3 - Black Arts Movement

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Revista do Corpo Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UnB

EM TEMPO DE HISTÓRIAS | Brasília-DF | n. 36 | p. 119-132 | jan./jun. 2020.


ISSN 2316-1191
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This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.

Recebido em 15/05/2020
Aceito em 23/06/2020
DOI: 10.26512/emtempos.v1i36.31553

DOSSIÊ
Black Arts Movement:
“Expressar a verdade a partir dos oprimidos ou
opressores?”

Black Arts Movement:


"Express the truth from the oppressed or oppressors?"

João Gabriel do Nascimento Nganga


Doutor em História pela UFU
Pesquisador do NEAB – UFU
[email protected]

RESUMO: O Black Arts Movement surgiu em meados de 1960, nos Estados Unidos da
América, com o intuito de estabelecer e consolidar a presença e vozes negras nas artes, em
especial, no teatro e literatura, tendo a África e suas diásporas como ponto de partida para
a inserção nessas artes de referenciais simbólicos ignorados. No presente trabalho faço
apontamentos seguido de análises do percurso histórico desse movimento, que caminhou
lado-a-lado de outro importante movimento em defesa dos direitos civis dos negros nos
Estados Unidos, o movimento Black Power.
PALAVRAS-CHAVE: Black Arts Movement. Estados Unidos. Artes.

ABSTRACT: The Black Arts Movement emerged in the mid-1960s in the United States to
establish and consolidate black voices and presence in the arts, especially in the theater
and literature, with Africa and its diasporas as the starting point for the insertion in these
arts of the symbolic references ignored. In the present work, I make notes followed by
analyzes of the historical course of this movement, which went side-by-side with another
important movement in defense of the civil rights of blacks in the United States, the Black
Power movement.
KEYWORDS: Black Arts Movement. United States. Arts.

Neste artigo tive como objetivo fazer apontamentos seguido de análises do


percurso histórico de um movimento de caráter artístico, cultural e político ocorrido
nos Estados Unidos da América (EUA) na segunda metade do século XX, o Black Arts
Movement, que, desafiou o racismo e as desigualdades socioeconômicas da sociedade
estadunidense através das artes, da literatura e do teatro, bem como expressaram
sentimentos de orgulho racial e, defenderam a concepção e difusão de uma estética
negra que contestasse as representações vigentes.

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Black Arts Movement: aspirações coletivas


O Black Arts Movement surgiu em meados de 1960 em Nova Iorque, mas suas
ações não ficaram restritas a essa cidade. Detroit, San Francisco e Chicago foram
outros locais em que esse movimento atuou com veemência. O Black Arts Movement
nasce com o intuito de estabelecer e consolidar presença e vozes negras nas artes, em
especial, no teatro e literatura, tendo o continente africano e suas diásporas como
ponto de partida para a inserção nessas artes de referenciais simbólicos correntemente
ignorados.
Considero que esse movimento que surge após a Segunda Guerra Mundial e no
momento em que a economia dos Estados Unidos está reestabelecida após a crise de
1929,1 mas que continuava sendo uma sociedade que segregava a população negra
pode ser considerado em muitos aspectos uma sequência do movimento Harlem
Renaissance.
Harlem Renaissance, conhecido também como New Black Movement, foi um
movimento que surgiu na década de 1920 por professores/as, pesquisadores/as,
escritores/as e artistas negros/as nos Estados Unidos, com mais intensidade no bairro
do Harlem da cidade de Nova Iorque, bairro este que é muito conhecido pela densa
presença da cultura negra.
De acordo com o historiador Tyler (1992),

O Harlem Renaissance foi parte de um grande movimento pelo pluralismo


social, étnico, religioso e cultural e pela democracia que se intensificou como
resultado da agitação causada pelos deslocamentos da Primeira Guerra
Mundial. […] O Harlem Renaissance foi parte integrante deste movimento
para desafiar e desmantelar a cultura vitoriana e o racismo pseudocientífico.2

Houve outras instituições anteriores ao Harlem Renaissance que desafiavam o


racismo pseudocientífico, a exemplo da National Association for the Advancement of
Colored People (NAACP),3 criada em 1909 em Nova Iorque. Contudo, na primeira
metade do século XX, através desse movimento foi possível mostrar à sociedade norte-
americana o potencial artístico de negros e negras.

