Direitos Reais - Introdução
Direitos Reais - Introdução
Direitos Reais - Introdução
Curso de Solicitadoria
2- Posse
3- Direito de Servidão
Beja
2021/2022
I. Noção de Direito Privado:
Os Direitos Reais, enquanto ramo de direito, integra o Direito Civil Português e tal como os restantes ramos
de direito civil, faz parte dos sistemas jurídicos que tiveram origem Romana, tiveram influência, foram buscar
os seus quadros essenciais ao antigo Direito Romano.
No Direito Romano vigorava o sistema de tipicidade da tutela judicial que contrapunha duas categorias
principais de ações, as “actione in personam”, que se destinavam a formular uma pretensão contra uma
pessoa individualmente determinada, não podendo essa pretensão extravasar a relação obrigacional e as
“actione in rem”, que se dirigiam a uma coisa, visando estabelecer a defesa dessa coisa contra qualquer
pessoa, que de alguma forma perturbasse o seu aproveitamento pelo seu titular, podendo inclusivamente o
seu titular perseguir essa coisa onde quer que ela se encontrasse.
Esta contraposição Romana entre categorias de ações, foi posteriormente ultrapassada pelos Direitos
Modernos, originando uma nova construção, dando lugar a categorias de direitos subjetivos, ou seja, aos
Direitos Reais e ao Direito das Obrigações.
O Direito das Obrigações, “Iura in personam”, têm a sua origem nas “actiones in personam”, correspondendo
atualmente aos direitos que incidem sobre uma prestação.
Os Direito Reais, “iura in rem”, tiveram a sua origem nas “actiones in rem”, com a particularidade de
incidirem sobre coisas corpóreas e de terem eficácia real “erga omnes”, ou seja, já se demonstrava a sua
absolutidade, o titular de um direito real podia defender esse direito contra qualquer pessoa.
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Os Direitos Reais, também designado Direito das Coisas, é um ramo de direito que integra o Direito Civil
Português que visa regular a organização e o domínio das coisas, encontrando-se intimamente ligado ao
direito de propriedade e à posse enquanto direito. Os Direitos Reais, são direitos que regulam poderes de
facto sobre determinado bem e têm natureza patrimonial, ou seja, são direitos redutíveis a valor pecuniário,
que se caraterizam pela sua absolutidade, ou seja, são direitos “erga omnes”, oponíveis a qualquer pessoa,
possibilitando ao seu titular a sua defesa contra terceiros.
Os Direitos Reais abrangem o direito de propriedade e os direitos sobre coisa alheiam, contudo é de relevar
que é um ramo de direito privado, nesse sentido podemos desde logo afirmar que não podem ser objeto de
Direitos Reais, todas as matérias que sejam reguladas pelo Direito Público, tais como, servidões
administrativas, expropriações por utilidade pública, concessões de bens públicos, impostos, atribuição de
licenças, ou outras situações que se enquadrem quer no âmbito do Direito Administrativo, quer no âmbito de
Direito Comercial (penhor mercantil, hipotecas mercantis).
Em suma, sempre que surja a atribuição de uma coisa corpórea a determinada pessoa, essa situação é em
princípio regulada pelos Direitos Reais, salvo se tal situação se enquadre num instituto que integre outro ramo
de Direito.
Existem diversas teorias que visam definir o conceito de Direito Real, que passo a citar de forma resumida:
Teoria Clássica: Teoria defendida por Grócio, considera que o direito real é um direito patrimonial
que incide na relação entre uma pessoa e uma coisa sem necessidade de intervenção de terceiros.
Teoria personalista: Teoria defendida por Windscheid, que vem contrariar a teoria clássica,
afirmando que a relação jurídica não incide entre a pessoa e a coisa, mas sim entre pessoas, por esse
motivo o direito real vale para outras pessoas e é constituído como obrigação de abstenção,
limitando que qualquer terceiro interfira no aproveitamento da coisa pelo seu titular.
Teorias Mistas: estas teorias fundamentam-se na teoria clássica e na teoria personalista, formulando
uma vertente externa e uma vertente interna:
Na vertente interna, o direito real é concebido como um poder direto e imediato sobre a
coisa
Nenhuma destas teorias esgota o conceito de Direito Real, apresentando desde logo várias falhas ou lacunas
nos seus conceitos.
O Direito real é um direito subjetivo patrimonial, de natureza privada e caráter absoluto, que tem por objeto
uma coisa corpórea e visa atribuir ao seu titular o aproveitamento dessa coisa, ou seja, podemos afirmar que
são o conjunto de normas que visam regular as relações jurídicas referentes às coisas corpóreas suscetíveis de
apropriação, sejam elas móveis ou imóveis e que não se enquadrem no âmbito do Direito Público ou no âmbito
de outro ramo de Direito.
O direito real apesar de ser um direito de subjetivo, pode ser caraterizado como um poder direto e imediato
sobre uma coisa corpórea, que seja atribuída a uma determinada pessoa pela ordem jurídica, com o objetivo
de que esta possa satisfazer os seus interesses jurídico-privados. Este poder concedido ao titular do direito
real incide sobre uma coisa corpórea sem necessidade de intermediação ou participação de terceiros,
despoletando inclusivamente uma obrigação passiva universal, um dever geral de abstenção que impede
qualquer terceiro de interferir no aproveitamento da coisa pelo seu titular.
O direito real tem que ser observado numa dupla perspetiva, interna e externa, na perspetiva interna, incide
na relação do sujeito com a coisa (licere), enquanto na perspetiva externa, incide na proteção que
ordenamento jurídico concede ao direito real (protectio). Os direitos reais vêm dar resposta a dois interesses
dominantes, o interesse de imediação e o interesse da estabilização:
Interesse da imediação, traduz-se na satisfação dos interesses do titular do direito real, propiciada
de forma imediata e direta pelo aproveitamento da coisa, de forma independente e autónoma, não
depende de qualquer intervenção de terceiros, nem de intermediários, (imediação jurídica).
Interesse de estabilização, este poder direto que provém da imediação jurídica, só se pode exercer
se for estável, necessitando de proteção contra intervenções externas. Ter um direito real é ter um
direito seguro face a ataques exteriores.
O direito real é um direito que confere o domínio soberano ao titular da coisa, é um direito autónomo, não
depende de mais nada, nem ninguém, no entanto, podem surgir situações em que o titular da coisa, objeto
do direito real, não seja conhecido, apresentando-se aqui uma lacuna dominial, ou seja, a coisa existe, no
entanto não se sabe quem é o seu titular. Estas lacunas dominiais, vêm ser solucionadas no âmbito da posse
que surge com o objetivo de regular estas lacunas dos direitos reais. No seguimento desta linha de
pensamento podemos destacar dois tipos dominiais sobre as coisas:
Os direitos reais e os seus respetivos titulares são conhecidos e nesse caso não existe qualquer
lacuna
Os titulares dos direitos reais ou os próprios direitos reais que incidem sobre a coisa, são
desconhecidos, levando-nos à presença de uma lacuna dominial e ao âmbito da posse
Em suma o direito real consiste no conjunto de normas que visam regular e solucionar os litígios que surgem
no âmbito de relações jurídicas que tenham por objeto uma coisa corpórea e cujo titular tenha o
aproveitamento sobre essa coisa, são normas de Direito Patrimonial, que vêm regular o domínio das coisas.
O código civil Português, faz uma distinção entre direitos patrimoniais e direitos não patrimoniais. Os direitos
patrimoniais são aqueles que são suscetíveis de avaliar pecuniariamente, ou seja, são avaliados em dinheiro,
os direitos não patrimoniais (direito à honra, dignidade, nome) não são passiveis de avaliação pecuniária, sem
prejuízo de numa eventual violação por outrem possa vir a ser convertido em valor pecuniário no âmbito da
responsabilidade civil, com o objetivo de compensar o dano, no entanto o bem em si, não se traduz num valor
pecuniário, mas surge a necessidade de se compensar o seu titular por tal violação. Os direitos reais
enquadram-se no âmbito dos direitos patrimoniais, uma vez que o objeto do direito real, é suscetível de
avaliação pecuniária, pode traduzir-se em dinheiro do ponto de vista jurídico.
