Existe Democracia Sem Verdade Facutal (Interrogação)

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Existe democracia sem verdade facutal?

Eugênio Bucci

1 Este livro se baseia na pesquisa realizada pelo autor para a prova de


erudição em concurso para o cargo de professor titular no
Departamento de Informa- ção e Cultura (CBD), da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), em
junho de 2017. Essa mesma pesquisa gerou duas conferências realizadas
em dois ciclos de palestras organizados por Adauto Novaes. Pode ser que
trechos do presente volume coincidam com trechos das duas
conferências. A primeira delas, “Pós-fatos, pós-imprensa, pós-po- lítica: a
democracia e a corrosão da verdade”, integrou o Ciclo Mutações de
2017, denominado por Adauto Novaes de “Dissonâncias do Progresso”.
A segunda – “Em defesa da verdade factual – entre a ‘pós-verdade’
excêntrica e a democracia improvável (uma segunda visita a “Verdade e
Política”, de Hannah Arendt)” – foi apresentada no Ciclo Mutações de
2018, denominado “A outra margem da Política”. Registram-se aqui os
agradecimentos do autor à jornalista Ana Helena Rodrigues, na pesquisa
de fontes, ao jornalista Mar- cos Emílio Gomes, na edição de texto, e a
Dimitrios Dimas (MSc), professor de grego, na verificação de palavras do
grego antigo. Maria Paula Dallari Bucci leu a primeira versão e sugeriu
mudanças providenciais.
EXISTE DEMOCRACIA
SEM VERDADE
FACTUAL?
Cultura política, imprensa e bibliotecas
públicas em tempos de fake news

Eugênio Bucci

2019

Estação das Letras e Cores Editora


Sumário

Apresentação 11

Primeira parte:
Observação preliminar sobre a verdade na
imprensa e na política 19
Como mentiras influenciam decisões democráticas...........24

Segunda parte:
Acerca da verdade que supostamente emancipa 31
A informação e seu valor de mercado................................37
Como a informação foi inventada por uma
teoria matemática...............................................................41
Um conceito que não leva em conta a verdade..................45
A informação se reconcilia com a verdade.........................51

Terceira parte:
Por que a verdade factual faz tanta diferença 59
Dos fatos soterrados à Comissão Nacional da Verdade.....67

7
Quarta parte:
Duas estratégias de interdição dos fatos 77
Primeira estratégia de interdição dos fatos
(emanada do poder): os apagões de real.................................78
Segunda estratégia de interdição aos fatos
(cujo discurso se vende como um
movimento
anti-establishment): o suicídio da consciência..........................82
A opinião como farsa..........................................................83
Os fatos na política segundo Aristóteles.............................88
O fato como trabalho...........................................................90
O fato como verdade...........................................................91
O fato como acontecimento................................................92
A palavra fato e sua origem latina.......................................93
O fato como o oposto das imagens e da ilusão..................94

Quinta parte:
A dualidade entre a moral e os fatos em
Maquiavel e Weber 101
O Príncipe e o espírito prático...........................................101
A responsabilidade factual em Weber...............................104
Os fatos e a realização da Justiça.........................................107
A atualidade inconclusa....................................................114

Posfácio
Uma nota ética sobre a biblioteca e a verdade factual...121

Bibliografia 123
Principal............................................................................123
Jornais e media eletrônica................................................128
Complementar........................................................................131

8
“Como os factos e os acontecimentos – que são sempre
engen- drados pelos homens vivendo e agindo em conjunto –
con- stituem a própria textura do domínio político, é,
naturalmente, a verdade de facto que nos interessa mais aqui
.”
Hannah Arendt, “Verdade e Política” 1

1 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: Entre o Passado e o Futuro.


Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.
Disponível na in- ternet:
http://abdet.com.br/site/wp-content/uploads/2014/11/Verdade-e
-pol C3 ADtica.pdf Acessado em 20 de maio de 2017. No original,
publicado em primeira mão na revista The New Yorker (ver edição de 25
de fevereiro de 1967): “Moreover, since facts and events – the invariable
outcome of men liv- ing and acting together – constitute the very texture
of the political realm, it is, of course, factual truth that we are most
concerned with here.” O texto depois foi publicado ao lado de outros
ensaios no livro Between past and future (ver a edição americana da
Penguin Books de 2006, com prefácio de Jerome Kohn) e também está
disponível na internet: https://idanlandau.files.wordpress.
com/2014/12/arendt-truth-and-politics.pdf (acessado em 28 de outubro de
2017). Na tradução brasileira, de Mauro W. Barbosa, a expressão
“verdade de facto” (do original “factual truth”), aparece como “verdade
factual”, que soa mais direta aos ouvidos brasileiros. Ver em ARENDT,
Hannah. “Verdade e Política”. In: ARENDT, Hannah. Entre o passado e o
futuro. São Paulo: Pers- pectiva, 2016. 8a edição. P. 287. Eis a íntegra da
frase na tradução brasileira: “Mais ainda, visto que fatos e eventos – o
resultado invariável de homens que vivem e agem conjuntamente –
constituem a verdadeira textura do domínio político, é evidentemente com
a verdade factual que nos ocupamos sobretudo aqui.” Mesmo assim,
embora a expressão “verdade factual” seja mais corrente do que a
expressão “verdade de facto” no português corrente do Brasil, em
9
diversas outras passagens a tradução portuguesa encontrou soluções mais
cla- ras aos objetivos do presente trabalho. Por isso, deu-se preferência
a ela nas citações que serão feitas a seguir.