1 A crise de 1929 ocorrida nos Estados Unidos teve início com “quebra” da Bolsa de Valores de Nova
Iorque por meio da queda das cotações de ações. Os efeitos dessa crise resultaram em desempregos,
declínio das atividades industriais, dificuldades no setor agrícola, setor imobiliário saturado,
desorganização bancária e falências de empresas. Essa crise repercutiu na economia de outros países
também, tal como Brasil. Sobre o assunto, cf. GALBRAITH, John Kenneth. 1929, o colapso da bolsa.
São Paulo: Pioneira, 1988, GAZIER, Bernard. A Crise de 1929. Porto Alegre: L&PM Editores, 2009,
HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, PARKER, Selwyn. O Crash de 1929: As lições que ficaram da grande depressão. São
Paulo: Globo, 2009.
2 "The Harlem Renaissance was part of a large movement for social, ethnic, religious, and cultural

pluralism and democracy which intensified as a result of the upheaval wrought by dislocations of World
War I. The Harlem Renaissance was an integral part of this movement to challenge and dismantle
Victorian culture and pseudo-scientific racism". Tradução própria. TYLER, Bruce M. From Harlem to
Hollywood: The Struggle for Racial and Cultural Democracy – 1920-1943. New York: Garland, 1992, p.
XII.
3 Associação Nacional para Avanços de Pessoas de Cor (NAACP). Tradução própria.

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O Harlem Renaissance é considerado uma das épocas mais importantes e


influentes da história norte-americana. Ele marcou o surgimento de afro-
americanos no mainstream da arte nacional, música, literatura e cultura, ao
mesmo tempo em que proclamava a vitalidade e o caráter único da experiência
afro-americana.4

Essa arte expressa de diversas formas estava acompanhada na maioria das


vezes de um sentimento de orgulho racial e por uma crítica as condições de racismo e
desigualdades socioeconômicas em que a população negra estava. Sobre isso, Gates Jr
e Mckay (1997) argumentam que,

Expressa de várias maneiras, a criatividade dos negros americanos sem dúvida


veio de uma fonte comum - o impulso irresistível dos negros para criar uma
arte audaciosamente expressiva de alta qualidade como uma resposta primária
às suas condições sociais, como uma afirmação de sua dignidade e humanidade
diante da pobreza e do racismo.5

Harlem Renaissance foi uma alternativa de enfrentamento às construções de


preconceitos acerca da população negra elaboradas pelos brancos norte-americanos.
Foi um momento de auto-escrita, no qual negros e negras utilizaram da literatura,
música, pintura e teatro para falarem de si próprios em primeira pessoa, para
relatarem seus medos, vitórias, angústias e anseios a partir da perspectiva e
subjetividades de quem vivencia esses sentimentos, e não mais pautado pelo olhar de
quem está de fora.
Alguns dos expoentes desse movimento não são nomes populares no Brasil e em
certa medida ainda seguem pouco conhecidos/esudados nos Estados Unidos, como por
exemplo, Jessie Redmon Fauset (escritora), Nella Larson (escritora) Countee Cullen
(escritor), Aaron Douglas (pintor), Georgia Douglas Johnson (escritora), Duke
Ellington (músico), Marian Anderson (cantora), Ivie Anderson (cantora) Paul Robeson
(ator/cantor), Bessie Smith (cantora), W.E.B. Du Bois (sociólogo/historiador), Alain
Locke (filósofo), Marion Thompson (historiadora), dentre outros e outras.
Ao estudar estes dois movimentos, é possível notar algumas características e
ações de caráter mais coletivo no Black Arts Movement. Nesse sentido, Gates Jr e
Mckay (1997) argumentam que esse movimento teve

[…] um esforço coletivo contínuo para promover uma reforma social


fundamental. É um empreendimento colaborativo e não individualista. Não
importa quantas partes estejam envolvidas, sempre há um objetivo comum:
transformar a maneira pela qual os negros nos Estados Unidos da América

4 “The Harlem Renaissance ranks as one of the most pivotal and influential eras in American history. It
marked the emergence of African Americans into the mainstream of the nation’s art, music, literature,
and culture while simultaneously proclaiming the unique vitality and character of the African-
American experience”. Tradução própria. HILLSTROM, Kevin. Defining moments: the Harlem
Renaissance. New York. Omnigrphics, Inc. 2008, p. 03.
5 “Expressed in various ways, the creativity of black Americans undoubtedly came from a common

source - the irresistible impulse of blacks to create boldly expressive art of a high quality as a primary
response to their social conditions, as an affirmation of their dignity and humanity in the face of poverty
and racism”. Tradução própria. GATES JR, Henry Louis; MCKAY, Nellie Y. The Norton anthology of
African American literature. New York: W.W. Norton & Co. 1997, p. 929.