O Código Civil Português vem ainda distinguir os direitos absolutos dos direitos relativos, sendo que os
direitos absolutos impõem um dever geral de abstenção, são oponíveis erga omnes, impedindo qualquer
terceiro de interferir no exercício do respetivo direito absoluto. Os direitos relativos por sua vez, são de
oponibilidade inter-partes, ou seja, impõem-se apenas às partes que integram a relação jurídica concreta. Os
direitos reais são direitos absolutos, com oponibilidade erga omnes e com eficácia real que se impõe a todos
que não sejam titulares desse direito.
Os direitos reais são objeto de tutela constitucional por força do art.62 da CRP que estabelece no seu nº1
que a Constituição garante a todos o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte.
O nº2 acrescenta que “a requisição e expropriação por utilidade pública só pode acontecer com base na lei e
mediante o pagamento de justa indemnização”
Esta garantia do direito á propriedade privada, equipara-se valorativamente aos direitos, liberdades e
garantias nos termos do art.17 da CRP, pelo que a restrição a este direito só pode acontecer com base no
estipulado no art.18, nº2 e nº3 da CRP.
Segundo o Tribunal Constitucional, a tutela constitucional da propriedade deve considerar-se extensiva a
todos os direitos reais.
Esta garantia constitucional, por um lado permite aos cidadãos um espaço de liberdade, que lhes vai permitir
desenvolver a sua vida, através do pleno aproveitamento dos seus bens, designadamente através do uso,
fruição, transformação e alienação dos bens cuja titularidade lhes pertença, por outro lado protege os direitos
reais enquanto instituto jurídico e enquanto direito individual, limitando o legislador no que concerne a tudo
que respeite a propriedade individual.
A proteção constitucional, não é absoluta, existindo uma margem concedida ao legislador ordinário na
conformação do regime jurídico dos bens, desde logo, porque não podemos limitar-nos à propriedade privada,
tal como demonstra o art.84 da CRP que define o regime de bens de domínio público que inclusivamente não
podem ser objeto de Direitos Reais. Podemos ainda relevar neste âmbito que, a proteção jurídica concedida
pela Constituição à propriedade não é unitária, variando essa proteção consoante o bem que se trate e em
virtude da função que desempenha na sociedade, por exemplo os bens de consumo são tutelados de forma
distinta dos bens de produção. A garantia constitucional da propriedade, não impede o legislador ordinário de
lhe impor alguns limites desde que com respeito pelo art.62 da CRP que define o direito da propriedade
privada e os limites da requisição e expropriação por utilidade pública, ou os limites estabelecidos pelo art.88
da CRP, que define a possibilidade de expropriação de meios de produção abandonados.
Como podemos retirar, por exemplo, da análise da tutela constitucional sobre os direitos reais, o domínio
sobre as coisas fundamenta-se no poder do direito de propriedade, que de forma extensiva acaba por
configurar o sistema de domínio real sobre as coisas, por esse motivo sempre que falamos num direito real,
seguimos como referência o direito de propriedade, uma vez que o seu conteúdo integra todas as
especificidades, todas as caraterísticas do direito real.
A função dos direitos reais ou o escopo do direito real é a atribuição ou afetação de uma coisa a uma
determinada pessoa, permitindo ao titular do direito o aproveitamento dessa coisa, contudo falar apenas no
aproveitamento seria insuficiente atendendo ao facto que existem outras operações nomeadamente
obrigacionais que concedem o aproveitamento da coisa, nesse sentido tem que se relevar o aproveitamento
ligado ao próprio objeto, à própria coisa.
Antes demais, torna-se importante relevar que o direito real está protegido constitucionalmente no âmbito
do art.62 da CRP, designado como Direito de propriedade privada.
O Direito real é um direito subjetivo patrimonial, de natureza privada e caráter absoluto, que tem por objeto
uma coisa corpórea e visa atribuir ao seu titular o aproveitamento dessa coisa, é o conjunto de normas que
visam regular as relações jurídicas referentes às coisas corpóreas suscetíveis de apropriação, sejam elas móveis
ou imóveis.
Os Direitos das Obrigações, são direitos pessoais, são o conjunto de normas que regem as relações jurídicas
entre sujeitos, onde um sujeito (passivo) tem o dever de prestar e o outro sujeito (ativo) tem o direito de exigir
essa prestação, ou seja, deve existir colaboração devida entre as partes, de caráter relativo e é
tendencialmente patrimonial, dizemos tendencialmente porque podem traduzir-se num “dare”, “facere” ou
“non facere”. Estes direitos constituem relações transitórias, ou de curta duração, sendo que o princípio geral
é a obrigação nascer com o objetivo de se extinguir no mais curto espaço de tempo, ou seja, a obrigação nasce
para ser cumprida dentro do estipulado pelas partes.
A distinção entre o direito das obrigações e os direitos reais é uma distinção estrutural elaborada pelo
modelo pandectistico alemão, que separa os direitos absolutos, dos direitos relativos e com base nas
caraterísticas intrínsecas de cada um dos ramos de direito em questão. Chegando-se o momento de abordar
individualmente cada um dos principais traços distintivos dos dois ramos de direito civil em questão.
a) Quanto ao Objeto:
Os direitos Reais incidem sobre uma coisa corpórea, que atribui ao seu titular o seu aproveitamento, tendo
de ser esse objeto uma coisa atual e determinável, no momento da constituição do vínculo jurídico,
respeitando o estipulado no art.280 do Código Civil, ou seja, o seu objeto tem de ser determinável, física e
legalmente possível, não pode contrariar a lei, a ordem pública, nem ofender os bons costumes.
O Direito das Obrigações incide sobre uma prestação, um sujeito fica vinculado a prestar uma determinada
prestação a outro sujeito, podendo essa prestação ser futura, desde que seja determinável, sob pena de
incorrer nos limites definidos pelo do art.280 do CC
c) Quanto à duração:
Os Direitos Reais são perpétuos, permanentes, não se extinguem pelo não uso, salvo pelos casos
expressamente designados na lei, por exemplo a usucapião.
O Direito das Obrigações, são direitos de caráter temporário, que se constituem com o objetivo de se
extinguirem pelo seu cumprimento.
f) Natureza Patrimonial:
O objeto dos Direitos Reais, tem natureza patrimonial, é suscetível de avaliação pecuniária.
O objeto obrigacional é tendencialmente patrimonial, não se verificando obrigatoriedade nesse sentido,
podendo a obrigação traduzir-se apenas num “facere” ou “non facere”, tal como se define nos termos do
art.398, nº2 do CC
g) Colaboração Devida:
O Direito Real é um direito absoluto, por força do princípio da inerência, a relação depende apenas da pessoa
e da coisa, não existindo nesse sentido qualquer colaboração entre partes.
O Direito Obrigacional, tem como conteúdo aquilo que as partes entenderem desde que de acordo com os
termos do art.280 do CC, tendo que existir uma colaboração devida entre as partes na fixação do objeto
obrigacional.
h) Quanto à oponibilidade:
Os Direitos Reais, têm caráter absoluto, de eficácia real e consequentemente são de oponibilidade “Erga
Omnes”, impõem à coletividade um dever geral de abstenção, são oponíveis a toda e qualquer pessoa que
possa interferir ou entrar em relação com a coisa, podendo o seu titular ir buscar a coisa onde ela se encontrar
e fazer valer o seu direito, reivindicando-a, esta faculdade surge por força do direito de sequela. Esta eficácia
absoluta dos Direitos Reais está positivada nos art.413, art.421 e art. 1305 do CC.
O direito das obrigações tem caráter relativo, sendo apenas oponível entre partes, tem eficácia somente
perante os sujeitos da relação obrigacional concreta, tal como se retira da análise do art.406, nº2 do CC
i) Quanto à Violação:
O Direito Real é violado por via de uma ação, por via de um fazer, uma vez que o dever geral é de abstenção.
Por exemplo, quando alguém invade uma propriedade privada. O Direito das Obrigações é violado por uma
omissão, pelo não cumprimento de uma determinada prestação, pelo não cumprimento do estipulado no
conteúdo do objeto obrigacional. Por exemplo, eu comprei um computador, paguei-o, no entanto, o vendedor
não me entregou o computador
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Segundo o art.202, nº1 do CC, coisa é “tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”, no entanto este
acaba por ser um conceito muito amplo, por um lado, porque nem tudo o que é objeto de relações jurídicas
pode ser qualificado como coisa e por outro lado demasiado restrito, porque existem coisas que não podem
ser objeto de relações jurídicas. Nesse sentido vem logo o nº2 do art.202 do CC, postular que se consideram
fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram
em domínio público e as que devido à sua natureza são insuscetíveis de apropriação individual.
