Vai encontrar alguém.
Eu bufo, olhando-o criticamente.
— Você é dois anos mais velho do que eu!
— Por isso eu digo que ainda é novo. — Pisca, passando o braço pelo
encosto da cadeira de Caleb.
Claro. Agora que Rhuan se declarou sendo o maior investigador do
Estado, ele se acha o grande inteligente. Eu deveria dizer a ele que a
inteligência da família era pouca e foi dividida entre os sete. O que resultou
no que somos hoje: lentos em perceber as coisas ao redor.
Angelita surge de debaixo da mesa ao lado e corre para o meio do
salão sendo seguida por Ângelo, gritando sobre ela roubar sua torrada com
patê. Eu queria ter filhos. Eu simplesmente adorava a ideia de ter uma
pequena pessoa correndo pela casa. Me chamando de pai. E quando comentei
isso com Maria Cecília, ela riu na minha cara e disse que eu tinha um sério
problema na cabeça se eu achava que um dia ela iria engravidar de mim.
Um Alencar.
Na época eu não levei isso como um insulto. Eu me foquei mais na
parte em que ela ria e dizia que não teria um filho meu. Rendeu uma boa
discussão onde eu dormi três dias seguidos no sofá enquanto ela me dava um
tratamento de silêncio.
Lembrando agora, eu não senti muita falta de sua voz ecoando no
apartamento vazio. Assim como eu não sinto falta agora.
— Achei você!
Tiro minha mente do limbo escuro quando vejo Carlos se
aproximando com dois caras enganchados em seus braços. O mais baixo, de
óculos pretos, abre um largo sorriso na direção de Caleb.
— O que eu fiz para merecer isso? — ele resmunga, escorregando na
cadeira.
Rhuan ri, balançando a cabeça.
— Você nasceu sexy como o pecado. Foi isso o que você fez, meu
bem.
Observo curioso a forma como eles agem quando Carlos senta de
frente para mim na mesa e os dois homens sentam ao seu lado. O de óculos
preto se inclina para frente, seus olhos brilhando.
— Você realmente não quer aceitar nossa oferta?
— Cristo, você não desiste? — Caleb rosna.
— Eu sou muito obstinado. — Seu sorriso cresce quando o homem
ao lado ri e balança a cabeça.
— Desista, Igor. Ele não é do tipo de repartir.
Igor solta um suspiro pesaroso e se reclina na cadeira.
— Uma pena.
Franzo minhas sobrancelhas e me curvo na direção de Carlos.
— Do que esses dois estão falando?
— Oh, eles são aquele tipo de casal que gosta de uma diversão
diferente na cama. — Balança as sobrancelhas para mim. — E eu descobri
que o fetiche daquele pequeno é ter Caleb entre eles.
Enrugo meu rosto e me afasto, tentando manter longe da minha
mente aquela imagem. Caleb é meu cunhado, algo realmente surpreendente já
que eu nunca imaginaria que Rhuan fosse se casar com alguém e esse alguém
suportaria seu jeito nada comportado.
Minha careta parece ganhar a atenção do maior e eu me remexo no
lugar. Ele é todo grande e peludo, o que me lembra aqueles ursinhos fofos
que você compra para dar de presente nos dias dos namorados. Uma
sobrancelha grossa se inclina para mim e eu desvio meus olhos para o prato
na minha frente.
— Eu me chamo Maike. E você é?
Levanto meus olhos para a mão estendida e pigarreio, a aceitando
para não ser mal-educado.
Eu, o sempre tão diplomático da família.
— Pablo. Irmão do Rhuan e do noivo.
Suas sobrancelhas arqueiam quando um sorriso surge.
— Que família abençoada em beleza.
Carlos cacareja ao meu lado.
— Eles são. Gene ruivo é uma maldição de beleza. — Seus olhos
escuros correm rapidamente na direção de Tuco e suspira de leve antes de
voltar para mim. — Mas este aqui é único da família que corta só para um
lado, não é, Pablo?
Torço meu rosto com suas palavras. Eu acho tão grotesco usar
palavras como essas para dizer que uma pessoa possui orientação sexual
diferente da outra. Ou você é hétero, ou gay, ou bi, ou trans... As letras são
infinitas, assim como os rótulos.
— Eu não corto para um lado. Sou hétero, Carlos.
Maike me olha com atenção e balança levemente a cabeça.
— Se você o diz. Mesmo eu não acreditando, já que meu radar nunca
falhou.
Isso parece chamar a atenção de Igor ao lado e seus olhos pulam de
Maike para Carlos e então para mim.
— O que eu estou perdendo?
— Carlos está muito interessado no jogo de vocês em um quarto —
falo antes que o próprio abra a boca e jorra sua merda. Eu não quero ser o
próximo alvo do casal sacana.
Seus olhos escuros arregalam quando Igor ri se inclinando sobre
Maike.
— Jura? Eu pensei mesmo em propor a você. Todo esse cabelo
castanho claro, olhos escuros e pervertidos. Os ombros largos... — Suspira,
apoiando a bochecha no ombro do seu parceiro despreocupado. — Seria
maravilhoso, não seria, Maike?
— Eu não discordo — fala, abrindo um sorriso para Carlos.
Vejo-o engolir em seco e assentir brevemente ao coçar seu
cavanhaque.
— Vocês, uh... Podem me encontrar lá fora?
— Imediatamente! — Igor salta de pé e lança uma piscadela para
Caleb antes de arrastar Maike com ele para fora do salão.
Rhuan olha para Carlos com seu rosto preso em uma máscara estóica
enquanto Caleb está de boca aberta ao lado.
— É um rumo interessante que tomou os acontecimentos — Rhuan
comenta devagar.
— Foda-se! Você sempre pareceu um pouco inclinado para esse lado,
mas eu nunca imaginei... — Caleb bufa, balançando a cabeça. — É muita
informação para minha cabeça.
Carlos se recosta em sua cadeira, seus dedos brincando com o
guardanapo de forma descontraída. Seus ombros encolhem quando seus olhos
vagam mais uma vez até onde Tuco está e então se vira para nós novamente.
Seus olhos pegam os meus e percebe que eu vi e entendi. Não queria, mas era
claro como o dia.
Uma vez ou outra os Alencar percebiam as coisas.
Raro, mas acontece.
— Eu não preciso colocar minha preferência sexual em uma
plaquinha, sabe?
— Não, mas poderia ter dito algo e então eu poderia te apresentar
umas coisas interessantes... Uf!
— Cale a maldita boca, Rhuan — Caleb rosna.
Carlos ri, puxando seu celular do bolso e digitando uma mensagem.
Segundos depois meu celular vibra no bolso e Carlos pisca para mim ao se
levantar.
— Você está tenso como uma corda. Precisa de uma massagem. Eu te
enviei o número por mensagem e espero que você ligue e marque um horário.
O homem tem mãos mágicas. — Sorri, se virando para Rhuan. — E eu
conheço muita coisa interessante. Eu tenho quase trinta e quatro anos, ativo
sexualmente desde os quinze. Pode acreditar, Rhuan, eu já fiz muita coisa
que você sequer imagina.
Carlos acena e vai para fora do salão quase correndo. Arqueio minhas
sobrancelhas quando Rhuan pega duas taças de champanhe de um garçom
que passava e entrega uma para Caleb enquanto vira a sua de uma vez por sua
garganta.
— Eu estou tão surpreso que não consigo pensar — Caleb diz.
— Eu acho que todas as pessoas nesse mundo podem no surpreender
mais cedo ou mais tarde. — Rhuan toma a taça da mão de Caleb e a toma em
um longo gole antes de se virar para mim. — Algo que queira me contar?
Desvio os olhos da porta e sorrio para meu irmão.
— Nada que precise saber.
Rhuan grunhe e eu puxo meu celular e vejo o número que Carlos me
enviou. Meus dedos pairam sobre as teclas para enviar a mensagem e acabo
dando de ombros. Que mal faria? Talvez esse tal de Nico poderia mesmo
aliviar algumas das minhas tensões.
Sem pensar mais sobre isso ou sobre ser fim de semana e de noite, eu
clico em enviar a mensagem e guardo o celular no bolso quando me viro para
ouvir Caleb e Rhuan discutindo sobre a parede do corredor de seu
apartamento ser sem graça e que precisava de uma nova cor.
O que será que o destino me guardava?
O grito alto vindo do banheiro e então algo se partindo faz com que
eu levante correndo da cama. Meu dedo mindinho bate na quina do meu
guarda roupa e eu praguejo com a parcial escuridão não me deixando ver
muito bem. Vou saltando pelo corredor até chegar à porta do banheiro.
— O que houve? Você se machucou? Está tudo bem?
— Estou bem, pai.
Observo o banheiro e encontro o caos. Há produtos espalhados por
toda a pia, um espelho quebrado e Lucas está sentado sobre a tampa do vaso
esfregando um dos olhos. Esfrego meu rosto, apoiando no batente da porta e
o olhando com atenção.
— Vai me dizer o que houve?
Suas sobrancelhas franzem ao olhar ao redor da bagunça.
— Eu achei que conseguia pegar uma pasta nova sozinho. Mas... —
Seus olhos abaixam na direção da muleta no chão. — Meu cotovelo
escorregou do apoio e eu segurei no armário para não cair.
Agora é a minha vez de franzir as sobrancelhas. Olho para o armário
pendurado e empurro um dos potes de gel com o pé.
— Lucas, não há pastas no armário. As coisas de higiene estão no
armário de baixo. — Aponto o pequeno armário debaixo da pia e então olho
atentamente para ele. — O que você, realmente, estava tentando pegar?
Seus ombros encolhem, seu dedo coçando o mesmo ponto do braço
quando fica nervoso.
— Eu só fiquei confuso. É de manhã. Estou com sono.
Suspiro, entrando no banheiro e me agachando na sua frente. Seguro
seu queixo com a mão e o faço me olhar nos olhos.
— Você queria o remédio? — Seus olhos desviam, mas eu puxo seu
rosto para fazê-lo continuar me olhando. — Você queria, Lucas?
Ele assente devagar, seus olhos marejando.
— Lucas...
— Você estava dormindo e eu não queria acordar você. Eu posso
fazer sozinho.
— Nós dois sabemos que você pode, mas é um remédio controlado,
Lucas. Meu celular não despertou, o que significa que ainda é muito cedo.
Nós somos um time, esqueceu?
Lucas balança a cabeça e funga. Esfrego seus cabelos e me levanto.
— Venha dormir comigo. Quando for a hora eu vou acordá-lo e dar o
remédio.
Lucas pega sua muleta do chão e se levanta, coxeando pelo corredor
até meu quarto. Olho mais uma vez ao redor e suspiro, deixando para arrumar
mais tarde. Sigo para o quarto e vejo Lucas se aconchegando ao lado do meu
travesseiro e eu me enfio ao seu lado. Olho para o relógio e vejo que ainda
não se passa das três da manhã.
Ou Lucas estava realmente preocupado e não conseguiu dormir, ou as
dores haviam voltado com força, o fazendo se levantar para procurar algum
alívio. Fecho meus olhos, mas eu não volto a dormir. A preocupação ronda as
bordas do meu pensamento e eu acabo virando de um lado para o outro até o
celular despertar.
Me levanto mais uma vez, meu dedo latejando pela batida mais cedo,
e paro no caos que é o banheiro. Pego a caixinha laranja de cima da pia que
havia caído do armário pendurado e tiro dois comprimidos. Vou para a
cozinha e pego um copo de água antes de voltar para o quarto. Me sento ao
lado de Lucas, o acordando suavemente e lhe dando os remédios. Esses eram
apenas os primeiros do dia. Ainda havia mais três caixinhas diferentes onde
havia todo tipo de droga para dores, inflamações e as vitaminas.
Havia também as aulas de fisioterapia três vezes por semana e as
massagens que eu mesmo fazia toda noite para aliviar os nós nos músculos
que surgiam em suas pernas com o passar do dia. Não é fácil, mas também
não é impossível de Lucas ter uma vida. Sendo desenganado ainda na
gravidez, o médico dizia que ia nascer morto. Então ele sobreviveu e o
médico disse que não passaria da primeira semana de vida. Três meses atrás
Lucas completou sete anos de idade e continua crescendo.
Há suas limitações, claro, mas o novo médico a qual eu o levo nos dá
esperanças de uma vida longa. Algumas dores nunca iriam parar e poderiam
também piorar, mas eu fazia de tudo para esse menino ser feliz.
Sabendo que não conseguiria dormir, eu me levanto e coloco um
short leve e vou para a garagem nos fundos. Começo uma sessão rápida de
treino com séries de abdominais até não sobrar uma única parte do meu corpo
sem estar coberta de suor. Faço saltos na corda até meu fôlego não aguentar
mais e paro, caindo de joelhos e tentando sugar um pouco de ar para meus
pulmões exauridos.
Volto para dentro e encontro Lucas indo para o banheiro.
— Cuidado com os vidros. Eu não peguei os cacos.
Ele olha para o banheiro e faz uma careta.
— Vou usar o seu.
— Vou fazer seu café enquanto isso.
Vou para a cozinha e escuto seu grito do corredor.
— Não deixe suor no meu pão!
— Não prometo nada!
Sorrio, ligando a máquina de café e a televisão. Eu gosto de ver o
jornal da manhã antes de sair trabalhar. Ver como está o movimento da
cidade e ver quais ruas devo evitar.
Tiro os pães do armário e pego o leite da geladeira quando uma
notícia sobre assaltos na região onde trabalho aumentaram, assim como o
tráfico de drogas na região mais pobre da cidade. Meus dentes apertam,
lembrando de uma época que essas notícias me deixavam com o estômago
em nós apertados.
Puxo uma xícara de café preto para mim quando o micro-ondas apita
com o leite de Lucas e ele chega já vestindo seu uniforme. Puxa o banco e se
senta com um pouco de dificuldade, mas eu finjo não perceber. Eu aprendi
muito cedo que tentar ajudá-lo só piora as coisas. Lucas é independente
demais e se sente completamente ofendido quando tentamos ajudá-lo, seja
com o que for.
Até mesmo pegar os malditos remédios do armário de madrugada.
— Pai, você está resmungando.
Tomo um gole do meu café e balanço a cabeça.
— Não estou.
— Está. — Sorri, mordendo um pedaço do pão com manteiga. —
Isso é porquê eu quebrei o armário do banheiro?
Suspiro, colocando a xícara sobre a bancada.
— Não, eu só estava pensando sobre os assaltos. Esqueça sobre o
banheiro. Acontece.
— Igual quando quebrou o lustre da sala na casa da bisa?
Sorrio, bagunçando seus cabelos loiros escuros.
— Sim. Exatamente.
Lucas assente e eu vou para o banheiro para um banho e me trocar
antes do trabalho. Visto minhas roupas confortáveis e de cor preta, calço
meus tênis e resgato meu celular do carregador. Saio do quarto e vejo Lucas
passando a alça de sua mochila pelo ombro e saindo pela porta da frente,
gritando um cumprimento com um colega que passava de bicicleta.
Entro no carro e o ligo, saindo da garagem e espero Lucas subir no
banco de trás e afivelar seu cinto. É algo um pouco difícil de fazer quando se
tem apenas uma mão e metade do outro braço. Ajusto o retrovisor quando
Lucas fala do banco.
— Liga o som!
Sorrio, apertando o play, e AC/DC explode nos alto-falantes. Lucas
canta junto, as letras erradas e se atropelando, simulando uma guitarra com
sua muleta enquanto eu faço a bateria quando paro no sinal vermelho.
— I'm on the highway to hell! — gritamos em uníssono.
A luz fica verde quando o refrão chega ao ápice e viro a esquina,
vendo a escola não muito longe. Lucas não estuda longe, mas eu gosto de
levá-lo. É um acordo nosso mesmo quando ele disse que poderia ir com os
amigos. E isso não tem nada a ver com ser deficiente, mas com a cidade
perigosa para crianças andando sozinhas.
Deixo-o no portão e aceno quando se despede, subindo desajeitado na
calçada e cumprimentando um amigo antes de entrar pelos portões de ferro.
Saio da fila de carros para deixar as crianças e sigo para o outro lado da
cidade. Estaciono uma quadra antes do prédio, já que nunca há vaga por lá e,
caso tenha, não quero tirar de um cliente.
Quando chego ao pequeno prédio cinza com detalhes em preto, entro
pela porta com a metade de vidro e meu nome orgulhosamente colado na
frente. O sino toca e Eva ergue sua cabeça da xícara de café, um largo sorriso
se espalhando em seu rosto redondo.
— Nico! Chegou cedo.
Roubo um pirulito do seu pequeno vaso transparente, ganhando um
olhar reprovador, e assinto rapidamente.
— Esqueci de avisá-la que recebi uma mensagem no sábado de noite.
Um cliente novo para hoje cedo.
— Oh. — Seus olhos castanhos se arregalam e olha para sua agenda.
— Bem, você tinha a senhora Cruz apenas para as dez então...
— Sim, há uma folga do cliente de agora até a senhora Cruz.
Eva sorri, pegando sua caneta e se sentando em sua cadeira.
— Ela disse que adoraria a massagem de reflexologia nos pés.
Gemo, desembrulhando o pirulito e o enfiando na boca. Eles são
pequenos, o que significa que são rápidos de comer.
— O que eu não faço para ganhar dinheiro? — pergunto
retoricamente e arranco uma gargalhada de Eva.
Vou para o corredor estreito que dá para a sala dos fundos com os
sofás de espera e abro a porta da minha sala quando a voz de Eva ecoa até
mim.
— Qual o nome do cliente?
Franzo as sobrancelhas, passando o pirulito de um lado ao outro da
boca.
— Pablo, eu acho — grito de volta.
— Sessão?
— Das oito.
— Duh — Eva diz lá da frente e eu sorrio. — Você me entendeu.
— Ele pediu por algo que o desestresse. Coloque a sueca, já que é sua
primeira vez.
Pego meus frascos de óleos da prateleira e coloco na mesinha ao
lado. Puxo o lençol novo sobre a cama e coloco as toalhas sobre a cabeceira.
Levanto os olhos para encontrar Eva parada na porta.
— Você adora um iniciante, não é?
Apoio a mão na cama e abro um sorriso de lado.
— Eu pago você para fazer piadas nas minhas custas?
— Não, você me paga porque eu sou ótima no que eu faço e você
estaria perdido sem mim.
Rolo meus olhos, mas não a desminto.
— Vá trabalhar. Eu preciso arrumar aqui antes que ele chegue.
— Ainda faltam vinte minutos. — Aponta.
— Sim, você sabe que eu gosto de estar preparado caso seja um
cliente adiantado.
Agora é a vez de Eva rolar os olhos e me deixa sozinho. Eu termino
de arrumar a sala quando o som do sino ecoa pelo corredor. Bem, o homem
parece ser realmente um dos adiantados. Ligo o som com as músicas
relaxantes quando Eva surge mais uma vez na porta com um largo sorriso
quando me olha.
Oh, merda. Não. Não esse olhar.
Cruzo meus braços e me preparo, meus dentes apertando firme o
palito entre eles. Porém, não é o suficiente quando o homem vira pela porta e
surge em seu terno ajustado, cabelos escuros penteados e barba cerrada. Eu
chego a dar um passo para trás sem perceber. Seus olhos escuros analisam
meu corpo de cima a baixo, a mão enfiada no bolso enquanto a outra segura o
terceiro botão de seu terno.
O homem é uma visão.
— Este é o Nico, seu massagista.
Isso me lembra que eu preciso tirar minha língua da garganta e dizer
algo. Pigarreio, dando um passo para frente e estendo minha mão para ele.
— E você deve ser o Pablo.
Seus olhos continuam presos nos meus ombros e braços quando fala.
— Sou. Até hoje pela manhã, que eu me lembre.
Cristo, sua voz.
Grossa e baixa, parecendo xarope de mel derretendo nas veias.
Me chacoalho internamente e dou a volta na cama, gesticulando para
a portinha que leva ao banheiro ao lado.
— Você pode... Uh... Trocar a roupa lá. — Pego uma das toalhas e
estendo na sua direção. — Enrole em sua cintura e volte... Uh... Deite na
cama.
Seus olhos vão para a toalha na minha mão e então para meu rosto
antes de assentir brevemente e pegá-la, indo para o banheiro. Quando a porta
se fecha, eu me inclino sobre a cama e expiro lentamente, tentando me
lembrar de respirar. Tiro o palito da boca ao mesmo tempo em que Eva
sussurra:
— Uh... Você parece um pouco... Uh... Impactado.
Tiro meus olhos da porta e os cerro na direção de Eva.
— Você me deu aquele olhar. Não me diga que não está tão
impactada quanto eu — sussurro.
— Oh, eu estou. Não vejo um desses há muito tempo. Parece com
aqueles modelos maravilhosos que fazem propaganda de cueca cara.
Esfrego meu rosto e então me endireito, olhando para Eva e balanço
minha mão na sua direção.
— Saia daqui e feche a porta. Eu preciso me concentrar.
— Apenas lembre-se: ereção na cara de um cliente só é legal em
pornô.
Uma risada sai de mim antes que eu possa segurá-la. Jogo o palito no
lixo e a enxoto enquanto tento segurar mais risadas que borbulham pela
garganta quando Pablo sai do banheiro e eu quase engasgo. O peito de
músculos magros me chamou a atenção imediatamente, mas...
Porra! São piercings nos mamilos?
— Onde coloco minha roupa?
Desvio minha atenção dos maravilhosos apetrechos brilhantes em
seus mamilos escuros e pigarreio.
Sem ereção, Nico.
— Pode deixá-las sobre a cadeira.
Pablo assente e se inclina para colocar o terno pendurado no encosto
e o restante no assento. Eu observo de lado a forma como sua bunda magra é
apertada ao redor da toalha branca e praguejo baixinho ao quase derrubar um
vidro de óleo.
Pablo se senta na cama e me olha, esperando.
— Deite-se de bruços, por favor.
Ele faz o que eu disse e eu puxo o lençol branco sobre suas pernas.
Meus olhos seguem pelas panturrilhas fortes e então os músculos rígidos de
seus posteriores de coxas desaparecendo atrás da toalha. Engulo em seco ao
cobrir até o meio de suas costas e apoio minha mão no centro dela.
Não é necessário, mas eu quero continuar tocando toda essa pele pelo
tempo que eu puder.
— Eu vou trabalhar com você a massagem sueca. Como é sua
primeira vez, eu vou dizer a você tudo o que eu vou fazer para que você não
fique surpreso quando tocá-lo. — Seu rosto se vira para mim, a bochecha se
apoiando na lateral do buraco onde o rosto de encaixa. — Não é costumeiro,
mas eu prefiro. Algumas pessoas e surpreendem com o toque e acabam
ficando mais tensas do que relaxadas.
— Sem problemas. Eu não me importo com o tocar em qualquer
região.
Oh, Deus.
Tiro minha mão do centro de suas costas e me viro, fingindo procurar
algo na prateleira enquanto tento controlar meu pau com vida própria. Meus
pensamentos também não me ajudam muito.
Quando me sinto mais controlado, me viro novamente para ele e
inspiro rudemente.
— A sueca é trabalhada completamente nu. Algum problema com
isso?
Seus olhos vão do meu peito e barriga, para frente da minha calça e
então sobem lentamente mais uma vez.
— Não é um problema para mim.
Alguém deveria advertir o homem que olhares descarados assim
deveriam ser controlados. Por que... Cacete! Eu inspiro mais uma vez e
gesticulo para o lençol.
— Eu vou... Uh... Segurar as laterais e você pode... Pode puxar a
toalha?
Pablo assente e eu seguro as laterais do lençol. Quando a toalha sai, a
curva da sua bunda é muito mais visível no lençol e isso me deixa ainda mais
atormentado.
Veja bem, eu não ajo assim com meus clientes. Geralmente Eva me
dá aquele olhar e eu sei que vai ser alguém de arrasar o coração, mas é
apenas o baque inicial e então eu sou completamente profissional durante
todas as sessões. Não há toques aleatórios, ereções teimosas e desejo de
amassar a carne e então lambê-la.
Balanço minha cabeça e pego o frasco de óleo, despejando um pouco
em minhas mãos. Puxo o lençol de suas costas e o dobro sobre o início de sua
bunda, o que parece acentuar ainda mais a curva.
Porra.
— Eu vou começar pelos ombros e então descer pelos braços.
Eu começo a massagem, meus dedos pressionando pontos e nós nos
ombros largos o que arranca gemidos baixos do homem. Fecho meus olhos
ao passar para os braços e tento controlar meu batimento cardíaco. Minha
sorte é que meus dedos não estão trêmulos.
Passo para suas costas, alternando entre amassar os músculos e
vibrações e batidas suaves. Puxo o lençol novamente para cima de suas costas
e passo para suas pernas, dobrando o tecido na linha da curva de suas
nádegas. Eu sequer estou na metade e posso sentir que o homem está
completamente mole em minhas mãos, suas tensões evaporando a cada
deslizar da minha palma.
Então há uma mudança sutil quando minhas mãos começam a
massagear sua coxa. Meus polegares afundam na carne perto de onde o lençol
descansa e eu o sinto cada vez mais tenso e rígido abaixo dos meus dedos.
Suas pernas se abrem ligeiramente e seus punhos se fecham quando meus
dedos massageiam a parte interna. Um gemido rouco sai abafado pela cama e
minha espinha se arrepia.
Isso não está dando certo. Isso pode acabar muito, muito mal.
Seguro as pontas do lençol e inspiro mais uma vez antes de falar.
— Vire-se, por favor.
O corpo inteiro de Pablo parece retesar. Sua cabeça se levanta
bruscamente, sua respiração saindo em um chiado.
— O quê?
Franzo minha sobrancelha com sua pergunta brusca.
— Eu pedi para virar. Vamos fazer a parte da frente agora.
Pablo se apóia nos cotovelos e faz uma leve careta.
— Isso é necessário?
Arqueio minhas sobrancelhas ainda sem soltar o lençol.
— Hm... Sim. Está no pacote. Massagem completa foi o combinado.
Sua língua sai, lambendo todo o lábio inferior e não consigo me
segurar de acompanhar o movimento. Suas bochechas estão levemente
coradas quando balança a cabeça e deita a testa em seu punho. Inspira
profundamente e então assente.
— Okay. Tudo bem.
Eu seguro o lençol com dedos firmes conforme ele se vira e quando o
solto para cair sobre sua cintura, meus olhos se prendem no maldito volume
erguendo o tecido.
Eu não me mexo.
Pablo não se mexe.
Eu acho que eu sequer respiro.
Bom Deus, eu não consigo pensar. Todo meu sangue fluiu para a
região sul. Engolindo em seco, eu me viro para pegar mais do óleo e
pigarreio ao me virar para Pablo. Seus olhos estão no teto e agora suas
bochechas estão ainda mais vermelhas.
Então eu finjo que não estou vendo a maldita barraca se erguendo,
assim como finjo que não estou com uma vontade louca de tirar o lençol e
levar todo aquele comprimento rígido em minha boca.
— Eu... Ah... Vou começar com movimentos fluidos no peito. Coxas
e pernas são as últimas.
Pablo assente rigidamente. Eu pressiono as palmas em seu peito e
então aquelas pequenas coisinhas provocativas brilham contra a luz. Maldita
porra, porque no trabalho? Porque não em um clube?
Conforme a massagem vai acabando, a ereção maravilhosa do
homem diminui, mas seu constrangimento continua. Eu termino a sessão a
bato os nós dos dedos contra a cama enquanto ele se levanta e vai para o
banheiro. Esfrego meu rosto, meu corpo estremecendo com todas as
sensações nos últimos sessenta minutos.
Acho que foi a massagem mais difícil que já fiz na minha vida.
Pablo sai do banheiro com sua roupa alinhada mais uma vez, sua mão
passando pelo cabelo quando me olha. Aquele olhar atrevido se foi e tudo o
que ficou foi constrangimento.
— Desculpe por...
— Olha, não se preocupe com o que houve. É... Normal. Você relaxa
e... Bem...
Eu sou um mentiroso.
Entretanto, eu não posso deixar o homem sair dali achando que eu
havia ficado incomodado ou insultado. Ao contrário. Eu preciso
urgentemente de alguns minutos no banheiro e um pouco de justiça com
minha própria mão.
Pablo assente, sua mão mais uma vez mexendo com o terceiro botão
de seu terno. Eu me adianto até a porta e o cheiro de seu perfume misturado
aos meus óleos naturais faz meu pau contrair. Luto contra a vontade de fechar
os olhos e apreciar mais do cheiro.
— Eu acerto com você mesmo ou...
— Eva. E se quiser outra massagem você pode marcar com ela. Eu
não tenho clientes pela manhã durante a semana.
Seu gesto é brusco antes de caminhar pelo corredor. Eu observo sua
bunda sendo abraçada pela calça social azul marinho e entro em minha sala
quando ele para na mesa de Eva. Eu tranco a porta e corro para o banheiro,
incapaz de me segurar mais um minuto. Quando me toco, eu chio e minhas
pernas fraquejam com todas as sensações acumuladas.
Eu ofereci outra massagem ao homem. E se ele aceitar? E se eu tiver
de tocar mais uma vez toda aquela pele e então ver uma e outra vez aquela
extensão rígida e aveludada de carne coberta por um lençol?
Mordo meu pulso para abafar meu grito quando gozo por toda a
minha mão. As estrelas pulsam atrás dos meus olhos fechados e passo minha
mão por minha testa suada.
Vai ser difícil.
Vai ser difícil pra caralho.
Eu estou me sentindo mortificado.
Como foi que isso aconteceu? Deus, eu fui tão... O que Nico vai
pensar de mim agora? Eu não imaginava que ser amassado pelas mãos
daquele homem poderia resultar em algo extremamente excitante, ou que eu
teria uma ereção tão furiosa conforme seus dedos me tocavam e enviavam
fogo por minhas veias. Talvez seja a falta de sexo. Faz meses que eu não
tenho nada além da minha própria mão e isso resultou em uma ereção nada
oportuna.
Mas... Com um homem?!
Esfrego meu rosto, soltando um gemido sofrido mais uma vez.
Eu havia dito naquele fim de semana que eu sou hétero e então...
Tenho um tesão enlouquecedor em uma mesa de massagem causada pelas
mãos macias do homem.
Eu passei a semana toda me martirizando pelo episódio nada delicado
na sala de massagem de Nico. E eu não me atrevi a voltar lá. Não, eu não
tenho estômago para enfrentar o homem. Aquele homem cheio de tatuagens
pelos braços, desaparecendo pela manga da camiseta preta justa que marcava
cada linha de músculos do peito e abdômen.
Chacoalho minha cabeça e volto a prestar atenção no meu monitor ao
invés de me perder em pensamentos de como o cabelo loiro escuro parecia
um pouco bagunçado e os olhos azuis claros eram sorridentes. Ou como o
sorriso de lado era sedutor pra caralho e...
Ele é um homem, Pablo!
Onde está sua fodida cabeça? Grunho, estremecendo por inteiro. Sim,
é a fodida falta de sexo que está mexendo com a minha mente. Eu preciso de
trabalho e mais trabalho para conseguir manter minha cabeça na linha. Por
isso eu estou enfiado no escritório em pleno sábado de tarde, com uma
planilha aberta há mais de duas horas que não consigo entender.
Foda-se!
Meu trabalho tem sido uma merda nessa última semana porque não
consigo tirar minha mente da minha bunda. Ou de braços tonificados
específicos. Resmungo, batendo a caneta sobre minha agenda enquanto apoio
meu queixo em minha palma e continuo olhando para a tela sem realmente
vê-la.
Eu sempre gostei muito de peitos, corpos curvilíneos e minha
adolescência inteira foi reduzida a orgasmos frenéticos nas revistas de
mulheres peladas que eu roubava do Rhuan e de Ivete. Eu nunca cruzei essa
linha imaginária do sexo oposto e nunca me senti interessado em outro cara.
Então porque eu ainda me arrepio com a memória do toque de Nico
em mim? Ter a sensação de que os dedos do cara parecerem terrivelmente
certos ao apertar minhas coxas? E eu sequer sei se Nico gosta de homens.
Não houve um sinal claro.
Coço minha cabeça, rindo para mim mesmo. O que eu queria? Uma
placa em néon escrito “espécime masculino delicioso e gay. Tome uma
lambida”.
Gemo com a imagem que minha mente joga sobre meu colo de Nico
sentado em uma cadeira enquanto eu tenho minha língua em cada parte do
seu corpo poderoso.
Maldita falta de sexo!
— Você ainda está aqui?
Ergo minha cabeça e olho por sobre o monitor para Bianca parada na
porta do meu escritório.
— Parece que sim.
Uma sobrancelha escura se arqueia ao se apoiar no batente e cruzar
os braços.
— É visível, não precisa ser sarcástico.
Suspiro, esfregando minha testa.
— Desculpe por isso. É apenas uma semana ruim.
Os passos soam pelo escritório, seus saltos clicando ao se aproximar
e seu quadril se apoiar na quina da mesa. Observo suas pernas moldadas pela
saia clara até o joelho, a camisa creme de botão de pérolas aberta nos três
primeiros e mostrando uma boa quantidade de decote.
Isso é um sinal claro de oferta.
Me reclino na cadeira e levanto meus olhos para seu rosto sorridente.
Boca carnuda pintada de vermelho, cabelos pretos e encaracolados, olhos
amendoados. Seria uma boa distração e poderia aliviar meu estresse.
— A nova linha de segurança no sistema que você fez é
extraordinária. Não há motivos para ficar aqui e verificar já que os meninos
estão dando conta do recado. Então, porque está preocupado?
E estamos de volta com os pensamentos no problema em questão
dessa semana: Nico. E minha ereção na sua sala.
Balanço minha cabeça, colocando minha caneta sobre o teclado e
desligo o monitor.
— Eu sou apenas cuidadoso, você sabe.
Bianca sorri, e se levanta, suas mãos indo para meus ombros e
massageando a tensão.
— Eu sei, mas não é necessário. Já que a reunião de ontem também
foi um sucesso com a sua nova abordagem de vendas no site do exterior. A
venda para fora do país realmente é muito boa para o momento.
Não tanto quanto deveria. Se alguns acordos caíssem, a venda seria
uma péssima escolha e poderia afundar parte do investimento. Porém, se
desse certo... Triplicaria a renda e deixaria a empresa na casa dos bilhões. Era
uma tacada de duas mãos e eu espero que a última dê certo ao invés da
primeira opção.
— Só vamos saber com o tempo.
— Não fique preocupado, como eu já disse. — Sua voz cai um pouco
e franzo o cenho quando sinto sua boca perto do meu ouvido. — Se você
quiser, eu tenho uma ótima solução para aliviar seu estresse, chefe.
Uma ótima oferta.
Fecho meus olhos e meu cérebro teimoso e inoportuno imagina a voz
de Nico em meu ouvido e suas mãos em meus ombros. Sua boca beijando
minha garganta e suas mãos deslizando pelo peito e barriga até se enfiar no
cós das minhas calças e... Eu abro os olhos de súbito e salto da cadeira como
se pegasse fogo, me desvencilhando das mãos de Bianca.
Seus olhos estão arregalados quando eu pigarreio e pego meu terno
da cadeira ao lado.
— Desculpe, eu... Hum, tenho algo para fazer.
Saio da sala sem jogar um segundo olhar para a mulher e bato a mão
no elevador. Apoio minha testa na parede, me perguntando o que diabos
estou fazendo comigo mesmo.
São malditos sete meses de celibato. Sete meses em que me puno por
algo que não foi culpa minha enquanto a verdadeira cadela culpada está nos
sites de fofoca como a nova aquisição de um playboy filho do dono de uma
rede de lojas de lingerie muito famosa e cara. A mulher está fodendo metade
da cidade enquanto eu continuo com minha mão.
Qual o problema de dobrar Bianca sobre minha mesa e fodê-la sem
sentido? O problema é que ela não possui tatuagens pelos braços, cabelo loiro
escuro curto e uma boa bunda redonda que eu gostaria muito de apertar.
Entro no elevador apertando o punho no meu terno e sentindo
vontade de socar algo. Fazia anos que eu não me sentia tão consumido com
uma ideia, por um desejo, como eu estou agora. E me sentindo tão perplexo
por ser um homem o objeto do meu desejo. Não que eu pense que isso é
errado, mas... Eu? Dito hétero até semana passada.
Hétero de Taubaté.
Bufo para a voz de Rhuan na minha cabeça. Encosto minha nuca na
parede espelhada e olho para o teto de inox com toques em preto. Na
verdade, eu acho que nunca senti esse desejo tão forte por alguém. Querer
entrar em sua pele apenas por olhá-lo do outro lado de uma cama de
massagem, não conseguir parar de pensar em como seria enterrar o rosto em
seu pescoço e sentir seu cheiro.
Talvez ele seja o seu destino.
Saio do elevador com uma carranca. Não há essa coisa de destino. Só
porque minha mãe foi feliz demais com meu pai e teve sete pequenos e
ranhentos filhos, não significa que há um destino para todos. Especialmente
para mim.
Fale sobre ser depressivo e negativo.
Aperto o alarme do carro e caio sobre o banco com um suspiro. Insiro
a chave na ignição quando meu celular toca no fundo do bolso do meu terno e
eu tenho uma pequena luta para conseguir resgatá-lo. Conecto-o ao bluetooth
e dou ré ao mesmo tempo em que a voz de Luna soa pelo carro.
— Pablo? Você está em casa?
— Não. Estou saindo do trabalho. Por quê?
— Oh, graças a Deus — murmura. — Ivete não vai poder buscar o
Ângelo na casa de seu amigo esta tarde. Parece que houve um problema em
seu trabalho e teria que fazer uma reunião com sua patroa por algumas
horas.
Passo meu cartão na portaria para liberar a cancela e franzo as
sobrancelhas.
— Luna, eu tenho certeza de que não me ligou para fofocar sobre
Ivete transando com sua patroa.
— Transando? Espere. O quê?! — grita do outro lado. — Não! Ela
disse que há uma reunião...
Eu rio baixinho ao virar o volante e sair na rua movimentada.
— Sério, Luna? Até eu que sou lerdo entendi.
— Ivete disse que estava namorando uma garota legal chamada
Gabrielle. Ela não iria trair a garota com a patroa, Pablo. Nem todo
mundo...
— Luna. — Eu a corto antes que ela comece com o sermão de
fidelidade. — A patroa de Ivete se chama Gabrielle.
A linha fica em silêncio por um momento e eu paro no sinal
vermelho. Eu olho para o celular para ter certeza de que está ligado quando
há um som engasgado vindo da minha irmã.
— Aquela cretina mentirosa! Ela combinou que buscaria meu filho e
desmarcou para colar velcro?
Engasgo com a minha saliva ao rir e respirar ao mesmo tempo.
Minha gargalhada soa como um animal morrendo enquanto Luna continua
praguejando e amaldiçoando nossa irmã na linha. Eu avanço com o carro e
falo quando finalmente consigo parar de engasgar.
— Luna, Ivete só está curtindo. Surgiu uma oportunidade e ela não
recusou. Ninguém recusaria sexo.
Apenas eu. Porque eu sou defeituoso.
— Não interessa. Bem, agora que aquela vadia me deixou na mão,
resta a você passar buscar meu filho. Eu não posso sair do meu trabalho. A
não ser que seja ruim para você?
Eu já estava balançando a cabeça antes mesmo dela terminar a
pergunta.
— Não, Luna. Nunca é problema para eu buscar meus sobrinhos.
— Você é um anjo na terra. Menos quando recusa a me emprestar
seu computador.
— Você queimou dois computadores meu quando emprestei. Não sou
louco de emprestar mais um — respondo com um grunhido no final.
— Eu tenho culpa se eles já estavam querendo estragar quando
coloquei minha mão?
— Aceite que você é o caos nascido nessa terra, Luna. Ninguém
nesse mundo é mais desastrado que você.
— Retiro o que disse sobre ser um anjo. Vou te passar o endereço
por mensagem. Se puder pegá-lo, vou ficar muito grata.
— Não, senhora. Eu quero sua sobremesa por duas semanas.
— Duas semanas? — Há um som engasgado e então algo bate do
outro lado da linha e Luna pragueja. — Porque você ainda está morando com
a gente?
— Porque você ainda está morando com a mamãe?
— Eu tenho dois filhos para criar, um emprego que me paga mal e
minha casa está à venda. A pensão que recebo daquele maldito idiota é baixa
e eu não tenho condições de pagar um aluguel. Posso recitar toda a minha
lista longa para você se quiser e tiver tempo. Agora, qual é a sua desculpa?
Engulo minha língua maldita pela garganta. Nenhuma resposta minha
seria razoável e isso me faria parecer um egoísta apenas. Então eu opto por
ficar quieto. Com um grunhido final de quem sabe que ganhou a discussão,
Luna se despede e desliga. Uma mensagem chega minutos depois com o
endereço de onde Ângelo está.
Eu faço o retorno, já que o endereço é na direção oposta, e sigo pela
avenida principal. Passo por bairros cheios de casas grandes, mansões e lojas
de madames até entrar em um bairro menor. As casas são simples, mas
novas. Há cachorros latindo pela rua, crianças brincam na calçada enquanto
outras soltam pipa.
Logo que me casei eu queria uma casa em um bairro assim. Ter
filhos, cachorros, uma vida calma com minha família, mas Maria tinha outros
planos. Ela queria um apartamento chique na região cara da cidade. Eu estava
ganhando bem na época, mas menos do que ganho agora. Porém, dava para
pagar um apartamento de luxo. Eu queria um carro sedan para conseguir
carregar malas e as cadeirinhas das crianças terem espaço no banco de trás.
Ela queria um conversível. Eu escutei durante semanas sobre ter cadeirinhas
no banco de trás para carregar meus sobrinhos quando Luna precisava ou
mesmo quando eu os levava para tomar sorvete nos fins de semana.
Com o divórcio, eu tive de vender meu carro e o apartamento, pois
era comunhão total de bens. Era vender e dividir, ou comprar minha parte. Eu
decidi dar fim em tudo e senti prazer ao perceber que isso deixou Maria
Cecília com raiva. Ela amava aquele apartamento. Eu odiava. Ela amava o
conversível vermelho. Eu odiava. Nunca me senti mais feliz do que quando
comprei esse sedan prata.
Foi uma sensação de liberdade. As pessoas deviam tentar isso.
Estaciono na frente de uma casa pequena com uma garagem no
fundo. O jardim é bem cuidado e há um banco de balanço de madeira ao lado
da porta da frente. Brinquedos espalhados e uma bicicleta caída contra o
muro lateral. Armas nerf[3] e suas munições espalhadas pelo caminho da
garagem.
Definitivamente há crianças aqui.
Aperto o interfone e espero, dobrando minhas mangas até o cotovelo.
Está um calor dos infernos aqui fora. Eu fiquei o dia todo enfiado no
escritório com ar condicionado ligado que me esqueci que do lado de fora
está dando para fritar ovos no asfalto. Esfrego o suor começando a se
acumular em minha testa quando o barulho do interfone soa e uma voz
infantil atende.
— Quem é?
— Eu vim buscar o Ângelo.
— E você é quem?
— Tio dele. Pablo.
— Ângelo, você conhece algum tio Pablo?
“Sim! É o meu tio legal! Depois daquele que vira lobo.”
Ótimo. Sou eu que sempre o leva para tomar sorvete e o deixa comer
todas as gomas de ursinho laranja, mas sou o segundo mais legal porque o
Rhuan é quem vira lobo.
Irmão idiota.
— Entra!
O zumbido da tranca se abrindo soa e eu empurro o portão branco.
Caminho pela calçada de pedras cinzentas e subo degrau da frente. Levanto o
punho para bater na porta quando ela se abre, revelando o tormento da minha
semana.
Mas que diabos?
Eu pisco quando sua boca se molda em um sorriso, o cabelo
bagunçado parecendo um ninho sobre sua cabeça. Acho que dá essa
aparência pelas laterais serem raspadas quase no zero.
— Hey.
A maldita voz rouca.
Minhas sobrancelhas arqueiam e eu não consigo me ajudar quando
meus olhos deslizam por todo aquele corpo à mostra. Agora eu sei que há
tatuagens em seus peitorais e que seus mamilos são escuros. Não preciso
mais imaginar. E eu não sei se isso é ruim ou bom.
Estou analisando esse pensamento quando vou mais para baixo e
encontro sua bermuda de heróis da Marvel, curta e agarrada às coxas
poderosas. Não esconde o pacote entre as pernas também. E não sei se isso
também é bom ou ruim para minha cabeça.
Ambos os pensamentos vão para a caixa de análise para mais tarde.
Levanto meus olhos para seu rosto e vejo seu sorriso ainda mais largo
ao dar um passo para trás e abrir completamente a porta.
— Você deve ser o tio Pablo. Quer entrar? Ângelo está resgatando
suas coisas do quarto.
Assinto, sem conseguir encontrar minha língua dentro da boca. Não
era suposto estar atrás dos dentes e antes da garganta? Engulo em seco ao
entrar no que parece ser sua sala, com amplas janelas com cortinas brancas.
Uma televisão está ligada passando aqueles cachorros que usam uniformes e
salvam o dia, brinquedos espalhados por toda a sala. Enfio minhas mãos nos
bolsos quando Nico passa ao meu lado coçando distraidamente a lateral da
sua barriga definida.
— Você quer algo?
Você não faz idéia.
Pigarreio, balançando a cabeça.
— Não, eu...
— Uma água? Suco? Está calor lá fora e você parece um pouco
quente nessa roupa. — Seus olhos passam por minha camisa e calça e
levantam, pegando minha sobrancelha arqueada. Nico dá um passo para trás,
batendo contra a lateral da bancada enquanto gagueja. — Eu não quis dizer...
Ahn... Não quente no sentido gostoso... Não que não seja... Quer dizer...
Meu sorriso se abre lento e isso parece fazê-lo engasgar.
— Água seria bom — digo.
Acompanho com os olhos ele se mover pela cozinha pequena e tira
um copo de água e o enche de uma garrafa da geladeira. Ele empurra o copo
pela bancada para mim e coça a garganta. Inclino minha cabeça para o lado
enquanto seguro o copo gelado e levo a minha boca, engolindo a água
devagar. Seus olhos azuis parecem se prender na minha garganta, o que torna
difícil de engolir.
Coloco o copo sobre a bancada enquanto Nico se equilibra de um pé
para o outro.
— Você não agendou outra massagem. Eu fiquei decepcionado por
isso — disse apoiando os cotovelos sobre a bancada.
— Ficou? — pergunto franzindo as sobrancelhas.
Nico desvia os olhos para suas mãos e eu cerro meus olhos ao ver
suas bochechas ficando vermelhas. Ele estava corando? Abro a boca para
pressioná-lo por uma resposta decente quando Ângelo surge correndo de
dentro com uma mochila em suas costas.
— Tio! Posso ficar mais um pouco? Deixa, deixa, deixa!
— Sua mãe me mandou vir buscá-lo. E sabe que ela ficaria brava se
eu não o levasse agora.
Ângelo faz um leve biquinho. Um garoto da sua altura vem um pouco
mais lento, se apoiando sobre uma muleta. Seu braço esquerdo acaba um
pouco abaixo do cotovelo e sua perna direita parece mais curta que a
esquerda. Há algumas deformações, costuras cicatrizadas e machucados
antigos até a barra do short em seu joelho.
Desvio meus olhos para Ângelo saltitando ao meu lado e aperto
minha mão sobre sua cabeça para fazê-lo parar.
— Junte todos os brinquedos da sala.
— Ah, tio!
— Agora. — Mando, apontando para a sala bagunçada.
Nico suspira, parando ao meu lado com os braços cruzados.
— Não precisa fazê-lo pegar só por que...
— É claro que precisa. Quando você faz uma bagunça, você a limpa.
— Olho para Nico e encolho os ombros. — Minha mãe me ensinou isso e
acho justo que ele aprenda.
Seus olhos me analisam por longos segundos antes de se virarem para
as crianças na sala. Eu aproveito esse momento para olhar melhor seu perfil.
Há alguns roxos em seu maxilar liso, alguns cortes perto de seu olho também.
O que é estranho. O que o homem havia feito para conseguir machucados
assim?
Seu rosto se vira novamente para mim e me vejo preso naquelas
piscinas claras que são seus olhos. O que ele faria se eu me inclinasse e
roçasse meus lábios nos seus? Qual seria o gosto?
— Acabei!
Solto minha respiração instável e dou um passo para trás ao perceber
que havia me aproximado de Nico inconscientemente. Enfio uma mão no
bolso e os dedos de minha outra mão envolvem o botão da minha camisa
enquanto olho para Ângelo vindo na minha direção com um sorriso largo.
Sorrio, segurando sua nuca e o empurro para a porta.
— Vamos. Eu ainda tenho trabalho a fazer em casa.
— Eu te vejo segunda na escola, Lucas! — Ângelo acena, saltitando
até o portão.
Coço minha garganta, olhando rapidamente para Nico e desviando
para meus pés.
— Eu... Eu vou ligar para marcar outra massagem. Eu tive uma
semana agitada e...
— Eu vou ficar feliz se ligar.
Levanto meus olhos para seu rosto, recebendo um sorriso suave.
Assinto, caminhando para longe o mais rápido possível e fechando o portão
atrás de mim. Eu desligo o alarme do carro e sento no banco atrás do volante,
ligando o motor enquanto Ângelo coloca seu cinto. Eu saio do meio-fio e
avanço pela rua, tudo sem olhar para trás.
O engraçado é que, mesmo sem espiar, eu posso dizer que Nico me
observou ir embora.
Minha cabeça tem estado em uma completa bagunça nos últimos
dias. Desde que Pablo foi buscar seu sobrinho na minha casa – algo que eu
sequer sabia já que nunca o vi em todos esses meses de amizade das crianças
– eu não consegui mais parar de pensar em como ele fica delicioso naquelas
calças sociais.
Eu tenho tentado entender o homem e suas vibrações confusas. Em
um momento eu o tenho com uma ereção enquanto o massageio. E então ele
está fugindo e não marcando mais massagens. Para então ele surgir na minha
porta – coincidência ou não, foda-se – e lançar todos aqueles olhares quentes
sobre mim. Então ele desvia os olhos e finge que não estava olhando, fugindo
da minha casa como se estivesse correndo do diabo.
Eu fico com a incógnita. Eu tento um avanço?
Eu recuo e finjo que Pablo pode se tornar um amigo?
Devo dizer que meu pau discorda da última opção. É apenas lembrar-
se do nome que eu tenho calças apertadas. Eu tive um pequeno momento
vergonhoso dois dias atrás quando tentei arrancar informações do meu filho
de sete anos.
— Aquele tio do Ângelo...
— Eu não sei se ele é gay, pai.
Franzo as sobrancelhas e paro de mexer os pauzinhos dentro da
minha caixa de frango xadrez.
— Porque está dizendo isso?
— Porque eu sei o que vai me perguntar. — Lucas dá de ombros. —
Eu vi como você olhou para ele.
Para um garoto que foi diagnosticado com atraso em seu
desenvolvimento neuropsicomotor, às vezes Lucas agia com extrema
inteligência e percepção.
— Viu?
— Sim. E se ele não for, quem perde é ele. — Lucas pesca dentro de
sua caixa e olha para a televisão, encerrando o assunto.
Bem, se meu filho percebeu é muito provável que Pablo também
tenha percebido algo. Solto um suspiro ao mesmo tempo em que Glória
grunhe, batendo sua bengala no chão.
Tiro minha mente do limbo que são meus pensamentos e fixo os
olhos no rosto enrugado e de olhos astutos na minha direção. Paro o
movimento dos meus polegares no meio de seu pé e arqueio as sobrancelhas.
— Algo errado, senhora Alves?
— Tirando o peso bruto dos seus dedos em meu pé fino? — Bufou,
cruzando os dedos sobre a bengala. — Não há nada de errado, Nico, mas e
com você? Porque está descontando em mim suas preocupações?
Inferno.
Inspiro profundamente e rolo meus ombros, percebendo o quão tenso
eu estou. E se meus ombros estão assim, é óbvio que minhas mãos não estão
massageando corretamente. Apoio o pé de Glória sobre minha coxa e apoio
minha palma aberta sobre o tornozelo levemente inchado.
— Desculpe por isso, senhora Alves. Não estou tendo uma boa
semana, mas isso não é desculpa para meu péssimo trabalho. Prometo
recompensá-la com uma massagem grátis na próxima...
Sua mão se abana na frente do meu rosto, seu enfermeiro erguendo o
nariz de sua revista apenas para nos observar por um segundo antes de voltar
ao que estava lendo.
— Eu não quero nada grátis ou suas desculpas. Eu quero saber o que
está perturbando-o e estragando minha sempre tão boa massagem nos meus
pés cansados.
Balanço minha cabeça, voltando a circular os polegares no meio da
sola de seu pé, estimulando seu plexo solar.
— São apenas preocupações cotidianas. Não vou atormentá-la com
isso.
— Preocupações cotidianas não têm você resmungando baixinho,
filho. — Glória sorri para mim. Sua mão fina e enrugada afaga meu rosto. —
É um problema amoroso? Se for, saiba que você é um homem excepcional e
quem perde em não ver isso é ele.
Eu bufo uma risada, meus dedos apertando suavemente seu calcanhar
e agora estimulando seu nervo ciático. Eu ganho um resmungo de aprovação
de Glória.
— Meu filho disse algo parecido.
— Porque é uma verdade — diz assentindo. — E que o bastardo fez
para você?
Sorrio, apoiando seu pé de volta no chão e calçando seu sapato.
— Nada. Ele sequer sabe que eu tenho interesse.
Me levanto, ajudando Glória a sair da poltrona e se apoiar em sua
bengala. O enfermeiro passa o braço pelo dela, ajudando-a a caminhar para
fora da minha sala.
— E porque você ainda não deu o primeiro passo? — pergunta com
sobrancelhas finas e brancas arqueadas.
Esfrego meu pescoço e torço o rosto com incerteza.
— Eu não sei se ele está interessado, senhora Alves.
— Pelo amor de Jesus Cristo, menino. — Bate sua bengala na minha
canela, me fazendo grunhir. — Você só vai saber se pedir a ele para que saia
com você. O não você já tem. Vá em busca do sim.
— Quem está indo em buscar de uma afirmativa? — Eva questiona
do balcão, seus olhos indo de Glória para mim.
— Seu patrão é um homem, porque ainda me surpreendo por ser tão
lento? — Glória balança a cabeça antes de se virar para mim mais uma vez.
— Deixe agendado para mim nesta sexta, filho. Eu não terei aula de
hidroginástica amanhã e sinto que minhas pernas irão falhar sem sua
massagem.
Sorrio, beijando sua bochecha.
— Está marcado, senhora Alves.
— Eu juro... — Cerra os olhos para mim. — Me chame assim de
novo e o faço engolir minha bengala, menino.
Eu apenas sorrio mais e me despeço, vendo-a sair pela porta com seu
enfermeiro.
— Oitenta e sete anos. Eu quero estar ativa assim como ela nessa
idade.
Observo pelo vidro Glória entrando no carro, seus cabelos grisalhos
finos e curtos se agitando com o vento de final de tarde. Seus olhos cinzentos
contendo todo o conhecimento desse mundo. Braços magros que escondem
uma grande força ao bater a bengala contra sua perna. Olha para Glória
sempre me faz lembrar de minha avó Tereza. Sua risada e o cheiro de
bolinhos de chuva impregnados em seu avental.
Cruzo meus braços e me viro para Eva.
— Fechamos por hoje?
— Sim. — Assente, batendo sua agenda fechada. — Amanhã temos
um cliente às oito. — Eva se levanta sorrindo e minhas sobrancelhas
arqueiam. — Não se sinta esperançoso. É o Alonso Capri, o advogado fodão
que olha para você como se estivesse entrando em suas calças.
Solto um gemido sofrido e aperto minhas palmas abertas em meus
olhos. Ouço o som da porta sendo aberta e tiro minhas palmas dos olhos para
encontrar Sandra fechando a porta atrás de si, seu rosto tenso.
— Hey, Tigrão.
Merda.
Abro meus braços e seu corpo moreno se choca contra o meu e seus
braços envolvem meu pescoço em um aperto de morte. Sua cabeça afunda
contra meu peito e meus braços envolvem sua cintura. Quando seu rosto se
afasta, suas sobrancelhas estão franzidas com preocupação.
— Você parece uma merda. O que houve?
— É você quem surge parecendo vir de um enterro e eu que pareço
uma merda? — pergunto.
Sandra se afasta com braços cruzados, o polegar indo para sua boca e
roendo o canto da unha. Seu cabelo box braid[4] preto com fios roxos está
amarrado no alto em um rabo de cavalo e as pontas batem no alto de sua
cintura.
— Eu recebi uma notícia ruim, mas não sou eu que tenho bolsas
pretas abaixo dos olhos.
Zombo, esfregando meu olho esquerdo com o dedo do meio na
direção dela. Ofego com o soco que não vi chegando e acertou meu peito no
meio.
— Ouch. Bruta.
— Desembucha.
— Ele está caído de quatro por um modelo geek que apareceu aqui
semanas atrás — Eva diz ao surgir do corredor e apagar as luzes de dentro.
— Você precisava vê-lo. Todo travado e gaguejando.
Cerro meus olhos na direção de Eva.
— Cale-se ou eu a demito.
— Promessa, promessas. — Sorri, rolando os olhos. Aponta para a
porta e balança suas chaves. — Você tranca. Até amanhã.
Aqui vemos como eu não mano em nada no meu próprio negócio e
funcionária. Sandra cutuca meu braço e abana a mão na frente do meu rosto.
— Desembucha, Tigrão.
Suspiro, sentando na quina da mesa de Eva e a madeira rangendo
com meu peso. Roubo um dos pirulitos de uva e o desembrulho devagar,
fazendo minha amiga pular do meu lado.
— Pelas bolas peludas de Lúcifer! Quem é o cara?
Eu rio, enfiando o pirulito na boca.
— Não fique tão agitada, Garnet[5]. Eu apenas o conheci e o vi duas
vezes. Eu sequer sei se ele é gay ou mesmo casado. A única coisa que eu sei é
seu nome e que é tio do melhor amigo de Lucas.
Sandra grunhe, suas sobrancelhas franzindo.
— Já é um começo. Pesquise sobre o cara nas redes sociais.