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foram definidos e tratados. E escritores e artistas afro-americanos, como um


setor vital do movimento, procuraram transformar a maneira pela qual os
negros americanos eram representados e retratados na literatura e nas artes.6

É possível perceber que os dois referidos movimentos tinham como objetivo


comum modificar a realidade em que a população negra americana estava inserida e,
que, o meio encontrado para isso foi as artes. No entanto, o Black Arts Movement
avançou mais no que se refere ao campo político, posto que ele caminhou lado-a-lado
de outro importante movimento em defesa dos direitos civis dos negros nos Estados
Unidos, o Black Power, o que possibilitou um maior alcance político de suas ideias e
ações.
O Black Power Movement foi um importante movimento que teve seu período de
atividades entre as décadas de 1960 e 1970, momento de intensidade na luta pelos
direitos civis dos negros (imagem 01). Foi um movimento que se inspirava no pan-
africanismo,7 socialismo e movimentos pela independência de países africanos. Suas
atividades variavam de reuniões políticas à defesa da luta armada.8 Dois expoentes
deste movimento foram o/a poetas Jay Wright e Gwendolyn Brooks.
Segundo o historiador Ogbar, dentre as várias ideias e objetivos desse
movimento, as que se destacavam eram, “orgulho negro e autodeterminação”. Ainda de
acordo com Ogbar, para que houvesse um real empoderamento dos negros era
necessária e urgente uma independência das instituições dominadas pelos brancos.9

6 “[...] a collective effort to bring about fundamental social reform. It is a collaborative rather than an
individualistic enterprise. No matter how many factions are involved, there is always a common
objective was to transform the manner in which black people in the United States of America were
defined and treated. And African American writers and artists, as a vital sector of the movement,
sought to transform the manner in which black Americans were represented and portrayed in literature
and the arts”. Tradução própria. GATES JR e MCKAY, idem, p. 1976.
7 Segundo o historiador Barbosa, “O Pan-africanismo nasceu da luta de ativistas negros na África e,

sobretudo, na diáspora americana, em prol da valorização de sua coletividade. Sua marca inicial, entre
fins do século XVIII e meados do século XX, foi a construção de visões positivas e internacionalistas
acerca de sua identidade étnico-racial, entendida como comunidade negra: africana e afrodescendente.
(…) A partir de 1945, o Pan-africanismo entrou num segundo momento, como parte integrante das lutas
de independência nacional e contra o neocolonialismo na África.” BARBOSA, Muryatan S. Pan-
africanismo na présence africaine: unidade e diversidade de um ideal (1956-63). In: XXVIII SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 2015, Florianópolis. CADERNO DE RESUMOS DO XXVIII SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA Lugares dos Historiadores: Velhos e Novos Desafios. Florianópolis:
ANPUH, 2015.
8 Cf. BARBOSA, Muryatan S. 2015.
9 Ver OGBAR, Jeffrey O.G. Black Power: Radical Politics and African American Identity. Baltimore:

Johns Hopkins University Press, 2005.

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Imagem 01 - Image courtesy Liberation School10

Para Smethurst, “[...] é relativamente comum definir brevemente as Artes Negras


como o braço cultural do movimento Black Power. Contudo, alguém poderia facilmente
dizer que o Black Power era o braço político do Black Arts Movement”.11
Havia uma grande interação entre esses dois movimentos, o que possibilitou a
expansão do alcance de suas ideias e ações. Smethurst argumenta que,

Os circuitos Black Power e Black Arts eram muito das vezes os mesmos, não
apenas ideologicamente, mas praticamente. Os organizadores e artistas negros
poderiam organizar reuniões do Black Power em diferentes cidades durante
uma turnê de performance. Por outro lado, podia se estar em uma cidade para
uma grande reunião ou convenção política e fazer leituras, concertos musicais,
peças de teatro e assim por diante.12

10 Imagem cortesia da Coleção Digital da Liberation School. Disponível em <


https://liberationschool.org/the-civil-rights-and-black-power-movements/> Acesso em 15 de fevereiro de
2018.
11 “[...] is a relative commonplace to briefly define Black Arts as the cultural wing of the Black Power

movement. However, one could just as easily say that Black Power was the political wing of the Black
Arts movement”. Tradução própria. SMETHURST, James Edward. The Black Arts Movement – Literary
Nationalism in the 1960s and 1970s. University of North Carolina Press. Chapel Hill. 2005, p. 14.
12 “Black Power and Black Arts circuits were often the same, not just ideologically, but practically.

Black organizers/artists might set up Black Power meetings in different cities while on some sort of
performance tour. Conversely, one might be in town for a big meeting or political convention and put on
readings, concerts, plays, and so on”. Tradução própria. SMETHURST, James Edward. idem, p. 14-15.

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Nessa perspectiva, assinalo que o estreito contato desses dois movimentos


permitiu que integrantes do Black Arts Movement intensificassem o teor político no
conteúdo de suas artes, no qual um pensamento antirracista pudesse ser difundido ao
mesmo tempo em que uma nova estética negra fosse proposta, sendo essa a partir da
perspectiva de negros e negras.
Para um dos integrantes desse movimento, Larry Neal, que é um dos
personagens principais do Black Arts Movement, come escritos relevantes. Neal é um
expoente do referido movimento, desse modo, acredito que é importante dar voz a ele.