9
Apresentação

Este pequeno livro parte da constatação de que


a verdade factual vive uma crise nas sociedades
contemporâneas. Para enfrentar essa questão, as
páginas que se seguem propõem um painel para
reflexões em torno de instituições sociais como as
bibliotecas públicas, a imprensa e, de modo geral, os
dispositivos vários da comunicação social
relacionados direta ou indireta- mente à cultura
política. Na perspectiva aqui adotada, o biblio-
tecário, como o jornalista, pode ajudar as pessoas a
encontrar as informações e as ideias que propiciarão
sua autonomia crítica. Lembremos que a liberdade
política e artística que vertebra o ideário
democrático, orientado segundo os princípios dos
Direi- tos Humanos, só existe porque, há pouco mais
de dois séculos eclodiram as revoluções iluministas.
Sem isso, não haveria im- prensa, não haveria a ideia
de que o poder emana do povo, não haveria sentido
para a palavra povo, e as bibliotecas não seriam
públicas e não teriam a ambição da universalidade
em seus acer- vos e em suas portas de entrada.

1
Este breve livro se filia à tradição do
Iluminismo, mas não se acomoda a essa tradição.
Outras referên- cias teóricas – muitas outras – serão
invocadas, desde elementos

1
Eugênio Bucci

do pensamento político que tem início na Grécia de


Aristóteles até as teorias da informação, nascida no
século XX, culminando no intenso debate em torno
das chamadas fake news e o lugar da verdade
factual, tal como formulada por Hannah Arendt, nas
democracias contemporâneas.
A dimensão do problema ganhou mais
visibilidade quan- do, em sua edição de 10 de
setembro de 2016, o semanário inglês The
Economist foi a público com uma chamada de capa
marcante:
“A arte da mentira: a política da pós-verdade na
era das redes sociais”.
Com capa, a revista proclamou o ocaso da
verdade factual e pautou um debate que se estendeu
por meses na Europa e nas Américas.2 Segundo The
Economist, o divórcio entre o discurso político e os
fatos teria se agravado violentamente. A campanha
de Donald Trump para a presidência dos Estados
Unidos, em grande parte abastecida por notícias
fraudulentas3, e a propa- ganda mais do que
enganosa que levou à vitória do “Brexit” no Reino
Unido foram apontadas como sintomas. As
democracias

2 No original: “Art of the lie: Post-truth politics in the age of social media.”
3 A expressão “fake news”, em inglês, costuma ser traduzida como “notícia
fal- sa” ou “notícias falsas”. Na tradução sugerida pelo professor Carlos
Eduardo Lins da Silva, adotada aqui, é “notícias fraudulentas”. O
sentido do adjetivo “fake”, em inglês, envolve intenção do agente de

1
enganar o interlocutor, o público ou o destinatário. O adjetivo “falsa”,
em português, não implica esse dolo, essa intenção maliciosa. Desse
modo, a expressão “notícias falsas” é fraca para traduzir o sentido da
expressão “fake news”.

1
Apresentação

mais estáveis do planeta estariam ingressando numa


era em que os relatos sobre os acontecimentos
perderam referência na ver- dade factual (ou
“verdade de facto”, ou, ainda, a verdade que se
extrai da verificação honesta e do relato fidedigno
dos fatos e dos acontecimentos).
Dois meses depois dessa capa de The
Economist, o termo “pós-verdade” foi declarado “a
palavra do ano” pelo Dicionário Oxford. Em inglês,
“post-truth” é um adjetivo que “qualifica um ambiente
em que os fatos objetivos têm menos peso do que
ape- los emocionais ou crenças pessoais em formar a
opinião públi- ca”.4 Também segundo o Dicionário
Oxford, hoje é muito mais fácil, para um agente
político e para as pessoas em geral, mani- pular
dados conforme sua vontade.5
O neologismo foi usado primeira vez num artigo
do dra- maturgo sérvio Steve Tesich, publicado em
1992 no jornal ame- ricano The Nation.6 Em 2004, a
expressão foi título de um livro de Ralph Keyes, “fte
Post-Truth Era”.7 A expressão “política da pós-
verdade” parece ter sido cunhada por um blogueiro,
David Roberts, no dia 1º de abril de 2010, para
nomear uma cultura política em que a opinião pública
atravessada pelas narrativas me- diáticas se
desconectou inteiramente das policies, ou seja, da
policy,

4 No original: “Relating to or denoting circumstances in which objective


facts are less influential in shaping public opinion than appeals to
emotion and personal belief.”
5 Verbete original no Dicionário Oxford: “In this era of post-truth politics, it’s
easy to cherry-pick data and come to whatever conclusion you desire.”

1
6 A história é contada em: https://www.oxforddictionaries.com/press/
news/2016/12/11/WOTY-16
7 KEYES, Ralph. The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary
Life. New York: St. Martin’s Press. 2004.

1
Eugênio Bucci

ou seja, das ferramentas pelas quais são debatidas,


estruturadas e implementadas as políticas públicas e,
ao fim e ao cabo, a própria substância da legislação
em estados democráticos de direito.8
Em 2018, a palavra “Misinformation” foi
escolhida a pa- lavra do ano no dicionário digital
Dictionary.com. O sentido de “misinformation”
envolve a presença da intenção de desin- formar.
Embora o termo não seja novo, o dicionário
conside- rou que o volume de conteúdos
propositadamente errôneos que infestou as redes
sociais justifica a escolha do substantivo para palavra
do ano. 9
Também recentemente, e não por acaso, a IFLA
(Interna- tional Federation of Library Associations and
Institutions), pelo menos desde o segundo semestre
de 2017, passou a incentivar seus membros a
combater as notícias falsas.10 A IFLA distribuiu um
cartaz em linguagem infográfica, dirigido a
bibliotecários e, principalmente, aos frequentadores das
bibliotecas, em diversos idiomas, com orientações
sintéticas para prevenir as pessoas con- tra as notícias
fraudulentas. Nesse cartaz, a entidade instrui seus

8 Trecho de David Roberts no original: “We live in post-truth politics: a


political culture in which politics (public opinion and media narratives)
have become almost entirely disconnected from policy (the substance of
legislation). This obviously dims any hope of reasoned legislative
compromise. But in another way, it can be seen as liberating. If the
political damage of maximal Republican opposition is a fixed quantity —
if policy is orthogonal to politics — then there is little point to policy
compromises.” They do not appreciably change the poli- tics.” Disponível
em: http://grist.org/article/2010-03-30-post-truth-politics/
9 https://www.theguardian.com/science/2018/nov/26/misinformation-

1
word-of-the-year-dictionarycom
10 Ver: https://www.ifla.org/node/11584. O texto “Real Solutions to Fake
News: How Libraries Help” passou a ser divulgado a partir da
conferência anual da instituição.

