Música Negra Como Resistência

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Música negra como resistência:

África, Brasil e Estados Unidos


PorBruno Ribeiro Oliveira1,Davi dos Santos2 e Gabriel Truccolo de Lima3

Resumo Abstract
Esse artigo detalha o trabalho realizado This articles details the work done
no âmbito do Programa Institucional de Bolsas within the sphere of the ProgramaInstitucional
de Iniciação à Docência – PIBID – sobre música de Bolsas de Iniciação a Docência – PIBID –
negra africana, afro-brasileira e afro-americana about the black African music, afro-Brazilian
em contextos histórico-sociais de desigualdade, music and afro-American music in a socio-
injustiça e resistência em diferentes períodos do historical contexts of inequality, injustice and
século XX. Independências na África resistance in different periods of the twentieth
colonizada, governo getulista no Brasil pós century. Independences in colonized Africa,
1930 e segregação nos Estados Unidos entre getulista government in Brazil after 1930 and
1940 e 1970, respectivamente. A música serve segregation in the United States between 1940
como instrumento de aprendizagem da história. and 1970, respectively. The music serves as an
A política, a sociedade, a cultura, os instrument of learning history. The politics, the
personagens, estes, são todos apresentados e society, the culture, the characters, these, are all
estudados junto das composições e dos ritmos exhibited and studied with the compositions and
que embalaram uma história de resistência e rhythms that made history in contexts of
luta nos mais diversos cantos. O presente artigo resistance and struggle in many areas. The
não é apenas um estudo histórico da resistência present article is not only a study about the
negra através da música, mas também um relato black resistance in music, but also an report of
de experiência em sala de aula com estudantes classroom experience with students of high
do ensino médio. school.
Palavras-chave: Música; Música afro-americana; Música
Keywords: music;afro-American music; afro-Brazilian music;
afro-brasileira; Música africana
African Music

1
Estudante de graduação em História na UFRGS. E-mail: [email protected]
2
Estudante de graduação em História na UFRGS. E-mail: [email protected]
3
Estudante de graduação em História na UFRGS. E-mail: [email protected]

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Introdução
O uso da música no ensino de história pode ser
pouco usual. Mas ela fornece uma metodologia diferente
que é pouco recorrente nos livros didáticos. A música, com
suas composições (deixemos as partituras e notas musicais
aos especialistas), servem como um documento. Através
de seu uso é possível chegar ao estudo da história por um
enfoque diferenciado. Ela abre uma porta ao estudo da
cultura, da política, da sociedade e de personagens, junto
às mobilizações sociais e formações culturais que marcam
os diferentes períodos da história onde há embates e
divergências entre distintos setores, interesses, classes e
ideias.
O tema foi delimitado sobre a questão da resistência
negra através da música em três distintos casos: o processo
de descolonização na África subsaariana por movimentos
negros de libertação nacional no período da década de
1960; a música negra – o samba – dos afro-brasileiros no
período da ideologia do trabalhismo de Getúlio Vargas nas
décadas de 1930 e 1940; e, o folk, o blues e rock androll
nas lutas por direitos civis e igualdade nos Estados Unidos
marcado pela segregação e violência embasada em
pensamentos raciais. Buscou-se, deste modo, estudar o
protagonismo do negro em diversos casos na história.
Os seres humanos não vivem sem esperança, mas
também não vivem sem arte. E, entre uma das práticas
artísticas mais difundidas, está a música. E é por meio dela
que buscamos estudar o protagonismo negro na história.
Seja a música usada como instrumento de coesão e
conscientização entre guerrilheiros e seu povo; a música
que caçoa do governo e suas medidas; ou a música que
enfrenta o racismo e a segregação. Mais do que compor e
cantar suas realidades, esses grupos de homens e mulheres
deflagram uma verdade que destoa do poder que os rege.
Enquanto existe a “[...] pretensão dos grupos dominantes
de monopolizar a articulação e a enunciação daquilo que
deveria ser considerado ortodoxo, [...] (Mbembe, 2013,
p.52)”, também coexistem agentes sociais que oferecem
aos seus ouvintes a proclamação de outra visão de
realidade, criando consenso e alimentando a esperança.
Enquanto o Estado, o poder hegemônico, ou
qualquer instituição, formada por uma minoria, que detém
o controle sobre a maioria, nomeia as realidades e dá
forma as representações, os “[...] critérios de percepção do
mundo, dos princípios de construção da realidade social
[...] (Mbembe, 2013, p.28)” tornam-se campo de disputa,
para além das disputas materiais. As pessoas que criaram

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as músicas selecionadas pertencem a extratos de artistas,
soldados, militantes e operários, que oferecem uma
percepção do mundo que enfrenta as opressões,
humilhações e derrotas impostas pelos responsáveis de
suas situações.
Para realizar a atividade em sala de aula, a estrutura
proposta fixou-se em duas etapas bem definidas para cada
um dos três temas: 1ª) a exposição destes temas em sala de
aula; e 2ª) o debate e a percepção das bases de
conhecimento que os alunos possuíam sobre estas
realidades e vivências. As aulas ocorreram na seguinte
ordem: música africana contra o colonialismo, samba
contra o trabalhismo e, por último, música contra o
racismo.
Para o encaminhamento dos debates, cada momento
proposto teria uma reflexão inicial sobre o contexto
trabalhado: descolonização africana, trabalhismo getulista
e direitos civis estadunidenses. Assim, o norteador das
discussões, a música, apresenta elementos para fortalecer e
embasar os alunos sobre os debates propostos. O objetivo
primordial desta oficina é compreender os momentos de
discussão e reflexão como pilares para compreender a
descolonização africana, fora do viés econômico
apresentado nos livros didáticos; assim como o período
Vargas (1930-1945) e os efeitos de sua política trabalhista
no contexto dos cidadãos pobres; e, finalmente como o
movimento em busca dos Direitos Civis nos Estados
Unidos se alicerçava nas canções e composições da época.