Coisa é todo o bem suscetível de ser objeto de um domínio permanente e completo, na medida em que versa
sobre todas as utilidades que o bem possa possuir. O elemento permanente é incompatível com o conceito de
pessoa, portanto, só é “coisa” aquilo que não é pessoa e que seja suscetível de constituir um objeto de
apropriação exclusiva, neste conceito podemos incluir os animais, apesar da sua descoisificação, mantém-se a
possibilidade de serem objeto de direitos, tal como se retira do artigo 1305-A do CC.
Direitos sobre a pessoa de outrem: estes atribuem ao titular um poder direto e imediato sobre
a pessoa de outrem. Neste caso, tanto o titular, como o objeto do direito são pessoas, mas
pessoas distintas, contudo estes direitos visam apenas tutelar a pessoa objeto do direito em
causa enquanto ser em desenvolvimento, são os chamados “poderes-deveres”, de carácter
excecional, uma vez que estes não visam a satisfação do titular do direito, mas sim a satisfação
da pessoa objeto desse direito, ou seja, não se verifica uma coisificação da pessoa, uma vez que
o direito sobre a pessoa à qual se refere o objeto, não concede ao seu titular uma apropriação,
um poder absoluto, não existe aqui uma propriedade, mas sim um falso poder, digo um falso
poder, porque apesar de existir um poder sobre a pessoa, esse poder só pode ser exercido de
forma legitima se forem observados os interesses da pessoa tutelada, ou seja, acaba por se
traduzir num poder vinculado ao interesse da outra pessoa, falamos por exemplo, do poder
paternal e da tutela.
As prestações: são o objeto necessário dos direitos relativos, como os direitos de crédito. As
prestações não são coisas porque são atos indissociáveis da própria pessoa. É a pessoa que se obriga
a entregar uma coisa e vendê-la.
As situações economicamente não autónomas: são situações que não têm existência jurídica
própria, logo, não podem ser objeto de um domínio, apesar de terem natureza patrimonial. Por
exemplo: os clientes de um estabelecimento comercial.
A classificação das coisas encontra-se postulada no art.203 do CC, quando nos refere que “as coisas são imóveis
ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis,
principais ou acessórias, presentes ou futuras.”
A classificação mais importante no que concerne ao direito real é a distinção entre coisa corpórea e coisa
incorpórea.
As coisas corpóreas são aquelas que pela sua própria substância pode ser perseguida pela vista ou pelo tato,
podendo enquadrar-se neste conceito as coisas móveis, imóveis ou coisas andantes ou moventes, como por
exemplo um animal.
As coisas corpóreas caraterizam-se pela sua existência exterior e devem ser suscetíveis de apropriação física,
podendo nesse sentido o homem exercer a sua força física sobre ela, podem ser tocadas.
As coisas corpóreas são uma realidade física, que requerem certos pressupostos, tais como a existência
autónoma, idoneidade e devem ser apropriáveis.
As coisas incorpóreas são aquelas que não é possível tocar, não existem fisicamente, por vezes provêm do
lado intelectual, ligados á personalidade, por exemplo, a liberdade, a eletricidade.
As coisas imóveis estão postuladas no art.204 do CC, onde o legislador se limita a enumerá-las taxativamente.
Nas coisas imóveis enquadram-se então os prédios, as árvores e arbustos (frutos naturais enquanto ligados ao
solo), as águas (prédios), os direitos inerentes aos imóveis.
Os prédios urbanos, que são imóveis por ação do homem, são definidos como “qualquer edifício incorporado no
solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”, conforme o disposto no artigo 204.º nº 2.
Águas:
As águas encontram-se previstas no art.204, nº1, alínea b), enquadrando-se neste conceito as águas
particulares (art. 1386º CC) e desintegradas dos prédios por lei ou negócio jurídico. As águas que estejam em
movimento, não deixam de se considerar imóveis e parte integrante deste conceito, porque se encontram
delimitadas pelo leito e pelas margens do respetivo curso.
O código civil prevê as coisas compostas no art.206, nº1 e as coisas simples no art.206, nº2, no entanto, não
as define concretamente.
As coisas compostas são uma “universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis, que pertencendo à mesma
pessoa, têm um destino unitário”. Neste conceito favorece-se o tratamento unitário de um conjunto de coisas, que
individualmente podem também ser objeto de situações jurídicas, no entanto, pertencendo à mesma pessoa,
podem ser unidas para um único fim, por exemplo um rebanho de 25 ovelhas, podem ser vendidas todas em
conjunto, mas também podem ser vendidas individualmente. As coisas compostas resultam da agregação de
várias coisas simples que conservam a sua individualidade económica em separado, no entanto podem ser
usadas de forma unitária (biblioteca, coleção de moedas)
As coisas fungíveis encontram-se previstas no art.207 do CC, que define que são aquelas “que se determinam
pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objeto de relações jurídicas”, enquadrando-se neste
conceito as coisas corpóreas que intervêm nas relações jurídicas “in genere”, ou seja, são identificadas somente
por certas notas genéricas, por exemplo, pelo peso, contagem, medição. São coisas fungíveis as que são
passíveis de ser substituíveis por outras da mesma espécie, por exemplo o dinheiro, os móveis, podem ser
substituídos por outros iguais.
São coisas não fungíveis as que não podem ser substituídas por outras da mesma espécie. A infungibilidade
pode surgir devido a ligações sentimentais por exemplo.
Só se distingue se a coisa é fungível ou não fungível, se olharmos para a situação concreta, por exemplo, uma
moeda pode ser fungível, mas se for uma moeda de coleção, já pode não ser substituível por outra, passando
a considerar-se não fungível. Um telemóvel, é em princípio fungível, mas nele pode conter fotografias que são
impossíveis de recuperar, logo passa a considerar-se não fungível.
O código civil prevê as coisas consumíveis no art.208, definindo-as como aquelas “cujo uso regular
importa a sua destruição ou a sua alienação”.
As coisas consumíveis, são coisas corpóreas que se desgastam com a sua utilização, consomem-se, podendo
esse consumo ser material ou jurídico. O consumo material, é a própria destruição material da coisa, o consumo
jurídico pode suceder pela transferência da coisa para outra pessoa, ou seja, a coisa sai do património da
pessoa.
As coisas não consumíveis, são aquelas cuja utilização de harmonia com o seu destino não importa consumo
nem material, nem civil, pode até existir uma deterioração, mas é uma deterioração muito mais lenta.
Esta distinção tem especial interesse prático no regime do usufruto, falando-se de quase usufruto quando o
seu objeto é constituído por coisas consumíveis.
A qualificação de coisa consumível ou não consumível, pode depender da vontade das partes e da utilidade
que é dada a essa coisa, por exemplo, uma vela pode ser consumível se for usada para iluminar uma sala, mas
pode ser não consumível se for usada meramente como decoração.
As coisas divisíveis segundo o art.209, são as “que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância,
diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”.
São divisíveis as coisas que podem ser divisíveis sem perder o seu valor, a sua substância, por exemplo a
gasolina.
As coisas indivisíveis são aquelas que se forem divididas existe uma alteração da sua substância, da sua forma
e o seu valor diminui, deixando de se adequar ao uso a que se destinava. Por exemplo um avião, pode ser
dividido, no entanto, deixa de servir para aquele fim que seria voar, perdeu a sua substância e o seu valor
económico.
São coisas principais quando o negócio tem por objeto a coisa principal, por exemplo, uma casa, as coisas
acessórias podem ser os móveis ou um quadro que está no interior da casa. Nos termos do nº2 quando se
negoceia o objeto principal, esse negócio não abarca as coisas acessórias, salvo se for isso acordado.
As coisas acessórias encontram-se previstas no art.210, nº1 do CC, definido que “são coisas acessórias ou
pertenças as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afetadas por forma duradoura ao
serviço ou ornamentação de uma outra”. As coisas acessórias estão ligadas às coisas principais pelo fator económico
As coisas futuras surgem no art.211 do Código Civil e são definidas como coisas “que não estão em poder do
disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial”.
