CEP - Colóquio Interno - 2 - 2017

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 40

Trabalhos selecionados para Colóquio Interno

2° Semestre 2017

Ciclo I ¬ Natalia Tayota de Oliveira


Ciclo II ¬ Alexandre Wolfenberg Sacom
Ciclo III ¬ Daniela Morel Farias
Ciclo IV ¬ Álvaro José Camargo Vieira
Ciclo V ¬ Gualberto Luiz Nunes Gouvêia
Ciclo VI ¬ Amanda Mont'Alvão Veloso Rabelo
Índice

Ciclo I
Natalia Tayota de Oliveira
"EU DIGITAL": NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO DO EU NAS RELAÇÕES HUMANAS
VIRTUALIZADAS. NOVAS FORMAS DE PSICANALISAR? ......................................................03

Ciclo II
Alexandre Wolfenberg Sacom
A FORMAÇÃO DO SUJEITO: PRIMEIRO ANO DE VIDA E O OVER-PARENTED...................10

Ciclo III
Daniela Morel Farias
A FORMULAÇÃO DO SINTOMA PELO SUJEITO ATRAVÉS DA LINGUAGEM.......................16

Ciclo IV
Álvaro José Camargo Vieira
O MAL ESTAR NA ADOLESCÊNCIA..........................................................................................22

Ciclo V
Gualberto Luiz Nunes Gouvêia
O PENITENTE NO CONFESSIONÁRIO: BEM ANTES DA CLÍNICA.........................................29

Ciclo VI
Amanda Mont'Alvão Veloso Rabelo
A ESCUTA COMO FURO NECESSÁRIO NAS CERTEZAS.......................................................37

2
2° Semestre 2017

Ciclo I
Aluno: Natalia Tayota de Oliveira
Título: "EU DIGITAL": NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO DO EU NAS RELAÇÕES
HUMANAS VIRTUALIZADAS. NOVAS FORMAS DE PSICANALISAR?

Dias depois de uma hora clínica que tratou sobre o tema das redes sociais digitais na
relação entre analista e analisado, fui ao Masp ver uma peça do Michel Melamed chamada
“Monólogo Público”. A proposta era discutir a relação entre o público e o privado no contexto
das redes sociais, a partir da ideia de que, neste ambiente, a possibilidade de se criar uma
autoficção permite que ocorra “a disputa não pela narrativa, mas pela linguagem”,
potencializando, assim, segundo o autor, a máxima de que “somos todos artistas”. E uma vez
que todos são artistas de suas próprias vidas, é levantada a questão: até que ponto estamos
dispostos a assistir o outro se estamos tão centrados em nós mesmos?
No espetáculo, Melamed, que é autor-personagem, recria sua vida desde seu
nascimento utilizando como recurso cênico um palco sobre o palco para ilustrar como a
linguagem pode ganhar nuances diferentes de acordo com o ambiente ao qual está inserida,
permitindo, desse modo, a produção de novos sentidos para uma mesma história. No palco
real, Melamed começa discorrendo sobre o ato de prazer que gerou sua vida, e o faz com o
texto seco, luz de serviço, quase sem nenhuma emoção. Mas quando ele passa para o palco
sobreposto, o mesmo texto ganha vida, tom vibrante, luzes, som, fantasia, que nem parece
mais a mesma história. É como se ali fosse criado um novo persona, um alter ego, e ele se
fizesse ser mais ouvido por causa da performance, da construção de uma alegoria evidenciada
por meio da linguagem, que traz consigo outro ponto de vista sobre a mesma coisa. Neste
contexto, dá-se a entender que o segundo palco representa o imaginário, a elaboração
referente ao conteúdo do mundo interno do personagem e a maneira como ele é exteriorizado
de um jeito diferente no público e no privado, aludindo, assim, às redes sociais, onde o que é
postado tende a ter mais “vida” do que é vivido na “realidade”.

3
Ao longo da encenação, o personagem autocentrado continua a remontar sua biografia
ao expor fatos e detalhes íntimos sobre a infância, a relação com os pais, a questão do Édipo,
dos prazeres sexuais, além de conflitos existenciais e profissionais em torno do ego, da fama e
da estigmatização em torno do trabalho do artista. No seu processo de reconstrução, no vaivém
entre um palco e outro, que causa até um desconforto tamanha mudança de tom, ele incita que
uma certa sensação de abandono na infância é a maior fábrica de artistas do mundo; e hoje,
em virtude da horizontalidade inerente à rede, esse ‘ser artista’ passou a ser manifestado de
modo bem mais freqüente, uma vez que cada um pode se expressar por meio da sua
linguagem própria, e assim criar sua ‘micronarrativa’ independente de quem são os donos da
“verdadeira narrativa”. Diante da inter-relação entre o público e o privado, é possível considerar
que as redes sociais são o espaço de vazão para o nosso mundo interno, que se reinventa
entre o ‘eu’ e o ‘persona’ por meio de postagens e interações naquilo que funciona como uma
espécie de divã. Desse modo, a rede social desempenha a função de palco para o “somos
todos artistas”.
Nesse desnude que o espetáculo se propõe, é chegado um ponto que o quê é relatado é
tão íntimo que o palco sobreposto passa mesmo a representar a função de um divã em que se
estabelece uma relação transferencial direta entre personagem e espectador, que se pergunta:
o que é verdade e o que é invenção neste texto? Por que e para que o Melamed se exporia
tanto assim? Nesse jogo de tentar identificar as intenções do autor, o personagem também se
coloca no lugar do espectador para tentar identificar seus pensamentos e sentimentos de
angústia por estar ali, sentado, ouvindo o outro falar, sem poder mexer no celular enquanto está
no teatro, sugerindo que quem está vendo também está “perdendo” alguma coisa, que sejam as
atualizações do seu feed de notícias.
Neste cenário, surge o conceito da pós-verdade, que foi eleita a palavra de 2016 pelo
Oxford Dictionaries, e quer dizer, em linhas gerais, que pouco importa o que é verdade ou
mentira porque tendemos a ter mais confiança em conteúdos compartilhados por nossa rede de
contatos do que no que é “verdade” de fato. O conceito foi estabelecido em torno da política,
mas pode muito bem ser aplicado nas relações humanas virtualizadas. E assim, nessa
“invenção”, as redes sociais nos envolvem emocionalmente, nos colocam em bolhas que se
retroalimentam a partir dos nossos interesses, o que torna o ambiente favorável à construção
de um “eu digital” identificado por meio das páginas que curtimos e seguimos. Ou seja, em
outras palavras, também criamos um persona da nossa marca pessoal, assim como são
construídos os personas das marcas que interagimos, e que são feitos justamente para engajar,
representar nossas motivações aspiracionais e gerar identificação a partir dos gostos
4
manifestados por meio de likes, comentários e compartilhamentos. Logo, se sou o que eu
consumo, o quanto existe de “verdades” inconscientes no nosso “eu digital”? Quem somos nós
na vida real e na vida digital? A mesma pessoa? É possível dizer que há pistas do nosso
inconsciente no que postamos conscientemente no ambiente digital?
Nossas interações se traduzem em algoritmos que nos conhecem tão bem quanto nós
mesmos, e dizem tanto sobre nós que não é de se espantar quando a sugestão de um
consumo vem bem a calhar para hora que você “estava precisando daquilo”. E foi assim, por
meio dos códigos gerados pelas minhas buscas na internet que soube da existência dessa
peça. O perfil de uma banda que sigo no Instagram, por julgar que discurso e linguagem são
condizentes aos meus, deu a dica e endossou minha escolha de programação, me fazendo ser
consumidora deste produto. E aí vem a pergunta: por que é mesmo que a gente segue artistas,
personalidades, filósofos ou mesmo marcas nas redes sociais? Compartilhamos seus
conteúdos e ainda usamos de pauta nas nossas discussões em mesa de bar. É para dizer
quem somos, validar nossos pensamentos sobre as coisas? Algo que, talvez, pode ser
entendido como uma espécie de projeção? Elegemos os influenciadores digitais a partir de uma
falta que temos? Da fantasia de querermos ser tão inteligentes e bonitos quanto eles, de
propiciar que nos tornemos mais “próximos” daquilo que temos como objeto de desejo? Eles
são aquilo que inconscientemente queríamos ser? Ou o “rolar tela” seria apenas uma mera
abstração mental para correria do dia a dia?
Hoje, com toda essa “proximidade” das redes, o jornalismo da fofoca (ou do
entretenimento) é quem saiu perdendo. Todos fazendo parte da mesma rede não justifica ter
site dedicado pra isso, já que, muitas vezes, as redes sociais pautam o jornalismo, e como os
próprios artistas já postam a pauta, então deve ser por isso que o site Ego, do Grupo Globo,
morreu esses dias, porque o “ego” vem sendo postados por todos os lados o tempo todo. E não
tem como escapar disso se você está inserido no contexto das redes digitais, seja sobre o ego
dos famosos ou do seu colega de trabalho, esse tipo de manifestação está mais do que
presente nas relações humanas virtualizadas, e a tendência é rumar cada vez mais para a
mesma direção porque vivemos a “cultura da convergência”, conforme cunhou o pesquisador
norte-americano Henry Jenkins, que é caracterizada pela convergência midiática, a cultura
participativa e a inteligência coletiva, no qual o processo de convergência se dá não pelos
dispositivos, mas, sim, nos cérebros dos indivíduos e por meio de suas interações sociais, que,
em grande parte, acontecem no ambiente virtual. Dessa maneira, as redes digitais funcionam
como prolongamento de nós mesmos e, assim, como um depositário de informações
conscientes e inconscientes que são postadas diariamente. Podemos dizer que os memes são
5
os novos chistes? O que está por detrás de tantos links compartilhados, indiretas, ostentações,
lamúrias e atualização constante da foto de perfil, senão manifestações subjetivas de algo que
estamos tentando dizer?
Segundo Freud, o princípio do prazer busca satisfação imediata em objetos
fantasmáticos, portanto, podemos entender que no contexto digital a satisfação do desejo se dá
por meio da busca incessante pelo like. Se um dos destinos do representante ideativo é o
retorno em direção ao próprio eu, podemos considerar que a relação voyeurismo versus
exibicionismo, tão presente nas redes sociais, permite que nossas neuroses narcísicas sejam
manifestadas e satisfeitas em tempo real. Na internet, o nome voyeur pode ser associado à
palavra da moda: stalker, que em inglês quer dizer perseguidor; nas redes pode ser entendida
como a pessoa que fuça o perfil e todas as interações do usuário-alvo. A palavra virou até um
verbo aportuguesado como ouvimos falar por aí: “stalkeei o perfil do crush”, que também é uma
palavra inglesa propagada pela internet e quer dizer “paixão súbita” - acho que é o “amor à
primeira vista” ou o flerte que falavam antigamente. E para os adolescentes e jovens adultos de
hoje funciona assim: se o crush fizer três interações seguidas, é só chamar no “privado” e correr
pro abraço. Daí, se rolar, vira “contatinho”, que podem ser vários ao mesmo tempo, depois
“peguete fixo”, “ficante” e só depois namoro.
Com a dinâmica das relações humanas virtualizadas, e sabendo que o inconsciente é
acessado por meio de palavras e pode encontrar um meio de expressão simbólico também pela
palavra, hoje, na era da imagem e, sobretudo, do vídeo, podemos considerar que temos uma
junção de palavra e imagem, que vemos pipocar todos os dias em memes, gifs animados,
notificações de live de pessoas X da sua rede, nas selfies, nos álbuns de cem fotos da última
viagem ou do churrasco em família. Para quem e por que postar? Qual é nossa necessidade de
emitir opinião, compartilhar nossos pensamentos e querer estar “disponível” para “dialogar” com
centenas ou milhares de “amigos”? Por que perdemos tanto tempo rolando tela? Se as redes
sociais são o palco onde inventamos nossa autoficção, os conteúdos compartilhados nas redes
sociais não servem como um rico insumo para a análise? Em que medida os atos falhos
cometidos em ambiente digital, como exemplo escorregar o dedo e mandar mensagem para
pessoa errada ou curtir algo que não era para curtir, representam algo do nosso inconsciente?
O fato é que a forma de comunicação mudou. O teórico canadense Marshall McLuhan já
havia previsto a existência da internet anos antes dela existir com a ideia de que “o meio é a
mensagem”. É dele também a noção de que os meios de comunicação são entendidos como
uma extensão do homem e não apenas como veículo. Hoje, a experiência do virtual está
presente em todos os tipos de relações e tende a caminhar cada vez mais para a virtualidade
6
se considerarmos a possibilidade da realidade virtual e inteligência artificial, que abrirá novas
perspectivas de interação e de experienciação de uma simulação do real de forma sensorial.
Para o pesquisador francês Pierre Lévy, o conceito de virtual não é de oposição ao real, mas
um exercício da criatividade, ou seja, permite a produção de novos sentidos por meio da
linguagem, onde o virtual dá lugar ao significado. Para ele, todo texto é virtual, no sentido de ser
abstrato e poder ser lido a partir de várias interpretações, já que só depois da leitura o objeto se
torna “real”. Além disso, diz que toda experiência passa pela virtualização, como ver as fotos de
um cardápio antes de pedir a comida. Agora, mais do que nunca, pesquisamos tudo no virtual
antes de ter a experiência de fato, damos um Google para ver a cara do ginecologista que
vamos marcar, lemos recomendações sobre produtos que vamos comprar, experienciamos a
visita a um museu antes mesmo de acontecer, e por que com o analista seria diferente?
Pesquisar o currículo, ver o que fez ou que não fez, querer participar da sua vida virtual faz
parte da fantasia e também da dinâmica da contemporaneidade. Tendo em vista que a amizade
nas redes não é propriamente no mesmo sentido de amizade como aprendemos nos tempos do
analógico. São novas necessidades e possibilidades criadas pela tecnologia. Se a maneira e o
meio pelo qual nos comunicamos com a nossa mãe, amigos, chefe e banco mudaram, a
relação entre analista e analisado também não mudaria? Sendo assim, como o analista se
comunicará com seu analisado nos próximos anos? A psicanálise estará aberta para
adaptações no método praticado?
No curso “O Sujeito Freudiano e o Sujeito Lacaniano” ministrado nos últimos dias, o
professor Mário Eduardo Costa Pereira fechou sua apresentação perguntando onde estaria o
lugar para o trabalho dos psicanalistas já que as pessoas não falam mais. As pessoas não
falam, mas elas postam, escrevem “textão” no Facebook, comentam no perfil de pessoas e de
marcas, publicam fotos e mais fotos, fazem lives e mandam emojis. As redes sociais deram voz
a quem não era ouvido e possibilitaram outras formas de expressão e interação por meio um
dispositivo eletrônico. Nessa toada, a onda da experiência e da economia compartilhada
aparecem com a possibilidade de oferecer experiências presenciais mediadas por plataformas
digitais, como Uber Pool ou Airbnb, o que é um bom intento para resgatar a ideia do coletivo, da
troca, da noção do outro, mas que, no fundo, remete a uma falsa sensação de compartilhar,
visto que, em grande parte, as pessoas estão mais ligadas no seu celular do que na experiência
de olhar para o outro. Sendo assim, podemos dizer que as plataformas digitais promovem uma
ideia de “individualismo compartilhado”. Ou seja, compartilha-se de um mesmo espaço sem se
compartilhar nada.