1
Apresentação

integrantes a considerar o fenômeno da


desinformação a partir de oito critérios distintos no
enfrentamento contra as mentiras disseminadas nas
redes sociais. São eles:

1. Verificar a fonte (ou checar a credibilidade do


site que divulga a notícia);
2. Ler mais a respeito antes de compartilhar (ou
procurar confirmar por outros sites e outras
publicações).
3. Comprovar a autenticidade e a seriedade do
autor do re- lato ou da imagem.
4. Ver se o conteúdo traz links de apoio que
comprovam a história.
5. Ter o cuidado de se certificar se a data da
publicação não é antiga (se aquela narrativa ou
aquela imagem não se refere a outro período).
6. Assegurar-se de que não se trata de uma
paródia, uma pia- da ou uma produção
humorística que as pessoas possam estar
levando a sério por engano.
7. Avaliar se não são os seus próprios
preconceitos que o estimulam a acreditar no
conteúdo sem necessidade de maiores
comprovações.
8. Na dúvida, consulte o bibliotecário ou algum
especialista no assunto.

Nesses alertas, a IFLA faz lembrar as tipificações


de “misin- formation” elaboradas pela jornalista Claire
Wardle, da Univer- sidade de Harvard, 11 para quem a
expressão “fake news” é vaga

1
11 https://www.magicwebdesign.com.br/blog/internet/existem-7-tipos-fake-
news-voce-conhece-todos/

1
Eugênio Bucci

demais, imprecisa demais. Segundo Claire Wardle,


seria menos vago nomear cada uma das variantes,
colocando todas elas dentro da categoria geral de
“desinformação” (“misinformation”). 12 Ela prefere falar
no ecossistema da desinformação, que compreenderia
categorias mais específicas, como as três
seguintes:

1. Falsa conexão: quando manchetes, legendas ou


ilustração não confirmam o conteúdo da
reportagem, do artigo ou da notícia.
2. Falso contexto: quando o conteúdo é
compartilhado com contextos adulterados ou
alterados.
3. Manipulação do contexto: quando a imagem é
proposi- talmente modificada com o intento de
enganar o público.
4.
Além dessas três categorias, a jornalista
identifica moda-
lidades de conteúdos que concorrem para gerar
desinformação, conforme o nível de desconhecimento
do público. São eles (1) a Sátira ou Paródia, que
pode ser tomada por verdade em au- diências
despreparadas, (2) o Conteúdo Enganoso, que pode
levar a conclusões erradas, (3) o Conteúdo
Impostor, em que fontes genuínas são imitadas e
substituídas por farsantes, e (4) o Conteúdo
Fabricado, que são aqueles inteiramente fraudados,
falsificados e deliberadamente mentirosos.
Independentemente da classificação adotada,
há um con- senso: relatos fraudulentos e notícias
enganosas se tornaram um fator de desagregação
1
das sociedades democráticas deste início

12 Ver matéria da jornalista Angela Pimenta em


http://observatoriodaimprensa. com.br/credibilidade/claire-wardle-combater-
desinformacao-e-como-varrer-as
-ruas/

1
Apresentação

de século XXI. É óbvio que a mentira faz parte do


repertório dos jornais desde que eles foram
inventados. É óbvio, também, que os políticos,
mesmo os melhores, não costumam primar pela
postura transparente e sincera. Sendo assim, é preciso
especificar de modo menos vago qual verdade (ou
inverdade) a imprensa e a política procuram
mobilizar. Veremos, ao longo deste tex- to, que
essa verdade nada tem de metafísica, de religiosa;
não é uma verdade que se manifeste em epifania: ela
é simplesmente a verdade dos fatos, ou seja, aquela
que poderia ser objetivamente descrita conforme se
apresente no plano material daquilo a que
chamamos de fatos.
É uma boa hora para nos lembrarmos de
Hannah Arendt. Seu ensaio “Verdade e Política” foi
publicado pela primeira vez num veículo jornalístico,
a revista The New Yorker (edição de 25 de fevereiro
de 1967). Não há de ter sido um acaso. Ela sustenta
que a verdade que conta para a política e para o
jornalismo; a verdade que conta para o debate
público na sociedade e aquela que não deve se
perder de vista nas bibliotecas públicas, que são
centros de cultura e portais de acesso ao
conhecimento, é a verdade factual. Trata-se de uma
noção essencial, formulada com cinquenta anos de
antecedência, para compreender o mal-estar
causado pela era da “pós-verdade”.
Em nosso tempo, a imprensa, a política e o
debate públi- co devem se contentar com uma
verdade, portanto, que seja me- nos pretensiosa que a
verdade filosófica ou a verdade religiosa. A verdade
factual se erige apoiada estritamente nos
1
acontecimen- tos. O que dizer hoje, então, das noções
mais grandiloquentes de verdade? O que dizer das
verdades libertadoras, quase absolutas, que tantas
vezes foram e ainda são invocadas por políticos e por

1
Eugênio Bucci

jornalistas? Para tratar disso, este texto vai recuperar


o tema a partir do Iluminismo, com sua verdade que
floresceria da Razão e que levaria os homens ao
progresso e à felicidade.
A verdade factual não encerra promessas tão
retumbantes, mas, talvez por não ter a pretensão de
impor-se como o universal e como o absoluto, ajude
as pessoas a se emanciparem e a guar- darem, entre
si, padrões racionais e respeitosos de convivência.
Herdeiros que somos do Iluminismo, deveríamos
levar esse re- cado da História um pouco mais a sério.
A isso vem se dedicar este livro.