Esta definição delimita-se por quatro pressupostos:
As coisas ainda não existem, mas são determináveis, caso contrário iriam colidir com o art.280 do Código
Civil.
As coisas ainda não estão no poder do disponente, mas irão estar (por exemplo um bem que vai herdar)
O disponente fica obrigado às diligências necessárias para que as coisas futuras se tornem presentes
(art.880 do CC).
Os efeitos do negócio jurídico só são despoletados quando a parte que negoceia toma posse dessa coisa
futura, ou seja, o negócio só se concluiu quando a coisa estiver no poder da parte interessada.
Frutos é tudo o que provem da coisa, pode ser uma renda (fruto civil), ou uma fruta proveniente de uma
cultura (frutos naturais), art.212 do CC.
Segundo o art.212, nº1 do CC, o fruto é uma coisa que provém periodicamente de outra e que não altera a
substância dessa outra.
Os frutos naturais provêm de coisas frutíferas, como por exemplo as frutas das árvores, as crias dos animais,
relvando-se que na coisa composta o fruto é o excesso, ou seja, só é tido como fruto o que sobra depois de
descontado o necessário para a manutenção da coisa frutífera. Por exemplo um rebanho de ovelhas, nascem 5
crias, mas morrem 3 ovelhas, então os frutos são apenas 2 crias, os outros compensam as que morreram,
art.112, nº3 do CC.
Os frutos civis, são por exemplo as rendas que se obtém de um arrendamento de um de prédio, os juros de
uma aplicação bancária. Nos frutos civis aplica-se o disposto no art.121, nº3 do CC, por exemplo, numa aplicação
de capital, os rendimentos só devem ser considerados frutos depois de deduzido o que for necessário à
reposição do capital, num caso em que os juros compensem a inflação.
Os frutos Pendentes, são aqueles que ainda estão integrados na coisa principal e não têm autonomia.
Em princípio os frutos pertencem ao proprietário da coisa frutífera, atendendo ao momento da colheita.
As coisas produzidas aleatoriamente e as que sejam com prejuízo ou detrimento da substância da coisa são
tidas juridicamente como produtos da coisa principal e não como frutos.
As benfeitorias encontram-se previstas no art.216 que define no seu nº1 que são “todas as despesas feitas para
conservar ou melhorar a coisa”.
As benfeitorias são as intervenções que incidem sobre uma coisa que já existe, dessa intervenção surgem
certas despesas, que tiveram por objetivo conservar ou melhorar essa coisa sobre qual recaiu a intervenção.
Pressupostos para a intervenção ser considerada benfeitoria:
A intervenção tem que ser necessária, útil ou voluptuária (art.216, nº2 do CC)
O art.216, nº3 do CC, define os conceitos de cada uma das benfeitorias:
Necessárias são as que têm por objetivo evitar a perda ou destruição da coisa, por exemplo
quando se faz uma reparação porque chove dentro do apartamento
Úteis são as que não são indispensáveis para a conservação, no entanto aumentam o valor da
coisa, por exemplo pinta-se a casa porque ficou manchada devido á humidade da chuva.
Voluptuárias, não são indispensáveis nem aumentam o valor da coisa, são apenas para recreio do
autor da benfeitoria (para se entreter, passar o tempo). Por exemplo, muda os puxadores dos
móveis estão novos, mas ele quer mudar porque acha os outros mais bonitos, não é uma alteração
necessária porque os outros puxadores estavam novos, não é útil porque não aumenta o valor do
móvel.
Quando as despesas não são feitas pelo proprietário da coisa, quem as faz tem o direito a ser reembolsado se
elas forem necessárias, mas não se forem voluptuárias.
A figura jurídica dos animais surge no âmbito da lei nº 8/2017, que tem por objetivo primordial descoisificar
os animais, aproximando-os mais das pessoas do que das coisas. Esta alteração veio-se espelhar no código civil
nos art. 201-B, art. 201-C e no art.201-D, que identificam os animais como seres vivos dotados de sensibilidade.
O que se releva aqui é a tutela da sensibilidade, enquanto natureza jurídica especial que confere um tratamento
autónomo aos animais no plano jurídico, ou seja, é a sensibilidade que autonomiza os animais, que os retira da
figura jurídica das coisas.
Os animais, acabam por não se enquadrar nas pessoas, porque a sensibilidade dos animais, é distinta, não
tem a mesma dimensão da sensibilidade das pessoas, mas também não se enquadram nas coisas, devido a essa
caraterística que as distancia das coisas, é uma figura jurídica que no meu ponto de vista está no meio das
pessoas e das coisas, diria que tem um regime especial, uma vez que não é pessoa, porque os animais podem
ser objeto de relações jurídicas, podem ser objeto de comércio, mas também não podemos chamar de coisa
devido ás suas características especiais e por esse motivo são objeto de tutela jurídica de forma diferenciada
das coisas, tendo inclusivamente esta alteração, repercussões no código penal e no direito de família.
Subjacente a esta alteração na figura jurídica dos animais está a tutela da afetividade das pessoas pelos
animais que veio influenciar esta descoisificação dos animais. Os animais não são tutelados per si porque são
sensíveis, mas é um complemento ao desenvolvimento do bem-estar da pessoa humana e, nessa medida, há
aqui um objeto que não se identifica com a pessoa e que o Direito protege, são os laços afetivos entre os animais
e pessoas. Temos um regime que por vezes aproxima os animais das coisas, no entanto, existe aquela ressalva
de se aplicarem as regras apenas de acordo com a natureza própria dos animais, ou seja, o dono do animal tem
o direito de propriedade sobre ele, mas não goza dos mesmos poderes que goza de uma determinada coisa,
que não seja animal. Uma das características dos direitos reais é o poder de gozar, fruir e destruir a coisa, o
poder absoluto sobre a coisa manifesta-se nestas faculdades, no entanto, no que concerne aos animais, isto
não sucede desta forma, impondo a lei um dever de cuidado especial aos donos dos animais, como por exemplo
o trato e a obrigação de os alimentar.
Em suma, podemos afirmar que no caso dos animais, temos um direito de propriedade com um conteúdo
claramente diferente do clássico direito sobre as coisas e que tem algumas semelhanças com os direitos de
personalidade, nomeadamente com os poderes sobre pessoa de outrem.
A lei nº 8/2017, introduz poderes-deveres, na medida em que obriga não só os donos, mas também terceiros,
a ter especial cuidado com os animais, nessa medida, podemos afirmar que estamos perante um regime
especial, um direito de propriedade com um dever de cuidado.
Se o artigo 202.º-D remete para o domínio das coisas, significa que os animais continuam a ser objeto de
posse, de usucapião, de aquisição originária (ocupação), de usufruto, ou seja, de todos os direitos inerentes a
coisas móveis.
A pesar da descoisificação, os animais continuam a ser tratados como propriedade, continuam a ser objeto
de comercialização tal como se retira do art.1305-A do CC.
O art. 202, nº2 do CC, faz desde logo uma limitação ao afirmar que se consideram fora do comércio as coisas
que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que
são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual. Não podem ser objeto de direito real:
As coisas naturais que são insuscetíveis de apropriação individual, por exemplo, lua, sol
As coisas jurídicas, que não se enquadrem em situações jurídicas privadas, por exemplo as coisas de
domínio público.
O art. 1302 do CC, por sua vez vem definir que o objeto de direitos reais é uma coisa corpórea, imóvel ou
móvel.
O direito real, é um direito subjetivo, que tem como objeto uma coisa corpórea, móvel, imóvel ou andante.
O escopo legal do direito real é o aproveitamento da coisa, esse aproveitamento, no entanto, varia, em termos
de grau, nos vários tipos de direitos reais. É a própria ordem jurídica que limita o conteúdo do aproveitamento
dos direitos reais, ou seja, é a própria ordem jurídica que, ao estipular o princípio da tipicidade, não permite ao
titular do direito real modelar, discricionariamente, o conteúdo de aproveitamento da coisa, que o direito lhe
confere.