Música Africana contra o colonialismo


Por quase um século o continente africano esteve
sob domínio estrangeiro. Divididos e conquistados por
Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Portugal e Bélgica.
Indubitavelmente, a história de África é também a história
do colonialismo, da Europa e, para o bem ou para o mal do
uso deste passado, ele é parte constitutiva da África atual.
Porém, parte importante desta trajetória, é o período
compreendido entre 1956 e 1975, que conhecemos como a
época de descolonização ou de independência dos atuais
estados africanos.
O continente é conhecido por seu desconhecimento
em grande medida nas salas de aula. Geografia, política,
história, religião, sociedade, tão diversos, são ainda pouco
conhecidos. Adjetivos de fracasso, derrota e humilhação
persistem sobre sua história e realidade. Deste modo
também atingem seus habitantes autóctones. O período
escolhido – das independências – fornece alento a dois
propósitos: conhecer alguns países do continente em maior

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profundidade e conhecer o protagonismo de seus
habitantes no período colonial e na sua destruição. Tudo
isso, é claro, enquanto estudamos e ouvimos música.
Dado que não é possível conseguir entrar em cada
processo de independência e cada movimento, não só pelo
tempo de cada período, mas também pela distribuição do
número de períodos da disciplina, foi necessário escolher
alguns países junto de seus movimentos e artistas.
Algumas vezes, quando necessário, cruzando fronteiras,
outrora, mantendo-se nas devidas regiões. Os selecionados
foram: Guiné-Bissau e Nigéria. O primeiro é um exemplo
de independência através de luta revolucionária. O
segundo, um exemplo de independência por uma via
conservadora e negociada. Os artistas selecionados, assim
foram devido as suas relevâncias em seus respectivos
países e/ou fora deles. São eles: José Schwarz e Super
Mama Djombo para o caso de Guiné-Bissau; FelaKuti para
o caso nigeriano. Outros casos africanos de independência
foram abordados a título de comparação e conhecimento,
além de deixar clara a extensão do processo.
Inicialmente foi exposta aos alunos a questão “o que
é uma colônia?” numa aula expositiva com recursos
audiovisuais. Colônia é quando uma minoria não nativa
com interesses econômicos rege uma maioria desprovida
de poder (Balandier, 2011, p.237). É uma sociedade que
produz desigualdade e segregação. Como no caso da
Nigéria, onde os habitantes nativos não possuíam os
mesmos direitos que os britânicos e nem podiam ocupar os
mesmos cargos. Da colônia, passamos ao processo da
busca por colônias. O assunto do colonialismo foi
explorado segundo a dialética entre colonizado e
colonizador. O que quer o colonizador? Explorar os
recursos naturais e a mão de obra pelo preço mais baixo.
Manter a região colonizada como produtora de matérias-
primas e importadora de produtos manufaturados da
metrópole (Albert Memmi, 1965, p.6-7). É uma relação
desigual entre o colonizador e o colonizado que caracteriza
as relações políticas, econômicas e sociais. Logo, nesse
relacionamento, os nativos de África saem perdendo.
O que causou o colonialismo? Isso, esse ato de fazer
questionamentos, foi recorrente por toda a exposição do
assunto. Expropriação de terras, exploração dos
trabalhadores, introdução de monoculturas, taxação
injusta, transferência de recursos, falta de industrialização
e genocídios. É importante também questionar: qual o
motivo dos europeus adotarem uma postura agressiva e
colonialista? As motivações são políticas (disputa,
prestígio, influência, estratégia), sociais (etnocentrismo,
missões civilizadoras e evangelizadoras) e econômicas
(recursos, mercado). Para esse momento – apresentação do
colonialismo em África -, o uso de imagens é bastante

