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Contação de história e seus enlaces:


literatura, prática leitora e criatividade

Resumo: A literatura e sua prática são apresentadas como meio para desen- Antônia Sara Sammily Regis
volver inúmeras habilidades, dentre elas o autoconhecimento, a autonomia Paiva
Universidade Estadual do Rio
e a criatividade. Diante disso, é possível perceber o quanto ela pode ser Grande do Norte (UERN)
essencial na sala de aula de alfabetização, sendo trabalhada de forma pra- [email protected]
zerosa e instigante, através da contação de história. O presente artigo parte Keutre Gláudia da Conceição
de um estudo realizado com crianças em fase de alfabetização, que mostra Soares Bezerra.
Universidade Estadual do Rio
como a contação de história trabalhada como deleite pode incentivá-las Grande do Norte (UERN)
a desenvolver a prática leitora e seu amor pelos livros. É um trabalho de [email protected]
abordagem qualitativa, que utiliza como procedimento metodológico a obser-
vação participante e a aplicação de questionário para seu desenvolvimento.
O objetivo é incentivar e compreender a prática da leitura como formadora
do leitor por prazer, propiciar a autonomia dessas crianças; a ampliação da
criatividade e da imaginação infantil através da contação e do reconto de
histórias, formando leitores que possam interpretar e compreender o que
leem; despertar a curiosidade e possibilidade de diferenciação do mundo da
fantasia do mundo em que vivem, instigando, assim, a prática leitora. Os
resultados foram obtidos diante dos dados encontrados durante a contação
de história desenvolvida e do questionário de pesquisa aplicado. A conclusão
mostra a grande relevância da prática leitora que só passa a existir quando se
tem um elo entre família e escola, e sobretudo quando a criança é colocada
como ator principal nessa perspectiva, e também enfoca como o potencial
da imaginação e da criatividade tende a expandir quando aliado à literatura.
Palavras-chave: educação; meios de ensino; material de ensino; acervo
bibliográfico; livro de leitura.

Storrytelling and its links: literature, Reading practice


and creativity
Abstract: Literature and its practice are presented as a means to develop
numerous skills, among them self-knowledge, autonomy and creativity.
In view of this, it is possible to perceive how essential it is in the literacy
classroom, being worked in a pleasant and thought-provoking way, through
storytelling. This article is based on a study carried out with children in the
literacy phase, showing how storytelling worked as a delight can encourage
them to seek to develop their reading practice and their love for books. It is
a work with a qualitative approach, using participant observation and the
application of a questionnaire for its development as a methodological pro-
cedure. In order to encourage and understand the practice of reading as a
reader for pleasure, to provide the autonomy of these children; the expansion
of children’s creativity and imagination through the telling and retelling of
stories, forming readers who can interpret and understand what they read;
arouse curiosity and the possibility of differentiating the fantasy world from
the world in which they live, thus instigating the reading practice. The results
were obtained from the data found during the storytelling developed and the
applied research questionnaire. The conclusion shows the great relevance of
the reading practice that only comes into being when there is a link between
family and school, and especially when the child is placed as the main actor

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in this perspective, and also focuses on how the imagination and creative
potential tends to expand. when combined with literature.
Keywords: education; teaching means; teaching material; bibliographic
collection; reading book.

La narración y sus vínculos: literatura, práctica


lectora y creatividad
Resumen: La literatura y su práctica se presentan como un medio para desar-
rollar numerosas habilidades, entre ellas el autoconocimiento, la autonomía
y la creatividad. Ante esto, se puede ver cuán imprescindible puede ser en
el aula de alfabetización, trabajándose de forma amena y sugerente, a través
de la narración de cuentos. Este artículo se basa en un estudio realizado con
niños en fase de lectoescritura, que muestra cómo la narración de cuentos
funciona como un deleite que puede incentivarlos a desarrollar su práctica
lectora y su amor por los libros. Es un trabajo con enfoque cualitativo, que
utiliza la observación participante y la aplicación de un cuestionario como
procedimiento metodológico para su desarrollo. El objetivo es incentivar y
comprender la práctica de la lectura como una forma de formar lectores por
placer, dotando a estos niños de autonomía; la expansión de la creatividad y
la imaginación de los niños a través de la narración y el recontar, formando
lectores que puedan interpretar y comprender lo que leen; despertar la
curiosidad y la posibilidad de diferenciar el mundo de fantasía del mundo
en el que viven, instigando así la práctica lectora. Los resultados se obtu-
vieron a partir de los datos encontrados durante la narración desarrollada
y el cuestionario de investigación aplicado. La conclusión muestra la gran
relevancia de la práctica lectora que sólo se concreta cuando existe un vín-
culo entre la familia y la escuela, y especialmente cuando se coloca al niño
como actor principal en esta perspectiva, y también se enfoca en cómo el
potencial de la imaginación y la creatividad tiende a expandirse cuando se
combina con la literatura.
Palabras clave: educación; medios de enseñanza; material de enseñanza;
colección bibliográfica; libro de lectura.