Ao aproveitamento da coisa, conteúdo do direito real, pertencem todas as situações jurídicas ativas e passivas,
que o regime determina para cada direito real. As situações jurídicas ativas sobressaem às situações passivas,
sendo que o direito real representa uma situação jurídica complexa de sinal positivo. Do aproveitamento do
conteúdo do direito real surgem vários poderes e faculdades e não direitos, como alude o art. 1305 do CC:
Os poderes são situações jurídicas simples, que não permitem decomposição, logo, o uso e a fruição são
poderes.
A faculdade, por sua vez, tem maior extensão que o poder e pode ser decomposta em várias
situações jurídicas simples; a disposição é, assim, uma faculdade, que pode ser decomposta em
alienação, oneração e renúncia do direito.
O conceito de direito real pode ser essencialmente delimitado em função do aproveitamento da coisa
corpórea, que por sua vez deve ser entendida juntamente com o significado material do princípio da
especialidade, uma vez que para as coisas serem objeto de direitos reais devem ser corpóreas, atuais,
autónomas, determinadas e individuais.
O aproveitamento da coisa corpórea por si só, não permite qualificar um direito como direito real, porque
existem outros direitos que conferem aproveitamento da coisa, mas não se enquadram nos direitos reais, por
exemplo uma relação de compra e venda, leva ao aproveitamento da coisa, mas existe colaboração devida
entre as partes, configurando-se nesse sentido um direito obrigacional.
No direito real o que se releva é o aproveitamento ligado à coisa objeto, cujo direito se reporta e a posição do
titular do direito.
Os direitos reais de acordo com as suas caraterísticas e de acordo com o aproveitamento da coisa, agrupam-
se em categorias, que se designam pela tripartição em função do conteúdo de aproveitamento.
Direitos reais de gozo, cujo aproveitamento da coisa é o gozo
Direitos reais de garantia, cujo aproveitamento da coisa é a garantia de cumprimento de uma obrigação.
Direitos reais de aquisição: o aproveitamento da coisa é a possibilidade de aquisição de outro direito.
Os direitos reais apresentam-se em três modalidades distintas, direitos reais de gozo, direitos reais de garantia
e direitos reais de aquisição, sendo certo que esta distinção acaba por se materializar mediante o
aproveitamento da coisa.
A função dos direitos reais é a atribuição da afetação de uma coisa a uma determinada pessoa, para que essa
pessoa possa tirar utilidade dela, possa tirar aproveitamento da coisa.
Autonomia dos Direitos reais:
Todos estes direitos, ou modalidades de direitos, dependem do direito de propriedade, coexistem com o
direito de propriedade, apesar de se reconhecer que os direitos reais de gozo dispõem de uma maior autonomia
que os direitos das restantes modalidades, porque estes apenas dependem do direito de propriedade. O direito
real de garantia, depende do direito de propriedade, na medida em que o sujeito tem que ter um poder de
facto sobre a coisa para a poder colocar como garantia e depende ainda do cumprimento de uma obrigação,
existem por causa dessa obrigação, só podem ser exercidos se essa obrigação for incumprida e extinguem-se
com o seu cumprimento. Os direitos reais de aquisição dependem de outro direito real, por exemplo de um
direito de preferência e esgotam-se quando essa aquisição se consumar.
Nem os direitos reais de garantia, nem os direitos reais de aquisição conferem direitos de gozo, apesar de
concorrerem para definir a dominialidade dos bens. Só os direitos de gozo organizam estavelmente as
infraestruturas socioeconómicas ou realizam verdadeiramente a ordenação de domínio.
Os direitos reais de gozo ou os direitos reais principais ou finais, atribuem ao seu titular o aproveitamento da
coisa através de um conjunto de poderes ou faculdades, como o uso, a fruição ou a disposição da coisa corpórea
na qual incide o direito, ou seja, por outras palavras o titular tem o poder para utilizar, total ou parcialmente a
coisa, e por vezes a faculdade de se apropriar total ou parcialmente dos frutos produzidos por essa coisa. Os
direitos reais de gozo conferem uma efetiva utilização da coisa e apropriação dos seus frutos, têm existência
própria, não dependem de outros direitos. O poder de gozo, não se esgota meramente no gozo das coisas,
podendo este poder estender-se ou encolher-se nos termos do princípio da elasticidade e conforme o direito a
que esse poder está adstrito.
Os direitos reais de gozo satisfazem uma função económica que se manifesta numa trilogia clássica, ou seja,
o titular dispõe de um conjunto de poderes:
Direito de usar, Ius utendi, traduz-se no poder de utilizar a coisa, de gozar da coisa
Direito de fruição, Ius fruendi, que se traduz no poder de retirar as utilidades que a coisa produz
periodicamente, ou seja, o titular goza dos frutos que provêm da coisa
Direito de disposição, ius abutendi, que se traduz no poder material de transformação da coisa e nos
poderes jurídicos de alienar, onerar e renunciar.
Os direitos reais de garantia ou de proteção são aqueles que embora constituindo verdadeiros direitos reais,
existem não para conferir ao titular um autêntico gozo dos bens, mas para lhe garantir a cobrança de um
crédito. São direitos de garantia que surgem no âmbito dos direitos de crédito, pelo que conferem ao credor o
direito de executar a coisa, rendimentos, bens do devedor ou de terceiros e com preferência sobre os demais
credores do devedor que não tenham essa preferência.
O titular do direito de garantia, como o próprio nome indica, garante a realização de determinado valor em
dinheiro, com a execução da coisa, sobre qual incide o direito, assegurando-lhe um aproveitamento indireto da
coisa, no sentido apenas de assegurar o cumprimento da obrigação.
Os direitos reais de garantia são indissociáveis de uma relação de crédito (credor-devedor), motivo pelo qual
apesar de se tratarem de direitos reais alguns estão previstos no Livro das Obrigações, deste modo, não
havendo direito de crédito não pode haver direito real, é um direito acessório no sentido de que para se
constituir é necessário que haja uma relação obrigacional e extinguindo-se essa obrigação extingue-se
imediatamente o direito real de garantia.
Os direitos reais de garantia não concedem regra geral o direito de gozo, salvo se esse direito for autorizado,
tal como não concedem geralmente a posse da coisa ao credor, contudo há casos excecionais que pode conferir,
por exemplo no penhor, por forma a proteger a coisa da deterioração (art.671, alínea b) do CC).
A noção de direito real de garantia leva-nos a aludir por exemplo ao contrato-promessa com eficácia
real, às preferências reais (convencionais ou legais) e aos direitos potestativos.
Os direitos reais de aquisição, são aqueles que conferem ao titular a possibilidade de, pelo exercício desse
mesmo direito, vir a adquirir um direito real seja de gozo, seja de garantia e excecionalmente de crédito (no
âmbito do arrendamento), sobre determinada coisa. Estes direitos podem ter origem legal ou convencional.
Em matéria de direitos reais a nossa lei confere algumas situações de aquisição potestativa, é o direito de
adquirir um direito real que se impõe a um sujeito.
Exemplos de direitos reais de aquisição:
Os pactos de preferência com eficácia real,
Contrato promessa com eficácia real
A propriedade, é o direito mais amplo, aquilo que podemos chamar de direitos reais maiores, uma vez que o
seu conteúdo engloba todos os outros direitos possíveis, que são ramos ou partes destacadas do direito de
propriedade.
O direito de propriedade além de ser uma referência para os outros direitos reais, é também o suporte de
toda a organização do domínio, o que lhe confere um caráter essencial, mostrando ser a única forma com
capacidade expansiva para realizar plenamente e autonomamente esse domínio, extraindo todas as vantagens
do bem que esse direito inclui. É o direito de propriedade que comanda toda a lógica e as vicissitudes dominiais
dos direitos reais
O direito de propriedade está sempre presente e com ele podem coexistir outros direitos reais menores.
O conceito de direitos reais menores, abarca todos os outros direitos reais que não integrem o direito de
propriedade.
Os direitos reais menores coexistem com o direito de propriedade, limitando o seu alcance, limitando as
faculdades do proprietário, por exemplo, se o Manuel é proprietário de um apartamento, mas constitui
usufruto desse apartamento ao José, os dois direitos vão coexistir, o Manuel mantém a titularidade da
propriedade, no entanto, fica limitado, não pode fazer tudo o que entender do apartamento, porque deve
respeita o usufruto que concedeu ao José.