7
Atualmente, considerando que a linguagem é muito mais pictórica do que textual e oral,
e como diz a expressão popular “uma imagem vale mais que mil palavras”, se agora a imagem
é a nossa comunicação, não teríamos que começar a analisar mais as imagens do que querer
exigir que as pessoas se expressem apenas por palavras faladas na oralidade? É neste
contexto da comunicação virtual e da possibilidade de interação imediata que foi criado o app
Fala Freud, que se define como “terapia online para quem não tem tempo para terapia
convencional”. Ouvir falar de falta de tempo é a maior e melhor desculpa que sempre ouvimos e
também falamos. Mas, de qualquer maneira, é um bom slogan para esse público-alvo das
redes sociais. O serviço, aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia em novembro de 2016,
funciona como o WhatsApp e permite o contato ilimitado com o psicólogo por texto, áudio ou
vídeo pela quantia de R$ 299 por mês, de acordo com a matéria da Exame. Pensando na
geração que hoje tem uns 10 ou 12 anos e entende a tecnologia de um modo bem diferente de
nós que somos da transição - eles aprenderam a se relacionar com o touchscreen desde que
nasceram, fazem tudo mediado por vídeo, sonham em ser youtubers - se considerarmos que
eles serão nossos clientes-potenciais no futuro, também precisamos rever nossa forma de
relacionamento com o digital.
A percepção que tenho navegando pelas redes é de que as pessoas querem, sim, falar,
senão elas não seriam tão comentaristas de internet. Elas só não sabem como fazer, pois as
outras pessoas estão cada dia mais submersas em suas próprias questões e smartphones que
nem olham para o outro. Já o Facebook, toda hora que você abre o app, te pergunta: “No que
você está pensando, Fulano?” E quantas pessoas na vida presencial querem saber o que você
está pensando? É por isso que elas interagem tanto na internet e procuram coisas para se
identificar, um exemplo é a página ‘Fãs da Psicanálise’ que tem mais de 1,6 milhão de
seguidores. Isso significa que muita gente tem interesse no tema e são impactadas pelo
conteúdo, sem entrar no mérito se a qualidade do texto é boa ou ruim, mas o quanto a página
pode motivar alguém a ter o primeiro contato e procurar o consultório físico é uma curiosidade
que tenho. Acredito que toda reflexão gerada é bem-vinda, mas se queremos que eles venham
até nós, temos que repensar nossas estratégias de divulgação para a prática da psicanálise,
principalmente entre os mais jovens que não têm conhecimento sobre, e que serão,
possivelmente, nosso público-alvo, uma vez que o uso desmedido das tecnologias
provavelmente culminará em reflexos psíquicos e comportamentais.
É um nicho de mercado a ser explorado, e a demanda só aumenta, tendo em vista que o
Brasil é o país com maior número de pessoas com transtorno de ansiedade no mundo e o
quinto maior em quadros de depressão, conforme divulgou a OMS em fevereiro deste ano.
8
Além disso, a Síndrome de Burnout ou do esgotamento profissional surge como a doença do
momento em decorrência do ritmo de vida contemporâneo. Neste contexto, vemos florescer a
prática do mindfulness, que li outro dia, na Trip, que muitos consideram ser o substituto
contemporâneo para a psicanálise, porque o tempo do método psicanalítico vem se tornando
lento demais para o modo de vida atual. Com conceito situado no budismo e tendo sido
estudado pelo MIT, em Massachusetts, e pela Unifesp, no Brasil, o mindfulness vem sendo
recomendado por médicos no tratamento de ansiedade, depressão, entre outras doenças e
transtornos.
Com o ritmo e os hábitos da vida contemporânea, certamente, campo de trabalho e
pessoas que necessitam não faltarão. Mas nós, enquanto futuros psicanalistas, estamos
dispostos e aptos a lidar com o lifestyle e as questões das novas gerações? Que vão desde ser
concebido por um banco de sêmen, ser filho de um trio poliamor ou LGBT, não conseguir criar
vínculos presenciais etc. Vamos nos adaptar aos consultórios virtuais? Ou seremos substituídos
pela Siri do Iphone? É uma dúvida que tenho e não sei responder, pois vivo oscilando entre
gostar mais do analógico ou do digital. Porém, este é um conflito que, provavelmente, as novas
gerações não têm e não terão. Por fim, cabe a nós exercitar o olhar para refletir o que deve ou
não permanecer estanque no método psicanalítico.

9
2° Semestre 2017

Ciclo II
Aluno: Alexandre Wolfenberg Sacom
Título: A FORMAÇÃO DO SUJEITO: PRIMEIRO ANO DE VIDA E O OVER-PARENTED

Este texto se propõem a discorrer sobre o Primeiro Ano de Vida, livro de René Spitz, e
sua e sua correlação com o tema over-parented. Percorreremos neste texto a formação do
sujeito em seu primeiro ano de vida, dos estágios anobjetal, precursor do objeto e objeto
libidinal vis-à-vis o conteúdo do narcisismo primário de Freud. Por fim, o texto, se arrisca a
encerrar sua narrativa relacionando os conceitos de Spitz a dois casos exemplificativos.
Sobre over-parented conceituamos como um posicionamento via a insistência de uma
“superproteção” relacionada com a função materna/paterna que acompanha o processo de
formação do Eu, bem como na continuidade do desenvolvimento psíquico das crianças.
Atitudes over-parented criam dificuldades ou imposições à formação de estruturas de valores e
de autonomia, estruturas estas necessárias para sustentar as escolhas individuais nos
diferentes momentos da vida e tendo como resultado o aumento da tensão sobre a angústia.
Este comportamento materno/paterno pode ensejar um bloqueio para o desenvolvimento
cognitivo, social e afetivo dos filhos. Over-parented é ir além de proteger e satisfazer as
necessidades e cuidados básicos dos filhos, tornando-os pessoas medrosas, dependentes e
com baixa tolerância à frustração. Tem como premissas evitar o conflito e evitar o “não”.
O filme Instinto Materno (título original: Pozitia Copilului) é um dos casos apresentados
que traz à luz o tema over-parented, que vai ao encontro do conceito freudiano de narcisismo.
Já o caso evidenciado em Precisamos falar sobre o Kevin (título original: We Need to Talk
About Kevin) é a antítese desta função materna/paterna over-parented, onde se evidencia
também os efeitos patológicos da perda do objeto.
Como a teoria de Spitz pressupõe uma díade entre mãe e filho, conceituamos aqui o
ambiente no qual o sujeito, na função materna/paterna, está inserido para seu momento de
interlocução com seu filho/bebê. Ao posicionarmos a função materna/paterna nas necessidades

10
da sociedade contemporânea percebemos que a demanda de seus integrantes está na
satisfação das necessidades de estima e de auto-realização.
O sujeito desta nossa sociedade contemporânea, que desempenha funções
materna/paterna, busca o reconhecimento das suas capacidades pessoais, o reconhecimento
dos outros face à sua capacidade de adequação às funções que desempenha, bem como,
busca se tornar aquilo que pode ser em sua essência, sendo verdadeiro com a sua própria
natureza, esta é a tônica do perfil atual do sujeito contemporâneo na função de mãe/pai.
Em uma visão latu sensu e dentro de uma coletividade, as necessidades fisiológicas,
segurança e sociais já foram satisfeitas, restando ao sujeito contemporâneo suprir suas
necessidades de estima e de auto-realização, onde sua interação na função materna/paterna
carece de satisfação e é nesse contexto que o bebê está inserido para a formação do seu Eu.
A formação do Eu do bebê, no que tange a psique, permanece como evidenciada na
teoria psicanalítica freudiana, a forma como o sujeito se constitui passa, então, a existir na
sociedade lastreada nos pressupostos de Freud. Entretanto, como fica o conteúdo que alimenta
esta formação do Eu? Como os indivíduos em suas funções maternas/paternas vão influenciar
a formação do Eu de seus bebês quando estes são impactados pelas suas necessidades de
estima e auto-realização?
Essa “alimentação do Eu do bebê” consiste em como o filho recebe os cuidados
provenientes do mundo externo, como uma existência contínua de um ambiente facilitador, na
díade mãe-filho, permite ao sujeito trazer à tona sua tendência inata no processo de
desenvolver e formar seu Eu. No caso de um over-parented a formação desse Eu teria como
resultado uma patologia, pois o mundo externo remete seus cuidados ao bebê via uma função
materna/paterna também carente de necessidades conforme questionadas no parágrafo
anterior.
Spitz estuda as relações recíprocas entre mãe e filho destacando a formação psíquica e
somática da personalidade, a formação do ego, a eleição dos objetos1 pelo sujeito e a
carga/provisão da mãe no conteúdo psicossomático do sujeito através de seus 3 conceitos de
estágio:
Anobjetal: onde o bebê não se distingui do mundo no qual está inserido, consiste na
própria subsistência material do ser enquanto um organismo biológico, dormir e se alimentar é
_________________________________________________________________________
1O objeto aqui em questão é o objeto libidinal proposto por Freud derivado dos três ensaios da teoria da sexualidade: catexia,
escolha, descoberta e de relações de objeto.