Introdução
Sabemos que a criança em seu processo de alfabetização neces-
sita de todo um suporte e aparato da escola e de seus profissionais,
para que a prática da leitura aconteça rotineiramente e de forma
efetiva. Esta deve acontecer de maneira convidativa e lúdica, tornan-
do possível a aproximação da criança ao livro a partir do despertar
da curiosidade e da imaginação, proporcionando uma proximidade
íntima entre leitor e literatura, levando em consideração as mais
variadas expressões individuais.
Dessa forma, se fez necessário conhecer as crianças colabora-
doras da pesquisa para identificar qual a proximidade delas com
o mundo da leitura, se têm esse contato frequente, se o contato

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acontece em casa, ao lado da família, se existe esse incentivo com
momentos de leitura, se essas crianças gostam de ler, sentem-se
felizes ao ler, e como veem esse momento na escola, se é visto como
algo chato, sem interesse ou um momento convidativo e proveitoso.
Diante disso, o presente trabalho apresenta como a mediação
literária na sala de aula pode incentivar a criança a se desenvolver
além da prática leitora, como também possibilita um reconheci-
mento de si e das habilidades criativas, mostrando o quanto a ima-
ginação pode dar suporte e segurança no momento de interpretar
e apresentar argumentos pós-contação de história, corroborando
com práticas interdisciplinares e muitas vezes imperceptíveis no
cotidiano de desenvolvimento de cada aluno/a, mas que passam
a fazer a diferença no aprendizado e na rotina diária fora do am-
biente escolar.
Nessa perspectiva, trabalhamos um conto infantil já conhecido
e muitas vezes trabalhado em sala de aula, que pode ser apreciado
desde a educação infantil até a vida adulta, conhecido por muitas
crianças, senão todas, visto que costuma ser muitas vezes apre-
sentado em casa pelos pais/mães para seus/suas filhos/as, em
momentos espontâneos de conversas com as crianças e contações
de histórias.
Trata-se do conto Chapeuzinho Vermelho, apresentado na versão
dos Irmãos Grim, a partir do qual realizamos uma intervenção,
buscando observar e proporcionar a magia da leitura no cotidiano
de crianças em fase de alfabetização, oportunizando criar novos
olhares sobre a prática leitora, além de possibilitar a ampliação da
capacidade crítica, reflexiva e criativa delas.
A pesquisa foi desenvolvida com base em uma atividade de
contação de história. Escolhemos contar a história por considerar a
contação mais interativa do que a leitura em voz alta, bem como nas
conversas pós-contação. Além disso, analisamos um questionário
que as crianças responderam com facilidade por já saberem ler e
apresentarem capacidade de compreensão do que é lido. Embora
em alguns momentos tenham pedido ajuda para esclarecimento de
dúvidas, conseguiram responder de forma satisfatória o questionário.
É um trabalho de abordagem qualitativa, a partir de uma inter-
venção, utilizando como procedimento metodológico a observação
participativa e aplicação de questionário para seu desenvolvimento,
além da conversa pós-contação, que se configura como o momento
pós-leitura, de acordo com a proposta de Graves e Graves (1995), a

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partir da qual embasamos o desenvolvimento do momento de conta-
ção de histórias como uma forma de trabalhar com o texto literário.
Buscamos, como objetivo geral, incentivar e compreender a
prática da leitura como formadora do leitor por prazer, observando a
capacidade enriquecedora da autonomia das crianças e do processo
de criatividade e imaginação infantil, quando introduzida como
instrumento lúdico de aprendizagem. Além disso, temos, como
objetivos específicos, estimular e desenvolver a criatividade e a
imaginação através da contação e do reconto da história Chapeuzinho
Vermelho, no intuito de formar leitores que possam interpretar e
compreender aquilo se lê. Ademais, buscamos despertar a curio-
sidade e possibilidade de diferenciação entre o mundo da fantasia
e o mundo real, instigando, assim, a prática leitora.
A análise dos resultados foi realizada a partir de observações
durante a desenrolar da atividade, enfocando todo o processo da
contação de histórias, que envolveu os seguintes momentos: antes
da contação (pré-leitura), durante a contação (leitura), que trata
da narrativa da história contada oralmente pela pesquisadora, e o
momento pós-contação (pós-leitura), caracterizado pela participa-
ção das crianças em uma conversa sobre ao narrativa, (GRAVES;
GRAVES, 1995), além do reconto da história, que nesta atividade
se deu por meio de desenhos e pinturas. Vale salientar que neste
trabalho não apresentamos resultados oriundos dos desenhos e
pinturas, pois nos detivemos apenas ao momento da conversa e
às respostas do questionário.
Nesse sentido, constituem o corpus da presente investigação
as conversas que ocorreram em todo percurso da intervenção,
como também o questionário aplicado, com atenção ao posicio-
namento das crianças durante a conversa, buscando elementos
que pudessem sustentar a análise e nos levar a compreensão
da prática de leitura do texto literário como fator importante no
desencadeamento de expressões da imaginação e da criatividade
suscitadas pela história contada.
Como resultados, podemos perceber que a prática leitora pode
acontecer de forma efetiva quando existe um elo entre a família
e a escola no tocante ao incentivo à leitura, e sobretudo quando a
criança é colocada como ator principal nessa perspectiva, tendo a
contação de histórias como uma forte aliada nesse processo, pois
é uma forma auspiciosa de conduzir a criança até o mundo da lite-
ratura e, consequentemente, desenvolver o seu gosto pela leitura.

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A pesquisa teve como base teórica alguns autores, como Abra-
movich (2009), Amarilha (2012), Bezerra (2020), Graves e Graves
(1995), La Torre (2005), Sampaio (2015 e 2020), Villard (1999),
Vygotsky (1991), os quais contribuíram como suporte teórico na
compreensão do objeto de estudo, no desenvolvimento e aper-
feiçoamento das ideias e no desenvolvimento de todo o trabalho.
Por fim, essa pesquisa busca a compreensão de como a prática
da contação de histórias pode atuar como formadora do leitor por
prazer, a partir da mobilização da capacidade da autonomia das
crianças e do processo de criatividade e imaginação infantil incita-
dos pela narrativa literária, quando introduzida como instrumento
lúdico de formação.