1
Primeira Parte

Observação preliminar sobre


a verdade na imprensa e na
política

Uma das presunções mais vãs do século XX


foi a pro- messa dos diários de entregar a seus
leitores nada menos que “a verdade”. O jornal dos
bolcheviques na Rússia revolucionária de 1917, depois
transformado em órgão oficial da União Soviética,
tinha o nome de Pravda, que, em russo, quer dizer “a
verdade”. Deu naquilo lá.
Mesmo nos períodos em que a palavra
“verdade” esteve mais em moda, a imprensa, ao
menos na visão de seus prati- cantes menos
pernósticos, nunca teve a missão de entregar “a”
verdade às pessoas, muito menos a verdade com “V”
maiúsculo. Não foi sem um toque de sarcasmo que,
em 1922, o jornalista Walter Lippmann percebeu
que o mesmo público que costuma idolatrar a
verdade, atribuindo a ela uma aura sacrossanta, não
quer dispender um centavo para remunerá-la:

1
Eugênio Bucci

Esperamos que o jornal nos entregue a verdade. (...) Para


este serviço difícil e muitas vezes perigoso, que reconhecemos
como fundamental, esperávamos, até outro dia, pagar a
moeda de menor valor emitida pelo Tesouro. Agora,
aceitamos pagar dois ou, talvez, três centavos nos dias de
semana; aos domingos, por uma enciclopédia ilustrada e uma
revista de variedades que vêm encartadas no diário da nossa
preferência, estamos dispostos a pagar cinco ou até, quando
muito, dez centavos. Ninguém pensa por um momento que
deveria pagar pelo jornal. 13

Descrente das verdades exageradamente


triunfais, Li- ppmann se afastava desse tipo de
pretensão e, mais ainda, não misturava a função da
imprensa com a função da verdade.

13 LIPPMANN, Walter. Public Opinion . New York: Free Press Paperbacks


(Simon and Schuster), 1997, p. 203. Vale pena ler a íntegra do
parágrafo original (o trecho traduzido e citado acima está em grifo, a
seguir, na transcrição do orig- inal em inglês): “This insistent and
ancient belief’ that truth is not earned, but inspired, revealed, supplied
gratis, comes out very plainly in our economic prejudices as readers of
newspapers. We expect the newspaper to serve us with truth, however
unprofitable the truth may be. For this difficult and often dangerous service,
which we recognize as fundamental, we expected to pay until recently the
smallest coin turned out by the mint . We have ac- customed ourselves now to
paying two even three cents on weekdays, and on Sundays, for an
i11ustrated encyclopedia and vaudeville entertainment attached, we have
screwed ourselves up to paying a nickel or even a dime . Nobody thinks for a
moment that he ought to pay for his newspaper . He expects the fountains
of truth to bubble, but he enters into no contract, legal or moral,
involving any risk, cost or trouble to himself. He will pay a nominal price
when it suits him, will stop paying whenever it suits him, will turn to

2
another paper when that suits him.” Observação: a exemplo desta,
todas as traduções de textos citados em inglês foram feitas pelo autor.

2
Primeira Parte – Observação preliminar sobre a verdade na imprensa e na
política

A função da notícia é sinalizar um evento. A função da


verdade é trazer luz para fatos ocultos, relacioná-los a
outros, e traçar um retrato da realidade a partir do qual os
homens possam atuar.14

“Sinalizar um evento” quer dizer noticiá-lo,


promover um primeiro conhecimento dos fatos –
conhecimento transitório e precário. Um bom órgão
de imprensa avisa sobre o que se passa e, com isso,
ajuda o cidadão a modular suas expectativas em re-
lação ao futuro próximo. A questão filosófica da
verdade, por ele entendida como uma categoria que
se situa além do registro dos fatos, escaparia ao
jornalismo.
Não obstante, profissionais da imprensa não se
cansam de trombetear a verdade para todos os
gostos. No mais das vezes, essa promessa não passa
de pretexto para condutas duvidosas. Vale reler o
parágrafo de abertura do livro “O jornalista e o assas-
sino”, escrito pela jornalista americana Janet
Malcolm.

Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou


cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que
o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie
de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da
solidão das pes- soas. Tal como a viúva confiante, que
acorda um belo dia e des- cobre que aquele rapaz
encantador e todas as suas economias sumiram, o
indivíduo que consente em ser tema de um escrito não
ficcional aprende — quando o artigo ou livro aparece — a
sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria
traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de

2
cada um.

14 LIPPMANN, Walter. Public Opinion. New York: Free Press Paperbacks (Simon
and Schuster), 1997, p. 226. Em inglês: “The function of news is to
signalize an event, the function of truth is to bring to light the hidern
facts, to set them into relation with each other, an make a picture of
reality on which men can act.”