Eu pisco, passando o pirulito de um lado ao outro em minha boca
quando Sandra solta uma risada engasgada.
— Você já pesquisou, não é?
— E não há nada — resmungo. — Ele é como uma sombra.
— Uh, caras que não possuem redes sociais para mim significam
duas coisas — diz erguendo dois dedos no ar. — Ou ele é muito ocupado
com o trabalho, o que resulta em um péssimo amante; ou ele é um serial
killer.
Eu rio alto, incrédulo.
— E se ele apenas não gosta de ter sua vida invadida?
— Todo mundo gosta de ser invadido ou invadir, Tigrão — Sorri
maliciosa. — Você disse que ele é tio do amigo de Lucas? Isso é uma boa
oportunidade de saber mais sobre ele.
— Lucas disse que não sabe de nada sobre Pablo.
— Merda, que nome de sofrência. — Sandra enruga o rosto e sorri
em seguida. — E eu não acredito que perguntou ao pestinha sobre o tio do
amigo.
— Não me julgue. — Aponto o pirulito na sua direção. — Eu estava
desesperado.
— Imagino — diz secamente. Seu polegar volta para sua boca, os
dentes mordiscando a unha. — Falando sobre o Lucas. Como ele está?
Encolho meus ombros, olhando a bola do pirulito diminuída.
— Indo. Algumas dores surgiram, mas o remédio parece estar
ajudando.
— Algo sobre o exame do neuro?
Balanço a cabeça.
— Mas o ortopedista disse que o osso do fêmur parece estar
crescendo sem problemas. A cabeça do fêmur não está tendo atritos com a
bacia, o que é uma notícia boa.
— Isso é bom — Sandra diz, esfregando meu braço. Suspira,
apertando meu ombro. — Eu preciso te dizer algo. E vai doer.
Meus olhos travam nos seus, tão escuros que parecem jabuticabas.
Meus dentes prendem o palito em minha boca com a raiva que começa a
crescer em meu estômago, pois eu já imagino o que ela está prestes a dizer,
pois vi as ligações perdidas do advogado que eu recusei a retornar.
— Eu não quero saber.
— Você precisa. — Suas mãos seguram meus ombros, seus olhos
sérios nos meus. — Melissa está em condicional.
Me desvencilho de suas mãos e ando até a porta e então volto,
passando as mãos pelos cabelos.
— Foda-se. Porra! — Paro de frente para ela, minhas mãos abrindo e
fechando. — Como você soube? Quando aconteceu?
— Luiz me ligou avisando. Isso foi ontem.
Solto um palavrão mais uma vez, tornando a andar de um lado ao
outro.
— Nico, mas isso não é exatamente o que eu tinha de te falar.
Eu paro, minha mão esfregando minha boca e meus dentes moendo o
palito.
— Há algo pior?
Sandra esfrega sua têmpora, sentando-se na mesa.
— Ela foi direto para a casa do Zeca.
— Mas que merda... — Esfrego meu cabelo, uma mão indo para a
cintura. — Ela acaba de sair da prisão por porte de drogas e quando sai vai
direto para a casa do idiota traficante que a colocou lá?
— Ele não a colocou lá, Nico. Melissa sabia muito bem o que estava
fazendo e com quem estava se envolvendo.
— Eu sei disso — rosno. — É só...
Sandra segura meu pulso com ambas as mãos.
— Uma merda, eu sei. Ela é sua irmã, Nico, mas ela é completamente
ciente de estar fazendo coisas erradas, se envolvendo com pessoas ruins e tem
que pagar por isso.
Esfrego meu rosto, meus ombros tensos.
— Eu não sei o que eu faço com ela, Sandra. Eu nem mesmo sei se
eu quero fazer algo. Foram seis anos cuidando dela até que acabou sendo
pega e presa pela polícia. — Balanço minha cabeça. — Melissa tem vinte e
quatro agora e nem mesmo terminou o colegial. Não apresenta melhoras.
Inferno, Sandra, eu a tirei da rua completamente nua quando tinha dezessete
anos!
Jogo o palito no lixo e caio sentado sobre o pequeno sofá da entrada e
afundo minha cabeça em minhas mãos. Eu não poderia lidar com Melissa
mais uma vez. Há três anos eu tenho estado sossegado, porém sabendo que
esse dia chegaria mais uma vez. E com isso todo o problema que ela causava
quando finalmente ficava sóbria.
Eu mantive o idiota do seu namorado longe por algum tempo e então
ele perdeu o interesse, encontrando outra garota para foder e compartilhar
agulhas. Apenas esse pensamento desce um frio por minha espinha com a
lembrança da minha irmã naquela viela suja e então tudo o que resultou
depois disso.
Onde eu havia errado? Ajudei minha avó Tereza a cuidar de Melissa,
mas o comportamento arrogante e confiante da minha irmã falou mais alto,
resultando em sua imersão no mundo das drogas aos quinze anos. Péssimas
companhias e seu estúpido namorado do colégio não deixaram o bom senso e
minhas palavras entrarem na cabecinha de Melissa.
Sinto as mãos de Sandra em minhas costas e ergo o rosto para olhar
em seus olhos. Preocupação ronda seu rosto moreno e eu suspiro.
— Obrigado por me dizer.
— Eu disse que ia doer, mas era necessário.
Assinto, absorvendo suas palavras. Sandra pode ser um pouco louca,
mas só quer o meu bem. Mesmo tendo de ser portadora de más notícias.
— Onde está o pestinha, aliás? Não o deixou comigo hoje.
Levanto-me e chacoalho o corpo para tirar toda a tensão de mim.
— Luna o pegou na escola e levou para casa com o Ângelo. Eu fiquei
de buscá-lo agora.
Sandra assente e cruza os braços. Recolho minhas coisas e Sandra sai
na frente enquanto eu verifico o alarme e tranco a porta. Cobre os olhos da
luz do sol do entardecer e desliga o alarme do seu carro na vaga da frente.
— Me ligue se algo surgir, certo?
— O mesmo para você. — Beijo sua bochecha em despedida.
Observo-a entrar em seu carro vermelho em segurança e então partir
com uma buzina baixa. Só então eu vou para o meu próprio carro, perdido em
todos os pensamentos sombrios que Melissa sempre traz à tona quando
mencionada.
Eu devia saber que tudo estava tranquilo demais.
Desligo o alarme do carro e entro, me deixando afundar um pouco no
banco, minha cabeça batendo contra o apoio. Eu deveria me preparar
psicologicamente para uma futura visita de Melissa, o que eu sei que
aconteceria. Ela fez isso antes de ser presa, alegando estar limpa e
reivindicando direitos que não possuía.
Minha irmã é como um furacão surgindo sem aviso e deixando uma
enorme bagunça quando se vai, sem se importar com o caos que deixa.
Merda, minha avó estaria se revirando no túmulo uma hora dessas. Esfrego
meu rosto sabendo que não há como escapar. Ainda mais se a condicional de
Melissa se estender e ela ficar livre de vez da cadeia.
Algo que eu duvido muito sendo que a primeira pessoa que ela correu
ver foi o imbecil do Zeca.
Toco meu peito com as pontas dos dedos quando ligo o carro. A dor
de tudo isso ressoando dentro de mim e me fazendo contorcer. Mesmo minha
irmã sendo autodestrutiva, não significa que eu fico feliz que ela busque
socorro primeiro com um traficante ao invés de sua família.
Eu sou seu irmão, porra.
Grunho, tirando o carro da vaga e saindo pela avenida principal. Eu
precisava buscar o Lucas na casa de Luna e então pensar em como eu poderia
lidar com tudo isso. Deveria dizer que sua tia estava na cidade? Prepará-lo
psicologicamente para encontrar uma louca de cabelos descoloridos e
tatuagens por todo seu corpo assim como piercings?
Ia ser um fodido desastre.
Faço o caminho no piloto automático até a casa onde meu filho está.
Estaciono atrás de um Civic prata e esfrego minha têmpora, percebendo a dor
de cabeça se iniciando entre os olhos e subindo. Saio do carro e bato a porta,
ouvindo a voz de Lucas guinchando algo e então a de mais duas crianças
rindo.
Dou a volta e vejo no portão da frente meu filho estirado no chão
apenas de bermuda, lama em seus cabelos e rosto. Uma bola de barro e grama
escorre do seu estômago para o chão enquanto uma menina salta pela grama,
tão suja quanto Lucas. Ângelo surge do corredor lateral segurando outra bola
de lama e um urso o segue, baba escorrendo pela lateral da sua boca. Eu não
sabia que era permitido criar ursos no quintal de casa.
— Inimigo nas vista, Gordo!
— É na mira, panaca! — a garota grita.
— Ô, vó! A Angelita “tá” sendo cruel de novo!
— Pelo amor de Deus, vocês estão se parecendo com tatus saindo do
buraco! — A mulher grita da escada com as mãos na cintura.
Observo seus cabelos ruivos presos em uma trança bagunçada e os
olhos claros estão cerrados na direção das crianças rolando na grama e
deixando rastro de barro por toda a frente da garagem.
Me aproximo do portão e sorrio quando a mulher me avista.
— Em que posso ajudar?
— Eu vim buscar o pequeno tatu ali. — Aponto para Lucas se
erguendo com a ajuda da muleta e sorrindo para mim. — Sou o pai dele.
Os olhos da mulher varrem meu corpo dos pés à cabeça e então um
sorriso brilhante surge em seu rosto.
— Você deve ser o Nico que a Luna estava falando. — Se aproxima
do portão e o puxa aberto. — Entre. Eu sou Helena, a propósito. A mãe da
prole Alencar.
Puxa minha mão entre as suas, sacudindo meu braço alegremente. A
mulher é como a força da natureza. Pequena, mas completamente poderosa.
O urso late atrás de Helena e ela sacode sua mão na frente do focinho
brilhoso.
— Shh, cale-se. Venha, Nico.
Jogo um olhar de lado para o enorme babão me olhando curioso
enquanto as crianças gritam e mais lama voa.
— Eu...
— Não se importe com Gordo. Ele só tem tamanho.
Claro. E dentes maiores ainda.
— Eu vou deixar seu garoto apresentável.
— Não se importe. Eu mesmo posso...
Sua mão se abana com descaso, cortando minhas palavras.
— Eu estou cuidando então é minha responsabilidade entregá-lo
como foi deixado. — Helena caminha até a porta e lança um olhar para as
crianças. — Para dentro todos vocês! Banho e então eu dou um pouco de
torta que está saindo do forno.
— O primeiro pedaço é meu! — Ângelo grita, passando como um
torpedo por entre nós e desaparecendo dentro da casa com Gordo latindo logo
atrás.
Eu pisco, confuso. Helena abre um sorriso convencido para mim
dando leves tapinhas em meu braço enquanto a garota que eu imagino ser
Angelita se aproxima junto com Lucas.
— Nada como um pouco de incentivo, ein? Agora entre e se sinta em
casa. Vou arrumar seu garoto.
Eu a sigo para dentro, sem saber se devo retrucar ou acatar suas
ordens. Vou passar minha mão pelos cabelos de Lucas e mudo de ideia no
último segundo quando me lembro dos fios cheios de lama. Ele me olha com
uma careta e segue para as escadas com Angelita ao lado. Helena gesticula
para o corredor.
— É só seguir por aqui. Luna está lá na cozinha cuidando do forno
com meus outros dois filhos e meu genro.
Assinto, indo pelo corredor e vejo Luna assim que entro na cozinha.
Seus cabelos vermelhos levantados no topo, um avental amarrado na sua
frente e espuma nos braços. Seus olhos sorriem ao me ver.
— Nico! Chegou cedo.
— Eu...
— Deixe-me apresentá-lo aos irmãos presentes. — Agarra meu braço
e aponta para o primeiro homem na mesa e, Jesus Cristo, seus olhos são
surpreendentes. — Este é Vicenzo, meu irmão, que é marido do Leon ali. E
este é...
— Pablo — sopro.
O homem em questão me observa dos pés à cabeça, parando em
alguns pontos antes de chegar até meus olhos. Bem, se isso não significa um
sinal verde, eu não saberia dizer o que é. Eu não consigo me impedir de sorrir
como um idiota, cruzando meus braços e olhando diretamente para o homem
que povoou meus pensamentos até horas atrás antes de Melissa se tornar meu
foco.
Pablo se remexe em sua cadeira e eu sorrio ainda mais ao perceber
que ele não esperava que eu entrasse. Luna apóia as mãos na cintura.
— Vocês se conhecem?
— Eu busquei o Ângelo na casa dele, lembra? — Pablo murmura,
seus olhos passando por meu corpo rapidamente mais uma vez antes de voltar
aos meus olhos.
— Oh, é verdade. Me esqueci disso. O que me lembra... — Luna
cruza os braços e cerra os olhos. — Ivete, aquela vaca. Ainda não briguei
com ela.
Enfio minhas mãos nos bolsos da minha calça e continuo sorrindo
para Pablo.
— Não se esqueça da sua visita para uma massagem. Ainda estou
esperando que marque as próximas sessões.
O homem de óculos, que Luna apresentou como Leon, pisca e se
inclina levemente para frente.
— Você faz massagens?
— Sim. Shiatsu, sueca e de reflexologia. Porém, eu tenho que dizer
que sou muito melhor na sueca.
— Claro que é — Pablo resmunga fitando seus dedos sobre a mesa.
O loiro, que Luna apresentou como seu irmão Vicenzo, se recosta na
cadeira e cruza os braços.
— E isso realmente relaxa? Não te faz sentir como um pão sendo
socado na mesa?
Aperto meus olhos ao imaginar como Pablo poderia socar sem dó em
minha bunda sobre minha mesa de massagem. Eu o olho e percebo seus olhos
nublados e maxilar retesado. Será que está pensando o mesmo que eu? Por
favor, Deus, que esteja.
— Não seria sovado? — Leon pergunta para o marido.
— Não é a mesma coisa?
Luna bate o cotovelo no meu braço, tirando meus olhos do rosto de
Pablo.
— Vai ficar para comer a torta da minha mãe ou veio apenas buscar o
Lucas?
— Ah...
Leon balança a cabeça.
— Você deve comer a torta da Grande Mãe. É simplesmente...
— Maravilhosa — os irmãos dizem em uníssono.
Arqueio as sobrancelhas ao vê-los sorrindo um para o outro. A
cumplicidade entre eles... Eu nunca tive isso com Melissa. Torno a esfregar
meu peito e penso em uma recusa quando o cheiro da torta no forno toma
conta da cozinha. Inspiro, meu estômago roncando e discordando de declinar
o convite e ficar para um pedaço.
Helena desce as escadas, sorri para mim e puxando a ponta do cabelo
de Luna.
— Porque não desligou o forno? E, Nico, sente-se. Seu menino está
se enxugando e logo irá descer.
Eu jogo um olhar para o corredor, pensando em toda aquela escada
quando Helena ri da boca do forno, puxando uma enorme travessa que cheira
maravilhosamente bem.
— Não se preocupe com seu menino. Eles sobem e descem essa
escada como se fosse nada. O dia inteiro. E sem ofegar. — Helena coloca a
travessa sobre a mesa e aponta para mim. — Sente-se. Ou vou colar sua
bunda na cadeira.
Eu me sento sem reclamar. Gordo passa trotando ao meu lado e se
enfia por debaixo da mesa, sua cabeça batendo contra a madeira e a
levantando um pouco. Pablo cruza os braços, olhando para mim com uma
carranca.
— Mãe, não o force. Talvez ele tenha outro lugar para ir.
Helena se vira para mim.
— Você tem?
Sorrio, balançando a cabeça em negativa.
— Não, senhora.
— Jesus, senhora não. Me chame de Helena ou apenas Grande Mãe.
Assinto enquanto Pablo bufa, deslizando um pouco na cadeira. Apoio
meus braços sobre a mesa e sorrio na sua direção, vendo suas bochechas
corarem levemente.
Sim, isso é um sinal. Essa noite vai ser muito interessante.
Algo me diz que esse final de tarde está para terminar muito
diferente do que eu havia planejado. O que era um plano muito bom,
envolvendo o sofá confortável da minha mãe com um bom livro policial que
eu havia encontrado. Mas agora eu estou olhando para o homem sentado do
outro lado da enorme mesa da minha mãe com um sorriso convencido e todos
aqueles músculos saltando abaixo de sua camiseta preta simples.
Eu teria minhas mãos ocupadas essa noite.
E não seria segurando um livro.
Me remexo no lugar quando meu pau aperta contra o zíper da minha
calça jeans. Bendito seja Deus por não me deixar tirar essa calça e colocar
apenas um par de shorts finos. Seria humilhante com minha mãe logo ao
lado. Apenas o pensamento faz minha ereção diminuir, o que eu agradeço.
— Bem, aqui está.
Minha mãe coloca a travessa fumegante sobre a mesa e o cheiro me
faz salivar um pouco mais. É simplesmente maravilhoso o que essa mulher
pode cozinhar. Gordo choraminga por baixo da mesa e meu pé acaricia seu
corpo para acalmá-lo. Estico a mão para roubar um pouco do queijo de cima
e recebo um peteleco com a espátula.
— Não seja guloso.
Abro um largo sorriso inocente e recolho minha mão, pensando em
uma tática para roubar mais do queijo derretendo quando meus olhos pegam
Nico me observando.
Eu tenho a súbita vontade de ser infantil e mostrar minha língua e
então perguntar o que ele tanto olha, mas eu acabo sendo um adulto e cruzo
meus braços, ignorando o sorriso que ele me joga. Luna senta ao seu lado,
seu ombro batendo contra o dele em um gesto amigável.
— É engraçado como meu neto e seu filho se conhecem há algum
tempo e eu só o vi agora — minha mãe comenta.
Nico encolhe os ombros.
— Geralmente é a Luna quem deixa seu menino na minha casa. E
quando aconteceu de deixar o Lucas aqui, eu sequer passava do portão.
— Isso é muita falta de cordialidade, sabe? Eu não ensinei isso aos
meus filhos — diz, olhando feio para Luna e fazendo Nico rir.
— Não foi por falta de pedidos para entrar, Helena. Era mais sobre eu
não ter tempo para uma visita prolongada.
— Me conte um pouco sobre você, Nico. — Minha mãe espalha os
pratos sobre a mesa e empurra a jarra com suco de laranja para longe de
Vicenzo. Meu irmão possui um pequeno fraco por líquidos naturais. — Seus
pais, se possui irmãos, esposa...
— Credo, mãe. — Vicenzo ri, roubando a espátula antes de mim e
me joga um sorriso zombador. — Porque não contrata o Rhuan para
vasculhar a vida do pobre homem?
Dona Helena apóia as mãos nas costas da cadeira ao meu lado e
deposita o peso do corpo sobre um pé. Seus olhos se estreitam daquela forma
que eu bem conheço.
— Não seria má ideia. — Assente e abre um sorriso para um Nico
um pouco pálido. — Mas eu o tenho aqui, então porque não perguntar?
— Fique tranquilo, Nico. Mamãe fez isso com nosso Leon ali e ele
está vivo e bem — Luna diz, acenando.
Leon balança a cabeça em concordância e sorri para Vicenzo ao
receber um prato cheio de torta. Porém, pelo que eu me lembro, Leon havia
ficado um pouco verde com as perguntas da mamãe e parecia prestes a
vomitar ao conhecer a nossa família inteira.
O clã Alencar pode ser um pouco difícil de lidar quando estão todos
presentes.
— Você está namorando? Ou a vaga está aberta para possíveis
candidatas? — mamãe questiona balançando as sobrancelhas na direção de
Luna.
Minha irmã cora em todos os tons de vermelho até a raiz de seus
cabelos e seus olhos esmeralda se alargam com horror.
— Mamãe! — exclama com a voz engasgada. — Eu não estou aberta
para um relacionamento, a senhora sabe disso! Muito menos se for com o
Nico.
Vicenzo engasga com o pedaço da torta e Leon cobre a boca com a
mão. Eu continuo com os braços cruzados ao olhar para o rosto de Nico. Ele
parece um pouco perturbado, mas curioso. Lenta como sempre, Luna só
então percebe o que diz e balança as mãos com fúria na frente do rosto.
— Não foi isso que eu quis dizer! É só que eu não quero namorar e
Nico seria o último na minha lista. — Apoiou a mão no ombro largo e sorriu
em desculpas. — Sem ofensas, Nico, mas minha vida já é bastante bagunçada
e você é um grande amigo. Nada mais.
Nico afaga sua mão e sorri gentilmente.
— Não ofendeu, Luna. Você é uma grande amiga também. E,
respondendo a pergunta da sua mãe, eu já estou interessado em alguém. —
Seus olhos se fixam nos meus por um momento e então vão para minha mãe
e lhe dedica um sorriso largo.
Meu coração acelera com sua resposta e minha respiração falha por
um momento. Olho de esguelha para minha mãe e vejo seu sorriso pequeno
antes de empurrar o prato com pedaço de torta para Nico.
— Entendo. Espero que a pessoa que está de olho não seja arisca.
Você me parece ser uma boa pessoa, Nico. Fácil de confiar.
Espera. O quê?
Franzo as sobrancelhas com a fala da minha mãe. É quase como uma
cutucada sutil sobre minha falta de confiança nas pessoas. E não há como
saber se Nico é confiável. Mesmo que eu esteja atraído demais para meu
próprio bem e parece que ele também está. Eu cheguei a conclusão, depois de
olhar vários sites de homens nus, que eu não me interesso nem um pouco
pelo sexo masculino. Entretanto, quando eu penso no corpo de Nico sobre o
meu, como se sente sua pele na minha, como seria seu beijo... Porra, eu posso
apenas gozar com alguns puxões.
Eu me sinto atraído apenas por Nico.
Quão fodido isso pode ser?
Porém, não há como Dona Helena saber sobre o que quer que esteja
acontecendo entre Nico e eu. Não que haja realmente algo, mas é impossível
não olhar para ele e não se sentir atraído. Todos aqueles músculos
empacotados em uma camiseta justa e calças finas. Olhos azuis que me fazem
lembrar um mar calmo, um sorriso que deixaria qualquer um de pernas
bambas e todo aquele cabelo loiro escuro bagunçado.
É uma visão tentadora.
Nico ri baixinho, cortando um pedaço e enfiando na boca. Eu tento
não perceber a forma como seus lábios grossos envolvem o garfo e então seus
olhos se fecham, deixando um som baixo subir por sua garganta que bate
diretamente no meu pau.
Puta que pariu, esse som é potente.
— Cristo, Helena. Essa torta é...
— Divina? — Leon ri, mordendo seu bocado e mastigando.
— Não há palavras, realmente. — Nico balança a cabeça. — Minha
avó iria adorar e pediria a recita, certamente.
— Sua avó? — minha mãe pergunta, sentando ao meu lado. — Eu
ficaria feliz em entregar a ela.
Nico solta um suspiro baixo, sua língua saindo para lamber todo o
lábio inferior. Eu me remexo levemente na cadeira, meus dedos cavando em
meu braço.
— Seria um prazer, mas ela não está mais aqui. Faleceu tem dois
anos. Ela criou a mim e minha irmã depois que meu pai faleceu.
— Sinto muito por isso — minha mãe diz.
Luna afaga o ombro de Nico e eu volto a franzir o cenho para o gesto.
Nico pega meu olhar e sorri de lado quando percebe que eu não desvio. Eu
não sou muito de correr quando sou afrontado. E Nico está totalmente me
confrontando a desviar o olhar do seu.
Sinto decepcionar, mas não vai rolar.
— Me desculpe perguntar, mas o que aconteceu com seus pais? —
Vicenzo questiona.
— Encurtando a trágica história da minha família, minha mãe morreu
no parto da minha irmã Melissa. Era uma gravidez de risco. — Nico franze as
sobrancelhas, o garfo remexendo na torta pela metade em seu prato. — Meu
pai cuidou da gente o quanto pôde, mas ele não aceitava a morte da esposa.
Bebeu demais e acabou tendo uma forte cirrose. Morreu quando eu tinha
quatorze. Então minha avó Tereza ficou conosco até que eu completei dezoito
e fui viver minha vida.
— E sua irmã? — minha mãe pergunta suavemente.
Vejo a linha dos ombros de Nico ficaram tensas e seu maxilar
trabalha por um momento antes de balançar a cabeça.
— Ela viveu a vida dela também. Não nos falamos tem um tempo.
— Ela foi embora da cidade? — Vicenzo pergunta.
— Sim.
E foi apenas essa única palavra, como que encerrando a conversa.
Meus olhos se prendem nos seus e então ele os abaixa. Era como se sentisse
vergonha do que acabara de falar ou mesmo não queria que eu lesse em seus
olhos o que deveria estar pensando. Não que eu fosse capaz disso. Eu sou
péssimo em ler as pessoas pelos olhos. Eu sou mais expressões faciais e
gestos.
As crianças surgem na cozinha correndo e toda aquela tensão que
surgiu sobre a mesa se dissipa. Gordo late, tentando sair de debaixo da mesa
sem virá-la com seu enorme corpo peludo. Porém, eu não tiro meus olhos de
Nico. Observo cada gesto seu e o sorriso que parece um pouco quebrado
agora.
— Eu quero a torta! — Ângelo sobe na cadeira e apóia as mãos sobre
a mesa. — Quem comeu o primeiro pedaço? Era meu!
— O que eu já disse sobre gritar na mesa, Ângelo? — Luna pergunta,
sua voz tão alta quanto a do filho.
Como que a Luna quer que o menino cumpra suas ordens se ela
mesma não consegue? Descruzo meus braços e apoio o cotovelo sobre a
mesa e o queixo no punho. Meus olhos migram mais uma vez para o homem
na outra ponta e percebo que estava olhando para mim. Cerro meus olhos,
enfrentando os seus e então deslizo para seu pescoço e braços antes de voltar
para seu rosto mais uma vez.
E ali está o que eu tenho visto nas últimas vezes. Aquele doce tom de
rosa em suas bochechas e os dedos desastrados no copo. Sorrio, voltando a
olhar para minha mãe ajudando Lucas a subir na cadeira e então Angelita
sentando perto de Luna.
Puxo meu prato com o pedaço da torta que minha mãe colocou para
mim enquanto observo minha sobrinha. Com o final do casamento da minha
irmã, Angelita havia ficado um pouco arisca com as pessoas, mas agora ela
estava voltando ao seu normal. As palavras cruéis com seu irmão haviam
amenizado, mas ainda havia algumas brigas. Afinal, são irmãos acima de
tudo.
Levo um pedaço da torta para minha boca e quase gemo quando o
sabor explode em minha língua e abençoo a minha mãe pela mão que possui.
Vicenzo ri de algo que Leon fala e aquele arrepio em minha espinha me faz
desviar os olhos para o final da mesa mais uma vez.
Aqueles olhos azuis obscurecidos pelos cílios grossos fixos em meu
rosto. Eu quase podia senti-lo me tocando apenas com aquele olhar. E, se eu
pudesse dizer apenas observando seu comportamento, o homem me queria
sobre aquela mesa. Arqueio as sobrancelhas e empurro o pensamento para
longe para minha ereção não voltar. Porém, eu tenho absoluta certeza de que
vou puxar esse pensamento de volta durante o banho.
A hora seguinte foi cheia dos comentários das crianças sobre a
brincadeira com a lama e como Lucas havia sido baleado e morto em batalha.
Uma tragédia digna de Shakespeare, eu suponho. Gordo confirmava tudo
latindo, o que deixou minha mãe irritada com os pelos voando pelo chão e
sobre a mesa. A todo o momento eu roubava os olhares de Nico sobre mim,
me fazendo remexer na cadeira.
Nico empurra seu prato vazio pela segunda vez e gesticula para
Lucas.
— Termine de comer, campeão. Nós precisamos ir.
Lucas joga um olhar para o pai, o garfo pendurado em sua boca.
— Já?
— Sim. — Os olhos azuis se fixam no menino e então suas
sobrancelhas arqueiam. — Pegue suas coisas.
O garoto assente e termina de engolir sua torta enquanto minha mãe
reclama, como uma boa avó.
— Deixe o garoto comer! Não precisa levá-lo agora.
— Nós precisamos ir. Há algumas coisas que Lucas precisa fazer em
casa. Mas eu prometo trazê-lo mais uma vez qualquer dia desses — Nico diz
se levantando e me jogando um rápido sorriso.
Luna se levanta, puxando sua blusa para baixo e sorrindo.
— Eu levo vocês até a porta.
Nesse momento Ângelo bate a mão sobre o copo ao descer rápido da
cadeira e todo o suco se espalha pela toalha da mesa, espirrando sobre o
pobre Gordo parado ao lado.
— Ângelo! — minha mãe grita, puxando as beiradas para conter o
líquido de escorrer para o chão. — Luna, pegue o pano para mim! Rápido!
— Mas...
— Luna, o pano! — Seus olhos vão para mim e arqueia as
sobrancelhas. — Pablo leva o Nico para a porta, não é mesmo?
— Eu?
— Não, a Madona. É claro que é você. E eu preciso do pano, Luna!
Com essa sentença, ninguém mais contesta. Olho para Vicenzo
apenas para encontrá-lo olhando para a cena com sobrancelhas arqueadas
enquanto Leon jogava os guardanapos sobre o suco para amenizar o estrago.
Luna correu para a lavanderia com Gordo em seu encalço enquanto Angelita
continuava comendo sua torta como se o caos não estivesse acontecendo ao
seu redor.
Levanto-me da cadeira e encontro Nico me observando com um
sorriso leve. Dou a volta na mesa e aponto o corredor, o mesmo que Lucas
acabou de passar. O encontramos na sala recolhendo sua mochila e Ângelo
tagarelando ao seu redor sobre se encontrar no final de semana. Eu os
acompanho em silêncio até no portão quando Nico destrava o carro e Lucas
abre a porta traseira com Ângelo o ajudando a guardar suas coisas. Esfrego
meu braço quando meus dedos não encontram os botões da camisa ou do
terno e mordo a bochecha por dentro.
— Então...
— Você quer sair comigo?
Arqueio as sobrancelhas ao olhar para Nico, suas bochechas
levemente rosadas e seus dedos brincando com a chave do carro.
— Sair?
— Sim. Quer dizer... Uh, conversar? Pode ser como amigos.
Apenas... Uh... Um café?
Sorrio e isso parece fazer suas bochechas ficarem ainda mais
vermelhas. Nico enfia as mãos nos bolsos da sua calça e se balança sobre os
pés enquanto seus olhos se fixam em algum ponto na calçada. Com toda sua
altura é difícil imaginar como pode ser tão tímido ao convidar alguém para
sair.
Coço minha bochecha e encolho um ombro.
— Eu posso pensar sobre isso?
— Claro. Sim. Você pode. — Nico comprime os lábios e dá um
passo para trás. — Você tem meu celular, certo? E quando você decidir é só
me mandar uma mensagem. Ou ligar. Eu vou parar de falar agora.
Solto uma risada e aceno.
— Eu vou te deixar saber sobre minha decisão.
— Ótimo. Certo. — Acena indo para o carro.
— E, Nico? — Sua cabeça se vira para mim e meu sorriso se alarga.
— Bom te ver de novo.
Seu sorriso alegre surge antes de entrar no carro e ligar o motor.
Ângelo acena e eu passo a mão por seus cabelos, a ficha finalmente caindo.
Pura que pariu, Nico me convidou para sair.

Eu passei os últimos dois dias em uma espiral maluca sobre aceitar


ou não o convite do Nico. Minhas questões iam de “eu posso confiar no cara”
até “é apenas um convite amigável?”.
Cinco da tarde de sexta-feira e eu continuo nesse vórtice suicida.
Aceitar ou não aceitar, eis a questão? Eu me perdi inúmeras vezes no meu
trabalho, fazendo com que vendas importantes fossem perdidas e deixando
meus empregados ficarem levemente frustrados comigo, o sempre tão sério e
regrado Pablo Alencar.
Foda-se, eu posso ter um ataque de nervos de vez em quando.
Olho para meu celular apagado ao lado e o pego, ligando a tela e meu
polegar pairando sobre o ícone de conversa com a foto do Nico. Volto a
abaixar o celular, decidindo que dar uma resposta ao vivo seria melhor que
uma simples mensagem. Para mim sempre pareceu frio demais e as pessoas
nunca sabem seu humor pela resposta. A interpretação é muito variável.
Decidido, empurro a mesa e me levanto, pegando meu terno do
encosto e saindo da minha sala às pressas e quase tropeçando sobre Bianca no
corredor.
— Oh, onde é o incêndio? — pergunta sorrindo e ajeitando as pastas.
— Estou de saída. Algo para eu assinar? — questiono já passando os
braços pelo terno e enfiando meu celular dentro do bolso.
— Não. Nada urgente. — Seus olhos me vasculham enquanto eu
aceno. — O senhor parece perturbado. Algo que eu possa ajudar?
— Não, mas obrigado, Bianca.
Me afasto com um aceno e deixo minha secretária saber que estou de
saída, mas retorno amanhã pela manhã. Desço até o estacionamento e entro
no meu carro, saindo para a rua e indo direto para a casa de Nico.
Talvez não fosse minha melhor decisão, ou a mais sensata, mas eu
precisava ver seu rosto quando lhe desse minha resposta. Estaciono na frente
do portão vizinho já que um carro Corsa vermelho está parado na frente da
casa de Nico e saio do carro olhando a rua calma. Suor escorre por minha
espinha e eu não sei se é pelo calor do final do dia ou se é apenas por puro
nervosismo. Aperto o botão do interfone e o portão se abre automaticamente,
como se esperasse minha chegada.
Que presunçoso você, Pablo.
Ergo o punho para bater na porta quando ela se abre, revelando uma
mulher negra e com um sorriso malicioso. Bem, não é exatamente quem eu
esperava.
A mulher apóia a mão em sua cintura estreita, deixando o quadril
largo mais pronunciado em seus shorts jeans curto e desfiado que revela suas
coxas grossas. O top amarelo cintilante não cobre muito da sua barriga, mas
combina com as tranças amarelas em sua cabeça e o batom em sua boca
carnuda.
A mulher é espetacular.
— E aí? Você precisa de algo?
Tiro meus olhos dos seus seios e volto para seu rosto.
— O Nico está?
— Sim. E você é?
— Pablo. Ele... Eu...
Engulo minha língua, sem saber o que dizer.
— Entre. Eu vou chamá-lo para você. Ele está no banho — diz,
piscando na minha direção. — Tigrão, temos visita!
A cabeça do monstro verde da desconfiança se ergue, farejando e
rosnando. O que essa mulher está fazendo aqui? E porque parece tão
familiarizada com a casa e o Nico? Enfio minhas mãos nos bolsos e o suor se
torna maior em minhas costas. Paro na entrada da sala e a mulher sorri para
mim.
— Você deve ser o Pablo. Nico falou sobre você.
Puxo a minha gravata, sentindo-me sufocado de repente.
— Falou?
— Não tanto quanto eu gostaria. — Seus olhos vasculham meu
corpo. — Mas realmente é bonito.
Abro minha boca para retrucar quando Nico surge do corredor de
dentro, esfregando uma toalha sobre seus cabelos castanhos e úmidos e não
vestindo nada além de uma cueca preta.
Puta que pariu. Eu acho que engoli minha língua.
— Sandra, o que você está gritando... — Nico para e seus olhos se
arregalam. — Pablo.
— Oi — falo engasgado.
Quer uma cena mais estranha que essa? Assista uma série em que
surgem os protagonistas transando no momento que sua mãe entra no seu
quarto. É estranho e desconfortável. Assim como me sinto agora com Nico
me olhando dos pés à cabeça e Sandra sorri para mim como uma raposa
esperta.
— Legal, eu vou recolher o carinha e levá-lo para que vocês dois
conversem. — Sandra pisca para mim e ergue ambos os polegares para Nico
em sinal de jóia. — Vejo você mais tarde, Tigrão. Vamos, Lucas! Sua carona
está partindo!
Lucas surge coxeando do corredor e passa por seu pai, acertando um
soquinho de mãos e acena para mim.
— Olá, tio do Ângelo. Até logo, tio do Ângelo.
Aceno para o pequeno furacão de muleta que sai carregando uma
mochila e a entregando para Sandra na porta. O som da tranca parece
reverberar pela sala quieta e eu engulo com dificuldade ao olhar para Nico.
Todo aquele peitoral musculoso à mostra com gotas ainda escorrendo pela
barriga até a borda da cueca e...
Jesus! Eu me recuso a descer mais o olhar.
Miro seu rosto e cruzo meus braços como que para me defender. Do
que eu não faço ideia.
— Pablo...
— Desculpe aparecer assim e atrapalhar vocês dois. Eu não sabia
que você estava acompanhado.
Nico franze as sobrancelhas e então as arqueia e aponta para a porta.
— Sandra? Cristo, não. Ela é como uma irmã para mim. Quer dizer,
uma que fica e ajuda e... Uh... Diferente de Melissa. Sandra é minha amiga.
Ela fica com o Lucas nos fins de semana para mim. Ela é bonita e tudo, mas...
— Seus dedos brincam com a toalha em seu pescoço, suas bochechas
corando. — Mulheres não me interessam.
Inclino minha cabeça para o lado e me aproximo um passo, minhas
mãos enfiadas nos meus bolsos.
— Não interessam?
— Não — diz balançando a cabeça.
— Quem te interessa então?
Vejo-o engolir, seus dedos apertando ao redor da toalha.
— Um em particular, na verdade. — Seus olhos passam por meu
rosto, sua língua saindo para lamber o lábio inferior. — Você não me
respondeu sobre meu convite.
— Eu disse que ia pensar sobre — falo me aproximando um pouco
mais.
Não era minha intenção parar tão perto dele, mas é como se o homem
tivesse um ímã me puxando. Inspiro, trazendo o cheiro de pele quente recém
lavada e o sabonete que usa. Minha mente me leva para o abismo,
diretamente para uma fantasia onde eu lavo todo esse corpo com a espuma
e...
Me chacoalho, voltando para o presente quando a voz rouca de Nico
soa.
— Você disse. E eu ainda estou esperando.
— Eu decidi que... — Sigo uma gota caindo de sua têmpora até o
maxilar e então ela desliza pelo pomo de Adão até o oco da garganta. Dali ela
segue por sobre o desenho da asa de um pássaro e eu me forço a olhar para
seu rosto novamente. — Seria interessante tomar um café com você.
Nico exala, parecendo que estava segurando a respiração enquanto
esperava minha resposta. E então o sorriso que abre poderia cegar todo o
quarteirão. Iluminado e alegre, Nico dá o último passo que nos separa e seu
peito quase encosta no meu. Os centímetros mais altos fazem com que minha
boca fique na reta de sua garganta.
— Amanhã seria bom para você?
E então, com toda sua proximidade eu sinto que meu lado tímido
surge. Algo que apenas Nico consegue puxar de mim. É como se houvesse
entrado em um mundo paralelo onde quem cora sou eu e não Nico. Onde toda
a minha arrogância é jogada no lixo enquanto Nico toma as rédeas da
situação com atrevimento e sexo exalando por todos os seus poros
musculosos.
— Amanhã? — gaguejo olhando em seus olhos. — Parece bom. Mas,
eu trabalho de manhã então...
— Eu gosto de um café pela tarde. É bom para mim. — Seus olhos
varrem meu rosto e eu sinto como uma carícia que vai direto para o meu pau.
Minha respiração tranca na garganta quando um sorriso diferente aparece em
seu rosto. — É bom para você?
Puta que pariu.
Por um momento não pareceu que ele perguntava sobre tomar um
café. Engulo com dificuldade, minha mão procurando o botão do meu terno e
as costas dos meus dedos roçam sua barriga.
Pele quente e levemente úmida que envia um arrepio para minhas
bolas.
— Ah... Sim. Às quatro?
— Estou livre às quatro — murmura, seus olhos passando por todo
meu rosto e deixando minha respiração rasa. — Você escolhe o lugar.
Cortesia do primeiro convite.
Engulo e arrisco um sorriso trêmulo.
— Cortesia, ein? Eu vou te mandar o endereço por mensagem.
— Não demore muito. Eu fico esperando suas mensagens com
ansiedade. Então não seja cruel comigo.
Porra. Como alguém pode falar rouco desse jeito? Dou um passo para
trás, precisando urgente respirar.
— Eu vou te enviar ainda hoje. Prometo.
Nico ergue o canto da sua boca em um sorriso que mexe com todo
meu sistema nervoso.
— Então estamos combinados. Eu vejo você às quatro, Pablo.
Assinto, dando mais um passo para trás. Não conseguindo me conter,
meus olhos descem por todo seu corpo e vejo que sua cueca mal esconde sua
ereção. Minha mão aperta o botão do terno e eu giro, praticamente correndo
para fora da casa do homem.
Nico é um perigo para minha sanidade.
Um perigo para meu emocional.
Mas o que eu faço com os sinais de alerta? Isso mesmo, eu os enfio
no lixo e sigo em frente, como uma mariposa atraída pela lâmpada. E Nico é
a porra de uma lâmpada bonita pra caralho.
Sento no banco do motorista e aperto minha testa contra o volante.
Eu acabei de voar para minha morte. Um pouco dramático, mas não deixa de
ser real.
E eu estou preocupado com isso? Não. E é isso o que me deixa ainda
mais assustado. Eu quero o Nico. Deus, eu quero aquele homem demais.
Aperto os dedos ao redor do volante e tomo minha decisão definitiva. Se toda
essa atração é a falta de sexo, pois bem. Eu o teria e isso iria sair do meu
sistema.
Simples, prático e rápido.
O problema é que minha vida nunca segue o curso que eu tomo.
Eu estou na merda.
Meu corpo inteiro dói, e não é aquela dor boa de uma noite quente.
Eu fui surrado. Os músculos reclamando a cada movimento que eu faço e até
mesmo quando respiro. Pelo menos minha consciência está limpa e posso
dizer que bati de volta com tudo o que eu tinha. Eu estou com hematomas e
dolorido, mas o outro cara bateu contra o chão com tanta força que chegou a
tremer abaixo dos meus pés.
Faço uma careta ao olhar para o espelho e mexo na minha gola da
camisa e passo a mão pela frente, tirando os amassados imaginários. Passo as
mãos pelo cabelo e fito meu rosto levemente inchado.
Ótima aparência para um primeiro encontro, Nico.
Suspiro, deixando minhas mãos caírem ao lado do corpo. Eu não
quero nem mesmo imaginar o que Pablo vai pensar quando olhar para minha
cara colorida de amarelo, verde e roxo escurecido.
Minha porta se abre e Sandra surge, seu cabelo com tranças
vermelhas hoje. Seus olhos se arregalam na minha direção e para logo atrás
de mim com as mãos na cintura.
— Pelas bolas peludas de Lúcifer, você está horrível.
Giro para olhá-la de frente e faço uma carranca.
— Bem, obrigado. Não é como se eu não estivesse me vendo, sabe?
— digo apontando para o espelho.
Ela pisca e então sorri.
— Oh, está falando sobre seu rosto? Tolinho. Isso é o de menos. Eu
estou dizendo horrível para essa sua camisa púrpura ridícula. Combinada
com essa calça cargo bege é um insulto. Isso fere meus olhos, Tigrão.
Abaixo os olhos e franzo as sobrancelhas.
— É a minha melhor camisa.
— E eu vou colocar fogo nela. Venha cá e eu vou vesti-lo para
agarrar aquele modelo quente.
Sorrio, sentando na minha cama e observando Sandra revirar meu
guarda-roupa atrás de algo melhor.
— Pablo é realmente quente, não?
— Fervendo — murmura, puxando uma camisa branca e então a
jogando de volta.
— E vamos ter um encontro. Ele e eu — falo, meu sorriso ficando
ainda mais idiota.
— Pare de ficar jogando na minha cara que você tem um encontro
com um modelo de cuecas obsceno. — Sandra bufa, atirando contra meu
peito uma camisa xadrez cinza e preta e um jeans escuro. — Isso é decente.
— É manga longa, Sandra.
— O que tem?
— Estamos no verão — falo pausadamente.
— Dobre nos cotovelos como todo homem faz. Jesus, eu tenho que te
ensinar tudo? — Balança a cabeça com uma careta. — Pateta. Onde está o
pivete?
— No quarto, Max[6]. — Tiro minha camisa e Sandra a agarra no ar,
formando uma bola e a colocando em baixo do braço. — Ei, o que você...
— Vou queimá-la, eu disse isso. Você não acreditou? Azar o seu. —
Dá de ombros. — E onde vocês estarão se encontrando? Você e o modelo?
— Pablo me enviou o endereço de um lugar no centro. Eu nunca fui,
mas eu dei a ele a escolha, então... — Encolho meus ombros.
Sandra assente e cerra os olhos ao analisar minha roupa assim que
termino de abotoar a camisa e vestir as calças. Calço minhas botas e me
estico em toda a minha altura e abro os braços para que ela possa me olhar
por completo.
— E agora? Eu ainda machuco seus olhos?
— Não. E eu poderia escalar você se não fosse gay. — Sandra pisca e
bate no centro do meu peito. — Não se preocupe com o Lucas. Estou levando
sua mochila com roupas para dormir caso... Você sabe — diz, balançando as
sobrancelhas em sugestão.
— Pare com isso. Nós vamos a um encontro, vai ser legal e então
cada um vai voltar para sua casa. Pablo não é um homem de se encontrar na
primeira vez e então já cair em minha cama.
— Chato. E você não sabe disso. Vai que há um homem perverso
escondido debaixo de todo aquele terno engomado e calça social?
Cerro meus olhos, pensando em tudo mais o que Pablo poderia
esconder debaixo de toda aquela roupa quente de homem certinho. Os
piercings já eram uma loucura. Será que haveria algo mais...
A risada de Sandra me tira dos meus pensamentos depravados.
— Você estava pensando em todo aquele pacote ficando 50 Tons de
Cinza, não é?
Balanço minha cabeça, a empurrando para a porta.
— Os meus pensamentos não são da sua conta. Eu deixei os remédios
na maleta. Estão rotulados e os horários estão...
— Escritos na agenda. Sim, eu sei, estraga prazer. — Sandra sai do
quarto e eu a acompanho até a sala. — Lucas! Vamos logo. Eu deixei um
pedido na casa de churros.
Enfio a carteira dentro do meu bolso quando meu filho surge pelo
corredor quase correndo.
— Calma aí, Ligeirinho[7]. Não perca suas calças.
Lucas sorri largamente e bate seu punho no meu.
— Elas estão presas, pai. — Lucas se vira para Sandra enquanto coça
a ponta do nariz. — Eu posso ter o de chocolate com amendoim?
Sandra bufa, cruzando os braços.
— Crianças de hoje em dia. Nunca vão saber como os churros
clássicos de doce de leite é o melhor, mas você pode ter o seu de chocolate. É
um insulto, mas eu o perdôo.
— Por ser deficiente?
Arqueio minhas sobrancelhas com sua fala, surpreso. Porém, Sandra
ri e bagunça seus cabelos.
— Claro que não, e você sabe disso. Eu perdôo porque seu gosto
musical é maravilhoso.
Lucas sorri, passando ao lado de Sandra e assentindo.
— Sim, é mesmo. Rock clássico não se discute.
Sandra acerta seu cotovelo na minha barriga, me fazendo grunhir ao
atingir um hematoma dolorido, e balança as sobrancelhas.
— Exatamente, um gosto maravilhoso. Você educa tão bem esse
garoto. — Se abaixa para pegar a mochila e a maleta de Lucas no chão e me
joga um olhar manso. — Pare de pirar sobre o que ele disse. Vai haver
questionamentos como esse até chegar um momento em que a confiança vai
ser mais que a dúvida e insegurança. Então abaixe sua crista de galinha mãe e
deixe o garoto ser quem ele é.
Bato a porta fechado e resmungo enquanto a tranco.
— Eu não tenho crista de galinha mãe.
— Sim, você tem. E é adorável quando não tem pena voando da sua
bateção de asas.
Rolo meus olhos, ajudando-a a levar a mochila de Lucas quando o
vejo entrando no carro de Sandra e jogando as muletas ao lado no banco.
Coloco a mochila ao lado de Lucas e passo a mão por sua cabeça.
— Se comporte com a Sandra, okay?
— Eu vou. Ela me prometeu churros. — Sorriu, passando cinto com
um pouco de dificuldade. — E filmes antigos.
— Dirty Dancing. Você o educa nas músicas e eu faço isso com os
filmes.
Torço meu rosto em uma careta.
— Não poderia ser Poderoso Chefão? Ou O Iluminado?
— Lucas precisa ver que homens também podem dançar.
Rolo meus olhos e me despeço de Lucas antes de fechar a porta.
Sandra me joga um beijo sobre o teto e ergue o polegar em sinal de jóia.
— Tenha um ótimo encontro. Não se importe em chegar tarde, você
tem a casa vazia até amanhã.
— Eu não vou trazê-lo para casa no primeiro encontro, Sandra —
digo exasperado e corando.
— Um homem das antigas. Como eu queria um assim para mim. —
Suspira, apoiando o queixo no punho sobre o teto.
Eu rio, balançando a cabeça.
— Ande logo. Eu estou atrasado.
— Se divirta! Eu e o pivete vamos virar a noite vendo filmes. — diz
sorrindo e piscando antes de entrar no carro.
Sandra bate a porta fechada e liga o motor. Aceno para o carro se
afastando e desligo o alarme do meu, percebendo só agora como estou
suando. E não é pelo sol da tarde de um verão quente.
Estou nervoso.
Muito nervoso.
Esfrego minha testa e apoio as mãos no volante ao olhar para o
retrovisor.
— Você é um homem crescido, Nico. Enfrenta valentões. Vai ser um
encontro legal — digo fitando meus olhos no espelho.
Eu gemo, percebendo que não adiantou merda nenhuma tentar me
convencer em voz alta. Pesco um pirulito do meu porta trecos abaixo do som
e desembrulho a bola doce de cereja, jogando dentro da boca e esperando que
o açúcar me faça acalmar. Ligo o carro e dirijo para o centro, olhando para o
relógio a todo segundo para ter certeza de que não estou atrasado.
Estaciono em uma vaga do outro lado da rua quando avisto o letreiro
do pequeno café aconchegante do outro lado da rua. Janelas grandes, mesas e
bancos altos, estantes de livros nos fundos e sofás confortáveis com
mesinhas. Empurro a porta aberta e o cheiro de cappuccino e bolo me faz
inspirar fortemente, adorando o cheiro de comida pairando pelo ar.
Olho para o grande relógio retrô na parede de tijolinhos vermelhos e
suspiro ao perceber que estou quase dez minutos adiantado. Giro o pirulito
com a língua, observando o lugar e apreciando a forma como o dono
conseguiu harmonizar um café com uma livraria. O teto baixo e o pequeno
degrau que separava os ambientes, mas ao mesmo tempo parecia tudo
integrado.
O arquiteto desse lugar é simplesmente brilhante.
— Incrível, não é?
Assusto, quase engolindo o pirulito com palito e tudo quando a voz
grossa me atinge. Olho para o homem sorrindo para mim vestido em sua
camisa polo azul marinho e shorts jeans claros, óculos de sol puxados sobre
seu espesso cabelo castanho que eu sonho em passar meus dedos desde o dia
em que o conheci. A barba bem aparada em seu queixo quadrado me
tentando a correr minha língua pelas cerdas grossas.
O homem é quente.
Quente como inferno.
Pigarreio, lembrando que Pablo me fez uma pergunta que requer uma
resposta.
— Uh... Sim, é incrível. Esse lugar é... Perfeito.
Seu sorriso escorre do rosto quando seus olhos passam pelos meus
machucados, suas sobrancelhas franzindo. Merda, eu sabia que ao olhar para
minha cara esfolada seria um assassino de humor. Mudo meu peso de um pé
para o outro quando sua cabeça se inclina para mais perto da minha,
analisando os hematomas visíveis.
— O que houve com você? Foi atropelado por uma vaca?
Passo a mão por minha nuca e dou um sorriso torto.
— Apenas encontrei alguém errado por aí e acabei com seu punho no
meu rosto.
— Jesus, o punho era forte. — Balançou a cabeça com descrença. —
Você denunciou o cara?
Eu quase bufei com isso. Não havia como no mundo denunciar o
filho da puta que bateu em mim. Não se eu quisesse ir para o buraco com ele
e rolar na merda.
— Uh... Eu não vi quem era. Fugiu.
O suspiro de Pablo me faz sentir uma péssima pessoa. Ainda mais
quando ele parece tão preocupado. Esse é um dos motivos de manter meus
encontros em bares lotados e escuros, onde posso escolher alguém, ter um
sexo suado e rápido e então nunca mais vê-los. Não há explicações, não há
telefones e não há nomes. Não há importância.
Mas aqui estou eu, na frente de um homem que está povoando minha
cabeça nas últimas semanas e não me deixando dormir direito com minha
ereção furiosa palpitando por ele.
— Você ao menos colocou gelo? Tem certeza de que está bem para o
encontro?
Sorrio, assentindo.
— Não vai ser um roxo em meu rosto que vai me fazer desistir de um
encontro com você, GQ[8].
Suas sobrancelhas arqueiam e eu percebo que soltei o apelido que
está rondando na minha cabeça desde que o vi entrar na minha sala de
massagem. Minhas bochechas começam a corar quando franzo os lábios e
seu sorriso retorna ofuscante ao perceber que falei algo que não deveria. O
sorriso em seu rosto se torna arrogante e fica bonito pra caralho assim. Eu
enfio minhas mãos em meus bolsos para não o agarrar e beijá-lo.
Inferno, não quero assustá-lo mais do que minha cara feia o fez.
— Porque não se senta enquanto eu faço o pedido?
— Hum... Tudo bem. — Assinto.
— Algo de preferência ou posso adivinhar seu gosto?
Todos os meus pensamentos fizeram uma curva em meu cérebro e
foram direto para a caixa de perversão, distorcendo as palavras de Pablo e
transformando-as em cenas dignas de um pornô bem feito.
Pigarreio, arranhando minha garganta.
— Me surpreenda?
Sua boca se torce para o lado e meu pau pulsa em resposta. Giro, indo
procurar uma mesa e pegando alguma distância daquele homem antes que eu
faça algo que o faça fugir de mim. Sento em uma das mesas altas com bancos
de encosto almofadado e de frente para uma das janelas do café.
Observo a rua movimentada, apoiando os cotovelos sobre a mesa e
mastigo o resto do pirulito ficando apenas com o palito entre os dentes. Volto
meu olhar para o homem na fila. Pablo sorri para atendente na sua vez e se
recosta no balcão, jogando conversa fora e fazendo a garota rir. Eles parecem
se conhecer, o que me faz pensar que Pablo costuma vir muito aqui.
Deixo meus olhos descerem lentamente por todo seu corpo,
apreciando a forma como parece delicioso vestido em roupas formais. Pablo
vira o rosto, me procurando, e quando me encontra me joga uma piscadela
rápida antes de voltar para o balcão. Me remexo sobre o banco, sentindo meu
sangue correr mais rápido.
Como eu poderia fazer esse encontro funcionar quando todo meu
sangue estava correndo para o sul apenas com um sorriso e uma piscada?
Esfrego minha têmpora quando Pablo se senta na minha frente,
depositando uma bandeja com dois copos brancos cheios, duas vasilhas
contendo croissants e quiches. Arqueio uma sobrancelha e Pablo me empurra
um dos copos.
— Vamos, beba. Espero ter acertado no seu gosto. Se não, podemos
trocar.
— Depende. O seu seria qual? — pergunto.
Coloco meu palito na cestinha de lixo de papel e pego meu copo,
inspirando o cheiro de café fresco.
— Café Amaretto[9].
Estremeço com a menção da mistura e olho para meu copo com
suspeita. Pablo ri suavemente e percebo que esse som é provocativo, assim
como todos os outros sons que faz. Dou de ombros, decidindo dar um gole
em minha bebida. Quando o doce toca minha língua eu quase gemo. O filho
da mãe havia acertado meu gosto por um café feito em cafeteria. E pelo seu
sorriso ao tomar um gole de seu próprio café, eu poderia dizer que ele sabia
que havia acertado.
— Hmm. Isso é uma delícia. O que é?
— É Mocha. Eu acertei então?
— Você acertou. O que me denunciou?
Seus olhos castanhos me observam por cima do seu copo e então o
abaixa, sua língua passando pelo lábio superior para resgatar um pouco do
creme. Eu quero provar o gosto que essa língua tem. Quero provar cada
pedaço desse homem.
— Você me parece alguém que gosta de um doce — diz, apontando o
meu palito descartado.
Sorrio.
— Culpado.
Tomo mais um pouco do café enquanto Pablo pega um croissant e o
divide ao meio, levando para sua boca. Porque tudo o que o homem faz é
quase como que algo erótico para mim?
Chacoalho meus pensamentos e me ajeito sobre o banco.
— Conte-me algo sobre você.
— O que você quer saber?
— Qualquer coisa. Você sabe um pouco sobre mim, mas você ainda é
uma incógnita. — Roubo um croissant e o mergulho na quiche antes de levar
para minha boca e mastigar.
Pablo me observa com olhos levemente cerrados e sobrancelhas
franzidas. Seus dedos brincam com a parte do croissant, retirando migalhas
do pão.
— Eu tenho seis irmãos, mas Luna já deve ter mencionado isso.
Arqueio minhas sobrancelhas e quase cuspo meu café.
— Desculpe, mas não. Eu pensei que eram apenas vocês três naquela
cozinha.
Pablo ri, me olhando com olhos divertidos.
— Somos sete, Nico. Uma família grande e barulhenta. Intrometida
também e bastante sufocante se você não souber lidar.
— Famílias grandes e unidas geralmente são assim. — Sorrio
suavemente. — A minha nunca foi muito grande e sempre fomos um pouco
dispersos um com o outro. Eu acho que ter uma família grande como a sua é
uma benção.
— Não quando você é único que parece ter a cabeça no lugar —
Pablo diz passando o dedo pela borda do copo. Seu rosto se tornando sério e
pensativo. — Ou quando você é o único a tentar fazer algo certo e então
acaba se ferindo e todos os sete pares de olhos estão voltados para você
dizendo em silêncio “nós avisamos”.
Agora é a minha vez de franzir a sobrancelhas. Cruzo meus braços
sobre a pequena mesa e me inclino um pouco na sua direção.