Leitura, contação de histórias e a sala de aula


A prática leitora, assim como mostra Villard (1999), não é
apenas decodificar os símbolos escritos, ou como costumamos di-
zer “ler uma frase, ler um texto ou até mesmo um livro”. A prática
leitora vai além da conhecida decodificação das palavras, indo ao
encontro do que afirma Sampaio, Torres e Souza (2015, p. 12), ao
mencionarem que “a leitura possibilita ao leitor vivenciar mundos
encantados, mágicos, fascinantes, mas também o universo de de-
silusões, medos e angústias”.
Dessa forma, podemos compreender que a criança, ainda que
não decodifique as palavras, consegue desenvolver uma leitura
com base na interpretação, aguçando e fortalecendo o potencial de
criatividade, expondo na prática métodos de contar e de criar situ-
ações muitas vezes não percebidas pelos demais leitores. Assim, a
criança pode ler ao interpretar as imagens de um jornal ou desenho
em um livro, pois com isso está praticando a leitura e, acima de
tudo, está desenvolvendo e aperfeiçoando a capacidade criativa a
partir da imaginação, podendo, diante de tais fatos, estreitar laços
com a prática leitora desde cedo.
Conforme aponta Villard (1999, p. 03), “[...] o ato de ler é
fundamental não apenas na formação acadêmica do aluno, mas
também na formação do cidadão”, portanto, podemos ver que o
incentivo à leitura traz para o aluno, conhecimentos que vão para
além da sala de aula e que trazem em si todo um caráter formativo
do indivíduo. Com isso, podemos perceber que quanto mais cedo
a criança tiver o contato com o mundo literário, mas rápido será

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o aprendizado sobre o conhecimento de mundo e o autoconheci-
mento, podendo, então, influenciar em sua atuação na sociedade,
tornando-a agente modificadora do meio, com conhecimentos e
apontamentos significativos a respeito do que vivencia e presencia,
não se eximindo de responsabilidades e até mesmo atitudes por
falta de experiências. Ou seja, ler e conhecer são inseparáveis e
podem contribuir de forma ampla e contínua, tanto com o indiví-
duo como com a própria sociedade.
Esse pensamento encontra-se reafirmado em Sampaio, Torres
e Souza (2015, p. 13), ao abordarem que “pensar a leitura, no sen-
tido amplo, requer entendê-la como possibilidade de autoconhe-
cimento, por vezes negada, enquanto direito. O ato de ler, quando
favorece o engajamento do leitor, transporta-o a viagens por meio
do imaginário [...]”. Percebemos, então, como a leitura é capaz de
enriquecer o conhecimento do leitor e como essa prática faz com
que o indivíduo possa ampliar a capacidade imaginativa e assim
aguçar e engrandecer as práticas criativas.
Sabemos que a literatura na sala de aula ainda é uma prática
que deixa distante suas marcas para além dos contos e leituras na
escola, muitas vezes utilizadas de forma superficial em seus ob-
jetivos centrais, como o conhecimento de características do texto
literário, a leitura literária e a sua ligação com o tema trabalhado.
No entanto, consideramos que esse não deve ser o principal meio
e muito menos o fim de um trabalho de leitura literária em sala
de aula.
Concordamos com aquilo Amarilha (2012) apresenta, quando
relata que a literatura acaba se tornando um momento de apaziguar
as inquietações das crianças em sala, fugindo totalmente de seus
objetivos, que seriam conquistar as crianças e prender a atenção
nessas aventuras dos livros, nos contos, nas histórias. Dessa for-
ma, ao apresentar uma prática leitora em sala de aula, as crianças
devem sentir-se convidadas e participantes ativas desse processo.
Amarilha (2012) reforça ainda a necessária ligação entre o
narrador e o receptor, sendo necessária toda uma identificação com
o que se lê, através de gestos, sons, articulações, para que quem
esteja ouvindo possa sentir-se bem e envolvido nesse momento,
conquistando a atenção e admiração por quem ouve a história. Tais
momentos passam a ser vistos como parte integradora do cotidiano
de sala de aula, deixando cientes a necessidade de haver uma pre-
paração e maior envolvimento de todas as partes envolvidas, em

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que o narrador não existe sem o receptor e ambos se completam
em um trabalho prazeroso e com visíveis resultados.
Esse momento oportuniza à criança participar da interação, a
sentir-se influenciada pelo prazer de ler, pelo amor à leitura e tudo
que esta pode proporcionar. Como postulado, o processo literário, a
prática leitora e a contação de história são uma via de mão dupla,
como diz Abramovich (2009, p. 143):

Ao ler uma história a criança também desenvolve todo um


potencial crítico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, se
perguntar, questionar... Pode se sentir inquieta, cutucada,
querendo saber mais e melhor ou percebendo que se pode
mudar a opinião... E isso não sendo feito uma vez ao ano... Mas
fazendo parte da rotina escolar, sendo sistematizado, sempre
presente – o que não significa trabalhar em cima dum esquema
rígido e apenas repetitivo.

Tais postulados nos levam a pensar que onde existe uma íntima
ligação e troca de aprendizagem entre narrador e ouvintes, está
sendo posta também a oportunidades de favorecer a construção
do conhecimento, compartilhando aprendizagem e cultivando
sementes do aprendizado, com possível disseminação de grandes
fatores, como o interesse, a imaginação ampliada e a prática leito-
ra contínua. Essa é uma das possibilidades dadas pelo reconto, o
qual deixa a criança livre para reproduzir a imaginação nas mais
variadas formas e com direito a se reconhecer em tais momentos,
utilizando fatores internos e externos a seu favor e na ampliação
de sua capacidade compreensiva. Sobre isso, Bezerra (2020, p. 159)
entende que,

[...] faz-se necessário a mobilização de fatores como a emoção e a


entrega de quem executa a ação de contar histórias, visando com
isso despertar a emoção e a alegria do público, que ao interagir
na atividade de contação de histórias, favorece o crescimento
pessoal e profissional, indo ao encontro do que postula a teoria
histórico-cultural com relação ao desenvolvimento psicológico
do sujeito, bem como a visão de criatividade a partir deste
marco teórico.