O Black Arts Movement é radicalmente oposto a qualquer conceito do artista


que o afaste de sua comunidade. Este movimento é a irmã estética e espiritual
do conceito Poder Negro. Como tal, ele imagina uma arte que fala diretamente
às necessidades e aspirações da América Negra. Para realizar essa tarefa, o
Black Arts Movement propõe uma reordenação radical da estética cultural
ocidental. O conceito das Artes Negras e do Poder Negro ambos se relacionam
amplamente com o desejo do afro-americano de autodeterminação e
nacionalidade. Ambos os conceitos são nacionalistas. Um deles se preocupa com
a relação entre arte e política; o outro com a arte da política.13

Essa relação entre artes e comunidade, artes e poder presentes no pensamento


de Larry Neal relacionados com o objetivo de se alcançar uma nova estética, um novo
sujeito em que a cultura de matriz africana fosse os alicerces, o que, na minha
percepção são questões fundamentais para se compreender os caminhos percorridos
pelo Black Arts Movement.

Black Arts Movement: um permanente diálogo entre as artes e a política


A importância que o Black Arts Movement tem para a história dos Estados
Unidos, em particular para negras e negros, ocorre em razão de suas aspirações e
ações, que por meio de um ativismo14 através das artes oportuniza que uma parte da
população negra tenha acesso às narrativas nas quais o controlador do enredo é aquele
que compartilha das mesmas dores e alegrias de ser um indivíduo negro em um país
segregado. Pois, de acordo com Neal,

13 “The Black Arts Movement is radically opposed to any concept of the artist that alienates him from
his community. This movement is the aesthetic and spiritual sister of the Black Power concept. As such,
it envisions an art that speaks directly to the needs and aspirations of Black America. In order to
perform this task, the Black Arts Movement proposes a radical reordering of the western cultural
aesthetic. [...] The Black Arts and the Black Power concept both relate broadly to the Afro-American’s
desire for self-determination and nationhood. Both concepts are nationalistic. One is concerned with the
relationship between art and politics; the other with the art of politics”. Tradução própria. NEAL,
Larry. The Black Arts Movement. Massachusetts-EUA. MIT Press: The Drama Review: TDR, Vol. 12,
No. 4, Black Theatre, 1968, p. 29.
14 O conceito de “ativismo” presente neste artigo pode ser compreendido também como “militância”.

Contudo, considero o primeiro termo um pouco mais completo que o segundo. Desse modo, tomo
emprestada a definição do sociólogo Jordan, que argumenta que ativismo engloba “[…] ações coletivas
que produzem transgressão e solidariedade”. Para Jordan, “A transgressão é essencial ao ativismo
porque toda ação coletiva não tem um aspecto político se não houver alguma transformação entre as
demandas.” JORDAN, Tim. Activism! London: Reaktion Books, 2002, p. 11.

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Um dos princípios básicos do Black Power é a necessidade de os negros


definirem o mundo em seus próprios termos. O artista negro fez o mesmo em
relação ao contexto da estética. Os dois movimentos postulam que existem de
fato e em espírito duas Américas - uma negra, outra branca. O artista negro
entende que seu dever primário é falar das necessidades espirituais e culturais
dos negros. Portanto, o principal objetivo dessa nova geração de escritores
contemporâneos é confrontar as contradições que surgem da experiência do
homem negro no ocidente racista.15

Examino que, quando Neal fala da importância de “os negros definirem o mundo
em seus próprios termos”, podemos nos recorrer também ao Harlem Renaissance, no
que se refere “a-escrita-de-si”16 para se descolar das representações cristalizadas. E em
relação às “duas Américas, uma negra e outra branca” apontada pelo autor, observo
que ele está se referindo a segregação existente nos Estados Unidos o que faz com que
não apenas os níveis de sociabilidade ou a presença do Estado aconteça de formas
diferentes, mas uma gama de fatores que distinguem essas “duas Américas”.
Porém, o que destaco aqui é que há pontos em comum entre esses dois “locais”,
dado que, mesmo que exista essa divisão, ambas estão em permanente contato, o que
faz com que uma influencie a outra e vice-versa. E deste modo, em consequência de um
passado escravagista que ainda reverbera, o racismo estrutural e o privilégio branco17
fazem parte dos alicerces dessas relações moldando as interações sociais.
Isto posto, a vivência de sujeitos negros nessa sociedade está repleta de
contradições, sendo isso visível quando se vincula a existência desses com a mão-de-
obra manual e subalterna. Ou, em momentos que referenciais de sua cultura, a
exemplo da música, é requisitado para servir como momentos de alegria e
descontração para uma plateia que avista nessa população apenas “serviço” de
entretenimento. Ou ainda, na ocasião em que a sociedade precisa de um indivíduo