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importante para se criar noção da extensão do tema. Mapas
são úteis para ilustrar as possessões europeias no
continente africano e fotos acusam a violência desses
países. E foi justamente isso que foi utilizado. Um mapa da
África com diversos curtos exemplos da violência colonial.
Alguns temas que marcaram a aula foram: o genocídio dos
belgas do Congo; os campos de concentração britânicos no
Quênia; o extermínio dos povos Nama e Herero na
Namíbia Alemã; e os atos criminosos das forças armadas
portuguesas nas áreas africanas lusófonas.
Esse primeiro momento, de apresentação do tema,
busca deixar claro a situação de penúria e ruína a que os
autóctones foram levados. E trata de mostrar que: “Um
país que vive, que tira a sua substância, da exploração de
povos diferentes inferioriza estes povos” (Fanon, 2008,
p.282). O fim do primeiro momento tratou do caminho à
emancipação.
A Segunda Grande guerra é o momento em que:
“Vemos [...] laextension a lospueblos ‘civilizados’ de
Europa de losmetodos anteriormente reservados a los
‘salvajes’” (Mbembe, p.36, 2006). Foi durante a guerra
que os europeus sofreram as mesmas violências que os
africanos haviam sofrido. Foi na guerra que os africanos
lutaram numa guerra de homens brancos e foi durante ela
que eles começaram a se organizar em grande número
contra a dominação colonial. Movimentos de libertação
como em Guiné-Bissau que reuniam pessoas como José
Schwarz (1949-1977) e, no seio deste movimento, surgiu a
banda Super Mama Djombo. Entramos no segundo
momento.
Trabalhamos com as breves biografias de José
Schwarz e da Banda Super Mama Djombo. O primeiro, um
músico e militante que tomou parte em ações militares
contra os portugueses. Os segundos, guerrilheiros, mas
também músicos que juntavam seus instrumentos para
alegrar os companheiros de luta e cantar as glórias e
tristezas da luta anticolonial. Tanto para Schwarz quando
para Mama Djombo, foram apresentadas suas composições
e músicas para serem ouvidas. A título de exemplo, a letra
da canção “Do que chora a criança”, de José Schwarz:
“Do que chora a criança?
é dor no seu corpo
Do que chora a criança?
é sangue que cansou de ver
Um pássaro grande chegou
Com ovos de fogo
O pássaro grande veio
Com os ovos da morte”

Letras como essa, mostradas aos alunos, servem de

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fermento ao diálogo professor/estudante. Na composição
pode-se trabalhar o tema da violência do colonizador, da
dor e da tristeza dos colonizados expressos em canção.
Em outras letras é possível deixar demonstrar o desejo de
libertação, de resistir e expulsar os colonizadores e da
esperança em se construir uma país e uma vida melhor. É o
caso de “Canta camarada”, também de Schwarz:

“Canta camarada
Deixa que o teu sonho verdade
Flua límpido nos anseios da tua voz quente
Pois este é o teu dever, o teu direito
Canta camarada
Que a recordação da tua dor
Seja como a terra revolvida
Em cada época, para a sementeira”

Além de apresentaram os anseios dos homens e


mulheres que foram agentes na independência de seus
países as músicas causavam um bom estranhamento. Os
alunos podiam ouvir e interagir com ritmos musicais aos
quais não estão acostumados e com uma língua diferente.
As músicas da banda Super Mama Djombo e de José
Schwarz são cantadas em criolo, uma língua que é uma
derivação de dialetos africanos e do próprio português.
O caso de Guiné-Bissau é um onde os autóctones
adquiriram sua independência por meio de armas. Foi uma
libertação de cunho mais popular, violenta e difícil.
Outros casos, como da Nigéria, a independência
veio de forma conservadora e negociada. Mesmo que
celebradas, nem todas as libertações conseguiram alcançar
suas metas de desenvolvimento, liberdade política e
emancipação econômica. A Nigéria adquiriu sua
independência em 1960, mas não entrou numa via
democrática, muito pelo contrário, grande parte da
população ficou alijada do poder devido a um forte
autoritarismo. Foi nessa sociedade que nasceu FelaKuti
(1938-1997). Músico, compositor, ativista dos direitos
humanos e de direitos políticos, Kuti era filho de uma
ativista anticolonial e de um professor. Fela seguiu a
carreira de músico e tornou-se um expoente da afrobeat
(estilo musical que mistura jazz, funk e músicas africanas).
Suas letras questionam a supremacia dos homens brancos
na relação com África e a ideia de civilização dos
europeus. Letras como de Gentleman (Cavalheiro), deixam
clara a posição de confronto com o modelo europeu:
“Eu não serei um cavalheiro
Eu vou ser um homem africano original”

Uma frase direta e repetida constantemente na

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música, deixando claro, ao ouvinte e aos estudantes que ele
afirma, não será um homem ao molde europeu. Fela não só
questionava a condição de África frente à Europa, mas
também a própria política interna da Nigéria e, por
consequência, de outros países africanos. Em suas letras,
Kuti deixa transparecer seus ideais e de onde vinham suas
palavras para uma África liberta, consciente e autônoma.
Na música FearNot Man, ele canta:

“Irmãos e irmãs
O pai do pan-africanismo
Dr. KwameNkrumah
Diz a todo o povo negro
O segredo da vida é não ter medo
Nós temos todos que entender isso”

Fela cita KwameNkrumah e o pan-africanismo.