2
Eugênio Bucci

Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do


“direito do público a saber”; os menos talentosos falam
sobre a Arte; os mais decentes murmuram algo sobre
ganhar a vida.15

“A Verdade”, agora com “V” maiúsculo,


entregaria um salvo-conduto ao profissional de
imprensa, dando a ele todas as licenças. Em nome
do tal “direito de saber” – de saber nada menos
que “a” verdade –, ele se outorgaria a prerrogativa de
es- carafunchar as misérias humanas para depois
escancará-las sem cerimônias. Em nome da verdade, o
jornalista atravessa as fron- teiras das intimidades e
agem como se todas as histórias de todos os seres
humanos vivos ou mortos pertencessem a eles.
Não, a verdade não pode ser o álibi para todo
tipo de traição. Se embarcar nessa, o próprio
jornalista se rebaixa à con- dição de cínico de duas
caras. Com a primeira cara, entrevista suas vítimas,
fazendo pose de ser tão bondoso quanto uma mãe.
Enquanto ouve as respostas, nada recrimina, tudo
aceita. A se- gunda cara aflora quando o mesmíssimo
jornalista, já de posse das declarações que queria
extrair de sua fonte, publica a histó- ria: então, o que
assume a cena é o pai severo, que tudo condena,
nada perdoa e nada esconde.

O indivíduo [aquele que é retratado por um autor para ser,


depois, personagem de um livro de não-ficção] torna-se uma
espécie de filho do escritor, considerando-o como uma mãe
per- missiva, que tudo aceita e tudo perdoa, e esperando
que o livro

2
15 MALCOM, Jannet. O jornalista e o assassino. São Paulo: Cia das Letras,
2011,
p. 11. A propósito, vale ler o posfácio de Otavio Frias Filho, cuja leitura
in- fluencia a interpretação exposta neste texto.

2
Primeira Parte – Observação preliminar sobre a verdade na imprensa e na
política

seja escrito por ela. Evidentemente, o livro é escrito pelo pai


severo, que percebe tudo e não perdoa nada.16

A verdade, nesses casos, nada mais é que uma


desculpa, um salvo-conduto para a vilania.
A ausência de escrúpulos, que se esconde por
trás de uma alegação fingida de que se fala em nome
de uma tal “verdade”, vem de longa data. Assim
como a mentira é tão antiga quanto a fala, a
mentira de imprensa é tão antiga quanto a
imprensa. Quando olhamos os jornais da virada do
século XVIII para o sé- culo XIX na Europa e nos
Estados Unidos, vemos um festival de calúnias e
xingamentos sem nenhum compromisso com o equi-
líbrio, a ponderação e a objetividade. Os diários que
conquista- ram na prática a liberdade de imprensa
primavam pela violência da linguagem e mentiam à
vontade. A qualidade jornalística, não custa lembrar,
só veio como consequência do exercício da
liberdade, não o contrário.
Também em livros, a mentira dolosa é tão velha
quanto a invenção de Gutenberg. “Os protocolos dos
sábios do Sião” tal- vez seja o exemplo mais
conhecido. De origem obscura – prova- velmente foi
forjado nos bastidores do czarismo, na Rússia, já em
seus estertores –, a obra desencadeou ondas de
antissemitismo pela Europa e difundiu preconceitos que
levariam a perseguições genocidas, como se viu no
holocausto. Inteiramente falso, o livro arregimentou
adeptos fanáticos, para os quais os problemas da
civilização se deviam à ganância de usurários
judeus.
2
16 MALCOM, Janet. O jornalista e o assassino. São Paulo: Cia das Letras,
2011, p. 38.

2
Eugênio Bucci

Como mentiras influenciam decisões democráticas

Nos primeiros anos do século XXI, um pouco


antes de as redes sociais terem se convertido nessa
epidemia totalizante, as falsificações seguiam em
ritmo intenso. A campanha de inven- cionices movida
em proveito de George W. Bush para preparar a
invasão do Iraque ficou na história recente como
outra evidência do estrago que as notícias
fraudulentas acarretam.
Foi em 2003. Manchetes mentirosas –
orientadas, tole- radas ou induzidas pelo Pentágono
– davam conta de que o di- tador do Iraque, Saddam
Hussein, fabricava armas químicas de destruição em
massa. Jornais de boa reputação e de altas tiragens
deram destaque para essa história, o que ajudou a
convencer a opinião pública de que era acertada a
decisão de enviar tropas li- deradas pelos Estados
Unidos, com o apoio entusiástico de Tony Blair,
primeiro ministro inglês, para invadirem o Iraque.
Anos mais tarde, George W. Bush e Tony Blair
admitiram que a acusação era uma fraude, mas o
dano já estava feito. Uma pesquisa divulgada no final
de 2016 mostrou que 53% dos ame- ricanos ainda
acreditavam que a acusação de que o Iraque pro-
duzia armas químicas de destruição em massa fosse
autêntica.17 Faz tempo, portanto, que relatos
inverídicos embaralham
a política e as comunicações humanas. Quando
Hannah Arendt, como vimos na epígrafe, faz o elogio
da verdade factual como a substância que constitui
“a própria textura do domínio político”, ela não ignora

2
que as coisas sejam como são. Ao contrário, ela

17 A pesquisa foi realizada de 17 a 20 de dezembro de 2016 em parceria


en- tre a revista The Economist e o site You Gov:
https://today.yougov.com/ news/2016/12/27/belief-conspiracies-largely-
depends-political-iden/.

2
Primeira Parte – Observação preliminar sobre a verdade na imprensa e na
política

descreve longamente o comparecimento da mentira


na política, desde a antiguidade. Platão, que execrava
reiteradamente o ví- cio da mentira, admitia que, “no
interesse da própria cidade”, o governante poderia
mentir (a ele “compete mentir”), desde que mentisse
para proteger a cidade, mais ou menos como o
médico pode recorrer à mentira piedosa para
preservar o ânimo de um paciente.18
Além de saber que a dissimulação comparece à
oratória de políticos bons ou ruins, e mesmo dos
estadistas, Hannah Arendt toma cuidados adicionais
antes de declarar sua aposta na vigência da verdade
factual. Esclarece que a verdade factual não se
confunde – nem deve se confundir – com outras
verdades, aquelas que se pretendem transcendentes
ou simplesmente mo- numentais. A filósofa ressalta
que a verdade factual é pequena, frágil, efêmera.
Como um primeiro registro dos acontecimentos, um
primeiro – e precário – esforço de conhecer o que se
passa no mundo, a verdade factual é mais vulnerável
a falsificações e ma- nipulações. Mesmo assim, a
verdade factual é facilmente reco- nhecível por todos,
pelos homens e mulheres normais, comuns (como os
jornalistas profissionais, que são e devem ser homens
e mulheres comuns). Hannah Arendt diz que

podemos permitir-nos negligenciar a questão de saber o


que é a verdade, contentando-nos em tomar a palavra no
sentido em que os homens comumente a entendem.19