15 “A main tenet of Black Power is the necessity for Black people to define the world in their own terms.
The Black artist has made the same point in the context of aesthetics. The two movements postulate
that there are in fact and in spirit two Americas — one black, one white. The Black artist takes this to
mean that his primary duty is to speak to the spiritual and cultural needs of Black people. Therefore,
the main thrust of this new breed of contemporary writers is to confront the contradictions arising out
of the Black man’s experience in the racist West”. Tradução própria. NEAL, Larry. Op. cit., p. 29.
16 O termo "escrita-de-si" que me refiro aqui está presente no movimento Harlem Renaissance de modo

implícito. E sabendo que Michel Foucault aborda esse conceito em um de seus textos, intitulado "A
escrita de Si". Assim, tomo emprestado o conceito para corroborar meus argumentos no presente
trabalho. Sobre o assunto, cf. FOUCAULT, Michel. A escrita de Si. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.)
“Michel Foucault: Ética, sexualidade, política”. Ditos e Escritos. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.
144-162.
17 Concordo com Schucman, quando ela aponta que "o fato de o preconceito racial recair sobre a

população não branca está diretamente relacionado ao fato de os privilégios raciais estarem associados
aos brancos. O branco não é apenas favorecido nessa estrutura racializada, mas é também produtor
ativo dessa estrutura." E mais, "esses mecanismos de produção de desigualdades raciais foram
construídos de tal forma que asseguraram aos brancos a ocupação de posições mais altas na hierarquia
social, sem que isso fosse encarado como privilégio de raça." Assim, o privilégio branco pode ser
considerado como “um lugar de privilégio racial, econômico e político, no qual a racialidade, não
nomeada como tal, carregada de valores, de experiências, de identificações afetivas, acaba por definir a
sociedade.” Schucman, Lia Vainer. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e
poder na construção da branquitude paulistana. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo - São
Paulo, 2012.

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para transformar em suspeito a fim de justificar todos as suas desconfianças, medos e


ódios, que devido aos resquícios da escravização, aos negros continuam sendo
atribuídos o lugar-social de suspeito padrão, aquele que é uma ameaça contínua para
determinadas comunidades.
Todavia, ele se torna invisível quando se refere a trabalhos “intelectuais” e de
alto prestígio ou, sempre que suas artes confrontam os “lugares comuns” que os foram
destinados, a exemplo de músicas em que as letras fazem uma crítica ao racismo, às
desigualdades sociais, ao privilégio branco ou ainda, nos momentos em que as diversas
mídias, principalmente filmes e seriados que desconsideram artistas negros na escolha
de seus protagonistas, uma vez que há um padrão de beleza, comportamento e fala no
qual o negro está a margem. Esse são apenas alguns exemplos de áreas em que se há
uma invisibilização de corpos e subjetividades negras.
Entendo que, por efeito dessas contradições nas quais sujeitos negros foram
construídos como representações, no qual em muitas ocasiões eram reféns de quadros
identitário estereotipados. E, guardada as devidas proporções, continuam inseridos,
assim, podemos compreender um pouco dos motivos pelos quais os artistas negros do
Black Arts Movement e aqueles que foram influenciados por esse movimento,
conceberam algumas das artes com características ativistas que tiveram maior
repercussão e mais impactaram a sociedade das décadas de 1960 e 1970. A partir
desse prisma, Smethurst argumenta que,

O Black Arts Movement produziu algumas das poesias, peças teatrais, danças,
músicas, artes visuais e literatura de ficção mais emocionantes dos Estados
Unidos após a Segunda Guerra Mundial. […] alcançou um público afro-
americano em massa, não-regional, trans-regional, numa extensão sem
precedentes para um corpo de arte tão formal (para não mencionar o político),
especialmente nos gêneros da poesia e do teatro.18

Nesse sentido, um dos integrantes desse movimento, Larry Neal relata que
houve um tipo de “despertar”, já que,

Na primavera de 1964, LeRoi Jones (Amiri Baraka), Charles Patterson,


William Patterson, Clarence Reed, Johnny Moore e vários outros artistas
negros abriram a Escola de Teatro e Repertório de Artes Negras. [...] eles
iniciaram uma série de leituras de poesia e concertos. Essas atividades
representavam as tendências mais avançadas do movimento e eram de
excelente qualidade artística. A Escola de Artes Negras ficou sob ataque
imediato pela estrutura de poder de Nova York. A instituição temendo a
criatividade dos negros, fez exatamente o que se esperava - atacou o teatro e
todos os seus valores. Entretanto, a escola recebeu doações. [...] De acordo com
suas ideias culturais “revolucionárias”, o Teatro das Artes Negras levou seus
programas às ruas do Harlem. Durante três meses, o teatro apresentou peças
de teatro, concertos e leituras de poesia para as pessoas da comunidade. Peças

18“The Black Arts movement produced some of the most exciting poetry, drama, dance, music, visual
art, and fiction of the post – World War II United States. [...] it reached a nonelite, transregional, mass
African American audience to an extent that was unprecedented for such a formally (not to mention
political) radial body of art, especially in the genres of poetry and drama”. Tradução própria.
SMETHURST, James Edward. op. cit., p. 371.