Aqui o professor deve abri um parêntese para deixar claro
a quem se refere e o que significa o termo dito.
KwameNkrumah (1909-1972), foi importante na liderança
política que levou a independência de Gana, além de ter
servido como Primeiro Ministro do país, até sua derrubada
em 1966. Pan-africanismo é a corrente que encoraja a
solidariedade entre todos os negros ao redor do mundo.
Esse é mais um dos momentos em que os alunos se
deparam com mundos e personagens que parecem tão
distantes da sua realidade. As músicas de FelaKuti
possuem outras composições que transgridem fronteiras
pela sua mensagem simples, direta e de contestação,
convidando ao pensamento e ao não conformismo. É o
caso de Zombie:

“Zumbi não anda, até que você o mande andar


Zumbi não para, até que você o mande parar
Zumbi não vira, até que você o mande virar
Zumbi não pensa, até que você o mande pensar”

Trabalhar países africanos, sua música e seus


personagens abre todo um mundo que é pouco conhecido
fora da esfera do continente negro. Aos estudantes, ver
esses países que até então eram nomes desconhecidos para
a maioria, conhecer um pouco de sua história, o
protagonismo de seus povos contra um senso ordinário de
África fracasso, ouvir a música e conhecer as composições
ofereceu uma saída ao cotidiano das aulas de história. Um
problema de se trabalhar tema tão distinto é a dificuldade
de se fazer um diálogo mais amplo, dado que todos os
dados apresentados são novos, por que são pouco usuais
no ensino de história da atualidade. Oferecer aos
estudantes uma possibilidade de vislumbrar um outro
mundo, outras possibilidades e oferecer mais além, uma

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pequena abertura a pensar o diferente, com certeza
possibilita a formação de um ser não zumbi do qual
FelaKuti cantava. Até porque é dever das ciências
humanas fornecer uma análise sobre esses processos e suas
consequências (Falola, 2007).

O samba, a malandragem e o Estado Novo


O samba sempre apresentou características
particulares e envolventes. A maneira de falar sobre
amores impossíveis, o dia a dia nas comunidades pobres, a
negação ou mesmo o entusiasmo que o trabalho gera nas
pessoas. Com isso, o samba marca e registra formas de
viver e sociabilizar. Neste ponto, entra a possibilidade de
trabalhar com letras musicais como fontes para se pensar a
história do Brasil no século XX.
O samba, como já citado acima, traz elementos
culturais e organizacionais dentro das comunidades
brasileiras que, dificilmente, conseguiríamos traçar ou
mesmo estudar por fontes documentais mais clássicas
como jornais, processos oficiais do governo, etc.
Frente a isso, o trabalho com letras de música,
utilizadas como fonte, traz um acréscimo de qualidade para
se estudar e conhecer tanto a história do negro no país,
quanto aos processos de favelização das cidades brasileiras
durante os anos 1920-50.
A música possui caráter de resistência e luta, não
apenas quando se coloca para marcar posicionamento civil
ou mesmo para protestar contra alguma opressão, mas
mesmo quando seu objetivo inicial não é ter uma vertente
combativa, a música tem a condição de ao mesmo tempo
em que traduz ou registra fatos da vida, pode inspirar e ser
ressignificada para se pensar questões sociais. Ou seja, a
música, no nosso caso o samba, pode trazer características
que tratam das vivências diárias de um povo e, mesmo
assim, mostra sua luta contra sistemas opressivos, regimes
ditatoriais e leis racistas e sem preocupação social. Os
sambas de Wilson Batista e Geraldo Pereira apresentam
traços combativos ao furor do trabalhismo do Estado
Novo. O samba-exaltação a figura de Vargas é
questionado. A figura do malandro se sobrepõe e a
imagem do trabalho e do trabalhador, que são sempre
questionadas e inferiorizadas. A música de Wilson Batista
retrata o malandro: bom de briga, vagabundo, roupas
características e andar gingado. Este é o grande
personagem do samba carioca dos anos 1930-40. Traz
sempre sua condição de vida como marco para as

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composições, ao mesmo tempo em que revela como ele
resiste aos processos diários de enquadramento social pela
polícia varguista. A música Lenço no Pescoço, gravada em
1933 por Sílvio Caldas pela RCA Victor, traz referências
ao malandro e sua negação ao trabalho, este que quase lhe
causa doença e que o compositor apresenta seu orgulho em
ser vadio:

Meu chapéu do lado


Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão

Este hino em homenagem ao malandro evidencia


sua falta de vocação para o trabalho, assim como marca
seu desafio em relação a quem possa querer enfrentá-lo.
Sabe-se que este samba foi escrito devido a sua briga com
Noel Rosa, que responde a mesma altura com Rapaz
Folgado. Noel Rosa, um dos sambistas mais aclamados
desta época, menospreza a visão de malandro que Batista
colocava em suas músicas. Mas suas letras também iam ao
encontro do malandro e da vida fácil. Em Malandro
Medroso, Noel explicita sua relação com a malandragem e
também com o medo que ela pode acarretar. Esta
perspectiva traz também como a sociedade via o malandro.
Sem emprego, devendo no jogo e com a polícia em seu
encalço. Tais pontos são sempre interessantes de serem
tratados em sala de aula, pois relata a sociabilidade de
personagens, muitas vezes, desconhecidos de uma
historiografia, ou mesmo dos livros didáticos, que
apresentam o período varguista apenas em seus laços
políticos federais e estaduais, assim como suas políticas
externas e internas. Mas esta visão mais conservadora da
historiografia e dos livros didáticos não pensa a maneira
como as relações sociais eram realizadas cotidianamente.
Assim sendo, não conseguimos entender as contradições
pessoais que existiam e, principalmente, não entendemos