11
basicamente sua relação com o meio ambiente, sua progenitora ainda não existe como
identificação de sua extensão ou complemento, ou ainda como objeto percebido, tampouco
constituída como um outro sujeito.
Suas experiências são binárias: prazer-desprazer. Ainda não existe Ego ou Superego,
nesta fase o bebê ainda não é capaz de diferenciar nenhum tipo de pulsão. Isto posto,
entendemos que nesta fase um over-parented não é perceptível pelo bebê, a “alimentação do
Eu” ainda não é efetiva, pois seus sentidos, ainda não desenvolvidos, não poderiam reagir a um
excesso de proteção materna/paterna, existe apenas uma “conduta de orientação“ a uma
necessidade ainda não satisfeita.
Precursor do Objeto: o bebê já desenvolve a capacidade de percepção dos estímulos
externos bem como privilegiar o Princípio de Prazer em favor do Princípio de Realidade. Já
existe aqui, baseado na 1ª Tópica de Freud, a formação dos traços mnêmicos, o bebê já
consegue reconhecer o rosto humano, começa a deslocar os seus investimentos pulsionais de
uma função psíquica para outra, de um traço mnêmico para outro. Suportado pela 2ª Tópica,
ocorrida a separação entre o Ego e o Id e constituído um Ego rudimentar no bebê, este começa
a se perceber, mas não há ainda a ruptura da mãe, esta, então, passa a desempenhar um
papel de “Ego Auxiliar”.
Apesar de não constituído plenamente o Ego já passa a organizar, coordenar e integrar.
O limiar primário de proteção contra os estímulos externos é extinto e cede lugar a um processo
superior, mais flexível e seletivo. O bebê passa para um estado ativo, agora mãe e filho
estabelecem um tipo de inter-relação que Freud nomeia como “Foule à deux”.
Os atos da mãe passam a constituir um reforço primário sobre o bebê, Spitz define como
“processos de modelagem”. Há a percepção pelo bebê de experiências positivas/negativas com
resultados na satisfação ou frustração, intensificando assim os primeiros afetos de prazer
(sorriso) e os afetos de desprazer (choro). “Viver Frustrações” versus “Viver Satisfações” é o
processo pela qual o bebê adquire autonomia, este processo equilibra a construção de uma
imagem materna única no sentido da qual as pulsões libidinais e agressivas vão se organizar.
Sendo assim, a subtração pela mãe de uma frustração impede que o bebê perceba a
existência de algo além do narcisismo primário. Agora nesta fase um over-parented já é
perceptível pelo bebê, este reage a um excesso de prazer e supressão do desprazer, tal
processo originado pelo individuo na função materna/paterna teria influência negativa no
desenvolvimento e na “formação do Eu” do bebê. Patologias das relações objetais já poderiam
ser instauradas, pois tais excessos de prazer são registrados nos traços mnêmicos do sujeito.
12
Objeto Libidinal: nesta fase o bebê desperta para um estágio inicial de percepção da
realidade, há uma mudança decisiva na percepção do outro. Existe um clima afetivo de fato e
não mais uma simples percepção de prazer-desprazer dos estágios anteriores, já há função de
julgamento, formação de símbolos, abstração e operações lógicas. Também já se evidencia
uma angústia quando da perda de objeto, descargas de tensão afetiva de forma dirigida e
desejada.
Traços mnêmicos são registrados e acessados também de forma mais efetiva, a
comunicação evolui, agora o bebê começa a usar signos em sua interação na díade mãe-filho.
Tudo isso compõem um ambiente favorável à eleição e constituição do objeto libidinal do bebê.
Com isso o Ego se estrutura e delimita sua fronteira com o Id, ou seja, o bebê percebe o mundo
exterior, mas agora com a percepção da existência do outro.
Neste momento o bebê passa a viver com o reconhecimento e eleição do objeto libidinal,
as frustrações repetidas são seguidas e percebidas de satisfação. O bebê vai adquirindo níveis
de autonomia cada vez maiores, tais níveis são crescentes em relação a mãe devido aos
esquemas de ação, imitação e identificação, anunciando uma abertura da relação aos outros
sujeitos.
Esta autonomia crescente do bebê implica na forma de reagir e intervir da mãe, esta vai
fixar os seus limites através de interdições pelos signos de representação negativa e pela
expressão da comunicação do “não”. A vivência desse “não” marca a passagem do bebê para a
interação social junto aos demais indivíduos da sociedade.
Nesta fase então, um over-parented já é totalmente perceptível pelo bebê, o que
permitiria, aos seus sentidos perceber-e-reagir, uma interação a esse excesso de proteção
materna/paterna. Nesta fase de identificação e eleição do objeto libidinal, os distúrbios
emocionais e as patologias das relações objetais já poderiam ser percebidas, pois teriam suas
necessidades satisfeitas por completo com a subtração da frustração pela atuação da mãe.
Tais excessos de prazer dos sujeitos na função materna/paterna seriam registrados nos
traços mnêmicos do bebê, registros estes que trariam uma nova versão na comunicação entre
mãe e filho a ponto do bebê demandar a presença da mãe em eventos de desprazer para
supressão de sua angustia. A mãe que além de buscar satisfação de suas necessidades dentro
de um contexto social contemporâneo a qual pertence, transferiria para o bebê todos os seus
desejos incompletos através dos atos de over-parented, tendo como efeito colateral uma
supressão do “não”.

13
Se iniciaria aqui uma “parceria” entre supressão do desprazer do bebê e a supressão da
necessidade de estima e auto-realização da mãe na díade proposta por Spitz. Parafraseando a
biologia, o que deveria ser um “mutualismo facultativo” onde os dois sujeitos seriam
beneficiados e poderiam viver independente um do outro, passa a ser uma “simbiose
permanente” criando um vínculo nesta relação mãe-filho até a fase adulta deste bebê em
questão.
Destaco 3 afirmativas extraídas do livro O Primeiro Ano de Vida que este texto se
propõem a elencar como “premissas” dos casos apresentados:

“a consequência é que privar o bebê do afeto de desprazer durante o decorrer do primeiro ano
de vida é tão prejudicial quanto privá-lo do afeto de prazer” (SPITZ, 2013, p. 147);

“distúrbios da personalidade materna se refletirão nas perturbações da criança” (SPITZ, 2013,


p. 209); e

”na primeira infância, as influências psicológicas prejudiciais são a consequência de relações


insatisfatórias entre mãe e filho” (SPITZ, 2013, p. 209).

Cornélia Keneres e seu filho Barbu no filme Instinto Materno e Eva Khatchadourian e seu
filho Kevin no filme Precisamos Falar sobre o Kevin sintetizam de forma clara e objetiva os
potenciais efeitos das observações acima de Spitz, ambos sujeitos (Cornélia e Eva) na função
materna negligenciam a díade mãe-filho com consequências na fase pós-infância e pós-
formação do Ego de seus bebês (Barbu e Kevin).
Esses dois casos retratam os extremos de uma díade promovida pela privação do
desprazer (Instinto Materno) versus privação do prazer (Precisamos Falar sobre o Kevin).
Tanto Cornélia quanto Eva vivem suas próprias angústias na busca por suas
necessidades de estima e auto-realização e geram com isso relações insatisfatórias para com
seus filhos Barbu e Kevin, estes apresentam distúrbios emocionais e comportamentos
fragilizados com efeitos devastadores na fase adulta.
Cornélia e Eva são exemplos típicos de comportamentos antagônicos que influenciam
diretamente na formação do Eu do bebê pelos pressupostos e observações de Spitz. A primeira
pelo over-parented promovendo um filho adulto infantilizado e inseguro e a segunda pela
supressão do prazer contribuindo para uma perversão infanto-juvenil.

14
Bibliografia:

Instinto Materno. Direção e Produção: Calin Peter Netzer. Romênia: Imovi, 2013.
Precisamos Falar sobre o Kevin. Direção: Lynne Ramsay. Produção: Luc Roeg. EUA-Reino
Unido: UK Film Council, 2012.
Spitz, R. O Primeiro Ano de Vida. 4ª Edição. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2013. 416 p

15
2° Semestre 2017

Ciclo III
Aluno: Daniela Morel Farias
Título: A FORMULAÇÃO DO SINTOMA PELO SUJEITO ATRAVÉS DA LINGUAGEM

Como muitas vezes ocorre na psicanálise, uma palavra retirada de sua acepção habitual
retorna na teoria psicanalítica para expressar algo que em alguma medida foge do sentido
comum. Desligar-se deste lugar para adquirir significação em outro, requer articulação de
ordem simbólica. Assim ocorre com a palavra sintoma. Neste texto articularemos o sintoma com
a linguagem, para entender o sintoma na clínica psicanalítica trazido por Freud.
O sintoma sempre foi autorizado principalmente pela medicina, clínica psiquiátrica e
pelos dispositivos de cura, que têm permissão social para dizer o que é um sintoma. Essa
autorização, a meu ver, permite que se universalize a dor, de forma que ao dizer sobre o
sintoma, este se torne um sintoma, “catalogando” certa dor ou sofrimento, assim como fazemos
uso no dicionário. Esta forma de universalizar caracteriza-se como uma verdade enciclopédica,
isolada em seu conceito, com um fim em si mesma, assim como podemos definir a função
diagnóstica neste meio, que, por sua vez, faz papel de nomeação do sofrimento como condição
de existência do sujeito.
O sintoma que a psicanálise descreve dentro de um âmbito clínico parece, a meu ver,
fazer o caminho inverso do sentido que a medicina lhe propôs, retornando à palavra e
considerando-o numa perspectiva de escuta do sujeito, além de se distanciar definitivamente
dos preceitos profiláticos e corretivos.
A princípio, na obra de Freud, é possível perceber que o termo sintoma ainda estava
ligado à acepção médica (como manifestação patológica), todavia, nota-se ao longo de sua
obra a atribuição de um valor de sentido para os sintomas, como sinal ou comunicação (ou
poderíamos dizer falta de comunicação) de algo maior que afligia as pessoas. Freud relata em
sua clínica que os sintomas estavam ligados a sofrimentos\traumas psíquicos ligados à infância
e à sexualidade, assim como supunha no próprio paciente um saber sobre seu sintoma; como
Lacan posteriormente pôde ler em Freud:
16
“...e convidava ao mesmo tempo o paciente a se concentrar sobre a
causa do sintoma. Era um estado intermediário entre o diálogo e a
hipnose. Os sintomas eram tratados um a um, em si mesmos,
afrontados diretamente como problemas propostos.” (LACAN,
1953\54, p.30).