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que destruíram as ilusões do corpo político americano e despertaram os negros


no sentido de suas vidas.19

A iniciativa desse grupo teatral (imagem 02) de levar para as ruas do bairro do
Harlem da cidade de Nova Iorque suas atividades demonstram seus anseios por
mudanças, posto que o grupo estava sob fortes ataques devido ao foco do projeto ser
um “despertar” de consciência nos sujeitos negros, e uma aproximação direta com seu
público alvo pode ser considerado sinônimo de potência.

Imagem 02 - Image courtesy Howard

University Digital Collections (mss_5584)20

Ainda por esse ângulo é importante mencionar que a repercussão desse


movimento foi vivenciada em diversos lugares dos Estados Unidos, bem como em

19 “In the spring of 1964, LeRoi Jones (Amiri Baraka), Charles Patterson, William Patterson, Clarence
Reed, Johnny Moore, and a number of other Black artists opened the Black Arts Repertoire Theatre
School. [...] they initiated a series of poetry readings and concerts. These activities represented the most
advanced tendencies in the movement and were of excellent artistic quality. The Black Arts School
came under immediate attack by the New York power structure. The Establishment, fearing Black
creativity, did exactly what it was expected to do-it attacked the theatre and all of its values. In the
meantime, the school was granted funds. [...] In keeping with its "revolutionary" cultural ideas, the
Black Arts Theatre took its programs into the streets of Harlem. For three months, the theatre
presented plays, concerts, and poetry readings to the people of the community. Plays that shattered the
illusions of the American body politic and awakened Black people to the meaning of their lives”.
Tradução própria. NEAL, Larry. op. cit., p. 32.
20 Imagem cortesia da Coleção Digital da Howard University. Disponível em <
https://dh.howard.edu/do/search/?q=mss_5584&start=0&context=7295426&facet=> Acesso em 20 de
abril de 2018.

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espaços de teatro considerados não-formais, onde narrativas que propunham uma


nova forma de conceber a sociedade a partir de uma estética negra estavam
aparecendo. O crítico literário Mike Sell aponta que o Black Arts Movement teve uma
abrangência expressiva. Segundo sua leitura do movimento,

[...] foi muito além dessas instituições frequentemente invocadas. O impacto foi
sentido não apenas na Califórnia ou em Nova York, mas naqueles locais de
performance que raramente chegam às histórias acadêmicas do teatro:
faculdades comunitárias, grupos amadores e teatros profissionais regionais que
estão longe dos grandes centros urbanos e culturais dos Estados Unidos.21

As contribuições do Black Arts Movement ultrapassam os palcos de teatro ou as


páginas dos livros, da mesma maneira que não se limita no fomento a um aumento da
autoestima, autoconfiança, consciência racial da população negra. Pois foi também
uma ação de reflexão sobre os modos pelos quais os conhecimentos/conceitos são
construídos e difundidos. Para Sell, “[...] a alma do Black Arts Movement está ligada
aos dilemas ontológicos e epistemológicos da performance numa sociedade
tendenciosamente racista do espetáculo que torna contraditório o gesto revolucionário
[...].”22
Essa sociedade que torna incoerente as atitudes de caráter transformador
tendem a inverter e igualar as opressões sofridas pelos diversos grupos sociais que
compõem a sociedade, aqui em particular a população negra, do mesmo modo em que
insistem em subordinar as ações desses grupos. E na ocasião em que há uma
autonomia na forma de pensar e agir, o que se percebe é uma tentativa de inversão de
papéis, pelo qual o opressor lança-se no papel de oprimido ao passo que torna o
oprimido em opressor.
Em suas reflexões sobre o racismo nos Estados Unidos até a década de 1960 e
acerca das adversidades que o Black Arts Movement estava enfrentando, Larry Neal
fala sobre essas tentativas ardilosas de inversão e desqualificação das opressões
vivenciadas pelos negros. Ele assinala que,

[...] a mente ocidental, com racionalizações espertas, iguala a violência dos


oprimidos com a violência do opressor. De modo que, quando o nativo prega a
autodeterminação, o homem ocidental, branco e esperto interpreta
erroneamente como ódio de todos os brancos. Quando o político negro radical
adverte seu povo para não confiar nos políticos brancos de esquerda e direita,
mas, em vez disso, se organizarem separadamente com base no poder, o homem
branco grita: ‘racismo inverso’. Ou ele dirá, como muitos deles fazem hoje:

21 “[...] went well beyond these often-invoked institutions. The impact was felt not merely in California
and New York but in those performance arenas that rarely make it into academic theater histories:
communities colleges, amateur groups, and regional professional theaters away from the major urban
and cultural centers of U.S.”. Tradução própria. SELL, Mike. The Black Arts Movement: performance,
neo-orality, and the destruction of the White Things. In: ELAM JR, Harry J; KRASNER, David. (ORGs).
African American Performance and Theater History. Oxford University Press. New York, 2001, p. 62.
22 “[...] the soul of the Black Arts Movement is bound to the ontological and epistemological dilemmas of

performance in a tendentiously racist ‘society of spectacle’, that makes and revolutionary gesture
contradictory [...]” SELL, Mike. idem, p. 74.