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como estas políticas atingiam as comunidades de periferia
no Brasil. O samba nos mostra referências diárias sobre
medos, angústias e alegrias da periferia. A criação artística
estimula a compreensão das condições sociais e a busca
para transformá-las, como afirma Braz
(...), entender a particularidade da criação artística, e o
samba como uma de suas formas, como uma modalidade
de práxis pela qual os homens buscam modificar as
relações sociais que se dão entre si próprios, objetivando-
se em produtos específicos, característicos, característicos
da atividade artístico-cultural. E é isso o que caracteriza
essa modalidade de práxis: seu produto, diferentemente
daqueles que resultam da atividade produtiva realizada
pelo trabalho, é o que se volta para as relações sociais,
interferindo e influindo, conscientemente ou não, no
comportamento dos próprios homens. Numa palavra: os
produtos originados pela práxis cultural (e a atividade de
criação artística é uma de suas formas privilegiadas)
desencadeiam, sempre e simultaneamente, processos de
subjetivação e de objetivação historicamente
determinados. (BRAZ, 2013,p. 76-77).

Compreender como a música pode se tornar


referência diária de uma população marginalizada estava
como plano central dos debates e do entendimento das
composições musicais como fontes históricas. O ensino de
história abre grandes fronteiras para se pensar e analisar
populações fora do eixo de poder político. Assim, o
trabalho com fontes musicais nos possibilita conhecer as
áreas marginalizadas da sociedade e, até mesmo,
conhecermos as rotinas dos grupos citados nas
composições.
Outra possibilidade de trabalho, debatida com muita
intensidade nas aulas realizadas, é a análise de uma
sociedade machista que é representada no samba. As
mulheres, fontes de inspiração para muitos sambas, mas
que dificilmente conseguiam demarcar seu espaço dentro
do cenário musical eram tratadas como apêndices da vida
do malandro. Os traços machistas, característicos de
muitas letras, descaracterizam quase todas as formas de
individualidade da mulher. A famosa música Emília,
também de Wilson Batista, caracteriza uma mulher
idealizada e o autor não pensa a condição da mulher como
agente de sua vida. A canção, que traz o estereótipo de
uma mulher ideal, na visão do compositor, traz a
possibilidade de gênero para o debate escolar, ainda
visando compreender as organizações e objetivos de
grupos marginalizados.

Quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar

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Que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar
Só existe uma
E sem ela eu não vivo em paz
Emília, Emília, Emília
Não posso mais

Com isso, o debate sobre a mulher idealizada,


podemos iniciar uma reflexão sobre a atuação e a visão que
os homens, nos anos 1930-40, possuíam. Este ideal de
mulher entra em contraste com a realidade destas
comunidades. As mulheres são extremamente ativas em
suas relações sociais, mesmo com a marginalização que a
sociedade as colocava, e ainda coloca. Wilson Batista, com
o decorrer dos anos, percebe a mulher como agente
histórico e social. A mulher, em suas músicas e nas de
outros diversos compositores, passa por importantes
processos de independização e atuação social direta. As
vozes femininas começam a ser cantadas, mas salientamos
aqui que a maior parte das composições ainda é feita por
homens.
Mesmo assim, é sempre importante ver a reação
feminina sobre a malandragem e colocando ultimatos aos
malandros e ao samba. O emprego, fonte essencial de
renda, é o amadurecimento do malandro. Não mais pode
ser aceito, dentro do trabalhismo que ganha forças durante
os anos do Estado Novo, uma pessoa que seja “vadia e
malandra”. A repressão começa a ganhar ainda mais
capacidade de organização e sistematização, assim, o
malandro começa a ser pressionado pelo governo Vargas,
com os órgãos policiais e seus enquadramentos na lei de
vadiagem, e também pelas mulheres, cansadas de
fornecerem o sustento dos malandros. Deste modo, as
composições que tratam a individualidade e mesmo a
atuação da mulher ganham espaço, como o samba Vai
Trabalhar, gravado por Araci de Souza.

Isso não me convém


E não fica bem
Eu no lesco-lesco
Na beira do tanque
Pra ganhar dinheiro
E você no samba
O dia inteiro, ai!
Você compreende
E faz que não entende
Que tudo depende
De boa vontade
Pra nossa vida endireitar
Você deve cooperar
É forte e pode ajudar
Procure emprego

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Deixe o samba
E vai trabalhar

Estes sambas retratam uma mulher mais real,


diferente do samba Emília, citado acima, que idealiza e
formata uma mulher que serve aos interesses e caprichos
dos homens. Analisar as questões de gênero é ponto
primordial para se estudar história. Assim como a história
dos negros e indígenas, no Brasil a historiografia sempre
menosprezou a atuação feminina no construir do
conhecimento histórico. A discussão em sala de aula se
torna primordial para repensarmos a atuação feminina e,
ainda, desconstruir preconceitos desta ordem. A
participação das alunas e alunos é fundamental para que se
pense e repense o que o samba trata, e mesmo se ele
representa aspectos de uma parcela da sociedade brasileira.
Deste modo, o último momento de apresentação e
introdução sobre os sambas que retratam malandros e
como estes agiam e sociabilizavam durante o Estado Novo,
chega ao momento de discussão sobre a maior participação
da mulher, não mais idealizada e glorificada para os
desejos do marido, mas sim, agente de sua história e que
possui prazeres e desgostos. A música Vai Trabalhar
retrata esta mulher que não mais aguenta a exploração. Já o
samba Oh! Seu Oscar, novamente de Wilson Batista, traz
dois pontos que não havíamos visto, nesta luta contra as
diretrizes do trabalhismo, mesmo esta luta, muitas vezes,
sendo irracional. O ex-malandro que agora virou
trabalhador, e a mulher que sai em busca do seu prazer.