— O que você quer dizer com isso?
Seus olhos se arregalam levemente ao fitarem os meus e balança a
cabeça, olhando para a janela.
— Esqueça. São apenas problemas que estou tentando resolver. —
Solta um suspiro antes de voltar a olhar para mim, mas agora há um sorriso
ali. — Eu não costumo ter primeiros encontros há um tempo. Desculpe.
— Se isso importa, eu também não tenho primeiros encontros. —
Sorrio, inclinando para trás e levantando meu copo em um brinde. — E estou
nervoso pra caralho.
Isso acaba rendendo uma risada de Pablo e eu percebo que gosto do
som. Poderia fazê-lo rir mais vezes.
— Eu não sou uma pessoa divertida, apenas te avisando. — Sorriu de
lado.
— E eu não sou paciente. Eu geralmente agarro o que eu quero na
primeira oportunidade que tenho.
Os olhos de Pablo de repente se tornam mais escuros e isso faz minha
respiração travar na garganta.
— Eu poderia dizer o mesmo de mim sobre isso.
Merda, essa voz rouca. Esse olhar sujo e completamente atrevido
passando por todos os lados do meu corpo sem se preocupar que mais alguém
pode ver sua ganância.
Coço minha garganta, meu coração galopando no meu peito.
— Poderia?
Seus olhos se prendem nos meus e engasgo com a ferocidade neles.
— Sim. E eu quero muito algo ultimamente e tenho hesitado. O que
não é do meu feitio.
Porra do caralho.
Abro a boca para responder, mas minha língua tropeça nos dentes.
Pablo abre um sorriso vitorioso, pois o cretino sabe o que está fazendo
comigo. Pablo disse que não tem primeiros encontros, então isso significa
que ele pega o que quer e vai embora, assim como eu?
A idéia de Pablo na minha cama em uma noite quente e suada faz
meu pau doer na minha calça e engulo um gemido dolorido quando aqueles
olhos escuros continuam passeando por meus braços e peito. Maldição se isso
não significa que Pablo me deseja. Porque no meu olhar e respiração deve ser
visível o quanto eu o quero.
Seus dedos tocam meu pulso sobre a tatuagem de falcão que eu tenho
e deslizam até o cotovelo, indo para a parte interna e roçando a dobra da
manga antes de se afastar. O toque foi quase um leve roçar, mas a sensação
foi como se Pablo houvesse colocado a mão sobre a minha virilha e deslizado
sobre minha ereção.
Fogo corre por minhas veias, fazendo minha respiração acelerar.
— Eu...
O som do toque de um celular quebra minhas palavras e Pablo puxa
seu telefone do bolso, franzindo as sobrancelhas e xingando baixinho.
— Desculpe, eu preciso atender — diz, levantando-se e me jogando
um olhar pesaroso.
— Não se preocupe. Eu vou...
— Fique aí. Eu já volto. E podemos continuar... — Seus olhos
passam por mim mais uma vez que me faz estremecer e engolir em seco. —
Nossa conversa.
Mandão.
Pablo se afasta, indo para o lado da livraria com seu telefone na
orelha e tiro meu tempo para observar seu rabo apertado naquele short.
Talvez o homem realmente não fosse como eu pensei e talvez nós
poderíamos estar indo para minha casa e ficar um pouco nus e...
— Nico?
Todos os músculos do meu corpo se retesam com a voz conhecida e o
frio desce por minha espinha quando forço meus olhos para longe de onde
Pablo está e fito a mulher na minha frente. Seus cabelos castanhos e
ondulados estão mais longos que da última vez que a vi, seus olhos azuis
parecem dois blocos de gelo frios e os lábios carnudos pintados com batom
rosa claro. Sua roupa comportada, sapatos de boneca e uma bolsa pendurada
no braço.
Olhando agora ninguém poderia dizer que essa mulher na minha
frente já foi resgatada nua na calçada, com pó branco nas narinas vermelhas,
magra e terrivelmente destruída pelas drogas.
Levanto do banco devagar e cruzo meus braços enquanto minha irmã
analisa meu rosto com sobrancelhas franzidas.
— O que houve com você?
— O que você quer e como me achou?
Melissa dá um passo para trás, seus olhos piscando. Bom. Com a
minha posição agressiva e voz baixa, eu queria mesmo que ela sentisse medo.
Entretanto, Melissa ergue o queixo e endireita os ombros, sua forma
petulante que eu bem conheço.
— Nós precisamos conversar.
— Eu não tenho nada para falar com você — rosno e atiro meu dedo
na direção da porta. — Vá embora.
— Nós precisamos conversar, Nico.
Seus olhos frios se fixam nos meus com determinação e eu estou
pronto para mandá-la ir se foder quando sinto a aproximação de Pablo.
— Algo de errado?
Esfrego minha nuca e balanço a cabeça.
— Não. Essa é apenas... Melissa. Minha irmã. — Jogo um olhar de
aviso para que ela mantenha a boca suja fechada e gesticulo para Pablo. — E
este é...
— Pablo. Um amigo.
Ele estende a mão com um sorriso contrito e aperta a mão da minha
irmã em cumprimento. Sinto sua outra mão passar sobre a base da minha
espinha, seu polegar pressionando minha pele sobre a camisa e isso faz com
que eu subitamente relaxe. Solto um suspiro e fito Melissa seriamente.
— Eu vou te ligar.
Seus olhos vão de mim para Pablo e então de volta para mim antes de
assentir uma vez e se virar para sair. Eu desabo sobre o banco e apoio minha
cabeça entre minhas mãos, meu corpo tremendo. Sinto Pablo pairando sobre
mim e crio coragem para olhar em seus olhos.
Eu não saberia dizer o porquê de um simples toque desse homem ter
feito com que eu simplesmente relaxasse e me sentisse confortável. Mas eu
simplesmente aceito esse fato já que eu preciso muito disso nesse momento.
— Desculpe. Minha relação com Melissa é um pouco complicada.
— Jura? Eu sequer percebi. — Me joga um sorriso de lado e eu
devolvo, sabendo que ele está apenas tentando aliviar o momento. — Eu
recebi uma ligação do escritório. Eu preciso voltar lá. Acho que teremos que
estender nossa conversa para um segundo encontro?
Eu me levanto, assentindo uma vez. Com a aparição de Melissa meu
humor havia caído e eu só queria socar alguma coisa e gritar de frustração. O
que ela estaria querendo conversar comigo? Empurro o humor sombrio para
baixo e sorrio para Pablo.
— Um segundo encontro parece ótimo.
Puxo minha carteira do bolso e a mão de Pablo se fecha no meu
pulso. Ergo meus olhos e o vejo balançando a cabeça.
— Deixe que eu pago.
— Mas...
— Sou eu quem está saindo no meio por um compromisso. Então sou
eu quem deve pagar. Minha mãe me ensinou a ser educado, Nico.
Assinto, guardando a carteira de volta. Onde esse homem esteve
escondido todo esse tempo? Pablo recolhe seu copo e eu o imito, já que esse
café é o melhor que eu já tomei.
— Se me permite a pergunta, com o que você trabalha que o tem
correndo de volta em uma tarde de sábado?
Pablo me joga um olhar por sobre o ombro.
— Eu sou um Hunter.
Eu estaco do lado de fora do café e arqueio as sobrancelhas.
— Um o quê?!
— Hunter. Gerente de vendas ganancioso que sempre caça as
melhores oportunidades quando elas aparecem. — Seus olhos deslizam por
meu corpo e então seu sorriso cresce ainda maior. — O melhor da minha área
segundo as revistas e jornais.
— Oh, um fodão, ein? Como está seu ego?
— Precisando ser um pouco amaciado, eu diria.
Engulo, minha língua saindo para lamber meu lábio quando percebo
que não estamos falando do seu trabalho.
— Eu poderia massageá-lo, mas você não marcou como disse que
faria.
— Erro meu, assumo, mas posso consertar isso. Você atende a
domicílio?
Seu sorriso é convencido e brincalhão, mas eu consigo ver a fome
rondando seus olhos castanhos e eu mudo meu peso de um pé para o outro,
sentindo minhas bochechas corando com desejo.
Parados na calçada, eu enfio minha mão livre no bolso sem saber o
que fazer exatamente. Pablo me dá todos os sinais verdes para avançar, mas
eu não sei como ele se sentiria sendo agarrado em público. Olho para as
poucas pessoas passando e franzo meus lábios, incerto sobre o que fazer ou
dizer em seguida.
Solto um suspiro e me viro quando sou surpreendido por sua mão
agarrando minha lapela da camisa e sua boca encostando-se à minha.
Arregalo meus olhos, não conseguindo acreditar no que está acontecendo.
Minha dúvida sobre ser agarrado em público acaba de ser respondida da
melhor forma.
A boca macia de Pablo se move contra a minha em um beijo lento e
eu acabo me rendendo, deixando-o guiar para sabe Deus onde esteja indo. O
gosto de licor e café de sua boca me faz soltar um gemido baixo e minha mão
sai do bolso para segurar sua cintura, meus olhos se fechando e me deixando
aproveitar daquela boca tão provocadora. Eu quase derrubo o copo de café
que estou segurando.
O beijo se quebra com um suspiro e quando abro meus olhos eu fito
Pablo sorrindo torto, seus olhos passando por todo meu rosto antes de
encontrar os meus.
— O segundo encontro é a sua vez de escolher. Cortesia e essas
coisas, sabe?
Sorrio, apertando meus dedos em sua cintura.
— Sim, eu sei.
— Então eu espero sua mensagem. Não seja cruel e me deixe
esperando.
Pablo beija o canto da minha boca e se afasta como se não tivesse
acabado de deixar todo o meu mundo abalado e fora do eixo.
E uma ereção furiosa e dolorida entre as pernas.
D
— e acordo com o boletim meteorológico, a temperatura tende a
aumentar no próximo fim de semana. O verão está em seu auge chegando
aos trinta e sete graus em sua máxima e nos dando noites quentes não
chegando a mínima de vinte e um graus. E agora com...
Eu bufo, trocando de canal a televisão.
— Porque você tirou? Eu estava ouvindo!
Desvio os olhos da TV e fito minha mãe em sua poltrona de sempre e
com as agulhas apontando ameaçadoramente na minha direção.
— A senhora estava dormindo.
— Eu estou ouvindo, mesmo com os olhos fechados. Eu ouço melhor
assim — diz, ajustando seus óculos de perto e olhando o ponto frouxo que
escapou.
— A senhora pode ver a matéria de novo no jornal das oito.
— Pablo, não seja irritante como seu pai era. Agora coloque lá de
novo. Logo começa minha novela.
Arqueio minhas sobrancelhas e seguro minha risada. Não há como
essa mulher estar ouvindo algo sendo que seu ronco estava duelando com o
som da TV. Porém, como eu sou filho dela e quero continuar vivo, eu volto
para o canal do jornal.
Me recosto no sofá, pronto para esticar um pouco minhas pernas
quando meu celular toca no meu bolso. Eu gemo, puxando o aparelho para
fora e olhando o visor com temor. Eu solto minha respiração ao ver o nome
de Nico e sorrio.
Graças a Deus, não é do trabalho.
Eu esperei por essa ligação a semana toda. Meu estômago se agita
com antecipação.
— Sim?
— Céus, você... — Há um palavrão do outro lado e então um pigarro
antes da voz de Nico voltar. — Tudo bem?
Sorrio, imaginando como ele deve estar parecendo agora.
— Bem. E você?
— Ah... Bem. Eu liguei para saber se você está ocupado. E se estiver,
tudo bem, eu sei que poderia ter mandado uma mensagem também. Uma
mensagem parecia melhor. Não que falar com você seja menos, mas... Uh...
Se estiver ocupado... Você sabe... Você está?
Eu não posso parar o meu sorriso agora.
— Eu não estou. Estou completamente disponível agora.
Merda, eu estou tão enferrujado em flertar com outras pessoas.
— Que bom. Quer dizer... Merda, eu devia ter mandado uma
mensagem. Meu dia foi um pouco louco e eu acabei deixando o celular
descarregar e... Você não quer saber isso. — Há outro palavrão absurdo
longe do celular e eu não consigo parar minha risada. — Ah, bem. Que bom
que eu o faço rir.
Inferno, sim. Eu quero muito flertar com esse homem.
— Desculpe. Eu apenas... Você realmente fica fofo todo atrapalhado
assim.
— Você acha?
— Sim, eu acho.
— Oh. — O silêncio preenche a linha. Eu acho que o deixei um
pouco surpreso?
— Nico?
— Aqui! Eu só... Uh... Você quer sair hoje? Comigo? Tem um
restaurante muito bom que eu conheço e o chefe é meu cliente e legal e... Às
vezes eu consigo sobremesas grátis.
Apoio meu cotovelo no encosto do sofá e meu queixo no punho, meu
sorriso um pouco cruel agora.
— Você está me convidando para jantar em um restaurante de um
cliente seu?
— Você falando assim soa um pouco estranho. — Ouço um grunhido
baixo vindo de Nico e meu corpo inteiro responde a apenas esse pequeno
som. — Ele é um cara legal. Nós não tivemos nada romântico ou essas
coisas. Ele apenas me alimenta. Espera, isso também não soou legal. Eu
pago pela comida e ganho um brinde?
— Continua estranho. — Aponto segurando minha risada.
— Somo amigos! Eu indico alguém para ele e então devolve com
alguém para mim.
— Troca-troca?
— Cristo, Pablo! Clientes! Indicamos clientes! Argh. Esqueça isso, é
uma maldita bagunça. Olhe, podemos tomar sorvete se preferir. Está calor
essa noite e algo gelado soa bem também.
— Eu gosto da ideia do restaurante. Podemos nos encontrar lá as
oito?
— Ótimo! Sim. Eu... Quer que te passe o endereço?
— Seria bom. — Rio.
— Certo. Eu... Uh, vou... Eu te vejo lá as oito.
Desligo o telefone e o bato contra minha coxa, meu sorriso colado em
meu rosto. O som das agulhas de tricô batendo fazem minha espinha esticar e
o sangue em meu corpo para de correr por um momento. Eu viro devagar na
direção onde minha mãe continua sentada, seus olhos presos nos pontos que
está fazendo.
Sua boca está fechada, mas há um sorriso pequeno curvando os
cantos. Coço minha garganta, me sentindo subitamente envergonhado ao ter
uma conversa como essa na presença da minha mãe.
Foda-se, alguém me mate.
— Eu... Vou...
Seus olhos se erguem para mim e eu paro o movimento de me
levantar.
— Não chegue tarde e divirta-se. Mande um abraço para o Nico —
diz, voltando a olhar para suas agulhas.
Eu me levanto devagar, como se qualquer movimento abrupto fosse
fazê-la se levantar e me atacar. Meus dedos vão para o botão em minha
camisa enquanto estudo minha mãe cantarolando em sua poltrona.
— A senhora... A senhora não se importa?
— Com o quê? Você atrapalhar minha novela trocando de canal?
— De sair. Com o Nico.
Suas mãos param e apoiam as agulhas sobre seu colo. Solta um
suspiro longo antes de olhar em meus olhos.
— Sempre soube que você é um pouco pururuca, Pablo. — Volta a
baixar os olhos e emenda sem me olhar. — Corra, ou vai chegar atrasado.
Assinto, dando a volta no sofá e parando na porta. Bato o punho no
batente e me viro de volta para Dona Helena.
— Não conte a ninguém. Por favor.
— Sua vida não é da minha conta, querido. Não quando está tão feliz
assim.
Eu subo as escadas sem falar mais nada. Minha agitação retorna
quando penso que estou prestes a ir a mais um encontro com Nico. Eu me
troco, colocando três roupas diferentes até decidir que a primeira estava
melhor. Calço meus sapatos e recolho minha carteira e chaves, pronto para ir.
Olho para meu celular e vejo uma mensagem do Nico com a localização do
restaurante.
Espere, o quê?
Estou tão surpreso com o lugar que tropeço em Olívia no corredor
com seus braços cheios de livros, a bolsa pendendo em seu ombro e um
pedaço de pão pendurado entre seus dentes.
— Olhe por onde anda — grunhe.
— Você assaltou uma biblioteca? — pergunto.
Olívia franze as sobrancelhas ao manobrar os livros apenas para um
braço e puxa o pedaço de pão da sua boca.
— Ninguém me disse que para cursar administração, eu teria que
devorar tantos livros assim. Porque ninguém me avisou?
— Porque as pessoas gostam de ver as outras sofrendo — digo
secamente e desço as escadas.
— Ivete, eu preciso de carona! — Olívia grita de cima das escadas.
— Chama o Uber! — Ivete grita de algum lugar obscuro da casa.
Ainda não consigo acreditar que Nico estava falando sobre essa
pessoa. Que ele é o dono do restaurante que troca clientes. Eu bufo, sabendo
que o cretino realmente faria algo assim porque ele é mais liso que sabão
molhado.
Olívia cutuca minhas costelas ao passar do meu lado na porta da sala.
— Você está saindo?
— Estou — falo lentamente, olhando-a. — Por quê?
Minha irmã olha pela janela e estala a língua.
— Engraçado, não está chovendo canivetes.
— Há, há. Sim, muito engraçado. Não há carona para você apenas
por isso.
Olívia faz um beicinho, suas sardas ainda mais evidentes.
— Por favor! Eu nunca te pedi nada!
Jogo um olhar cético para ela porque, sim, Olívia vive me pedindo as
coisas.
— Eu nem mesmo vou à mesma direção da sua faculdade. — Minto.
— E você já não está atrasada de qualquer forma?
— Hoje é sexta, eu não tenho a primeira aula — resmunga me
seguindo para fora. — Me deixa na curva mais próxima. Eu não tenho grana
para um Uber e o transporte custa um rim!
— Você é tão dramática.
— E você é um idiota, Pablo. Papai me levaria para a faculdade sem
pestanejar.
— Bem, eu não sou o papai.
— Mas se comporta igualzinho a ele — diz, piscando para mim.
Franzo meus lábios com esse comentário. Puxo a respiração com um
pouco mais de força e abro o portão, passando por Gordo esparramado no
chão. Eu não sei se minha família faz isso de propósito ou se é apenas a
minha natureza protetora ao extremo que demonstra que eles podem me
comparar.
Eu acho ruim ser comparado ao meu pai? Inferno, não. Eu adoro
quando dizem que meus olhos são iguais aos dele, ou que minha mente é tão
afiada quanto do velho. Meu pai era amoroso e rígido e eu quero ser igual a
ele. E depois que ele se foi, depois de trabalhar tanto, eu sinto que devo ao
velho. Eu devo cuidar da minha família. Mesmo parecendo que eu não
consiga. Eu quero minhas irmãs seguras, com um futuro brilhante pela frente
e que minha mãe tenha uma velhice tranquila. Por isso eu deposito valores
altos na poupança de dona Helena.
É uma aposentadoria mais gorda que o governo poderia lhe dar.
Eu, como filho homem mais novo, devo assegurar que minhas irmãs
estejam bem. Eu tive um casamento ruim, saí da linha por um tempo, mas eu
voltei. Um pouco rasgado, mas voltei. E mesmo que eu cuide delas, isso não
significa que sou o pai delas.
Desligo o alarme do carro e sento atrás do volante. Eu e Ivete
brigamos no começo porque eu não queria tirar seu carro da garagem e ela
não queria que eu deixasse o meu na rua por ser caro demais. “Seu retrovisor
vale mais que minhas quatro rodas! Eu me recuso ser o motivo do seu carro
roubado”. É um exagero, claro. Minhas irmãs são extremamente exageradas,
iguais a minha mãe.
No final chegamos ao acordo de que faríamos um rodízio na semana.
Ivete aceitou com muita pouca vontade, mas acabou dando certo no final. E
hoje é o dia dela guardar na garagem pequena, o que facilita minha saída.
Olívia aponta sua cabeça na janela.
— Não seja cruel. Seu encontro não vai achar ruim se você for deixar
sua doce irmãzinha na faculdade, onde está estudando para seu futuro
brilhante.
Olho-a com uma expressão vazia e apoio meu braço na porta.
— E porque eu estaria indo a um encontro?
Olívia bufa.
— Você está bem vestido e perfumado. Até mesmo aparou sua barba
e passou gel no cabelo. Se isso não é para conquistar uma garota, eu não sei o
que é.
Aí é que você se engana, penso.
Não quero conquistar uma garota, mas um homem.
— Entre logo ou eu vou amarrá-la e amordaçá-la para jogar seu corpo
miúdo no rio.
— Muito obrigada — Olívia chora. Abre a porta do lado e se senta,
passando o cinto e sorri para mim. — Obrigada pela carona, não pela ameaça
de morte.
— De nada. — Sorrio cinicamente.
Eu saio do meio fio e nos levo pelas ruas movimentadas da cidade no
seu tráfego noturno. O endereço que Nico me enviou fica apenas a poucos
quarteirões da faculdade de Olívia, o que não me tira completamente da rota.
Então eu a deixo no portão principal, recebendo um beijo de agradecimento,
e parto para o restaurante.
Estaciono em uma vaga próxima e olho ao redor para ver se Nico já
chegou, mas não encontro seu Jeep em lugar nenhum. Eu caminho até a
entrada e olho para a fachada rústica do restaurante, as portas de vidro e toda
a frente com janelas largas e abertas para receber o calor da cidade.
Eu já perdi as contas de quantas vezes eu vim até aqui, com minha
família, meus amigos, com Maria Cecília... Estremeço com o pensamento e o
empurro para longe. Minha ex nunca gostou daqui e dizia que a comida não
era boa quando na verdade é a melhor que já comi na vida.
O que a opinião dela conta? Em nada, na realidade.
Porém, na época contava. E, para evitar discussões, paramos de vir
aqui e mudamos para um restaurante chique mais no centro. Talvez seja por
isso que nunca me encontrei com Nico aqui. A vida pode ser inusitada às
vezes.
Solto um suspiro e entro, vendo o sorriso de Greyce a me ver.
— Pablo! Que honra.
— Tudo bem, Greyce? Estão lotados hoje?
— Sempre estamos, graças a Deus. — Suas mãos se apoiam sobre a
agenda cheia de nomes e mesas correspondentes. — Em que posso ajudar?
Reserva de última hora? Comida para viagem?
Enfio minhas mãos nos bolso e olho além do hall para as mesas e
conversas baixas.
— Carlos está?
— Claro! Ele sempre está. — Greyce rola os olhos. — Ele não larga
esse restaurante por nada. Ele o abre e ele o fecha.
— Eu sinto que minhas orelhas coçam. Quem está falando mal de
mim?
Sorrio com a voz estridente passando pelas mesas e os olhos
castanhos risonhos de Carlos me cumprimentam. Aceito sua mão estendida e
o meio abraço.
— Pablito! Não te vejo aqui desde o rompimento com a sua
maravilhosa e digna ex-esposa.
Arqueio as sobrancelhas.
— Pode deixar o sarcasmo de lado, eu agradeço.
— Você, o sempre tão rígido e controlado da família Alencar. —
Carlos balança a cabeça e sorri. — Diga que veio comer minha comida de
novo. Eu te dou uma sobremesa de brinde.
— Se você continuar dando comidas de brinde, seu restaurante vai
fechar, Carlos.
Meu corpo estremece com a voz rouca e me viro para ver Nico
parado na porta com um sorriso simples. Seu olho esquerdo ainda está um
pouco verde da semana passada, mas está desinchado e parecendo curar.
Assim como o hematoma amarelo no maxilar. Entretanto, há um corte novo
em seu supercílio direito.
Meus olhos descem por aquele corpo poderoso e bebem da aparência
relaxada nos jeans escuros rasgados nas coxas e a camisa branca de botão e
mangas curtas. Não me escapa a ponta do palito colorido saindo de sua boca,
o que me diz que deveria estar chupando um pirulito antes de chegar ali.
Eu não posso me cansar de olhar para Nico.
Seus olhos claros pousam nos meus e eu preciso controlar a súbita
vontade que tenho de cumprimentá-lo com um beijo. Desde o nosso último
encontro eu me pego lembrando do gosto de sua boca e sedento para provar
mais uma vez. Minha imaginação me pregando peças de madrugada onde eu
tinha todo esse corpo construído contra uma parede e minhas mãos tateando
toda a pele quente e mapeando em minha memória cada curva deliciosa.
Sugo uma respiração instável ao me forçar a sair daquele pensamento
tão sexual e controlo minha virilha ao abrir um sorriso largo para meu
encontro.
— Olá, você.
Carlos assovia.
— Eu não sabia que você havia realmente ido até o nosso Nico aqui
para uma massagem.
Cerro meus olhos na direção de Carlos e mordo minha língua. Não
havia um nosso aqui. Apenas um meu. Franzo as sobrancelhas para o
pensamento possessivo súbito quando Nico ri e aperta a mão de Carlos,
apontando o palito na sua direção.
— Devo agradecer por me indicar a Pablo. Mesmo que tenha ido
apenas uma vez e esteja me enrolando para uma próxima consulta. Ele é um
homem difícil de convencer a agendar.
— Me convidar para jantar faz parte da sua forma de me seduzir para
massagens? — pergunto seriamente.
A boca de Nico se abre e seus olhos se arregalam.
— Não! Eu não... Não é... — Nico gagueja e eu acabo sorrindo, o que
faz soltar a respiração e apontar um dedo para mim em acusação. — Você é
um homem cruel, GQ.
Meu sorriso se alarga com o apelido e Carlos nos olha interessado.
Arqueio uma sobrancelha para ele que bate as mãos juntas e indica as mesas
atrás de nós.
— Muito bem, pessoal. Eu preciso voltar para minha cozinha, mas
fiquem à vontade. Greyce vai indicar uma mesa ótima para vocês dois.
Carlos acena e desliza rapidamente para os fundos. Greyce sorri e
lidera o caminho até uma mesa não muito longe da entrada e ao lado da
parede oposta as grandes janelas abertas. Puxo a cadeira para me sentar e
Nico senta na cadeira de costas para a entrada enquanto Greyce coloca o
cardápio sobre nossa mesa.
— O garçom logo estará aqui para atendê-los.
Agradeço e ela se despede, voltando para seu posto da porta. Me viro
para encarar Nico e seus olhos cerram levemente na minha direção.
— Eu não sei se gosto de você me fazendo suar.
Eu rio, pegando o cardápio e falo sem tirar meus olhos dos seus.
— Não? Uma pena. Na minha cabeça eu o faço suar em várias
superfícies planas e você não se opõe a isso.
Sua boca se abre, eu acredito ser por surpresa. Eu não costumo ser
tão explícito assim, mas há algo sobre Nico que não mantém minha língua
segura dentro da boca. Ela simplesmente rola.
— Cristo... — Nico se remexe na cadeira. — Eu só... Uh... Eu perdi
minha linha que conecta o cérebro a boca.
Sorrio de lado e analiso o cardápio com cuidado, decidindo pelo prato
do dia que sempre era uma surpresa vinda de Carlos. Nico optou pelo peixe e
pedimos vinho para acompanhar. Me recosto na cadeira e me deixo olhar
para ele mais uma vez.
— Como está o Lucas?
Nico suspira brincando com o guardanapo.
— Hoje foi um dia bom. Os remédios ajudam bastante, mas há dias
que simplesmente... — Balança a cabeça com pesar.
— Ele é um guerreiro.
— Ele é. Lucas é a demonstração de força e persistência. Se eu
continuo seguindo em frente é porque ele me inspira a isso.
Assinto me inclinando sobre a mesa.
— O que aconteceu com ele?
Vejo Nico puxando uma respiração difícil.
— Uma gravidez complicada. Resultou em algumas cirurgias, mas
estamos nos recuperando. Eu faço fisioterapia nele e algumas massagens para
ajudar com músculos doloridos. Isso é tudo.
Cerro levemente meus olhos, pois eu sei que não é apenas isso. Seus
ombros tensos e olhos voltados para suas mãos revelam que há muito mais
por trás dessa história.
— Ele está com a Sandra agora?
— Sim. Ela praticamente o levou de mim para que eu pudesse trazê-
lo aqui hoje. — Sorriu ao me olhar em tom acusador. — Percebi que já
conhecia aqui. E também o dono.
— Foi Carlos quem me deu seu contato para massagens — digo.
— Eu deveria saber. Isso deveria me render um jantar grátis, mesmo
você não voltando para mais sessões.
— Você quer mesmo colocar suas mãos em mim, não é? — Balanço
as sobrancelhas em sugestão.
Os olhos de Nico passeiam por meu peito antes de voltarem para o
meu rosto.
— A verdade? — pergunta com a voz rouca.
Cruzo minhas mãos sobre a mesa e me inclino na sua direção.
— Eu sempre quero a verdade, Nico.
— Eu quero colocar minhas mãos em você. Em toda parte.
Minha respiração engata, minha virilha doendo com meu pau ficando
duro.
— Bom. Porque eu também quero suas mãos sobre mim.
Ele pragueja baixinho, suas mãos apertando a lateral da mesa até os
nós dos seus dedos ficarem brancos. Nossa comida chega, quebrando a tensão
grossa ao nosso redor. Me recosto na cadeira e tomo uma respiração
profunda, olhando para meu prato com a carne de cordeiro com molho e no
canto do prato branco escrito meu nome com um coração.
Carlos, seu idiota.
Sorrio e começamos a comer em silêncio. Ergo meus olhos para Nico
para comentar sobre o sabor da carne, porém minha visão pega alguém
conhecido na entrada. Estreito os olhos quando o homem se vira para mim e
quase solto um gemido ao perceber que é um antigo amigo da faculdade
entrando.
Minha bunda escorrega um pouco na cadeira para tentar me esconder,
mas o movimento apenas parece fazê-lo me notar mais rápido. Sua mão se
ergue em um cumprimento alegre e eu me vejo acenando de volta e tentando
não parecer doente.
Não deve ser muito convincente já que Nico está me olhando
preocupado.
— Grande Pablo! Há quanto tempo, cara? Como estão as coisas?
Eu me levanto e aperto a mão que me estende.
— Boas. E você?
— Nah, apenas o de sempre. Lucia está grávida de novo. Nosso
segundo filho. — Ézio sorri largamente e se vira para Nico com um aceno. —
Ei.
— Esse é Nico. Nico, esse é Ézio, um antigo colega de faculdade.
Observo-os trocando um aperto e então os olhos escuros de Ézio
estão sobre mim mais uma vez.
— Como está Maria Cecília?
Engulo o caroço azedo em minha garganta com dificuldade, meus
olhos se recusando a pararem no rosto dele.
— Ah... Eu não sei. Faz tempo que não a vejo. Nós... Nós nos
separamos.
Os olhos de Ézio se alargam com surpresa enquanto Nico franze as
sobrancelhas. Ótimo, abra a lata de vermes sobre minha mesa de jantar.
Inferno.
— Caralho! Jura? — Sua mão passa pela bochecha, seus olhos ainda
arregalados. — Merda, cara. Eu achei que vocês eram, tipo, para sempre. E
Maria Cecília era uma modelo também. Ela engordou?
Foda-se o inferno. Mordo minha língua para não amaldiçoar os
pensamentos imbecis de Ézio e apenas balanço minha cabeça.
— Não. Nós apenas... Não era certo.
— Poxa, cara. Sinto muito. Mas, ei! A vida segue, não é?
Jogo um olhar para Nico e ergo minha boca em um sorriso de canto
ao assentir para Ézio.
— Sim.
— Eu vou nessa. Esse lugar faz umas quentinhas maravilhosas e
Lucia está louca pelo macarrão deles. Mas foi bom te ver. — Sua mão bate
em meu ombro e então acena para Nico ates de se virar e sair.
Eu sento novamente em minha cadeira, esgotado pela pouca
conversa. Pego meu garfo com mais força do que deveria e mantenho os
olhos na minha comida porque sei que quando eu olhar para o homem na
minha frente haverá perguntas. E eu não sei se quero respondê-las.
Há um pigarro e eu respiro profundamente quando fito os olhos
claros de Nico.
— Você quer mais vinho?
Franzo minhas sobrancelhas.
— Nada de perguntas sobre eu ter sido casado?
Nico solta uma risada baixa e cruza as mãos sobre a mesa, se
inclinando levemente na minha direção.
— Você está claramente nervoso e me evitando. A não ser que você
queira falar, eu vou perguntar. Se não, eu vou manter minhas perguntas para
mim e comer meu jantar.
Esse homem... Apoio o garfo de volta na mesa e olho para minha
mão, especificamente meu dedo anelar nu, e enrolo meus dedos em um
punho e os escondendo com a outra mão. Não há como esconder minha
vergonha, porém.
— Eu fui casado por quatro anos. Eu achava que estava bem, mas
para ela não era suficiente. — Esfrego minha têmpora com irritação. — Eu
tive de viajar um dia e voltei antes do previsto. Queria fazer uma surpresa
para ela no trabalho.
Solto uma risada depreciativa.
— Isso me parece que acaba mal — Nico diz.
— Você não faz ideia — resmungo. — Eu a encontrei chupando
outro cara. Na sala dela. As noites de trabalho a mais? Eram com ele. —
Balanço minha cabeça. — Aquela desgraçada nunca me chupou. Isso foi há
mais de sete meses e eu ainda fico irritado. Eu confiei nela e então fui
apunhalado pelas costas.
— Sua ex não merece respeito algum, Pablo. Muito menos sua
irritação.
— Eu sei. Eu só... É péssimo quando você deposita sua confiança em
alguém e ela a joga pela janela.
— Você a ama?
Apoio meu queixo sobre meu punho, mexendo no que restou da
minha comida.
— Não. Eu era apaixonado por quem Maria Cecília era na faculdade,
pelos seus ideais, mas então tudo mudou. Ou talvez ela sempre foi assim e
apenas eu que não percebi. — Dou de ombros e decido mudar o rumo da
conversa. — E a mãe de Lucas?
A mandíbula de Nico endurece visivelmente.
— Ela não o quis. Desapareceu e eu cuidei dele. Fim da história.
Arqueio uma sobrancelha e Nico solta a respiração devagar.
— Eu não gosto de falar dela também. Nós temos isso em comum. —
Seus olhos então miram os meus e vejo um leve brilho neles que faz meu
sangue correr mais rápido. — Sua ex nunca o chupou?
Engulo em seco e lambo meus lábios, seus olhos seguindo o
movimento.
— Não.
— Uma pena. Na minha cabeça eu o faço gozar enquanto o sugo o
mais forte que consigo.
Fecho minha mão ao redor do garfo, meu coração batendo forte na
minha garganta.
— Você quer termina o jantar? — Observo-o negar lentamente com a
cabeça. — Ótimo. Sua casa está vazia?
Suas narinas se alargam quando seu corpo volumoso se levanta e
puxa a carteira do bolso, jogando algumas notas sobre a toalha.
— Sandra só vai me entregar o Lucas quando eu chamar de volta.
Assinto, jogando algumas notas também. Não havia dado tanto, mas
Carlos merece uma gorjeta por sua comida. Saio do restaurante com passos
rápidos e agarro o punho de Nico, o puxando para a lateral mais escura e
batendo seu corpo contra a parede. Agarro seu rosto entre minhas mãos e
tomo sua boca, gemendo ao sentir o gosto de vinho em sua língua.
Inferno, eu quero isso tanto.
Suas mãos agarram o tecido da minha camisa nas costas enquanto
nossas bocas se encontram com necessidade quase violenta. Meus dedos
entram por seus cabelos e seus dedos se afundam em minhas costas me
fazendo me aproximar ainda mais de seu corpo duro.
Era tão diferente das curvas femininas e dos seios fartos. Mas, Jesus
Cristo, como é bom estar apertado contra esse homem. De sentir seu quadril
trabalhar contra o meu com pressão urgente. Eu poderia rasgar suas roupas ali
mesmo e simplesmente tomá-lo contra a parede do restaurante na via pública.
Uma linha de consciência se ilumina na minha cabeça e puxo minha
boca para longe de Nico. Nossa respiração é apenas um fio rápido e encosto
minha testa na dele, inspirando o cheiro do seu perfume.
— Me desculpe. Eu apenas não pude esperar.
O sorriso iluminado de Nico aumenta, suas mãos ainda me agarrando.
— Sem reclamações aqui. A não ser que...
— Que...?
— Você se arrepende?
Dou um passo para trás com sua pergunta e o libero do aperto contra
a parede. Sua mão corre por seus cabelos, me jogando um olhar ardente de
cima a baixo que promete todas as coisas sujas que minha mente vem
pensando nos últimos dias. E eu não penso em me opor a nenhuma delas.
Porém, a pergunta silenciosa que vejo ali me faz hesitar por um momento.
O que Nico espera de mim?
Eu olho para Pablo como se fosse um grande banquete a qual eu
quero muito devorar. Dou um passo para mais perto do seu corpo e inspiro
seu cheiro, sentindo meu corpo inteiro responder e estremecer. Eu estou me
sentindo nervoso pra caralho, como se fosse minha primeira vez.
Entretanto, eu preciso saber se está realmente tudo bem. Se essa
hesitação repentina tem a ver conosco ou outra coisa que ainda não sei. Então
não posso evitar perguntar:
— Se arrepende, GQ?
— Deus, não. — Pablo passa a mão pelo cabelo, seus olhos se
prendendo aos meus. — Não há arrependimentos aqui.
— Graças a Deus. — Solto um suspiro aliviado e sorrio. — Então...
Já fez isso antes? Digo, com um homem?
Eu sei que Pablo parece mais que disposto para receber um boquete,
mas... Será que realmente está bem? Seria ele um curioso ou apenas
dissipando a tensão após um divórcio ruim? Se fosse um curioso eu poderia
levá-lo bem. Inferno, até mesmo se fosse só pela raiva após o divórcio. Eu me
inclinaria para Pablo sem pensar nas consequências.
Seus olhos se fecham e inspira de forma errônea. Fecho a pouca
distância entre nós e agarro sua cintura, meu nariz quase encostando ao seu.
Seus olhos se abrem e vejo as pupilas dilatadas no meio do castanho escuro.
Nunca olhos castanhos me pareceram tão bonitos quanto agora.
— Eu... Não, nunca fiz. — Seus dentes mordiscam o lábio inferior
cheio e eu quase gemo pelo ato. — Mas eu quero você. Muito. Mesmo que
minha cabeça grite que não.
Inclino levemente minha cabeça ao arquear minhas sobrancelhas.
Encosto nossos quadris juntos e foda-se se estamos no meio da rua. Eu gemo
baixinho ao senti-lo duro contra mim. Passo meu nariz por seu maxilar e
mordisco a pele com cerdas curtas de barba, adorando a sensação contra
minha boca. Subo para sua orelha, suas mãos agarrando minha cintura e seus
dedos cavando minha pele sob a camisa e fazendo todo meu sangue correr
mais rápido em minhas veias.
— E porque seria melhor não? Seu corpo parece muito disposto a um
sim.
Pablo grunhe, seus dentes mordendo levemente meu pescoço e
fazendo minhas bolas apertadas.
— Eu tenho um tesão do caralho por você, Nico, e eu não
compreendi muito bem o motivo disso. Se chegarmos à base horizontal, não
pode ir além de prazer, entende?
Afasto-me um pouco para olhar em seu rosto e vejo suas
sobrancelhas franzidas e olhos cerrados. Pablo parece concentrado nessa
resposta e na convicção de suas palavras. Talvez esteja tentando se convencer
do que convencer a mim e eu o deixo mergulhar em seus pensamentos. Há
algo que o incomoda, mas não vou forçá-lo a me dizer.
Então eu espero. Eu sou bom em esperar.
Quando seus olhos castanhos voltam para os meus, há uma ponta de
dor neles que me faz querer abraçá-lo e empurrar toda essa dor para longe
dele. Passo minha mão por sua bochecha sem tirar meus olhos dos seus.
— Eu não disse que seria mais. Você está com medo de me dar
esperanças, GQ?
— Eu não tenho medo. Eu... — Sua garganta trabalha ao engolir. —
Certo, eu tenho um pouco de medo, mas...
Sorrio, beijando o canto de sua boca e fazendo um suspiro cansado
sair por seus lábios entreabertos.
— Não se preocupe com nada disso. Só porque você parece muito
irresistível com esses olhos castanhos e rosto sério? Eu não vou me apaixonar
por você, GQ. É muito sério para mais do que apenas um pouco de diversão e
esfregar. Porém, eu não garanto que você se apaixone por mim. Eu tenho
uma personalidade brilhante.
Seus olhos cerram um pouco mais e seus dedos me apertam quando
meu sorriso aumenta.
— Você é terrível.
— Eu me esforço. — Aliso a ruga entre suas sobrancelhas e tomo um
beijo longo e lento.
Quando termino, Pablo e eu estamos sem fôlego e eu preciso
urgentemente sentir cada parte de pele desse homem contra a minha.
— Meu carro ou o seu?
— Cada um com o seu na sua casa. Agora.
Assinto, mas não querendo me mover para longe de Pablo. Deixo
mais um beijo em sua boca e corro para o meu carro o mais rápido que posso.
Quando ligo o motor, vejo o carro dele saindo da vaga e então eu sinalizo que
estou saindo e vou à frente.
Nunca minha casa pareceu tão longe e eu não posso fazer meu carro
ir mais rápido. Olho para o retrovisor e vejo Pablo me seguindo de perto, o
que me faz ainda mais nervoso do que eu já estou. O homem é terrivelmente
explosivo para os meus neurônios. O beijo... Porra! Passo a mão sobre meu
pau ainda duro na minha calça e viro o volante na minha rua.
Mal estaciono na entrada da minha garagem e já estou saltando fora.
Pablo desliga as luzes do seu carro atrás do meu e salta, caminhando com
passos decididos para mim. Minha respiração trava quando suas mãos
seguram meu rosto e então sua boca está sobre a minha, lambendo e
chupando e eu não posso tocar tudo sobre ele ao mesmo tempo.
Não me recordo de um encontro tão quente assim há anos. Nem
mesmo na minha adolescência quando era cheio de mãos afobadas em todos
os lugares. Pablo me solta com um grunhido e se afasta para que eu possa
caminhar até minha porta e eu lembro que preciso respirar para continuar o
que estamos fazendo sem desmaiar.
Abro o portão e seguimos o caminho em silêncio, meus nervos em
alerta máximo. A presença de Pablo atrás de mim é tão grande que eu quase
não consigo respirar. Paro na frente da minha porta e por um momento eu não
sei o que eu devo fazer. A mão de Pablo toca a base da minha espinha e eu
fecho meus olhos com o contato.
— Chaves.
O som rouco próximo da minha orelha corre direto para minha
virilha. Me atrapalho com as mãos nos bolsos e grunho ao encontrar o molho
de chaves e inserir a certa na fechadura. Quando o clique ecoa, o toque de
Pablo em minha espinha é mais firme e sou empurrado para dentro e a porta é
fechada atrás de nós. Agarro o tecido fino da sua camisa e o bato contra a
parede, impaciente para provar toda a pele que poderia alcançar.
Sinto o corpo de Pablo trêmulo quando minha boca suga seu pescoço.
Desabotôo sua camisa e beijo a pele lisa do seu peito, saboreando o doce
gosto. Os piercings brilham, chamando minha atenção para eles, e minha
língua toca o metal frio fazendo Pablo ofegar e arquear. Ergo meus olhos para
os seus, escuros e encapuzados, os dentes prendendo o lábio inferior.
— Estou morrendo de vontade de descobrir se você é tão bom na
vida real quanto nas minhas fantasias — sussurro.
Pablo solta um gemido, seus dedos entrando por meus cabelos e
apertando o topo.
— Você é tão sexy.
Sorrio e termino de desabotoar sua camisa quando caio sobre meus
joelhos e deixo uma lambida em seu abdômen, a fina trilha de pelos acabando
no cós de sua calça jeans branca. Levanto o rosto para observá-lo e o vejo
engolindo em seco.
— Tudo bem, GQ?
— Eu... Já faz algum tempo.
Assinto, puxando o botão de sua calça aberto e seus olhos baixam
para os meus conforme abaixo o zíper devagar.
— Pode ficar bagunçado, Nico. E rápido.
Sorrio ao puxar sua calça até o meio de suas coxas e vejo sua cueca
preta e o contorno de seu pau.
— Eu gosto de um pouco de bagunça.
Afundo meu rosto em sua virilha, seu aperto em meus cabelos se
intensificando. Deixo minha língua traçar o contorno de seu pau na cueca e
isso faz com que Pablo bata a cabeça contra a parede e feche os olhos
apertados. Eu me levanto, deixando minha boca tocar cada parte de seu peito
e pescoço antes de chegar a sua boca e provar mais uma vez seu gosto.
Meus dedos tocam seu pescoço e mergulhando mais abaixo. Meu
polegar brinca com seu mamilo, torcendo um pouco o piercing e fazendo-o
ofegar. Sorrio, beijando um caminho da sua orelha até o oco de sua garganta.
— Então você tem um tesão por mim? — murmuro contra sua pele
quente.
— Você é sexy, como não teria? Todas essas tatuagens... — Pablo
engasga quando meus dentes mordiscam seu mamilo e minha língua brinca
com aquele pequeno objeto brilhante. Posso estar um pouco viciado neles. —
Eu quero olhar para você por horas. Eu quero tocá-lo...
Sua voz falha quando aperto minha mão contra seu pau duro. Seus
dedos sobem por minhas costas e se enfiam em meus cabelos quando minha
mão entra por dentro de sua cueca e gemo ao sentir o peso e envolver meus
dedos ao redor da sua carne quente.
— Vamos fazer isso divertido, mas devagar, GQ. Um passo de cada
vez, pode ser?
O gemido que Pablo solta poderia me ter feito gozar em minhas
calças um pouco. Então há aquele grunhido rouco e grosso que ele solta
sempre que parece um pouco irritado.
Eu adoro esse som. Vai direto para minha virilha.
— Devagar? Porque devagar?
— Porque eu quero que isso seja longo e prazeroso para você, e que
você confie em mim.
Pablo fica quieto e ergo meus olhos para os seus. Seu rosto é sério e
seus olhos levemente cerrados na minha direção. Suas sobrancelhas franzem
levemente quando sua mão envolve meu queixo com dedos firmes quando
sua voz grossa sai baixa.
— E porque eu deveria confiar em você?
— Porque a confiança é a base de tudo — falo sem tirar meus olhos
dos seus. — Você precisa confiar no seu parceiro, GQ, mesmo que seja
apenas diversão.
Pablo lambe seus lábios, seus olhos presos nos meus e passando
tantas emoções que eu não sei descrevê-las com precisão. Suas mãos correm
por meu rosto e cabelos, descendo por minha nuca e seus dedos se prendem
lá, me mantendo no lugar.
Não que eu fosse correr para longe dele.
— Eu não confio facilmente. Portanto, se eu disser algum dia que eu
confio em você, não faça eu me arrepender. Faça por merecer, Nico.
Apoio minha testa na sua e solto o ar que eu nem sabia que estava
prendendo.
— Eu farei, Pablo.
Tomo sua boca mais uma vez e o puxo para longe da parede, o
levando aos tropeços para minha sala pouco iluminada pela luz do poste da
rua passando pela janela. Eu o devoro, minhas mãos tateando sua pele
enquanto seus dedos apertam meu braço e cabelos. Paro e puxo minha cabeça
longe da sua para conseguir respirar.
— Foda-se porra, seu gosto é tão bom.
Pablo solta um gemido rouco com a minha fala e eu o empurro contra
o sofá. Seu corpo desaba sobre o estofado e eu caio de joelhos entre suas
pernas. Suas mãos agarram minha camisa e rasga o tecido fora expondo meu
peito subindo e descendo com a respiração difícil.
Ninguém nunca rasgou uma roupa minha assim.
E, inferno do caralho, se isso não é quente.
— Você me faz perder a cabeça, Nico.
Merda, essa voz...
Fecho meus olhos quando seus dentes mordiscam meu lábio inferior
enquanto suas mãos exploram meu peito e abdômen. Seu polegar encontra
meu mamilo e o acaricia, me fazendo ofegar e inclinar a procura do seu
toque.
— Eu quero sentir o gosto... Da sua pele... Oh, merda, GQ!
Meus olhos abrem quando sua mão escorrega sobre a frente da minha
calça e massageia meu pau enquanto seu polegar continua me estimulando.
Eu me estico com seu toque, arfando quando aperta meu pau ao mesmo
tempo em que seus dentes mordem meu pescoço.
— Pablo...
— Isso, diga meu nome. Implore por mim, Nico.
Minha cabeça tomba para trás, sua língua aproveitando o espaço e
passando por minha garganta. Meus dedos passeiam por sua cintura, subindo
para suas costelas e então costas para descer para sua barriga e sondar o cós
de sua cueca enquanto eu tenho minha garganta e parte do peito sendo
atacada por seus beijos.
Porra, ele se encaixa tão bem em mim.
Seu pau vaza um pouco no tecido da cueca quando o toco e seu
quadril passa a se movimentar contra minha palma. Porém, a questão que nos
trouxe aqui não é só esfregar e então gozar. Eu tenho um objetivo e quero
sentir em minha garganta quando acabar.
Apoio minhas mãos em seu peito e o empurro para longe até suas
costas baterem no encosto do sofá. Pablo grunhe, seus olhos selvagens
quando me vê lambendo meu lábio inferior.
— Eu quero tocar em você assim desde aquele dia em que eu
massageei seu corpo. Desde que vi o quão excitado você ficou e eu só queria
levá-lo em minha boca e vê-lo gozar.
Seu gemido sai torturado e engancho meus dedos nas laterais de sua
cueca, puxando-a fora. Sua bunda se levanta para me ajudar e eu sorrio ao ver
seu pau ansioso saltar livre.
— Nico! — Suas costas arqueiam quando meus dedos descem por
seu comprimento e passam por suas bolas. — Por favor...
— Tão fodidamente quente, GQ.
Sua respiração sai rasa, o meu corpo está em chamas.
Sinto água na boca ao ver a gota perolada na ponta de seu pau. Eu me
inclino, buscando o sabor que anseio tanto e minha boca se fecha na cabeça
rosada. Seu grito sai engasgado, suas mãos indo para meus cabelos e os
segurando em um aperto firme. Ergo meus olhos para vê-lo com a boca
entreaberta e seus olhos nublados.
A visão daqui é muito bonita.
Engulo seu pau o máximo que posso de uma vez até senti-lo tocar no
fundo da minha garganta. O grito surpreso dele termina em um gemido, seus
dedos torcendo meus cabelos em seu punho. Seco minhas bochechas ao sugá-
lo e passo minha mão por suas bolas pesadas conforme seu quadril fode
minha boca.
Subo minhas mãos por suas coxas, jeans e pele se misturando no meu
toque e a aspereza do tecido contrastando com os pelos macios em sua perna.
Levo minhas mãos mais acima e toco seus mamilos, colocando-o na borda e
fazendo seu corpo tremer. Eu me recuso a fechar os olhos e perder cada
momento desse homem tendo o prazer que lhe foi negado por tanto tempo.
Passo minha língua pela fenda e sorrio quando outro som sai do fundo do
peito de Pablo.
Seguro a base de seu pau em um aperto firme e com a outra mão eu
abro meu zíper e tiro meu próprio pau negligenciado, gemendo ao me tocar.
— Foda-se, inferno. Olhe para você... — Pablo segura meu rosto com
ambas as mãos. Seu rosto torturado me observa, seus dentes prendendo o
lábio inferior com fúria. — Essa boca... Cristo, essa sua boca...
O arrepio sobe por minha espinha rápido demais e eu choro ao sentir
o orgasmo vindo. Pablo xinga, seu quadril se perdendo nos movimentos e
então os jatos de sêmen tocam minha língua. Eu sugo tudo o que consigo,
engolindo em bocados enquanto gozo no chão e estremeço com a sensação.
Merda.
Não foi tão devagar quanto imaginei. Apoio minha testa contra seu
quadril trêmulo, seus dedos passando por meus cabelos enquanto eu tento
voltar a respirar normalmente. Seus dedos passam por meu queixo e inclinam
minha cabeça para trás, seu polegar limpando o canto da minha boca e então
chupando o que eu perdi.
E isso é sexy pra caramba.
— Tão melhor quanto minhas fantasias.
Suspiro, sorrindo e apoiando minha bochecha contra sua calça no
meio de suas coxas.
— Você é o homem mais quente que eu já vi, GQ.
— Idem.
Pablo me puxa para um beijo e eu me deixo afundar um pouco nele
ao sentir sua língua varrer a minha como se buscasse por seu próprio gosto
em mim enquanto seus polegares massageiam meu pescoço. Solto um suspiro
feliz quando ele se afasta e olho para a bagunça que fiz no chão e dou de
ombros. Eu posso limpar isso depois.
Meu celular toca em meu bolso, chamando nossa atenção. Puxo o
aparelho e vejo o nome de Sandra nele.
— Droga. Eu... Eu preciso atender.
— Não se preocupe com isso. Talvez seja Lucas. Você deveria
verificá-lo.
— Você não se importa? — pergunto incerto.
Pablo balança a cabeça.
— É seu filho, ele precisa ser sua prioridade. Atenda. Eu vou... —
Gesticulou para suas calças e eu sorrio.
Me levanto, meus joelhos protestando um pouco pela posição que me
impus nos últimos minutos.
— Claro. — Aperto o botão antes que a chamada caia e a voz de
Sandra surge. — Oi, Garnet. O que houve?
— Não fique histérico.
Franzo minhas sobrancelhas com o aviso em sua voz ao apoiar o
celular no ombro para fechar minhas calças.
— Se você me disser para não ficar, então eu vou ficar.
Sandra geme do outro lado.
— Estamos no hospital.
— Vocês o quê? — grito, o que chama a atenção de Pablo abotoando
suas calças. — Em qual hospital? E por quê? Foi uma convulsão? Ele caiu?
— Palma, palma, palma! Não criemos pânico!
— Eu não estou para brincadeiras, Sandra — rosno no telefone.
— Pelas bolas peludas... Nico, acalme-se, okay? Só estou ligando
para te avisar que estamos no hospital, mas Lucas está bem. Foi apenas um
ataque de ansiedade, mas o médico pediu para falar com você.
— Eu já estou indo. Me mande o nome do hospital por mensagem.
— Venha com cuidado.
Desligo o telefone e me viro para olhar para Pablo sem saber o que
dizer. Entretanto, o homem parece mais nervoso do que eu.
— Lucas está bem? Eu ouvi sobre o hospital. Ele se machucou?
Balanço a cabeça e olho para a tela apagada do meu celular.
— Não. Foi um dos ataques de ansiedade. Sandra disse que estava
bem, mas o médico quer falar comigo.
— Claro. Você deve ir — disse, acenando para a porta.
Arqueio minhas sobrancelhas e então Pablo sorri de lado ao esfregar
a têmpora.
— Você vai assim que eu sair da sua casa. Claro. Eu...
Eu rio, enfiando meu celular no bolso e resgatando as chaves do
carro. As chaves ainda estão penduradas do lado de fora da porta. Uma
demonstração clara de como eu não penso quando Pablo está por perto.
— Você pode ficar, GQ. Eu só não sei que horas eu vou voltar e...
— Não se preocupe comigo. — Sorriu de lado e deixou um beijo
quente no canto da minha boca. — Esse foi o melhor segundo encontro que já
tive.
— Eu mal posso esperar pelo terceiro, então — falo, acompanhando-
o para fora.
Pablo enfia suas mãos nos bolsos e assente.
— Me envie o lugar e a hora do próximo. Dizem que o terceiro
encontro é ideal para se acabar na horizontal sobre superfícies macias. —
Pisca, me fazendo atrapalhar com as chaves ao trancar o portão. Pablo ri
baixinho e aponta para meu peito. — Não se esqueça da camisa, Nico.
Olho para baixo para os botões estourados e sorrio. Realmente não
penso muito quando esse homem está por perto. Eu olho na sua direção, mas
recebo apenas as luzes do seu carro ligando e então ele se foi. Meu celular
vibra com a mensagem de Sandra com a localização do hospital e eu suspiro,
empurrando a neblina doce do orgasmo para o lado e destrancando o portão
mais uma vez.
Eu preciso estar vestido para ir ao socorro do meu filho.
Olho para o teto do meu antigo quarto, ainda sem conseguir dormir
direito. Foi uma noite insone cheia de pensamentos conflitantes. Reviro no
colchão, meu corpo um pouco suado pela noite extremamente quente e nem
meu ventilador deu conta de aliviar. Inferno... Esfrego meu olho, voltando até
a casa de Nico onde eu tive o orgasmo mais arrebatador da minha vida.
Um orgasmo desses acaba com a vida de uma pessoa.
Vicia.
E eu me sinto viciado pela boca do Nico. Desde esse último encontro,
trocamos mensagens sujas e outras mais amenas, com comentários sobre o
dia cansativo e como queria apenas um banho quente. Então fazíamos a curva
falando sobre como seria bom se esfregar um contra o outro debaixo de uma
ducha. Dependendo de onde eu estou, acabo com um pau duro e com vontade
de ir até onde Nico está e acabar com a tortura. Porém, não é tão simples
assim.
Temos uma vida além do sexo por telefone. Ou boquetes ao invés de
jantares. E isso me lembra que eu tenho um encontro na segunda com Maria
Cecília e o corretor. Parece que um comprador surgiu e precisamos decidir se
o valor que oferece é suficiente. Por mim, eu venderia sem nem mesmo olhar.
Quanto antes me livrar daquela mulher, melhor para mim. Só que Maria
Cecília não venderá por nada menos do que seu bolso pede. E ele pede muito.
É sorte que alguém com dinheiro esteja querendo comprar aquele
apartamento.
Volto a revirar na cama e suspiro, decidindo que seria melhor
levantar de uma vez e sair para uma corrida. Há algum tempo eu não fazia
isso e meu corpo estava começando a implorar por um movimento. Espalmo
a mão sobre meu pau quando ele instantaneamente pensa em Nico e um bom
movimento sobre uma cama.
Sobre o chão.
Um sofá.
Uma parede...
— Maldito!
Algo se parte contra a parede e arregalo meus olhos. Eu sento sobre a
cama, assustado com o grito da minha irmã reverberando pelas paredes da
casa. Olho para o relógio e vejo que ainda não são nem oito da manhã de um
sábado que deveria ser preguiçoso já que eu deixei o trabalho para meus
supervisores e só estaria disponível pelo celular caso o prédio estivesse em
chamas.