Tudo isso só é possível se considerarmos a contação de história


como um processo que possibilita a construção do conhecimen-
to, de tal forma que é preciso toda uma participação entre quem

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conta e quem aprecia, visto que ambos se complementam e fazem
acontecer o encanto da contação, expressando de forma clara que
o conhecimento flui em conjunto com práticas muitas vezes vistas
como rotineiras.
O incentivo à leitura, o prazer de ler e a conquista da criança
pela literatura, é um caminho que necessita de suporte e muita
participação, que vai além dos portões da escola. Apresentando a
família como suporte inicial e indissociável da vida das crianças, as
quais necessitam de amparo, apoio e suporte em toda a trajetória
escolar. Percebemos isso conforme as palavras de Sampaio, Torres
e Souza (2015, p. 13, grifo das autoras), ao defenderem que,

Diante da necessidade real de incentivo pelo gosto de


ler, precisa-se considerar a formação do leitor como uma
atividade que deve ser assumida por diversas instituições
(família, escola, igreja, dentre outras) e não apenas uma
responsabilidade da escola, uma vez que dada a essa entidade
a função de ensinar a ler, a leitura se restringe, na maioria das
vezes, aos manuais didáticos, vista como enfadonha e pouco
atraente. Urge uma prática de leitura com engajamento dos
envolvidos, tornando-a parte constitutiva da condição de ser
dos sujeitos. Assim, é papel da escola criar possibilidades e/
ou condições para que a formação leitora e o gosto pela leitura
sejam, na prática, ações consolidadas.

Os estudos sobre literatura infantil revelam que a contação de


história influencia no ensino-aprendizagem e no desenvolvimento
da criança, pois a sede de conhecimento cresce a cada história
contada e a cada imaginação advinda. Essa influência traz inúme-
ros benefícios, dentre eles podemos citar a melhor compreensão
e interpretação de textos, notícias e até mesmo charges e imagens
em geral, melhor desenvolvimento na escrita e na fala, fatores esses
observados em primeiro momento apenas para quem trabalha em
sala de aula com objetivos centrados na disciplina lecionada, mas
que acontecem implicitamente em todos os momentos educativos,
nos quais a contação de história possa acontecer/existir, pois ela traz
muitos benefícios para alunos e professores, visto que o trabalho
acontece em conjunto e jamais de forma isolada. Por meio da prática
da contação de história, pode ser propiciado o contato da criança
com livros e com os fatos que neles estão explícitos, no intuito de
desvendar os fatos implícitos, adequando a realidade e a vivência
do aluno para o estímulo da leitura e formação de grandes leitores.

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A imaginação da criança tem um elo muito forte principal-
mente com o reconto de histórias, porque esse momento que
acontece a partir da contação ou leitura de uma história, faz com
que a criança tenha uma liberdade maior de expressar o conhe-
cimento e aguçar ainda mais a capacidade criativa e imaginativa,
despertada na contação, sendo capaz de influenciar fortemente em
sua personalidade futura, reconhecendo-se como parte formadora
da sociedade em que vive.
Percebemos, assim, como a imaginação é indispensável na
construção do ser como um todo, visto que apenas os seres hu-
manos podem desfrutar dela e aperfeiçoá-la com o decorrer do
tempo. Então, saber aproveitar nossas capacidades imaginativas
e criativas faz com que cresçamos na compreensão subjetiva
de cada um, pois é a partir de nossas individualidades e espe-
cificidades que podemos nos reconhecer como produtores de
conhecimento, que é mutável e em constante aperfeiçoamento,
além de ser uma característica singular do ser humano. Tais
afirmações podem ser percebidas nos estudos de Vygotsky (1991,
p. 62), ao afirmar que:

A imaginação é uma nova formação que não está presente


na consciência da criança mais nova, totalmente ausente nos
animais e representa uma forma especificamente humana de
atividade consciente. Como todas as funções da consciência,
ela também surge originalmente da ação.

Dessa forma, a imaginação, como assegura Vygotsky, engrande-


ce o ser humano por sua capacidade única de pensar e criar, sendo
uma capacidade que se desenvolve na ação, ou seja, na prática e
na interação com o mundo e com os outros. Portanto, instigar a
criança em suas práticas, faz com que a criatividade possa crescer
com base na própria imaginação, visto que é na infância que muitas
habilidades são descobertas e nesse momento se torna necessário
melhorá-las e até mesmo intensificá-las, para que a criança, ao se
descobrir, se reconheça como produtora de sua própria formação.
É necessário termos ciência e compreendermos o que Sampaio,
Rêgo e Saldanha (2020) afirmam ao relatar que o leitor não é um
ser passivo, pois dialoga com o texto. Portanto sempre devemos
estar atentos a forma como a leitura é realizada e como ela pode
contribuir no universo do leitor, percebendo tais fatos principal-
mente a partir de momentos de reconto pós-contação de histórias.