18 Platão. Livro III de A República.


19 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: Entre o Passado e o Futuro.
Tradu- ção de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.
2
Disponível na internet:
http://abdet.com.br/site/wp-content/uploads/2014/11/Verdade
-e-pol C3 ADtica.pdf Acessado em 20 de maio de 2017.

2
Eugênio Bucci

No nível dos fatos, dos acontecimentos, dos


eventos que todos vemos e que todos temos
condições de verificar e com- provar no uso das
habilidades e das faculdades comuns dos seres
humanos comuns, não há ninguém que não saiba
divisar as dis- tinções entre a verdade factual e a
invenção deliberada de falsi- dades com o objetivo
de esconder os fatos.
A filósofa separa o lugar da verdade – mesmo
dessa ver- dade menos grandiosa, como é a verdade
factual – do lugar da ação política. Trata-se de uma
desvinculação categórica, uma cisão de método:
uma coisa é a esfera abrangida pela política;
outra, bem distinta, é aquela em que os fatos são
apurados, investigados, pesquisados, narrados,
historiados. Reside na política o engenho especial
de se apropriar dos fatos a partir de representações
ou relatos elaborados em outros domínios, inclusive
no jornalismo, mas a função de localizar e apontar
a verdade, bem como a função de difundi-la, não
tem seu lugar no domínio político. A política se
vale – e deve mesmo se valer
– da verdade factual, mas, para tanto, precisa ir
buscá-la fora de seus domínios.
Enquanto a política – ainda que lide com o
conflito de expectativas e interesses – supõe o
coletivo, o comunitário, o gregário, as
confraternizações afetivas, as aglutinações associati-
vas e as concertações em regime de
interdependências, a função de “dizer a verdade”
requer a independência radical. Fica evi- dente que,
no pensamento da filósofa, aqueles que pretendem
trabalhar com a busca da verdade factual devem
2
situar-se fora do domínio político. Fica evidente,
também, que confiar à política o papel de estabelecer
a verdade dos fatos é flertar com o autori- tarismo,
ou mesmo com o totalitarismo.

2
Primeira Parte – Observação preliminar sobre a verdade na imprensa e na
política

Viver fora do domínio político, na perspectiva da


busca da verdade, é viver solitariamente. Quando
trata da demarcação entre a política e a função de
“dizer-a-verdade”, Hannah Arendt enfatiza esse
distanciamento dos espaços coletivos, falando em
“estar só”, em “solidão” e em “isolamento”.
A posição no exterior do domínio político – no
exterior da comunidade à qual pertencemos e da
companhia dos nossos pares – é claramente
caracterizada como um dos diferentes mo- dos de
estar só. Eminentes entre os modos essenciais de
dizer-a- verdade são a solidão do filósofo, o
isolamento do sábio e do ar- tista, a imparcialidade
do historiador e do juiz, a independência do
descobridor de fato, da testemunha e do
repórter.20
Há nessas palavras um indicativo de dor vivida,
que não pode passar sem registro. Hannah Arendt
conheceu de perto os “modos de estar só”. Judia-
alemã, fugiu do nazismo em 1933, indo abrigar-se
em Paris. Quando Hitler invadiu a França, foi pre- sa.
Em 1941, emigrou para os Estados Unidos. Poucos
anos antes de escrever o ensaio “Verdade e Política”,
onde reflete sobre esses “modos de estar só”, recebeu
uma missão jornalística de extrema dificuldade: cobrir,
como enviada especial da revista The New Yor- ker a
Jerusalém, o julgamento do nazista Adolf Eichmann,
um dos

20 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: Entre o Passado e o Futuro.


Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995. O
original, publica- do nos EUA, de 1967, no segundo parágrafo da parte V,

2
lê-se: “The standpoint outside the political realm – outside the
Community to which we belong and the company of our peers – is
clearly characterized as one of the various modes of being alone.
Outstanding among the existential mode of truth- telling are the solitude
of the phiolosopher, the isolation of the scientist and the artist, the
impartiality of the historian and the judge, the independence of the fact-
finder, the witness, and the reporter.”

2
Eugênio Bucci

responsáveis pela execução em massa de prisioneiros


judeus civis, incluindo mulheres e crianças, em campos
de concentração. Tra- balhando como repórter
(“reporter at large”, como era creditada nas páginas
da revista), teve de lidar com o isolamento dos que
procuram enxergar e narrar a verdade dos fatos.
O julgamento de Eichmann começou em abril
de 1961 e terminou com a sentença de morte,
executada em 31 de maio de 1962. A filósofa-repórter
cobriu o evento com rigor. Intuía que a verdade dos
fatos costuma se esconder de quem tem olhos po-
liticamente engajados e só se revela ao observador
que se dispõe a trocar o calor de uma turma
partidária pelo frio da indepen- dência crítica. Isto
posto, foi assim que trabalhou: em indepen- dência e
isolamento.
Depois, ela conheceria uma solidão pior. Sua
reportagem, publicada em cinco capítulos
sequenciais (um por semana) na The New Yorker a
partir de 16 de fevereiro de 196321, foi acla- mada
como uma combinação genial de investigação
jornalística com reflexão filosófica, mas também foi
repudiada por muita gente. Em vez de retratar um
ser demoníaco, um vilão, um fa- cínora fanático e
totalitário, a “reporter at large” apresentou ao mundo
um burocrata obediente e disciplinado que
cumpria diligentemente as ordens recebidas. Ela viu
naquela figura o que chamou de “banalidade do mal”,
expressão que se tornaria clássica. Eichmann não era
um monstro satânico, era um mero funcionário.
Alguns de seus amigos judeus viram no texto um

2
21 Foram, ao todo, cinco reportagens sequenciais, a primeira delas publicada
na edição de 16 de fevereiro de 1963, sob o título de “Eichmann in
Jerusalem
– I”. Depois, as cinco foram reunidas no livro Eichmann em Jerusalém –
um relato sobre a banalidade do mal (São Paulo: Companhia das Letras,
1999).