Tiro minhas pernas da cama e me levanto ao mesmo tempo em que
outro grito de Luna ressoa pela casa, então eu estou preparado para descer e
bater no intruso que está fazendo minha irmã gritar. Agarro um dos vasos
grandes que minha mãe tem em todos os corredores da casa – a mulher adora
uma planta – e desço correndo as escadas com minhas irmãs atrás de mim.
Quando chego ao corredor da cozinha eu vejo Luna debruçada sobre
a bancada, um papel pendendo entre seus dedos enquanto seus ombros
tremem. Há cacos de um copo quebrado, o leite escorrendo pela parede que
eu pintei mês passado.
— Luna?
Seus olhos se erguem para os meus, vermelhos e com lágrimas
escorrendo por suas bochechas sardentas.
— Deus, Luna. O que houve? — Olívia pergunta.
Nossa mãe se espreme entre nós e vai até onde Luna está, passando a
mão sobre seus ombros trêmulos e a puxa para se sentar em uma das cadeiras
da mesa. Coloco o vaso no chão enquanto Ivete busca um copo de água com
açúcar.
— Eu recebi isto ontem da minha advogada e não tive coragem de
abrir. Então eu não dormi a noite toda pensando sobre o que deveria estar
escrito. — Luna limpa a bochecha com o punho e funga. — E agora que li
me arrependo amargamente.
Sento de frente a ela e tiro o papel de sua mão para ver do que se
trata. Quando vejo o símbolo da vara da infância eu fecho meus olhos e solto
um suspiro. Depois de tanto tempo, o resultado finalmente havia saído.
— Merda, Luna. — Ivete fala por sobre meu ombro ao entregar o
copo. — Eu pensei que eles dissessem o resultado na hora.
— O juiz disse que a guarda seria totalmente minha, então aquele
desgraçado filho da puta chorou e entrou com aquela coisa que não lembro o
nome. — Luna gesticula com a mão e esfrega o rosto. — Quando o pai diz
não e você vai chorar no colo da sua mãe e ela concede seu desejo.
Termino de ler o papel e olho para minha irmã.
— Ele recorreu.
— Isso. O processo correu sem precisar ir até a sala do juiz. E então
ele emitiu a decisão pelos advogados. Ele tirou meus filhos, mãe! — Luna
exclama com fúria. — Theodoro mostrou provas de que não posso criar meus
próprios filhos! Que eu os deixo sozinhos e com pessoas estranhas para
festejar! O cretino mostrou uma foto do meu filho com Nico um dia que não
pude pegá-lo depois do trabalho. Eu trabalho como uma condenada para
conseguir suprir as necessidades dos meus filhos porque, se dependesse da
merreca de pensão que o cretino deposita, meus filhos estariam passando
fome!
— Eu juro que vou usar meu réu primário matando aquele ordinário
— Olívia diz.
— Porque eu me casei com ele, mamãe? Por quê? — Luna chora.
— Porque você o amava, filha. O amor nos faz cometer coisas
estranhas, como se casar com as pessoas erradas.
Desvio meus olhos para a janela e fecho meus dedos em um punho
apertado. O meu erro não havia gerado filhos. E mesmo se tivéssemos, eu
não iria tirar as crianças da mãe se eu soubesse que Maria Cecília fosse boa
para eles. É um ato de egoísmo tirar as crianças da mãe apenas para provar
que seu dinheiro pode.
O som de passos soa nas escadas e meus sobrinhos surgem coçando
os olhos sonolentos. Angelita vê o papel na minha mão e passa para o lado da
mãe enquanto Ângelo sobe em seu colo. Nossa mãe cruza os braços e dá um
passo para o lado, seus olhos furiosos com toda essa situação.
— Mamãe, porque “tá” chorando? — Ângelo perguntou se
aconchegando abaixo do queixo de Luna.
— Não se preocupe com isso, bebê. A mamãe teve um pesadelo.
Angelita enfia o polegar na boca, mordiscando. Seus olhos ainda
grudados no papel sobre a mesa como se fosse um animal exótico que
poderia atacá-la a qualquer momento.
— O papai ganhou, não é?
Luna fecha os olhos, os braços envolvendo Ângelo e Angelita em um
abraço apertado. Beija a lateral da cabeça da filha e isso faz meu coração se
apertar por ela.
— Sim — sussurra.
— Eu não quero ir. — Angelita balança a cabeça. — Eu não quero
ficar com o papai e aquela mulher estranha.
— Ela me belisca quando o papai não vê — Ângelo diz.
Cerro meus olhos na direção dele quando Luna se estica e olha para o
rosto do filho.
— Aquela mulher faz o quê, bebê? — Luna pergunta com a voz
falha.
— Belisca o Ângelo — Angelita disse no lugar do irmão. Cruzou as
mãos sobre a mesa com olhos sérios. Crianças não deveriam sustentar esse
tipo de olhar em rostos tão angelicais. — E diz que vai nos dar veneno
quando falarmos sobre isso com o papai.
— Ou que vai nos mandar para o Ferest.
— Everest, Ângelo — Angelita diz suavemente.
— Sim, eu vou matar aquele cretino — Olívia espuma. — Alguém
sabe onde consigo uma arma ilegal?
Ivete balança a cabeça.
— Isso não pode acontecer. Não há como recorrer mais uma vez?
— Eu não sei. Eu entendo de vendas, não de Direito. — Encolho os
ombros.
— Ninguém vai enviar meus bebês para lugar nenhum. — Luna
funga e os aperta em seus braços. — Eu tenho o dia de folga. Eu vou ter uma
reunião com a advogada Alessandra e...
— Mamãe, hoje é dia de piscina com o Lucas.
Luna esfrega os olhos, seus ombros caídos.
— Sim, me desculpe, mas a mamãe não vai poder levá-los, querido.
Seu pai... Seu pai provavelmente virá buscá-los hoje.
Ângelo balança a cabeça, seus braços se agarrando ao redor do
pescoço de Luna enquanto Angelita faz seu caminho para se espremer no
colo da mãe. Deus, essa cena é triste. Esfrego meu rosto enquanto as crianças
choram em silêncio. O cheiro de café inunda a cozinha e vejo minha mãe
resmungando na pia sobre cretinos imundos precisarem de uma surra.
— Theodoro não vai levar ninguém dessa casa hoje — anuncio me
levantando. — Eu tenho o dia de folga e eu levo as crianças para a piscina,
Luna. Você vai resolver isso com a advogada. Theodoro só vai levar essas
crianças na segunda.
— Mas e se ele...
— Não há mais. — Sentencio. Me viro para Ivete, sério. — Avise
Rhuan e Vicenzo da situação. Se Theodoro aparecer aqui terá de enfrentar os
irmãos Alencar para levar essas crianças.
— Está na ação judicial, Pablo. — Olívia suspira. — Ele pode levar
elas quando quiser.
— Ele vai levá-las segunda. Theodoro não as vê faz três semanas.
Não vai morrer se ficar dois dias sem levá-las com ele. — Gesticulo para o
papel e então para as crianças. — Que horas Nico passaria pegá-los?
— Ele marcou as nove — Luna diz.
Assinto.
— Então se arrumem. Está quase na hora.
Os dois se levantam e correm para a escada. Eu me viro para seguir
para o meu quarto e me arrumar quando meu pulso é segurado. Viro para
encontrar os olhos chorosos de Luna e sou puxado para um abraço.
— Obrigada. Obrigada por amá-los.
Afago suas costas e beijo o topo de sua cabeça.
— São minha família. Eu faço tudo por vocês.
Luna afasta e há um enorme sorriso em seu rosto.
— Vou trazê-los de volta para nós. Eu prometo. Theodoro não vai
ganhar.
Beijo sua testa e me desvencilho de suas mãos. Observo-a sair pelo
corredor quando minhas irmãs passam ao meu lado.
— Boa, irmãozinho — Ivete sussurra.
— Papai ficaria orgulhoso — Olívia diz, batendo suavemente em
meu ombro.
Eu a olho com ombros caídos. Será que ele ficaria? Eu sinto que
estou tão mergulhado dentro dos meus próprios problemas que sequer percebi
essa merda rolando sobre nossas cabeças. Papai teria percebido. Teria
ajudado antes, fornecendo suporte para Luna e ameaçando Theodoro por
ameaçar sua família.
Eu sou um péssimo irmão.
Há muito tempo eu não pude resolver o pior dos problemas de nossa
família. Estava em minhas mãos, em meus braços, e eu não pude fazer nada a
não ser olhá-lo ir embora. Ainda me culpo, mesmo todos me dizendo que eu
não poderia ter feito nada. Chacoalho meus ombros e subo as escadas. Afinal,
ficar pensando no passado não vai mudar em nada o presente ou o futuro.
Arrumo minhas coisas em uma mochila e tiro meu calção de pijama
para colocar uma bermuda solta quando minha mãe entra no meu quarto com
seus braços cruzados e o rosto com expressão fechada. Ainda bem que me
lembrei de tirar os piercings, ou eu levaria um grande sermão já que estou
sem camiseta.
— Você sabe que não precisa tomar o mundo nas costas, Pablo.
— Eu não estou fazendo isso — digo, desviando meus olhos dos seus
e pegando uma camiseta na gaveta de cima.
Ouço seus passos pelo quarto e então sua palma está no centro das
minhas costas, me fazendo fechar os olhos.
— Sim, você está. Me dói dizer isso, mas não tanto quanto deve doer
em você ouvir, mas... Você não é seu pai, querido. E eu não quero que você
tente ser.
Eu me viro, meus dentes rilhando.
— Eu sei que não sou ele. Nunca serei como o papai, mamãe, além
da aparência, mas minhas irmãs precisam de segurança. A senhora precisa.
Eu sei que não sou o papai e também não quero tomar o lugar dele, mas... Fui
o único que restou aqui.
— Não foi. Vicenzo e Rhuan estão sempre por perto e você está mais
do que na hora de seguir em frente de novo.
— Está me expulsando de casa? — pergunto com um sorriso de lado.
— Se eu estivesse te expulsando, você sentiria isso. — Sorri,
acariciando minha bochecha. — Tudo o que você poderia fazer por nós, você
já fez. Guarde seu dinheiro para você, Pablo.
— Eu estou guardando para mim — resmungo, enfiando minha
camiseta.
Minha mãe solta uma risada alta e curta ao ir para a porta.
— Claro. E a poupança no meu nome engorda todo mês pelo milagre
dos juros?
— São juros altos.
— Eu não quero seu dinheiro, moleque. Guarde para comprar uma
mansão e esfregar na cara daquela víbora peçonhenta da sua ex-mulher. E a
família que em breve você vai formar também.
— Eu não...
— Dê um beijo em Nico por mim — diz, piscando e batendo a porta
fechada.
Essa mulher...
Balanço a cabeça e pego minha mochila de cima da cama. Desço as
escadas verificando meus bolsos se minha carteira não está sendo esquecida
assim como meu celular. Sento à mesa para tomar café e vejo as crianças
sentadas sem tocar no pão e no leite. Suspiro, colocando o café na xícara
enquanto falo:
— Se vocês não comerem, não vão conseguir energia para brincar na
piscina. Vão boiar como tronco seco.
— Eu não ‘tô com fome, tio — Ângelo resmunga.
— Saco vazio não para em pé! — minha mãe grita da pia.
Como minha fatia de pão enquanto as crianças resmungam, mas
acabam comendo também. Termino a terceira fatia de bolo de laranja quando
Luna surge vestida e alisando sua blusa branca de botões. Seus cabelos
encaracolados estão presos em uma trança apertada e seus olhos vão para
seus filhos.
— Eu não quero reclamações de ninguém no final do dia, estamos
entendidos? Sejam bons. Brinquem com cuidado, respeitem as regras e não
sejam mal-educados. Se comportem com seu tio Pablo e obedeçam ao tio
Nico.
Engasgo com meu café na última frase de Luna e a observo beijando
o topo da cabeça de cada um e voltar para a porta que dá para o corredor. Ela
me olha e eu ainda estou petrificado com suas palavras. Apesar de que eu
gostei bastante de como soou isso. Mesmo eu dizendo que é tudo apenas
diversão.
— Puxe as orelhas deles se saírem da linha, okay?
Assinto, limpando minha boca e a minha camiseta. Agora eu teria
que trocar.
— Não se preocupe. Eu vou cuidar deles.
— Eu confio em você. Eu volto mais tarde, mãe!
Luna acena sobre a cabeça e sai correndo, praguejando algo sobre
perder o ônibus. Levanto-me da minha cadeira e subo as escadas correndo e
tirando minha camiseta antes de entrar no quarto. Jogo a suja no cesto e pego
outra ao mesmo tempo em que uma buzina toca no portão da frente.
Enfio meus braços pela camiseta vermelha e desço as escadas, as
crianças recolhendo suas mochilas do chão da sala. Passo a alça da mochila
pelo meu ombro e esfrego o cabelo de Ângelo e sorrio. Ele me olha e parece
um pouco mais animado. Abro a porta da frente e Lucas enfia metade do
corpo para fora da janela, balançando os braços com agitação.
— Eu tenho uma bóia de unicórnio! Meu pai me deu uma bóia de
unicórnio!
— Eu tenho de peixinhos dourados para os braços e os olhos mexem
quando eu balanço! — Ouço Ângelo exclamando quando fecho o portão atrás
de mim.
Seguro a alça da bolsa quando vejo Nico saindo do carro com óculos
escuros, seu cabelo castanho em uma bagunça sobre sua cabeça como se
houvesse acabado de acordar e saído da cama.
Nico quente entre os lençóis...
Jogo o pensamento para o fundo da mente ao vê-lo colocar os braços
sobre o teto do carro, o palito do pirulito entre seus lábios.
— Onde está Luna?
— Contratempos. — Sorrio. — Terá de se contentar com a minha
companhia hoje. Decepcionado?
— Não há decepção alguma aqui. — Sorri, tirando os braços do teto.
Deixo-me apreciar do seu corpo ao se aproximar com um largo
sorriso. Seus amplos ombros sendo abraçados por uma camiseta preta justa e
bermuda fina azul marinho. Franzo as sobrancelhas ao vê-lo abrir a porta para
Lucas descer e ajudar meus sobrinhos a subirem. Há um tom roxo na lateral
do olho esquerdo de Nico sendo escondido por pouco pela perna dos óculos.
Quando se vira para mim, eu cruzo meus braços ao ver o corte em sua
sobrancelha direita.
— Você não...
— Quer merda aconteceu com você?
Sua sobrancelha esquerda se ergue em questionamento, o sorriso
escapando um pouco.
— O quê?
— Seu rosto. O que aconteceu?
— Nada! — exclama, coçando a garganta. — Não houve nada.
— Nico, seus óculos não escondem a mancha roxa. Porque você está
machucado?
— Eu não estou machucado — fala, dando um passo para trás. O
palito rola nervoso entre seus dentes. — Os óculos são pelo sol. Eu não dirijo
muito bem de manhã sem os óculos. Olhos sensíveis, sabe? Não precisa ter
algo de errado para que eu use óculos de sol, certo? E estamos indo para a
piscina, então acho que combina.
Arqueio minhas sobrancelhas. Nico quando fica nervoso tende a falar
pelos cotovelos e esse é um desses momentos. Abro a boca para interrompê-
lo quando Lucas ri.
— Meu pai apanhou de novo.
Nico xinga baixinho e empurra Lucas para dentro do carro, batendo a
porta fechada. Joga o palito fora e apoia a mão na lateral do carro e a outra na
cintura. Me aproximo devagar e puxo seus óculos fora vendo a mancha roxa
com tons esverdeados ao redor de seu olho levemente inchado. O corte na
sobrancelha parece estar cicatrizando. Olhando de perto, vejo abaixo da sua
barba por fazer que também há manchas escondidas.
Solto um suspiro, empurrando os óculos no peito de Nico.
— De quem você apanhou?
Seu maxilar retesa e seus olhos vão para o chão. Cruzo meus braços e
diminuo a voz.
— Você não vai me dizer, Nico?
Vejo-o engolir e balançar suavemente a cabeça. Assinto, olhando
para a casa da minha mãe.
— E você ainda me pede para que confie em você — murmuro.
Passo ao redor de seu corpo e puxo a porta aberta, jogando minha
bolsa no chão e me sentando no banco. Nico para na porta, seus olhos se
prendendo nos meus.
— O bairro da que minha irmã está não é muito bom. Eu fui vê-la
ontem e acabamos em uma briga com o vizinho. — Seus dentes mordiscam o
lábio inferior e balança a cabeça. — Eu não queria dizer para não o deixar
preocupado.
— Não me contar só vai me deixar puto e desconfiado. Eu não sou
idiota — digo e gesticulo para o volante. — Sente-se e dirija. As crianças
querem ir para a piscina.
— Piscina! — os três gritam em uníssono no banco de trás.
Parece que agora eles estão animados para ir enquanto eu só quero
socar alguma coisa.
O caminho é feito em silêncio até o clube. Silêncio entre mim e Nico,
porque as crianças não param de falar. Observo as ruas movimentadas de
sábado e balanço a cabeça ao ritmo da música que toca no carro. “Under
Pressure” do Queen ecoa nos alto falantes e Nico batuca os dedos sobre o
volante.
Entramos pela portaria do clube e Nico se identifica, a garota da
portaria arqueando as sobrancelhas para o olho roxo. Passamos e paramos em
uma vaga do estacionamento não muito cheio para um sábado quente de
verão. Talvez ainda fosse muito cedo. Descemos, as crianças empolgadas
segurando suas coisas e descendo o caminho de cimento apontando para
todos os lados. Observo como meus sobrinhos acompanham Lucas sem
mencionar algo sobre estar indo devagar ou se devem ajudá-lo a passar sem
enroscar a muleta em algum buraco.
Eles simplesmente seguem. Estão atentos, mas não demonstram.
Dou um passo para frente e sou puxado pelo braço para trás. Minhas
costas batem em um peito firme e sua boca cola em meu ouvido, sussurrando
e me fazendo tremer com seu toque.
— Não fique bravo comigo. Eu não quero deixá-lo preocupado com
bobagens.
— Não são bobagens quando você está machucado — falo
entredentes. — Eu não sou uma criança para você esconder as coisas de mim.
Não vou quebrar.
— Eu sei, e me desculpe por isso. Prometo não fazer de novo. —
Nico me gira, suas mãos alisando meus braços e um sorriso pequeno em seu
rosto. — Me desculpe.
— Não use esse sorriso para me conquistar. Ainda estou bravo.
— Não estou usando meu sorriso — ele diz, mas seu sorriso ainda
está ali, agora cheio de dentes.
— Sim, você está. — Aponto.
— Está funcionando?
— Não — murmuro. — Talvez.
O sorriso de Nico aumenta e ele me beija. Rápido, mas doce. Pega o
restante das coisas no porta malas e eu o ajudo, me perguntando porque
estava trazendo uma cesta com ele. Descemos para a área das piscinas, as
crianças se amontoando ao redor de uma das mesas e jogando as coisas sobre
as cadeiras.
— Ei, ei! Protetor solar antes.
Elas gemem, mas não contestam. Sento-me em uma das cadeiras e
pego o protetor de dentro da bolsa de Angelita, passando sobre seus ombros e
então a ajudando a ajustar o nó do biquíni em sua nuca. Ângelo ajuda
passando o protetor no rosto de Lucas enquanto Nico lambuza as costas do
filho. Sorrio ao perceber a proteção dele sobre o garoto.
— Sua intenção é fazer o garoto escorregar mais fácil no tobogã?
Nico ergue os olhos das costas de Lucas e franze as sobrancelhas.
— Ele não vai ao tobogã.
— E porque não? — pergunto.
Nico abre a boca para falar, mas Lucas o interrompe.
— Porque meu pai tem medo de que eu caia, já que não tenho pernas
boas e me falta metade de um braço. Eu já disse que posso fazer, mas ele não
deixa.
— Nem de bóia, tio? — Ângelo pergunta, cutucando seu nariz.
Bato em sua mão e o olho severo e ele sorri para mim com inocência.
Nico solta um suspiro e senta na cadeira ao meu lado.
— É perigoso para qualquer um de vocês. A altura mínima é de um
metro e vinte. Nenhum de vocês tem isso.
— Eu tenho! — Angelita ergue o braço. — Mamãe me mediu essa
semana e marcou na porta um metro e vinte e dois. Eu posso.
— Não fique se vangloriando por isso. — Cutuco suas costelas,
fazendo-a rir.
— Ótimo. Lucas e Ângelo na piscina menor. Angelita, não se
machuque ou sua mãe vai me fatiar e me vender na feira como carne de
segunda — Nico fala, ajustando a sunga de Lucas em sua cintura fina.
Observo os vários cortes próximos das cirurgias feitas em seu braço,
assim como o longo corte no meio de peito magrelo. Desvio os olhos ao ver
Angelita balançando uma bóia rosa na minha direção e Ângelo babando sobre
a sua ao tentar enchê-la.
Bóias colocadas, as crianças dispersam, mas não indo longe demais.
Observo Angelita correr para o tobogã enquanto Ângelo ajuda Lucas a descer
para a piscina menor que bate em sua cintura. Recosto na minha cadeira e
coloco meus óculos de sol já que hoje promete ser um dia infernal de quente
e cheio de luz solar.
— Você sabe que o protetor só faz efeito trinta minutos antes de
entrar na água?
Nico grunhe e me viro para olhá-lo, erguendo minha sobrancelha ao
encontrar seu peito nu e suas mãos abaixando seu short e mostrando uma
sunga azul marinho. Eu posso ter mordido minha língua nesse momento, mas
tenho certeza de que meu cérebro entrou em curto.
— O que vale é a intenção. — Nico sorri e balança o frasco de
protetor na minha direção. — Minhas tatuagens precisam de proteção. Você
pode passar para mim?
Cerro meus olhos, tomando o frasco de sua mão e me levantando.
Puxo minha camiseta fora e a jogo no encosto da cadeira quando sinto a mão
de Nico se fechando em meu punho.
— Onde estão?
— Onde estão o que? — me finjo de desentendido.
Seu dedo balança na direção do meu peito, seu cenho franzido.
— Os piercings.
— Eu os tirei.
Seus dedos apertam ao redor do meu pulso e seguro para não sorrir.
— Diga que é apenas temporário.
— E se não for?
Nico grunhe, sua mão me soltando e cruzando os braços. Eu me
perco por um momento ao vislumbrar tanta pele à mostra de uma só vez. As
coxas grossas com pelos ralos, os gomos da barriga e o peitoral com
tatuagens negras espalhadas de ambos os lados e se perdendo por seus braços.
Eu quero lamber cada uma delas.
— Foda-me, você não pode fazer isso. Eu adoro aqueles piercings em
você.
Despejo um pouco do protetor em minha mão e paro logo atrás de
sua cadeira, sorrindo como um idiota. Espalho em silêncio o creme branco
por seus ombros largos, deslizando sobre seu peito em movimentos
circulares. Encosto minha boca em seu ouvido, sorrindo ainda mais ao
perceber sua respiração curta.
— Bom saber que você adora meus apetrechos. E eu vou foder você,
Nico. E quando eu fizer isso, você nem mesmo vai se lembrar do próprio
nome.
Beijo atrás de sua orelha e me endireito, sentando em minha cadeira
novamente e jogando um olhar de lado para o homem se ajustando na
cadeira. Sorrio quando Nico grunhe e coloca a bolsa de Lucas sobre seu colo.
Pego o protetor e começo a passar em meus braços, meus olhos
presos em Angelita descendo pela terceira vez o tobogã. Volto para os
meninos na piscina menor, se enturmando com outras crianças e jogando a
bola de um para o outro.
— O que houve no peito de Lucas? — pergunto suavemente.
Nico fica quieto e me viro para olhá-lo. Vejo-o observando Lucas,
suas sobrancelhas franzidas como que com dor. Levanto meus óculos e
aproximo minha cadeira da sua, tocando suavemente sobre sua mão.
— Não precisa me dizer se for tão ruim.
— Não, não é. Apenas... — Balança a cabeça e suspira. — Ele era tão
pequeno. Lutando contra tanta coisa com apenas um mês de vida e...
Cirurgias sem fim, remédios restritos, noites insones, convulsões... — Nico
esfrega sua bochecha e torce o rosto quando os dedos tocam o machucado em
seu olho. — Eu achei que ia perdê-lo quando nem mesmo eu o tinha direito.
— Sinto muito por isso. Foi uma gravidez complicada? Má
formação?
Nico ri baixinho, mas não há humor algum.
— Gravidez complicada... Foi um inferno de gestação. — Nico coça
sua coxa com a ponta do dedo, sua mente vagando longe. — Lucas teve má
formação de uma perna e alguns órgãos. O intestino é um pouco mais curto,
mas isso não foi o nosso maior problema. Seu coração não havia se formado
por completo e houve alteração na válvula cardíaca. Encurtando e tirando
todas as palavras técnicas, uma válvula aórtica bicúspide ou “VAB”, que faz
com o sangue volte ao invés de seguir em frente.
— Cristo, Nico... — murmuro, voltando a olhar o garoto brincando
na piscina.
— Lucas desenvolveu estenose aórtica ou “EA”. Ou também
conhecido como sopro. Foi feita substituição da válvula, meses de
recuperação e até hoje ainda me preocupo com qualquer sintoma que ele pode
ter. Conforme Lucas cresce, deve ser feita a troca da válvula. — Nico estica
as pernas e cruza os pés na altura do tornozelo. Seu polegar passa sobre o
dorso da minha mão. — Nós temos muitos problemas, Pablo, e é um desses
motivos que me faz continuar sendo solteiro. As pessoas não estão dispostas
a seguir ao lado de um cara com um filho cheio de problemas de saúde que
tem que correr para o hospital no meio da noite.
Balanço a cabeça, trazendo sua mão para meu rosto e beijo seu punho
sobre o batimento suave.
— São tolos, isso sim. Um homem como você, cuidando de um
menino como Lucas... Você é um excelente pai, Nico. Seria um excelente
marido também. Perde aquele que não vê.
— Mas você vê.
Olho-o com atenção e assinto brevemente.
— Eu vejo. Mas...
— Eu sei. — Nico sorri. — Apenas diversão. Não se preocupe.
Engulo um suspiro, deixando sua mão e abaixando meus óculos.
Não há como continuar olhando para esse homem sem deixá-lo ver
como essa última frase me afetara. Apenas diversão. Eu mesmo estipulei isso
em nosso último encontro. Então porque agora eu me sinto tão decepcionado
e confuso? Só porque ele me contou uma história? Uma criança pequena
lutando pela vida e esse homem lutando para manter-se de pé em uma
situação complicada como essa. Um homem que vive pelo filho. Que faria
tudo para ver o próprio filho vivo e feliz.
Deus, um homem que eu quero para mim.
Esfrego minha coxa e me levanto, precisando fazer algo para
dispersar toda essa confusão em minha cabeça. Ter alguém significa confiar.
Confiar significa se entregar. E eu não estou pronto para isso. Não estou
pronto para acabar machucado mais uma vez.
Então eu finjo que não estou parecendo uma bola de demolição ou
uma bomba prestes a explodir. Tiro minha bermuda e jogo no rosto de Nico,
sorrindo.
— Viemos para nadar também ou apenas sentar e vegetar na sombra
como senhoras?
Nico joga minha bermuda na cadeira e coloca a mochila no chão ao
se levantar. Todo seu corpo malhado e tatuado andando na minha direção
com arrogância e segurança, me fazendo querer jogar tudo para o alto e levá-
lo longo e devagar na parte de trás do seu carro.
Eu solto um grito surpreso quando sou içado sobre os ombros largos,
o mundo virando de cabeça para baixo e minha visão pega a bunda redonda
de Nico.
Não é uma visão ruim. Não mesmo.
Mordo meu lábio, minha mão coçando para deslizar por aquela curva
macia coberta por uma fina sunga azul marinho quando sinto um beliscão em
minha coxa direita.
— Ei! — grito.
— Isso é por me chamar de senhora.
A próxima coisa que eu sei é que estou afundando dentro da piscina.
Eu subo para a superfície e cuspo água, lançando meu cabelo para trás com a
mão.
— Nico! Seu cretino, filho da...
— Bomba!
Seu corpo cai ao meu lado e eu engulo um pouco mais de água.
Limpo meus olhos do cloro e vejo Nico subindo para tomar ar, seu cabelo
castanho caindo entre seus olhos azuis e um sorriso cruel em seus lábios. Eu
seguro o impulso de ir até ele e tomar sua boca em um beijo quente. Então eu
faço o que é mais óbvio: eu afundo sua cabeça para dentro da água mais uma
vez ao mesmo tempo em que as crianças pulam na água.
E o sábado está apenas começando.
Observo Pablo brincando com as crianças na piscina, seu braço
envolvendo as pernas de Lucas sentado sobre seu ombro e o mantendo em
segurança. Ângelo está pendurado no outro braço enquanto Angelita atira a
bola para eles pegarem. Eu tiro um pirulito da bolsa de Lucas e o descasco,
enfiando na boca enquanto aproveito a sombra fresca.
Pablo joga a cabeça para trás ao rir e então levanta Ângelo com a
mão em seus pés e o joga para cima para cair do outro lado na água. Seu
sobrinho volta à superfície rindo, suas bóias o ajudando a flutuar sem
problemas. Olho para Lucas rindo e pedindo para Pablo fazer igual. Cruzo
meus braços quando o vejo dissuadi-lo com brincadeiras e o puxando pela
cintura e o ajudando a nadar. Parece um polvo com câimbra, mas meu filho
está feliz e é isso o que conta.
Angelita salta nas costas de Pablo, que quase afunda, e a leva pela
piscina. Eu sorrio sem perceber enquanto continuo observando. É tão notável
o quanto Pablo ama seus sobrinhos e a forma como cuida deles. Lucas é
inserido no meio sem um piscar de olhos e o jeito que é cuidado... As
diferenças estão ali, mas são tão sutis. É como olhar um pai cuidando dos
seus filhos.
Esfrego meu peito, uma dor se formando ali ao perceber que esse
homem cuidando de Lucas poderia partir a qualquer momento e me deixar
com um buraco no peito. Deixar meu filho se perguntando se não foi o
suficiente para Pablo amá-lo. Sacudo minha cabeça para tirar os pensamentos
ruins e me inclino na espreguiçadeira, deixando minhas pernas no sol e fecho
meus olhos. Esfrego minha bochecha e grunho com a dor, me lembrando da
surra que eu levei.
Mais um motivo para Pablo me deixar quando descobrir, quando
perceber que eu menti. Eu peço sua confiança e continuo mentindo para ele.
Que hipócrita eu sou. Eu havia ido atrás da minha irmã, sim, mas não havia
apanhado por lá. Eu quase soquei um pouco de discernimento na cabeça oca
de Melissa, mas não ia adiantar. Quando minha irmã coloca algo em sua
cabeça, não há quem tire.
E eu fiquei muito perto de bater naquele traficante inútil que ela diz
ser seu namorado. Sandra tentou me acalmar quando saímos de lá, mas não
conseguiu. E apenas de lembrar as palavras de Melissa fazem meu sangue
ferver em minhas veias e preciso socar algo. Porém, tudo se dissolve quando
Pablo sai da piscina e sorri para mim.
Olho para seu corpo molhado, as gotas deslizando pela pele
começando a ficar morena pelo sol do dia. Eu quero lamber cada uma delas,
direto de seu corpo. Pablo senta na cadeira ao meu lado e estica as pernas,
uma poça se formando abaixo.
— Essas crianças possuem uma energia que eu não tenho. Eu nem
mesmo sei de onde elas tiram. Sequer comeram o que trouxemos.
Assinto, girando o pirulito na boca.
— Lucas sempre vai ter energia demais. Nada o faz parar. A não ser
que esteja com dores.
Pablo me olha com sobrancelhas franzidas e eu me remexo. Não
quero explicar o porquê da energia do meu filho. Não gosto de entrar no
tópico “dependente”. É algo muito forte. E isso me faz ficar estressado
porque me lembra de toda a história da mãe dele.
De repente Pablo se inclina para mim e cerra os olhos.
— Porque sua boca está azul?
Agora é a minha vez de franzir as sobrancelhas. Me endireito na
espreguiçadeira e um pensamento me bate forte na cabeça, me fazendo
gemer.
Puta merda.
Puxo o pirulito para fora e vejo a bola azul escura, o que me faz
gemer mais uma vez e xingar. Eu esqueci que Lucas adora esses pirulitos de
que deixam sua língua azul. O problema é que não é apenas sua língua que
pinta, mas sua boca inteira. E eu devo estar até com os dentes azuis agora.
— Merda, Lucas!
As sobrancelhas de Pablo se arqueiam quando franze os lábios. Atiro
um dedo em seu rosto e rosno em ameaça.
— Não se atreva a rir.
— Não estou rindo — fala, balançando lentamente a cabeça, mas
vejo o canto dos seus lábios se curvando.
— Sim, você está. — Esfrego meu rosto, jogando o pirulito na boca
outra vez. — Quer saber? Ria. Eu devo estar parecendo estúpido mesmo.
— Oh, não. Você viu seu tamanho? Eu temo pela minha vida — diz,
sua mão cobrindo a boca ao mesmo tempo em que Ângelo se aproxima com
Lucas.
— Tio, sua boca “tá” azul.
— Pai, “tá” parecendo o Pinguim no filme antigo do Batman. —
Lucas rouba um pouco de salgadinho aberto sobre a mesa e sorri na minha
direção.
— Eu acho melhor você correr, ou o Pinguim aqui vai comer suas
pernas de peixe.
Lucas e Ângelo gritam, voltando correndo para a piscina. Lucas deixa
sua muleta ao lado e se joga dentro da água, me deixando aflito por um
momento. Solto a respiração quando o vejo emergir rindo e indo até a borda
mais rasa.
Eu vou ter um infarto um dia desses. Eu sei que vou.
Viro para olhar para Pablo e o vejo olhando sério na direção da
piscina. Seu maxilar trabalhando, os dedos batucando sobre a mesa enquanto
seu cérebro trabalha com pensamentos preocupados. Eu o conheço há tão
pouco tempo e já sei o que significa esse gesto. Passo minha mão por seu
braço e isso o assusta, trazendo sua mente para mim de novo.
— O que está acontecendo? Você passou o dia todo um pouco
perdido. Problemas no trabalho?
Pablo solta um suspiro cansado e esfrega o rosto.
— Não. Hoje pela manhã... Foi um inferno.
— Eu estou aqui se quiser conversar.
Os olhos escuros de Pablo me observam e um sorriso pequeno surge.
Um sorriso que eu já o vi abrir quando está prestes a ser um pouco malvado.
Eu adoro esse sorriso.
— Desculpe, mas não consigo levá-lo a sério com essa boca azul,
Pinguim.
Solto uma gargalhada e atiro o palito do pirulito nele, quase
acertando sua bochecha. Pego os guardanapos que trouxe e esfrego minha
boca até tirar o máximo do azul e bochecho com um pouco de água para
livrar meus dentes do corante. Me sentindo um pouco mais normal, puxo suas
pernas para mim e meus dedos pressionam o meio de seu pé fazendo com que
um gemido saia de sua boca e que vai direto para o meu pau.
Cristo. Senti falta desse som.
Pablo joga sua cabeça para trás no encosto da cadeira e seu corpo
escorrega um pouco na cadeira conforme meus dedos trabalham em seu pé.
Passo o polegar na curva interna sem tirar meus olhos de seu rosto relaxando.
Quando pressiono seu calcanhar, Pablo solta outro gemido, mas desta vez um
pouco mais profundo e rouco. Se eu continuar com essa massagem e Pablo
continuar com os gemidos eu posso acabar gozando na minha sunga.
Troco de pé e o homem parece querer me salvar da minha miséria ao
abrir os olhos e mirar em mim.
— Theodoro tirou as crianças de Luna.
Meus dedos param no arco do pé, minhas sobrancelhas subindo.
— O quê? Você está brincando, certo?
Pablo balança a cabeça e olha o fundo do guarda-sol.
— Luna recebeu a carta do juiz ontem, mas viu apenas essa manhã.
As crianças sabem da decisão. Porém, eu disse que o cretino só vai levar
essas crianças na segunda. E, claro, vamos recorrer a isso mais uma vez.
Theodoro não vai ficar com eles. — Os olhos de Pablo voltam para os meus.
O castanho escuro mostrando determinação, segurança. — Eu não vou
permitir isso. Nunca.
— Como Luna está? — pergunto, meus dedos afundando em seu pé e
fazendo seus ombros relaxarem mais uma vez.
— Triste. Despedaçada. Uma mãe destruída. — Pablo volta a olhar
para a piscina e suspira. — Essas crianças são tudo para ela. Minha irmã pode
ser um pouco avoada, mas é a melhor mãe que conheço. Dedicada, atenciosa,
amorosa. Theodoro nunca foi metade do que Luna é. Ele esqueceu Angelita
duas vezes na escola porque estava no trabalho. Imagine esse homem com a
tutela deles? Porra.
Puxo as pernas de Pablo, fazendo a cadeira arrastar para mais perto.
Suas pernas envolvem minha cintura e seus olhos voltam para mim, uma
sobrancelha arqueada. Minhas mãos esfregam suas coxas e as aperto
enquanto falo.
— O juiz vai cair em si. Peça para ele ouvir as crianças. As vozes
delas são mais importantes que qualquer papel.
— Luna está correndo atrás disso com sua advogada. Eu estava
pensando... — Pablo esfrega o queixo, suas sobrancelhas vincando. — Rhuan
poderia descobrir algo. Ele é tão bom em achar coisas erradas...
Meus dedos apertam seus joelhos com suas palavras.
— Rhuan? Ele é detetive ou algo assim?
— Meu irmão é policial. Investigador. — Balança a mão e bufa. —
Aquele idiota é o melhor investigador da polícia. O Lobo. Quem diria?
Sempre tão desinteressado e...
As palavras de Pablo se perdem com o vento. Eu estou preso demais
na minha cabeça para conseguir ouvi-lo.
Investigador.
O Lobo.
Polícia.
Engulo em seco ao pensar que tudo o que eu faço pode ser
descoberto. Que eu posso ser preso. E então Lucas vai ser levado de mim.
Sua mãe vai tê-lo de novo e seu tratamento perdido. Tudo o que eu fiz vai
pelo ralo.
— Nico?
Ergo meus olhos para o rosto preocupado de Pablo, suas mãos
fechadas ao redor dos meus pulsos enquanto meus dedos cavam a carne firme
de sua coxa. Eu entrei em pânico e sequer percebi.
— Uh... Desculpe. Eu, apenas...
— Está tudo bem? — Seus olhos buscam pelos meus e eu aceno
rapidamente. — Certeza? Você pareceu um pouco perdido agora.
— Certeza. Só... Preocupado com Luna. Eu a conheço por causa dos
garotos desde o ano passado e ela é muito gentil com Lucas. Como uma mãe.
Não que seja a mãe dele, mas age como uma porque é mãe de dois, certo? Ela
não merece sofrer por causa do ex-marido. Luna é um pouco louca, mas
quem não é? Não que eu esteja ofendendo, sua irmã... Bem...
Coço minha cabeça e Pablo ri. Suas mãos envolvem meu rosto e beija
o canto da minha boca tão suavemente que eu fecho meus olhos e deixo
minhas mãos vagarem até sua cintura. Eu quero puxá-lo para meu colo e me
afundar em seus lábios macios. Entretanto, Pablo se afasta cedo demais e tira
suas pernas ao meu redor. Um sorriso estica sua boca, mas seus olhos são
curiosos.
— Você estava divagando outra vez. E eu queria saber por que ficou
tão nervoso de repente.
— Eu não fiquei nervoso. — Aponto, cruzando meus braços.
— Sim, você ficou. — Riu, esticando suas pernas e as cruzando nos
tornozelos. — Você tem uma queda pela Luna ou algo assim?
Eu bufo uma risada.
— Deus, não. Eu amo Luna como uma irmã. Não há como me
envolver com mulher já que eu sou completamente caído por paus, GQ.
Suas sobrancelhas franzem.
— E a mãe de Lucas?
Merda, falei demais.
Abro a boca para inventar mais alguma mentira louca quando dois
caras passam ao nosso lado e empurram a cadeira de Pablo. Seguro o braço
de madeira e evito de a cadeira virar e observo os caras rindo e indo para o
outro lado da piscina.
Porra.
— Mas que diabos... — Pablo resmunga.
Eu me levanto e pego minha bermuda da cadeira, enfiando minhas
pernas nela. Eu não me sequei, mas pouco me importo com isso. Passo a
camiseta pela cabeça enquanto falo.
— Acho melhor a gente ir. Está na hora do remédio do Lucas e ele
merece um pouco de descanso depois do dia de hoje.
Pablo se levanta, seus olhos ainda nos caras que desapareceram do
outro lado antes de se virar para mim com uma carranca.
— Você viu isso? Eles esbarraram em mim de propósito!
— Vamos esquecer isso, certo? — Aperto seu ombro e sorrio. —
Vamos pegar as crianças e ir para casa.
Vejo Pablo passar a mão sobre o peito e seus olhos e viram
rapidamente para a piscina. Seus ombros tremem levemente antes de balançar
a cabeça e recolher suas coisas. O que foi que eu disse agora que gerou essa
reação estranha?
Chamo pelas crianças e, obviamente, eles choram por não querer ir
embora. Lucas se aproxima lento, suas bochechas coradas pelo sol de verão e
olhos cansados. Ele vai desmaiar no carro, isso é certo. Recolhemos nossas
coisas o mais rápido que consigo e seguimos para o carro. O cansaço parece
bater sobre as crianças que se arrastam até o estacionamento. Termino de
colocar as coisas no porta-malas quando vejo com o canto do olho dois casais
se aproximarem de seus carros. O problema é que os caras são os mesmos
que empurraram a cadeira do Pablo. E o que é pior é que eles estão vindo
para nós e deixando suas namoradas para trás.
Merda.
Ajeito Lucas no banco, que sorri para mim enquanto Pablo termina
de afivelar o cinto de Ângelo. Jogo um olhar para Pablo e então seus olhos
vão para cima do meu ombro quando ouço a voz do idiota.
— E aí, suas bichas? Já terminaram o show na piscina?
Eu me afasto de Lucas e fecho a porta. Me viro devagar e olho para o
idiota número um rindo para mim.
— Não queremos problemas — digo.
— Não querem, ein? — o idiota número dois diz. — Não parecia isso
quando estavam se esfregando na frente de todo mundo por lá.
— A piscina é pública — Pablo rosna ao dar a volta no carro.
Estico minha mão e toco seu peito, o impedindo de seguir mais
adiante. Sua boca se abre e eu balanço a cabeça. Eu já passei por isso tantas
vezes e sei que o final é sempre igual.
— Nós estamos indo embora. Não queremos problemas.
— Não tem vergonha? Dois caras se esfregando na frente de crianças.
— O idiota número um me olha com nojo e meu punho se fecha. — Deveria
ter chamado a polícia.
— Não cometemos crime algum — Pablo fala.
— Estamos saindo. Sigam seu caminho que vamos seguir o nosso. —
Eu tento mais uma vez.
— Vocês, veados de merda. Toda sua raça doente deveria morrer.
— Enzo, vamos embora! — a mulher ao lado do carro grita para o
idiota dois.
— Acho melhor ouvir sua garota — aconselho.
O idiota um dá um passo para frente e eu ergo o braço de forma
instintiva para pará-lo. Uma estúpida ação. O cara toma isso como uma
ofensa, minha mão imunda tocando seu peito imaculado.
— Você tocou em mim, porra?
— Não se aproxime — rosno.
— Vou ensinar você a não tocar em mim, seu bicha. Chupador de
pau, boiola!
Empurro Pablo para trás quando o punho voa na minha direção. Eu
desvio de seus dois socos e aproveito a brecha do último para acertar suas
costelas. Ele ofega e eu o giro, usando-o como escudo quando o idiota dois
atira seu punho na nossa direção e o acerta no peito.
Seu olhar é horrorizado ao perceber que bateu no cara errado.
Aproveito sua distração e acerto seu queixo com um cruzado, o fazendo
tombar no chão desacordado.
E eu nem mesmo suei.
Atiro um olhar para o idiota um e aponto seu amigo no chão.
— Saia daqui agora ou vai acabar como ele.
— Eu vou denunciar você por agressão, imbecil!
— Faça isso — Pablo rosna. — E você vai acabar preso por ter
começado essa estupidez.
O idiota recolhe o amigo, as mulheres parecendo aterrorizadas com
tudo o que houve. Viro para o carro e vejo as crianças olhando pela janela
aberta.
— Não há nada para ver aqui. — Balanço a mão para Lucas fechar a
janela e então viro para Pablo ao meu lado. — Você está bem?
— Bem? — Pablo exclama jogando as mãos para cima. — Esses
filhos da puta nos agridem verbalmente e você me pergunta se estou bem?
Você foi como ninja ali e... Batendo... Como você nocauteou o cara? —
Passa as mãos pelos cabelos e me olha de uma forma engraçada que me faz
rir. — Você ri! Porque está rindo? A gente deveria ir para a polícia! Não,
espere. Vou ligar para o Rhuan. Ele vai vir e vai prender os caras.
Eu seguro seu pulso sem conseguir parar de sorrir.
— Pablo, pare. Você está sendo dramático.
— Eu não sou dramático, eu sou prático. Para quê ter um policial na
família... Não, espera. São dois. Caleb também é. — Suas sobrancelhas
franzem mais um pouco ao me olhar e cutucar meu peito. — Temos dois
policiais na família, eles precisam servir para alguma coisa além de falar
sobre a força das algemas presas na cama nos almoços de domingo.
Arqueio minhas sobrancelhas.
— Eu preciso perguntar sobre isso?
— Deus, não. Rhuan já me deixa traumatizado o suficiente. — Pablo
passa a mão pela testa e solta uma respiração trêmula.
Eu rio, virando-o para o carro e o empurrando para a porta do
passageiro. Lucas enfia a cabeça pela janela e eu cerro meus olhos.
— Onde está seu cinto?
— Seu cruzado de direita foi perfeito! Tio Muralha ensinou golpes
novos?
Aperto minha mão contra seu rosto e o empurro para dentro do carro.
— Feche a janela e a matraca, Lucas.
— Muralha? — Pablo pergunta da porta.
Rolo meus olhos e dou a volta no carro. Sento atrás do volante, mas
Pablo ainda está me olhando quando afivela seu cinto. Dou ré e suspiro ao
perceber que ele não vai deixar passar isso.
— Eu treino alguns dias na semana em uma academia.
— Jura? Eu nem percebi — diz, seus olhos correndo por meus
braços.
Sorrio com seu sarcasmo.
— Muralha é meu treinador de luta.
— Ele me ensinou vários golpes legais! — Lucas grita de trás.
— Tio Nico! Tio Nico! Eu posso aprender também? Por favor!
Sorrio, gostando de ser chamado assim. Viro o rosto para Pablo e
balanço as sobrancelhas.
— Se seu tio Pablo deixar...
— Se a mãe dele deixar. — Pablo vira para Ângelo e aponta. — Peça
para sua mãe.
— Ah, tio! Ela não vai deixar!
— Peça para ela. — Pablo sentencia e se vira para mim. — Isso
explica como você esquivou tão fácil. É por isso que sempre tem algum
hematoma no seu rosto? Golpes de treino?
Desvio meus olhos para a rua e dou de ombros.
— Acontece.
Sigo para a casa de Pablo em silêncio, a música soando baixa
enquanto as crianças caem em um sono cansado no banco de trás. A mão de
Pablo corre por minha coxa quando paro em um sinal não muito longe de sua
casa e me viro para olhá-lo.
— Obrigado pelo dia de hoje. E por socar os caras. Isso foi bastante...
Excitante.
— Me ver brigar te excita? — pergunto sorrindo.
— Ver todo esse corpo trabalhado se movimentando me excita. Me
faz questionar como seria vê-lo deitado de bruços sobre a cama.
Meus dedos apertam o volante quando sua mão corre para minha
virilha e fecho meus olhos ao sentir correr sobre o contorno do meu pau
semiereto. Uma buzina soa atrás de mim e Pablo puxa a mão, um sorriso
cruel em seu rosto.
— Verde significa siga, Nico.
— Foda-se você, provocador do caralho — resmungo.
Eu dirijo o resto do caminho com uma ereção dolorida enquanto
Pablo sorri convencido. Se eu não adorasse seu rosto bonito, eu poderia socá-
lo.
Estaciono na frente da casa e salto para ajudá-lo a carregar as
crianças. Luna surge na porta, seus braços envolvendo sua cintura e os olhos
esmeralda brilhando com lágrimas não derramadas. Ela estica os braços e
pega Ângelo de mim, sorrindo fracamente.
— Obrigada por cuidar deles.
— Pablo me contou. Sinto muito, querida.
Uma lágrima escapa e escorre por sua bochecha e eu a limpo
imediatamente.
— Sim. Minha advogada disse que pode consegui-los de volta, mas
pode demorar. Eu só preciso ter paciência e um pouco de fé.
Os braços de Ângelo envolvem o pescoço da mãe e se aconchega,
como se sentisse que está por perto e precisa de consolo. Eu aceno em
despedida ao vê-la subir as escadas quando Pablo volta para buscar as
mochilas. Eu as tiro do porta-malas e entrego com um sorriso quando vejo
Helena no portão.
— Como vai, dona Helena?
— Como um pote fervendo e prestes a explodir — diz, seus olhos
furiosos.
Arqueio as sobrancelhas ao fechar o porta-malas e Pablo bufa.
— Não fale assim, mãe. Nico vai pensar que é com ele.
— E porque pensaria? Um tesouro de olhos azuis como esse? — diz
apontando para mim.
Sorrio, me sentindo acanhado de repente. Enfio minhas mãos nos
bolsos da minha bermuda molhada e mudo o peso do corpo de um pé para o
outro.
— Oh! Já estava me esquecendo. — Helena bate um dedo contra sua
têmpora e abre um largo sorriso. — É meu aniversário na próxima sexta. Nós
estaremos fazendo um grande churrasco no domingo com muita carne e
comida. Sinta-se bem-vindo para vir e traga seu doce menino junto. Ângelo
ama seu garoto.
Assinto, me sentindo feliz por ser incluído na festa da família.
— Estaremos aqui. Algo para trazer?
— Além desse rostinho bonito? Não precisa trazer mais nada,
querido. — Pisca para mim e aperta minha bochecha antes de se virar.
A mulher realmente é como uma força da natureza. Pablo solta um
gemido engasgado e passa uma mão pelo cabelo enquanto sua mãe se afasta.
Eu o observo de perto e seus olhos castanhos se viram para mim com o que
parece ser dor neles.
— Você não quer que eu venha? — pergunto.
Abre a boca e torna a fechá-la, parecendo não saber o que dizer. Dou
um passo leve para trás com um sorriso de desculpas ao passar a mão por
meus cabelos.
— Sua mãe me convidou para ser agradável. Se a perspectiva de me
ver com sua família é algo que o incomoda, eu...
— Você deve vir. — Sentencia me calando. — Não me incomodo de
vê-lo com minha família, ao contrário, eu fico muito feliz que minha mãe
tenha acolhido você. Lucas ficaria feliz ao brincar com Ângelo e Angelita...
Enfio minhas mãos nos bolsos ao vê-lo observando a ponta de seus
sapatos. Eles parecem interessantes de repente.
— Qual o problema então?
Suspira, olhando diretamente em meus olhos.
— Me sinto incomodado de fazer você ficar em torno da família
louca que eu tenho e isso assustar o inferno fora de você, afugentando-o.
Eu solto uma risada descrente, sentindo a tensão sair dos meus
ombros, e isso parece fazer Pablo sorrir um pouco.
— Sua família é ótima, GQ. Você tem sorte de tê-los.
Ele passa a mão pelos cabelos e torce a boca.
— Desculpe. Você perdeu seus pais tão cedo e...
Balanço a cabeça para calá-lo.
— Não esquente com isso. Eu estou bem, isso foi há muito tempo. —
Pisco. — Te vejo depois, GQ.
Eu me afasto, sentindo meu corpo inteiro formigar. Entro no carro e
aceno para Pablo antes de dar partida e seguir para minha casa. Olho pelo
retrovisor para encontrar Lucas dormindo e aperto minhas mãos no volante.
Como entrar na casa desse homem, me infiltrar mais ainda em sua
vida e continuar mentindo? Esfrego meu rosto, torcendo a boca ao sentir
minha têmpora dolorida. E se Pablo descobrir minhas mentiras? Ele irá me
deixar. O tempo que tivemos será esquecido e eu não terei mais uma chance
para tentar... Para fazê-lo...
Fecho meus olhos ao parar no sinal e bato minha cabeça no encosto.
Inferno. Talvez Pablo saia machucado no final, mas não tanto quanto eu.
Porque, mesmo dizendo que eu sabia que era apenas diversão, eu me
apaixonei pelo homem.
Rolo na cama, meu corpo cansado de uma noite mal dormida.
Minha semana havia sido tão cheia e apertada que eu mal tive tempo de vir
para casa e conseguir descansar. O encontro com Maria Cecília foi
completamente desgastante e deixei claro para meu advogado que não quero
mais me encontrar com ela. Tudo será feito por intermédio dele e quando a
venda for completada nunca mais quero ouvir falar dessa mulher. Meu
sábado foi tomado por planilhas, caça para novos painéis de vendas e
números até fazerem minha cabeça doer.
Eu estava sentindo tanta falta da voz, do corpo e do cheiro do Nico
que eu peguei meu carro às nove da noite e saí da empresa indo direto para
casa do homem que estava perturbando minha cabeça e fazendo sentimentos
quererem ressurgir. Sentimentos que não poderiam sair da caixa bem fechada
e guardada que eu tranquei dentro do meu peito.
Porém, ao vê-lo abrindo a porta fez com meu peito expandisse e todo
o peso dos meus ombros saiu. Eu encostei minha cabeça em seu peito e
apenas senti sua respiração batendo em meu pescoço enquanto suas mãos
trabalhavam os nós em minhas costas. Um simples e inocente toque subiu
para algo mais perverso, aquecendo minhas veias e me fazendo empurrá-lo
para o quarto vazio mais próximo. Eu o beijei como se minha vida
dependesse daquilo. Eu o toquei como se fosse a primeira vez. Eu o senti
contra mim com uma urgência que nunca pensei que pudesse ter.
E quando gozamos juntos, sua respiração contra o oco da minha
garganta e meu nariz enterrado em seus cabelos, percebi que havia sido tarde
demais e a caixa havia sido aberta. Nico obteve a chave mesmo sem eu dar a
ele essa responsabilidade. E isso me assustou pra caralho. Eu poderia ter
corrido vergonhosamente para fora apenas depois de ter esfregado e gozado,
mas fui salvo por um garoto inocente de sete anos. Lucas bateu na porta
reclamando de dores nas pernas e choramingando. Eu, mais que rapidamente,
disse para Nico ajudá-lo e que o veria no churrasco da minha mãe.
Rolo mais uma vez sobre o colchão e afundo meu rosto no
travesseiro. Como vou olhar no rosto do homem? Como vou conversar com
ele quando sei que meu peito está aberto e muito fácil de ser rasgado? Viro de
lado e esfrego meu olho, não sabendo o que posso fazer. Meu estômago
ronca, mostrando que eu preciso levantar, assim como preciso ir até o
banheiro para me aliviar. Meus pensamentos e conflitos devem ficar para
depois de um bom café.
Eu não funciono muito sem café.
Desço as escadas depois de sair do banheiro e vou até a cozinha,
encontrando minha mãe e minhas irmãs cozinhando a todo vapor. Olho para
o relógio sobre a geladeira e resmungo ao ver que já são dez horas. Para
quem não dormiu direito eu levantei bem tarde.
Sento em minha cadeira de costume e puxo a xícara vazia sobre o
pires e abro a garrafa que ainda está cheia. Rhuan está sentado duas cadeiras
ao lado, mastigando um pedaço de pão. Desde pequeno eu sempre vejo
Rhuan mastigando alguma coisa. Seu estômago é do tamanho de um buraco
negro.
— Acordou tarde hoje.
Solto um resmungo e tomo um gole do café, fechando os olhos e
apreciando o sabor. O cheiro de carne permeia o ar, assim como temperos,
arroz e saladas. Eu amo o cheiro da cozinha da minha mãe. Havia sentido
muita falta disso quando estava morando no meu apartamento e quase não
vinha aqui. Porém, eu preciso me mudar logo. Tenho vinte e cinco anos,
preciso dar um jeito na minha vida.
Um pedaço de pão balança na minha frente e me viro para olhar para
meu irmão.
— Você está com aquela cara séria que me lembra o papai. O que
está acontecendo?
— Não é nada. Apenas não dormi direito.
Torço meu pescoço até estalá-lo e vejo Rhuan me observando com
olhos cerrados. Eu me viro, cortando uma fatia de pão para mim e passando a
manteiga, ignorando a presença irritante de Rhuan. Entretanto, eu não tenho
paz nessa vida por muito tempo.
— Santa merda, Pablo. Quem foi o vampiro que te sugou? —
exclama inclinando o corpo na minha direção.
Eu engasgo com meu café, um fio do líquido escorrendo pelo meu
queixo. Passo o dorso da mão ao olhar para meu irmão idiota e cerro os
olhos.
— Você não pode falar baixo uma vez na sua vida?
— Ouvi sobre vampiros sugadores. O que estou perdendo? — Olívia
pergunta se aproximando da mesa.
— Nada! — exclamo.
— Alguém deixou um chupão no pescoço do nosso inocente
irmãozinho caçula. — Rhuan empurra minha cabeça, expondo meu pescoço.
Eu bato em suas mãos, quase derrubando café sobre a mesa.
— A caçula da casa sou eu — Suzana resmunga, os dedos sujos de
tomate.
— Cristo, Pablo, esse roxo está mais para sanguessuga — Ivete fala
se aproximando. — A noite foi boa, ein?
— Mãe, acho que o arroz está queimando! — Luna grita da frente do
fogão.
— Pelo amor de Deus, deixem seu irmão em paz! E, não, Luna, não
está queimando, mas o molho está. — Nossa mãe espanta minha irmã com
seu pano de prato e toma conta das panelas.