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Dessa forma, podemos assegurar o quanto é essencial o mo-
mento de contação de história para crianças, principalmente em
fase de alfabetização, na qual a criança pode se reconhecer na
história contada, interpretar personagens e ser conquistada pela
forma como ouve a narrativa. Como afirma Abramovich (2009, p.
16): “Ah, como é importante para a formação de qualquer criança
ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-la é o início de aprendizagem
para ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente
infinito de descobertas e compreensão de mundo”.
O fascínio despertado nesse momento é capaz de aproximar a
criança do mundo literário, mostrando o quanto pode ser prazeroso
conhecer coisas novas e aguçar a imaginação e criatividade através
da leitura, isso é enriquecedor tanto para o/a aluno/a quanto para
o/a professor/a, porque não existe algo mais gratificante do que
o professor se deparar com um objetivo alcançado na prática, ou
seja, perceber no aluno o que foi capaz de compreender, isso pode
ser explícito em suas falas e atitudes, pois a crianças que ouve de
fato as histórias se torna capaz de apresentá-la em seu reconto,
com riquezas de detalhes, além de saber inserir suas próprias ca-
racterísticas, tornando-a única e ainda mais compreendida por si.
Desse modo, torna-se possível despertar o prazer pela literatura
e a busca pela leitura, considerando que a criança será beneficiada
em diversos aspectos, a exemplo da escrita, ampliação do vocabu-
lário, conhecimento de mundo e convivência com o outro. Isso
porque tais atributos se desenvolvem com base na criatividade e
na imaginação gerada durante toda a execução da história, podendo
ir além, de acordo com a frequência e a importância destinada a
esse método da contação e de reconto que pode acontecer nos mais
variados locais que essa criança possa ter contato.

Prática literária: a intervenção em foco


O presente trabalho é fruto de uma experiência com inter-
venção pedagógica exigida pela disciplina Formação do Leitor e
Ensino de Literatura, do curso de Mestrado Acadêmico em Ensino,
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, no Programa
de Pós-graduação em Ensino (PPGE/UERN), que ocorreu no mês
de maio do ano de 2021, em meio à pandemia causada pela co-
vid-19 e ao ensino remoto, que passou a ser usado pela maioria
das escolas desde meados de março do ano de 2020 até o final de

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2021. Por esse motivo, a intervenção não pôde acontecer de forma
presencial na escola, pois esta estava seguindo as recomendações
dos decretos publicados em todo o país, que variavam de acordo
com cada Estado, mas que tinham em comum a prática do ensino
remoto, objetivando diminuir o contato entre as pessoas e conter
a propagação do coronavírus. No entanto, ressaltamos que, com a
permissão dos pais e responsáveis pelas crianças que participaram
da pesquisa, contatados via Google Meet, a intervenção se efetivou
no formato presencial, seguindo todas as medidas de segurança
recomendadas pelo Ministério da saúde.
Para o desenvolvimento da proposta de intervenção, foram
convidados/as 5 (cinco) alunos/as regularmente matriculados/
as no 2º ano do Ensino Fundamental, de uma escola Municipal, a
qual optamos por denominar de Escolas Asas da Imaginação, para
assim preservar a identidade da instituição, localizada no município
de Ereré, estado do Ceará.
Incialmente, realizamos uma conversa com o Núcleo Gestor da
referida escola e apresentamos como seria o trabalho, os objetivos
e a forma de desenvolvimento. Logo após esse momento, realiza-
mos uma conversa com a professora da turma a ser trabalhada,
para apresentar a proposta de trabalho, e falamos sobre a disponi-
bilidade de horário e de uma conversa com os pais e responsáveis
pelos alunos.
Ambas as conversas aconteceram de forma remota pelo Goo-
gle Meet e todos/as aceitaram a proposta apresentada, e assim
foi possível um diálogo com os pais e responsáveis por meio do
WhatsApp. Foram explicados os objetivos desse momento de inter-
venção, bem como a possibilidade de ser efetivada a intervenção
com as crianças de forma virtual pelo Google Meet ou presencial,
ressaltando que caso fosse escolhido presencial tudo seria realizado
com todas as medidas de segurança, desde o distanciamento ao
não compartilhamento de materiais das crianças. Os pais optaram
pelo momento ser presencial, por possibilitar, de certa forma, um
pequeno instante de interação das crianças com seus colegas, que
mesmo seguindo as recomendações do distanciamento, proporcio-
naria uma forma de contato, deixando o trabalho mais produtivo.
A intervenção aconteceu em nossa casa, na sala de estar, que
apresenta um espaço amplo e arejado, possibilitando o distancia-
mento recomendado entre as crianças, para as quais disponibi-
lizamos máscaras de proteção facial e álcool em gel. Na ocasião,

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compareceram apenas três crianças, sendo duas meninas, uma
de sete anos e outra de oito anos, e um menino de sete anos. Os
pais trouxeram as crianças para a realização desse momento que
durou em média uma hora e meia. O ambiente foi organizado com
vários livros infantis espalhados pelo chão, dispostos em forma de
círculo. Na parede, foram colocadas imagens coloridas e variadas
dos personagens da história e exposto o nome da história a ser
contada que foi Chapeuzinho Vermelho, além de materiais dispo-
níveis no chão, como lápis de cor, tintas, pincéis e folhas de papel
ofício, todos em forma de kits individuais para que não houvesse
o compartilhamento deles.
Como apresentado anteriormente, as crianças realizaram o
preenchimento de um questionário, denominado questionário
divertido, onde ficaram livres para responder a questões, desde
identificação pessoal a aproximação com o mundo da literatura,
além de apresentar elementos de seu cotidiano fora do mundo
escolar. Antes do preenchimento, a leitura do questionário foi rea-
lizada e foram tiradas as dúvidas que iam surgindo a cada questão
apresentada.
O questionário foi composto por 10 questões, sendo apenas duas
questões subjetivas, possibilitando à criança expor mais fielmente
suas características. O questionário foi elaborado de forma lúdica,
colorido, e nas questões objetivas as crianças se deparavam com
emotion de carinha feliz e de carinha triste, com os quais poderiam
atribuir respostas positivas ou negativas, bastando apenas circular
o emotion que estivesse de acordo com sua resposta. Também foi
possível à criança criar sua própria identificação, como dizer de que
forma gostaria de ser tratado, atribuindo, assim, um nome fictício
que foi utilizado no decorrer da análise desse trabalho.
Dessa forma, as crianças foram apresentadas por seus nomes
escolhidos: Sonic, sexo masculino, com sete anos de idade, Bela,
sexo feminino, também com sete anos, e por fim Sabina, com oito
anos de idade. Todas as crianças estudavam o 2º ano do Ensino
Fundamental. Todos/as alunos/as já eram alfabetizados/as e
conseguiram fazer leitura com facilidade, estando matriculados
na escola de ensino fundamental denominada, ficticiamente, de
Asas da Imaginação.
Primeiramente, as crianças foram recebidas com músicas e
convidadas a se sentarem no chão ao redor de alguns livros, pos-
teriormente realizamos a apresentação de umas às outras, com