3
Primeira Parte – Observação preliminar sobre a verdade na imprensa e na
política

ato de traição e passaram a tratar a repórter como


adversária, trânsfuga, ou mesmo inimiga, alguém
sem fibra que tinha sido condescendente com
aqueles que tinham tentado exterminar o povo judeu.
Desse modo, sua reportagem lhe valeu uma conde-
nação de ordem afetiva, foi exilada de suas
amizades.
Visto a partir desse episódio de solidão imposta,
o ensaio “Verdade e Política” – também publicado
originalmente em The New Yorker, como um
trabalho de valor jornalístico, é bom não esquecer –
costura um acerto de contas com essa dor. “Verdade
e Política” é um testemunho, além de uma reflexão
de alcance universal. Hannah Arendt aprendeu
existencialmente o valor do trabalho do repórter e
anotou que, por mais limitado que seja para
descobrir “toda” a verdade, esse trabalho é
indispensável para que tomemos conhecimento do
que se passa e, mais ainda, para que a própria
política se efetive.
O facto de dizer a verdade de facto
compreende muito mais que a informação
quotidiana fornecida pelos jornalistas, ainda que sem
eles nunca nos pudéssemos situar num mundo em
mudança perpétua, e no sentido mais literal, não
soubésse- mos nunca onde estávamos. I22
A democracia teria então o dever de zelar
permanente- mente por “essa função política muito
importante que consiste em divulgar a informação”,
sem a qual não poderia existir. De sua parte, a
política, mesmo para se proteger de si mesma e evi-
tar que as crenças que normalmente cultiva se
2
transformem em fanatismos irracionais, precisa
buscar ancorar suas decisões nos fatos e, dessa
maneira, encontrar sua textura adequada.

22 ARENDT. Parte V.

3
Eugênio Bucci

Se não houvesse esses graus de separações


que depuram e revigoram a textura de seu domínio, a
política não seria propria- mente a política, mas uma
articulação nos moldes das conspira- tas palacianas,
das guerras corporativas, do tráfico de influência
transformado em rotina, ou, ainda, da corrupção
transformada em ethos. Para que a política seja
mesmo a política nos marcos da democracia, seus
agentes não haverão de dispensar as vozes pro-
blematizadoras da imprensa, que rabisca impressões ou
flagran- tes passageiros sobre os eventos e estimula
os debates em torno da interpretação dos mesmos
eventos. O que parece importar a Hannah Arendt é
que a imprensa seja compreendida como um
domínio que não está contido naquele outro, o
domínio político, embora não deixe de ter um olho
ali dentro. De outra parte, a política se define
como um domínio que não deve ser inquilino do
domínio da imprensa, embora viva tentando lhe pôr o
pé na porta.
Um pouco mais para lá, um pouco mais para
cá, a im- prensa e a política guardam isso em
comum. Em ambas, ao me- nos segundo os
pressupostos da democracia, persiste certa filia- ção
a um plano discursivo de registro dos fatos. É isso
que vem se perdendo, velozmente. É isso que não
podemos perder.

3
Segunda Parte

Acerca da verdade que


supostamente emancipa

O Iluminismo nos legou a certeza de que o


saber e a razão forjam a cidadania. Em termos mais
tópicos, a educação pública e universal, a instituição
da imprensa livre e o funcionamen- to das
bibliotecas públicas (acervos de cultura e
conhecimento fraqueados a todos) formariam
cidadãos capazes de julgar. O público letrado
sepultaria o absolutismo e seria o beneficiário da
verdade, o burilador da verdade, a plataforma
irrecorrível da verdade – por isso, deveria ser
também a fonte do poder.23
A liberdade foi concebida, então, como pré-
requisito ou

23 NASCIMENTO, Milton Meira do. Opinião Pública e Revolução . São Paulo:


Edusp
/ Nova Stella, 1989, p. 23: “Por que teria Rousseau escrito as Confissões
senão para encontrar o reconhecimento de um público capaz de melhor julgá
-lo? Ou então, por que teria Voltaire insistido tanto no caso Calas, ou
mesmo, por que Diderot e d’Alambert teriam se lançado num
empreendimento como o da Enciclopédia, e assim por diante, senão

3
pela esperança de encontrarem uma resposta ao seu trabalho? Já não
se prefigurava aí uma tendência forte no sentido de se afirmar o papel
essencialmente pedagógico do intelectual? Já não estaria ali o
pressuposto da existência de um público capaz de julgar?”