Minhas irmãs continuam me olhando assim como Rhuan. Esfrego
meu rosto, percebendo que virei uma atração de circo em questão de cinco
minutos. Termino de tomar meu café e me levanto enxotando todos com as
minhas mãos.
— Vão arrumar o que fazer e me deixem em paz. Minha vida
romântica não é da conta de vocês.
— Romântica, ein? — Rhuan diz balançando as sobrancelhas.
— Vá se ferrar — resmungo me sentando mais uma vez e mordendo
meu pão. — Onde está seu marido, afinal de contas? Ele é o único que te
suporta.
— Caleb está no trabalho, mas ele consegue chegar para o almoço.
Nossas horas estão uma loucura nos últimos meses e quase não consigo vê-lo.
— Rhuan faz um beicinho enquanto destrincha seu pão sobre a toalha. —
Pelo menos quando temos um tempo, nossa cama nunca fica arrumada.
Solto um som de engasgo e meu estômago embrulha. Desisto do café.
— Inferno, muita informação. Vicenzo chegou?
— Está no fundo — Olívia diz acenando sobre o ombro.
— Você é muito puritano, Pablo! — Rhuan grita e eu mostro meu
dedo do meio.
Coloco a xícara suja na pia e desvio da mão ensaboada de Luna ao
tentar me bater por colocar mais louça suja para ela lavar. Vejo Vicenzo
balançando um jornal para o fogo aumentar, a velha churrasqueira do papai
sendo apoiada em uma das pernas quebrada. Puxo o som da tomada e o levo
para a mesa no meio do nosso jardim e o conecto com meu celular, colocando
uma música para quebrar o barulho de carvão crepitando.
— Oh, eu gosto dessa — Leon aponta quando “Liberdade
Provisória” do Henrique e Juliano começa a tocar.
Sorrio ao mesmo tempo em que a campainha toca. Eu me apresso
para frente, sabendo que todo mundo está ocupado, Gordo me acompanhando
trotando pela casa como um urso babão.
Abro a porta da sala e saio para a varanda, vendo Nico parado no
portão conversando baixinho com Lucas. Gordo passa por mim quase me
derrubando e começa a latir pelo jardim enquanto me aproximo sorrindo e
destranco o portão, meu coração parecendo mais leve de repente. Lucas acena
um oi rápido e dispara para dentro de casa com Gordo logo atrás. Quem disse
que o garoto precisa de muletas quando corre assim?
Nico para na minha frente e ergue uma sacola com cervejas e outra
com carne.
— Sua mãe disse que não precisava, mas eu não sei vir de mãos
vazias.
— Dona Helena disse para trazer seu filho e seu rostinho bonito. Ela
vai brigar com você, fique sabendo.
— Você também acha que eu tenho um rostinho bonito? — pergunta,
balançando as sobrancelhas.
Sorrio observando seu rosto, seu sorriso convencido com o palito de
pirulito pendendo entre os dentes, seus olhos claros de cílios castanhos. Um
pequeno corte em seu maxilar, talvez ao fazer a barba. Seu cabelo castanho
sempre bagunçado está arrumado e quero passar meus dedos por ele e sentir a
textura. Quero beijar cada parte de seu rosto, tocar cada linha e conhecer
todas as suas expressões.
Eu quero tudo dele. E sei que não posso ter.
Aperto sua bochecha e me afasto.
— Vamos entrar ou a cerveja vai esquentar.
— Cerveja quente é uma ofensa. E você não respondeu minha
pergunta.
— Nem irei. — Cruzo meus braços e inclino a cabeça de lado. —
Quantos pirulitos você tem guardado no bolso?
— Alguns? — pergunta, jogando a sacola na outra mão e puxando o
pirulito pequeno para fora de sua boca. — Talvez pacotes?
Eu rio.
— Um dente doce, ein?
— O que posso dizer? Eu gosto de chupar pirulitos — diz, a língua
passando pelo cabo enquanto sorri de forma perversa.
Pigarreio, meu pau acordando para a vida com apenas uma sugestão
de Nico sobre chupar pirulitos.
— Pare de me provocar — murmuro.
Nico ri e eu me viro, congelando no lugar quando vejo Rhuan parado
na porta, suas mãos enfiadas nos bolsos de sua bermuda. Seus olhos estão
sérios, indo de mim para Nico e então de volta. Engulo em seco e movo
minhas pernas até a escada e subindo até a entrada. Antes que eu abra a boca
para dizer algo, meu irmão se antecipa como sempre.
— Hey! Eu sou Rhuan. E você é...? — meu irmão questiona,
estendendo a mão para um cumprimento.
Nico parece um pouco receoso, mas aceita o cumprimento e tenta um
sorriso amigável.
— Nico.
Os olhos de Rhuan cerram, sua mão segurando a de Nico por
segundos a mais.
— Nico de quê?
— Belucci Fabbri.
Seus olhos se arregalam e há aquele brilho idiota que todo mundo
conhece, menos Nico. Sua boca se abre, junto com um sorriso estúpido
quando atiro meu dedo em seu rosto e rosno um aviso.
— Não!
Seus olhos desviam para mim, ainda o sorriso sujo em seu rosto.
— Eu apenas ia dizer prazer em conhecê-lo. Porque, claro, satisfação
vem depois. — Pisca para mim e eu rolo meus olhos. Se vira para Nico,
soltando sua mão e enfiando nos bolsos da calça. — E perguntar se ele
costuma ouvir sua voz de sono domingo de manhã.
Eu gemo, apoiando minha testa na palma da minha mão. Nico ri,
balançando a cabeça.
— Eu gostaria muito disso, mas não chegamos nesse estágio. Ainda.
— Pisca para mim. — E eu tenho certeza de que o nome do cantor é com
dois “t” e não “c” como meu nome, Rhuan.
— Semântica — diz, abanando a mão. Suas sobrancelhas se franzem
antes de um sorriso conhecedor surgir em seu rosto. Merda. — Oh, então ele
é o sanguessuga? Pablo, uma caixinha de surpresas. Eu não sabia que você
estava desse lado do muro também, irmãozinho.
— Cale a boca, idiota. E não se atreva a dizer sobre nada disso lá
dentro — rosno.
Rhuan ergue as mãos e dá um passo para o lado.
— Eu nunca vi ou falei sobre isso.
Caleb abre o portão e toda a atenção de Rhuan corre para o homem.
Se ele tivesse um rabo estaria balançando agora mesmo. Caleb passa por nós
e seus braços envolvem meu irmão em um abraço de urso. Eu acabo sorrindo
porque não há como ficar sério perto deles sem ser contagiado pela aura doce
que exalam.
— Você está com aquele sorriso bobo no rosto. O que você estava
aprontando?
— Oh, nada. Veja, conheça o Nico. — Abana a mão para o homem
ao meu lado parecendo tímido de repente. — Daquela dupla, Marcos e
Belutti?
— Cristo, Rhuan, é Belucci! — exclamo, acertando um tapa em sua
cabeça.
Caleb suspira, envolvendo o pescoço de seu marido com o braço.
— Você perde o amigo, mas não perde a piada sem graça. Quando
você vai crescer, sexy?
— Nesse momento, se você continuar a me chamar assim.
Solto um gemido engasgado e empurro ambos para longe.
— Por Deus, vocês são coelhos no cio. Sumam daqui.
A risada de Rhuan ecoa pela entrada e corredor. Indico o caminho
para Nico e fecho a porta, tomando as sacolas de sua mão assim que
chegamos à cozinha e as coloco sobre a mesa.
— Mãe! Nico trouxe comida!
— Eu disse que não era para trazer! — Sua voz vem da despensa e eu
sorrio para Nico quando ela emenda. — Eu tenho cara de quem precisa de
comida? De que não consigo alimentar os meus filhos?
As sobrancelhas de Nico se arqueiam quando Dona Helena surge na
cozinha com seu avental e um pacote de sal na mão. Seus olhos vão direto
para Nico, que engole em seco.
— Desculpe, senhora. Eu...
— Estou apenas brincando. — Balança a mão com um largo sorriso e
indica a porta dos fundos. — Vá e pegue algo para comer. Vicenzo já
acendeu a churrasqueira.
Indico a porta e Nico me segue com as mãos nos bolsos.
— Sua mãe quer me matar, é isso?
— Por enquanto não. Quando ela descobrir que você está querendo
entrar nas minhas calças, ela vai amarrá-lo em uma cadeira e fazer um longo
interrogatório. — Sorrio, vendo os olhos claros de Nico descendo para minha
bermuda.
— Eu não posso discordar da parte que eu quero entrar nas suas
calças, mas eu tenho preferência que você entre nas minhas.
Cerro meus olhos e abro a boca pronto para mandá-lo parar quando
Ivete surge do buraco do abismo onde estava enfiada e joga as mãos para
cima.
— Cara! Você é o pai daquele menino língua solta?
Nico pigarreia e estende a mão para minha irmã.
— Ah, provavelmente.
— Claro que é. Os cabelos e a boca são totalmente você — diz,
gesticulando na direção dele.
Nico parece um pouco incerto e acena, um sorriso de lado em sua
boca.
— As pessoas dizem.
— Vamos, sente-se lá. Há bancos suficientes para a quadra inteira
aparecer aqui. Não temos piscina, mas costumamos brincar de balões de
bexiga no final do dia com as crianças.
Ivete saltita no lugar ao falar sobre balões e desaparece na cozinha.
Olívia surge em seguida e eu quase gemo de frustração.
— Meu Deus, você é enorme. Não só alto, mas também robusto.
Quem é você? Trabalha como parede em sets de filmagem?
Nico solta uma gargalhada e eu cubro meu rosto. Eu mereço essa
família louca e eu os amo, mas eles vão acabar espantando todo mundo que
eu possa trazer para cá.
— Eu poderia, não é? — Flexiona os braços e eu quase passo minha
mão pelos músculos saltando ali. — Mas não. Eu sou apenas um massagista.
Nico, aliás. E você?
— Olívia Palito. Irmã dessa coisa aí do seu lado.
Uma sobrancelha de Nico se arqueia para mim e eu bufo quando
Olívia emenda.
— Coisa no bom sentido. Ele é o homem mais inteligente que eu já
conheci depois do papai. Se não fosse sua falta de confiança, mania de se
sentir em débito com a família e ter se casado com uma cadela, eu poderia
dizer que seu julgamento é tão bom quanto o do velho Antônio. — Olívia
aperta minha bochecha e eu enrolo meu braço em seu pescoço, bagunçando
seu cabelo. — Me solta! Me solta! Mãe, olha o Pablo!
Eu a solto e agarro o braço de Nico, puxando-o para o jardim. Sua
risada me faz olhá-lo com uma careta e o coloco sentado no banco largo de
madeira. Sento ao seu lado e sorrio para Leon bebendo seu refrigerante
quando a mão de Nico aperta minha coxa por baixo da mesa.
— Relaxe, eles são ótimos. — Seus olhos se prendem nos meus,
curiosos. — Você tem débito com sua família? Por quê?
— Nada importante — murmuro colocando um pouco de cerveja
para mim e para ele.
Sua mão volta a me apertar antes de soltar e pegar o copo. Toma um
lento gole, sua língua passeando pelo lábio inferior. Eu quero morder esse
lábio.
— Pareceu ser. Sua irmã disse e então seu rosto se transformou em
uma pedra. Poderia ter triturado amendoins com seu maxilar rangendo.
Sorrio com suas palavras. Giro o copo entre meus dedos e cerro os
olhos para o sol do meio dia sobre minha cabeça. Solto um suspiro cansado e
encolho meus ombros.
— Meu pai morreu há onze anos. Ataque cardíaco.
— Isso é terrível.
Assinto.
— Estávamos na sala e ele disse que não se sentia bem. Eu tinha
quatorze anos na época. — Olho para o jardim, para meus irmãos rindo de
algo que Rhuan disse. — Não tinha ninguém em casa. Papai estava de pé e
então não estava mais. Eu o segurei enquanto seu rosto se torcia com a dor e
todo seu corpo tremia. Eu só sabia dizer “o que eu faço? O que eu faço?” Em
segundos, papai estava ali e então não estava mais. Eu poderia tê-lo ajudado,
papai poderia ter vivido muitos anos mais, cuidado dos filhos mais novos.
Por eu não ter feito algo a mais, ele se foi. Então eu estou em débito com
minha família. Eu preciso compensá-los por esse erro que cometi.
A mão de Nico puxa o copo das minhas que sequer percebi que
tremiam e me vira de frente para ele. Uma mão segura meu ombro enquanto a
outra se encaixa em meu pescoço, seu polegar indo para trás de minha orelha
e massageando em círculos lentos e precisos. Todo meu corpo relaxa
instantaneamente.
Eu poderia me acostumar com isso.
— Seu pai morreu de um ataque cardíaco. Você não poderia ter feito
nada, Pablo.
— Eu poderia ter ligado para o hospital.
— E seu pai poderia ter morrido no caminho. Há muitas
possibilidades do que poderia ter acontecido, mas todas elas acabam com o
mesmo resultado: a culpa não é sua. — Suas mãos me apertam e Nico abre
um largo sorriso. — É lindo que você queira compensar seus irmãos pela
falta do pai, mas não sinta que é um dever. Faça por amor. Seja o irmão sério
e sexy, é o suficiente.
Faço uma careta, acertando meu punho em seu peito e o fazendo rir e
me soltar. Droga, eu poderia ter suas mãos mais algumas horas sobre mim.
Viro e vejo Leon nos observando com um sorriso quando Rhuan, Caleb e
minhas irmãs se juntam a nós na mesa. Minha mãe coloca uma caçarola de
arroz sobre a mesa quando Vicenzo distribui tábuas com carnes cortadas.
— Eu vou trazer a farofa. Luna a fez, então finjam que está gostosa
— nossa mãe sussurra antes de se virar e voltar para a cozinha quando Luna
surge com outra caçarola.
O cheiro de molho me faz esfregar as mãos. As crianças brincam com
a bola e outros brinquedos quando Luna grita por eles para virem comer. Eu
distribuo os pratos enquanto Nico fala para Lucas lavar as mãos ao mesmo
tempo em que as Cupidas aparecem ela porta, rindo alto e balançando os
potes e travessas de comida que trouxeram.
A música “Ainda ontem chorei de Saudade” tocando na caixinha de
som me faz sorrir nostálgico. Eu adoro músicas antigas porque elas me
lembram do meu pai. Ele adorava escutar essas em festas no jardim dos
fundos, iguais a hoje. Rhuan grunhe ao virar sua cerveja enquanto Olívia
bufa.
— Pelo amor de Deus, alguém tira essa música?
— Eu gosto dessa — protesto.
— É claro que você gosta — Ivete murmura.
Sorrio quando Vicenzo deixa outra tábua de carne ao lado de Leon e
então vai direto para o celular ao lado da caixinha de som.
— Cristo, quem escolheu as músicas de corno?
Arqueio as sobrancelhas quando Ivete acerta um tapa na cabeça de
Vicenzo. De repente, toda a conversa e riso para. O quintal fica em silêncio e
eu suspiro, cansado deles ficarem pisando em ovos por minha causa.
Sim, eu fui corno, mas já se passaram quase nove meses. Minha
família precisa superar isso, pois eu já superei. Apoio o queixo no meu punho
e olho para meu irmão mais velho.
— Fui eu. Algum problema?
— Uh... — Vicenzo engole e sorri em desculpas. — Ah, não foi isso
que eu quis dizer. Você sabe...
— Você tem um problema com as minhas músicas? — pergunto. —
Papai gostava delas.
Rhuan cruza os braços, um sorriso surgindo no seu rosto.
— É, Vicenzo, papai gostava delas e ele não era corno.
— Não se meta no assunto, Rhuan. — Vicenzo cutuca seu peito. —
Não estamos falando do seu gosto por tecnobrega.
— Eu não tenho gosto por tecnobrega! — Rhuan exclama
horrorizado. — Ivete que gosta!
— Não me coloque no meio da briga. — Ivete se desvia do assunto
pegando uma cerveja para si e indo sentar do outro lado e sorrindo para
Clotilde que lhe entrega uma travessa com maionese.
— Sexy, você sabe que gosta de tecnobrega — Caleb diz sorrindo.
— Só porque eu canto para você, não significa que eu goste. —
Aponta. Seu sorriso aumenta ao passar a mão pelo peito de Caleb. — “Eu
quero te possuir, quero você todinho pra mim...”
Meus irmãos gemem e apenas as Cupidas, Nico e Leon riem. Sinto a
mão furtiva de Nico por baixo da mesa, seus dedos deslizando para minha
virilha e de volta para a coxa.
Eu quero tão mal esse homem.
Eu respiro entrecortado quando seu mindinho pressiona o contorno
do meu pau semiereto e só consigo pensar em suas palavras minutos atrás
sobre entrar em suas calças. Eu quero levá-lo para o meu quarto e puxar sua
bermuda para baixo, engolir seu pau duro antes de entrar em seu buraco
apertado.
Estremeço, meu próprio pau pulsando com essas imagens. Minha
mente é puxada da sarjeta e da luxúria quando Evanilda senta do lado de
Nico e o observa com grandes olhos atrás de suas lentes grossas.
— Você é um moço muito bonito. Qual seu nome?
— Nico — diz sorrindo e beijando o dorso da mão de uma Evanilda
muito vermelha.
Marta ofega de seu banquinho ao lado e se inclina sobre Olívia
enquanto se abana.
— Senhor, que galante. — Belisca a carne em seu prato e sorri para
Nico. — Você é casado? Diga que não, porque eu preciso de uma chance.
— Não sou, mas já tenho interesse em uma pessoa muito importante.
— Nico pisca e sua mão aperta rapidamente minha coxa antes de colocar
ambas as mãos sobre a mesa.
— Perdeu a chance de um casório, Marta! — Geandra ri, colocando
maionese em seu prato e mais arroz no prato de um Leon bastante
contrariado. — Você está magro, querido. Vicenzo, não está tratando do seu
marido?
— Estou, sim, Gê. Leon é apenas difícil de engordar.
Ouço Ivete gritando para Olívia tirar o Gordo da churrasqueira e as
crianças rindo do cachorro peludo como um urso correndo pelo jardim com
três gomos de linguiça na boca. A música troca para Mamonas Assassinas e
Suzana grita um sonoro não da ponta da mesa e jogando um bolo de papel na
direção de Rhuan.
Nosso irmão, sendo o idiota que é, balança as sobrancelhas e começa
a cantar:
— Fui convidado a uma de tal suruba...
Solto um engasgo de gemido enquanto minhas irmãs o xingam de
todos os nomes e Vicenzo ri baixinho. No refrão vejo Rhuan girando e então
sua mão apalpa a bunda de Caleb ao lado e escapa pouco antes de receber um
soco.
Nico se inclina como se fosse pegar o arroz e sua voz sussurra em
meu ouvido.
— Eu gostaria muito de passar minha mão em sua bunda nua, GQ.
Fecho meus olhos, virando minha cerveja de uma só vez. Ivete
grunhe após bebericar sua própria cerveja.
— Alguém pode fazer o Rhuan ficar quieto?
— Ninguém toca nele! — Nossa mãe exclama vindo da porta da
cozinha e saindo para o quintal carregando uma travessa de salada em uma
mão e uma jarra de suco na outra. — Há meses eu não vejo meu menino
feliz. Deixe-o desfrutar.
Rhuan assente, roubando a cerveja da mão de Ivete e tomando um
longo gole.
— Sim, eu mereço. Caleb e eu passamos os últimos meses suando
para pegar o filho da puta que traficava crianças para serem escravos sexuais.
Eu passei meu aniversário afundado em relatórios e pesquisas para encontrá-
lo ao invés de estar na cama nu e aproveitando meu marido.
As bochechas de Caleb coram, mas ele não contesta as palavras do
meu irmão. Já nós fazemos um coro sobre como é informação demais. Nico
pede licença e pergunta pelo banheiro para minha mãe, que indica o lado de
dentro da casa e logo se distraindo com a conversa de Marta.
Eu giro meu copo entre os dedos, olhando ao redor para minha
família muito ocupada discutindo sobre Rhuan e sua falta de noção e as
Cupidas tentando fazer Leon comer um pouco mais. Me levanto em silêncio e
me esgueiro para dentro de casa. Pego Nico saindo do banheiro de visitas e o
puxo pelas escadas acima.
— O que estamos fazendo? — pergunta em um sussurro.
— Shh.
Empurro-o para dentro do meu quarto e fecho a porta, minha boca
tomando a sua em seguida. Seu suspiro de satisfação é acompanhado por suas
mãos envolvendo minha bunda e me puxando para mais perto, nossos quadris
moendo enquanto nossas línguas se enrolam uma na outra. Minhas mãos
exploram por dentro da sua camisa, sentindo seus contornos e desejando não
ter o tecido entre nós para poder lambê-lo e chupá-lo.
Aperto seu mamilo entre os dedos, arrancando um gemido profundo
de sua garganta. Minha outra mão desabotoa sua bermuda, não tão rápido
quanto eu preciso, e puxo seu pau para fora. Aliso da base até a ponta e Nico
puxa sua boca, batendo sua cabeça contra a parede.
— Deus, GQ. Apenas... Assim... Você vai me matar.
Sugo seu pescoço e desço, caindo sobre meus joelhos. Eu nunca
suguei um pau antes, mas como eu possuo um, acho que sei como funciona.
Tomo a cabeça inchada entre os lábios e sugo, meu sangue esquentando ao
sentir o sabor salgado. Passo a língua da base até a ponta antes de tomar seu
pau o mais profundo que consigo em minha garganta. Suas mãos se enrolam
em meus cabelos, seu quadril fodendo minha boca de forma dura.
Nunca poderia imaginar como isso é bom.
Tiro meu pau para fora e o aperto, sentindo meu orgasmo muito
perto.
— Pablo... Sua boca... Se não parar... Eu vou gozar tão forte...
Olho para o rosto corado de Nico, sua boca entreaberta e seus olhos
enevoados com desejo. Percebo que eu quero isso. Quero sentir como é tomar
cada gota da sua essência e deixa-lo esgotado e de pernas trêmulas.
Exatamente como me deixou em sua casa naquele dia.
Eu o sugo mais forte e eu vejo toda essa beleza se tornar em êxtase
brilhante quando os primeiros jatos de sêmen tocam minha garganta. Eu o
engulo, querendo mais. Não sendo o suficiente para mim.
Quando o sinto seco e amolecendo eu o solto, meu grito rouco contra
sua coxa quando gozo no chão do quarto. Apoio minha testa contra sua perna,
sentindo-me sonolento e gasto. Os dedos de Nico passam por meus cabelos e
quando o olho há um sorriso satisfeito em seu rosto bonito. Nico me ajuda e
levantar e me beija, gemendo contra minha língua.
— Apenas de pensar em como isso foi quente e insano... Eu quero
mais. — Seus dentes mordiscam meu lábio, minhas mãos deslizando por sua
pele na cintura. — Mas há pessoas nessa casa. Jesus, sua mãe está lá em
baixo.
Seus olhos estão arregalados e eu rio, beijando sua bochecha e
abotoando minha bermuda novamente.
— Volte para o banheiro e lave o rosto. Respire. Ninguém vai
suspeitar de nada. — Passo a mão por meus cabelos que estavam arrumados e
agora são uma bagunça. — Aqui o pessoal costuma ser um pouco lento.
Nico balança a cabeça e eu abro a porta para que ele saia. Seguro em
seu braço e aponto para sua bermuda.
— Eu acho que seria bom fechá-la, não é?
Seus olhos vão para baixo e então pragueja baixinho sobre não ter um
pensamento são em sua cabeça. Eu o observo descer e espero longos minutos
me recompondo antes de sair de casa. Quando chego ao jardim todos
continuam discutindo, mas agora é sobre como a farofa de Luna parece com
gosto de queimado e que o tempero de Clotilde é tão extraordinário quanto o
da nossa mãe.
Eu me sento com um largo sorriso quando olho para minha mãe
segurando seu garfo e faca. Seus olhos vão de Nico para mim e então de
volta. Seus olhos cerram, mas há um sorriso em sua boca.
Cristo, a mulher sabe o que fizemos.
Eu disse que todos eram lentos, mas me esqueci que nada passa
despercebido por Helena Alencar. Eu gemo, sabendo que uma longa conversa
me espera depois de almoço. Isso é o que eu ganho por deixar o desejo falar
mais alto que a sensatez. Jogo um olhar para Nico que pisca para mim e
continua conversando com Suzana sobre história em quadrinhos. Eu suspiro
porque eu faria tudo isso de novo apenas para ver esse brilho satisfeito nos
olhos desse homem.
Merda, estou apaixonado de verdade.
É fácil observar Pablo em seu lugar, no meio de sua família e
amigos. Sua risada flui de forma mais fácil, seus olhos enrugam suavemente
nas laterais e seus ombros não possuem as linhas tensas que estão ali durante
a semana.
Faz pouco tempo que conheço esse homem e posso dizer que quero
tudo o que for possível com ele. Quero suas risadas, quero seus sorrisos
serenos, quero suas lágrimas e preocupações. Quero estar ali quando precisar
de mim, mas para isso acontecer eu preciso contar alguns dos meus segredos.
Não seria fácil, mas também não impossível.
Solto um suspiro, meus olhos presos em como Pablo conversa solto
com seus irmãos e aceita as brincadeiras, assim como é educado com as
senhoras e cortês.
Merda, adoro quando se comporta todo engomado assim.
— Você está completamente apaixonado por ele.
Desvio meus olhos de Pablo para o homem magro sentado ao lado e
arrumando seus óculos de aro preto quadrados. Leon, se me recordo bem.
— Desculpe?
— Não desconverse, está escrito em todo seu rosto. — Seus olhos
desviam para os irmãos conversando. — E também está escrito por todo o
rosto dele.
Franzo as sobrancelhas e cruzo meus braços.
— E você diz isso por que…
— É bastante óbvio. — Riu, tomando um gole de seu refrigerante. —
Sabe, quando conheci o Pablo um ano atrás, poderia dizer que é um homem
completamente diferente de agora.
— Ele ainda era casado naquela época?
Leon assentiu e suspirou.
— Ninguém sentiu pelo divórcio. Foi como um grande alívio para a
família se livrar da cadela louca que era aquela mulher — diz balançando a
cabeça com uma expressão de desprezo. — Entretanto, Pablo saiu bastante
ferido da relação tóxica.
Assinto, sabendo muito bem como ele se sentia sobre esse assunto. E
apenas pensar em como essa mulher conseguiu machucar um homem com
um coração tão grande e gentil como o do Pablo consegue me deixar bastante
irritado.
— É uma perda dela. Pablo é… Incrível. Somente um tolo para não
ver isso.
— E você não é um, não é mesmo?
Olho para os sorridentes olhos do Leon e acabo rindo. A quem eu
tento enganar? Eu quero pegar o Pablo com minhas mãos e não deixar
ninguém mais tocá-lo. Então, sim, não sou tolo.
Vozes irrompem pela porta e um grupo de três homens surge
segurando um enorme bolo com velas em cima, Carlos se destacando por ser
um grande escandaloso. Helena solta um gritinho surpreso e suas amigas, que
me informaram serem conhecidas como As Cupidas, se levantam cantando
parabéns.
Ivete solta um assovio quando terminam e Helena assopra as velas
com entusiasmo. O homem negro que segura o bolo começa a cantar “com
quem será?” e tudo vira uma bagunça quando os filhos começam a protestar
sobre a canção. Sem perceber, passo minha mão pelas costas de Pablo em
uma carícia suave, apenas por tocá-lo.
O ruivo mais baixo abraça a Grande Mãe primeiro e, quando esbarra
em Carlos, se afasta como se houvesse se queimado. Carlos parece
estranhamente tímido só que... Ele nunca é tímido. O homem negro alto
grunhe ao colocar o bolo sobre a mesa.
— Eu quero meu primeiro pedaço — diz.
Marta entrega uma faca para Helena que me olha e balança
suavemente a cabeça em tom repreendedor. Não me escapou seu sorriso
conhecedor quando saí da casa. Muito menos seu olhar para Pablo saindo
minutos depois. Seus olhos verdes me pegaram e engoli em seco quando
gesticulou que queria falar comigo mais tarde.
Ótimo. Seria pego pela orelha por fazer coisa errada.
Pablo se vira para mim, seus olhos alegres e um largo sorriso que
mexe com meu coração e esquenta minhas veias.
— Minha família já o assustou o suficiente?
— Nem de perto — falo balançando a cabeça. — Aqueles são amigos
do seu irmão?
— São. Os melhores.
Olho mais uma vez para eles e cerro os olhos na direção do ruivo
mais baixo e para Carlos. Não há toques, mas definitivamente há algo. A
forma como se olham e como se evitam, a tensão estranha entre eles.
Cutuco Pablo nas costelas e sussurro em seu ouvido.
— Quem é aquele ali ao lado de Carlos?
— Tuco, o ruivo crossfiteiro. E Tico, o cara de mau ali, mas com
coração de manteiga.
— Carlos e Tuco são ex? — pergunto.
Pablo engasga com o gole de sua cerveja e me olha com olhos
arregalados ao limpar a boca com o dorso da mão.
— O quê? Não! De onde você tirou isso?
Encolho meus ombros, tomando um gole da minha garrafa.
— Eles apenas parecem estranhos ao redor um do outro.
Leon franze os olhos ao observá-los.
— Geralmente eles são estranhos, mas devo concordar que há algo
acontecendo.
Pablo balança a mão com descaso.
— Besteira. Carlos e Tuco estão apenas agindo como eles mesmos.
Jogo um olhar para Leon que parece pensar o mesmo que eu. Porém,
deixo o assunto de lado porque não me diz respeito e pego um pratinho com
bolo e muito chantilly. Vicenzo se aproxima da mesa, retirando sua camiseta
por sobre a cabeça e sentando ao lado de Leon enquanto Caleb e Rhuan
sentam do outro lado.
— Nós vamos jogar uma partida. Irmãos contra convidados. Nós
seremos os sem camisa, obviamente. — Rhuan balança as sobrancelhas para
Pablo que geme.
— Eu não jogo sem camisa, esqueceu?
— Uma partida, Pablo. A cadela não está mais aqui para te barrar de
jogar sem camisa — Vicenzo diz mordendo um pedaço de carne.
Franzo minhas sobrancelhas enquanto Pablo continua irredutível
sobre tirar sua camiseta para jogar. Apoio o cotovelo sobre a mesa, meu
polegar passando sobre o bocal da garrafa e meus olhos presos no rosto
sisudo de Pablo.
— Sua ex não deixava você jogar futebol com seus irmãos sem
camiseta?
Pablo olha para mim com os cantos da boca franzidos e arqueia as
sobrancelhas.
— Um dos motivos. Entende?
Assinto devagar e sorrio.
— Isso tudo é medo da bola arrancar um dos seus piercings...
As mãos de Pablo voam sobre minha boca, me calando. Seus olhos
estão arregalados e temerosos quando Rhuan xinga e Vicenzo se engasga
com a carne que comia. Percebo tarde demais que falei mais do que devia.
Eu e minha enorme boca.
— Você tem piercing? — Rhuan o olha com sobrancelhas arqueadas.
— Como você tem algo assim e eu não sei? E, por favor, me diga que não são
nos mamilos.
Pablo me solta e rosna baixinho ao ver Clotilde entregando um
pedaço de bolo para Ivete.
— Fale baixo, pelo amor de Deus!
— Jesus, imagine quando sua mãe souber — Caleb fala e ri quando
Pablo geme torturado.
— Ela vai arrancar com as unhas — Vicenzo diz assentindo com
certeza.
Faço uma careta com a imagem e me encolho com a dor. Pablo se
remexe inquieto no lugar.
— Eu fiz quando tinha dezoito anos. Foi apenas algo imprudente e
infantil, do momento. E eu estava um pouco bêbado. — Acrescenta.
Deus abençoe a cabeça bêbada de Pablo. Porque esses piercings em
seus mamilos têm me atormentado dia e noite desde que os vi. Apenas me
lembrar de como os sinto contra a língua e como Pablo geme quando toco faz
meu pau estremecer e inchar. O sorriso de Rhuan aumenta e percebo que
entreguei uma notícia cheia em seu colo sobre seu irmão mais novo.
Merda.
— Mas você ainda o mantém. Não me parece algo feito para ser
passageiro.
Pablo resmunga, cruzando os braços.
— Era para ser, mas acabei deixando por que... — Seus olhos
pousam sobre mim e prendo minha respiração quando um meio sorriso surge
em seu rosto antes de se virar para Rhuan. — É bastante prazeroso com quem
sabe manusear.
Foda-me.
Agora.
Passo a mexer com o rótulo da garrafa em minhas mãos quando
Vicenzo geme com a informação e Rhuan ri, cutucando seu marido nas
costelas.
— Escutou, meu bem? Que tal colocarmos um em você?
— Estou muito bem como estou. Não preciso de mais nada para ficar
excitado, obrigado — comenta, suas bochechas ficando rosadas.
— Bem, agora que vocês sabem, eu quero que derramem algo
também. Onde você possui piercing?
As mãos de Pablo batem sobre a mesa, seus olhos cerrados na direção
de cada um dos irmãos, exceto eu. Suas mãos já passaram por boa parte do
meu corpo, assim como sua boca, então não há nada que ele não saiba. Não
há nada além de tatuagens sobre minha pele.
Vicenzo cospe sua bebida enquanto Rhuan arqueia as sobrancelhas e
balança a cabeça.
— Eu não tenho nada. Eu sou completamente perfeito apenas com os
buracos com a qual eu nasci — diz e se vira para Vicenzo limpando sua boca
com um guardanapo e Leon parecendo muito interessado em seu bolo. —
Vicenzo? Algo a contar?
— Eu... — Suas bochechas tomam um intenso tom de vermelho e se
levanta, quase derrubando o copo de Leon com a pressa. — Preciso ir ao
banheiro.
Rhuan abre um lento sorriso ao ver o irmão correr para dentro e se
vira para Leon.
— Meu bem, — fala deitando a cabeça no ombro de Caleb — não
parece que o Leon está escondendo algo?
Caleb grunhe, seus olhos cerrados na direção do pobre coitado
arrumando seus óculos.
— Eu não sei de nada. Não me perguntem nada!
— Sim, Vicenzo tem um piercing. E eu não quero saber onde está —
Pablo diz, virando sua cerveja. Seus olhos estreitados viram para Rhuan. —
Você, o mais insuportável da família, é o único que é normal?
— O que posso dizer? — Rhuan encolhe os ombros com um sorriso e
se levanta, puxando sua blusa sobre a cabeça. — Eu tenho uma personalidade
incrível e dotes maravilhosos. Não preciso de mais nada para ser bom na
cama.
— Porra, seu ego é maior do que imaginei — Pablo resmunga.
— Não só ele — diz piscando e rouba uma das bolas das crianças
jogada no canto do jardim.
Meus olhos seguem quando Caleb se levanta resmungando e quase
afogo quando o punho de Pablo se conecta com meu estômago. Eu não
esperava por isso.
— Você e sua boca grande.
— Ei, para a minha defesa, eu não sabia que isso era um segredo. —
Sorrio passando a mão em minha barriga. — Um segredo sujo que eu gosto
muito.
Seus olhos estreitam, mas percebo que luta contra a vontade de abrir
um sorriso. Ao invés disso, seu dedo cutuca meu peito.
— Não interessa. Agora Rhuan vai ficar me importunando pelo resto
da minha vida sobre isso. Muito obrigado.
Apoio meu cotovelo sobre a mesa mais uma vez e meu queixo em
meu punho.
— O que eu posso fazer para você me perdoar, GQ?
Pablo me olha de esguelha, os olhos levemente entrecerrados. Cruza
os braços e parece pensar por um momento.
— Eu não sei. Isso que você fez é bem grave.
— Eu poderia jogar no time sem camisa por você. — Toco a barra da
minha camiseta e puxo lentamente para cima. — O que você diz? Já seria um
começo?
Seus olhos vão para a faixa de pele revelada da minha barriga e sua
língua sai furtiva para lamber o lábio inferior. Ergo um pouco mais, apenas
porque eu sei que posso e que Pablo gosta do que está vendo. Sua respiração
engata um pouco quando minha camiseta já está na altura do peito e eu finjo
coçar minhas costelas.
— Porra... — diz em um suspiro baixo. — Você não joga limpo.
— Não quando se trata de você. — Sorrio e me levanto, puxando a
camiseta fora e deixando sobre o banco. Os olhos de Pablo se erguem para os
meus e eu pisco. — E você não é muito bom em fingir que não me quer, GQ.
Me afasto pelo quintal e agarro Lucas pelo caminho, girando antes de
colocar ele no chão mais uma vez. Ângelo pede para fazer o mesmo com ele
assim como Angelita antes dos outros se aproximarem, Rhuan ainda com a
bola. Nos dividimos em três de cada lado com os sapatos marcando o gol nas
extremidades.
— A gente quer brincar também! — Ângelo exclama, tentando pegar
a bola de Rhuan.
— Posso ser o goleiro! — Lucas diz já indo para o gol oposto.
— Eu acho melhor não, Lucas. — Pablo balança a cabeça e eu estou
prestes a chamar sua atenção quando pega meu filho e o joga sobre seu
ombro. — O melhor jogador precisa estar em campo.
— Eu sou o melhor jogador, tio! — Ângelo grita tentando escalar
Rhuan que segura a bola no alto.
— Você está no time sem camisa, pequeno furacão. Vá para lá. —
Pablo dá um pequeno toque com o pé na bunda do garoto e desliza Lucas
para o chão. — Lucas é meu artilheiro. Pronto para vencer seu pai?
— É pra agora! — meu filho bate a mão na de Pablo que pisca ao
olhar para mim.
E eu? Estou sem fala.
Por um momento eu pensei que Pablo estaria vetando meu filho de
jogar, mas ele apenas remanejou de uma melhor forma. Teríamos que tomar
um pouco de cuidado ao correr, mas Lucas não estaria na linha de tiro como
goleiro. E a forma como levou tudo de maneira natural é apenas o melhor.
Não deixou Lucas pensando que é ruim, não o deixou de fora. O
incluiu. Tornou-o parte de algo. Esfrego meu peito sentindo aquela dor mais
uma vez. Aquela dor de talvez perdê-lo. E quando Pablo sorri para mim mais
uma vez, bagunçando os cabelos de Lucas, eu tento reprimir a esperança em
meu coração maltratado.
Começamos a jogar e eu uso de cada momento oportuno para bater
contra Pablo. Seja apenas tocando ou agarrando sua cintura e o impedindo de
chutar a bola. Eu preciso tocá-lo. É quase como se fosse tão essencial quanto
respirar.
— Você está abusando — murmura ao passar do meu lado.
Aperto sua bunda e isso faz com que ele tropece em seus próprios pés
enquanto eu rio. Percebo também como Tuco se mantém afastado de Carlos e
joga olhares a todo instante como se não pudesse parar de verificá-lo. É certo
que esses dois possuem uma pendência entre eles.
Sento sobre a grama e deixo minha cabeça pender entre os joelhos, o
sol torturando minha nuca e meu cansaço me pegando depois de vários
minutos jogando bola. Os irmãos de Pablo caem não muito longe, Caleb em
um amontoado com seu marido.
Minha garganta está seca e, quando penso em me levantar para pegar
um pouco de água ou talvez uma cerveja, a voz de Pablo grita sobre a minha
cabeça.
— Guerra de bexiga!
O balão explode sobre minha cabeça, a água fria descendo pela
minha espinha e me fazendo ofegar e levantar de um salto. As crianças gritam
em êxtase enquanto eu me chacoalho como um cachorro. Tiro a água
escorrendo por meus olhos e desvio por pouco de outro balão. Atiro meu
dedo na direção de Pablo.
— Você!
Os olhos escuros e perversos de Pablo aquecem minhas partes baixas,
aquele sorriso sujo fazendo com que minha espinha formigasse de
antecipação. Eu quero esse sorriso na minha cama. Esses olhos me
observando despindo, tomando-o em minha boca, seu corpo magro e definido
levando o meu lento e duro.
As gotas de água podem ter evaporado instantaneamente da minha
pele com o quão quente eu me sinto apenas com o olhar desse homem.
Um grito ecoa do meu lado direito e me abaixo quando um balão
vermelho voa por sobre a minha cabeça e rolo pela grama para recolher um
verde solitário. Alguém grita sobre molhar suas roupas enquanto os gritos de
alegria das crianças se misturam pelo quintal.
A tarde começa a cair e só restam balões estourados pelo jardim,
muita grama molhada e corpos cansados. As garotas riem tão encharcadas
quanto todo o resto de nós, as crianças recolhendo os retalhos das bexigas
para fazer pequenas bolinhas e esfregá-las contra as mãos para fazer um
barulho irritante. Percebi que, mesmo Rhuan sendo um policial conhecido
como “O Lobo”, ainda é como criança grande com tendência a irritar seus
irmãos com frequência.
A ideia das bolinhas fora dele.
Dona Helena caminha pelo jardim com toalhas em suas mãos,
distribuindo como doces. Eu pego uma azul e passo pelo cabelo ao mesmo
tempo em que ela diz:
— Nico? Podemos falar um minuto?
Minha espinha enrijece e forço um sorriso ao olhar para a mulher
sorrindo para mim.
— Claro.
Eu me levanto e lanço um olhar de desespero na direção de Pablo,
porém ele parece tão desesperado quanto eu. Pego minha camiseta no
caminho, terminando de me enxugar e a coloco assim que entramos na
cozinha. Dona Helena se vira na minha direção com as mãos na cintura e seus
olhos cerrados.
— Eu sei o que você e meu filho estavam fazendo aqui dentro.
Porra.
Sinto minha pele corando até a garganta e pigarreio tentando
encontrar minha língua que eu devo ter engolido.
— Eu...
Seu dedo se ergue e balança devagar.
— Não comece, apenas escute. Pablo é o menino mais doce que
existe nessa terra. Seu coração é puro e já foi enganado uma vez. Eu sei que
você não é como aquela mulher vil que era casada com meu filho, mas eu
tenho que proteger meus filhos e fazer o papel de pai. — Helena se aproxima
de mim e cutuca meu peito. — Ouse mentir para meu filho, traí-lo ou magoá-
lo e você se verá comigo. Você é grande, mas não é dois. Eu dobro você no
meio antes que consiga pronunciar o próprio nome. Ouviu bem?
Assinto rapidamente e engulo em seco. Dona Helena acena, como se
isso fosse o suficiente e recolhe a toalha da minha mão e abre um largo
sorriso acolhedor como se não houvesse acabado de me aterrorizar com uma
ameaça segundos atrás.
— Fica para o jantar?
Luna surge pela porta da cozinha, suas mãos se retorcendo e um rosto
apreensivo. Passa por nós e vai para o jardim, chamando pelos filhos e nós a
seguimos para fora.
— Ângelo, Angelita. É hora de ir.
As crianças param de brincar, seus rostos caindo com tristeza.
— Mãe, não quero ir — Ângelo choraminga, correndo atrás de
Rhuan.
As Cupidas observam com olhos estreitos enquanto Helena apenas
balança a cabeça. Lucas recolhe algumas bexigas e as joga em um pequeno
montinho junto com Angelita enquanto Luna e as irmãs passam a recolher as
coisas das crianças e colocando em suas mochilas. O clima suave e alegre de
repente é substituído por raiva. Tão grossa que poderia ser tocada.
Tuco, Carlos e Tico ajudam as Cupidas a recolherem a bagunça da
mesa e os bancos e cadeiras espalhados pelo gramado. Pablo balança a
cabeça e se agacha na frente de Ângelo, tocando seu braço suavemente
enquanto Rhuan abraça sua cintura pequena.
— Você precisa ir, carinha, mas você irá voltar logo. É uma
promessa.
— Jura juradinho, tio?
Pablo assente, erguendo o mindinho.
— Juradinho. Seu tio legal que vira lobo vai ajudar, não é? —
pergunta olhando para Rhuan que assente uma vez. — Viu? Pense nisso com
férias com seu pai e logo estará voltando para nós, tudo bem?
— Não gosto de férias com papai. Eu às vezes durmo sem comer
porque ele me esquece no quarto.
Minha mão se fecha em um punho apertado com as palavras de
Ângelo. Como um pai pode fazer isso para uma criança? Esquecê-la com
fome no quarto? Que tipo de pessoa faz uma coisa dessas?
Pablo se levanta e me olha, a fúria tomando seus olhos e sua
expressão. Rhuan se levanta, levando Ângelo com ele sobre seus ombros
quando Pablo se aproxima de mim.
— Eu juro que vou matá-lo, Nico.
— Se acalme. Theodoro vai dar um passo em falso e eles vão voltar
para vocês. — Passo a mão por seu ombro e aperto suavemente. — Não se
preocupe. É apenas um contratempo.
— Reze para o imbecil não falar nada de errado na minha frente ou
meu punho vai se alojar em seu rosto idiota — resmunga saindo do meu lado
e marchando para fora.
Recolho nossas coisas de maneira rápida e percebo que Lucas saiu
junto com Ângelo e Rhuan. Quando chego à frente da casa a família toda está
parada no portão vendo Theodoro colocar as crianças para dentro. Luna se
despede com um abraço de Angelita e Ângelo acena da janela para Lucas.
Paro logo atrás de Pablo, minha mão tocando suavemente sua cintura,
seu corpo relaxando contra meu toque.
— Não estamos em um enterro. Entra no carro logo, Angelita. Temos
que passar pegar a Alissa na mãe dela ainda — Theodoro late, puxando a
mão da filha e tirando de Luna.
Inferno, eu quero muito socar os dentes desse infeliz fora de sua boca
nojenta. Luna esfrega o pescoço e balança a cabeça com certa rigidez.
— Não precisa fazer isso, Theodoro.
— Eles estão comigo agora. — Ele sorri, batendo a porta fechada.
— Você nunca deu a mínima por eles, cretino. Porque simplesmente
está os levando embora? — Vicenzo rosna com os braços cruzados.
— Porque isso faz Luna sofrer. — Encolhe os ombros com um
sorriso mesquinho. — E isso é perfeito para mim.
Caralho, o homem é corajoso. Ou muito burro.
— Seu bastardo filho da pu...
Passo o braço pelo peito de Pablo, evitando que continue seguindo
em frente com seu punho levantado. Bato suas costas contra meu peito e
sussurro contra seu ouvido.
— Não dê a ele o que ele quer, GQ.
Dona Helena coloca as mãos nos quadris e se aproxima de Theodoro,
sua expressão de pedra e sua altura não a deixando menos intimidante.
— Saia da frente da minha casa agora. Recolha seu veneno e morra
com ele. — Seu dedo aponta para o carro com as crianças dentro. — E saiba
que eles não são seus. Podem ter vindo de você com certa ajuda, mas não te
pertencem.
— Eu sou o pai...
— Eu conheço homens por aí que são mais pais que você. Apenas
saia da minha frente. O pouco que eu vejo você e sinto que preciso me lavar
com água sanitária para me livrar da má energia que você possui.
Dona Helena cospe nos pés de Theodoro e vira nos calcanhares,
levando Luna para dentro. O cretino idiota entra em seu carro e sai cantando
pneu e só então eu solto Pablo. Rhuan grunhe com os braços cruzados e vira
para Vicenzo.
— Eu juro que vou encontrar algo desse cara, nem que eu tenha que
virar pedra por pedra nessa cidade infernal. Ou não me chamo Rhuan Alencar
Vasconcelos.
Caleb bufa, passando o braço pelos ombros do marido.
— Mas você não se chama assim. Há um Javier no meio.
— Esqueça esse nome, pelo amor de Deus, homem! — exclama
jogando os braços para cima.
Todos entram na casa, sobrando apenas eu, Pablo e Lucas na calçada.
Desligo o alarme do carro e Lucas me surpreende ao agarrar as pernas de
Pablo em um abraço apertado.
— Obrigado pelo jogo, tio. — Seus olhos se levantam e há um largo
sorriso em sua boca. — Você poderia ser meu pai também.
Foda-me. Crianças e suas bocas sem filtro.
Passo a mão pela nuca, pronto para começar uma longa ladainha de
desculpas pela língua do meu filho quando os olhos de Pablo se prendem nos
meus. Sérios, determinados e tão quentes que poderiam ter me derretido em
uma poça no chão cinzento.
— Não sou apenas eu que decido. — Seus olhos se abaixam para
Lucas mais uma vez e abre um sorriso, bagunçando seus cabelos molhados.
— Seria uma honra ter um filho como você. Agora monte no carro e vá para
casa. Tome um banho e escove os dentes.
— Você já fala como um pai — resmunga se afastando e entrando no
carro.
Me remexo de um pé para o outro, sem saber exatamente o que fazer
quando a mão de Pablo segura meu queixo e o vira para ele. Seu polegar
passa pelo meu maxilar, seus olhos mirando minha boca antes de fitar meus
olhos.
— Eu vejo você depois?
Solto minha respiração devagar e assinto.
— Claro. Eu... — Fecho meus olhos e torno a abri-los. — O que
Lucas falou...
Sua boca toma a minha, não me deixando terminar de falar. Sua
língua toca a minha e seu rosnado de apreciação treme contra meu peito,
minhas mãos agarrando sua cintura com força. Quando Pablo me solta, eu
estou perfeitamente confuso e uma bagunça.
— Não me dê uma resposta agora. Eu vejo você depois, tudo bem?
— Okay — falo baixinho.
Pablo sorri ao se afastar e pisca para mim.
— Você também não é muito bom em fingir que não me quer, Nico.
Observo Pablo entrando em sua casa e só então eu entro no carro.
Lucas, ocupado com seu tablet, parece não ter percebido que Pablo quase
suou meus miolos pela boca. Sento atrás do volante e passo o cinto quando
meu telefone toca. Meu sorriso morre quando vejo um número desconhecido
e que, provavelmente, é de Melissa.
Eu atendo um pouco a contragosto, pois sei que se não o fizesse teria
meu celular tocando como um louco o resto da noite.
— O quê?
— Eu quero vê-lo, Nico.
Ligo o carro, inspirando rudemente e olhando o retrovisor. Lucas
coça o nariz, alheio com quem fala comigo ao telefone.
— Não.
— Eu tenho direito de vê-lo!
— Foda-se você, Mel — rosno baixo contra o telefone. — Você não
tem direito algum aqui.
— Meu advogado vai...
— Faça o que quiser, mas você não vai ganhar e muito menos vê-lo.
Desligo o telefone e o jogo no banco do passageiro, esfregando
minha boca com raiva e quase socando o volante. A voz de Lucas me puxa
do vácuo escuro a qual estava caindo como uma tábua de salvação.
— Quem era, pai?
— Ninguém importante — digo, dando sinal e saindo com o carro.
O que não era uma mentira. Melissa não era importante e, se
dependesse de mim, nunca seria alguém na vida de Lucas além da tia
distante. Nem que eu fosse até o inferno para manter assim.
O homem em meu ouvido continua sua pequena ladainha do porque
não precisa da nossa empresa. Olho para a tela do meu celular e vejo os mais
de vinte minutos de conversa e tento não rosnar com o cabeça dura do outro
lado da linha.
Esfrego minha têmpora e me inclino contra minha cadeira
confortável ao levantar meus olhos para o teto.
— Senhor Francis, não pode nos recusar. O senhor só vai perceber o
que perdeu quando for tarde demais. E nós não costumamos fazer a mesma
oferta duas vezes.
— Eu não sei. Tudo está indo bem como está...
— Eu analisei suas vendas, senhor Francis, e elas não são tão boas.
Nós podemos triplicar isso. Se juntar seu mercado ao nosso, podemos
aumentar os ganhos em menos de três meses. Ainda acha que está indo bem?
Eu juro que tento soar razoável, mas os argumentos dele apenas
pioram e estão levando toda minha paciência. Foi um longo e cansativo dia
de uma terça-feira cruel em uma semana que começou terrivelmente ruim.
Perdemos dois clientes na segunda e meus funcionários são como toupeiras.
Eu só quero agredir alguém.
Ou talvez receber uma massagem.
Minha mente corre direto para Nico e me viro para olhar para a
janela. O sol da tarde começa a ficar mais ameno, tornando-se laranja ao
chegar perto das cinco da tarde. Eu não vejo Nico desde domingo e sinto falta
de ver seu sorriso. Apenas ouvir sua voz não é o suficiente.
Eu preciso tocá-lo.
Beijá-lo.
Em qual momento Nico se tornou tão essencial na minha vida?
Talvez eu devesse fazer uma visita surpresa em seu estúdio de massagem.
Uma imagem de seu corpo nu banhado em óleo jogado sobre aquela maca faz
meu pau encher e minha boca salivar.
— ...eu ainda me sinto receoso. Mesmo sua empresa sendo muito
bem recomendada.
A voz de Francis me puxa para a terra novamente e solto um suspiro
irritado.
— Minha última oferta, senhor Francis. Aumento em dez por cento
do primeiro valor. Vou lhe enviar o contrato para mais uma olhada. Se não
obtiver resposta dentro de vinte e quatro horas encerramos a negociação.
A linha fica muda por alguns segundos até o som da respiração alta
preencher a linha.
— Nós temos um acordo, Pablo.
— Perfeito. O contrato estará em seu e-mail ainda hoje. Agradeço seu
tempo e não irá se arrepender.
Eu desligo e rolo meus ombros, a tensão do dia me deixando rígido
da pior maneira. Foram os vinte minutos mais longos da minha vida e mesmo
sua voz soando receosa eu sabia que o tinha.
Esfrego minha nuca e me levanto, pegando meu terno da cadeira e
desligando meu computador. Olho para o relógio e penso que talvez Nico
ainda esteja atendendo e eu posso dar uma passada. Desço até meu carro o
mais rápido que posso e torço para meu telefone não tocar e alguém dizer que
eu preciso voltar para resolver algum problema.
Dirijo pelas ruas movimentadas de tráfego um pouco intenso pelo
horário de saída do pessoal do trabalho e vou até onde Nico trabalha,
estacionando o carro não muito longe. Puxo minha gravata, jogando-a no
banco de trás e deixo meu terno no banco do passageiro antes de sair do carro
para a rua quente. Caminho pela calçada dobrando as mangas da minha
camisa e pensando em como estou ansioso para encontrá-lo.
Como se fosse um adolescente vendo seu primeiro namorado.
Entro pela pequena porta do estúdio de massagem e o sino toca acima
da minha cabeça. Eva ergue os olhos da sua agenda e abre um largo sorriso.
— Pablo! Não esperava vê-lo hoje. Quer marcar um horário?
Balanço a cabeça, enfiando minhas mãos no bolso.
— Não. Eu vim apenas ver o Nico.
Seus olhos se arregalam ao se encostar-se à cadeira.
— Oh. — Então um sorriso brilhante surge e eu quero me encolher e
me enterrar. — Oh!
Me remexo no lugar e suspiro.
— Ele está com um cliente?
— Sim, está. — Gesticula a caneta para mim, ainda sorrindo. — Bata
na porta e se puder entrar ele vai dizê-lo.
Assinto e me afasto de sua mesa para entrar no pequeno corredor que
leva à sala de espera nos fundos e então a porta da sala de massagem. Paro na
frente da porta e estou prestes a erguer o punho para bater quando uma grossa
voz rouca ecoa pela madeira e paredes finas.
— Oh foda, sim! Isso, Nico. Bem nesse exato ponto.
Um arrepio desce por minha espinha e minha respiração acelera
quando parece que estou tendo um maldito déjà vu. Mesmo que Maria
Cecília não tenha gemido quando estava prestes a abrir sua porta do escritório
eu sinto como se fosse a mesma coisa. Todos os tipos de cenários passam por
minha cabeça, mas apenas uma delas me deixa completamente desnorteado e
irritado: a de Nico nu, fodendo um cliente sobre sua mesa é a principal cena
rodando sem fim na minha mente.
Minha mão se aperta em um punho quando o sentimento ruim
amarga a boca do meu estômago.
— Aqui? Você quer mais forte?
— Por favor. Oh, isso é tão bom, Nico.
Meus olhos cerram, minha nuca arrepiando como uma crista de galo,
e empurro a porta aberta sem pensar duas vezes. Meu peito arfa como se
houvesse corrido uma maratona quando olho para a mesa de massagem. O
homem gemendo deitado de bruços e o lençol fino cobrindo sua bunda
enquanto Nico afunda suas mãos nos ombros morenos.
E Nico está perfeitamente vestido.
Pisco várias vezes quando seus olhos se levantam para mim com uma
pergunta silenciosa e surpresa.
Foda-se, eu sou a merda de um homem com problemas.
Aceno por sobre meu ombro, meus olhos indo para o chão enquanto
murmuro:
— Eu vou esperar lá fora. Desculpe.
Fecho a porta atrás de mim, mortificação me preenchendo por
completo quando desabo sobre o sofá macio. Esfrego meu rosto, sentindo
minhas bochechas queimarem de vergonha por agir tão imprudente assim.
Talvez fosse melhor ir embora. Fugir como um covarde, porque é
exatamente isso o que eu sou. Porque eu pensei que Nico faria algo assim?
No lugar onde trabalha? Me levanto, pronto para escapar quando a porta se
abre e Nico sai, sua camiseta preta abraçando seu peito e seus braços tatuados
perfeitamente no lugar.
Eu sou tão idiota.
— Pablo...
— Desculpe. Não queria atrapalhar sua sessão ou constranger seu
cliente. Eu vou embora.
Dou um passo para o lado e Nico segura em meu pulso, me puxando
para mais perto. Seus olhos cerram levemente e eu busco em seu rosto algum
sinal de raiva ou decepção.
Não encontro nada.
— Minha sessão acabou. O que aconteceu ali, Pablo?
— Eu... — Desvio meus olhos para meus pés e suspiro. — Eu só
pensei errado. Eu achei que... Eu o ouvi gemer e...
— Achou que meu pau estava enterrado na bunda de um cliente?
Estremeço com sua voz plana e como isso soa tão absurdo quando
falado em voz alta. Eu sequer consigo olhar em seus olhos de tão
envergonhado que me sinto.
— Eu acho melhor ir embora.
— Você não sai daqui sem conversarmos, Pablo.
Droga, Nico não está me chamando pelo apelido. Eu acho que
estraguei tudo com minha desconfiança. Sua mão envolve meu queixo e puxa
meu rosto na direção do seu, me forçando a olhá-lo nos olhos.
— Você entendeu?