Freud insistiu em diversos momentos de sua obra que os sintomas têm um sentido e se
relacionam com as experiências do paciente. A partir deste pensamento, sugere que os
sintomas não mentem, ou seja, alguma verdade do sujeito está sendo falada ali, mas, de que
verdade se trataria?
Logo Freud se ocupou em despatologizar o sintoma, o tirou do lugar de alvo da cura e
passou a considerá-lo um tratamento para a angústia, ou seja, a forma como o aparelho
psíquico encontra para se estruturar frente à angústia.
Ao elucidar sobre o sintoma, Freud os coloca no lugar de causadores de sofrimento,
desprazer e indesejados pelo sujeito, sendo que o principal dano residiria na quantidade de
energia psíquica necessária para dar conta dos sintomas. Por este motivo, podemos pensar
que é no relato mais despretensioso do sujeito e principalmente no relato de sua queixa, que
escapam, de maneira bastante encoberta, os indícios dessa energia libidinal ligada a um
recalque. Na neurose obsessiva, por exemplo, o sujeito relata ações repetitivas que não lhe
trazem grande satisfação e que na maioria das vezes não sabe por que o faz, mas não
consegue deixar de fazê-lo.
Os sintomas neuróticos seriam uma forma do aparelho psíquico encontrar satisfação
libidinal sem que ultrapassasse os limites do encontro com a realidade daquilo que é proibido,
já recalcado.
É no conflito entre a libido insatisfeita e o ego que o sintoma terá a tarefa de reconciliá-
los, de tal forma que consigam dar conta da angústia insuportável que resultaria desse conflito.
O sintoma, portanto, vira solução temporária para o sujeito. Esse movimento de conciliação é
feito através do que Freud chamou de regressão; no qual a libido fará o caminho inverso para
encontrar-se com recalques primários e assim redirecionar a libido para um novo objeto. A
libido ao se encontrar com a frustração interna e externa retorna aos recalques primitivos e
transfere sua energia - uma vez impedida de ser satisfeita - em forma de investimento libidinal
nas suas mais diversas manifestações da vida do sujeito.
No inconsciente, essa energia se encontra com os movimentos possíveis de
condensação e deslocamento, fazendo Freud comparar esse processo à construção onírica,

17
como a realização de uma fantasia. Porém, ele os diferencia dizendo que as formulações
oníricas não permitem perturbar a consciência, ou seja, são bastante encobridoras para garantir
o próprio sono; não causam sofrimento ao sujeito como no sintoma. São descargas diferentes
de energia, mas seu processo de redirecionamento da libido é parecido. No sonho, é a
reconciliação da fantasia inconsciente (desejo) com a censura e no sintoma seria a libido e o
ego pré-consciente.
É na experiência analítica que o sintoma pode ser entendido como uma forma de
entender o sofrimento e o modo de vida do sujeito. Nasio elucida que a experiência analítica se
apresenta como “o instante em que o paciente diz e não sabe o que diz, o instante em que ele
hesita e sua fala subtrai” (1993, P.12), ou seja, comete um lapso em sua fala - gagueja, troca
palavras, traz um riso -acontecimentos que serão de maior importância que o conteúdo dito. É a
partir destes lapsos que a escuta psicanalítica funciona, consistindo em escutar algo de uma
ordem outra na fala do analisando, algo da ordem do desejo. Ou poderíamos dizer do sujeito do
desejo, aquele que está sujeito à falta, portanto à castração.
O sintoma como expressão (recalcada) inconsciente do sofrimento ou simplesmente
expressão do inconsciente tem a ver com a forma como é enunciado pelo sujeito e quais
implicações há nesse enunciar-se. Os lapsos da fala, a maneira do próprio sujeito falar de seu
sofrimento e quais teorias ou mecanismos ele entende e formula para que possa dar conta
disso, são maneiras do sujeito falar sobre seu sintoma. Essas formulações psíquicas podem ser
entendidas a partir da “teoria sexual infantil” de 1908 em Freud e também ao “mito individual do
neurótico” de 1952 em Lacan.
As teorizações infantis são indispensáveis para a compreensão das próprias neuroses e
algumas vezes para entender o sintoma do sujeito, pois é a elas que recorrem em sua
formulação. Da mesma maneira, poderíamos dizer das teorizações acerca do sofrimento como
sendo necessárias para a compreensão do sintoma. – “já que nestas (neuroses) ainda atuam
as teorias infantis, exercendo uma decisiva influência sobre a forma assumida pelos sintomas”
(FREUD, 1908, p.215)
Isso dito, talvez seja possível pensar que a forma de teorizar acerca do sofrimento pelo
sujeito traz algo de um passado infantil esquecido – recalcado, na medida em que o neurótico
sofre de reminiscências como Freud nos alerta. Lajonquière (1999, p.42) também nos lembra
de tal fato ao discorrer sobre o sujeito e sua necessidade de estar inscrito numa história, ou
seja, num passado, porém, como esquecido. “O sujeito precisa segurar-se a uma história, ou
seja o sujeito reclama ser sujeito de uma (e numa) história.” Numa história que não é o
passado, mas “é o passado na medida que é historiado no presente” (LACAN, 1953\54, p. 21).
18
Enunciar, narrar e teorizar acerca do sofrimento pelo próprio sujeito se torna possível ao
passo em que este está colocado numa linguagem, na qual traz consigo uma história particular
herdada; herdada na medida em que é incorporada como pedaços do outro, apropriando-se do
discurso do outro e de uma história para que torne-se então um sujeito particular em sua
fantasia e seu mito individual.
A entrada da criança na ordem da linguagem é sua entrada no simbólico, momento no
qual acontece o corte da relação imaginária, a inserção do grande outro na vida psíquica da
criança, que por sua vez, a permite atravessar na relação imaginária e institui a “proibição do
incesto” juntamente com o desdobramento do “Complexo de Édipo” e a castração para que ela
possa “ex-sistir”, numa cultura e numa linguagem, portanto numa história. Na passagem para o
campo da palavra, algo se perde inevitavelmente. Esse atravessamento acontece, dentre
outras coisas, pela pergunta e inquietação sobre o desejo do outro: O que o outro quer de
mim?. Toda a cena sintomática trará escondida em seu discurso as vicissitudes da relação do
sujeito com o desejo do outro e com seu desejo e com as notícias da castração, como mostrou
Freud ao dizer que o sintoma inclui sempre o indivíduo e o Outro e como Mannoni (1971, p.39)
elucida da importância da rearticulação do discurso e a presença essencial do outro como
suporte numa análise das crises epiléticas de um menino de cinco anos:

“...assistimos às diversas permutações do tema inicial que,


rearticuladas no discurso, nos fazem entender a maneira como a
criança e a mãe se situam em face da interrogação inconsciente “Que
deseja de mim?” e vemos como os fantasmas de um tem
necessidade de suporte do Outro para se desenvolver”

O elo entre o indivíduo e o outro - e curiosamente também o atravessamento desta


relação, como descrito acima - só é possível pela fala e consequentemente pela linguagem,
mas mais ainda pelo encadeamento inesgotável de significantes que a fala possui. A entrada do
termo significante na obra de Lacan confere um novo sentido a partir de sua leitura do “Curso
de linguística geral” de Saussure (1857 a 1913).
A partir do sentido que Lacan atribuiu ao significante, foi possível pensar no sintoma
como um encadeamento de significantes, em que um significante nunca aparece sozinho;
dependendo de outro significante para funcionar como tal e assim sucessivamente. Não
consiste, porém, num significado em si, mas numa articulação que tem característica
interminável, gira em torno dela mesma, se repetindo e escapando a todo tempo. É a fala

19
inconsciente, o algo de incomunicável que nela reside como nos diz Mannoni, e que permite
fixar um sintoma que, por sua vez, afirma o inconsciente estruturado como linguagem. Afinal, o
sintoma é uma manifestação do inconsciente como insistimos aqui.
Essa face significante do sintoma permite pensa-lo como uma mensagem a ser
decifrada, mas sempre a ser decifrada e que aparece no momento exato, fica no tempo como
significante para outro. É essa face inesgotável e repetitiva que faz tomar o sintoma como
elaboração psíquica de algo insuportável, portanto com um certo teor de alívio para o psiquismo
ao mesmo tempo que retorna como sofrimento. Recorremos a uma comparação ao chiste,
mecanismo profundamente investigado por Freud, tanto quanto suas causas e efeitos,
considerando-o elaboração importante do inconsciente, para que esta ideia se torne mais clara.
O chiste tem função significante - é oportuno - traz algo do retorno do recalcado. Ao se
manifestar pode ser idêntico e distinto simultaneamente, assim como o sintoma, pois nunca se
repetem da mesma maneira. Todavia, repetem-se em forma de significante manifesto em outro
lugar, ou seja, bem pode o acontecimento que o sujeito pensa ser objeto de seu sintoma (como
por exemplo, uma fobia a cavalos) aparecer como uma constante que traz efeitos patológicos,
mas na escuta psicanalítica aparecerá sempre em outro lugar, de outra forma. O efeito do
chiste não pode ser repetido, já que fica preso naquele momento oportuno; em que o sujeito
diz, mas não sabe o que diz, lembrando também o quanto de desejo está impresso nesta fala e
que faz parte deste meio-dizer.
Retomemos o que nos permitiu articular uma leitura do sintoma com a linguagem. Para
entender o sintoma na acepção psicanalítica é preciso dissocia-lo do habitual significado que o
postula como característica de problema. Ao sintoma estão ligados sofrimentos e traumas
psíquicos ligados à infância e à sexualidade, num passado que enquanto esquecido retorna
como “reformulado” pelo sujeito e aparece incorporado pelo discurso do outro através da fala.
Essa reformulação seria a reconciliação entre a libido (uma vez insatisfeita) com o ego, de
forma que se utilizam da regressão aos recalques primitivos para resultar em algo que seja
aceitável pela consciência. O inconsciente, por sua vez, é uma estrutura de significantes
repetitivos que se atualizam num “dito” enunciado por um ou outro dos sujeitos analíticos.
(NASIO, 1993, P.23). É na esfera do encadeamento de significantes que essa fala poderá
aparecer e fazer sentido para entender um sintoma num âmbito clínico.
Considerar o sintoma como solução, assim permitindo ao sujeito desdobrá-lo, e não
procurar a solução do sintoma será de valor terapêutico como demonstrou Lacan. Solução,
pois, ao passo que é sofrimento, é também ao mesmo tempo “alívio para o inconsciente” -

20
como desenvolvemos acima - para que o sujeito possa dar conta\elaborar algo de seu
psiquismo, “ele passa a gozar e se instituir com seu sintoma” (PEREIRA, 2012, P.53).
Ao discorrer sobre o sintoma não foi de intenção aqui fechar num sistema uma definição,
tampouco demonstrar uma verdade acerca deste na teoria psicanalítica. Apenas nos resta fazer
uma releitura que nunca cessa de permitir uma nova leitura sobre o sintoma e sobre tudo que
este faz retornar.