Cheguei cansado do trabalho


Logo a vizinha me falou:
- Oh! seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que sua mulher foi-se embora
E um bilhete deixou
O bilhete assim dizia:
"Não posso mais
Eu quero é viver na orgia"
Fiz tudo para ter seu bem-estar
Até no cais do porto eu fui parar
Martirizando o meu corpo noite e dia
Mas tudo em vão
Ela é, é da orgia
É... parei!

O debate, a partir desta introdução sobre sambas e a


atuação e representatividade que eles poderiam, ou mesmo
podem alcançar, fica mais explícito e diretivo. Entender a
situação socioeconômica brasileira ainda é ponto
fundamental para entendermos o que levou e o que foi a

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ditadura Vargas de 1937-1945. Mas compreender como ela
afetou a população, que não era envolvida diretamente ao
meio político, também é primordial para refletirmos e
sobre os reflexos do trabalhismo na sociedade. Como as
relações de gênero, raciais ou mesmo sociais se colocavam
no Rio de Janeiro dos anos 1930-40 reflete um pouco
como a sociedade atual se organiza e se transforma. Ainda
hoje possuímos reflexos de pensamentos ou mesmo de
atuações que se encontravam difundidos naquela época.
A construção do conhecimento histórico se torna
mais atrativa e com maiores recursos quando pensamos a
realidade que foi dos avós e bisavós dos alunos. Assim, o
debate sobre a condição social do negro no Brasil, autuado
na época como vagabundo, sem cultura e desprovido de
individualidade, fornece elementos que o samba nos traduz
e desconstrói. Toda a sociabilidade e a maneira de viver
que as composições musicais embasam as discussões sobre
a condição negra no Brasil: suas relações sociais e
vivências (trabalho, ensino, etc.). E ainda nos possibilitam
a reflexão de gênero, que assim como a malandragem, nos
trouxeram a base e a inspiração para trabalharmos esses
pontos em sala de aula.

Música de protesto e resistência nos EUA


O Rock n' Roll permanece, até o presente momento,
como um dos gêneros musicais mais populares do mundo,
sendo especialmente apelativo para jovens. Manifesta-se
em uma série de subgêneros - pop rock, rock nacional,
heavy metal, punk rock, glam rock, apenas para nomear
alguns - e sua influência se estende para outros gêneros
musicais. Sua indiscutível popularidade e importância
cultural para o Século XX, entretanto, não representa o
conhecimento pleno por parte de seus admiradores sobre
as raízes deste gênero musical, estas, calcadas na música
negra nos Estados Unidos.
Falar sobre a "música negra" nos Estados Unidos da
América pode parecer um recorte demasiado amplo:
queremos, aqui, falar sobre o blues, os spirituals, a
influência destes para o rock n' roll, o surgimento do rap.
E a história e relevância destes gêneros musicais é
indissociável da experiência da população afro-americana.
Em outras palavras e mais especificamente: é impossível
estudarmos a história dos supracitados estilos musicais
sem a compreensão do escravismo, do segregacionismo
das Jim Crow Laws, e da resistência de alguns destes
indivíduos perante este cenário.
No dia 25 de novembro de 2014, Darren Wilson,

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policial branco da cidade de Ferguson, nos EUA, foi
inocentado em julgamento preliminar da acusação de ter
assassinado Michael Brown, um jovem negro de 18 anos,
baleado por Darren Wilson à luz do dia em frente à sua
casa. Tal decisão acarretou em uma onda de protestos na
cidade de Ferguson. Um dia após esta decisão, foi aplicada
a atividade intitulada Musica Negra como Resistência nos
Estados Unidos da América no Colégio Júlio de Castilhos,
em Porto Alegre. A atividade consistiu em uma fala
expositiva, que durou cerca de duas horas e meia e teve
início com uma exposição relatando a morte de Michael
Brown e o então recente julgamento de Darren Wilson, tal
qual a subsequente onda de protestos em Ferguson.
Em seguida, discutiu-se a morte de EmmetTill em
28 de agosto de 1955, também nos Estados Unidos, o que
conectou uma breve explicação sobre as Jim Crow Laws.
Os alunos, então, foram indagados sobre formas de
resistência, enquanto comunidade, de tamanhas injustiças e
atrocidades cometidas sobre prerrogativas raciais. E então,
teve início um diálogo sobre música.
Começamos com uma canção que lançara Bob
Dylan ao sucesso: Blowin’ in the Wind, uma balada
pacifista que lança perguntas retóricas ao seu espectador e
que em momento algum fala, diretamente, sobre problemas
concretos que eram atravessados na época de sua
composição. Em seguida, ouvidos a balada
ManyThousandsGone, composta e cantada pelas tropas
negras durante a Guerra Civil:
Sem mais leilões para mim,
Sem mais, sem mais.
Sem mais leilões para mim,
Milhares já houveram.