Assinto, incapaz de abrir minha boca. Talvez aqui seja o fim da linha
onde eu tenho minha bunda magra chutada. Eu atravessei além do que é
permitido com minha insegurança inútil e ele não vai querer estar por perto
de um paranóico como eu.
Nico me solta e se vira no momento em que a porta se abre,
revelando o cliente que eu atrapalhei a sessão. Seus olhos escuros me
analisam e então vão para Nico, sua boca apertada em uma linha fina.
— Sinto muito terminar tão cedo, senhor Capri. Eu o compenso na
próxima.
O homem pega a mão estendida de Nico em um aperto firme e abre
um sorriso largo. Não consigo evitar cerrar meus olhos para a maneira como
ele o olha. É como se quisesse entrar em suas calças.
— Não se preocupe. Pense na minha oferta da semana passada.
Ainda está de pé — diz ao jogar uma piscadela barata.
Nico balança a cabeça de forma séria.
— Eu já disse que não, mas obrigado. Remarcamos para a semana
que vem?
Capri assente me jogando um rápido olhar antes de se virar com um
aceno e sair pelo corredor.
Mas que diabos...? Oferta? Que oferta? Talvez fosse um cliente
especial? Eu fui um cliente e agora estou saindo com Nico. Talvez esse tal de
Capri também tenha...
— Corte essa linha de pensamento. Agora.
Desvio meus olhos do corredor e me viro para Nico com o cenho
franzido.
— Eu não estou pensando em nada.
Nico bufa, cruzando os braços e me olhando seriamente.
— Eu te conheço o suficiente para saber o que você estava pensando,
Pablo. Ainda mais depois que você irrompeu pela minha sala como se Capri
estivesse com as mãos dentro da minha calça.
Sinto minhas bochechas arderem, mas não posso me ajudar. Enfio
minhas mãos dentro do bolso e desvio meus olhos para meus sapatos.
— Desculpe, eu não deveria ter feito isso, okay? — Encolho meus
ombros e olho de lado para seu rosto. — É só que... Parecia... Inferno, Nico!
Parecia que ele estava sendo fodido, porra.
Os olhos de Nico cerram e eu percebo que falei merda. Seus olhos
azuis sempre brilhantes e calmos agora parecem com um mar tempestuoso.
— Eu não fodo onde eu trabalho, Pablo. Esse é meu ganha pão, é
como pago os remédios de Lucas e você deveria saber disso muito bem
depois de todo esse tempo nos conhecendo. Eu tenho ética.
— E eu? — pergunto, não conseguindo me conter.
— O que tem você?
— Eu fui seu cliente. E agora nós...
Nico balança a cabeça com força, me calando.
— Você é completamente diferente. Eu nunca tive uma ereção
durante meu trabalho, Pablo. Teve caras bonitos pedindo por massagens?
Sim, teve. Também alguns deles que me pediram para sair? Sim, também.
Mas eu nunca aceitei sair com nenhum deles. Você é a exceção, então não me
faça pensar que fiz errado.
Eu dou um passo para trás como se Nico tivesse me esbofeteado.
Minha mão sai do bolso, meus dedos procurando o botão do meu terno de
forma automática e pigarreio para tentar diminuir a sensação de ardência.
— Capri disse sobre uma oferta e que ainda está de pé.
— Sim. Ele me convidou para sair e eu recusei. Três vezes contando
com hoje.
Ergo meus olhos, a raiva borbulhando abaixo da minha pele mais
uma vez.
— O quê? E ele ainda tem a coragem de dizer isso na minha frente?
Convidá-lo para sair enquanto eu estou de pé do seu lado?
A cabeça de Nico pende levemente para o lado enquanto seus olhos
me analisam.
— Nós não somos um casal. Porque ele não deveria perguntar?
Eu engasgo com a raiva súbita.
— Podemos não ser um casal, mas você está comigo! Você é meu!
Ele não pode... Você não deve... — Gesticulo na direção do corredor,
rosnando as palavras e imaginando meus punhos amassando a cara do idiota.
— Você está com ciúmes?
— Vá se ferrar — rosno.
Giro para sair dali, porém a mão de Nico me segura pelo pulso mais
uma vez e me puxa de volta. Meu peito quase se choca contra o seu, seu rosto
pairando próximo e seus olhos presos nos meus.
— Oh, não. Você não vai sair daqui assim.
— Me solta, Nico!
— Não enquanto você não admitir que está com ciúmes.
— Nico, desculpe, interrompo algo? — Eva pergunta do corredor.
— Você já pode ir, Eva, e não se preocupe em trancar — Nico diz
sem tirar os olhos dos meus. — Tenho algo para resolver.
— Sem problemas.
Vejo Eva escapando para fora com o canto do olho e tento tirar meu
pulso do agarre de Nico, sem sucesso. Sua mão me solta apenas para agarrar
minha camisa e me empurrar contra a parede mais próxima, seu corpo grande
envolvendo o meu e fazendo meu sangue ferver ainda mais.
— Estou esperando, Pablo.
— Inferno. Sim! Eu estou com ciúmes de você! Satisfeito? —
exclamo, meu peito arfando com a confissão.
Um lento sorriso se arrasta pelo seu rosto, suas mãos descendo por
meu peito e então subindo por dentro da minha camisa até seus dedos
encontrarem os piercings. Minhas mãos encontram seus braços para me
apoiar quando seus dentes mordem meu maxilar enquanto seus polegares
circulam e estimulam meus mamilos.
Porra.
— Primeiro de tudo, Pablo, eu respeito você. Eu não sou como sua
ex. Se eu estou com você, então não há chances para outros, me entende?
— Eu não sou tão especial assim para prender sua atenção.
As sobrancelhas de Nico franzem ao se afastar e me olhar nos olhos.
— O que você disse?
Engulo em seco e desvio meus olhos para o teto.
— Isso era o que Maria Cecília me dizia. Que eu não possuo atrativos
suficientes e era muito sortudo de que ela quisesse ficar comigo.
Quando paro para pensar, me pergunto por que eu me submeti a esse
tipo de relacionamento onde eu sempre era colocado para baixo. O peito de
Nico vibra com o rosnado baixo e sua mão embala meu rosto, me forçando a
olhar em seus olhos. O azul voltou a ficar calmo, terno.
— A confiança que temos em nós mesmos, reflete-se em grande parte
na confiança que temos nos outros. — Seu polegar acaricia minha bochecha e
sua testa se encosta à minha. — Pablo, você é a pessoa mais bonita que eu já
conheci na minha vida. Carinhoso, amoroso e paciente. Você é como um pai
para o Lucas. E eu sei que prometi não me apaixonar, mas não pude. Sinto
muito, Pablo, mas eu quebrei minha promessa e não posso... Não, eu não
quero voltar atrás. E você vai ter que conviver com isso.
Fecho meus olhos, todas aquelas palavras se infiltrando em meu
peito, se enraizando e tomando conta dos espaços ocos criados pelo tempo.
Meu corpo se expande, encaixando cada palavra que esse homem diz para
mim, acreditando e aceitando. Querendo mais.
Implorando por mais.
Eu quero tudo de Nico.
Eu abro meus olhos e pisco para afastar as lágrimas.
— Eu não posso aceitar sua paixão por mim — sussurro. Seguro seu
rosto quando seus olhos abaixam e balanço minha cabeça. — Eu só posso
aceitar seu amor, Nico. Esse é o mínimo que eu posso aceitar porque eu te
amo.
Uma risada baixa vem dele, suas mãos me puxando para mais perto e
sua boca se fundindo a minha. E eu tenho aqui a resposta de todas as minhas
perguntas silenciadas com o tempo. Se eu sou o suficiente para alguém. Se eu
poderia fazer alguém feliz sendo apenas eu. Se meus sonhos em ter minha
própria família poderiam se realizar. Se alguém nesse mundo teria nascido
para ser apenas meu e me amar, mesmo que um pouco.
E talvez Nico seja o meu destino.
Nico se afasta apenas o suficiente para falar:
— Segunda coisa, GQ. Eu posso ser ativo às vezes, mas eu prefiro ser
passivo. E eu estou louco para senti-lo dentro de mim.
Oh, foda-se porra.
Os braços de Nico me envolvem e nós tropeçamos para fora do
estúdio, rindo como bobos, e entramos em seu carro. Eu tento manter minhas
mãos para mim, mas é algo completamente difícil de fazer. A cada semáforo
parados, os olhos de Nico me engolem, quentes e tão cheios de desejo que me
faz gemer e contorcer sobre o banco.
Quando paramos em sua garagem, Nico me puxa para si e me beija
com força, arrancando gemidos profundos do meu peito. Nossas mãos
tateiam, buscando por pele e calor. Me afasto ofegante e inclino minha
cabeça para o lado para seu alcance melhor e abro minhas pernas quando sua
mão esfrega meu pau por cima da calça.
— Lucas — ofego. — Lucas está... Oh, Deus, Nico...
Fecho meus olhos quando sua mão abre minha calça e entra, tocando
minha carne e me fazendo chiar ao envolver os dedos ao meu redor.
— Com Sandra. Vou enviar uma mensagem para ficar com ela até
amanhã.
— Então podemos mover isso lá para dentro? — digo.
— Com certeza.
Nico remove a mão e eu me arrependo das minhas palavras
imediatamente quando o vejo sair do carro puxando seu celular,
provavelmente enviando a mensagem para Sandra. Sugo uma respiração
instável e o sigo, minhas pernas tremendo em antecipação quando o alcanço
na porta aberta. Mal entramos em sua casa e já tenho suas mãos me tateando,
a porta batendo fechada e sua boca me tomando. Minhas mãos se afundam
em seus cabelos quando o empurro contra a parede, beijando-o como se
minha vida dependesse disso.
Puxo sua camiseta fora enquanto seus dedos trabalham nos botões da
minha camisa, resmungando sobre serem muitos. Chuto meus sapatos para
longe enquanto enfio minha mão por dentro de sua calça de cintura elástica.
Bendito seja sua escolha por roupas práticas para o trabalho.
Nico chia quando toco sua ereção, esfregando para cima e para baixo
e fazendo com que seu quadril se movimente para foder minha mão.
— Porra, GQ — rosna contra meu pescoço.
Suas mãos se enfiam em minha calça, apertando minha bunda e me
puxando para mais perto. Subo minhas mãos por sua barriga e peito,
envolvendo seu pescoço quando suas mãos me puxam para seu colo e
envolvo sua cintura com minhas pernas. Nico caminha cegamente no escuro
pelo corredor até o quarto e acende apenas o abajur ao passar pela porta.
Nico desliza suas mãos por minhas costas e desenrosca minhas
pernas de sua cintura. Meu corpo desliza pelo seu até meus pés tocarem o
chão. Enfio minhas mãos dentro do elástico de sua calça e cueca e envolvo os
globos de sua bunda, massageando a carne e o empurrando contra meu
quadril em uma moagem lenta.
Suas mãos agarram minha cintura e me gira, fazendo minhas costas
baterem contra seu peito. Solto um suspiro contente conforme suas mãos
deslizam por minha barriga e então estão dentro da minha calça aberta e
empurrando-a para baixo junto com a cueca. Solto minha respiração por entre
os dentes quando sua mão me segura em uma lenta batida e meus joelhos
fraquejam com a sensação. Seu braço livre se enrola em minha cintura,
firmando minha bunda contra seu quadril ao me segurar apertado.
Levanto meu braço e envolvo seu pescoço, como se fosse uma âncora
para não me deixar afundar, quando sua mão passa a me masturbar devagar e
choramingo quando seu polegar circula sobre a cabeça gorda e inchada.
— Olhe para sua direita — sussurra em meu ouvido.
Viro o rosto e então meus olhos se alargam, minha respiração ficando
mais curta e rápida ao encontrar o espelho de corpo inteiro no canto do
quarto. A meia luz, jogando sombras em nossos corpos e iluminando apenas
o essencial torna tudo ainda mais erótico. Nico esfrega a bochecha contra
meu pescoço enquanto estou preso demais em como sua mão me envolve,
descendo e subindo em estocadas firmes.
— Merda, olhe só para você, GQ.
Nos observo pelo reflexo, seus olhos encapuzados e escuros. Sua
outra mão sobe por meu peito, seu polegar tocando meu piercing e agarra
meu pescoço, inclinando minha cabeça mais para trás e para seu total acesso.
Solto um som estrangulado quando sua mão aumenta os movimentos,
apertando até a ponta.
— Nico... — me ouço implorando.
— Olhe para seu corpo, Pablo. Olhe como é lindo. Como eu não
poderia desejar cada pedaço seu? Não querer lamber cada faixa de sua pele?
— Sua boca suga um ponto em meu pescoço enquanto sua mão desce até
minhas bolas pesadas e as massageia. — Eu quero vê-lo gozar. Quero ouvir
gritar meu nome enquanto preenche minha bunda. Eu quero você inteiro,
Pablo. Cada parte sua.
Fecho meus olhos, suas palavras me atingindo profundamente. Abro
os olhos quando sou girado mais uma vez e Nico puxa minha camisa fora
prendendo meus pulsos atrás das minhas costas com uma mão enquanto a
outra desce por meu peito, brincando com o mamilo turgido.
— Porra, Pablo, eu adoro tanto essas coisinhas provocantes.
Sua língua serpenteia para fora e passa sobre o piercing, me fazendo
contorcer. Minha respiração sai rasa e meu pau pulsa quando sua mão aperta
meus punhos apertados enquanto seus dentes brincam com meu mamilo.
Uma tortura doce que me mantém na beira do orgasmo.
— Por favor... — sussurro.
— Gosto quando implora, GQ.
Sua mão me solta, seu corpo rastejando pelo meu e sua boca sugando
minha pele. Meus olhos rolam e meu quadril se impulsiona quando sua boca
suga a carne perto do osso do quadril.
— Nico... — choramingo.
Suas mãos terminam de puxar minha calça para baixo e seu rosto
passa muito perto do meu pau ansioso. Suas mãos sobem por minhas pernas
como se estivesse me venerando, seus olhos devorando cada centímetro da
minha pele exposta. Sua língua lambe o início da minha coxa, seu hálito
quente me fazendo tremer com necessidade.
— Eu vou devorá-lo, Pablo. Vou morder e lamber cada parte sua até
não sobrar nada além de ossos moles e satisfeitos.
A promessa rouca sobe por meus nervos, estremecendo meu corpo
inteiro e me deixando mais excitado do que já imaginei ficar. Nico se afasta e
tira sua calça antes de me empurrar deitado sobre a cama e me montar, meu
pau batendo contra sua bunda e me fazendo rosnar e impulsionar o quadril
para cima.
Suas mãos espalmam ao lado da minha cabeça, seu sorriso perverso
fazendo fogo líquido correr por minhas veias e bombear meu coração cada
vez mais rápido.
Eu amo esse sorriso.
— Mas primeiro... — Seu corpo se inclina até a pequena gaveta ao
lado da cama e puxa um tubo de lubrificante e camisinhas, jogando sobre
meu peito. — Eu pedi por confiança, mas eu irei dá-la a você.
Arqueio uma sobrancelha, olhando-o com curiosidade.
— O que você quer dizer com isso?
Nico se inclina sobre mim e seus dentes puxam meu lábio inferior
para então sua língua lambê-lo.
— Você pode fazer o que quiser comigo, GQ. Eu sou seu nessa noite
e por todas as outras, o tempo que você quiser.
Observo como as narinas de Pablo inflam, suas pupilas dilatando. E
eu realmente quis dizer essas palavras. A maior confiança é você deixar seu
parceiro tocá-lo intimamente, dar o controle em sua mão e deixá-lo usar seu
corpo da maneira mais suja sobre a cama.
E eu quero tanto que Pablo me use.
Suas mãos seguram meu rosto e me puxa para mais perto, beijando-
me calmamente. Minhas mãos passam por suas costelas e sobem por seus
braços, apenas sentindo enquanto minha boca é tomada por seus lábios.
Sou pego de surpresa quando me empurra para o lado, nos rolando
sobre o colchão até eu estar abaixo de seu corpo delgado e firme. Minhas
pernas se enrolam em sua cintura fina, meu pau batendo contra o seu e me
fazendo ranger os dentes, prazer explodindo por todo o meu corpo. Suas
mãos esfregam minhas coxas, abrindo-me para ele e fazendo minha
respiração engatar. Seus olhos seguem por meu corpo como uma carícia
quente e fazendo meu sangue correr mais e mais rápido por minhas veias.
Seus lábios se torcem em um sorriso perverso, fazendo meu pau pulsar e
inchar um pouco mais, duro e dolorido.
— Eu vou fazer isso ser tão bom, bebê. Eu venho pensando em tudo
o que posso fazer com seu corpo quente há tanto tempo... Me deixa tão louco,
me fazendo ter tantos pensamentos sacanas, Nico.
Cada pelo do meu corpo se arrepia com suas palavras. Estico meu
braço até o celular que deixei jogado e bato meu dedo sobre a tela,
conectando-o ao meu som. As sobrancelhas dele se arqueiam quando a
música suave e sensual começa.
— Você está tentando me seduzir?
Sorrio, prendendo seu corpo com minhas pernas com um pouco mais
de força.
— Talvez. Estou conseguindo?
— Absolutamente.
Pablo se inclina e beija o oco da minha garganta, me arrancando um
suspiro baixo. Passeio minhas mãos por seu corpo até onde alcanço,
memorizando cada linha, pairando cada curva quente e deliciosa de sua
bunda. Abro minha boca, minha respiração rasa e coração acelerado a cada
provocação de Pablo.
Seus dentes mordiscam minha orelha e então sua boca paira sobre a
minha, seu pau provocando minha entrada em lentas estocadas.
— Eu vou entrar tão profundo em sua bunda apertada que não iremos
saber onde você começa e eu termino. — Estremeço com seu hálito quente
contra minha orelha. — Você vai implorar para que eu não pare.
— Isso... Sim... — murmuro.
Vejo-o se erguer e pegar o frasco de lubrificante ao lado, abrindo a
tampa sem tirar os olhos dos meus.
Desenrosco minhas pernas de sua cintura e seguro minha respiração
quando seus dedos molhados deslizam por minhas bolas e vão mais para
baixo, circulando e estimulando devagar. Nossos olhos travados só fazem
isso ainda melhor e mais intenso. Levo minha mão à base do meu pau e o
aperto, segurando o prazer de explodir e me envergonhar.
Essa sensação, essa intensidade... Porra, eu nunca senti isso. Essa
tensão grossa se enrolando em meus nervos, deixando-me cada vez mais
esticado e esticado, prestes a arrebentar como um fio.
Enrolo meus dedos no lençol quando sua mão passa pela parte interna
da minha coxa ao mesmo tempo em que a ponta de seu dedo me invade,
fazendo meu corpo se arquear sobre o colchão com a sensação. Sua mão
pousa sobre minha barriga, forçando-me para baixo e assim seu dedo desliza
um pouco mais para dentro e eu solto um grito engasgado.
— Porra, bebê... Abra-se para mim. Deixe-me tocá-lo.
Sua mão desliza por minha virilha, desviando da minha mão ainda
segurando meu pau, e sobe por minha coxa empurrando-a para cima. Seu
dedo entra e sai lentamente, seu polegar roçando a pele sensível abaixo das
minhas bolas pesadas o que faz minhas pernas tremerem.
Pablo se inclina, sua língua lambendo o pré-sêmen escorrendo pela
cabeça do meu pau antes de abocanhar e sugar.
— Inferno, sim!
Fecho meus olhos ao sentir o segundo dedo me esticando e somado a
sua boca me engolindo devagar é quase demais para mim. Passo meus dedos
pelo cabelo castanho espesso e enrolo meus dedos pelos fios para empurrar
sua cabeça mais para baixo e fazê-lo engolir até a metade. Seu gemido vibra
em meu eixo e isso me faz gemer junto ao sentir minha espinha arrepiar e
minhas bolas apertarem.
— Eu vou gozar, GQ — aviso.
Sua boca me solta e eu quase choro com a perda. Um terceiro dedo
me estica, a familiar queimação bloqueando um pouco do prazer e retardando
meu orgasmo.
— Não, você não vai.
Deus, porque sua voz precisa soar tão rouca e baixa assim?
Suor começa a brotar em minha pele e estrelas pipocam em meus
olhos quando seus dedos acertam minha próstata. Meu quadril passa a subir e
descer, fodendo seus dedos, buscando um pouco de alívio, uma libertação. A
cada tom da música soando pelo quarto eu sinto a batida na minha pele como
se os nervos estivessem expostos.
Com uma mordida suave na parte de dentro da coxa, Pablo puxa seus
dedos para fora e coloca a camisinha, lubrificando seu eixo e então se
posicionando na minha entrada. Suas mãos empurram minhas pernas para o
meu peito, expondo-me. Fecho meus olhos e empurro a cabeça contra o
colchão quando sinto a cabeça rompendo o anel de músculos ao mesmo
tempo em que a música finda e no quarto resta apenas o som das nossas
respirações pesadas.
— Abra os olhos, Nico.
Eu faço o que me pede quando outra música instrumental começa a
tocar. Respiro fundo conforme Pablo me penetra devagar, suor escorrendo
por sua testa a cada centímetro avançado. Seus dedos me apertam e solto uma
respiração trêmula quando sinto seu quadril batendo em minha bunda.
Eu me sinto cheio.
Eu me sinto completo.
— Cristo... Tão quente pra caralho...
— Foda-me, Pablo. Pelo amor de Deus...
Um lento e profundo gemido sai por minha garganta quando Pablo se
retira apenas um pouco e volta, batendo mais forte. Seu corpo se inclina para
frente e suas mãos me seguram conforme seu quadril ondula em movimentos
que podem ter queimado meu cérebro um pouco.
Minhas mãos tentam se agarrar a algo, tateando sobre o lençol
amarrotado. O barulho de pele batendo se mistura ao som da música e aos
nossos gemidos, movimentos selvagens e rudes. Uma de suas mãos puxa meu
tornozelo sobre seu ombro enquanto empurra a outra perna para o lado e eu
consigo agora ter uma visão de seu torso suado e seu rosto torcido com
prazer.
Suas bochechas estão coradas debaixo de sua barba rala, olhos turvos
e boca entreaberta, seu cabelo castanho escuro caindo sobre sua testa suada.
Não há imagem mais bela do que essa. Pablo completamente entregue e
exalando prazer por cada poro do seu lindo corpo delgado.
Meu corpo vibra a cada batida de seu pau contra minha próstata, me
deixando como massa mole em suas mãos. Suas mãos puxam minhas pernas
para enlaçar sua cintura novamente e se debruça sobre mim, seus braços
apoiados ao lado da minha cabeça. Seus olhos escuros me observam, seus
movimentos agora lentos e longos, me levando em um embalo calmo e talvez
até mais enlouquecedor que antes.
— Você é a coisa mais bonita que aconteceu na minha vida —
sussurra.
Passo minhas mãos por seu rosto e sorrio, a emoção travando minha
garganta dolorida pelos gritos. Então eu o beijo, pois é a melhor resposta que
eu tenho nesse momento.
Eu o beijo como se fosse a primeira vez.
O beijo como se fosse a última.
Eu o beijo como se fosse para sempre.
Suas mãos cavam em minhas costas e Pablo me levanta sobre seu
colo, sentando-se e me segurando perto. A nova posição me faz arfar e
encosto minha testa na sua quando suas mãos em minha cintura empurram e
puxam. Meu quadril se move, seu pau tão enterrado em minha bunda que
poderia me fazer sentir por dias.
Agarro seu pescoço, seu rosto se enterrando em meu ombro e seus
dentes cravando em minha pele em uma mordida. Seguro firme, sentindo que
estou perdendo toda a minha noção de espaço e tempo, onde tudo o que eu
consigo ver é apenas Pablo. O único que consigo sentir. O orgasmo vem, me
rasgando de dentro para fora e simplesmente não consigo segurar tamanho a
força com que surge.
Os sentimentos se misturando, a força e a espera de tantos dias por
esse momento. Eu me desfaço em jorros quentes contra sua barriga, minhas
mãos apertando seu ombro e nuca como uma âncora na terra a qual eu devo
voltar. O rugido baixo de Pablo esquenta minha pele quando o sinto encher a
camisinha, me fazendo tremer com meu recém orgasmo ainda aquecendo
minhas veias.
Ficamos ali, agarrados um ao outro, nossas respirações esfarrapadas
enquanto a música ainda soa pelo quarto.
— Puta que pariu, eu não sinto minhas pernas — diz contra minha
garganta, o que me faz rir.
— Eu estou sentado nelas. Desculpe.
— Não se desculpe. Eu gosto da sua bunda sobre mim. Ou abaixo.
Solto um gemido, caindo sobre a cama e o puxando junto comigo.
Sinto quando se retira de mim e o vejo dar um nó na camisinha e a jogar na
lateral da cama. Seu estômago está uma bagunça com esperma, assim como o
meu, mas parece não se importar com isso. Assim como eu.
Jogo meu braço sobre meu rosto quando Pablo se deita ao meu lado.
Sem me deixar tempo para ter incertezas, ele se move para mim e envolve
meu corpo com os braços e pernas. Se enrolando ao meu redor como uma
cobra. Apóia a bochecha sobre meu peito e sorrio, satisfeito por ele estar
aqui, mas no fundo com muito medo de que vá embora.
Eu não suportaria se ele o fizesse.
— Merda, Nico, você tem uma janela no teto?
Franzo as sobrancelhas e olho para cima, sorrindo ao perceber do que
ele está falando.
— É uma clarabóia.
— Uma janela. Que dá para ver o céu. — Sua mão aponta sobre
nossas cabeças para todo o amplo espaço de vidro aberto e um pouco
inclinado. — Nós podemos ter dado um show para os vizinhos.
Solto uma risada, rolando meu corpo sobre o dele e beijo sua boca
antes de falar:
— Essa clarabóia dá para o quintal e nenhuma casa ao redor é alta o
suficiente para enxergar minha cama. Eu verifiquei isso antes de comprar
esse lugar.
Seus olhos voltam para a clarabóia, o cenho franzido e aquela
pequena ruga de preocupação estão ali mais uma vez. Meu homem sério e
preocupado.
Meu.
Eu gosto demais dessa pequena palavra com significa tão grande.
— Pare de se preocupar e mova essa sua bunda bonita para o
banheiro. Eu quero lavar seu corpo desde o dia em que te vi na minha sala de
massagem — falo me levantando e estico a mão para ele deitado na cama.
Uma sobrancelha se arqueia ao se sentar e me olhar.
— Você acha que eu sou sujo?
— O quê? Não! Não quis dizer que você é sujo. Eu só pensei, bem...
Uh... Eu fiz sua massagem e vi seu corpo cheio de óleo e... Eu queria te lavar
porque você estava sujo. E agora você está também, mas não de forma ruim.
Porque nós suamos e há porra, cheiro de sexo... Não que isso seja ruim,
porque eu gosto. Não da sujeira, mas...
Pablo solta uma risada e se levanta, beijando-me e fazendo com que
eu cale minha maldita boca.
— Eu sei de tudo isso. Eu só gosto de vê-lo todo confuso e corado.
— Você é terrivelmente cruel, GQ
— Eu me esforço. Agora mova sua bunda bonita, garotão. Eu quero
ver como é sua pele molhada em um chuveiro. — Pablo pisca, batendo sua
mão em minha bunda.
Observo sua bunda ao sair do quarto e entrar no meu banheiro e eu
sorrio como um idiota. Se for banho que Pablo quer, é sexo no chuveiro que
eu vou dar.

O motivo de ter uma clarabóia sobre minha cama é que eu costumo


acordar cedo e os raios de sol me ajudam com isso. Entretanto, hoje eu me
deixo ficar um pouco mais e aproveitar como minha cama parece boa. Eu me
sinto terrivelmente confortável, um pouco quente e dolorido nessa manhã em
especial e o culpado de tudo isso está enrolado em mim como se eu fosse um
travesseiro de corpo.
Estico meu pescoço para observá-lo melhor e empurro seus cabelos
bagunçados para longe de sua testa. Seu rosto parece relaxado em seu sono e
eu percebo que me sinto muito feliz por acordar e tê-lo ao meu lado na cama.
Eu poderia gostar muito de tê-lo aqui todas as manhãs. Porém, prefiro não
sonhar muito alto, pois a queda pode ser muito feia.
— Pare de me encarar — murmura.
Passo minha perna entre as suas, minha coxa esfregando suas bolas e
o fazendo rosnar e se balançar contra mim. Seus olhos continuam fechados
mesmo que seu corpo esteja desperto e ansioso por um pouco mais de ação.
— Eu não consigo. Eu gosto muito de olhar para você, GQ.
Um sorriso se ergue no canto de sua boca e seus olhos se abrem, me
batendo com força com o quão são bonitos.
— Se continuar me olhando assim, vou acreditar que está apaixonado
por mim.
— E eu não posso deixar isso acontecer, certo? — digo, nos
empurrando para baixo do lençol e envolvendo sua bunda com minhas mãos.
Mergulho minha cabeça na direção de seu peito, minha língua
brincando seus piercings e o fazendo se contorcer e ofegar. Se um dia alguém
me dissesse que eu seria atraído por esses pequenos objetos brilhantes, eu
diria que estariam loucos.
— Não. Seria terrível se eu soubesse de algo assim. Eu poderia dizer
que estou apaixonado de volta e nós dois teríamos de mudar nosso status de
relacionamento de amizade para namorando.
Ergo minha cabeça, minhas sobrancelhas se arqueando.
— Você está falando sério?
Seu sorriso imenso faz meu coração bater mais rápido e meu baixo
ventre esquenta quando sua mão desce por minha espinha e descansa sobre a
curva da minha bunda.
— Muito sério. Eu não posso permitir que haja mais convites de
outras pessoas o chamando para sair. — Suas sobrancelhas se franzem. —
Você é meu, Nico. Eu quero que as pessoas saibam disso.
Fodida porra. Eu sinto que meu coração pode explodir agora mesmo.
— Não brinque comigo, Pablo. Você realmente...
Seu rosto suaviza ao assentir.
— Eu quero se você quiser, Nico. Eu sinto que... — Sua mão acolhe
meu rosto de um lado, seu polegar passando por minha bochecha com
restolho. — Eu sinto que é para ser você. O resto da minha vida. Mas eu vou
entender se você não quer um cara quebrado como eu, com problemas de
confiança e inseguro.
Apoio minha testa na sua, beijando o canto de sua boca suavemente.
— Você não é quebrado, mas um pouco inseguro mesmo. Nada que o
tempo não ajude. E, sim, eu quero muito, Pablo. Eu amo você.
— Eu também te amo.
Aperto nossas bocas juntas, suas mãos viajando para o sul e me
empurrando contra seu pau muito duro.
— Pai?
Foda-se, porra!
Ergo a cabeça a tempo de ver Lucas entrando pela porta do quarto
com olhos muito curiosos. Esse é um dos motivos de nunca trazer ninguém
para cá. Filhos costumam ser ótimos em atrapalhar um pouco de ação com
seu parceiro. Entretanto, com Pablo sendo meu namorado isso vai ser bem
frequente e espero que Pablo não se incomode.
Lucas sempre vai ser minha prioridade.
Rolo para o lado e cubro meu quadril com o travesseiro, colocando
meu melhor sorriso.
— Ei, campeão. Já está acordado tão cedo?
— Não tenho roupa de escola limpa na casa da tia Sandra. — Seu
pescoço se estica e abre um sorriso. — É o tio Pablo aí?
Viro a tempo de ver Pablo descobrir metade da sua cabeça, seu rosto
vermelho até a raiz dos cabelos. Algo que nunca vi acontecer e eu acho muito
fofo.
— Bom dia, Lucas. Como vai?
— Bem. Eu tenho aula de matemática hoje e meu pai não sabe me
ajudar. Vai estar aqui quando eu voltar? Posso precisar para resolver
problemas.
— Lucas... — Começo, mas Pablo me corta.
— Claro. Vou estar aqui a partir de agora — diz, terminando de
descobrir seu rosto e sorrindo para meu filho. — Enquanto seu pai quiser.
Mordo meu lábio inferior ao vê-lo piscar na minha direção e me viro
para ver Lucas me dando seu olhar de cachorrinho.
Merda.
— Você deixa, não é, pai?
Coço minha cabeça, lançando um olhar para o rosto arrogante de
Pablo. Grande cretino. Usando uma criança como garantia de ter acesso à
minha cama.
Eu bufo. Como se precisasse disso.
— Sim, é claro.
— Isso! — Lucas acerta o punho no ar. — Eu vou me trocar. Tia
Sandra “tá” na cozinha, pai.
Observo Lucas sair do quarto e olho para Pablo apoiado sobre o
cotovelo, seu rosto sério.
— Você não sabe resolver problemas de matemática de um garoto de
sete anos?
Bato o travesseiro sobre a cabeça de Pablo que começa a rir.
— Cale a boca. O garoto só estava te usando, você sabe. Ele quer
você aqui e me chamou de inútil para conseguir isso.
— Uma grande conveniência, em minha opinião. — Beija minha
bochecha e se levanta nu como veio ao mundo. — Eu vou ao banheiro ou me
atraso para o trabalho.
— Sim, fuja, seu covarde.
Ouço sua risada vinda do meu banheiro e sorrio ao levantar e pegar
minha cueca do chão para vesti-la. Saio para o corredor e vejo Sandra tirando
leite e suco da geladeira, a mesa arrumada com alguns pães e um bolo que
provavelmente ela fez em casa.
— Você atrapalhou minha diversão matinal, Sandra — digo,
roubando um pedaço de bolo e enfiando na boca.
— E você está brilhando mais que o sol hoje, Tigrão. — Me lança um
sorriso ao colocar o suco sobre a mesa e gesticula o leite na minha direção.
— Deve ter tomado muito disso na noite passada.
— Poderia ter bebido um pouco mais hoje cedo, mas você não lava as
roupas do meu filho na sua casa.
Sandra bufa, batendo o leite sobre a mesa.
— Eu tenho clientes para atender, sabia? E eu deixei você se divertir
muito, devia me agradecer.
— Muito obrigado pela sua bondade, minha senhora — falo, fazendo
uma debochada reverência.
Rio quando sua mão acerta meu braço com um tapa. Ligo a televisão
para ver as notícias da manhã e Lucas vem para a cozinha já vestindo seu
uniforme e se senta em sua cadeira, atacando o bolo e pegando o copo de
suco cheio que Sandra entrega antes de voltar para a cozinha. Seus olhos
parecem preocupados ao olhar para meu filho e eu a sigo, apoiando o quadril
na ilha e colocando meu celular sobre a pedra lisa.
— Algo aconteceu?
Balança a cabeça suavemente e suspira.
— Apenas com medo.
Eu a entendo imediatamente. Posso ter esquecido isso durante essa
noite, mas agora os problemas voltam para mim como se fossem uma comida
estragada me dando embrulhos no estômago. Esfrego meu queixo, me
virando de frente para Sandra e falando baixo.
— Ela começou a mover a justiça. Eu recebi a carta no começo da
semana.
— Inferno de mulher do caralho. O que ela quer? O garoto não
recebe pensão da justiça, não é aposentado, não há nada! — grita um sussurro
jogando as mãos para cima com frustração.
— Eu não sei o que ela quer com isso, Sandra. Não o vê desde que
nasceu, o rejeitou. O que ela quer agora? Tirá-lo de mim?
— Ela não vai tirar o Lucas da gente. Só por cima do meu cadáver —
grunhe. Seus olhos suavizam e um sorriso pequeno toma o lugar do franzido
em seu rosto. — Bom dia, modelo sortudo. Teve uma boa noite?
Me viro para ver Pablo parado ao lado de Lucas colocando café da
garrafa de Sandra em uma xícara e levando um pedaço do bolo para a boca.
Seu rosto está sério como sempre, mas está muito mais suave que antes.
— Bom dia, Sandra. A noite foi ótima, obrigado por perguntar. O
serviço de quarto é muito atencioso. — Pisca para mim e agora é a minha vez
de ficar com bochechas coradas. — Obrigado pelo café, aliás.
A costa da mão de Sandra acerta meu estômago e ri.
— Rá! Ele tem humor. Já gostei dele.
— É bom se acostumar, GQ vai estar aqui todos os dias a partir de
agora.
— Você o apelidou de uma marca de revista para homens?
Pablo se engasga suavemente e limpa a boca com o punho.
— Revista?
— Oh, meu Deus, ele não sabe. — Sandra arqueia as sobrancelhas e
aponta o polegar para mim. — Esse cara grande aqui ama uma revista
masculina apenas pelos modelos de cueca. Você não viu no estúdio como há
tantas ao lado dos sofás?
— Sandra, cala a boca — grunho entre dentes e belisco suas costelas.
Pablo ri, tomando um gole de café.
— Eu devia ter imaginado.
Rolo meus olhos e olho para meu celular quando apita uma
mensagem e vejo o nome de Muralha na tela. Desbloqueio e abro a conversa,
meus dentes cerrando levemente.
“Hoje as dez no El Fortin Club. Não se atrase. Grande aposta.”
Aperto o celular na minha mão e luto contra a vontade de gritar.
— Está tudo bem? Você ficou sério de repente — Pablo diz,
pousando sua xícara sobre a mesa.
Ergo meus olhos do telefone e balanço a cabeça.
— Tudo. Apenas um cliente que cancelou.
Pablo assente e retoma a conversa com Lucas sobre um desenho com
formas coloridas que ensina sobre cores e números. Olho na direção de
Sandra que está de braços cruzados e me olha com acusação em seus olhos de
jabuticaba.
Passo a mão pelo cabelo e olho para Pablo sorrindo para meu filho e
bagunçando seus cabelos e me sinto uma merda por mentir mais uma vez
para ele. Para o homem que disse que me ama e que aceita meu filho como
seu.
Vendo-o aqui, depois de ontem à noite, eu tomo a decisão. Eu deveria
contar tudo a ele. Sim, e eu faria isso amanhã, depois desta noite. Eu contaria
tudo a Pablo e o motivo de fazer o que eu faço.
Mas não hoje.
Eu não posso tirar o sorriso do rosto mesmo se eu quisesse. Estico
meu corpo, me sentindo mais feliz do que um dia imaginei estar. Deveria me
sentir saciado após todo o sexo quente com Nico e mãos nervosas debaixo do
chuveiro, mas eu não consigo.
Eu quero mais dele.
Quero sentir sua boca na minha mais uma vez, passar minhas mãos
por cada curva do seu corpo duro e musculoso, sentir o sabor da sua pele
quente contra minha língua e vê-lo arquear e gozar sobre os lençóis. É melhor
que uma obra de arte vê-lo chega ao ápice do prazer, com seu rosto corado e
suado, olhos desfocados e parecendo perdido, suas mãos tateando em busca
de uma âncora para mantê-lo na terra enquanto seu corpo se afunda mais e
mais no prazer.
Solto um suspiro trêmulo e achato minha mão contra o zíper da
minha calça para conter minha ereção. Geralmente meu autocontrole e
confiança acabam quando Nico e eu estamos sozinhos. É como se fosse algo
completamente diferente, com duplos papeis. Fora de um quarto eu era todo
sério e provocante enquanto Nico é o tímido e inseguro. Então a porta se
fecha e os papeis são trocados. Eu me torno o inseguro e tímido. E Nico se
torna todo provocante e negócios quentes.
Desde que saí da casa de Nico essa manhã eu tenho estado em um
torpor feliz e necessitado. Eu quero correr com meu trabalho para conseguir
vê-lo. Chegar em casa e saber que ele está lá, não importa o humor.
Casa.
A partir de qual momento eu passei a pensar em sua casa como
minha? Essa manhã quando parecíamos uma família feliz tomando nosso
café? Ou quando Lucas bateu seu punho no meu e sorriu, como se aquilo
fosse a coisa mais importante do seu dia?
Merda, eu queria tanto ser pai desse garoto. Ler histórias para ele
dormir a noite, ajudá-lo com os deveres de casa, importunar sobre alguma
garota ou garoto na escola que ele pode estar gostando. Jogar bola ou apenas
levar para passear no parque em um dia quente e tomar sorvete juntos.
Esfrego meu rosto, sabendo que estou sonhando alto demais. Foi
apenas uma noite e uma manhã, não significava que seria o resto da minha
fodida vida. Mesmo eu sentindo que Nico poderia ser o tão falado destino
que minha família continuava profetizando para cada um de seus filhos. Pego
meu celular ao lado do teclado e abro minha conversa com Nico.
“Seria muito pegajoso dizer que sinto saudades?”
Não demora muito e obtenho sua resposta.
“Não, porque eu sinto também.”
“Só hoje eu já te quis milhões de vezes...”
“Não diga isso, GQ. Eu tenho pensado o dia todo em como você se
encaixa tão perfeitamente bem dentro de mim.”
Oh, foda-se porra!
Bato minha cabeça contra o encosto da cadeira algumas vezes, meus
olhos fitando o teto enquanto penso em acidentes de carro e corpos
mutilados. E não no corpo quente e bem disposto de Nico abaixo de mim, ou
sobre mim, me cavalgando.
— Merda!
“Posso te ver depois do trabalho?”
Dessa vez a resposta não vem no mesmo minuto. Eu coloco meu
celular de volta sobre a mesa, pois talvez Nico esteja atendendo algum cliente
então eu decido voltar a trabalhar. Passo o resto da tarde perdido em números
e planilhas, projetos de vendas e potenciais pontos de comércio quando olho
no relógio e percebo que se passam das oito da noite.
Como eu pude simplesmente não perceber que minhas janelas
haviam escurecido? Guardo todas as pastas e desligo meu computador,
levantando e me espreguiçando. Pego meu celular no canto e vejo que não
houve resposta de Nico. Estranho.
Bato meu dedo em ligar e espero os longos toques até cair na caixa
postal. Tento mais uma vez, então outra e mais outra. Franzo minhas
sobrancelhas pra a tela do celular e recolho minhas coisas. Saio do prédio
apressado e tenho uma surpresa ao ver Bianca parada encostada em meu
carro.
— Algum problema? — pergunto destravando a porta e jogando
minha pasta dentro.
Me viro e vejo-a abrindo os botões superiores de sua camisa branca
de seda, sua língua passando pelo lábio inferior. Uma luz de alerta pisca na
minha cabeça.
— Eu tenho um problema me perturbando por um tempo. Uma
coceira.
— Talvez devesse ver um médico? — digo, dando passos para trás
conforme ela avança.
— Um médico não me ajudaria. — Sua mão desliza pelo meu peito
até o cinto da minha calça. — Essa coceira deve ser coçada por você.
Jesus Fodido Cristo.
Seguro seu punho e a afasto de mim, balançando minha cabeça com
força e a olhando seriamente.
— Você está se excedendo aqui, Bianca.
— Que se foda! Eu quero transar com você, Pablo. Será que não
entende? Eu o tenho visto tão sozinho...
Solto uma risada baixa.
— Eu tenho um namorado, Bianca.
Enfatizo bem a palavra para ela entenda o que significa. Seus olhos
piscam, entendimento caindo em sua cabeça. Bianca pigarreia e puxa seu
braço, tornando a abotoar a camisa.
— Namorado? No sentido... Masculino?
— Sim. Nico é o nome dele.
Suas sobrancelhas se franzem, rosa tingindo suas bochechas.
— Oh... Eu não sabia... Eu pensei...
— Vamos esquecer que isso aconteceu, okay? Fingimos que nunca
ocorreu a você querer me foder no estacionamento para que não haja uma
demissão por justa causa, certo?
Vejo-a estremecer e assentir rapidamente.
— Justo, senhor Alencar.
— Ótimo. Vejo-a amanhã no escritório.
Dou a volta no carro, ainda sem acreditar no que acabou de
acontecer. Quando abro a porta e estou prestes a entrar, Bianca acena um
sorriso sem jeito.
— Espero que seja feliz, senhor Alencar. Que Nico o faça feliz.
— Eu pretendo, Bianca. Eu pretendo.
Bato a porta do carro fechada e saio do estacionamento o mais rápido
que posso. Sacudo meu corpo, me sentindo sujo de repente. Cristo, eu devo
contar esse pequeno desentendimento para Nico? Bianca entendeu
completamente, mas... Merda, não sei o que fazer. Talvez seja melhor contar.
Manter segredos, mesmo que pequenos, sempre pode acabar em coisa errada.
Conecto meu telefone ao bluetooth do carro e disco o telefone de
Nico mais uma vez. Ele chama até cair. Será que está irritado comigo por
trabalhar até tarde? Esfrego meu rosto, tentando mais uma vez. Quando penso
que mais uma vez iria cair, escuto sua voz rouca do outro lado.
— Hey.
— Graças a Deus. Já estava chamando a polícia para verificá-lo.
Há um momento de silêncio antes de Nico voltar a falar.
— Eu estava no banho. Desculpe.
— Sem problemas. O que você quer fazer hoje? Eu poderia ir até aí
ou...
— Não! — Nico pigarreia enquanto ouço movimentar-se pela Casa.
— Hoje eu não posso. Eu... Ah... Eu me sinto um pouco mal. Acho que peguei
um vírus de um cliente e não quero passá-lo a você. Eu até deixei Lucas na
Sandra essa noite.
Franzo as sobrancelhas, virando a esquina. Mais alguns quarteirões e
poderia ver a casa de Nico.
— Tem certeza? Eu poderia...
— Certeza. Vá para casa e eu vou te ligar mais tarde. Não se
preocupe comigo.
— Nico, eu sempre vou me preocupar com você. Eu te amo, se
lembra?
Ouço um baixo gemido como se fosse um lamento do outro lado.
Talvez ele realmente estivesse mal.
— Eu também te amo, Pablo. Não se esqueça disso, okay? Muito.
— Fique bem. Eu te ligo mais tarde. Durma um pouco.
— Eu vou. Boa noite, GQ.
Desligo o telefone e paro na esquina da rua de Nico, pensando. Se eu
aparecesse mesmo Nico dizendo que era melhor não, será que ele ficaria
bravo comigo? Eu já estou aqui, poderia dar uma olhada em como ele está
mesmo que fosse da janela.
Bato a seta para virar quando vejo o portão de Nico se abrindo e seu
carro dando ré. Mas que diabos...? Vejo o Jeep saindo e então o portão se
fechando, Nico na direção. Mas ele não havia me dito que estava com um
vírus? E se estivesse muito mal e estivesse indo para o hospital? O homem
está tão acostumado a viver sozinho e talvez não quisesse se apoiar em mim?
Bastardo.
Acelero meu carro, o seguindo. Depois que ele estacionasse no
hospital eu poderia pensar nas minhas ações, mas no momento só consigo
manter minha atenção em seu carro se movimentando na direção do centro.
Passamos o hospital, seguindo direto para a rua movimentada e cheia de
bares e restaurantes.
Maldito seja você, Nico!
Se está com um vírus, porque não está indo para o hospital? Minha
espinha gela, nossa conversa voltando até mim e me batendo como uma
bofetada dolorida. E se Nico apenas estivesse me dispensando com uma
desculpa idiota e agora estivesse indo se encontrar com outra pessoa?
Soco meu volante, rosnando como um cão raivoso.
Acalme-se, Pablo. Acalme-se. Talvez não seja nada disso e você
esteja tirando conclusões precipitadas.
O carro de Nico estaciona ao lado de uma boate chamada El Fortin
Club e passa pelos seguranças como se tivesse entrada VIP. Foda-se minhas
conclusões, eu vou matar esse desgraçado infeliz! Esfrego minha têmpora,
sabendo que essa não seria minha melhor opção. A quem eu deveria recorrer,
então?
Ivete? Não, ela também iria assassinar o Nico.
Vicenzo? Deus, não. Ele ia me fazer muitas perguntas.
Olívia? Muito nova. Seríamos barrados na entrada até ela provar que
sua identidade não é falsa.
Solto um gemido ao perceber que minha única opção é Rhuan, de
todos os meus irmãos. Saco meu celular e aperto a discagem rápida para
Rhuan. Espero enquanto o telefone chama, meus olhos presos na entrada
como se ela pegasse fogo. Quando Rhuan atende, eu fecho meus olhos e
inspiro.
— Alguém morreu?
— Olá para você também, Rhuan. — Ouço um grunhido do outro
lado. — Você está ocupado?
— Hum...
— Argh, que nojo! Não me responda — digo, apertando a ponte do
meu nariz. — Escute, preciso da sua ajuda.
— Para sua informação, eu não estou ocupado. Deveria estar, mas
meu marido está trabalhando em um turno diferente do meu. E porque
precisa da minha ajuda? Não me diga que você foi preso?
— Em breve, possivelmente — rosno. — Mova seu esqueleto até o
El Fortin e eu conto tudo o que precisa saber.
— El Fortin? Porra, um clube gay? O que você está fazendo aí?
— Rhuan, você pode apenas vir? Eu nunca...
— Não me venha com essa frase "eu nunca te pedi nada" para cima
de mim.
— Rhuan!
— Jesus, Pablo. Certo, estarei aí em dez.
— Cinco minutos!
Desligo o celular e estaciono na primeira vaga que encontro. Saio do
carro batendo a porta e cruzo meus braços, esperando meu irmão. Seis
minutos depois o vejo saltando de um táxi e jogando o dinheiro por sobre o
banco. Sutil. Rhuan corre até onde estou, seu cabelo em uma bagunça e sua
blusa do avesso. Pelo menos está com as calças abotoadas e sapatos iguais.
— Se Caleb descobre que estou em uma boate gay sem ele, vou ter
minhas bolas arrancadas nos dentes, Pablo. E não vai ser legal.
Rolo meus olhos, atravessando a rua com meu irmão em meu
encalço.
— Ele não vai saber. E desvire a blusa.
Se eu não matar ninguém essa noite, ninguém vai precisar saber sobre
isso. Rhuan resmunga puxando sua camisa fora e a colocando do lado certo
quando chegamos ao fim da fila para entrar na boate.
— Pode me dizer por que me fez vir correndo até aqui?
— Sua casa era a mais perto — minto, dando de ombros. — E se eu
matar o Nico essa noite, você é policial e pode dizer que foi legítima defesa.
A boca do Rhuan se abre em choque.
— Espera só um momento. Matar quem? Por quê?
— Eu vou dizer. A fila está enorme de qualquer forma. — Gesticulo
para as centenas de pessoas e Rhuan bufa.
Enquanto a fila anda devagar, eu conto tudo o que tenho para contar
para meu irmão, sem os detalhes sórdidos. Rhuan escuta tudo com uma cara
de paisagem que eu poderia pensar que desligou o cérebro e estou falando
com as paredes. Quando termino com a situação em que me encontro e o
motivo de tê-lo chamado, Rhuan balança a cabeça e me olha com olhos
apertados.
— Inferno, Pablo. Desde quando você é bissexual?
Eu solto um bufo exasperado.
— De tudo o que eu disse você filtrou apenas isso?
Rhuan encolhe os ombros, tirando sua carteira e pagando nossa
entrada na boate barulhenta.
— Eu entendi tudo, mas eu me fixo nas coisas importantes.
— Nico pode estar me traindo e você só se apega a parte que eu
posso ser bi?
— Ele não está traindo você — Rhuan zomba e me puxa para o meio
da multidão agitada. Seus olhos treinados passam pela multidão e se fixam
nos fundos atrás das enormes caixas de som. — Ele está aprontando, mas é
outra coisa.
— E o que seria? — grito para que me ouça por cima da música.
Seu dedo aponta para onde olha, seu rosto completamente sério. Vejo
seguranças parados ao longo da parede como se fossem estátuas de terno
escuro. As luzes coloridas os iluminam e percebo que a parede se abre em
uma porta escondida quando um casal escorrega para dentro.
— Como você sabia sobre isso?
Rhuan me ignora, me puxando pelo pulso até o outro lado. Quando
estamos não muito longe, Rhuan grita perto do meu ouvido.
— Faça o que eu fizer e fique calado. Não me faça perguntas por que
não posso respondê-las, ouviu bem?
Assinto para ele saber que escutei o que me disse. Depois disso,
tenho certeza de que há algum caso em que o Lobo está trabalhando e eu caí
de paraquedas sobre ele. Mas o que Nico tem a ver com tudo isso?
Corro meus olhos pela boate mais uma vez antes de Rhuan me puxar
pelo braço e puxar um pequeno retângulo vermelho de dentro da carteira.
Balança na frente dos seguranças que abrem a porta sem fazer perguntas e
escorregamos para o outro lado. A música se abafa quando passamos e pisco
contra a escuridão súbita. Luzes fluorescentes amareladas se acendem e
Rhuan resmunga baixinho.
— Merda, Pablo. Eu posso estar estragando uma operação de quatro
meses em andamento. Tudo por causa do seu namorado idiota.
— E como eu poderia saber disso? E o que Nico tem a ver com seus
casos?
E porque eu estou sussurrando?
Rhuan estala a língua e afunda o dedo no meu peito.
— Eu disse para não me fazer perguntas. Agora ande. O que você vai
ver vai fazer muito sentido sem que eu precise responder suas perguntas.
Eu bufo, o seguindo pelo corredor.
— Você não vê Caleb com tanta frequência ultimamente? Seu humor
está uma merda.
— Nossos horários não batem e eu não o vejo faz três dias! —
Balança os dedos na frente do meu rosto, sua garganta se avermelhando. —
Eu sinto falta até mesmo do resmungo irritado do homem quando deixo a
toalha no chão do banheiro.
Sorrio, entendendo muito bem o que Rhuan quer dizer. Ele está
casado com o homem que ama há meses e continua sentindo falta quando não
o vê por um período prolongado de tempo. Eu estou com Nico há algumas
semanas e não consigo ficar algumas horas sem ao menos ouvir sua voz.
E agora eu sinto que estou prestes a estrangular o homem.
Descemos uma longa escadaria em espiral e caminhamos em silêncio
até uma porta nos fundos e a música se torna selvagem. Há gritos e o chão
parece tremer com os uivos e pulos da multidão. Quando irrompemos para o
salão subterrâneo, meu coração se aperta no peito para então disparar e se
alojar em minha garganta.
Meus olhos se prendem no enorme octógono e nas centenas de
pessoas espremidas nesse porão sem janelas e pouco ar. Engulo em seco
quando minha cabeça parece entender onde me enfiei.
Luta clandestina.
Os lutadores no centro continuam se batendo, a multidão em alvoroço
extremo. Homens passam ao nosso redor com pranchetas e bloquinhos, tufos
de dinheiro entre os dedos e saindo dos bolsos.
“Apostem! Apostem no campeão da noite!”
Meus olhos passam pelo nome em destaque e meu estômago se
embrulha.
— Parece que as apostas são grandes — Rhuan grita acima do
rugido.
Como não conseguimos ouvir ou mesmo sentir essa agitação de lá de
cima? Deveria tremer as estruturas do lugar.
— Talvez seja outra pessoa com o mesmo nome? — Arrisco.
Rhuan apenas balança a cabeça com pesar. Olho no relógio marcando
nove da noite. A luta de grande aposta seria as dez. Nós só iríamos precisar
esperar mais uma hora de carnificina até eu ter certeza que meu namorado
está enfiado em coisas erradas.
Grande.

Eu sinto que vou vomitar. Há sangue escorrendo do octógono e o


segundo cara desacordado sai de lá com tantas contusões no rosto que se
torna irreconhecível. É como uma massa disforme de ossos triturados.
Porra, como Nico sai apenas com alguns roxos?
Passo a mão por minha testa suada enquanto Rhuan continua
tranquilo ao meu lado, seu rosto sério como uma máscara impenetrável.
— Como você consegue se manter tão calmo?
Seus olhos se viram para mim.
— Eu já vi coisas piores, Pablo. Um octógono com sangue? Se você
assistir as lutas legais que passam pela UFC é praticamente igual. Um juiz
menos sujo, mas os combatentes sempre acabam em K.O. ou com sangue
escorrendo pelo rosto.
Faço uma careta, tornando a olhar para onde o cara desmaiado sai em
uma maca. Então, as luzes se apagam e a música se torna grossa, retumbante.
O apresentador pega o microfone e apenas uma luz é acesa sobre ele. Meu
sangue corre pelas veias quando sua voz soa pelos alto falantes.
— A luta mais esperada desta noite chegou. Vocês estão ansiosos por
isso?
A multidão ruge um sonoro sim enquanto eu engulo um não. O
apresentador faz um floreio para o canto esquerdo e uma luz se acende no
portal.
— Deste lado nós temos Django, invicto nas últimas cinco lutas da
semana passada.
Um homem moreno surge, seus cabelos trançados no couro cabeludo
e seu short prata com preto brilha contra a luz ofuscante. Ele salta sobre a
passarela enquanto a multidão grita insultos para o homem. Django entra no
octógono e faz um giro, sorrindo como um cretino. O apresentador faz outro
floreio, mas desta vez para o lado esquerdo e eu prendo minha respiração. A
luz se acende, fazendo meu mundo oscilar por um breve momento.
— Do outro lado nós temos Nico, invicto nas últimas sete lutas da
semana passada.
Sete?!
Meus olhos se arregalam enquanto Nico caminha até o octógono e a
multidão vibra. Seu calção vermelho abraça suas pernas e seus pés estão
descalços saltando sobre o sangue dos lutadores anteriores.
Nico.
Meu Nico.
Um lutador clandestino.
Isso explica as diversas contusões, os cortes e as cicatrizes em seu
torso. Porém, não explica o motivo de arriscar a vida toda noite. E o Lucas?
Como ele ficaria se o pai morresse em um lugar como esse?
— Eu sabia! Sabia que ele estava fazendo algo de errado! A cara dele
não me era estranha.
Olho horrorizado para Rhuan e seguro em seus ombros, desespero
roendo meus nervos.
— Por favor, não o prenda.
Seus olhos me observam levemente confuso.
— E porque eu faria isso?
— Por que você é um policial? — respondo, agora eu ficando
confuso.
Rhuan abre um sorriso malicioso e balança o dedo na frente do meu
rosto.
— Eu estou de folga, Pablito. E na minha folga a única coisa que eu
tenho na minha mente é: a música havaiana do Bob Esponja ou Caleb nu
sobre a cama. Eu nunca penso em prender alguém. — Suas sobrancelhas
franzem. — Apesar de que eu já pensei em Caleb nu e preso com as algemas.
Todo corado e...
Coloco minha mão sobre sua boca, calando-o.