Bibliografia:

FREUD, S.(1908) “Sobre as teorias sexuais das crianças” In: Obras completas, vol.IX.
FREUD, S.(1914). “Sobre o narcisismo: uma introdução”. In: Edição Standard Brasileira das
Obras Completas de Sigmund Freud – vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago
FREUD, S. (1917). “O sentido dos sintomas” In: Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud – Vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago
FREUD, S. “Os caminhos da formação dos sintomas” In: Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud – Conferência XXIII. Rio de Janeiro: Imago
LACAN, J.(1953). “O mito individual do neurótico”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008 LACAN,
J. (1953\54). “O seminário: Livro I: Os escritos técnicos de Freud”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
LAJONQUIÈRE, L.(1999). “Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e
educação”. Rio de Janeiro: Vozes.
MANNONI, M.(1971). “A criança, “sua doença” e os outros”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
MANNONI, M.(2004). “A primeira entrevista em psicanálise: um clássico da psicanálise”. Rio de
Janeiro: Editora Campus. 27 Ed
NASIO, J.D. “Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan” Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
PEREIRA, M. R. “O sintoma ou o que o sujeito tem de mais real”. In: Revista Espaço
Acadêmico – Mensal – n 131 – Abril de 2012 – Ano XI.
SAUSSURE, F. (1857 a 1913). “Curso de linguística geral”. São Paulo: Cultrix, 1973

21
2° Semestre 2017

Ciclo IV
Aluno: Álvaro José Camargo Vieira
Título: O MAL ESTAR NA ADOLESCÊNCIA

INTRODUÇÃO

Este estudo propõe-se a discutir o impacto das relações sociais contemporâneas sobre a
juventude e, especificamente, a adolescência. Parte-se do pressuposto de que cada sujeito
relaciona-se de um modo específico com a sociedade, e que esta tem importância fundamental
em sua constituição psíquica, pois é a alteridade com a qual ele se relaciona desde os
primeiros meses de vida, o outro que provoca o mal estar. Pressupõe-se, também, que a
cultura passa por transformações e, portanto, que há mudanças na relação dela com os
sujeitos.
Freud (1980) esteve atento às implicações da cultura sobre o sujeito, em “O mal estar na
civilização” dedicou-se mais diretamente a essa relação, com a perspectiva de ter vivido a
Primeira Grande Guerra e seus impactos sobre a vida de alguns sujeitos. Considerou os
motivos que fazem com que homens e mulheres vivam em sociedade, uma vez que, para
viverem juntos precisam de mecanismos que lhes permitam controlar as suas pulsões,
mecanismos psíquicos e sociais - na constituição psíquica do sujeito o Eu e o Supereu serão
responsáveis para que isso aconteça, embora nunca completamente.
O problema, segundo Freud (1980) é que os sacrifícios impostos pela sociedade para a
realização de objetivos culturais podem produzir frustração, a infelicidade, a qual seria própria
da vida em sociedade, pois viver nela implica em abrir mão da liberdade em nome da
segurança. Em contrapartida a cultura (Kultur) oferece um conjunto de realizações e
regulamentos que distinguem a vida humana daquela dos animais; conjunto que auxilia homens
e mulheres a se proteger da natureza e a coordenar os seus relacionamentos mútuos. A
utilização de ferramentas, que ampliaram o poder dos órgãos humanos, o manejo do fogo, o
desenvolvimento da agricultura e pecuária, a construção de habitações contra as intemperes
22
climáticas e os predadores, entre outras conquistas, revelam o poder da cultura em criar
possibilidades e em transformar a vida. Além disso, os humanos criaram Deuses que
encarnavam seus ideais de onipotência e onipresença e tudo aquilo que lhes era vetado. Freud
nos lembra de que a ciência herdou essa pretensão com suas conquistas cada vez mais
rápidas e acentuadas, assim como as artes e o pensamento que alcançaram um grau de
elaboração jamais visto. Contudo, a possibilidade de se assemelhar a um Deus ainda não é
suficiente para que homens e mulheres sintam a felicidade plena.
Freud explica essa frustração ao considerar o desenvolvimento do sujeito e de suas
relações sociais. A plenitude experimentada pelo bebê em seus primeiros dias de vida, nos
quais ele estava aberto à múltiplas influencias do ambiente, quase sem contorno, unido à mãe
que lhe provia tudo que era necessário, deixa de existir devido as frustrações que ele
experimentará em relação a mãe – ou quem exerce essa função - e a passagem pelo
Complexo de Édipo, o qual deixa marcas indeléveis sobre o psiquismo.
A vida em sociedade, por sua vez, revela que a liberdade dos sujeitos precisou ser
cerceada em nome da cultura, pois na tentativa de impedir o poder do mais forte a coletividade
se desenvolveu no sentido de criar um estatuto legal no qual todos contribuiriam com certa cota
de sacrifício pulsional, para se preservar da violência e da força bruta. A liberdade, portanto,
não foi uma dádiva da cultura que impõe restrições aos sujeitos e os submete à justiça para que
nenhum deles escape a elas. Há de se considerar que em diferentes momentos históricos as
pessoas tentaram opor suas liberdades individuais aos preceitos da cultura, o que de certa
forma serviu para a oxigenação dessa e para sua transformação, entretanto, sempre foi difícil
uma conciliação entre os interesses subjetivos e coletivos. É possível perguntar se o
desenvolvimento social poderá algum dia conciliar esses interesses, por uma via cultural.
Não é a pergunta que Freud faz, pois prefere pensar a relação da cultura com as
disposições pulsionais dos sujeitos que tem como objetivo satisfazer a tarefa econômica de
suas vidas. O modo como essas pulsões são empregadas fará com que em seu lugar apareça
o que é chamado de traço de caráter. Para Saroldi (2011) é preciso destacar o esforço da
cultura em tornar possível a sublimação dos fins pulsionais, o que cria a possibilidade de
realização de atividades psíquicas mais altas.

Por isso, é impossível não reconhecer quanto a cultura é construída sobre a


renúncia às pulsões, quanto ela se vale precisamente de sua satisfação, seja
pela opressão, seja pela repressão, seja por outro meio. E é essa frustração
cultural que domina a todos (SAROLDI, 2011).

23
O trabalho psicanalítico de Freud revelou que as frustrações sexuais são precisamente
aquelas que as pessoas neuróticas não podem suportar, por isso, criam - mediante sintomas -
satisfações substitutivas para si mesmas, como explica Saroldi (2011):

Os gestos repetidos à exaustão pelos obsessivos, como lavar as mãos, por


exemplo, apesar de todo incômodo acabam por aplacar um sentimento de culpa
ainda mais desconfortável. Algumas fobias, por sua vez, também operam a
função importante de delimitar a alguma circunstância específica – relacionada a
espaços abertos, por exemplo – um medo que é sentido interiormente como
ilimitado. É claro que esses sintomas causam sofrimentos, seja por si mesmos,
seja pelas dificuldades de relacionamento que criam.

Além das restrições à vida sexual, a cultura exige ainda outros sacrifícios, por meio de
suas exigências ideais. Para Freud, a primeira delas e a mais antiga, associada em geral ao
cristianismo, se expressa no mandamento “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”. Máxima
que para Freud exige muito mais do que seria razoável exigir das pessoas, porque só amamos
uma pessoa se identificarmos nela algo que reconhecemos existir em nós mesmos ou se a
consideramos de tal modo perfeita a ponto de amarmos nela o ideal de nosso próprio eu. Para
sermos razoáveis, sugere Freud (1980), seria preciso operar uma modificação nessa máxima
“Amarás a teu próximo como teu próximo te ama”. Freud faz a crítica a esse tipo de ideal ético,
por desconsiderar os sujeitos reais em sua proposição, o que pode favorecer um efeito
contrário do pretendido.
A perspectiva da ética, de acordo com Freud, desconsidera as pulsões humanas e, entre
elas, a agressividade. Assim, o “próximo” pode ser um aliado potencial ou um objeto sexual,
como, também, aquele sobre o qual recai a agressividade, a exploração e a humilhação. A
agressividade, portanto, está presente nas relações, como o outro lado da moeda do amor e do
afeto. Talvez, conjectura Freud, apenas as relações entre a mãe e o filho homem escapem
dela.
A cultura, na perspectiva de Freud, representa o esforço de impedir que a agressividade
se generalize destruindo a coletividade. Está desse modo, a serviço de Eros reunindo os
sujeitos, as famílias, os clãs, as tribos e todos os povos em um conjunto chamado de
humanidade. Contudo, o impulso hostil, que Freud chamou de pulsão de morte permanece;
revela a condição humana: viver entre Eros e Tânatos.

24
Freud considera que a agressividade no sujeito é contida ao ser internalizada, ao voltar-
se ao seu lugar de origem, o eu; no qual é assumida por uma parte do eu, que se coloca contra
si mesmo, o supereu - instância que descarregará sobre o eu a agressividade que seria dirigida
contra estranhos. A tensão entre eu e supereu produz o sentimento de culpa, que se expressa
com uma necessidade de punição.
Faz sentido perguntar, com perspectiva de nosso momento histórico, como a
internalização do controle lida com o imperativo do gozo que caracteriza a nossa sociedade?
No “face”, os sujeitos se apresentam, na maioria das vezes, felizes e sorridentes. A juventude
foi alongada, o que resultou no encobrimento e apagamento das diferenças e dos referenciais
entre as gerações. Estar triste, assumir fragilidades e medos tornou-se quase proibido.
Como essa cultura influencia a adolescência, momento de mudança?