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‘Deploramos o racismo branco e negro’. Como se os dois pudessem ser


equiparados.23

Quando Neal menciona que negros/as são acusados de “racismo inverso” pelo
fato de ser incentivado a não confiar em políticos brancos de esquerda ou direita, mas
se auto organizarem, analiso que aqueles que fazem essa crítica, ou seja, acusam de
“racismo inverso”, não reconhecem a existência de um racismo estrutural atuante,
assim como insistem em não aceitar a possibilidade do desmonte do privilégio branco
operante nos diferentes níveis sociais.
Penso que esse é também um dos motivos pelos quais as ações do Black Arts
Movement foram relevantes, pois ao propor uma estética negra para as artes em
conjunto com a continuidade das ideias do Harlem Renaissance, a exemplo da “escrita-
de-si”, foi estimulado um confronto artístico e político contra o modelo branco de
pensar e pautar a sociedade, inclusive as relações sociais de negros e negras.

Quando falamos de uma ‘estética negra’ várias coisas significam. Primeiro,


assumimos que já existe a base para tal estética. Essencialmente, consiste de
uma tradição cultural afro-americana. Mas essa estética é finalmente, por
implicação, mais ampla do que essa tradição. [...] O motivo por trás da estética
negra é a destruição da coisa branca, a destruição de ideias brancas e formas
brancas de olhar para o mundo. A nova estética é baseada principalmente
numa Ética que faz a seguinte pergunta: qual visão do mundo é finalmente
mais significativa, nossa ou a dos opressores brancos? O que é a verdade? Ou
de forma mais precisa, de quem expressaremos a verdade, a dos oprimidos ou
dos opressores?24

Os questionamentos feitos por Neal no final da década de 1960, nos quais


indagava sobre qual premissa era considerada mais importante, a do opressor ou a do
oprimido, foi o ponto de partida para a defesa de uma estética negra pelo Black Arts
Movement, visto que uma de suas principais ideias era justamente contestar a forma
pela qual a população negra era representado nas artes e consequentemente projetado
fora delas.

23 “[...] the Western mind, with clever rationalizations, equates the violence of the oppressed with the
violence of the oppressor. So that when the native preaches self-determination, the Western white man
cleverly misconstrues it to mean hate of all white men. When the Black political radical warns his
people not to trust white politicians of the left and the right, but instead to organize separately on the
basis of power, the white man cries: ‘racism in reverse.’ Or he will say, as many of them do today: "We
deplore both white and black racism." As if the two could be equated.” Tradução própria. NEAL, Larry.
op. cit., p. 35.
24 “When we speak of a “Black aesthetic” several things are meant. First, we assume that there is

already in existence the basis for such an aesthetic. Essentially, it consists of an African-American
cultural tradition. But this aesthetic is finally, by implication, broader than that tradition. [...] The
motive behind the Black aesthetic is the destruction of the white thing, the destruction of white ideas,
and white ways of looking at the world. The new aesthetic is mostly predicated on an Ethics which asks
the question: whose vision of the world is finally more meaningful, ours or the white oppressors’? What
is truth? Or more precisely, whose truth shall we express, that of the oppressed or of the oppressors?”
Tradução própria. NEAL, Larry. op. cit., p. 30.

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Black Arts Movement: um movimento radical?


Assim como o Harlem Renaissance25, o Black Arts Movement teve uma curta
duração. Suas atividades foram diminuindo a intensidade e a sequência a partir de
meados da década de 1970.
Pelo fato do Black Arts Movement e Black Power Movement terem uma relação
intrínseca, o mesmo pode ser visto como um movimento de caráter radical, mas uma
pergunta tem que ser feita, radical para quem? Pois um movimento que propõe
reflexões acerca das normas estabelecidas que se basearam em ideais de racismo
estrutural e privilégio branco e, diante disso, apresenta uma nova estética por meio de
uma arte engajada que é pautada na cultura negra será radical apenas para aqueles
que estão tendo suas zonas de conforto abaladas. Nessa perspectiva, Gates Jr e Mckay
argumentam que,