— Muita informação. — O solto, suspirando em seguida e falando
sinceramente. — Obrigado. Estou com muita raiva do Nico, mas não
significa que quero vê-lo preso. Há Lucas na história.
Rhuan dá de ombros, mas o sorriso continua ali. Cruzo meus braços e
observo o apresentador dar lugar para o juiz e a luta se desenrolar. A
multidão vibra quando eles passam a circular, observando um ao outro antes
de começarem a realmente se bater.
— Qual o motivo das pessoas gostarem disso?
— Esse é o estado mais primitivo do homem, Pablo. As pessoas
gostam de como um ataca o outro sem motivo, do sangue. É como se eles
pudessem extravasar sua raiva por outra pessoa apenas assistindo.
— Isso é tão...
— Bárbaro?
— Exatamente — concordo acenando.
Cruzo meus braços, meu coração bombeando com pressa ao ver Nico
recebendo uma série de socos em suas costelas. Inferno, isso ia doer muito no
dia seguinte. Levo minha mão até a boca quando o vejo desviar e acertar o
joelho no estômago de Django.
Nico desvia de outro soco e eu tenho meus dedos roídos até o toco
agora. Rhuan xinga alto quando o oponente de Nico acerta um soco em seu
abdômen e eu me encolho com a dor. Sua mandíbula já está azulada e sua
sobrancelha esquerda tem um corte sangrando.
Seu punho se levanta e movimenta para trás e então o rebote chega
com toda a força, esmagando o rosto do homem e o fazendo cair como uma
árvore sobre o chão do ringue. A platéia urra, assim como meu irmão
enquanto eu só consigo me sentir aliviado pra caralho.
Esfrego a lateral do meu rosto e sorrio quando vejo o juiz erguendo o
braço do Nico e o declarando campeão da noite. Vejo seu rosto com um
sorriso simples e seus olhos varrem a multidão ao dar uma volta com os
braços erguidos. Então, o que eu só posso descrever como acontecimento
cósmico, seus olhos me localizam no fundo e todo aquele azul mar se
bloqueia diretamente nos meus olhos. Suas sobrancelhas se franzem e eu só
posso descrever sua feição como surpreso.
Seja bem-vindo, Nico. Porque não há ninguém mais surpreso do que
eu nessa porra de lugar inteiro.
Cruzo meus braços e o observo com olhos cerrados, vendo-o engolir
em seco antes de acenar para os fundos e correr pela passarela até a porta pela
qual havia entrado antes da luta.
— Eu preciso ir junto? Eu vi como Nico nocauteou o cara. Se alguém
sair morto daqui vai ser você, Pablo.
— Cale a boca.
Saio dali com uma carranca e pronto para uma batalha.
Ia ser um inferno de uma discussão.
Eu estou ferrado. Completamente, fodidamente ferrado.
Porra!
Eu sabia que essa noite ia ser uma merda, mas não imaginei que a
sensação seria tão terrível. Algo me dizia que tudo daria errado, talvez um
sexto sentido de merda? Foda-se. Eu entrei no octógono aquela noite,
concentrado e focado em acabar com aquela luta de uma vez e voltar para
casa. A mentira estava corroendo meu corpo aos poucos, a dúvida na voz de
Pablo me deixando com o intestino em nós apertados.
Eu fiquei agitado após a ligação, me sentindo a pior pessoa do mundo
ao mentir para a pessoa que mais importa para mim depois do meu filho. A
pessoa que não é fácil em confiar e que abriu as portas do coração para mim.
Ao mentir, me senti enfiando uma faca no meu próprio coração. Eu pisei
naquele chão maldito forrado de sangue sujo e me senti ainda pior.
Um arrepio percorreu minha espinha enquanto meus punhos
trabalhavam, como se os olhos de um falcão estivessem presos em minha
nuca apenas aguardando a hora de atacar. Eu podia sentir garras afiadas em
minhas costas. Talvez fosse o sentimento de culpa? Possivelmente. A raiva
por estar lutando clandestinamente? Absoluta.
Meu corpo dói e sinto sangue escorrendo ao lado do olho de um corte
no supercílio. Esfrego minha bochecha ao olhar para o idiota nocauteado no
chão e ergo os braços, dando uma volta pelo octógono. A plateia ruge
enquanto eu giro e então meu passo falha. Meus olhos captam um rosto
sombrio em meio a luz e escuridão do maldito lugar.
Olhos escuros irritados.
Maldito seja, Pablo.
Aceno para a lateral e fujo para os fundos como um coelho assustado.
Passo por Muralha na porta do vestiário com seus braços cruzados e uma
feição satisfeita.
— Boa luta, cara.
— Inferno se foi. — Passo a mão pelo sangue escorrendo na minha
bochecha e aceno sobre o ombro. — Escute, meu... Um cara alto e de cabelos
escuros vai aparecer aqui. Deixe-o entrar, ok? Seu nome é Pablo.
— Namorado? — pergunta com uma sobrancelha arqueada.
Hesito e apenas balanço a cabeça. Depois de ver seu rosto eu já não
sei mais o que somos. Os olhos de Muralha me fazem perguntas silenciosas
que não quero responder agora. Eu tenho minhas próprias perguntas me
perturbando a cabeça. Como Pablo conseguiu encontrar esse lugar? Como
conseguiu entrar? Porra! O que ele estaria pensando agora? Será que viria até
mim e me deixaria explicar?
Puxo minha camiseta da minha bolsa e a enfio por minha cabeça com
movimentos bruscos. Soco meu armário e urro, raiva e frustração fazendo
meu sangue ferver.
— Acho que quem deveria estar socando o armário sou eu, não é?
Viro ao som de sua voz e estremeço ao olhar para seu rosto rígido
como pedra e olhos furiosos. Vejo seu maxilar trabalhando, seus braços
cruzados e pernas separadas, uma posição de defesa. Engulo em seco, meus
olhos indo além de seu ombro até onde Rhuan está apoiado na parede
casualmente com as mãos nos bolsos.
Merda, o Lobo.
Rhuan acena, um leve sorriso em seu rosto igual ao gato que pegou o
canário e está muito satisfeito com isso. Volto a fitar Pablo e dou um passo a
frente enquanto ele recua e balança a cabeça.
— Não se aproxime.
Porra. Meu coração se despedaça um pouco mais com o tom áspero.
Esfrego minha nuca e olho para meus pés para então voltar para seus olhos.
— Eu posso explicar?
— Ah, obviamente você vai explicar. Estou muito curioso, sabe?
Você não estava com um vírus?
Estremeço, meus olhos fechando brevemente.
— GQ...
— Não me chame assim e não se atreva a mentir para mim, Nico —
Pablo fala em voz baixa, levando um arrepio ruim por minha coluna. — Eu
estou despedaçado o suficiente. E muito irritado. Então desenrole.
Sento no banco, passando a mão por meus cabelos e tentando reunir
um pouco da minha mente longe da dor que estou sentindo agora. E não é
física. É a pior dor que a gente pode sentir. Nem quero pensar em como Pablo
deve estar se sentindo agora. Tudo o que me der de ruim ainda vai ser muito
pouco.
Solto um suspiro e pigarreio para clarear minha voz.
— Eu não sei por onde começar.
— Que tal do começo?
Ergo meus olhos para Rhuan em seu canto, suas sobrancelhas
arqueadas. Se o homem está aqui, alguma merda vai acontecer de muito
sério. Policiais iriam irromper pelo lugar a qualquer momento? Eu seria
preso? Merda, eu perderia Lucas no meio dessa fodida confusão.
Parecendo perceber meu pânico silencioso, Rhuan balança a cabeça e
abre as mãos na frente do corpo.
— Não se desespere. Estou aqui como irmão mais velho e protetor.
Assinto, tornando a olhar para Pablo ainda me fitando furioso.
— Não quer sentar? A história é um pouco longa. — Aceno para o
banco na minha frente.
— Não, obrigado. Estou muito bem de pé.
Passo meus olhos por seu corpo, não conseguindo resistir de checa-
lo. Eu adoro Pablo usando suas calças sociais apertadas e hoje ele está em
uma azul marinho e sapatos pretos brilhantes. Sua camisa branca está
dobrada nos braços e o colarinho aberto. Sua gravata deve ter se perdido no
meio do caminho. Seus cabelos sempre bem penteados estão uma confusão
sexy pra caralho e eu fecho minhas mãos em punhos sobre o colo para me
manter onde estou e não fazer uma besteira.
O homem quer uma explicação, não carinho.
— Do início, então? — Esfrego meus pulsos sobre minhas coxas
enquanto puxo minha memória tudo o que aconteceu comigo. — Eu contei
que perdi minha mãe quando Melissa nasceu e então meu pai algum tempo
depois. Fomos criados por minha avó, que como eu disse faleceu dois anos
atrás.
Pablo assente, ainda muito quieto. Cruzo meus dedos sobre meus
joelhos e me curvo um pouco. Minha história não é nada boa.
— Bem, eu cuidei de Melissa, já que sou o mais velho. Porém,
quando Mel fez quinze anos, se encontrou com péssimas companhias na
escola. Parou de fazer os deveres, faltava as aulas e saía escondida do quarto
para festas com todo tipo de bebidas e drogas. — Fecho meus olhos,
lembrando de como havia sido uma época infernal. — Minha avó ficou com
pressão alta naquela época e quase teve um enfarte. Eu decidi que não avia
motivos para deixar nossa avó preocupada. Eu já era de maior e trabalhava,
então eu aluguei um apartamento pequeno e nos movi para lá.
Levanto, incapaz de me manter quieto. Sempre quando tocava nesse
assunto eu me sentia terrivelmente irritado.
— Melissa não mudou. Eu tentei privá-la de sair. Tentei mantê-la
presa, mas não tinha como. Minha irmã sempre foi como um tornado, incapaz
de ser contida. — Balanço minha cabeça. — Tivemos brigas horríveis.
Discussões com palavras que nunca poderiam ser retiradas. Quando Melissa
tinha dezessete eu fiquei sem saber de seu paradeiro por quase quatro meses.
Havia evaporado como fumaça. Eu movi toda a polícia atrás dela, passei
noites sem dormir e perdi meu emprego por faltas enquanto procurava minha
irmã pelo fodido estado!
Jogo minhas mãos para cima, meu peito se apertando com as
lembranças tão crus na minha memória. Remexer um baú assim... Nunca
acaba bem. Esfrego meu rosto, torcendo-o ao sentir a ardência e o sangue
seco.
— Enfim, a encontramos em um beco a mais de quinhentos
quilômetros daqui. Estava praticamente nua, magra e quase irreconhecível.
Sinto meus olhos arderem quando a imagem da minha irmã surge tão
vívida na minha mente. Destruída. Uma boneca de pano suja e jogada como
trapo em uma calçada esburacada e rodeada de ratos e outros viciados caídos
e inconscientes. Doía. Mesmo depois de sete anos ainda doía como um
inferno.
Pablo se move devagar e se senta, suas costas rígidas e retas, seus
ombros esticados e o rosto ainda com sua máscara fria. Entretanto, seus olhos
pareciam um pouco mais amaciados.
— Eu não sabia que sua irmã era usuária de drogas. Ela me parecia
muito bem aquele dia na lanchonete.
Zombo, dando a volta no banco e me sentando de frente para ele.
Firmo meus olhos nos seus, me sentindo um pouco mais confiante e calmo.
Pablo está falando, isso significa que está me ouvindo.
— Isso não é tudo. — Balanço a cabeça e solto um suspiro. — Eu a
levei para um hospital naquele dia. Melissa ficou dias internada para se
recuperar. Foram feitos exames e neles descobrimos que estava grávida de
três meses.
As sobrancelhas de Pablo se erguem até quase a linha do couro
cabeludo enquanto Rhuan solta um assovio baixo.
— Você está dizendo que...
— Melissa estava grávida e se drogando até perder a consciência.
Injetando sabe Deus o que em suas veias enquanto gerava uma criança do
filho da puta do Zeca, seu fornecedor. — Fecho minhas mãos em punhos,
ainda querendo matar o cretino enforcado. — Melissa teve alta e eu a trouxe
para casa. Discutimos, como sempre. Ela não queria a criança, mas não havia
como interromper a gestação mais. Eu a fiz prometer que se manteria limpa
até o final e ela concordou, contanto que...
Fecho meus olhos, doendo demais contar essa parte.
— Que você ficasse com a criança — Pablo diz em voz baixa.
Assinto, não conseguindo conter as lágrimas de escorrerem pela
minha face.
— Eu disse a ela que faria qualquer coisa pelo meu sobrinho.
Tentaria levá-lo para o caminho certo, algo que não consegui fazer por minha
irmã. — Fungo, limpando minha bochecha com o punho. — A gravidez foi
complicada. O bebê era frágil e Melissa tinha surtos de abstinência. Perdi as
contas de quantas vezes a encontrei bêbada em casa ou fedendo cigarro
barato. Duas vezes a encontrei caída no quarto, chapada demais para lembrar
o próprio nome. Com trinta e cinco semanas Melissa entrou em trabalho de
parto e mal havia se passado algumas horas que havia cheirado alguns
comprimidos que encontrou no armário.
— Cristo, Nico... — Pablo esfrega o rosto enquanto Rhuan nos olha
soturno da porta.
— Ela prometeu que ficaria limpa — rosno, meus dedos se apertando
em um punho como se o pescoço de Melissa estivesse entre eles. — Mas era
só mais uma das promessas quebradas que fazia. Melissa nunca quis saber do
filho. Três anos atrás fiquei sabendo por Sandra que Melissa havia sido pega
em flagrante por porte de drogas. Como não era sua primeira viagem pela
delegacia, acabou presa. Foi solta meses atrás por bom comportamento.
— E, deixe-me adivinhar: ela correu para seu fornecedor, o namorado
viciado — Rhuan diz.
Franzo meu rosto em uma careta.
— Sim, ela foi. — Suspiro. — Acontece que Lucas nasceu
dependente químico. Agitado, impaciente e com o sopro no coração. Foram
semanas infernais com um bebê prematuro no hospital e eu não tinha
dinheiro algum na época, fazendo bicos e ganhando não mais que o suficiente
para pagar o aluguel e um pouco de comida. Melissa desapareceu como
fumaça e eu estava pouco me fodendo naquele momento. Ela tinha feito
dezoito, podia cuidar da própria vida.
— Que não vai ser muito longa com o andar da carruagem — Rhuan
resmunga baixinho.
Pablo joga um olhar por sobre o ombro que tem seu irmão desviando
os olhos para os sapatos. Irmão mais velho meu ovo.
— Depois que Lucas nasceu e Melissa desapareceu, o médico disse
que precisaríamos fazer uma cirurgia com urgência. O coração de Lucas
estava falhando. Mas... Não havia vaga dentro de três meses.
— O quê?! — Pablo exclama. — Como não havia vaga? O sistema
único de saúde deveria cobrir cirurgias de urgência...
— Foi o que eu disse. — Balanço a cabeça em resignação. — Não
havia médico de plantão que fizesse aquela cirurgia. Deveria ser agendada.
Até isso ser feito, Lucas poderia morrer. Ou eu pagava pela cirurgia ou veria
meu sobrinho morrer dentro de uma incubadora cheio de fios ligados ao seu
pequeno corpo. Eu já conhecia Muralha naquela época, o que o levou a me
falar sobre algumas lutas com dinheiro fácil. Talvez se eu pegasse uma noite
boa, eu poderia pagar uma parte da cirurgia.
— Foda-se — Pablo xinga entredentes.
— Eu peguei com as duas mãos sua oferta. Em uma noite eu ganhei
cinco lutas e fiz mais de oito mil reais. Eu paguei a cirurgia de Lucas e
pensei: agora tudo vai ficar bem. Vou levar o bebê comigo, vou cuidar e ele
será meu. Terei um emprego e então tudo vai ser perfeito.
— Como um conto de fadas doce, ein? — Rhuan riu.
— Bem, sim. — Encolho os ombros. — Eu tinha vinte e dois anos,
sonhos idiotas e um bebê no colo viciado, com o peito aberto de uma cirurgia
e uma irmã que havia desaparecido completamente. Eu precisava acreditar
que tudo poderia melhorar.
— O que houve? — Pablo questiona, descruzando os braços e
apoiando as mãos no banco.
— Muralha me procurou quando voltei para casa com Lucas. Ele
estava sendo forçado a me levar até o cara que comandava todas as lutas
clandestinas. Ele queria a mim como lutador principal porque eu tinha um...
— Bom jogo de pernas? — Rhuan arrisca.
Pablo se vira no banco e vocifera para o irmão:
— Cale a boca, Rhuan!
— O quê? Eu sou casado, mas tenho olhos.
— Vai ficar sem eles quando Caleb souber disso — rosna, virando-se
para mim mais uma vez.
Aperto meus lábios juntos, me forçando a não rir, já que minha
situação não está muito boa. Pigarreio, remexendo-me no lugar.
— Eu tinha um bom gancho de esquerda. Disse para Muralha que
não queria participar das lutas, não era isso que eu queria para minha vida.
Então, como em um maldito filme ruim, três caras surgiram na minha porta e
pediram gentilmente para acompanha-los até o carro que o Sr. Dono das
Lutas Clandestinas queria me ver pessoalmente.
— Você por acaso sabe o nome dele? — Rhuan pergunta como quem
não quer nada, olhando para suas unhas.
Pablo bufa, tornando a cruzar os braços.
— Por Deus, Rhuan. Você não pode farejar respostas para o seu caso
depois?
— Não está mais aqui quem falou. — Ergueu as mãos e sorriu para
mim. — Mas se quiser me ligar para falar depois, Nico, sabe meu número.
Assinto lentamente enquanto Pablo rola os olhos.
— Não se incomode com ele. Finja que é só uma estátua estranha ao
lado da porta.
— Uma estátua bonita — Rhuan resmunga, cruzando os braços e se
apoiando na parede mais uma vez.
— Você dizia? — Pablo ignora seu irmão.
Foco meus olhos no rosto do homem a minha frente e engulo em
seco, sabendo que estamos chegando na pior parte.
— Deixei Lucas com minha avó dizendo que tinha um trabalho para
fazer e ela ficou encantada com a possibilidade de cuidar do seu bisneto. Eu
tinha um cano na cabeça enquanto era guiado até um dos armazéns
abandonados. Muralha não abriu a boca para falar e eu não me atrevi a
perguntar nada. Quando entramos no escritório escuro e me vi cara a cara
com o dono de toda essa merda, eu senti meus joelhos fracos. Fui forçado a
sentar e enfrentar aqueles estranhos olhos escuros que me fitavam como se eu
fosse uma droga de diamante.
“Você é um achado, rapaz. Um grande lutador com punhos de
ferro.”
“Eu não sou Daniel ‘Danny’ Rand, senhor.”
Isso o fez rir.
A fumaça do seu charuto saía por suas narinas enquanto eu parecia
estar olhando para o próprio diabo do outro lado da mesa. Eu estava
sufocando com o ar pesado, com a perspectiva de que havia me enfiado em
merda e estaria atolado até o pescoço com isso.
“Nós faremos assim. Três dias da semana você pertencerá a mim.
Suas lutas serão as principais e no máximo quatro por noite. Um vestiário
apenas seu e seguranças. Você é a minha maior aposta, Nico.”
“E o que eu ganho com isso se eu aceitar?”
A risada rouca e baixa enviou um arrepio por minha espinha,
levantando os pelos da minha nuca.
“Além de trinta por cento dos lucros, você vive. E não há um ‘se
aceitar’. Você vai assinar essa porra de contrato ou você e seu pequeno
bastardo morrem.”
Solto o ar pela boca, a lembrança passando por minha cabeça como
um flash cruel de como a vida é uma droga traiçoeira.
— Uma caneta foi colocada na minha mão, um papel na minha frente
e a foto de mim e de Lucas saindo do hospital. A arma pressionou minha
nuca e eu me vi assinando um contrato sem previsão de fim, me amarrando
nessa merda que você viu hoje. — Inspiro profundamente e abro as mãos na
frente do meu corpo. — Isso sou eu. Um cara ferrado que tentou salvar o
filho e a própria pele nos últimos sete anos.
Os olhos de Pablo passam por mim e então se levanta. Meu coração
bate furioso contra meu peito, subindo pela garganta quando Pablo caminha
na direção da porta e eu sequer tomo conta que me levantei. Percebo que está
indo embora. O homem que eu amo está saindo pela porta e me deixando
quebrado para trás com minha própria miséria.
Entretanto, Pablo para ao lado de Rhuan, abre a porta e acena para
fora.
— Pode nos dar licença, por favor? Eu preciso fazer isso sozinho.
Os olhos de Rhuan vão para mim e então para o irmão.
— Certo. Apenas não seja vocal demais. Não quero ficar
traumatizado pelo seu gemido.
Rhuan é empurrado para fora e então Pablo bate a porta em seu rosto.
Seu corpo se vira para mim, as mãos enfiadas nos bolsos de forma casual
enquanto lentamente se aproxima com passos comedidos. Seus olhos passam
por meu corpo inteiro antes de pararem em meu rosto, vasculhando cada
parte até parar em meus olhos.
Seu corpo para apenas uma mão de distância de mim e eu posso
sentir o cheiro da sua colônia, me deixando louco apenas para tocá-lo. Porém,
sua posição distante me mantém no lugar. Seu maxilar trabalha, sua voz
saindo rouca ao fazer uma única pergunta:
— Porque mentiu para mim?
— Eu juro que ia contar para você amanhã. Eu ia lutar hoje e então...
Sua risada corta minhas palavras. Ela é dura, cruel, e me faz encolher
visivelmente.
— E eu devo acreditar nisso? E se chegasse amanhã e você se
acovardasse? Mentisse mais uma vez? E se eu ligasse para você, continuaria
dizendo que estava doente ou que havia se curado?
— Sinto muito, GQ. Eu...
Suas mãos agarram minha camiseta e, pego de surpresa, sou
empurrado contra o armário.
— Não! Não ouse!
Aperto meus dentes, meus olhos não suportando ver seu rosto
distorcido pela dor, mas também não conseguindo desviar. Seus olhos
escuros se enchem, uma lágrima vazando e escorrendo pela bochecha
esquerda.
Vê-lo chorar por minha culpa me rasga por dentro. Nenhuma das
lutas que já tive, nenhum dos socos que levei, nada poderia se comparar com
a dor em ver Pablo chorando. Seus punhos empurram uma, duas, três vezes
meu peito, fazendo minhas costas baterem contra o armário e dor irradiar por
minhas omoplatas.
Foda-se, ainda era pouco do que realmente merecia.
— Porque não me disse, porra? Apenas me dissesse!
— Eu tentei, mas falhei, okay?! — Agarro seus punhos, minha
garganta travando como se um punho a fechasse. — Eu fui covarde! Eu...
Merda, GQ, eu tive vergonha! O que um cara como você iria querer com um
cara como eu?
— Vergonha? — Seus olhos se arregalam, seus dedos apertando
minha camisa mais firme. — Você pegou Lucas e o criou como filho. Você
luta para sobreviver. O que eu não iria querer com um cara como você? Só se
eu fosse um imbecil! Inferno, Nico, eu tenho um irmão e cunhado policiais,
eu poderia ter feito algo para ajudar!
— Me perdoe, GQ. Eu só... — Puxo seus punhos mais apertados e
descanso minha testa contra a sua. — Melissa quer a guarda de Lucas. Ela
está movendo a justiça e o julgamento é em menos de duas semanas. Eu não
posso ter essa merda de luta explodindo com a polícia ou irei perder meu
filho. Eu não suportaria...
Seus olhos se fecham, um gemido de dor saindo por seus dentes
cerrados. Sua cabeça cai contra meu ombro e passo meus braços ao redor de
suas costas, puxando-o mais humanamente possível para perto de mim. Seu
corpo treme e não sei se é raiva ou choro sendo derramado. Eu apenas o
seguro, percebendo o quão em paz eu me sinto por apenas tê-lo em meus
braços.
Sua cabeça se levanta e seus dedos soltam minha camisa e seguram
meu rosto. Sua boca se choca contra a minha e fecho meus olhos,
aproveitando o que pode ser nosso último beijo. Eu sugo sua língua,
engolindo seu gemido e tomando sua boca para mim com desespero. O sabor
de sua boca é salgado pelas lágrimas e tem gosto do café que sempre toma.
Tem sabor de saudade.
Cedo demais, Pablo afasta sua cabeça, seus olhos nevoados me
observando, seu rosto sério.
— Nós vamos resolver isso, entendeu? Não se atreva a esconder mais
nada de mim. Rhuan sabe como desovar um corpo e não parecer culpado.
Eu sorrio, assentindo. Esfrego suas costas e solto um suspiro.
— Estamos bem?
— Inferno que estamos — resmunga dando um passo para trás e atira
um dedo no meu rosto. — Eu vou fazer você rastejar pelo meu perdão. E isso
tudo começa com você vestindo um terno de três peças para uma festa da
minha empresa.
Torço meu rosto com desagrado fingido.
— Sapatos sociais e gravata borboleta?
— Definitivamente. Discursos egocêntricos e música ruim também.
Solto um gemido, batendo minha cabeça no armário. Entretanto, não
consigo evitar um sorriso idiota. Pablo balança a cabeça e morde o lábio
inferior, limpando o rastro das lágrimas de suas bochechas e dando mais um
passo para trás.
— Você tem mais alguma luta?
— Não. Essa foi a única de hoje.
Pablo assente, se virando e indo para a porta.
— Pegue suas coisas. Estamos indo para casa.
Meu peito se aquece com suas palavras e me faz soltar um riso alegre
e completamente bobo. Ainda há esperança depois de tudo. Recolho minhas
coisas e vou atrás de Pablo me esperando na porta. Seus olhos vão para meu
supercílio e solta um bufo.
— Precisamos cuidar desse corte.
— Eu tenho algumas coisas em casa. Agulha e linha caso precise
costurar. — Encolho um ombro, passando meu braço por seus ombros.
Pablo rola os olhos ao resmungar:
— Claro que você tem.
Saímos no corredor e encontramos Rhuan falando baixo no telefone,
andando de um lado para o outro, a mão passando pela lateral dos seus
cabelos e os deixando eriçados.
— Estou dizendo... Não estou sozinho! Apenas... Porra, você pode
parar de latir e meu ouvir? Pablo pediu... Eu não estou arranjando desculpas!
— Rhuan se vira para nós e balança o celular na direção do irmão. — Pelo
amor de Deus, faça-o ouvir.
Pablo recolhe o celular e afasta ligeiramente do ouvido. Até eu posso
ouvir os gritos do outro lado.
— Caleb? Sim, é o Pablo. Não, Rhuan não me puxou para nada, fui
eu que o puxei sem saber onde estava me metendo. — Os olhos de Pablo se
estreitam. — Se ele saiu da minha vista? Não. Estava o tempo todo comigo.
Caleb, eu juro pela minha mãe que Rhuan não estava xeretando sem
permissão.
Rhuan toma o celular de Pablo e torna a vociferar em voz baixa.
— Você acha que eu seria capaz de agir pelas costas de todos apenas
por mérito próprio? Não responda! — Rhuan esfrega a têmpora e abre um
largo sorriso. — Sim, eu vou estar esperando você em casa. Eu também te
amo.
Arqueio as sobrancelhas por essa estranha troca no telefone e Rhuan
encolhe os ombros.
— Nós somos perfeitos um para o outro. E vocês? Resolveram seus
problemas? Devo dizer que foi bem rápido... Ai! — Rhuan grita quando
Pablo acerta um soco em seu peito.
— Cale a maldita boca, Rhuan.
Nos dirigimos para fora, nos esgueirando pelas sombras para não
sermos notados e saímos para a boate. O som alto retumba contra meu peito e
zune em meus ouvidos, me mostrando que posso me sentir um pouco velho
para essas coisas.
Passo meus olhos pelas pessoas saltando ao som da música eletrônica
quando pego o vislumbre de cabelos castanhos e olhos azuis perversos. Eu
paro, meu corpo congelando no lugar e deixando cada membro frio como
gelo. A garota sorri para mim perto do bar enquanto a voz de Pablo é apenas
um som vago perdido em meus ouvidos. Vejo-a levantar um celular e o
balançar, um vídeo parecendo rolar pela tela.
Eu avanço, seguindo cegamente pela boate até a saída, correndo e
tropeçando, meu coração martelando pesado. Eu saio para a noite quente e
úmida, minha boca seca e meus olhos procurando frenéticos ao redor quando
a vejo virando a esquina. Pablo grita meu nome, mas eu não posso parar. Eu
corro até o final da rua e quase bato contra o corpo menor sorrindo e
balançando a cabeça para mim.
— Quem diria? Ganhar nunca pareceu tão fácil para mim.
Avanço, minhas mãos agarrando o celular e o esmagando abaixo do
meu pé até a tela ficar preta e o aparelho morto. Olho para ela furioso
enquanto continua sorrindo.
— Eu salvei seu vídeo na nuvem. Belos socos em um ringue
clandestino. Não se preocupe, vou cuidar de Lucas como um filho. Porque ele
é meu de qualquer forma. Espero que sua cela seja tão fria quanto a minha
foi, Nico.
Observo-a sair e entrar em um carro, Zeca me olhando com um
sorriso no rosto antes de dar partida e sair como um louco pela rua. Pablo
para ao meu lado, lançando um olhar preocupado para mim enquanto Rhuan
acena para o carro.
— Quem era?
— Melissa — digo, minha garganta arranhando. — E ela tem um
vídeo meu lutando.
Olho para Pablo, sua raiva se assemelhando a minha. Esqueça o fio
de esperança. Ele acaba de morrer esmagado pelos pneus do carro de
Melissa.
A noite havia sido uma bela de uma porcaria. Eu estou tão, mas tão
irritado com Nico que eu mal consegui pregar meus olhos para uma boa noite
de sono. Eu me senti traído ao vê-lo lutando naquele octógono e nunca ter me
contado que fazia isso. Então houve sua explicação e eu me senti ferido. Em
um relacionamento, a gente busca confiança no outro. Eu decidi confiar em
Nico, mas ele parecia não ter confiado o suficiente em mim.
E então há o problema chamado Melissa. Não deu para ignorar o fato
de que ela ter gravado Nico lutando é algo terrível. Se ela usar isso no
tribunal, não só Nico pode acabar preso como perder a guarda de Lucas e
também ferrar com toda a investigação de Rhuan. Estávamos em um caminho
sem saída e extremamente irritados com a situação.
Levanto-me da minha cadeira no escritório e olho pela grande janela
para a rua movimentada. Eu não quero admitir para mim mesmo, mas eu
senti muita falta de Nico esta noite. Me preocupei, pensando em como ele
deveria estar se sentindo e se havia costurado seu supercílio cortado. Depois
que Melissa desapareceu na noite, decidi que seria melhor ir embora para
minha mãe ao invés de ir para a cama com o homem quente e abatido.
Eu preciso ficar sozinho e pensar, foi o que eu disse.
Tudo isso para não conseguir chegar a nenhuma conclusão e rolar na
minha antiga cama como se houvesse farpas por todo o maldito colchão.
Esfrego minha nuca, o cansaço deixando meus ombros rígidos e ainda não
são nem dez da manhã. Fale também sobre meu orgulho ferido em não
receber uma mensagem de Nico essa manhã e não enviar nada a ele para não
parecer que o desculpei.
Inferno, como eu sou medíocre.
Meu celular toca sobre a mesa e eu praticamente corro para alcança-
lo, vendo o nome de Nico na tela. Arrumo minha gravata e pigarreio, rolando
meus olhos para a meu gesto vergonhoso ao atender.
É uma ligação, não vídeo chamada.
— Sim? — falo como se estivesse desinteressado e não tivesse visto
seu nome.
— Pablo? Jesus, eu... — Há um som engasgado e isso me faz ficar
alerta, meus pensamentos correndo em todas as direções.
— Nico? O que está acontecendo?
— Houve um acidente... Lucas, ele... Merda, Pablo, eu...
— Nico, acalme-se. Ouça minha voz, respire fundo. Inspire e expire,
querido.
Ouço sua respiração do outro lado da linha e recolho minhas coisas e
meu terno da cadeira, saindo apressado do escritório. Bianca acena uma pasta
para mim e eu balanço a cabeça ao apertar o botão do elevador.
— Nico? Consegue me contar o que houve? — pergunto, passando
um braço pelo terno e manobrando o telefone de um ouvido para o outro.
— Lucas se machucou na aula de Educação Física. Estamos no
hospital e... Porra, Pablo, eu não sei o que fazer! Ninguém me diz nada! —
sua voz embarga, saindo arrastada e baixa. — Você pode vir? Por favor,
Pablo, eu preciso de você.
— Me envie o endereço. Eu estou a caminho. — Entro no elevador e
fecho meus olhos. — Estou indo até você, me ouviu? Eu te amo.
— Eu também te amo — diz com um soluço antes de desligar.
Aperto o punho contra minha garganta, segurando minhas próprias
lágrimas de desespero.
Um acidente.
Deus todo poderoso, salve a vida do garoto.
Salto do elevador quando mal abre as portas e saio do prédio o mais
rápido que consigo, indo na direção do hospital que Nico me enviara o
endereço. Percorro as ruas enquanto meus pensamentos são como uma oração
pela vida da criança, implorando para que seja apenas um susto.
Estaciono um pouco torto na vaga e saio do carro sem ao menos olhar
para atravessar. Ótimo, Pablo, seja atingido por um carro e acabe ferrado sem
poder ajudar Nico nesse momento. Desvio de algumas pessoas no caminho e
passo pelas portas da frente e corro até a recepcionista, empurrando quem
está na frente.
— Lucas! Eu preciso saber onde enviaram a criança Lucas Belucci
Fabbri.
A mulher me olha com sobrancelhas arqueadas.
— Você é um parente?
Abro a boca e torno a fechá-la.
O que eu sou de Lucas? Padrasto? Tio? Conhecido do seu pai? Torno
a abrir a boca mais uma vez quando meu nome soa rouco no corredor e me
viro para ver Nico caminhando até mim.
Eu desvio da mulher com a criança ao meu lado e corro até onde
Nico está, me chocando contra seu corpo em um abraço apertado. Sua cabeça
se enterra no meu pescoço, seus ombros tremendo com as lágrimas
derramadas em silêncio.
— Pablo... Deus, eu pensei que você... Eu pensei que não fosse vir...
— Shh... Eu estou aqui. Sempre vou estar aqui.
Envolvo meus braços ao seu redor, deixando-o me apertar enquanto
chora seu desespero. Acaricio seus cabelos e suas costas, beijando seu
pescoço até seu corpo parar de tremer. Vejo Sandra parada encostada na
parede, seus braços cruzados nos olhando. Quando Nico parece mais calmo,
eu me afasto levemente apenas para conseguir encontrar seus olhos
vermelhos e inchados.
— O que houve, querido?
Seus olhos se fecham e inspira profundamente antes de soltar devagar
e abrir novamente os olhos. Eles estão ainda mais azuis, brilhando com dor.
Acaricio sua bochecha enquanto seus dedos apertam minha cintura e sua testa
se encosta na minha.
— Na aula de Educação Física, Lucas achou que seria legal tentar
saltar o cavalo com alças[10] na sala de ginástica igual aos amigos enquanto o
professor lidava com a mesa de pebolim. Lucas saltou... E desmaiou quando
caiu fora do colchão.
Fecho meus olhos, meu coração batendo disparado no peito com suas
palavras.
— O que aconteceu?
Eu mal reconheci minha própria voz, grossa e pesada.
— Eu não sei. Os garotos gritaram o professor quando viram que
Lucas não levantava. A ambulância foi chamada e então o diretor me ligou.
Eu cheguei aqui e... — Sua cabeça balança com pesar, sua voz soando com
raiva. — Eles não me dizem nada!
— Faz quanto tempo que chegou aqui?
— Meia hora? Eu não sei...
— O que acha de sentar enquanto eu tento ver se alguém tem alguma
notícia?
Nico assente, o cansaço caindo sobre seus ombros e o fazendo
encurvar. O acompanho até uma das cadeiras de plástico e jogo um olhar para
Sandra que se aproxima e senta ao lado de Nico e pega sua mão na dela.
Acaricio seu ombro antes de sair mais uma vez até a recepcionista, não
recebendo nenhuma informação.
Eu paro alguns enfermeiros, que me dizem que irão tentar saber de
algo, mas é apenas isso que recebo. Nos sentamos em silêncio no corredor de
espera, a perna de Nico saltando em ansiedade enquanto acaricio suas costas.
Eu tiro meu paletó, sentindo-me sufocado dentro dele, e arregaço as mangas e
puxo minha gravata fora.
Olho para o elogio marcando quase meio dia quando minha mãe
surge pelo corredor carregando pequenas marmitas e um aflito Ângelo
correndo em seus calcanhares. Me levanto quando Dona Helena se aproxima
e coloca as marmitas nos meus braços para abraçar Nico ainda sentado.
Ouço-a murmurando em seu ouvido, dando leves tapinhas em suas costas e o
embalando em seus braços.
Sinto minha camisa sendo puxada e desvio meus olhos para o garoto
magrelo aos meus pés.
— Tio, como “tá” o Lucas?
Passo minha mão por seus cabelos e solto um suspiro.
— Ainda não tivemos notícias.
— Ele vai ficar bem, não é?
Olho para seus olhos brilhantes, o lábio inferior tremendo levemente
enquanto seu cenho se franze como que para conter as lágrimas.
— Sim, ele vai. Lucas é muito forte.
Eu sorrio, mas não sei se o convence. Minha mãe enxuga as
bochechas de Nico e beija suavemente sua testa.
— Coma. Seu filho precisa de você inteiro, não em pedaços. Seja
forte por ele, entendeu?
— Sim, Grande Mãe.
— Ótimo. — Se vira para mim e me dá um rápido abraço. — Cuide
dele. Ele precisa de alguém para se apoiar e mantê-lo de pé.
— Eu farei. — Assinto e beijo sua bochecha. — Como soube que
estávamos aqui?
— Ângelo — diz apontando o garoto limpando a lágrima da
bochecha e olhando para o corredor como se buscasse por algo. — Ele disse
que tentou fazer Lucas não pular, mas os outros garotos gritavam para fazer.
Foi ele que gritou o professor por ajuda. Esse hospital era o mais próximo da
escola, apenas juntei os pontos.
Olho para Ângelo limpando o nariz com o punho e bagunço seus
cabelos, sorrindo para sua cara irritada.
— Você fez bem, carinha. Foi um grande amigo.
— Eu disse para ele não fazer, mas Lucas queria se amostra pro
imbecil do Gustavo.
— Linguagem, Ângelo — minha mãe diz, dando um peteleco em sua
orelha.
Nico solta um suspiro e apoia a cabeça entre as mãos.
— Lucas sabe que não pode fazer certas coisas. Ele não é o super-
homem!
Sento-me ao seu lado, entregando as marmitas para Sandra segurar.
Puxo seu rosto para mim, observando seus olhos perdidos e vermelhos.
— Lucas é uma criança e crianças pensam que são invencíveis. Ele
vai cair, mas você precisa estar aqui para pegá-lo quando precisar.
Seus braços me envolvem, sua cabeça caindo em meu ombro e
assentindo devagar. Minha mãe acena, puxando um emburrado Ângelo com
ela enquanto Sandra cava dentro das sacolas a comida cheirosa da minha
mãe.
Eu forço Nico a comer um pouco e parece estar um pouco de volta
nos trilhos mais uma vez. Quando se passa das uma da tarde, um médico se
aproxima de nós e Nico já está de pé para recebe-lo.
— Os pais de Lucas Belucci Fabbri?
— Nós, somos nós — Nico diz, sua mão envolvendo a minha. — O
que houve, doutor? Nosso filho, ele...
Engulo em seco, tanto pelo medo do que o médico poderia dizer
como para o que Nico acaba de falar sobre eu também ser o pai de Lucas.
— Eu sou o Dr. Alissom. Lucas chegou aqui com uma parada
cardíaca. Foi reanimado na ambulância, mas quando chegou na mesa teve
mais duas paradas. Eu tive de fazer a cirurgia o mais rápido possível para
salvar sua vida.
Envolvo a cintura de Nico com um braço quando parece que suas
pernas falham um pouco. Sua mão passa pelo cabelo, seu rosto torcido com
dor.
— Foi a válvula?
O médico assente brevemente.
— Estava pequena e estreita demais. Provavelmente a adrenalina fez
o coração bombear mais rápido e se esforçar demais, causando o desmaio
assim que ele caiu. Realizamos o cateterismo e trocamos a válvula por uma
maior, não conseguimos repará-la. Introduzimos uma de metal e agora que
Lucas está no quarto administramos Varfarina para prevenir a formação de
coágulos.
Eu estou completamente perdido no meio da conversa. Balanço
minha cabeça, me intrometendo no meio.
— Mas Lucas está bem agora, não está? Ele vai voltar para casa? Nós
podemos vê-lo?
A mão de Nico esfrega minhas costas quando Dr. Alissom sorri. Se o
médico sorriu isso significa que tudo está bem, não é?
— Lucas volta para casa em cerca de duas semanas. Vamos
monitorá-lo para saber como reage a cirurgia e aos remédios.
— Lucas é dependente químico. Não pode ser dado muito remédio.
Nós conseguimos tirá-lo completamente da dependência ano passado e agora
tentamos com remédios orgânicos.
Dr. Alissom assente e preenche algo em sua prancheta que eu sequer
havia percebido que ele estava carregando.
— Vou falar com os enfermeiros. Você poderia fornecer todo o
histórico médico que tiver? Lucas tem sido tratado em outro hospital?
— Eu... Eu vou entrar em contato com o médico de Lucas para que
ele forneça os dados.
— Eu agradeço por isso. E sobre a pergunta anterior, sim, vocês
podem vê-lo, mas não demorem.
Nico assente, apertando minha mão. Sandra gesticula para onde Dr.
Alissom desapareceu.
— Vão vocês. Eu fico aqui até voltarem.
Seguimos o corredor até o final e então subimos para o segundo
andar. As enfermeiras pedem para que coloquemos luvas e toucas de plástico,
assim como um avental para entrar na sala. Não é uma doença contagiosa,
mas uma criança recém operada do coração.
Todo cuidado é pouco.
Nos aproximamos da cama, olhando como Lucas parece tão indefeso
ligado por todos aqueles tubos e o curativo em seu peito. Parece pálido e tão
magro...
Não percebo que estou chorando até Nico limpar minha bochecha e
beijar as costas da minha mão. Seu braço envolve meus ombros e eu abraço
sua cintura, observando Lucas induzido ao sono.
— Obrigado — digo suavemente.
Os lábios de Nico passam de leve em meu maxilar.
— Pelo quê?
— Por dizer que eu sou pai dele também.
— Eu não disse uma mentira. — Seus braços me apertam e
acrescenta baixinho. — Volte para casa, GQ.
— Eu vou. Não se preocupe com isso.
Inclino minha cabeça na sua, nossos olhos presos no garoto
respirando calmamente.

O sol havia se posto quando saí do hospital. Nico se recusava a ir e


Sandra disse que cuidaria dele enquanto eu buscava roupas e um pouco de
comida. Minha mãe havia ligado em busca de informações e dito que havia
deixado mais marmitas separadas para nós.
O que eu faria sem essa mulher na minha vida?
Os dias que se seguiram foram um pouco tensos, mas Lucas começou
a responder bem. Estava cicatrizando e não demonstrava dependência do
remédio administrado na veia. Nico disse que é normal ficar a primeira
semana na UTI com todos aqueles fios, drenos e sondas. Fazia dois dias que
Lucas havia sido transferido para o internamento infantil e a visita agora era
mais aberta.
Depois de muito pensar sentado naquelas cadeiras desconfortáveis,
percebi como eu havia deixado meu orgulho ser maior em nossa briga. Com
as idas ao hospital, ver o pequeno Lucas tão frágil e como Nico havia se
tornado de um homem forte e construído para um destruído e curvado,
percebi o motivo de manter o segredo de mim. Mesmo que ele confiasse, não
havia como saber se eu ficaria ao seu lado. Uma coisa é dizer que você lida
bem com a situação e outra completamente diferente é realmente agir quando
necessário.
Os outros fugiram apenas pelo fato de Nico ser pai solteiro, e mais o
fato de Lucas ser uma criança com alguns problemas de saúde fizeram muitos
sequer querer conhecer como incrível é aquela criança.
Algumas pessoas são apenas perda de tempo.
Esfrego meu rosto, levantando-me e sentando na borda da cama.
Lanço um olhar por sobre o ombro para Nico ainda dormindo, um braço
sobre os olhos e a boca levemente aberta em um ronco profundo. Eu sei que
por baixo daquele braço há olheiras escuras pela falta de sono e preocupação.
Sei também que essa noite ele dormiu algumas horas a mais que a noite
passada já que Sandra o expulsou de lá para que pudesse descansar um
pouco.
Um susto que me fez ter alguns cabelos brancos.
Caminho um pouco trôpego para o banheiro e resolvo meus negócios
antes de voltar para o quarto. Encontro meu celular tocando e eu o resgato e
atendo antes que Nico acorde preocupado. Felizmente, ele apenas se vira na
cama e continua dormindo.
— Alô?
— Hey, Pablito. Bom dia. Acordei você?
— Não, eu já estava de pé.
— Uh, de pé? Atrapalhei alguma ação quente entre você e o
lutador? Uma chave de coxa?
Saio do quarto e vou para a cozinha para preparar um pouco de café.
Preciso de muita cafeína para lidar com meu irmão idiota tão cedo.
— Cale a boca, Rhuan. O que você quer?
— Ouvir seu mau humor matinal é que não é — resmunga. — Eu
tenho algumas notícias, mas eu não quero fazer isso por telefone. Você pode
ir na mãe daqui uma hora?
Franzo as sobrancelhas.
— Isso é uma convocação familiar?
— Absolutamente.
— Então é sério.
— E eu por acaso brinco nessa vida? Não responda. Fique quieto
você também, Caleb. Estou falando com meu irmão.
Rolo meus olhos, pegando a xícara de café quente da máquina e
tomando um gole lento. Fecho meus olhos, aproveitando o sabor enquanto
meu irmão briga com seu marido do outro lado da linha como se eu não
existisse. Quando ofegos começam, eu faço uma careta.
— Cristo, eu estou aqui ainda.
— Hey! Achei que tinha... Tinha desligado. Então... Uma hora,
certo? — Um gemido e eu posso estar querendo devolver meu café. — Te
vejo lá. Eu estou... Hmm, ocupado agora.
— Muita informação, Rhuan! — exclamo, desligando o telefone.
Aperto a ponte do meu nariz quando ouço passos pelo corredor e ergo
os olhos para ver Nico entrando na cozinha. Seus cabelos castanho claros
estão uma bagunça, há uma marca de travesseiro na bochecha esquerda
enquanto coça um dos olhos. Observo-o caminhar até mim vestindo nada
mais que uma cueca verde piscina e uma ereção matinal.
Seu corpo quente cola no meu, sua cabeça tombando em meu ombro
e suas mãos se apoiando no balcão atrás de mim. Respiro seu cheiro,
deixando minha xícara de lado e pousando minhas mãos em sua cintura
estreita. Seu quadril se move contra o meu, o tecido da sua cueca roçando da
minha calça de pijama e acordando meu pau com seus movimentos suaves.
— Eu acordei e você não estava lá — murmura contra a pele do meu
pescoço.
Sorrio, subindo minhas mãos para suas costas e abaixando até o topo
da sua bunda. Sinto seus lábios sugando a pele entre meu ombro e pescoço
para então seus dentes mordiscarem.
— Rhuan me ligou — solto um gemido quando seu quadril se esfrega
mais rápido. — Ele quer... Jesus, Nico.
Minha cabeça cai contra a porta do armário e sua boca passa a beijar
e lamber minha garganta e pomo de Adão. Seus dedos cavam em minha
cintura, seu pau batendo mais e mais e contra o meu. Empurro sua cueca para
baixo, libertando seu pau e isso o faz sibilar quando meu polegar roça a
lateral quente e ansiosa. Seus dedos empurram o cós da minha calça,
libertando a mim e meus olhos reviram um pouco quando minha carne
encontra a sua.
Minha respiração acelera, se tornando apenas um chiado conforme eu
trabalho mais e mais para acompanhar as investidas de Nico. Sua boca toma a
minha, sua língua se enroscando com a minha enquanto transamos a seco
contra o balcão da cozinha. Um gemido rouco e profundo me deixa quando
suas mãos passam a estimular meus mamilos, puxando os piercings e
torcendo, deixando-os ainda mais sensíveis.
Solto um grito surpreso quando o orgasmo me atinge sem ao menos
me avisar, saindo em pulsos rápidos e fortes. Minhas pernas amolecem e
deito minha testa no ombro de Nico quando seu clímax pinta minha barriga e
se mistura com o meu. Sinto um beijo suave perto da minha orelha e ronrono
satisfeito.
— Você já me perdoou?
Ergo minha cabeça e olho para Nico com olhos cerrados.
— Eu deveria, não é mesmo?
Um sorriso ergue o canto de sua boca e fico tentado a lambê-lo.
— Sim, deveria.
— Você ainda tem que ir comigo à festa de hoje. Perdoando ou não.
— Sorrio, me desvencilhando de seu corpo e erguendo minha calça.
Procuro por papel toalha e me limpo assim que o acho. Nico se senta
no banquinho da ilha e apoia a bochecha no punho fechado, me observando
de perto. Tiro uma nova folha de papel e passo a limpá-lo até não encontrar
mais nenhum resquício de sêmen.
Sua mão passa por meu pescoço e para em meu rosto, acariciando
minha bochecha.
— Eu não mereço você — diz baixinho.
Seguro sua mão e beijo sua palma e então seu pulso. Quando falo, me
certifico de que seus olhos estão nos meus.
— Não é uma questão de merecer ou não. Eu o amo por você ser
quem é. Forte, um bom pai, carinhoso e engraçado. Eu não mudaria nada,
Nico.
— Eu pisei na bola...
— Você teve receio e eu entendo isso agora. Nico, eu não vou fugir.
Estou aqui para o que der e vier, você precisa aceitar isso. Eu não sou como
os outros. Eu sou um Alencar. Podemos ser estranhos e lentos, uma família
gigante e barulhenta, mas nós somos leais com os nossos.
Beijo-o devagar, aproveitando o momento de apenas nós depois de
toda a turbulência da semana passada. Belisco seus lábios e sorrimos quando
sua barriga ronca.
— Eu poderia oferecer um café da manhã, mas temos um encontro na
minha mãe em quarenta e cinco minutos. E ela, com absoluta certeza, vai nos
preparar um grande café da manhã e nos fazer comer até sair de lá rolando
como tatus bolinha.
Nico solta uma risada profunda. Se levanta e espreguiça, me dando
uma ótima visão do seu abdômen.
— O que estamos esperando? Eu sinto falta da comida da sua mãe.
— Sim, como se não houvéssemos comido em todos os almoços
marmitas feitas pela Dona Helena na última semana — zombo.
— Eu fiquei mal-acostumado — diz, enlaçando minha cintura. Beija
minha nuca, murmurando: — Estamos bem, não estamos?
Bato em sua mão e vou para o guarda roupa para pegar uma bermuda
e uma camiseta.
— Pare de perguntar. Estamos bem, vai tudo ficar bem, confie em
mim. Nós vamos para a minha mãe, então vamos ver Lucas no hospital e
voltamos para nos arrumar para a festa. — Jogo uma camiseta para Nico
enquanto caminho até a cama para calçar os tênis. — Bebemos, rimos de
piadas sem graça e depois dos agradecimentos eu vou arrastá-lo para casa
para poder, finalmente, fazer amor com você.
Ergo os olhos para ver que Nico sequer saíra do lugar, ainda
segurando sua camiseta.
— O quê?
— Onde você esteve todo esse tempo, GQ?
— Perdido. — Me levanto e atravesso o quarto, beijando sua
bochecha e sorrio. — Então eu encontrei você e seu garoto. Meus destinos.
Apenas meu. Estou esperando você na sala. Apresse-se. Dona Helena não
gosta de atrasos.
Nico assente e eu saio do quarto me sentindo mais feliz do que já
estive nos últimos cinco anos da minha vida.
—O que seu irmão quer conversar com a família inteira?
Pablo encolhe os ombros com minha pergunta. Desafivelo o cinto
quando estaciono na frente da casa de Dona Helena e olho para o enorme cão
peludo e babão pulando no jardim atrás de uma borboleta. Abro a porta e saio
para a manhã quente de verão infernal e franzo os olhos contra o sol.
— Talvez ele queira dizer que decidiu crescer, finalmente, e adotar
uma criança?
Dou a volta no carro e paro ao seu lado com as mãos na cintura, o
pirulito quase no fim rodando em minha boca de um lado para o outro.
— Isso seria possível? — pergunto.
— Só se o inverno congelasse. Pronto?
Olho para sua mão esticada e a seguro, entrelaçando nossos dedos.
Espero não parecer tão hesitante e nervoso quanto me sinto. Na outra vez que
vim aqui foi como um amigo da família, pai do amigo do filho de Luna.
Agora é como namorado de Pablo, hétero até esses dias. Inferno, isso é como
colocar uma mira na minha testa onde todos seus irmãos podem jogar
perguntas aleatórias e me ver suar para responde-las.
E, para piorar, Pablo não tentou me dissuadir. O que significa que
realmente vai ser foda quando verem nossas mãos unidas entrando naquela
sala. Eu acabo quebrando o resto do pirulito entre os dentes, o que sobra
apenas o palito para ficar girando.
Pablo empurra o portão aberto e Gordo levanta sua grande cabeça na
nossa direção, trotando como um urso babão. Seu focinho cheira nossos
sapatos e eu grunho quando um rastro de baba é deixado em minha perna
descoberta e escorre para dentro do tênis. Porque eu coloquei bermudas?
Pablo ri e eu o recompenso com um beliscão nas costelas. Inspiro o cheiro de
café vindo da cozinha e sou puxado até os fundos onde se pode ouvir as
vozes dos irmãos de Pablo.
E todos eles se calam quando entramos, olhando diretamente para
mim logo atrás de Pablo. Engulo em seco quando Pablo simplesmente
levanta nossas mãos unidas em um aceno ao mesmo tempo em que Dona
Helena coloca uma grande cesta de pão no centro da mesa.
— Até que enfim vocês chegaram. Rhuan se nega a abrir o bico
enquanto todos não estão presentes — Dona Helena diz, entregando a faca
para Ivete.
— Nico dirige como uma senhora caquética. Por isso estamos
atrasados — Pablo responde ao sentar.
Eu solto um som engasgado ao desabar ao seu lado e tiro o palito da
boca e aponto para ele.
— Eu sou cuidadoso!
— Sim, você é, querido. — Sorri, batendo em minha mão como
consolo.
Rhuan inclina sobre a mesa, apoiando o queixo em sua palma
enquanto um sorriso cretino está estampado em seu rosto.
— Eu não acho que é exatamente por isso que estão atrasados.
— Cale a boca, Rhuan — Pablo fala, pegando uma xícara e se
servindo de café.
Pego a garrafa de sua mão, sentindo minhas bochechas vermelhas
quando uma das irmãs de Pablo, acho que essa seria a Olívia com seus
expressivos olhos azuis, o encara.
— O quê?
— Então é isso? Você chega, senta, come e é tudo?
As sobrancelhas de Pablo arqueiam quando Dona Helena surge mais
uma vez, colocando uma jarra de suco na frente de Vicenzo.
— E porque ele deveria dizer algo? A vida é dele, cuide da sua.
Olívia joga as mãos para cima em frustração quando Vicenzo balança
a faca na direção de Pablo.
— Não, não. Nós devemos falar sobre o elefante na cozinha.
Engasgo com a comparação e Pablo bate a mão em minhas costas.
— Elefante? Do que você está falando, Vi? — Luna questiona
franzindo as sobrancelhas.
Recupero um pouco da minha compostura, limpando o café que
escorreu da minha boca pelo queixo e observo Luna por um instante. Suas
olheiras profundas abaixo de seus olhos e parecendo mais pálida do que a
última vez que a vi. Deus, o que ela deve estar passando sem os filhos...
Pablo balança a cabeça, envolvendo meus dedos com os seus mais
uma vez e apoiando sobre a mesa para que todos pudessem ver. Seus olhos
escuros me observam, como se pedissem uma autorização silenciosa. Eu
assinto uma vez e o vejo puxar ar para seus pulmões. Talvez não fosse apenas
eu que estivesse nervoso.
Vira-se para sua família com um sorriso tímido, mas corajoso.
— Nico e eu estamos namorando.
— Finalmente alguém decente! — Olívia ruge.
A horda de exclamações começa, me deixando apavorado. Ivete se
debruça sobre mim, seus olhos verdes me observando de perto enquanto me
pergunta se eu seduzi seu pequeno irmãozinho. Balanço freneticamente a
cabeça já que, na verdade, foi o contrário. Eu acho. Suzana cutuca Pablo
perguntando quando que caiu do outro lado do muro e ele rola os olhos
quando Rhuan diz que ele foi espiar e decidiu que o outro lado era melhor.
Todos saltam quando o rolo de macarrão da Dona Helena bate sobre
a mesa três vezes, nos silenciando. Ela aponta para cada um, como se fosse
uma arma engatilhada.
— Fiquem quietos, pelo amor de Deus, ou vão assustar o pobre
homem.
Suzana estala a língua, balançando a cabeça.
— Se não assustamos Leon e nem mesmo Caleb, não vai ser o Nico
que vai correr para as colinas.
Leon balança a mão com descaso enquanto Caleb está muito ocupado
mordendo um pão com manteiga para se importar. Franzo as sobrancelhas ao
analisar a questão e me vejo percebendo que gosto de como essa família
louca se comporta. São numerosos, não poderia esperar menos do que um
pouco de confusão e gritaria.
Dona Helena se apóia na cabeceira da mesa, seus olhos indo de mim
para Pablo. Merda.
— Eu fico muito feliz que vocês tenham vindo até nós para dizer que
estão juntos. Eu espero que a partir de agora você seja feliz, filho. Você
achou o destino, basta cuidar para que ele não se vá — diz e Pablo acena.
Seus olhos se mudam para mim. — Eu já disse uma vez, mas repito: não
magoe meu menino ou eu juro que quebro suas pernas, cara grande.