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base na dinâmica da apresentação de “Era uma vez...”, que se ini-
cia com essa frase e vai falando sobre quem é, como se chama, o
que gosta de fazer e o que mais achar necessário. Esse momento
foi muito importante, pois as crianças ainda não se conheciam
pessoalmente devido ao ensino remoto que estavam vivenciando
desde o início do ano.
No segundo momento, as crianças foram convidadas a responder
ao questionário, o qual foi nomeado de questionário divertido, por
ser composto de forma lúdica, com diversas cores e imagens que
imediatamente atraíam as crianças a responderem, em sua maior
parte apenas circulando o emotion que representava a resposta
escolhida. Antes de responderem, foi realizada a leitura com eles
de todo o questionário, indagando se tinham dúvidas e se estavam
compreendendo todas as perguntas.
Nesse questionário, a criança consegue responder de forma
simples e divertida algumas questões como: seu nome, idade, ano
que estuda, qual a proximidade com o mundo da leitura, seus
contatos com os livros, seja eles impressos ou digitais, se a família
incentiva a leitura, se em casa alguém lê para ela, se gosta de ler
e como vê esse momento na escola, se conhece alguma obra/livro
e qual sua história preferida.
Dando continuidade, iniciamos a contação de história da obra
Chapeuzinho Vermelho (Irmãos Grimm), traduzida por Mariana Beer
e ilustrado por Bruna Assis Brasil, acessado de forma virtual, no
endereço eletrônico do site, disponibilizado pelo Projeto do Banco
Itaú, através do projeto “Eu leio para uma criança”, uma história
com animações desde a capa, com movimentos dos personagens,
da floresta, dos animais e também alguns sons, detalhes esses que
prendem a criança durante toda a apresentação e que nos auxilia-
ram ao longo da narrativa.
A contação da história se deu pela utilização dos métodos
de leitura por andaimes de Graves e Graves (1995), como a pré-
-leitura, durante a leitura e pós-leitura. Esses três momentos são
essenciais para um desenrolar satisfatório da contação de história.
Diante disso, no momento de pré-leitura, é indispensável começar
apresentando cores, fotos, capa, dialogando com o que já se pode
imaginar que será trabalhado, induzindo a criança, mesmo que
de forma indireta, a buscar em sua imaginação a forma como se
dará o desenvolvimento da história. Mesmo já se tratando de uma
história conhecida, esse momento é essencial para que a criança

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possa se sentir mais próxima do que vai ser trabalhado e se reco-
nheça como parte indispensável desse momento.
De acordo com Amarilha (2012), a prosódia é um elemento
muito importante na contação de histórias, por isso contamos a
histórias utilizando gesticulações, alterações na voz de acordo com
os personagens, nos direcionando diretamente às crianças presen-
tes para que se sentissem parte da história e próximas do enredo,
podendo, assim, contribuir para a mobilização da imaginação e
da criatividade das crianças, levando-a à inserção no mundo da
literatura.
Nessa perspectiva, o conto Chapeuzinho Vermelho foi apresen-
tado seguindo a proposta de Graves e Graves (1995), e de Amarilha
(2012), levando em conta a necessidade da apresentação da literatura
de forma lúdica do início até o fim. Após o momento de contação,
sentamos no chão e conversamos sobre a história contada, deixando
as crianças livres para dialogarem sobre o enredo.
Durante a conversa, as crianças deixaram nítido como eram
os personagens que gostavam mais e que acharam lindas as ima-
gens no decorrer da apresentação. Percebemos nesse momento
fortemente presente a autonomia para se expressarem diante do
que foi escutado e observado, o que denota um forte engajamento
dos/as ouvintes com a história narrada, que de acordo com Tor-
res e Souza (2015) é fundamental para o início de uma formação
leitora profícua, pois ao se engajar com a literatura e vivenciar os
mundos do ponto de vista literário, a criança começa a despertar
para as possibilidades que a leitura apresenta.
Durante a contação da história, priorizamos a ludicidade como
uma oportunidade para que as crianças pudessem atribuir signifi-
cado ao que estava sendo narrado, levando em consideração que
a efetivação de momentos de leitura através da prática de contar
histórias, de forma a valorizar a narrativa apresentada se configura
como um modo de desenvolver a criatividade e imaginação da crian-
ça (BEZERRA, 2020), tornando-se, assim, um meio de conquistar
novos leitores, compreendendo o ato de ler por prazer e não por
hábito, pois como afirma Villard (1999), ler por prazer é que pode
formar leitores para a vida toda.
Após a conversa, continuando com o momento de pós-leitura,
foram disponibilizados folhas, tintas e lápis de cor e proposto que as
crianças realizassem um desenho recontando a história apresentada,
da forma que achassem melhor. Ao final, as crianças apresentaram