De acordo com sua definição de si mesmos como participantes de um


movimento, escritores e artistas afro-americanos recorreram às massas dos
afro-americanos para sua inspiração e definiram seus objetivos em termos
sociais e políticos amplamente coletivos. Seu objetivo era criar obras que
seriam, nas palavras de Maulana Karenga, “funcionais, coletivas e engajadas”.
Assim, as Artes Negras dos anos 60 propuseram criar uma expressão
politicamente engajada [...].26

O ativismo em prol da população negra por meio das artes é o ponto de partida
comum do Harlem Renaissance e do Black Arts Movement. Ambos os movimentos, em
momentos históricos distintos, contribuíram de suas maneiras para uma positivação
das representações dos corpos negros, da mesma forma que suas subjetividades
“dentro” das artes, da mesma fora que foram importantes para avanços significativos
“fora” das artes também, onde em alguns momentos se assemelhavam, em outros se
distanciavam. De acordo com Taylor,

Tanto o Harlem Renaissance quanto o Black Arts Movement contribuíram para


a cultura afro-americana. […] o Harlem Renaissance era o trampolim para os
afro-americanos se tornarem o que Alain Locke chamava de ‘Novo Negro’. Era o
começo para o empoderamento dos afro-americanos. Por contraste, o Black Arts
Movement foi o legado do Harlem Renaissance. […] O Black Arts Movement
era um projeto colaborativo em vez de individualista. Era sobre ‘poder negro’,
em vez de apenas liberdade de expressão artística. Mais do que ‘poder negro’

25 O referido movimento começou a dar indícios de término no começo da década de 1930 com os
impactos da crise econômica de 1929, que afetou de modo severo os Estados Unidos. Assim, nos anos
seguintes muitos moradores do Harlem migraram para outras localidades procurando melhores
empregos e condições de vida, o que resultou em um esmorecimento das ações renascentistas. Cf.
HILLSTROM, Kevin. Defining Moments: The Harlem Renaissance. New York. Omnigrphics, Inc. 2008.
26 “In accord with their definition of themselves as participants in a movement, African Americans

writers and artists turned to African Americans masses for their inspiration and defined their goals in
broadly collective social and political terms. Their objective was to create works that would be-in the
words of Maulana Karenga – "functional, collective, and committing". Hence, the Black Arts of the
1960s proposed to create politically engaged expression […].” Tradução própria. GATES JR, Henry
Louis e MCKAY, Nellie Y. op. cit., p. 1796-1797.

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era sobre como os afro-americanos eram tratados e respeitados nos Estados


Unidos.27

Retomando as perguntas realizadas por Neal na década de 1960 sobre quais


premissas são mais significativas, as dos opressores ou dos oprimidos, entendo que
essas podem ser realizadas nos dias atuais (2019), dado que ainda prevalece nos
Estados Unidos uma cultura racista que modela o olhar alheio no momento de
concepção e projeção de sujeitos negros dentro e fora das artes. Deste modo, os ideais
desses movimentos são importantes na atualidade, principalmente no que se refere ao
“[...] direito dos afro-americanos de determinar seu próprio destino”,28 ou em outras
palavras, tornar possível que negros e negras construam as narrativas de suas
próprias vidas.

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de um ideal (1956-63). In: XXVIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2015,
Florianópolis. CADERNO DE RESUMOS DO XXVIII SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA Lugares dos Historiadores: Velhos e Novos Desafios. Florianópolis:
ANPUH, 2015.
COLEÇÃO DIGITAL DA HOWARD UNIVERSITY. Disponível em <
https://dh.howard.edu/do/search/?q=mss_5584&start=0&context=7295426&facet=>
Acesso em 20 de abril de 2018.
COLEÇÃO DIGITAL DA LIBERATION SCHOOL. Disponível em <
https://liberationschool.org/the-civil-rights-and-black-power-movements/> Acesso em
15 de fevereiro de 2018.
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GATES JR, Henry Louis; MCKAY, Nellie Y. The Norton anthology of African
American literature. New York: W.W. Norton & Co. 1997.
GAZIER, Bernard. A Crise de 1929. Porto Alegre: L&PM Editores, 2009.

27 “Both the Harlem Renaissance and the Black Arts movement have contributed to the African
American Culture. [...] the Harlem Renaissance was the stepping stone for African Americans to
becoming what Alaine Locke called the New Negro. It was the beginning to the empowerment of African
Americans. By Contrast the Black Arts Movement was the legacy of the Harlem Renaissance. [...] The
Black Arts Movement was a collaborative project rather than individualistic. It was about 'Black
Power', rather than just freedom of artistic expression. More than just black power, it was about how
African American's were treated and respected in the United States”. Tradução própria. TAYLOR,
Jeneal M. The Differences between The Harlem Renaissance and The Black Arts Movement. Johnson C.
Smith University. Charlotte, NC-US. 2004, p. 19.
28 “[...] the right of African Americans to determine their own destiny”. Tradução própria. TAYLOR,

Jeneal M. idem, p. 10.

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