Constatou-se, a partir da audição de ambas as canções,


que a música de Bob Dylan, composta em 1962, possui a
mesma melodia que aquela composta durante a Guerra
Civil.
Este exemplo –a melodia “reciclada” de Blowin’ in
the Wind – serve como um bom iniciante para uma
reflexão sobre a tradição da música de protesto e
resistência como um todo nos EUA e suas inúmeras
ressignificações ao longo do tempo, mas especialmente
indicativa da origem na musicalidade afro-americana.
Em 1960, Alan Lomax escreve a obra The
FolkSongsof North America, onde procura catalogar as
canções tradicionalistas norte-americanas de acordo com
região e tema, incluindo excertos de partituras e
comentários. O índice da obra é um excelente indicativo da
heterogeneidade deste universo: dividindo o gênero em
quatro grandes grupos regionais, mapeia 317 músicas em

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28 temas distintos entre si. Todas estas músicas têm em
suas bases uma origem popular - frequentemente, músicas
folk de sucesso tem seu autor desconhecido, como, por
exemplo Rising Sun Blues, hoje em dia conhecida como
HouseoftheRising Sun, gravada em ritmo de rock. Estas
são, portanto, canções calcadas na tradição oral e cultural
de determinado agrupamento de pessoas ou de
determinada região, que atravessam o tempo sendo
adaptadas e readaptadas em melodia, letra e sotaque.
Na supracitada obra de Alan Lomax, o mesmo fala
da música negra como uma ferramenta de escape, um
subterfúgio de agressividade e de sexualidade autocontida,
forjada a partir dos impactos psicológicos da escravidão
sobre os escravizados. Mais comum, entretanto, é associar
o blues simplesmente à desolação do escravizado em meio
ao território desconhecido e as deploráveis e desumanas
condições a quais estava submetido. Segundo Muggiati:

Foi do casamento do grito escravo com a harmonia


europeia que nasceu o blues. (...) À medida que o escravo
se afundava na cultura local – representada, no plano
musical, pela tradição europeia – o grito ia se acelerando,
assumia novas formas. (MUGGIATI, 1981, p.)

Ao blues é tipicamente associada a melodia triste e


as letras desesperançadas – amores perdidos, a vida na
pobreza ou no vício, a morte, o demônio – em suma, as
dificuldades da vida, seja esta ou a próxima. SonHouse,
em 1967, quando é indagado sobre o que é o blues, diz:

O Blues se faz por si mesmo. Isso é o blues. Quando você


está solitário e preocupado, não sabe o que
fazer.(...)Vocêchora e chorasozinho. Lamenta sozinho.
Então você quer ficar calado em algum quarto, não quer
muita companhia – você não está bravo com outras
pessoas mas você quer trancar sua porta e ficar lá onde
você pode chorar bastante. Ouve alguém batendo em sua
porta – você não quer ouvi-los, não é que você está bravo
com eles; você só não quer companhia agora.

A relevância do blues para a compreensão da


música enquanto resistência negra é central, não apenas
como uma forma inicial de expressão, mas também pela
sua subsequente influência na musicalidade do Movimento
dos Direitos Civis. Não apenas constitui a vertente que
mais influenciou o rock, que estoura em protesto no fim da
década de 60, como também representa as primeiras
manifestações culturais do povo negro acerca de sua
situação injusta em uma sociedade em que as Jim
CrowsLaws garantiam e incentivavam a segregação. São
exemplos de uma tradição antiga de resistência, que

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“frequentemente se expressava artisticamente e
intersubjetivamente, ao invés de externamente. A última,
obviamente, seria (...) violentamente reprimida”.
O blues, sem dúvida, criava a noção do
pertencimento a uma comunidade através da evocação de
imagens comuns a um determinado grupo. Segundo Ligia
Vieira Cesar, “o blues, trazido da África[sic], expressa
todo um contexto social, pois o africano não conhecia a
música como uma manifestação isolada de arte, visto que
sempre lhe conferiu uma função estritamente comunitária”.
Isso nos ajuda a compreender a relevância dos spirituals:

Logo não haverá mais problemas do mundo para mim


Problemas do mundo, problemas do mundo
Logo não haverá mais problemas do mundo para mim
Indo para casa para Deus.

Mais do que uma simples forma de escapismo


religioso, os spirituals, com o passar do tempo, tornaram-
se verdadeiras canções de resistência. As Igrejas,
tradicionais espaços de convivência entre os negros norte-
americanos, geraram a noção de pertencimento à uma
comunidade que partilha dos problemas e injustiças de
uma sociedade racista e segregacionista, ao mesmo tempo
em que prega uma eventual e garantida melhora.
Thomas Barker diz que: “(...) através de relações
históricas, significado político pode existir na música de
forma potencial, despercebida, e este significado pode ser
aceso em um contexto de opressão política”. Talvez o
maior exemplo disso seja a canção I shallnotbemoved:
tradicional e negra, a canção proclama: “Eu não serei
movido/ eu não serei movido/ como uma árvore plantada
pela água/eu não serei movido”. Na canção original, a fé
em Deus confere ao fiel impassibilidade ante às
dificuldades terrenas. Na segunda metade de 1950, Pete
Seeger e outros folkmen de sindicato cantam uma versão
intitulada Weshallnotbemoved, desprovida de seu conteúdo
religioso e carregada em protesto e afirmação sindical. A
mudança mais óbvia é a no pronome do título – do singular
I para o plural We – e também é reveladora.
O caráter do protesto, entretanto, está mais presente
na tradição musical em si do que na palavra nós. Os
oprimidos operários reconheciam a luta dos oprimidos
negros e, ao partilhar da tradição musical, aproximavam as
duas lutas – também a partir de preceitos de que o
segregacionismo seria um produto nocivo da sociedade
capitalista.
Neste indicativo, é perceptível a gradual
transformação e ressignificação das músicas negras de
resistência para um sentido mais amplo. É a partir de Bob
Dylan – cantor branco de folk de protesto que denunciava o