* Nu proprietário – O Manuel no exemplo, passa a ser o nu proprietário, ou seja, apenas tem a propriedade
do apartamento, o usufruto é do José. Quando o usufruto terminar o Manuel volta a ser pleno proprietário.
As obrigações reais e os ónus reais são situações jurídicas, pelas quais o sujeito ativo ou passivo é determinado
em virtude da titularidade de um direito real, ou seja, por serem titulares de um direito real, são-lhes atribuídas
obrigações ou direitos em relação a outrém.
As obrigações reais também se podem designar por obrigações propter rem e são encargos que recaem sobre
o titular do direito real, ou seja, é o vínculo jurídico pelo qual o titular de um direito real está adstrito a realizar
uma prestação positiva (dare, facere), perante outra pessoa. A obrigação real é uma obrigação cujo respetivo
devedor é determinado pela relação funcional que tem com determinado direito real, na medida em que é a
partir da titularidade do direito real que se determina quem é o devedor, ou seja, a obrigação é atribuída ao
titular daquele direito naquele momento, podendo dessa forma afirmar que o sujeito passivo desta obrigação
é ou pode ser variável, correspondendo a obrigação ao sujeito que for titular do direito naquele momento,
assumindo-a apenas por causa dessa titularidade. Por exemplo, no caso da propriedade horizontal, tem que se
pagar o condomínio, que é uma obrigação real imposta por lei que está juridicamente ligada à titularidade da
fração. Ou no caso da compropriedade em que ambos os proprietários estão obrigados à administração da
coisa, são obrigações.
As obrigações reais são verdadeiras obrigações que vinculam o titular do direito real ao cumprimento de certa
prestação perante outra pessoa, ou seja, são obrigações e por isso são inerentes ao direito das obrigações,
contudo, atendendo ao seu caráter acessório, à sua dependência para com o direito real em si, existindo apenas
na medida em que existe esse direito real, podemos afirmar que esta obrigação integra o conteúdo do direito
real, unindo-se ao seu núcleo essencial, acompanhando-o em todas as suas vicissitudes e por isso acabam por
surgir também alguns desvios relativamente ao regime geral das obrigações, tais como:
A subordinação ao princípio do numerus clausus;
No que concerne à prescrição, podemos afirmar que enquanto se verificarem os seus pressupostos a
obrigação real mantém-se
Renúncia liberatória, ato pelo qual o devedor põe o direito real à disposição do credor, extinguindo
automaticamente a sua obrigação real.
Exemplos de situações em que surgem obrigações propter rem no âmbito dos direitos reais:
Comproprietários (art. 1411º/1);
É ainda de referir que a obrigação real não deve ser confundida com a obrigação que resulta da
responsabilidade extracontratual, fruto de um dano causado culposamente a um direito real, que são
obrigações que incidem em indemnizações, uma vez que as obrigações reais não pressupõem necessariamente
um ato ilícito, culposo e danoso do agente.
A doutrina divide-se em relação à natureza das obrigações reais, sendo que podemos
destacar 4 posições:
Teoria Realista: correspondem a verdadeiros direitos reais, uma vez que não há obstáculos a que o
direito real tenha por objeto um facere, podendo haver direitos reais in faciendo, são geradas pela
propriedade e resultam duma oneração dessa propriedade; são inerentes às coisas e não às pessoas.
Teoria Personalista: correspondem a verdadeiras obrigações, uma vez que nelas existe o dever de
uma pessoa realizar uma prestação, sendo consequentemente submetidas ao regime geral das
obrigações; especialidade da pessoa do devedor é determinada através da relação com a coisa, mas,
não há direito real pois não há atribuição de direito sobre essa coisa (que serve apenas para
determinar o sujeito passivo da obrigação) e sim sobre uma prestação
Teoria Mista: têm uma natureza mista pois recolhem elementos dos direitos reais e dos direitos de
crédito, relação de natureza complexa
Teoria Relativa: correspondem a direitos reais ou direitos de crédito consoante o critério que se
adotasse, o da estrutura dos direitos e o da vinculação e pertença do titular em relação a uma coisa
determinada
O ónus real é uma situação jurídica real, que se define pela existência de uma relação que tem um encargo,
que incide diretamente sobre determinada coisa, coisa essa, que é simultaneamente objeto do encargo e objeto
do direito real, ou seja, a coisa responde por uma obrigação, mesmo após a sua transmissão. O ónus real é uma
situação jurídica complexa, na medida em que se traduz por um lado numa prestação de dare, em valor
pecuniário ou em género e por outro lado é um encargo goza de privilégio creditório, impondo-se ao titular de
um direito real, em benefício de outra pessoa a favor da qual o ónus é constituída. O credor pode executar este
ónus independente do seu titular atual, uma vez que o direito responde pela divida mesmo após a sua
transmissão, por esse motivo, o novo titular sente a necessidade de cumprir uma obrigação que não é sua, para
evitar perder a vantagem que tem sobre o direito real. A transmissão do direito real não transmite diretamente
consigo o ónus, no entanto o novo titular do direito encontra-se sujeito aos efeitos jurídicos que esse ónus
possa despoletar, independente de não ser o responsável direto pelo ónus. Esta situação sucede porque o ónus
pode ser transformado numa prestação, pelo titular do encargo, em decorrência do não cumprimento da
obrigação pelo anterior titular do direito, uma vez enquanto credor tem o direito de preferência sobre esse
direito para pagamento do encargo que fundamenta o ónus.
O ónus real quando ativo é constituído por 2 elementos:
Direito a exigir periodicamente uma determinada prestação ao titular, na data do vencimento do direito
real de gozo sobre a coisa onerada;
Em sede executiva, a faculdade de obter a prestação à custa da coisa onerada, com preferência sobre
os credores que não apresentavam melhor garantia.
Por exemplo, o José não paga o IMI 3 meses, entretanto vende a moradia ao Manuel. O José continua a ser o
titular do encargo, neste caso o crédito fiscal, sendo que o Manuel nada deve às Finanças. Como o ónus real
atribui o direito de preferência e a divida goza de um privilégio creditório, as Finanças podem exercer esse
direito mesmo após a venda da moradia. A moradia responde pela divida mesmo após a sua transmissão, por
esse motivo, o Manuel sente a necessidade de cumprir a obrigação que inicialmente era do José, para não
perder a propriedade da moradia.
Os ónus reais possuem certas similitudes com as obrigações propter rem, na medida em que são constituídos
em virtude da titularidade de determinados direitos reais, aos quais permanecem ligados, contudo os ónus reais
não fazem parte do conteúdo do direito real. O ónus real atribui preferência no pagamento sobre a coisa que
constitui o encargo, estando assim acopulados a uma garantia real, pode vir a limitar o uso e o gozo do direito
real, enquanto nas obrigações propter rem não existe nenhuma garantia real. Os ónus reais não são meros
direitos reais de garantia, não se limitam a atribuir preferência no pagamento a um credor, acabando por
vincular o dono da coisa a uma verdadeira obrigação, que surge da titularidade dessa mesma coisa, ou seja, em
termos estritos os ónus reais não se transmitem para o novo titular do direito, o ónus não é atribuído
diretamente ao novo adquirente, contudo atendendo ao facto de que a coisa acaba por responder por esse
ónus, é objeto do direito real e em simultâneo objeto do ónus, o novo adquirente do direito real sente a
necessidade de responder pelo cumprimento de prestações anteriores, sente a necessidade de saldar um ónus
que à partida não seria um encargo seu, mas caso não o faça perde a vantagem sobre o direito real, o credor
pode executar a coisa para a converter no valor pecuniário em dívida, limitando dessa forma o uso e o gozo da
coisa ao novo adquirente, afetando-o de forma indireta. Por exemplo, o José vendeu uma moradia ao Manuel,
no entanto o José tinha uma dívida de IMI às finanças, caso o Manuel não pague essa dívida, as finanças podem
executar o imóvel para saldar essa dívida limitando o uso e o gozo do Manuel sobre a moradia, uma vez que as
finanças possuem um privilégio creditório.
Ónus reais têm a natureza de direitos reais, existe inerência, dado que se produziria uma afetação
jurídica de uma coisa a outrem, independentemente das situações jurídicas e materiais que afetem a
coisa; têm as características dos direitos reais.