— Nunca intencionalmente, Grande Mãe. Pablo é... — Meus olhos se
viram para o homem ao meu lado e um sorriso suave surge. — Eu o amo.
Apenas por ele ser quem é.
— Isso basta para mim. — Dona Helena assente e se senta em sua
cadeira, puxando sua xícara com chá de ervas.
— Oh, bem... Uau... — Rhuan franze as sobrancelhas. — Acho que
dona Helena não vai ter netos vindos dos homens desta família.
Dona Helena funga e cerra os olhos na direção de Rhuan.
— E quem disse que eu tive filhos para exigir netos depois? Eu tive
sete filhos porque não tinha televisão.
Eu engasgo minha risada e cubro minha boca enquanto Pablo parece
levemente horrorizado. Vicenzo a olha com a boca aberta e Rhuan gargalha
alto junto com suas irmãs. Dona Helena mãe balança a cabeça com um
sorriso suave.
— Querido, eu não quero netos se meus filhos não os desejam. Luna
me deu dois, Nico está me trazendo o Lucas. Vocês podem adotar também.
Uma família não precisa compartilhar o mesmo sangue para que haja amor.
— Ela bufa, batendo a xícara sobre a mesa. — Eu pensei que havia ensinado
isso para vocês.
Pablo e seus irmãos se olham, assentindo rapidamente e falando em
uníssono:
— Abraço fraternal!
Os sete se levantam e envolvem os braços ao redor da pequena
mulher, fazendo-a soltar uma risada chorosa. Suas mãos os afagam onde
consegue, distribuindo beijos em cada um. Meu peito se aquece com a visão,
invejando por um momento por não ter tido aquilo durante minha vida.
Mas, ei! Eu tenho Lucas e Sandra, e agora Pablo foi adicionado. Não
é grande, mas é minha. E eu os amo com toda a minha força.
— Vocês... Deus, como eu amo vocês. — Ela os aperta e então está
batendo nos braços que alcança. — Agora saiam de cima de mim. Rhuan tem
algo a dizer também.
Todos voltam para suas cadeiras e, imediatamente, envolvo os
ombros de Pablo com meu braço, suas costas se apoiando parcialmente em
meu peito. Meus lábios escovam sua orelha e o vejo sorrir.
— Você tem uma família muito bonita, GQ.
— Eu tenho, mas a que estou formando com você também é — diz,
olhando em meus olhos e sabendo que foi algo certo a se falar.
Rhuan balança as mãos, chamando nossa atenção e solta um suspiro.
Seus olhos vão para Luna, que parece retesar suavemente.
— Oh, não... — murmura.
— Eu recebi ontem no final da tarde um telefonema de Angelita.
A mão de Luna corre até sua garganta, como se tentasse agarrar seu
coração querendo sair pela boca.
— Ela... Não... Angelita não tem um telefone. Theodoro tira o dela
quando está com ele.
Rhuan assente brevemente.
— Eu posso ter dado um a ela secretamente. — Encolhe os ombros e
sorri de lado. — E posso ter dito a ela para gravar tudo o que conseguisse e
enviasse para mim e para a nuvem. Eu tenho áudios interessantes e vídeos
longos onde aquele patife do Theodoro diz e faz coisas absurdas. Coisas que
poderiam colocá-lo muito mal na frente de um juiz.
— Rhuan, não brinque com isso. — Dona Helena segura o pulso de
Luna em um aperto firme. — Você está dizendo...
— Angelita deveria ser cinegrafista. Ela pegou ângulos perfeitos
onde dá para ver Theodoro agredindo Ângelo, assim como palavras de baixo
calão. Ele usa toalhas para não deixar marcas aparentes. Há também um
áudio onde Angelita conversa com seu pai, pedindo para ele parar de bater
nela e no irmão e Theodoro se nega, dizendo que isso é um castigo por Luna
o ter deixado. — Rhuan fecha os punhos sobre a mesa, sua voz engrossando
com a raiva enquanto Luna soluça.
— Aquele bastardo filho da puta — Pablo rosna.
Aperto seus ombros, tentando deixa-lo mais relaxado, o que parece
ser um pouco difícil agora. Minha própria raiva do filho da mãe é enorme.
— Os dois foram retirados da casa de Theodoro assim que Rhuan
recebeu o último áudio onde ele ameaçava matar Ângelo se ele não parasse
de chorar. — Caleb esfrega as costas de Rhuan, seu maxilar rangendo. — Os
dois estão sob a proteção do Estado, mas estamos agilizando com o juiz para
a guarda voltar para você, Luna, no mais tardar na segunda-feira.
— Graças a Deus — Dona Helena sussurra.
Luna solta um grito estrangulado, levantando e indo até onde Rhuan
está e o abraçando firme.
Solto um suspiro e beijo a têmpora de Pablo. Talvez na segunda pela
manhã o tribunal também decida que Lucas deva ser meu. Que Melissa não
merece sequer passar perto do meu menino. Eu me agarro a essa esperança
porque é a única coisa que me resta no final de tudo. Meu único ligamento de
sangue com Lucas é ser seu tio enquanto Melissa foi quem o gerou.
Pablo se vira em meu braço e beija meu maxilar, me tirando dos
meus pensamentos em vórtice.
— Vamos ver nosso filho.
Assinto, levantando e o seguindo para fora. Meu nome é chamado e
me viro para ver Rhuan correndo até nós e estendendo um papel para mim.
— Esse é meu número. Eu preciso que me ligue, se possível ainda
hoje, porque preciso discutir algumas coisas com você.
— Sobre as lutas? — questiono incerto.
— Sim. E sobre... Sobre Lucas.
Engulo em seco e assinto. Rhuan bate em meu ombro e sorri, mas eu
não sinto que esse sorriso seja algo promissor. Enfio o papel em meu bolso e
envolvo Pablo em meu braço.
Agarre-se a esperança, Nico.
Essa é minha única garantia.

Fecho o botão da manga do meu terno e ajeito as lapelas ao olhar


para o espelho. Eu não gosto muito do traje de três peças, mas o caimento até
que é bom. Passo a mão pelo meu cabelo para ter certeza de que não há um
único fio perdido e aliso minha barba aparada.
Eu estou bem. Então porque estou nervoso?
Saio do quarto, procurando por Nico que se recusou a trocar de roupa
comigo no mesmo quarto. Como se fossemos noivos ou alguma merda assim.
Viro para a sala quando ouço sua voz e estaco na porta ao ver que está de
costas para mim. O telefone está em sua orelha quando me aproximo,
bebendo da sua aparência naquele maldito terno preto ajustado.
Maldito seja, mas sua bunda parece ainda mais maravilhosa nessas
calças sociais. Nico poderia usar isso todo dia e eu não iria reclamar. Então,
ele se vira e abre um sorriso para mim, erguendo um dedo para eu esperar
enquanto conversa com alguém do outro lado da linha. Assinto, ainda muito
ocupado olhando para sua frente, tão boa quanto sua parte traseira. Seus
cabelos penteados de lado estão mais escuros pelo gel e seus olhos parecem
mais claros com o terno escuro.
E eu só consigo pensar em empurrá-lo contra o sofá e descasca-lo
peça por peça até o deixar nu e poder sentir sua pele na minha.
— Eu entendo. Pode deixar, eu vou cuidar de tudo, não se preocupe.
Uhum. Eu te ligo mais tarde.
Nico desliga o telefone e o guarda no bolso, se virando e olhando
para mim por inteiro. Eu fico tenso de repente, minha respiração apenas
superficial enquanto espero seu veredicto. Seus olhos não parecem ter pressa,
subindo devagar até chegar em meu rosto. Engulo em seco, ainda esperando.
Um flash ruim passa por minha mente onde os olhos de Nico são
substituídos pelos de Maria Cecília e tudo o que ela demonstra é asco
enquanto coloca a alça de sua bolsa no ombro.
— Céus, você podia se parecer melhor do que isso. Infelizmente é o
que temos, não é?
Eu pisco, entendendo o motivo de ter ficado tão nervoso no quarto
enquanto olhava para mim mesmo nesse terno. Parecendo perceber minha
luta interna e nervosismo, Nico se aproxima e desliza as mãos dos meus
ombros até minhas mãos, enrolando seus dedos nos meus. Sua boca passa por
meu maxilar até chegar nos meus lábios e me dá o mais doce dos beijos.
— GQ, você está incrível.
Fecho meus olhos, sentindo meu corpo afrouxar de uma só vez. Um
calor se espalha por meu peito, me deixando tonto e dando uma risada
abafada. Ergo os olhos para fitar aquele azul tão bonito cercado por cílios
escuros e solto um suspiro.
— Você também está incrível, Nico.
— Não me bajule. — Balança a cabeça e puxa a gola e a gravata. —
Estou sentindo que estou sufocando com toda essa maldita roupa nesse calor.
— Pelo menos há ar no carro e depois no salão. — Pisco, abrindo
sorriso ao ir até a porta enquanto Nico continua resmungando.
Durante o percurso, me pego pensando no porque eu fiquei tão tenso
sobre a resposta de Nico sobre minhas roupas. Durante os anos que passei
com Maria Cecília, não havia percebido os abusos que sofri.
Eu estava tão cego...
Geralmente, pessoas que sofrem abusos psicológicos de seus
parceiros não percebem o que está acontecendo até que seja tarde demais. A
história que todos conhecem: mas ela era tão atenciosa e amorosa, como se
tornou tão vil assim?
As brigas que evitei quando Maria Cecília era tão venenosa com
minha família, eu dizia a mim mesmo que era porque eu não queria que eles
se desentendessem e nem queria tomar partido de um dos lados, mas era uma
mentira. Eu não queria ter que lidar com a diarréia verbal da minha mulher ao
chegarmos em casa.
Não queria ouvir como me humilhava pelas pequenas coisas e como
me diminuía em comparação a sua família e amigos. Eu me distanciei da
minha própria família, mergulhei no trabalho e me tornei desatento. Fui
relapso mais uma vez com minha própria família, mesmo prometendo ao
papai que eu cuidaria deles.
Parando e olhando para trás, eu percebo que por tudo o que eu passei
foi como uma ferida em que Maria Cecília havia causado e vivia cutucando.
E quando eu finalmente coloquei um band-aid para curar, ela disse que a
culpa foi minha de ter me machucado primeiramente. Eu nunca me senti mais
livre do que quando saí de casa e inspirei goles e mais goles de ar para meu
pulmão negligenciado.
Sinto uma carícia em minha mão e desvio os olhos da janela para
fitar Nico.
— Ei. Onde você foi, GQ? Estava longe.
Solto um suspiro e aperto sua mão na minha.
— Mergulhado em péssimas lembranças. Só... Tentando entender e
me curando.
Nico assente, levando minha mão para sua boca e beijando o dorso.
— Quando precisar conversar, saiba que estou aqui. Sem mais
mentiras, se lembra? — Sorri, mordendo os nódulos da minha mão.
— Isso me lembra... Com quem você falava ao telefone?
O sorriso que me dá só poderia ser descrito como cruel.
— Rhuan me ligou. Tínhamos coisas a discutir — diz, abrindo a
porta e saindo do carro.
Eu nem mesmo havia percebido que já estávamos no estacionamento
do salão. Eu bato a porta assim que saio do carro e dou a volta até onde Nico
está parado, as mãos nos bolsos e parecendo muito lambível debaixo daquela
luz clara.
— Que seria?
— Eu não posso dizer.
Eu bufo, cruzando os braços.
— O que houve com o “sem mentiras”?
— Eu não estou mentindo. Estou omitindo. É diferente. — Passa o
braço por meu ombro e me puxa contra seu corpo.
— Para mim soa igual — resmungo.
— Apenas confie em mim, GQ.
Caminhamos para a entrada e digo nossos nomes para a
recepcionista, ganhando um largo sorriso e a indicação de onde está nossos
lugares. Avanço pelo corredor e percebo que Nico está parado no mesmo
lugar, parecendo incerto. Me aproximo dele, passando minhas mãos pelas
lapelas do seu terno.
— O que está havendo?
— Isso... Isso parece grande. Tem certeza que me quer com você
aqui? Eu sou só um massagista...
Puxo suas lapelas, forçando para frente e beijo sua boca para o calar.
Suas mãos, antes enfiadas nos bolsos, agarram minha cintura e apertam
suavemente. Quando me afasto, tenho a certeza de que está olhando em meus
olhos quando digo:
— Você é o homem da minha vida. Se não cabe você aqui, então
também não me cabe. E isso vale para Lucas também. — Beijo sua bochecha
e me afasto um passo, esticando minha mão. — Permita-me ser seu
acompanhante esta noite, Sr. Belucci Fabbri?
O sorriso que Nico dá é mais bonito que qualquer jóia preciosa. É um
que apenas existe para mim e me sinto sortudo por ser o destinado.
— Não só essa noite, Sr. Alencar, mas em todas as outras.
Sua mão segura a minha e entrelaço nossos dedos, prendendo-o a
mim enquanto passamos pelo corredor de entrada cheio de velas nas paredes
para iluminar o caminho.
É romântico e bonito.
Passamos pelo arco de entrada com vasos pretos e pequenas árvores
de folhas vermelhas inclinadas para formar um corredor. Nico solta um
assovio baixo e eu olho para o enorme lustre no meio do salão de festas assim
como as mesas decoradas com cristais e arranjos de flores em cada mesa com
suas cadeiras de estofados brancos.
Garçons se espalham pelo lugar, levando bebida e petiscos para os
convidados enquanto a orquestra toca suavemente no palco ao lado. O som de
conversas é como um zunido de abelhas ao redor da colmeia e aceno para
alguns dos meus colegas do escritório quando me vêem. Bianca sorri
timidamente de sua cadeira e levanta o polegar na direção de Nico. Balanço
minha cabeça ao me sentar e me viro para ver os olhos do meu homem ainda
girando ao redor.
— Porra, isso aqui é como jantar com a rainha. — Seu rosto se volta
para mim com um sorriso. — Você é importante, GQ.
— Eu não sou importante. A empresa é — digo, aceitando dois copos
com champanhe caro e entrego um para Nico. — Eles exageraram esse ano.
— Então? Quem tanto foi convidado para essa festa chique? O
Presidente vai estar aqui?
Faço uma careta e nego rapidamente.
— Deus queira que não. — Tomo um lento gole do champanhe e
olho para as mesas quase cheias. — Os funcionários são os primeiros da lista.
Então seguem os acionistas e os principais clientes que fechamos contrato. E,
lógico, o sócio excêntrico que só usa roupas roxas e abomina quem não é de
uma família tradicional também estará presente, mesmo nunca indo até a
empresa.
O cretino apenas ligava para saber como estavam as coisas e pedia
para serem enviados relatórios dos lucros e com quem fechamos no último
mês. Potenciais clientes e se ele aprovava ou não. Uma fachada do caralho. O
homem era apenas um sanguessuga rico. Franzo as sobrancelhas ao lembrar
dos últimos contratos desses meses. Engulo em seco ao lembrar de um
específico fechado no mês passado e que Vanessa, a vice-presidente, estava
pulando três metros de altura de empolgação.
Olho ao redor do salão, meus olhos indo para todos os lados enquanto
meus dedos torcem o botão do meu terno. Por favor, não tenha sido
convidado. Por favor, apenas não venha com ela.
— Você está nervoso?
— O que? Porque? — Desvio meus olhos para Nico ao lado
parecendo relaxado.
— Pelo tal sócio.
— Não estou nervoso. Porque deveria estar?
Nico encolhe os ombros.
— Ano passado você veio a esta festa casado com uma mulher,
família tradicional e tal. E agora, neste ano, está comigo — diz, sua mão
apontando para seu corpo enquanto faz uma careta.
Seguro sua mão, balançando a cabeça.
— E é minha melhor companhia em anos, acredite em mim. Pare de
se referir a você como "isso". Ano passado é isso: passado. Estou pouco me
fodendo para o que Antenor pensa sobe meu relacionamento. Eu só...
Me calo quando meus olhos seguem para a entrada e eu os vejo. O
nosso recente contrato, Thales Vanderhowt, dono da maior loja de lingerie do
país de braço dado com Maria Cecília. Meus ombros retesam e eu me viro,
não a tempo suficiente para enganar Nico para onde estava olhando. Seu
braço passa pelo encosto da minha cadeira e sinto seu corpo se encostando ao
meu sutilmente.
— Maldita cadela. Realmente veio, não é? — murmura.
Tomo toda minha taça de champanhe e fecho meus olhos, engolindo
a raiva de ver essa mulher em uma festa que ela não deveria comparecer. Só
então processo o que Nico acabou de dizer.
— Você a chamou de cadela?
Seus olhos azuis sempre tão vibrantes e quentes estão frios e
distantes.
— Você se importa com isso?
— Não poderia me importar menos. É só que... — Franzo as
sobrancelhas. — Minha família a chama assim.
Nico leva sua taça aos lábios e vejo um pequeno sorriso ali ao desviar
os olhos para a mulher se sentando em uma mesa não muito longe da nossa.
— Não diria que é uma coincidência — murmura.
Eu me remexo no lugar, desconfortável e irritado. Mesmo depois de
meses, Maria Cecília ainda consegue me deixar sentindo vulnerável. Acuado.
Esperando que palavras ruins sejam jogadas de sua boca viperina e
machuquem-me como farpas reais.
A mão de Nico pousa em minha nuca, massageando os nós tensos e
fecho meus olhos, me deixando aproveitar seu carinho. Inspiro
profundamente antes de abrir os olhos mais uma vez e fita-lo seriamente.
— Eu a odeio. Odeio o que fez comigo, ao ponto em que me deixou.
Por me trair. Por fazer pouco de mim. Mas, Nico, eu odeio mais a mim por
deixa-la fazer isso.
Sua mão passa por minha bochecha, seus olhos preocupados em meu
rosto.
— Pablo, ninguém deixa abusadores se aproveitarem da gente porque
quer. Não percebemos. Eles nos enganam, nos manipulam, jogam conosco.
Foi o que aquela mulher fez com você, então não se odeie. Você é
extraordinário, inteligente, carinhoso, paciente e sexy pra caralho. Aquela
mulher é apenas invejosa. Um ovo podre. Nada do que ela diz é relevante,
porque ela não é relevante. — Sua mão limpa uma lágrima que escorreu sem
que eu percebesse e beija suavemente o canto da minha boca. — O mais
importante aqui é que Maria Cecília não possui qualquer poder sobre você.
GQ, o único dono da sua vida é você, e só você pode tomar as rédeas. Mais
ninguém.
Aperto minha testa contra a sua, minhas emoções me sufocando e
suas palavras entrando tão firme dentro de mim que me fez engasgar e meu
coração explodir. Seguro seu rosto e o beijo, sem me importar se quem está
ao redor vai se incomodar. Porque, aqui e agora, somos apenas nós dois.
Passamos pelo jantar e eu ignoro os olhares de Maria Cecília para
nossa mesa. Eu sorrio, cumprimento meus funcionários e colegas de trabalho.
Converso com Vanessa sobre possíveis novos contratos, sobre como os
estagiários estão progredindo e incluo Nico em quase todas as conversas.
Talvez eu tenha feito uma enorme propaganda de suas mãos mágicas e
deixando um rastro de clientes novos para as duas próximas semanas.
Me apoio no bar, esperando nossas bebidas enquanto o CEO da
empresa agradece todos os anos e colaborações e toda aquela chatice de
discursos intermináveis quando sinto a presença ao meu lado. O cheiro do seu
perfume chega antes mesmo da sua voz e eu já quero me bater por
simplesmente ter esquecido que essa mulher ainda estava por perto.
— Você é patético.
Tomo meu tempo olhando pelo salão cheio de pessoas, os aplausos
crescendo quando Vanessa sobe ao palco e pega o microfone para agradecer
sua vez. Viro para o barman e pego minha água, decidindo que não quero
ficar bêbado para ter de pegar um táxi para casa. Eu quero estar bem
acordado quando me afundar no corpo quente de Nico.
Solto um suspiro ao perceber que Maria Cecília ainda não foi embora
e me viro para olhá-la. Eu pensei que poderia me sentir mal, ou mesmo
nervoso, mas só há um enorme vazio ao olhar para o rosto cheio de plástica.
Ela afinou o nariz e preencheu os lábios assim como afinou as maçãs do
rosto.
Só posso dizer que ficou péssimo.
— Desculpe, você falou comigo?
Seus olhos cerram na minha direção e abre um sorriso depreciativo.
— Patético. Andando por aqui como se fosse alguém importante.
Tudo o que você tem hoje é por minha causa, Pablo. Fui eu que te trouxe até
aqui.
Mordo a vontade de dar um passo para trás. As palavras de Nico
ecoam na minha cabeça e isso me faz olhá-la sem vacilar.
— Eu estudei para estar aqui. Tudo isso é fruto do meu trabalho, não
queira ganhar mérito por isso.
Sua risada é jocosa e gruda na minha pele como se fosse piche.
— Dificilmente conseguiu sozinho. Você é um idiota de escala
maior. O sangue ruim da sua família corre na sua veia e isso já te faz um
perdedor. Eu nem mesmo sei como aguentei tantos anos ao seu redor.
Se torna difícil de engolir de repente. Meus dedos cerram ao redor da
garrafa de água sobre o balcão, meu corpo tremendo de raiva e humilhação.
Como ela ousa falar assim da minha família? De pessoas tão boas, generosas
e amorosas?
Minha mão amassa a garrafa derrubando água pelo balcão enquanto
eu apenas só faço olhar para a mulher debochada na minha frente. Me
reduzindo a nervos expostos e feridas abertas. Uma mão pousa na base da
minha coluna e os nós em minha barriga afrouxam devagar.
— Eu acho melhor você morder a própria língua, Maria.
Os olhos dela desviam para Nico ao meu lado e seu rosto se franze
em uma careta de repulsa.
— Céus, Pablo. Você realmente se infectou com sua família. —
Balança a cabeça. — O que eu poderia esperar de um Alencar, não é?
— Sua megera...
A mão de Nico envolve meu pulso, me contendo. Vejo Thales se
aproximando com preocupação estampada no rosto e inspiro para recobrar
um pouco do meu controle.
— O que está acontecendo aqui? Algum problema, querida?
Eu quase quero vomitar com o carinho na voz dele.
— Tudo bem. Apenas acertando alguns pontos com meu ex-marido.
— Sorri para mim com todo o cinismo que existe em seu corpo.
— Oh, você é o Pablo?
— Sou — digo com uma voz engasgada.
Agradeço por ele não levantar a mão para apertá-la. Nico envolve
minha cintura, seu corpo apoiando o meu e o contato me fazendo respirar
novamente.
— Você deve ser o famoso Thales Vanderhowt — Nico diz.
— Bem, eu acho que sou. — Thales sorri, tentando parecer
encabulado.
E eu só quero ir embora.
Vejo com o canto dos olhos que Nico inclina a cabeça levemente e
gesticula na direção de Thales com sua taça quase vazia.
— Você é dono daquelas lojas de lingerie, não é? Grande fortuna,
casas em diversos países, limpando a bunda com dinheiro?
Thales franze as sobrancelhas enquanto Maria Cecília nos observa
com cautela.
— A última opção não é uma verdade.
— Deveria. Afinal, a mulher ao seu lado é bastante conhecida por
fazer exatamente isso.
Eu engasgo com minha saliva quando os olhos de Maria Cecília
parecem aterrorizados na direção de Nico. Thales olha para a mulher ao seu
lado e então para Nico mais uma vez.
— Desculpe?
— Você, cara rico e tudo mais, deveria verificar com quem você se
deita antes. Fazer uma varredura. — Nico gesticula na direção de uma pálida
e suando frio Maria Cecília. — Foi pega roubando o caixa da loja que
trabalhava. O dinheiro todo estava enfiado em sua calcinha na parte de trás.
Acho que isso é a nova moda entre os ladrões desse país. Um novo
significado para lavagem de dinheiro.
Aperto o punho contra minha boca, não sabendo se dou risada ou me
sinto horrorizado. Maria Cecília sendo pega roubando? E com o dinheiro na
calcinha?
Thales se afasta um passo da mulher que se apoia no balcão,
parecendo aterrorizada.
— Querido, isso é mentira! Você vai acreditar nesse boiola ao invés
de mim?
— Minha fonte é bem precisa, já que ele é policial. Se eu fosse você,
Sr. Vanderhowt, verificaria sempre minha carteira e bolsos. Essa mulher tem
mãos leves e também é um pouco desequilibrada da cabeça. Manipuladora.
— Nisso eu concordo muito — digo.
Maria Cecília agarra a manga de Thales, que tenta se afastar dela sem
alardes.
— Você não pode acreditar neles! Eu amo você! Ninguém nesse
mundo vai te amar como eu!
— Viu? Manipuladora. — Nico aponta com um sorriso.
Maria Cecília se vira com olhos irados, seu pescoço se avermelhando
com a raiva. Atira um dedo na direção de Nico e afunda em seu peito
enquanto Thales se distancia com passos rápidos.
— Você vai pagar por isso!
Nico segura o pulso fino, seus olhos cerrando levemente.
— Tente. E você vai passar o resto dos seus dias implorando para
viver. — Ele a solta, fazendo-a tropeçar para trás. — Pablo é muito mais
homem do que você merece. Você é escória. E, se você tentar mais alguma
vez incomodar meu homem, eu vou esquecer que não bato em mulheres.
Ouço-a soltar um gritinho engasgado antes de sair correndo para fora
do salão. Envolvo a cintura de Nico e afundo meu rosto em seu pescoço,
inspirando seu cheiro e sentindo meu corpo inteiro tremer. Seus dedos
apertam minha nuca e beija logo abaixo da minha orelha.
— Me leve para casa, Nico. Por favor. Me faça esquecer.
Ele assente, me puxando para fora até o estacionamento e fazemos o
percurso para casa em silêncio. Entramos em casa sem acender as luzes e
vamos para o quarto ainda sem falar. Entretanto, nossos corpos falam por
nós, demonstram o que sentimos e o que queremos.
Nossas mãos descartam as roupas sem cuidado, mas tocam a pele
com reverência. Nossas bocas não falam, mas beijam com carinho e ternura.
Seguramos um ao outro na escuridão, apenas a respiração soando cada vez
mais alta e mais rápida, cortando o silêncio da noite. Eu deixo Nico tocar
cada parte de mim, limpando qualquer resquício que tenha ficado daquele
momento tão sujo, cuidando das feridas abertas novamente e as fechando
com cada beijo molhado.
Eu o envolvo, braços circulando e o puxando para mais perto,
deixando-me senti-lo mais e mais profundo conforme eu entro
completamente nu em seu corpo quente. Despojado de todas as defesas e
entregue a cada sensação de tê-lo apenas para mim. Eu solto um grito mudo,
meu peito se expandindo e abraçando o que Nico significa.
Segurança.
Respeito.
Confiança.
Amor.
Eu choro, as lágrimas escorrendo em silêncio por minhas bochechas
conforme Nico me cavalga, suas mãos tocando onde meu coração bate tão
frenético abaixo da pele. Eu o beijo, o gosto salgado misturado ao sabor de
champanhe, ao sabor de Nico. E quando eu gozo, é como se tocasse com as
pontas dos dedos o paraíso, me inundando com felicidade e a certeza de que
finalmente encontrei o meu lugar.
Finalmente encontrei a quem pertenço.
Minhas mãos estão suadas.
Puxo a gola da minha camisa mais uma vez e jogo um olhar para o
maldito ar-condicionado que não está fazendo nada para gelar essa sala. Ou
talvez seja apenas meu nervosismo levando melhor de mim e fazendo suar
até minhas bolas.
Torço minhas mãos em meu colo, evitando olhar do outro lado da
mesa onde minha irmã está sentada com um sorriso convencido no rosto. Eu
me nego a olhá-la porque não consigo encontrar ali a minha irmãzinha, a
doce garota que me mostrava as cores dos lápis antes pintar flores bonitas em
papel sulfite.
Olho para a porta fechada atrás de mim, esperando que Pablo esteja
fazendo a mesma coisa do outro lado. É uma droga ele não poder entrar para
assistir o julgamento e me deixar um pouco mais calmo apenas de olhar em
seu rosto e saber que ele está presente. Preciso me contentar em pensar que
está logo ali do outro lado, me esperando sair vitorioso.
Eu não vou fugir.
Sorrio, lembrando de suas palavras. Pablo veio para ficar e eu só
posso ser muito grato por isso. Pela família que veio junto no pacote também,
assim como seu irmão policial. Esfrego minha mão sobre a calça, sentindo-
me nervoso mais uma vez. Vejo um copo de água ser empurrado na minha
direção e o pego, tomando um grande gole até drenar quase a metade.
— Apenas respire, Nico. Nós vamos sair daqui com Lucas.
Olho para Adélia, a advogada tão paciente e positiva, e tento espelhar
seu sorriso confiante. Porém, sinto que foi mais uma careta da minha parte. A
entrada do juiz é anunciada e todos nos levantamos por respeito. Passo a mão
na frente da minha camisa para tirar os amassados da última hora enquanto
observo o homem magro e de cabelos grisalhos na têmpora sentar-se em sua
cadeira e gesticular para fazê-lo também.
Junto minhas mãos sobre a mesa e aperto meus dedos até os nós
ficarem brancos. O juiz folheia uma pasta, ajustando seus óculos para ler
melhor. Seus olhos se levantam na borda do aro de metal e me fita antes de se
virar para Melissa do outro lado. Recosta-se na cadeira e solta um suspiro.
— Dou início ao processo de guarda do menino Lucas Belucci Fabbri
de sete anos e seis meses de idade. A parte de Melissa Belucci Fabbri que
reclama pela guarda completa da criança declara que o detentor da guarda
atual do menino não é adequada e viola os direitos e a segurança da criança.
— O juiz joga um olhar na minha direção e eu seguro a vontade de engolir
em seco. — Vocês negaram a conciliação antes desse julgamento. Senhor
Fabbri, foram encaminhados documentos que comprovam que sua conduta
para com Lucas tem sido um tanto prejudicial ao garoto. Lutas clandestinas
são um crime passível de prisão. Você nega as acusações?
Luto contra a vontade de puxar minha gola.
— Não, senhor. Digo, meritíssimo.
É agora que tudo desanda?
Inspiro devagar, tentando manter o controle quando a minha
advogada me dá um pequeno sorriso. Ela havia me alertado antes a não negar
nada, pois isso poderia me fazer como mentiroso ou algo pior.
“Então apenas diga: sim, fui eu. O resto é comigo.”
Foda-se, porra. Eu espero que ela realmente consiga ganhar isso.
O juiz assente e se vira para Melissa. Meu estômago embrulha ao ver
seu sorriso angelical e tímido.
— Senhorita Fabbri, também me foi entregue que está fora da prisão
por porte ilegal de drogas apenas há três meses. Seu histórico com
envolvimento no tráfico e uso de drogas ilícitas como crack, ecstasy e LSD é
extenso. Você nega as acusações?
— Não nego, meritíssimo. Porém, eu estou limpa desde que fui presa.
— Sim, seu recente exame diz isso. Entretanto, eu não tenho certeza
de que Lucas ficar sob sua custódia seria o melhor para a criança.
Meu peito borbulha com algo que se parece com alegria e esperança.
O juiz se vira para minha advogada.
— O psicólogo de Lucas deixou um relatório dizendo que a criança é
bem cuidada, assim como sabe que o pai, como o garoto chama, luta para
conseguir dinheiro para seus tratamentos. É aparentemente saudável
mentalmente. — Cruza os dedos sobre a mesa e olha para Melissa. — Eu
quero ouvir a parte acusatória.
Melissa se levanta e ajeita sua camisa social rosa pálido. Tudo tão
bem orquestrado teatralmente que me dá enjoos.
— Eu me sinto terrivelmente triste por ter tomado a decisão errada
sete anos atrás. Abandonar Lucas foi errado. Eu pensei que meu irmão
poderia cuidar melhor do que eu, mas eu estava errada. Não há nada melhor
no mundo do que um colo de mãe. E Nico não pode dar isso a ele já que é
homossexual. Eu posso fornecer o amparo que Lucas precisa. Eu quero
reaver o tempo perdido. Quero meu filho de volta — diz, enxugando uma
lágrima que escorre por sua bochecha.
Eu estou tenso na cadeira, meu maxilar rangendo e triturando meus
dentes com tanta força que doeria depois. O juiz empurra seus óculos mais
para cima e solta um suspiro.
— Não acha que é um pouco tarde para isso? E a orientação sexual
de uma pessoa, senhorita Fabbri, não interfere em nada no crescimento de
uma criança. Drogas o fazem. — O juiz se vira para mim e acena. — Sua vez.
Inspiro para tentar me acalmar e me levanto, mantendo contato visual
apenas com o juiz a minha frente.
— Eu posso ter entrado nas lutas clandestinas, mas fiz isso para
salvar meu filho da morte. Eu não saí porque não pude. Mas eu cuido de
Lucas, dou carinho e atenção, lembro dos seus remédios, acalento quando
tem pesadelos. Eu trabalho como posso e não o deixo passar fome ou frio.
Dei um teto a qual ele pode morar sem preocupações. Educação. Eu não o
abandonei nem nos meus piores dias. — Fecho meus olhos brevemente antes
de continuar. — Eu estou ao lado dele desde as primeiras horas de vida. Eu
quero estar até as minhas últimas e ter certeza de que o criei bem. É isso o
que um pai faz.
Eu me sento sentindo minhas pernas tremendo. O juiz gesticula para
a porta.
— Entre a primeira testemunha.
Uma garota de cabelos coloridos entra, sua roupa punk a fazendo
parece muito deslocada dentro dessa sala. Uma bola de chiclete estoura
quando ela senta a ponta, de frente para o juiz que a olha em repreensão.
Nós a ouvimos jorrar sua diarréia verbal sobre como Melissa é
extremamente íntegra e caridosa. Falou sobre como é empenhada em seu
trabalho na lanchonete do shopping que ambas trabalham juntas e que quase
todas as gorjetas ficam para ela já que Melissa diz que não precisa. Quando a
garota sai, o olhar cético do juiz a acompanha.
Sandra entra e eu sorrio para seu aceno antes dela se sentar. Ela fala
calmamente de como me conheceu e como ajuda a cuidar de Lucas quando
eu preciso. Falou sobre como meu filho me venera e diz que sou seu herói. O
juiz a questiona sobre o conhecimento de Lucas sobre sua mãe verdadeira e
Sandra e remexe no lugar, negando baixinho. Quando ela sai, me dá um olhar
de desculpas.
— Você acha que isso é ruim? — pergunto baixinho para Adélia.
— Não sei. Você excluiu Melissa totalmente da vida do garoto, mas
talvez o juiz entenda que foi para melhor.
Esfrego meu rosto quando um dos guardas se aproxima do juiz e
cochicha em seu ouvido. Seu cenho franze e resmunga entredentes antes de
assentir e o guarda desaparecer pela porta.
Estranho.
— O que está havendo?
Adélia me dá um largo sorriso.
— Nossa cavalaria acaba de chegar.
Estou prestes a perguntar o que ela está dizendo quando o juiz tira os
óculos e esfrega os olhos, acenando para a porta.
— Deixem-no entrar.
O guarda abre a porta pesada e eu quase caio da cadeira quando vejo
Rhuan entrar. Ele pisca para mim, passando a mão na frene do seu terno
escuro e se posiciona de pé na ponta da mesa como se fosse dono da porra do
lugar.
Eu nunca o vi tão bem arrumado como hoje. Seus cabelos bem
penteados e rosto liso. Até parece um homem realmente respeitável.
— Meritíssimo, sinto muito atropelar seu julgamento assim e me
impor de última hora.
— Senhor Alencar, nós nos conhecemos e eu sei que você não sente
nem um pouco.
Rhuan abre um sorriso e assente uma vez.
— Mesmo assim, desculpe-me.
— O que você me trouxe? Esse é um caso de guarda, não um dos
seus de tráfico de crianças e roubo à cofres públicos.
— Se puder dar uma olhada nestes papéis, entenderá o meu motivo,
meritíssimo — diz, batendo o dedo na pasta vermelha.
Retira vários papéis de dentro, grampeados em blocos, e distribui
para cada um na mesa e para o juiz. Rhuan retorna para seu lugar e cruza as
mãos atrás do corpo.
— Eu e minha equipe iniciamos uma investigação quatro meses atrás
de lutas clandestinas ligadas a jogos de azar e tráfico de drogas local. Foi uma
investigação longa e juntamos todos os tipos de provas que encontramos para
acusar os chefes dessa quadrilha. — Rhuan cruza os braços, seus olhos sérios.
— Como podem ver, Nico passou a ser meu informante, o que o protege da
lei por estar fazendo um trabalho para a polícia e correndo risco de ser
descoberto e morto.
Merda, do que o Rhuan está falando?
Seus olhos pegam os meus em um claro sinal de: siga minha deixa e
não faça nada idiota.
— Nico havia assinado um contrato por livre e espontânea pressão do
atual chefe, Erasmo Cardillas. Um contrato onde Nico lutaria quando e onde
ele quisesse, sem previsão de fim além de sua morte.
— Eu protesto, meritíssimo! Nico poderia muito bem ter recusado!
Arqueio as sobrancelhas para o advogado da minha irmã. Eu a olho,
percebendo seus olhos irritados na minha direção antes de fuzilar Rhuan na
ponta da mesa sorrindo como um tubarão para o idiota que o interrompeu.
— Isso não é um julgamento, é um processo de guarda. Então não há
como eu levar em consideração seu protesto. — O juiz se vira para Rhuan
com um suspiro. — Continue, senhor Alencar.
— Como eu dizia, Nico foi obrigado a assinar. A cópia do contrato
está presente no arquivo. Quando eu descobri que Nico estava lutando, não
pude perder a oportunidade de abordá-lo para me entregar alguns nomes e lhe
dar proteção.
— Devo perguntar como o senhor conhece Nico Belucci Fabbri? — o
Juiz pergunta com uma sobrancelha arqueada.
— Somente se o meritíssimo achar realmente necessário e pertinente
essa pergunta.
Porra, Rhuan é escorregadio. Não é atoa que é conhecido como O
Lobo, astuto e esquivo.
— Continue, por favor.
Rhuan assente.
— Firmamos o acordo. Descobri o nome do chefe e movemos a
investigação para Erasmo Cardillas, descobrindo contas em vários bancos
com nomes falsos, assim como no exterior. Apreendemos quatro casas onde
funcionavam jogos de azar no porão e várias máquinas caça níqueis. Com sua
prisão, o contrato de Nico é anulado completamente, o deixando livre das
lutas.
— Onde isso liga nosso caso de guarda ao seu, oficial? — o
advogado pergunta em tom jocoso.
Os olhos de Rhuan se tornam glaciais, calando o advogado e o
fazendo se encolher no lugar. Eu não posso dizer que eu também não me
encolhi um pouco. Porra, Rhuan sabe ser intimidador quando quer.
— Eu arquivei junto todo o processo e acusação onde aparecem mais
dois nomes: Rodrigo DiCastro, chefe do tráfico de crianças e adolescentes
com finalidade para retirada de órgãos; e José de Abreu, um dos
distribuidores de drogas na cidade, também mais conhecido como Zeca. Ou
namorado da sua queixosa.
O advogado de Melissa solta um arquejo ultrajado enquanto ela
parece terrivelmente pálida e olhos arregalados. Adélia solta um risinho baixo
e eu só consigo piscar, surpreso com tudo o que Rhuan falou nos últimos
minutos.
Lutas, tráfico, órgãos, drogas, interligados...
Foda-se! Eu acho que fiquei um pouco tonto.
— Você está acusando da minha cliente dormir com um traficante?!
— O pescoço do advogado incha, vermelho.
Ele parece um baiacu.
— Melissa não apenas dorme com Zeca. José de Abreu é o pai
biológico da criança, do Lucas.
Essa informação torce meu intestino em nós e deixa o juiz claramente
surpreso. Zeca está no comando agora? O que eles fariam com meu menino
se conseguissem a guarda? Um pensamento sombrio passa por minha cabeça
e endureço, sabendo que poderia ser muito possível depois de tudo o que
Rhuan acabou de dizer.
— Meritíssimo, eu venho apenas dizer que entregar Lucas para sua
mãe biológica será um terrível erro. Os pais estão envolvidos com os piores
tipos de pessoas. E, logo antes da última página, há o verdadeiro teste
toxicológico de Melissa Belucci Fabbri. Eles conseguiram alterar os
resultados do que foi entregue para esse processo.
Minha mão se fecha em um punho quando olho para minha irmã
sentada muito quieta em seu lugar.
— Minha cliente não tem nada a ver com isso! Zeca pode ser o pai,
mas isso não quer dizer que Melissa esteja...
Rhuan balança o dedo para silenciá-lo.
— Eu tenho provas de que estão juntos. Uma delas é um áudio
gravado pelo próprio Zeca. Sim, querida, ele te entregou mais uma vez. –
Rhuan sorri com pesar para os olhos chocados da minha irmã. — Nós o
pegamos essa manhã, um pouco antes de você entrar aqui. Ele cantou como
um passarinho quando mencionamos um acordo.
— Está dizendo, senhor Alencar, que Melissa Belucci Fabbri mentiu
para esse tribunal sobre seus testes? — o juiz pergunta em tom baixo,
apoiando seus óculos sobre a mesa.
— Sim, meritíssimo. Zeca também disse que o plano de ambos era ter
a guarda de Lucas e então vendê-lo, recolhendo o valor alto e então eles iriam
embora para o exterior com nomes e documentos falsos.
Eu me levanto antes que possa me conter e atiro um dedo na direção
de uma Melissa atordoada por ter seus planos jogados sobre a mesa bem na
sua frente.
— Você ia vender meu filho? Trocá-lo por dinheiro como se fosse
uma mercadoria? Sua vadia filha da...
— Ordem no tribunal! — o juiz ruge, batendo o martelo com força.
A mão de Adélia envolve meu braço, me puxando para a cadeira
mais uma vez. As bochechas de Melissa estão vermelhas e seu maxilar
trabalha furiosamente. Eu quero dar a surra que ela nunca levou em sua vida.
Nós sempre brigamos, mas eu nunca avancei sobre Melissa ou mesmo a
chamei por nomes pejorativos, mas agora... Ela havia mexido com Lucas,
meu garoto. Eu não deixaria isso limpo.
— Agradeço por suas informações, senhor Alencar. Esse tribunal
chegou a uma conclusão. Devido aos últimos adendos a esse processo, e
provas irrefutáveis de que Melissa Belucci Fabbri não é apta, eu deixo a
guarda para Nico Belucci Fabbri. Esse caso está encerrado. — O juiz bate o
martelo e eu me levanto com um rugido de vitória. — Também declaro que
Melissa descumpriu sua condicional, devendo retornar mediatamente para a
prisão.
— O quê? Não! — Melissa grita, levantando-se de sua cadeira.
Guardas seguram seus braços enquanto ela chuta, ruindo como um
leão contido. Adélia puxa meu braço, cochichando em meu ouvido.
— Vou pedir uma ordem de restrição para ela, não se preocupe.
— Obrigado, Adélia. Eu devia ter confiado em você desde o começo.
Sua mão bate suavemente sobre a minha.
— Deveria mesmo — diz, piscando.
— Eu... Uf!
Engasgo quando um tapa e dado em minhas costas e Rhuan
chacoalha meu ombro.
— Parabéns, cunhado! Ganhamos a guarda. Eu espero um churrasco
naquele jardim legal que você tem na sua casa.
— Como sabe que eu tenho um jardim? — pergunto quando abre a
porta.
— Dedução — responde, batendo com o dedo em sua têmpora. —
Agora acalme meu irmão. Ele está definhando ali.
Desvio meus olhos para Pablo se levantando da cadeira, seu rosto
torcido com preocupação. Apenas de vê-lo ali, tão amedrontado como eu
estava antes de entrar naquela sala, me faz correr até onde está e o abraço.
Aperto meus braços ao seu redor e o ergo do chão, girando-o no lugar antes
de colocá-lo sobre seus pés mais uma vez.
— O quê? Ganhamos?
— Sim! Lucas é nosso, Pablo! Apenas nosso!
— Cristo, obrigado — sussurra, voltando a me abraçar.
A comoção da saída de Melissa chama nossa atenção e eu a vejo
chutar e espernear, seus olhos arregalados na minha direção enquanto espuma
branca se acumula nos cantos de sua boca.
— Aquele cretino! Me soltem! Eu não vou voltar para aquela
pocilga! Me soltem, seus gorilas de farda do caralho! Nico! Me soltem!
Eu observo os guardas levarem minha irmã e só então tudo parece
desabar sobre minha cabeça. A tensão da cirurgia de Lucas, os dias seguintes
a sua recuperação, a noite antes do julgamento, sentar naquela sala e sentir o
medo cru de perder meu filho. Rhuan dizendo que prendeu Erasmo Cardillas
e que estou livre das lutas, finalmente.
Eu tremo e os braços de Pablo me envolvem, suas mãos acariciando
minhas costas enquanto eu choro em seu ombro, agarrando-o como se fosse
minha tábua de salvação. Eu choro até sentir meu peito se sentir finalmente
aliviado e aberto para respirar livre mais uma vez.
Quando me sinto mais estável, me afasto de Pablo e enxugo minhas
bochechas úmidas.
— Está acabado, querido. Finalmente acabado. Podemos viver nossa
vida, Nico.
— Nossa vida. — O beijo, rindo e me sentindo feliz demais com a
vida que eu poderia ter a partir dali.
Um namorado que me ama por quem sou, que ama meu filho como
seu. A guarda definitiva de Lucas. Uma família que não é de sangue, mas é
minha. E eu sei que poderia confiar em Pablo, assim como ele poderia confiar
em mim.
Não é o fim. É apenas o começo. O nosso começo.
Nosso destino.
6 meses depois

Observo o jardim da nossa casa e vejo que ficou pequeno com toda
a minha família e amigos. As crianças correm pelo gramado e dentro de casa,
desviando dos adultos como se fossem apenas postes no meio do caminho de
sua brincadeira. Uma bexiga estoura acima do ruído de conversa alta e o som
ligado.
E eu nunca me senti tão feliz como agora.
Braços envolvem minha cintura e um queixo é depositado em meu
ombro enquanto entrelaço meus dedos nos de Nico e me recosto em seu
peito.
— Fico incrível. Você já pensou em trocar de profissão?
Solto uma risada baixa e balanço a cabeça.
— Ser organizador de festas não é para mim. Eu quase entrei em
pane quando descobri que há todos os tipos de tamanhos para bexigas, assim
como para docinhos e formas de bolo. Estou muito bem onde estou obrigado.
Nico ri, beijando a curva do meu pescoço.
— Devemos dizer a Vicenzo que seu bebê está babando em sua
manga?
Desvio os olhos para onde meu irmão está de pé, sorrindo como um
bobo para Leon balançando um brinquedo colorido para a pequena bebê de
grandes olhos escuros e cabelos cheios de cachinhos pretos. Ana é realmente
adorável e parece um pãozinho com suas dobrinhas fofas. Meu irmão e Leon
haviam entrado na lista de adoção quando se casaram, mas só mês passado
conseguiram levar Ana para casa.
Com apenas sete meses, Ana é esperta e tão doce. Vicenzo e Leon se
apaixonaram. A trouxeram para casa e simplesmente não conseguem se
separar da pequena arrebatadora de corações. Nem mesmo eu consigo ficar
longe por muito tempo. Ana seria mimada pela família inteira e ninguém se
importaria com mangas ou camisas babadas.
— Nah, deixe-o. Eles estão dentro de sua pequena bolha e não
devemos estourar — digo, balançando a cabeça.
Eles sentam à mesa onde os melhores amigos de Vicenzo estão
sentados e vejo Tuco envolvendo o braço no pescoço de Carlos e deixando
um beijo suave na bochecha. Ficou bem claro o motivo do desconforto entre
eles no aniversário da minha mãe e nos eventos que se seguiram depois disso,
mas essa não é uma história minha para contar.
Ouço o grito entusiasmado de Lucas na mesa de presentes ao erguer
uma caixa grande sobre sua cabeça enquanto Rhuan olha para com um
sorriso. A língua de sogra pende na sua boca e há dois chapéus do Avengers
sobre sua cabeça, formando chifres que eu diria serem demoníacos. Combina
com ele. Muito.
Lucas dispara pelo gramado com ajuda de uma de suas muletas e eu
me agacho para ficar na altura de seus olhos quando se aproxima mancando.
A prótese do seu braço parece funcionar bem e há pouca vermelhidão na pele
onde ela encaixa.
Quando cheguei em casa com isso, Nico ficou horrorizado porque
custa um rim e um pedaço do fígado, palavras dele. Lucas ficou preocupado
que eu tivesse vendido partes do meu corpo para dar um braço a ele.
— Pai! Pai! Olha o que tio Rhuan me deu! Uma pista de corrida
gigante!
Passo a mão por seu cabelo e sorrio.
— Oh, ele deu?
— Sim! Monta comigo? Eu deixo você ser o vermelho.
— Ei! Eu pensei que eu seria o vermelho — Rhuan reclama.
— Eu deixo na próxima vez. Meu pai Pablo precisa ser o primeiro.
— Lucas se vira para Nico com olhos brilhantes. — E eu te dou o primeiro
pedaço de bolo, pode ser?
— Com quem você aprendeu a barganhar assim? — Nico pergunta,
cruzando os braços.
— Tia Olívia — responde, pousando a caixa no chão e a abrindo.
Claro que tinha de ser a Olívia Palito. Rolo meus olhos e coloco a
mão sobre a caixa que Lucas está depenando sobre a grama.
— O que acha de deixar guardado até quando a festa acabar? Então
nós montamos e jogamos uma rodada.
— Mesmo se for muito tarde para dormir?
— Mesmo se for — Assinto. — Agora, eu e seu pai temos nosso
presente. Você quer vê-lo?
— É uma bicicleta de rodinhas? Ou o boneco do Transformes em
tamanho real? O novo jogo de videogame?
Sorrio, sabendo que essa ansiedade toda era vinte e quatro horas por
dia. Me levanto e nós três entramos em casa. Nico guia Lucas para nosso
quarto e o senta na cama quando eu pego a caixa com furos nas laterais. Me
ajoelho na sua frente e apoio a caixa entre suas pernas balançando sem parar
na borda do colchão.
Nico apoia a mão sobre seu joelho e isso o para instantaneamente.
— Aqui está. Abra-o.
Mordo meu lábio, subitamente ansioso. Olho para Nico sorrindo para
mim e pisca quando Lucas começa a puxar o laço vermelho. Havíamos
conversado sobre isso no mês passado e como Lucas havia pedido tanto
depois de irmos até uma loja e viu através da vitrine. Então quando eu e Nico
voltamos um dia sozinhos e batemos os olhos no canto, nós clicamos.
Sabíamos que era nosso.
Então eu não sei porque estou nervoso.
A tampa da caixa é jogada de lado quando Lucas enfia a cara dentro e
solta um grito abafado quando puxa a pequena bolinha chocolate de olhos
caramelos para fora. Lucas aconchega o filhote nos braços e seus olhos vão
de mim para Nico.
— É meu? De verdade?
— Sim, e é ela. Escolha um nome — Nico diz, passando a mão pelo
corpinho redondo.
Lucas a observa no colo, sua mão balançando a orelha molinha e
sorri.
— Que tal Bombom?
— Bombom parece combinar com ela — falo, me levantando. —
Mas você sabe que terá que cuidar dela, não é?
— Sim! Ela é minha responsabilidade. — Lucas beija o topo da
cabeça do filhote e murmura. — Para sempre e sempre.
— Sim, e saiba que ela não é um brinquedo, okay? Bombom vai
crescer e envelhecer nessa casa, então cuide bem dela. Limpe sua sujeira, dê
comida e brinque com ela — Nico diz, passando o braço por meus ombros.
Lucas assente e ergue os olhos brilhantes para nós.
— Vocês são os melhores pais do mundo. Nós vamos ficar juntos
para sempre, não é?
Sorri, passando a mão por seus cabelos e assentindo.
— Por quanto a vida durar.
O vejo assentir satisfeito e se levanta desajeitado com o filhote no
colo.
— Posso levá-la para brincar lá fora?
— Sim, mas cuidado. Ela ainda é pequena — digo, entregando a
muleta para ele.
Mordo meu lábio mais uma vez ao vê-lo enrolar Bombom na curva
de seu braço fino e curto, tentando mantê-la contra o corpo enquanto seu
outro braço segura a muleta para sair do quarto. Bombom escorrega um
pouco, mas Lucas a mantém de volta no lugar antes de desaparecer pela
porta.
Me recosto contra a lateral de Nico e solto um suspiro.
— Como você consegue?
— O quê? — pergunta com os lábios contra minha bochecha.
— Essa autonomia. Às vezes é tão difícil deixa-lo ir...
— Mas você precisa. Se trata de fazê-lo perceber que pedir ajuda não
é ruim, mas ele não é inválido. Um braço pela metade e pernas um pouco
ruins, mas ainda funcional. — Nico me vira de frente para ele e beija minha
boca suavemente. — E você faz isso muito bem. Só continue assim e tudo
dará certo.
Envolvo meus braços ao seu redor e busco por sua boca em um beijo
solto e lento. Solto um gemido quando suas mãos vão das minhas costas para
minha bunda e enfio meus dedos por seus cabelos para puxá-lo para mim.
Antes que as coisas pudessem esquentar um pouco mais, há um
pigarro na porta e nos soltamos com respirações rápidas para olhar quem
atrapalha.
— Hora do parabéns. — Vicenzo arqueia uma sobrancelha, uma mão
cobrindo os olhos de Ana. — Nós cantamos ou esperamos vocês dois
acabarem o que começaram? Vocês sabem que tem crianças no jardim, certo?
Rolo meus olhos e me solto de um Nico de bochechas rosadas,
puxando-o pela mão para fora. Vicenzo sorri para minha carranca e resmungo
quando passo ao seu lado.
— Sorte a sua que Ana está com você, ou eu ia atirar a caixa de
presente sobre sua cabeça grande.
— Bem, sorte a minha — Vicenzo ri e caminha na nossa frente.
Saímos para o jardim mais uma vez e vejo Lucas atrás do bolo,
Bombom enrolada em seu braço e parecendo muito curiosa sobre os docinhos
sobre a mesa. Ângelo envolve o pescoço de Lucas com um braço quando
minha mãe bate uma foto e Luna pergunta onde está o isqueiro para acender a
vela.
É uma bagunça e eu só consigo sorrir para a grande família na minha
casa. A vela de número oito é acesa e começamos a cantar de forma
descoordenada, Bombom latindo e tentando roubar um pedaço do bolo.
— Faça um pedido! — minha mãe grita enquanto continua gravando
com seu celular.
Lucas olha ao redor com um largo sorriso e se inclina sobre a vela,
assoprando-a. Bombom consegue lamber o chantilly do canto, o que faz
todos exclamarem e rirem. O primeiro pedaço é entregue para Nico e eu me
vejo perguntando quando Lucas me dá o segundo.
— O que você pediu, Ligeirinho?
Lucas lambe o polegar e balança a cabeça.
— Nada.
— Nada? — Nico franze o cenho, lambendo seu garfo.
— Eu não preciso de nada. Eu tenho tudo o que eu preciso bem aqui.
Nico e eu envolvemos nossos braços ao redor de Lucas, beijando
cada um uma bochecha. Eu havia recebido tudo o que mais sonhei na vida:
minha própria família para cuidar. Um filho. Um amor que me amasse da
forma como eu sou.
E eu consegui, principalmente, confiar em mim mesmo.
Mais uma história chega ao fim. Foi tão difícil escrever essa, me
peguei muitas vezes me perguntando se deveria. Então, conforme ela foi
indo, percebi que mais do que deveria contar sobre como Pablo se sentia no
meio de toda a bagunçada família Alencar. Ele precisava ter voz. E,
principalmente, de alguém que o amasse.
Obrigada por todos que acompanharam essa família, mas esse é o
fim. Apenas mais um conto nos espera, mas os Alencar estão se despedindo
definitivamente. Vou sentir saudades dessa grande família tão amorosa.
Obrigada ao Igor por toda a paciência em me ajudar com dúvidas e
trechos na história. Sobre o ponto de vista de um leitor e amigo.
Obrigada Paula por sempre ser uma grande amiga, uma irmã de
coração. Por palpitar e ser sempre tão presente. Eu amo você!
Em breve retornarei com mais histórias e espero que vocês
acompanhem e amem cada capítulo.
Não é um adeus.
É apenas um até breve.
PRÓXIMO LANÇAMENTO!
“Química e Física”
(Spin-Off da Trilogia Destinos, livro 3,5)

Sinopse:
Era para ser apenas uma despedida de solteiro entre amigos. Um
pouco de bebida de qualidade, música e alguns jogos estúpidos. Nada
prejudicial. Porém, Carlos e Tuco não podiam prever que ficariam sozinhos
no apartamento super chique de Carlos, bêbados demais e tendo péssimas
ideias sobre strip poker.
Um jogo de carta sobre a mesa, uma roupa a menos.
Um beijo explosivo demais para se esquecer com a enxaqueca no dia
seguinte. E uma atração irresistível demais para ser deixada de lado quando
os olhos de ambos se encontram.
Um conto irresistível onde Carlos e Arthur percebem como a química
é explosiva ao se tornar tão física.

[1]
O dementador (dementor) é uma das criaturas criadas por J. K. Rowling.
[2]
É um ente fantástico da mitologia celta (Irlanda) que é conhecida como Bean Nighe na mitologia.
[3]
Nerf é uma marca de brinquedos criada pela Parker Brothers e atualmente de propriedade da Hasbro.
[4]
Tranças de origem africana.
[5]
É um personagem fictício da série animada Steven Universe, criada por Rebecca Sugar.
[6]
Max é um personagem fictício, jovem filho do popular personagem da Disney Pateta. Nico faz
referência já que ela o chamou de Pateta.
[7]
É um personagem fictício criado pelos estúdios da Warner Brothers.
[8]
Modelo de capa de revista masculina.
[9]
Café com licor de amêndoa, creme de leite e canela.
[10]
Ou cavalo com arções é um aparelho utilizado na ginástica artística apenas por atletas masculino,
composto de um corpo prisma mais estreito na parte inferior, montado horizontalmente sobre uma base,
com duas alças sobrepostas ao corpo.

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