O MAL ESTAR NA ADOLESCÊNCIA

Para a psicanálise não é possível pensar o sujeito como exterior à cultura. Esta é “o
outro do sujeito, sem a qual é impossível pensar as condições de possibilidade para a sua
constituição” (Birman, 1997). Para Birman (1997) o mal-estar é o que marca essa relação do
sujeito com a cultura, à medida que é permeada pelo conflito, base do psiquismo humano e,
consequentemente, impossível de ser solucionado de forma absoluta.
O interesse pela adolescência em sua relação com a cultura diz respeito a intensidade
dos conflitos internos e relacionais desse momento, o que implica em experiências subjetivas
complexas de transformação, muitas vezes, problemáticas, dolorosas e geradoras de intensa
angústia e de sofrimento psíquico; com importantes consequências para relações sociais.
Freud considerou que o psiquismo se constitui sobre um campo pulsional, o qual gera
uma situação de permanente excesso e de constante demanda de trabalho psíquico. As
transformações experimentadas na adolescência caracterizam-se por uma espécie de
potencialização dos excessos da infância que pareciam ter sido ultrapassados e elaborados. As
experiências da puberdade não permitem que o sujeito possa viver as mudanças corporais e
organizar o seu mundo da mesma maneira que o fazia quando criança, agora precisa lidar com
as expectativas e exigências colocadas pela cultura, a qual adquire papel fundamental. A crise
da adolescência, portanto, é também esse momento em que a confrontação com o social ou
com o “mal-estar na civilização” atinge seu paroxismo. (Cardoso, 2000).
André Green (1999) destaca que a adolescência tem como seu correlato a entrada dos
pais numa outra idade, sendo impossível pensar a adolescência sem pensar o envelhecimento
25
parental e a maneira que ela mobiliza a culpabilidade dos pais. Se as transformações
experimentadas por adolescentes estão relacionadas ao reviver o Complexo de Édipo, aqueles
que convivem intimamente com esses jovens - os pais - passarão por uma experiência análoga
a deles, também revivem, de certa maneira, esse Complexo.
Portanto, o reaparecimento do Complexo de Édipo merece atenção quando se considera
a adolescência, especialmente as profundas modificações sofridas pelos pais diante da
mudança do filho com o retorno, muitas vezes violento, de fantasias recalcadas e a reativação
dos mecanismos colocados em jogo em sua própria adolescência.
Para Cardoso (2000), em psicanálise os contornos metapsicológicos da noção de
violência são bastante imprecisos, de acordo com alguns autores, a ideia de trauma parece ser
a que dela mais se aproxima. Presente na psicanálise desde os primeiros escritos de Freud, a
noção de trauma está na própria base de sua concepção de aparelho psíquico. A tarefa
principal desse aparelho é a de dominar o excesso de excitação, evitando o desprazer e a dor.
A introdução da pulsão de morte na teoria de Freud criou condições para lidar com situações de
caráter mais violento e radical da psicopatologia individual e coletiva – o trauma torna-se um
termo constitutivo da metapsicologia. Articulado à segunda teoria pulsional, e profundamente
relacionado com a angústia, ele passa a ser considerado, também, nas origens do psiquismo
(Cardoso 2000).
O trauma para Freud é algo que escapa à ordem das representações, registro do
inassimilável, do “intraduzível”. Tanto as excitações vindas do exterior quanto as excitações
pulsionais produzem efeitos traumáticos num ego incipiente, marcas de uma situação de
desamparo originário de passividade fundamental diante do outro. Situação de submissão do
sujeito, na qual se reencontra, de forma privilegiada, a dimensão da alteridade e da
sexualidade. A noção de excesso entrelaça-se, desse modo, à de desamparo psíquico. Jean
Laplanche (apud Cardoso, 2000) explora essa articulação de maneira bastante interessante em
sua teoria da sedução generalizada. Para Laplanche (apud Cardoso, 2000), a excitação -
excesso vindo de fora do “outro” – que ultrapassa a capacidade de metabolização da criança,
permite que esta, paradoxalmente, possa se organizar psiquicamente. Para Cardoso (2000),
portanto, é preciso destacar, a própria alteridade do adulto em relação a si mesmo, a implicação
de seu próprio inconsciente nas mensagens (enigmáticas) que ele endereça à criança. A
“transferência” desse enigma – fundamento de uma situação originária necessariamente
violenta e traumática – constitui, de acordo com Cardoso (2000), o modelo básico do próprio
processo de recalcamento originário, da constituição do inconsciente e da pulsão. Situação
envolvendo profundas rupturas, em especial aquelas que incidem diretamente sobre a dinâmica
26
pulsional e sobre a economia libidinal, as quais produzem no sujeito a repetição da experiência
de passividade, de desamparo e, consequentemente, a exigência de dominar esse estrangeiro
interno.
A noção de desamparo possui uma significação bastante abrangente, pois configura uma
dimensão básica da subjetividade humana, e que se entrelaça profundamente com a cultura.
Freud dizia que “o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os
motivos morais” (Freud, 1940, apud Cardoso, 2000). O psiquismo, portanto, está condenado a
se constituir e a existir na relação com o outro. A noção de desamparo relaciona-se de forma
especial com a questão da adolescência, constituindo uma espécie de elo entre diferentes
situações vividas, particularmente as situações de ruptura e perda (da infância, dos pais, da
vida infantil, do corpo infantil, das referências identificatórias etc.). Situações nas quais a
resposta psíquica do sujeito é, muitas vezes, de passividade diante de um excesso pulsional –
irrupção de energia não ligada – que, por sua vez, é relativo à fragilidade dos mecanismos
narcísicos, egóicos, inevitavelmente transtornados nessa travessia da adolescência. O excesso
pulsional e, principalmente, a pulsão de morte, articula-se com um dos aspectos mais
significativos da adolescência a revivência do Édipo (Cardoso, 2000).
O Édipo reapresenta-se na adolescência sobre um fundo bem diferente daquele que do
Édipo infantil. A possibilidade efetiva da realização do ato sexual marca uma diferença
fundamental tanto para o sujeito em sua relação com o outro, quanto para o outro parental
confrontado com sua própria alteridade interna. O sujeito adolescente deve poder distinguir – e
esse é um dos desafios colocados por essa experiência de “fronteiras” – entre o que é a sua
própria história, o que advém de uma fonte interna, e tudo aquilo que vem do outro, do desejo
do outro e, em primeiro lugar, do outro parental. A intromissão desse outro, de sua alteridade,
pode constituir obstáculo ao processo e, de acordo com as suas dimensões narcísicas e
edípicas, muitas vezes arcaicas, pode vir a invadi-lo, parasitá-lo (Cardoso, 2000). A esse
respeito Green (1999) fala de “colonização do sujeito” ou de “efeito captador sobre o
funcionamento psíquico”. Green (1999) considera que é preciso que se “negative” o Édipo, no
sentido de sua destruição, já que ele é intolerável nesse novo corpo. “Todas as mães o sabem.
Há um momento em que não se acaricia mais a criança, hesita-se três vezes antes do carinho
sobre a face, que sabe Deus, é bem inocente! Elas não dizem, mas sabem” (Green, 1999).
A dimensão de mudança é um elemento dos mais significativos da noção de trauma,
vinculado ao risco provocado pela própria mudança. A adolescência constitui em si mesma uma
espécie de paradigma da mudança. Cardoso (2000) questiona se a mudança, a transição da
vida infantil para a vida adulta não configuraria, dessa maneira, uma situação fronteiriça? Para
27
Cardoso (2000) a adolescência é uma problemática ligada à questão de fronteiras, ao mesmo
tempo internas relativas ao próprio funcionamento psíquico do sujeito, sua relação com o outro
interno – e externas, ligadas à relação do sujeito com a alteridade externa, com a diferença. A
obra freudiana fornece uma visão da própria constituição egóica – das fronteiras do ego – como
uma modalidade de defesa, para dar conta dos ataques advindos das pulsões internas assim
como do exterior. Figueiredo (2000), apoiando-se em vários autores que se dedicaram à teoria
e à clínica dos estados limite, aponta as duas angústias características dos fronteiriços: a de
abandono, separação e perda e a angústia de invasão pelo objeto. Tanto a questão do
abandono e da perda como a da invasão – da intromissão do outro remetem- às “doenças das
fronteiras do ser”, situações marcadas pela precariedade dos espaços psíquicos, dos limites
externos e internos, incidindo forte e simultaneamente sobre o eixo narcísico.
Se a passagem pela adolescência promove a angústia de abandono e a de invasão do
sujeito pelo objeto em uma cultura, na qual o gozo tornou-se um imperativo, os sofrimentos
psíquicos tendem a ampliar-se na mesma medida em que se negam as fragilidades e a
necessidade de compreendê-las.

Bibliografia

BIRMAN, J. Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Ed. 34, 1997.


CARDOSO, Marta Rezende. Violência e alteridade: o mal estar na adolescência. Rev.
Latinoam. Psicopat. Fund., IV, 1, 27-36 ano 2000.
FIGUEIREDO, L. C. O caso-limite e as sabotagens do prazer. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, vol. III, no 2, junho de 2000.
FREUD, S. (1940[1895]). Projeto para uma psicologia científica. E.S.B. Rio de Janeiro: Imago,
1980. vol. I.
____ (1930). O mal-estar na civilização. E.S.B. Op. cit. v. XXI.
GREEN, A. Intervenção no Colloque avec André Green (17ª Journée Scientitique de la
revue Adolescence -Unesco, outubro de 1998). Adolescence, t. 17, no 1, 1999.
SAROLDI, Nina. O mal-estar na civilização: as obrigações do desejo na era da globalização.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
28
2° Semestre 2017

Ciclo V
Aluno: Gualberto Luiz Nunes Gouvêia
Título: O PENITENTE NO CONFESSIONÁRIO: BEM ANTES DA CLÍNICA

INTRODUÇÃO
A Idade Média ainda ecoava no imaginário católico quando um grupo de freiras,
motivadas pela presença de um padre idealizado, lançou-se em uma profusão de afetos
reprimidos que levariam a um trágico desfecho onde o sacramento da confissão teria um papel
decisivo.

A CONFISSÃO: BREVE RELATO HISTÓRICO


Foi no Concílio de Latrão IV (1215) que a confissão anual se tornou obrigatória. A
confissão confortava e teve grande impacto na vida religiosa e psicológica dos homens e
mulheres do Ocidente1. Nenhuma outra denominação religiosa deu tanta importância à
confissão. Depois do Templo de Apolo em Delfos, mas antes de Freud, o “conhece a ti mesmo”
foi vivenciado pela Igreja Católica por meio da confissão que se fez o ofício cotidiano de todos
os que estão à escuta das angústias humanas. Os padres eram, também, os médicos das
almas. Para Delumeau, sem o confessionário, não haveria o divã.
Muitos manuais foram escritos sobre como os padres deveriam ouvir as confissões e
como o penitente deveria falar sobre seus pecados (ou seriam suas angústias?). Acreditavam
os doutores da Igreja que se deveria facilitar a confissão, torná-la amena para não desanimar o
pecador. Este deveria se sentir encorajado a contar tudo, principalmente os pecados de cunho
sexual que a Igreja sabia serem os mais importantes e a maior razão de ansiedades.
Os manuais ensinavam aos padres a serem como “pais” acolhedores para os pecadores.
Não aquela figura patriarcal que age com autoridade desmedida, mas aquele pai que acolhe

1
Para a questão da confissão no Ocidente, usei como referência dois textos de Jean Delumeau a saber: “A
Confissão e o Perdão” e a “História do Medo no Ocidente”.
29
seu filho pecador, como na parábola do filho pródigo2. Assim, o confessionário deveria ser
entendido como um local privilegiado para contar as ansiedades e para ser ouvido com carinho,
benevolência. Nenhum pecado seria tão grande que não coubesse o perdão de Deus. Havia aí
um interessante jogo: por um lado, a Igreja criava culpas, ansiedades, angústias, fobias, o
inferno, inquietações diversas. Por outro lado, criava o instrumento de conforto: a confissão.
Milhões de pessoas se viram nessa cena e se tornaram rebanho em busca de salvação para
seus pecados. Um mantra que até hoje é recitado na Missa com o “minha culpa, minha tão
grande culpa, minha máxima culpa”.
Carlos Borromeu, mais tarde São, escreveu uma clássica Instrução aos Confessores na
qual salientava sobre a importância do balanço entre a ameaça e o encorajamento, a
severidade e a ternura, a punição e o perdão. Ele acreditava que, se muito atemorizado, o
penitente poderia dar um “nó” na língua, o que evitaria que contasse seus pecados. Borromeu
salientava ainda que muitos confessores se inclinavam a absolver de imediato, por hábito,
entediados que ficavam com a escuta. Dizia da importância do penitente se sentir ouvido, com
paciência e acolhimento. Os pecadores deveriam ser encorajados ao máximo a fazer a
travessia do pecado para a virtude.
A confissão, de acordo com Borromeu, deveria ter como princípio a escuta por parte do
confessor e ser a mais detalhada possível pelo pecador. Graças a esses cuidados, podemos ter
acesso a relatos em confessionários que viraram dissertações e teses defendidas em
universidades pelo mundo ocidental.
Borromeu dizia que, no confessionário, não poderia haver vergonha do pecado. Lá seria
o local para o dito e o padre deveria, por sua vez, estar atento para o não dito. Estimular o
penitente, fazê-lo confiante a deixar a vergonha e se abrir naquele espaço de escuta. O
recomendável era ouvir e interferir o mínimo possível para que o pecador se sentisse à
vontade.
Entre suas outras recomendações, destaco que o confessor não poderia se mostrar
austero e se exprimir de maneira confiável, até que se estabelecesse uma espécie de confiança
recíproca. O confessor deveria saber manejar o “setting” confessionário para obter as
confissões com sabedoria e destreza, objetivando estimular o penitente a falar o que lhe aflige.
Não deveriam jamais demonstrar irritação e impaciência nem interromper com perguntas antes
que o penitente tivesse acabado de falar.