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racismo - que em meados dos anos 1960 o protesto se
torna popular, em termos de indústria cultural; E, com a
transição progressiva de Dylan do folk para o rock, ao
longo da década de 1960, são inúmeras as bandas deste
estilo que incluirão comentário político em suas canções.
O rock n’ roll sempre bebera do blues negro, muitas vezes
apropriando-se de músicas desta vertente e simplesmente
colocando-as na boca de astros brancos como Elvis
Presley. Entretanto, é com o sucesso comercial e crítico de
Bob Dylan que o rock deixa, lentamente, de ser uma
vertente musical alienada ao contexto político da época e
passa a ter um lugar de influência cada vez mais
importante.
Grupos musicais como o Buffalo Sprigfield, The
Doors, GratefulDead e The Jimi Hendrix Experience
propunham a quebra de paradigmas através da sua melodia
e comportamento, contestando a guerra e a sociedade
norte-americana como um todo – sempre buscando no
blues as inspirações melódicas de suas guitarras. Em pouco
tempo, os gêneros musicais misturam-se com igual
intensidade que as lutas: o blues, os spirituals, o folk, o
jazz e o rock, apoiados por uma indústria cultural visando
o lucro, combatem a segregação, o conservadorismo, a
Bomba e a Guerra do Vietnã. Cabe lembrar que, ainda
nestes anos 60, as lideranças negras de Luther King e
Malcom X frequentemente associam o conflito no Vietnã
com a violência racista institucionalizada que acontecia
nos Estados Unidos, mostrando ambos cenários como um
caso de limpeza étnica-racial.
Tendo visto as raízes da música negra de resistência
nos EUA, e tendo visto suas influências e amplitudes para
outros gêneros musicais e outras lutas, passamos nossa
atenção para o rap, ou rythmnandpoetry, que podemos
encontrar as raízes no talkin’ blues, variação do blues que
data aproximadamente da década de 30. O rap consiste em
uma fala rimada e ritmada, normalmente acompanhada de
uma batida (frequentemente eletrônica). Trata-se de um
gênero musical que ganha força no final da década de 1980
nas comunidades negras do norte dos Estados Unidos. O
rap, aqui, é visto apenas como uma forma de música negra
de resistência na contemporaneidade: seja com críticas
amplas (The Message, de Grandmaster Flash), diretas,
explícitas e violentas (Fuckthe Police, de N.W.A.), ou
simplesmente afirmativas (ChingChingChing, de 50 cent),
denunciam um contexto de opressões persistentes e
remanescentes. A mensagem destes artistas parece ser o
fato de o racismo nos Estados Unidos da América não se
encerrou com as Jim Crow Laws ou com a Guerra do
Vietnã. E esta parece ter sido, também, a mensagem
enviada por Ferguson no dia 26 de novembro de 2014.

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Conclusão
Da África subsaariana, ao Brasil dos negros e
mestiços até a potência capitalista e segregacionista do
norte, foram reconstruídos, dentro das possibilidades, com
erros e acertos, em nosso trabalho, episódios pouco
comentados. Pouco recorrentes porque ainda buscam
espaço numa história predominantemente branca e, no
campo escolar, ainda dominado pela história política. Ao
recorrer a personagens e movimentos marginalizados, mas
não menos importantes, podemos trazer aos alunos a
experiência de reconhecer a história por outro viés. Talvez,
não mais ou menos crítica, porém diferente, dado que a
criticidade pode se efetuar por diversos ângulos. Oferecer
outro olhar aos alunos, fazê-los sentir o estranhamento e
levá-los a reconhecer o diferente. Por isso o tema do
protagonismo dos homens e mulheres negras da história
para a sala de aula. Dado que todos tem o direito de existir,
mas não a tempo para que se conheça a todos, é necessário
escolher. Mas, nessa escolha, que se faça uma que ofereça
análise relevante à realidade histórica dos discentes.
Pesquisar para criar aulas. Essa foi a base de toda a
prática. Ainda que em formação, mas não menos
professores, a experiência em aula serve para reforçar o
estudante que ainda engatinha na carreira enquanto
compartilha sua carga intelectual, ainda fresca da
universidade, com os discentes e docentes da escola. Nesse
trato, comunidade escolar e comunidade acadêmica
encontram-se, divergem, trilham novos caminhos e
constroem, mesmo que ainda incipiente, diferentes tarefas
no ensino de história.

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