Ónus reais têm a natureza de obrigações propter rem, são inerentes a uma coisa mas não são
funcionalmente dirigidos para o aproveitamento desta; não incidem sobre coisas e sim sobre
prestações.
Ónus reais têm a natureza de obrigações propter rem, acopuladas a direito real de
garantia, figura composta entre obrigação propter rem e garantia imobiliária; são créditos
constituídos propter rem a que se encontra associada uma garantia real, que incide sobre a coisa
gravada com o ónus.
Ónus reais são figura complexa com elementos reais e elementos obrigacionais, elementos
obrigacionais e reais que reagem uns sobre os outros criando um regime particular.
Os direitos reais, são direitos subjetivos de natureza privada, com caráter absoluto, natureza patrimonial e
respeita a coisa corpóreas.
Quando nos referimos à natureza privada do direito real, abrangemos o facto de o direito real integrar o
direito privado português, que enquanto ramo de direito mantém os sujeitos da relação numa situação de
paridade horizontal e trata de interesses privados, cujas normas regulam os termos da propriedade privada,
excluindo-se consequentemente do âmbito do direito real, todos os bens de domínio público, que apesar de
até poderem ser apropriáveis, não são suscetíveis de apropriação individual, tal como se retira desde logo do
nº2 do artigo 202 do Código Civil.
Sempre que nos encontremos diante de um sujeito que prossiga o interesse público e que no caso concreto
esteja munido de “ius imperium”, precisamente por forma a fazer prevalecer esse interesse público sobre o
interesse privado, não podemos estar no âmbito do direito real. Por exemplo, o Manuel quer construir uma
moradia, que integra o direito de propriedade privada, contudo, para se poder construir é necessário obter uma
autorização administrativa, essa autorização provém do direito público que acaba por limitar esse direito de
propriedade privada, acabando por nos levar perante uma colisão entre o interesse público e o interesse
privado, pelo qual irá prevalecer o interesse público.
A caraterística de absolutidade do Direito Real, surge pelo facto do titular de um direito real possuir um poder
direto e imediato sobre o objeto desse direito, sem necessidade de qualquer colaboração, o direito existe
apenas pela relação entre o seu titular e o próprio objeto, despoletando por isso uma obrigatoriedade de
abstenção geral, sendo de oponibilidade “erga omnes”, podendo o titular defender esse direito de qualquer
intervenção alheia e ir buscá-lo onde quer que ele esteja. Este caráter absoluto exterioriza-se e fundamenta-se
no princípio da absolutidade.
A caraterística da Absolutidade é uma das caraterísticas que separa os direitos reais, do direito das obrigações,
na medida em que o direito das obrigações é apenas oponível a terceiros que integrem essa relação jurídica.
A caraterística relativa ao objeto do direito real, prende-se com o facto de que o objeto do direito real
respeita a uma coisa corpórea (artigo 1302 do Código Civil), independentemente dessa coisa ser imóvel,
móvel ou andante. Esta caraterística permite-nos distinguir o direito real, em partícula o direito de
propriedade, do direito de propriedade intelectual cujo objeto respeita a coisas incorpóreas, por exemplo
uma patente, uma marca. A propriedade intelectual abrange ainda os direitos de propriedade industrial e os
direitos de autor.
III. Princípios gerais dos Direitos Reais:
Os princípios gerais ou inerentes aos Direitos reais, traduzem-se nas ideias gerais subjacentes ao próprio
ramo de direito, ou seja, são as ideias fundamentais que vêm orientar e reger o ramo dos Direitos Reais. São
estes princípios que permitiram a autonomização dos direitos reais enquanto ramo de direito independente,
permitem constituir um subsistema autónomo dentro do sistema geral da ordem jurídica portuguesa.
Os princípios gerais dos direitos reais, não servem de aplicabilidade direta à resolução de litígios, no âmbito
dos direitos reais, no entanto, servem de linha orientadora, estabelecem critérios lógicos, sistemáticos e
teleológicos, que vão auxiliar na interpretação dessas normas, favorecem a prossecução dos fins da justiça
propriamente dita.
O princípio numerus clausus encontra-se consagrado no art.1306 do Código Civil e visa regular o grau de
liberdade das partes relativamente aos tipos de direitos reais. Este princípio tem implícito o princípio da
tipicidade, na medida em que o próprio art.1306 define que “não é permitida a constituição, com carácter real, de
restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante
de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”, ou seja, apenas são admissíveis direitos reais
cujas figuras e respetivos conteúdos estejam previstas no Código Civil. Neste sentido podemos afirmar que os direitos
reais estão taxativamente enumerados no CC, que por sua vez delimita as figuras dos direitos e o seu conteúdo.
Análise ao art.1306:
“Não é permitida a constituição”, daqui retiramos desde logo, que é uma norma imperativa, proíbe a
existência de direitos reais além dos tipificados na lei,
Caráter real, mesmo que as partes queiram criar novos direitos reais, usando da sua autonomia privada,
este artigo nega-lhes a pretendida eficácia real
Tem natureza obrigacional, todos os direitos criados entre as partes no âmbito da sua autonomia
privada que não se encontrem tipificados como direitos reais, é-lhes atribuída natureza obrigacional.
No entanto, esta afirmação não é tão linear assim, pelo que não se pode somente interpretar a letra
da lei. Por exemplo, se as partes constituírem um usufruto que ultrapassa os limites previstos na lei, ou
seja cria-se uma figura de usufruto diferente da tipificada. Mas o artigo no seu início proíbe a
constituição de um usufruto diferente do tipificado, o que nos levava á nulidade do negócio por força
do art.294 do CC, ou seja, chegámos a uma contradição dentro do mesmo artigo. Nessa medida,
devemos, nos termos do princípio de aproveitamento dos negócios jurídicos, conjugar esta última parte
do art.1306 do CC com o art.293 do CC que prevê a figura da conversão. Esta conjugação vai permitir
que as partes transformem o negócio que inicialmente era inválido, noutro negócio válido, no entanto
é necessário atender aos requisitos impostos pelo próprio art.293, no que concerne às regras de forma
e vontade das partes. Para ser possível a conversão é necessário preencher os requisitos formais e
verificar se existe vontade real das partes. Se a conversão não for do interesse das partes, esta não se
realiza. Quando o legislador afirma que os negócios passam a ter natureza obrigacional, está a presumir
a vontade hipotética das partes, no sentido de que as partes querem um negócio obrigacional.
Nesta linha de pensamento, poderíamos afirmar que este princípio é um contrassenso, uma vez que vai
“chocar” com o princípio da liberdade contratual, no entanto, não é que essa afirmação seja totalmente
verdadeira ou possa ser seguida à risca, apesar de ser notório que o numerus clausus limita essa autonomia,
quando fixa quer o direito real, quer o seu conteúdo, restringindo os direitos reais apenas aos tipificados na
lei e com conteúdo permitido por lei. Relativamente ao conteúdo é verdade que é a lei que o define, mas
não o faz de forma concreta, não define concretamente a relação entre o sujeito e a coisa (licere), deixando
uma certa margem para surgir a autonomia das partes, podendo estas delimitar o conteúdo do direito, desde
que dentro daquela estrutura legal tipificada e não extravasem os parâmetros legais de cada direito. Por
exemplo, o art.1544 do CC define que “podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais”,
delimita a figura do direito e o seu conteúdo, no entanto, deixa uma certa liberdade para fixar a servidão,
deixando inclusivamente a possibilidade de ser eventual ou até mesmo futura, as partes podem de forma
autónoma delimitar o conteúdo do direito, desde que dentro dos limites tipificados.
Registo, uma vez que os direitos reais possuem oponibilidade erga omnes, poderia suceder que fossem
constituídos direitos reais com eficácia real que não fossem conhecidos pelos eventuais interessados,
nesse sentido surge o princípio numerus clausus a tipificar todos esses direitos.
Interesses de ordem pública e de paz social que poderiam ser ameaçados por um sistema que
consagrasse a criação livre de direitos reais.