2
O filho pródigo da parábola diz respeito a um filho gastador, irresponsável, que volta e é bem recebido pelo pai
que o abraça afetuosamente.
30
Para vencer as resistências de um pecador, salientava ainda Borromeu, o padre deveria
estimular o pecador a começar pelos pecados mais leves até chegar aos mais graves e,
quando nestes chegasse, o padre não deveria se mostrar horrorizado com exclamações do
tipo: “oh, que animal!”, “que demônio!”. Deveria demonstrar compaixão e deixar explícito que
qualquer pecado é perdoável desde que confessado com sinceridade. A confissão pela fala e
pela escuta não deveria criar resistências, mas antes, aproximar confessor e pecador. O
penitente deveria se sentir acolhido.
Enfim, um bom confessor deveria seguir regras bem definidas que poderiam ser assim
resumidas: primeira: que este jamais violaria o segredo do qual é depositário. Segunda: que
seria um confidente caridoso, compassivo e fiel e, finalmente, a terceira: deixar claro que ele,
confessor, não seria menos pecador do que o penitente.
Todo pecador, destaca Francisco Xavier, deveria ter o benefício da confissão para poder
ter acesso ao gozo e à grande doçura misericordiosa por ela proporcionada, uma vez que é na
confissão que o demônio encontra o seu flagelo e se vê reduzido a ruinas. Destacava ele que
não há nenhum pecado que não possa ser apagado e que a confissão é um meio certo de
salvação, uma tábua para o socorro no meio das ondas do pecado.
Francisco Xavier discorria sobre a necessidade da boa formação do confessor. Para ele,
só um padre bem qualificado poderia fazer um manejo adequado no confessionário a fim de
obter sucesso levando a paz para o penitente. Um padre mal preparado poderia produzir
grandes estragos na vida do pecador e levá-lo, inclusive, ao aumento de suas angústias de
maneira insuportável. Uma vez absolvido, o pecador se sente tranquilizado e pode, de acordo
com Xavier, ser levado a uma mudança de vida, mais feliz e gratificante.

UM CASO3
Loudun, França, 1634. Em um convento de Ursulinas, os demônios parecem tomar os
corpos das freiras em uma possessão coletiva. Eram 16 freiras e mais a prioresa Jeanne
Agnes. A prioresa lidera as possessões ora rastejando pelo chão, ora levantando o hábito e
proferindo palavras libidinosas enquanto fazia sua língua sibilar.
Tudo começa quando o padre Urbain Grandier assume a paróquia local. Inteligente e
bonito, logo começa a fazer sucesso entre as paroquianas e ele não se faz de rogado. Começa
a ter casos com sobrinhas, filhas e até esposas de lideranças locais. O atendimento em seu
confessionário era sempre concorrido e era ali que as conversas mais íntimas começavam. Os

3
Usei como referência o texto de Aldous Huxley, Os demônios de Loudun, Ed. Globo, 2014, in Kobo.
31
sentimentos inaceitáveis ganhavam um espaço de acolhimento e Grandier se colocava à
disposição para que se estabelecesse a transferência.
Dessa forma, Grandier não se comportava como o prescrito nos manuais dos
confessores, mas é preciso admitir que mesmo as pessoas mais equilibradas e controladas
sentem, às vezes, uma sensação impossível de controlar em fazer exatamente o oposto daquilo
que sabem que deveriam fazer.
Por sua vez, sabemos que pessoas, aparentemente controladas pelo sistema de
vigilância social e dadas por ele como “decentes”, não raro, se comportam de maneira que elas
mesmas seriam as primeiras a desaprovar. Nesses casos, e principalmente naqueles tempos, o
transgressor agia como se estivesse possuído por uma entidade perversamente hostil e diversa
de seu próprio eu. A projeção surge assim como uma possibilidade de mediação dos
sentimentos mais proibidos e assustadores. O “demônio” poderia, dessa forma, ser
responsabilizado pelos impulsos sexuais daquelas mulheres que faziam publicidades dos feitos
sexuais de Grandier.
Naturalmente, Grandier ia colecionando desafetos entre seus rivais e entre seus pares.
Não dava sinais de moderação e sua eloquência no púlpito desarmava seus inimigos. Seus
detratores eclesiásticos também não logravam obter sucesso, pois o padre confessor Grandier
era extremamente sedutor e também colecionava importantes amizades que garantiam sua
conduta libidinosa.
Ainda que seus amigos recomendassem prudência e aproximação com os inimigos, o
padre preferia suas peripécias sexuais e não se sentia de modo algum ameaçado.
Grandier poderia sublimar seus desejos e se transformar em um grande confessor bem
aos moldes propostos por Borromeu em seu manual, mas a pulsão sexual era muito intensa no
padre e este preferia o gozo em seu sentido mais literal. Para a Igreja, o homem, e
principalmente o padre, devem rejeitar o mundo e suas paixões. Não era o caso de Grandier.
Seus feitos ultrapassam os muros do convento local das Ursulinas e a prioresa Jeanne
Agnes começa a idealizar a figura do padre. Em sua fantasia, Grandier seria a pessoa ideal
para ser o confessor das irmãs. Não admitia seus pensamentos mais impuros e apenas
justificava para si que esse padre poderia ser mais compreensivo do que o confessor das irmãs.
Não tarda, o velho padre confessor das irmãs vem a falecer e a prioresa vê aí uma
oportunidade ímpar: solicita que seja feita a proposta a Grandier de assumir o posto de
confessor oficial das irmãs, posto recusado pelo padre.
Como nos ensina a mitologia grega, a ira de uma mulher rejeitada pode ser terrível.
Ferida em seu narcisismo, castrada em seu desejo, Jeanne se sente ultrajada de maneira
32
insuportável. Ela sonha com Grandier penetrando à noite em seu quarto, em sua cama e nela
própria. Acorda banhada em suor e umidades pecaminosas. Seus pensamentos se tornam
obsessivos. Ela precisa de Grandier que a recusa e a todas as irmãs.
Os seres humanos desejam ir além do próprio mundo que os circunda dentro do qual se
encontram confinados. As irmãs viviam uma vida pouco fértil, sem novidades, entre a oração e
os serviços religiosos. A notícia das aventuras sexuais de Grandier aos seus ouvidos resultou
num descortinar de volúpia incontrolável e despertou seus desejos de autotranscendência de
escapar à dor mental e física que fazia seus corpos estremecer ao pensar no jovem padre.
As religiosas estavam a ponto de perder a razão. Seus desejos eram incontroláveis e,
um dia, durante um culto, Jeanne começa a rolar pelo chão, levantando suas vestes acima da
cintura e fazendo sua língua sibilar entre os dentes dizendo toda sorte de palavras
escandalosas ao mundo católico. Falava do membro rijo de Grandier, de como ele a havia
penetrado e como tinha gostado. Logo em seguida, outras irmãs também começam a rolar pelo
chão dizendo coisas semelhantes.
Os inimigos de Grandier vêm nesse momento uma oportunidade. Dizem que ele tinha
enfeitiçado as irmãs e Jeanne, ofendida em seu desejo recalcado, prontamente corrobora essa
hipótese. Ela percebe que assumindo o posto de endemoninhada poderia livremente exprimir
seus desejos secretos.
Em minha opinião, as irmãs, provavelmente, estavam sofrendo uma crise de histeria.
Para Ramadan4, a histeria já foi chamada de “a grande imitadora”. Para o autor, entre as
particularidades dos distúrbios histéricos, estão as manifestações no corpo – funções sensoriais
e motoras -, na mente – a consciência vigilante, a memória e as percepções.
Assim, mesmo que estivessem “fingindo”, de alguma maneira as freiras estavam
verdadeiramente sofrendo uma crise por não terem como sublimar um desejo irrefreável.
Ainda hoje, não especialistas tendem a considerar certos aspectos da histeria como
fingimento e que a paciente histérica poderia ser rapidamente curada, bastando para isso uma
boa dose de força de vontade. As histéricas seriam, antes de tudo, grandes simuladoras. No
entanto, essa simulação seria uma atividade pensada, refletida, que visaria obter alguma
vantagem por meio da “doença representada”. Confundir histeria com simulação pode ser um
grande erro e os inimigos de Grandier não estavam dispostos a cometê-lo ou então não se
importavam com o detalhe, mas com o espetáculo.

4
Ramadan, Zacaria Borge Ali. A Histeria, São Paulo, Ed. Ática, 1985, pág. 5.
33
Claro que o nome a ser dado seria outro diferente de histeria: possessão demoníaca por
feitiçaria e provocada pelo padre confessor de Loudun.
É encomendado então um exorcismo para as freiras. Padre Surin, grande confessor da
época e reconhecido exorcista, é chamado para a missão. Como de costume em casos de
possessão, “os exorcismos eram praticados em uma espécie de divã, com uma extremidade
feita propositalmente para a prática” 5. Por vezes, a pessoa era amarrada ao divã pela cintura e
nas coxas.
Um detalhe anotado era o de que as freiras, mesmo quando se jogavam ao chão e nele
rolavam, nunca se machucavam. Nada de anormal nisso, como afirma Ramadam: “(...) na crise
histérica, a doente, quando cai ao chão, instintivamente se protege e, assim, nunca (ou só
raramente) se machuca” 6.
Freud afirmava que era comum, nos tempos passados, “confundir neuroses com
possessão demoníaca”. Afirmava ele que:

“É sabido que vários autores, Charcot entre eles, identificaram as


manifestações da histeria nas representações de possessão e êxtase que a arte nos
deixou; se as histórias desses doentes tivessem recebido mais atenção na época, não
teria sido difícil reencontrar nelas os conteúdos típicos da neurose”. 7

Alonso e Fuks fazem uma distinção entre psicose histérica e histeria, garantido que essa
distinção não é evidente.

“Ao referir-se ao delírio histérico ou alucinações histéricas, Freud descreve-os


como sintomas psíquicos de alienação mental que aparecem no curso de uma histeria
e respondem a um mecanismo de gênese equivalente ao dos outros sintomas
histéricos. Contudo, um elemento diferencial é dado pelo mecanismo de projeção,
atuando de forma análoga à que opera na produção onírica”. 8

De qualquer forma, a histeria era, quase sempre, confundida com a possessão


demoníaca que ocorria para purificar o corpo e a alma. No caso em questão, o demônio,

5
Huxley, op.cit, pag. 58, Cap. IX. In Kobo.
6
Ramadam, op. cit, pag. 11.
7
Freud, Sigmund. Uma neurose do século XVII envolvendo o demônio (1923), in Obras Completas, vol. 15. São
Paulo, Cia. Das Letras, 2011, pag. 226.
8
Alonso, Silvia Leonor e Fuks, Mario Pablo. Histeria. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2005, pag. 240.
34
personificado na figura de Grandier deveria ser expulso das freiras para que estas pudessem,
por “amor de Deus”, se santificarem.
Os exorcismos já duravam dias e nada parecia fazer crer que teriam sucesso. Masud
Khan é esclarecedor sobre os aspectos que rondam a histeria calcada no rancor das
frustrações provocadas por seu objeto de desejo:

“O que parece ser intolerância aguda do histérico frente à frustração sexual é,


na verdade, sua profunda desconfiança o sentimento de que o objeto externo não
responderá às necessidades de seu eu”. 9

Assim, ainda de acordo com Khan, a histérica parece viver em “estado de rancor
permanente”.
Esse rancor não daria tréguas e os inimigos de Grandier se aproveitariam para levar o
confessor vivo à fogueira depois de lancinantes torturas.
As freiras, depois da morte de Grandier, ainda teriam alguns surtos que foram diminuindo
com o passar do tempo.
Padre Surin, como é de praxe em casos de exorcismos, seria tomado pelo demônio ao
fim dos exorcismos das freiras em um aparente caso de introjeção. Seria também tomado por
diversas enfermidades psicossomáticas, tendo paralisias dos membros inferiores, mudez e
paralisia nas mãos que o impediam de escrever. Muitos anos de trabalho com seu confessor
foram necessários para que se sentisse confiante e, aos poucos, fosse recobrando todos os
movimentos perdidos.
A irmã Jeanne, passaria de endemoninhada a candidata à santa. Trabalhou muito nesse
sentido afirmando ter recebido a visita de São José, que lhe teria deixado o hábito manchado
com um óleo sagrado. Quando de sua morte, teve a cabeça decepada e guardada em uma
caixa de prata juntamente com o manto sagrado. Não se sabe o fim de tal “relíquia”.