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seus desenhos/pinturas e explicaram também de forma oral o que
haviam desenhado. Os desenhos e pinturas não foram analisados
neste trabalho, pois escolhemos realizar a análise da conversa e
do questionário.
As crianças disseram ter adorado o momento e ressaltaram na
conversa que “ler é importante”. Nesse momento questionamos
sobre o importante mencionado na frase, então Sonic respondeu:
“Porque se não soubesse ler não ia poder ler as histórias”. Já a
criança chamada Bela respondeu: “Não ia poder imaginar coisas”.
Então lançamos a seguinte frase, para ver a reação deles: A leitura
faz com que fiquemos..., e as respostas foram inúmeras, dentre
elas destacamos: feliz, criativos, criar histórias, alegres. Com essas
respostas, podemos inferir, a partir do referencial estudado, espe-
cialmente em Bezerra (2020) e Vygotsky (1991), que ao ouvirem a
história e serem envolvidas em uma conversa sobre esta, as crianças
atuam sobre o narrado, podendo mobilizar o potencial criativo e a
imaginação a partir das emoções que a história suscita.
Ao final, questionamos se era melhor ouvir ou contar histórias
e em uma só voz responderam que era melhor contar. Sobre esse
aspecto, Sabina surpreendeu quando falou rapidamente: “Porque
a gente usa nossa criatividade”, e Sonic destacou: “Que também
fica aprendendo a ler”. No final, Bela disse que vai mudando a voz
durante a história. Ao término desse momento divertido, foi en-
tregue mimos de despedida e nos divertimos dançando e cantando
músicas infantis.
Podemos então perceber o quanto essas crianças se identifica-
ram com esse momento, que proporcionou aprendizado de forma
livre, construído por elas a partir da interação com a história e com
os/as colegas no momento de conversa, ao se posicionarem a res-
peito do que viram e ouviram na experiência com a narrativa, além
de perceberem que tudo isso foi possível através de um momento
prazeroso e divertido com a literatura. Esses momentos de contato
prazeroso com a literatura são relevantes para revelar às crianças
que a leitura pode ir muito além da decodificação, como enfoca
Villard (1999). Isso porque foram momentos descontraídos, que
prenderam as crianças do início ao fim de seu desenvolvimento,
deixando-as livres para conversarem e exporem suas ideias.
Referente à aplicação do questionário, a primeira pergunta
trata de saber se as crianças costumavam ler livros no seu dia a
dia, sejam livros impressos ou em formato digital. Apenas a criança

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denominada Bela marcou a resposta como sim, os outros dois alunos
assinalaram a alternativa não. A segunda pergunta intencionava
saber se tinham livros de história em casa, e todos responderam
que sim, ou seja, possuíam livros em casa. A terceira pergunta
buscava saber se em casa alguém incentivava elas a lerem, e nessa
pergunta apenas Sabina disse que não.
Quando foram indagadas na quarta pergunta se em casa al-
guém lia para elas, apenas Sabina respondeu novamente que não,
coerente com a pergunta e a resposta anterior. Na quinta pergunta,
questionamos se elas gostavam de ler (vale ressaltar que todas as
crianças que participaram já realizavam leitura e escrita de forma
média ou avançada), e mais uma vez a criança Sabina afirmou
não gostar de ler, diferentemente das outras duas crianças, Sonic
e Bela, que responderam que sim.
A pergunta de número seis foi feita de forma subjetiva onde
as crianças responderam a pergunta sobre qual era a história pre-
ferida delas, e nesse momento escreveram suas histórias favoritas.
Sonic disse que adorava a história dos Três Porquinhos, Bela e Sabina
frisaram que gostavam mais da história da Cinderela. As próximas
perguntas, sete e oito, são interligadas, nas quais questionamos se
elas gostavam de contar histórias e para quem costumavam contar.
Nessa questão elas perguntaram se a história teria que ser histórias
dos livros, e ressaltamos que não, que podiam ser histórias ou contos
criados por eles mesmos, ou reconto de histórias que gostavam.
Dessa forma, todos responderam que sim, que gostavam de contar
histórias. Sonic afirmou que contava para seu irmão, Bela disse
contar para sua mãe e Sabina que contava histórias para sua prima.
Por fim, nas questões nove e dez, as crianças se deparam com
perguntas relacionadas com os momentos de contação de história
em sua escola, mais especificadamente na sala de aula. Na ques-
tão nove foi perguntado se na escola havia momentos de leitura,
e todos responderam que sim. Já na questão dez foi questionado
se gostavam desse momento, e todos afirmaram também que sim.
Ainda na questão dez tinha um espaço para elas escreverem
o porquê de gostarem desse momento, mas as crianças afirma-
ram que não tinham muitas lembranças das contações de história
desde o ano passado, porque devido à pandemia tiveram apenas
um mês de aula presencial no ano de 2020, e em 2021 ainda não
tinham tido essa oportunidade. Nesse momento, perguntamos se
no formato on-line/remoto não tinham vivenciado a prática da