Em suma:
Os direitos reais são tipos de direitos, têm um conjunto de caraterísticas que os definem e encontram-se
taxativamente tipificados na lei, no entanto, a lei não define o direito real em si, mas postula o seu
conteúdo, por exemplo a lei não define o direito de propriedade, mas define qual é o conteúdo do direito
de propriedade. A lei fixa os parâmetros, a liberdade de exercício, o gozo, fruição de cada um dos direitos,
ou seja, fixa tudo o que é essencial.
A tipicidade implica uma limitação do número de realidades que podem ser qualificadas como direito
real, não podendo os direitos reais resultar de costumes, jurisprudência ou da autonomia privada.
Os direitos reais têm por objeto uma coisa corpórea determinada, seja essa coisa imóvel ou móvel, não
podendo ser desassociada ou separada do direito real. Quando um direito real se constitui, tem determinada
coisa como objeto, estabelecendo-se a relação com base nesse objeto, não podendo desassociá-lo ou
transferi-lo para outra coisa.
O direito real é um direito que não necessita estar relacionado com outro sujeito além do seu titular, não
precisa existir um sujeito passivo na relação, tendo apenas como inerência a ligação entre a pessoa e a coisa
que é objeto do direito real, não sobrevivendo a relação jurídica caso a coisa se extinga, ou seja, não existe
direito real sem a coisa.
A inerência é a ligação íntima entre o direito real e a coisa que é seu objeto, tornando-se inseparáveis
enquanto o direito subsistir, podendo o seu titular perseguir essa coisa onde ela se encontrar. Podemos
constatar essa inerência no art.204, nº1, alínea d) do CC.
Corolários da Inerência:
1. Inseparabilidade do direito em relação à coisa, que se traduz na inseparabilidade do direito e da coisa,
o direito real nasce com o seu objeto determinado, vive e extingue-se com o objeto a que se encontra
ligado, caso o objeto se extinga o direito extingue-se também.
2. Oponibilidade Erga Omnes, esta oponibilidade consiste na imposição perante a coletividade de um
dever geral de abstenção, são oponíveis a toda e qualquer pessoa que possa interferir ou entrar em
relação com a coisa.
3. Direito de sequela, este direito acaba por surgir na sequência da oponibilidade erga omnes,
concedendo ao titular do direito real o poder de perseguir a coisa e reivindicá-la onde quer que ela
esteja, independentemente de todas as vicissitudes materiais.
a. A manifestação da oponibilidade nos direitos reais de gozo, verificam-se na ação de reivindicação
postulada no art.1311 do CC. a oponibilidade face a terceiro, esse efeito erga omnes, é observada
na própria execução contra o bem.
O bem já pode estar em mão de terceiros, mas ele continua a ser exequível. O direito de sequela e o
princípio da inerência estão presentes nesse facto. Por exemplo: num contrato de compra e venda pelo qual
o Manuel compra uma moradia, contudo essa moradia era objeto de uma hipoteca, ou seja, era uma garantia
real no empréstimo no banco e por isso, o banco no âmbito da sua ação de preferência creditória pode ir
buscar a coisa onde quer que ela esteja, independentemente de haver ou não contrato ou de haver ou não
alienação.
b. A manifestação da oponibilidade nos direitos reais de garantia, surge no âmbito da ação de
execução. Esta faculdade pertence ao titular do direito real, podendo exercê-la
independentemente da localização do direito real, onde quer que esse direito esteja.
c. A manifestação da oponibilidade nos direitos reais de aquisição, surgem no âmbito da ação de
preferência.
O direito real é uma situação jurídica absoluta, em particular é um direito subjetivo absoluto, não depende
de nenhuma outra situação, sendo o bastante a relação entre o seu titular e o próprio direito, ou seja, o
direito real depende unicamente de si, não depende de qualquer colaboração.
O direito real tem eficácia real é de oponibilidade “erga omnes”, é oponível a qualquer terceiro que coloque
em causa esse direito ou que interfira com o seu aproveitamento, podendo nesse sentido afirmar que a sua
defesa permite ao titular defender esse direito e fazê-lo valer perante qualquer um que o viole.
A obrigação passiva universal recai sobre todos os sujeitos que integrem ou que estejam sob a alçada do
ordenamento jurídico que reconhece o direito real, independentemente desses sujeitos estarem sob a alçada
desse ordenamento jurídico em caráter permanente (residente) ou estejam sob a sua alçada de forma
transitória (um estrangeiro que esteja de passagem). Por exemplo, um Francês vem passar férias a Portugal
e traz consigo um computador, este direito real é reconhecido pelo ordenamento jurídico português, nesse
sentido se alguém furtar esse computador o seu titular pode usar dos meios tutelares para defender esse
direito real.
A obrigação passiva recai então sobre todos os sujeitos que estejam sob a alçada de qualquer ordenamento
que reconheça o direito real, no caso supramencionado, em Portugal a obrigação passiva recaía sobre todos
aqueles que estivessem em território português, na França de igual forma a obrigação passiva universal
recaía sobre todos aqueles que estivessem sob a alçada do ordenamento jurídico francês. Esta delimitação
acaba por estar intimamente ligada ao princípio da territorialidade.
O princípio da boa-fé é um dos princípios fundamentais do direito civil, no entanto, no que concerne aos
direitos reais não assume uma grande relevância, prendendo-se apenas com o estado de espírito do agente,
o que consequentemente nos remete para dois domínios em específico, a posse e a usucapião, que
consoante o agente esteja de boa ou má-fé os efeitos podem ser distintos, ou por exemplo na usucapião os
prazos alteram consoante o agente ignore de forma desculpável ou não que está a lesar um terceiro no
momento da aquisição do direito real.
O princípio da territorialidade prende-se com o conceito de território definido no artigo 5 da CRP e com a
determinação da ordem jurídica que visa tutelar o direito real em causa, ou seja, todo e qualquer direito real
situado em território português é tutelado e regido pela ordem jurídica portuguesa, é o direito material
português que determina o regime jurídico dos direitos reais situados em território nacional, inclusivamente
as coisas móveis que se encontrem em Portugal ainda que o titular do direito seja um estrangeiro.
O princípio da causalidade não se confunde com o princípio da consensualidade apesar de que ambos se
prendem com a transmissão ou constituição de um direito real.
O princípio da causalidade prende-se com a validade do negócio transmissivo, com a forma como se adquire
o direito real e com a causa que fundamenta essa constituição.
A causa é todo e qualquer ato em que se manifeste uma vontade de transmitir ou de adquirir um direito
real, à partida referimo-nos aos modos de aquisição derivada pelas quais se requer consentimento das
partes.
A aquisição do direito real supõe a eficácia do negócio jurídico que o fundamenta, caso esse negócio seja
nulo ou vier a ser anulado, não existe aquisição ou transmissão de direito real.
O princípio da unidade, define que a aquisição do direito real se faz mediante um único negócio jurídico,
que é simultaneamente um negócio real e obrigacional, na medida em que num só negócio se transmite ou
adquire um direito real, mas faz-se mediante as regras obrigacionais, ou seja, existe colaboração entre as
partes para se transmitir esse direito e existe uma contrapartida a essa transmissão, ou seja, os efeitos reais
e obrigacionais têm o mesmo negócio jurídico como fonte.
O princípio da totalidade vem definir que o direito real afeta a totalidade da coisa que tem por objeto,
contudo este não é um princípio absoluto, tal como se retira do nº3 do artigo 1421 do Código Civil que se
refere às partes comuns do prédio, ou seja, é possível que se constitua um direito real sob parte de uma
coisa.
O direito real é um direito que se carateriza pela sua elasticidade, ou seja, o direito pode estender-se ou
comprimir-se consoante exista sobre ele um outro direito real, cuja existência determine certa
incompatibilidade entre eles, tornando-se necessário uma certa adaptação entre os direitos, daí a sua
elasticidade, os direitos podem coexistir, mas podem limitar-se mutuamente. Este princípio fundamenta-se
na existência de direitos reais maiores e direitos reais menores, que podem coexistir entre eles, como por
exemplo o direito de propriedade pode coexistir com um direito de usufruto, contudo um direito acaba por
limitar o outro, na medida em que o usufrutuário tem que respeitar os poderes do proprietário, mas por
outro lado o proprietário tem que respeitar os poderes do usufrutuário, desde logo, a possível perda de
usufruto dessa coisa, tornando-se num nu proprietário até que esse direito de usufruto se extinga.