CONCLUSÃO
O caso de Grandier é elucidativo para demonstrar que, uma vez em sociedade, esta
cobra seu preço. O excesso de entrega total ao prazer torna o ser objeto de ressentimento por
parte daqueles que não conseguem a mesma entrega.

9
Khan, M. Masud R. O rancor da histérica, in Berlink, Manoel Tosta (org.), Histeria. São Paulo, Ed. Escuta, 1997,
pag. 56.
35
Aqueles extremamente dominados pela vigilância social e incapazes de elaborar as
reminiscências poderão repeti-las de maneira histérica. A demanda clínica é, na maioria das
vezes, de ordem sensual e, quando não satisfeitas, a tendência é passar ao ato, como afirma
Khan10.
Delumeau ressalta que a clínica não existiria sem o confessionário e que Freud é
devedor de toda uma tradição católica que nos trouxe, além do pecado e da culpa, o
confessionário como local privilegiado para a obtenção do perdão e do apaziguamento das
ansiedades, ainda que seja claro que onde as causas persistem os efeitos tendem em
perseverar. Ora, nada melhor para os propósitos da Igreja que manter um público assim: cativo
sempre em busca da “paz do senhor” por meio da confissão e da comunhão. Bem, seria assim
até Freud. Mas isso é uma outra história...

Bibliografia
ALONSO, Silvia Leonor e FUNKS, Mario Pablo. Histeria. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2005.
DELUMEAU, Jean, A história do medo no ocidente, São Paulo, Cia. das Letras, 1993.
----- A Confissão e o Perdão, São Paulo, Cia. das Letras, 1991.
FREUD, Sigmund. Uma neurose do século XVII envolvendo o demônio (1923), in Obras
Completas, vol. 15. São Paulo, Cia. Das Letras, 2011.
HUXLEY, Aldous. Os Demônios de Loudun, São Paulo, Ed. Globo, 2014, in plataforma Kobo.
KHAN, M. Masud R. O rancor da histérica, in BERLINK, Manoel Tosta (org.), Histeria. São
Paulo, Ed. Escuta, 1997.
RAMADAM, Zacaria Borge Ali. A Histeria, São Paulo, Ed. Ática, 1985.

10
Op. cit.
36
2° Semestre 2017

Ciclo VI
Aluno: Amanda Mont'Alvão Veloso Rabelo
Título: A ESCUTA COMO FURO NECESSÁRIO NAS CERTEZAS

Depois de arriscar, nos trabalhos anteriores, algumas hipóteses sobre sujeitos da


(in)tolerância, luto, arrogância no mercado de trabalho, papel revolucionário da psicanálise e
inflação de diagnósticos na vida cotidiana, decidi aproveitar a liberdade dada por este exercício
do CEP e refletir sobre o processo de atravessamento da psicanálise pelo qual passei,
especialmente no que diz respeito à minha (em desenvolvimento) autorização como alguém
que se supõe analista após um determinado percurso.
Curiosamente, percebi na linguagem as mudanças que mais denunciavam esse
atravessamento. O próprio significante atravessamento já é uma apropriação que fiz da
Psicanálise. Se antes meus vocábulos eram verificação, apuração, checagem, afirmação,
explicação, perguntar, versões, personagens, fontes, verdade e coesão – todos vindos do
jornalismo, minha formação inicial -, hoje eles passeiam mais pela dúvida, ficção, fala, ato falho,
ruído, silêncio, “da ordem do”, sujeito, contradições, escuta, não-saber, caos, associação.
Isso sem contar as premissas psicanalíticas e componentes do setting que “vazaram” do
campo profissional para o meu dia a dia. Impossível não pensar em transferência diante de
conflitos, ou em neurose diante da relação com o dinheiro nas transações comerciais. Quando
algo foge ao sentido, já não parece mais tão desesperador saber que esse sentido talvez nunca
seja preenchido. O que explicava antes, hoje é completamente insuficiente. Várias vezes me
pego acreditando que a argumentação lógica e a racionalização dão conta das relações entre
eu e o mundo. História da carochinha, diria Freud, mas ainda tenho minhas resistências.
Este trabalho deveria ressoar em mim como o fechamento de um ciclo. Mas tudo nele
remete a pontos de travessia. Há algo, além do meu eu, que se altera profundamente a cada
experiência de proximidade com a Psicanálise. A cada texto lido. A cada comentário na aula. A
cada referência dos professores. A cada dia convivido.

37
É da ordem do irreversível, isso posso garantir. Do tipo que estabelece um antes e
depois, que subverte o que estava cristalizado, e que compromete quaisquer certezas futuras.
É também da ordem do não saber. Da exaltação da dúvida, da hesitação, do desconhecimento.
Daquilo que começa vazio e vai sendo preenchido. Daquilo que chega transbordando e vai
abrindo espaço.
Tempos estranhos, os nossos. A certeza – sobre algo, sobre alguém, sobre todos - é
exigida com violência, como se o desconhecido e o inexplorado desautorizassem opiniões
convictas. “Não dá para não se posicionar”, bradam alguns. “Nem pense em hesitar”, cobram
outros, mesmo que o posicionamento implique em passar por cima, ignorar, descontextualizar,
ofender. Não há incentivo ao argumento e ao debate nas terras em que o afeto bruto decide
todas as direções, em que a loucura é instigada sob o disfarce da sanidade. Ativismos são
pronunciados em gritos de guerra excludentes. Pretende-se incluir por meio da não aceitação
das diferenças. Mas nada do que escrevo é novidade: uma conversa pessoal, um encontro no
trânsito, um chat no Whatsapp ou um post no Facebook já trouxeram à tona esses contatos que
parecem irreconciliáveis.
A premissa das relações sociais é de conexão. A publicidade e a indústria das
telecomunicações estão aí para não nos deixar esquecer. Mas o que parece prevalecer hoje - e
só do hoje que posso falar – é uma espécie de campanha pela desconexão, pelo desarranjo,
pela impossibilidade de integrar. Ao que parece, em nome do ódio, este companheiro fiel da
simplificação e da paranoia, como nos lembra o psicanalista Christopher Bollas.
A fala como confronto há milênios serve a Filosofia do seu saber. O confronto na fala
revela o inconsciente e abre as portas para a Psicanálise. No confronto, quem diria, se acha
conforto. Por outro lado, a fala que suscita confronto é conhecida arma de guerra, de
propaganda, de ideologia, de fragmentação. Da clínica (idealizada, pois ainda não atendo) para
o social, do social para a clínica, como se situar nas falas cheias de certezas que caracterizam
a vivência contemporânea? O que se diz é o que se quer dizer? A fala de ódio traz um ódio
primitivo de fato? Ou esconde um medo? A fala que exclui é realmente fruto de sinceridade, ou
há nela uma identificação que não convém revelar?
E assim, no meio dos confrontos contemporâneos que acusam, condenam, julgam e
lincham na mesma velocidade com que alimentam, defendem, exaltam e idolatram, a
Psicanálise oferece uma saída possível por meio da escuta, inclusive daquilo que não se diz.
Arrisco dizer que ela é o “algo transformador” mencionado no começo deste texto. A escuta é o
meu principal ponto de travessia. Dela podemos extrair o poder do imprevisível, do obsceno,
daquilo que está fora, pois ela é a busca possível daquilo que não se encaixa. Daquilo que foge
38
à razão e a qualquer tipo de rótulo. Não há como procurar certos e errados na escuta, e por
isso ela é tão evitada na vida civilizada. Por isso ela me parece tão crucial para a convivência,
especialmente com aquele estranho familiar que nos habita.
Em tempos de certezas tão ferozes, a escuta chega como conciliação inesperada. Foge
ao senso comum, aos modismos, aos discursos fechados, ao moralismo, ao julgamento
daquele que fala. Quando a certeza vem ditar comportamentos, a surpresa da escuta é a
quebra bem-vinda. Em seu livro Diálogos sobre a clínica psicanalítica (Editora Blucher, 2016), a
autora Marion Minerbo fala de uma paciente cuja mãe tem Alzheimer. A condição faz com que a
filha tenha receio de entrar no quarto da mãe. O Alzheimer mencionado pela paciente é o seu
conteúdo manifesto. É aquilo que se diz para um amigo, um colega de trabalho, para a
sociedade. Podíamos simplesmente “ouvir” esse medo e seguir adiante. Mas esse conteúdo
falado pela filha vai muito além do manifesto. O latente só aparece na escuta:
“O analista sabe perfeitamente o que é Alzheimer; ele também não nega que a mãe da
paciente esteja doente nem que isto seja motivo de sofrimento. Mas a demência também é uma
imagem bastante expressiva, que transmite o horror de se perder o objeto enquanto ele está ali
presente. É a criança-traumatizada-nela que não consegue entrar no quarto e se deparar
novamente com seu objeto primário fisicamente vivo, mas psiquicamente morto.”
A escuta via senso comum cai bem nos dias de hoje, quando se predetermina o que
pode ser perguntado ou não. A censura na linguagem já não é mais imposta exclusivamente
pelos donos do poder. Uma olhada atenta e veremos como ela está presente nos autoritarismos
anônimos do cotidiano.
Não pode falar isso. Não pode perguntar aquilo. Não pode rir. Não pode chorar. Não
pode silenciar. Não pode simplesmente observar. É fato, existe um “não pode” mais primitivo,
com peso de lei e papel civilizatório ante a barbárie inerente de nossa humanidade, como
lembra Freud no “Mal Estar na Civilização”. Mas tem um outro “não pode” que anda regendo
um modo idealizado de convivência no qual o que o outro pressupõe como desrespeitoso e
ofensivo tem valor absoluto e incontestável. Como se não pudesse haver dialética entre ofensor
e ofendido. Como se o campo da interpretação de um esgotasse qualquer desdobramento de
sentido pretendido nos enunciados. Nesta seara, oferece contexto a recente pesquisa que
apontou que apenas 8 em cada 100 brasileiros sabem interpretar texto.
Na Psicanálise, a interpretação de uma fala ou de um texto foge a qualquer dogma, de
fato. Ela vai ocorrer mediante os sentidos particulares que cada sujeito atribui aos significantes
envolvidos. De certa forma, é como reconhecer que não dá para legislar sobre o entendimento
do outro. Tal reconhecimento mostra limites na nossa pretensão de extrair do outro a leitura de
39
que gostaríamos, mas também nos remete a um oceano de incertezas. Falar será sempre um
risco.
Se o falar passa a ocupar lugar de proibido, o mesmo transcorre com o escutar. Essa me
parece a principal resistência oferecida pela Psicanálise à época doutrinadora em que vivemos.
Na escuta, não importam os lugares ocupados, se é agredido ou agressor. Não importa o que
se anuncia, mas sim, o que está por trás do anúncio. O que alguém diz ser quase sempre se
revela um espelho invertido.
Fica a pressão para que acreditemos em algo – a pós-verdade nos mostra o quanto os
mitos e as construções podem prevalecer sobre quaisquer fatos –, para que este algo seja
digno de acolhimento. Como em uma das várias denúncias expressadas no Facebook: elege-se
o portador da verdade, e acredita-se nele até o fim. Todos que estiverem do outro lado são
agressores, corruptos, ladrões, culpados. O narcisismo das pequenas diferenças nunca foi tão
midiático.
A escuta, pelo que tenho vivenciado, é o furo necessário às narrativas perigosas da
certeza. É a retirada da coroa daquele que se julga rei. É a iluminação naquela que até então
não merecia luz. E enquanto os vetores do mundo e ocasionais porta-vozes da firmeza
continuarem a induzir um caminho de fragmentação e de desarticulação, espero seguir com a
Psicanálise e suas nada óbvias formas de acolhimento do contraditório de cada ser humano.

40

Você também pode gostar