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contação de história. Sobre isso, apenas a criança Bela afirma que
sim, mas que não era legal. Nesse momento, relataram parte da
educação infantil, na qual tinham mais lembranças, e ficaram bem
empolgadas contando que eram divertidos esses momentos, em
que as professoras se fantasiavam e às vezes elas também.
Então, o que podemos apreender a partir da análise desse ques-
tionário respondido pelas crianças? Podemos perceber o quanto é
indispensável trabalhar em casa, na família, a prática da leitura,
principalmente nesse processo de alfabetização que as crianças
colaboradoras desta pesquisa estão vivendo, para que levem para
a vida o prazer de buscar nos livros não somente conhecimentos
teóricos, mas contribuições indispensáveis para a formação huma-
na, a consciência crítica, além da própria fala e suas formas de se
expressar, no reconhecimento social e também ajudar a sentir-se
seguro em suas afirmações e colocações.
A contação de história deve ser, necessariamente, uma prá-
tica cotidiana, seja no ambiente familiar ou na escola, como afir-
ma Abramovich (2009), de modo que tanto o professor quanto a
família devem estar atentos às expressões criativas da criança e
como esses processos de contação e reconto de história chegam a
contribuir no interesse dessas crianças por mais momentos seme-
lhantes, induzindo-as à procura por livros, por novas histórias, na
expectativa de vivenciar novas aventuras, que contribuirão com o
desenvolvimento da imaginação e da criatividade, por suscitar nas
crianças inquietações e dúvidas, assim como mostra o trabalho de
Abramovich (2009). Ao inquietar-se com a história, a criança busca
a compreensão de aspectos importantes para a formação do sujeito,
o que desencadeia uma melhor formação social, cultural e pessoal.
La Torre (2005) deixa claro em seus estudos, que a criatividade
está presente nas ações dos indivíduos como um todo, de modo que
não se aplica somente na criação de algo extraordinário, grandes
invenções ou descobertas, mas na forma que aperfeiçoamos nosso
meio, através dos conhecimentos adquiridos nele. Nesses aspectos,
percebemos o quanto muitos ainda têm uma ideia defasada do
entendimento sobre criatividade. Bezerra (2020, p. 131) postula
em suas afirmações que “[...] as pesquisas realizadas revelam que a
criatividade vai muito além de inventar algo novo de forma espon-
tânea. Ser criativo pode ser encarado como uma das habilidades
necessárias ao ser humano em sua condição de ser racional e em
constante evolução”. Assim, compreendemos a criatividade e a

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imaginação como aspectos que fluem de forma constante, através
dos quais fazemos nossa própria evolução e do que está ao nosso
redor, e consideramos a prática da contação de histórias como um
caminho profícuo para proporcionar um maior desenvolvimento
desses aspectos nas crianças.
Com efeito, os postulados teóricos como os de Vygotsky (1991),
Bezerra (2020) e Amarilha (2012), nos levam a compreender a rela-
ção intrínseca existente entre a criatividade e a imaginação infantil
e a busca pela formação do gosto pela leitura nas crianças, espe-
cialmente no tocante à contação de histórias, que pode ser usada
como estratégia de formação leitora no contexto escolar, podendo
ser fortalecida no ambiente familiar, possibilitando a obtenção de
resultados positivos na trajetória formativa da criança.

Conclusão
O trabalho desenvolvido traz como objetivo geral incentivar e
compreender a prática da leitura como formadora do leitor por prazer
através da contação de histórias para crianças. Nessa perspectiva,
faz-se necessária a observação da autonomia dessas crianças e do
processo de criatividade e a imaginação infantil despertada quando a
literatura é introduzida como instrumento lúdico de aprendizagem.
Além disso, apresentamos como objetivos específicos, estimular
e desenvolver a criatividade e a imaginação através da contação e
do reconto de histórias.
Sendo assim, foi possível perceber o quanto as crianças par-
ticiparam e se sentiram empolgadas pela contação de história,
mesmo sendo uma história que já tinham ouvido e que conheciam
claramente, pois ao longo da conversa pós-contação, as crianças se
expressaram de forma criativa, trazendo ideias coerentes a respeito
da narrativa.
A forma como foi trabalhada, cantando, conversando, trazendo-
-as para próximo do conto, deixando-as livres para conversar e
expressar suas ideias e observações, fez toda a diferença nesse
momento de contação, fortalecendo evoluções de expressões orais
que denotaram a interação entre os/as ouvintes e o texto narrado,
pois as crianças mostraram compreensão dos personagens e seus
papéis dentro da história. Esses aspecto ficou evidente no momen-
to em que as crianças revelaram em suas falas a compreensão de
que a contação de histórias tem uma relação íntima com a leitura.

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Observamos a curiosidade e a criatividade presente desde a
conversa pós-contação, na qual as crianças deixaram claro que o
momento da narrativa desperta a curiosidade e aguça a imagina-
ção, além de provocar a mobilização do conhecimento, como foi
evidenciado no questionário ao responderem sem dificuldades às
perguntas propostas, mostrando que a literatura é uma importante
aliada na formação das crianças, em especial na formação leitora.
Podemos, dessa forma, compreender o quanto a prática literária
pode ser instigada de forma simples em momentos já existentes na
sala de aula, favorecendo o aprendizado das crianças e não custando
tanto investimento por parte de tempo, aproveitando momentos
da própria aula para acontecer a contação de histórias.
Diante da análise dos momentos de leitura e prática leitora, fica
explícito o quanto as crianças gostam de se sentir autoras durante
todo o processo, mostrando que foi possível alcançar o objetivo geral
desse trabalho, que é estimular a prática leitora como formadora
do leitor por prazer, possibilitando, assim, a aproximação da crian-
ça do mundo literário, que muitas vezes é apresentado de forma
repetitiva e não convidativa, fazendo com que ela acabe fugindo
de toda uma conquista e do sentimento de autorreconhecimento,
que é indispensável para que se torne mais próxima e conquistada
pelo poder da leitura. Poder esse que na criança pode ser acompa-
nhado de contação de história, momento que faz a criança enxergar
mundos dentro da história contada.
Em síntese, foi possível observar ainda que o acompanhamento
da família é algo de grande valia para que a aproximação do mundo
literário se faça presente na vivência das crianças, além de possi-
bilitar que a prática da leitura seja levada para a vida, construindo
adultos com potencial crítico, reflexivo e criativo aguçado, além de
pessoas atuantes socialmente e conhecedores de si, de sua realida-
de, tornando-se seres autônomos e seguros em suas perspectivas
e ideais pessoais e sociais.

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Submissão em: 02/06/2022


Aceite em: 27/10/2022

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