3
Eugênio Bucci

mesmo como predeterminação da verdade: sendo


livres, os cida- dãos certamente a alcançariam. O
receituário iluminista vinha em formação desde o
século XVII. Em 1644, em Londres, veio a público a
“Areopagítica”, uma longa carta em que o poeta e
polemista inglês John Milton pleiteou ao Parlamento
Inglês o “direito de imprimir” independentemente de
qualquer licença das autoridades. No mesmo ano,
1644, na França, saiu a segun- da edição do livro
“Conselhos para formar uma biblioteca” (a primeira
edição é de 1627), escrito pelo francês Gabriel
Nau- dé, que serviu como bibliotecário tanto a
Richelieu, em Paris, como à rainha Cristina da
Suécia. Naudé apresentava a bibliote- ca como
instituição “necessariamente pública e universal”:
“pú- blica no sentido de aberta a todos e universal
por conter todos os autores.”24 A biblioteca pública
propriamente dita, contudo, só apareceria bem
depois, no século XIX, no bojo da Revolução
Industrial, para cumprir uma “função educativa”. 25
A verdade do Iluminismo não tinha nada de
pequena. Como nos mostra o professor Milton
Meira do Nascimento, num precioso livro, “Opinião
Pública e Revolução”, os ilumi- nistas viam nela uma
força emancipadora invencível. Honoré Gabriel
Riqueti, o conde de Mirabeau, acreditava na epifania
como o processo de revelação da verdade. Chamado
de “orador do povo”, o jornalista e político Mirabeau
dizia que “a verdade já está dada, mesmo que se
admita o combate livre das doutrinas contrárias”. O
debate aberto, amparado na liberdade, culminaria

3
24 COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminura,
1997. P. 77.
25 MILANESI, Luis. O que é Biblioteca. São Paulo: Brasiliense. Terceira Edição,
1985. P. 22.

3
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

necessariamente com a epifania. Se a discussão


fosse realmen- te livre, a mentira não teria chance.
“Deixemos que se batam [as doutrinas contrárias] e
veremos de que lado estará a vitória”, acreditava
Mirabeau. “Por acaso a verdade alguma vez foi derro-
tada quando atacada abertamente e quando teve a
liberdade para defender-se?” 26
Havia uma segunda corrente, segundo a qual a
verdade não estava previamente dada, mas deveria ser
processada (fabrica- da) por obra do debate. Para essa
corrente, em lugar da epifania, um constructo
coletivo seria gerado por obra dos enfrentamen- tos
entre as muitas opiniões. Um adepto dessa segunda
corren- te foi Guillaume-Chrétien de Lamoignon de
Malesherbes, que em 1750 atuou como o diretor da
Biblioteca Nacional de Luis
XV. Malesherbes não foi um revolucionário
inflamado como Mirabeau, mas colaborou com os
iluministas em participações discretas – ajudou
direta e pessoalmente a livrar Diderot da
perseguição do ancien régime e chegou a
esconder alguns dos originais da “enciclopédia” que
ele preparava. Malesherbes dizia: “A discussão pública
das opiniões é um meio seguro para se fazer brotar a
verdade. E talvez seja o único.”27
Num ponto essencial, Mirabeau e Malesherbes
concorda- vam: a liberdade funcionava como o ponto
de partida para que a verdade, ou bem se revelasse,
ou bem se produzisse. Para os dois,

26 MIRABEAU, Honoré Gabriel de Riqueti, conde de. Sur la liberté de la


Presse, imité de l’anglais. Londres, 1788, apud NASCIMENTO, Milton
Meira do. Opinião Pública e Revolução. São Paulo: Edusp / Nova Stella,

3
1989, p.61.
27 MALESHERBES, Guillaume-Chrétien de Lamoignon de. Mémoires sur la librai-
rie et sur la liberté de la Presse, datado de 1788, mas só publicado em
1809,
p. 266, apud NASCIMENTO, Milton Meira do. Opinião Pública e Revolução .
São Paulo: Edusp / Nova Stella, 1989, p.62.

3
Eugênio Bucci

a razão, a filosofia, as luzes, o poder do povo e os


direitos univer- sais teriam como referencial mais
alto, sempre, a verdade – que, uma vez encontrada,
iluminaria os destinos comuns, na direção do futuro
feliz para todos e para cada um.
Isso significava que, sem cidadãos letrados e
bem infor- mados, não haveria povo capaz de
sustentar a democracia. Já no século XVIII, a França
registrava um crescimento expressivo do público
leitor, constituindo uma base social para o
florescimen- to da opinião pública. O historiador
Robert Darnton registra a evolução:

“O número de alfabetizados provavelmente duplicara no


curso do século, e a constante tendência ascendente da
economia, combinada com o aperfeiçoamento do sistema
educacional, ge- raram, quase certamente, um público leitor
maior, mais rico e com mais tempo disponível. A produção
de livros disparou, seja avaliada diretamente – pelos
pedidos de privilégios e permis- sions tacites –, seja de forma
indireta, pelo número de censores, livreiros e
impressores.”28
A expansão da base social alfabetizada começara a ser
plantada um pouco antes. Ainda no século XVII, as ideias que
propulsiona- vam a onda das luzes já estavam em marcha.

Mais tarde, as revoluções liberais abriram


caminho para o Estado de Direito e ao que
chamamos hoje de democracia. Quando a utopia
parecia decolar, contudo, veio o inesperado. As coisas
não progrediram como Mirabeau e Malesherbes que-
riam. As grandes revoluções liberais não trouxeram
apenas lu-

3
28 DARNTON, Robert. Boemia Literária e Revolução: o submundo das letras no
Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.p. 27.

3
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

zes. Ainda no século XVIII, em Paris, as guilhotinas


e o terror produziram rios de sangue, num paroxismo
de monstruosida- de que implodiu em autofagia. No
século XX, viria a desilu- são mais traumática. Na
Primeira Guerra, os jovens franceses morriam nas
trincheiras enlameadas não apenas por serem
atingidos por bombas, balas ou gases venenosos,
mas também de doenças, de inanição, de disenteria.
Era a barbárie que con- sumia as nações ditas
civilizadas. Onde estariam os frutos da razão e da
verdade?
O desencanto se ampliou. A burocracia estatal,
em vez de promover o ideal da impessoalidade no
Estado de Direito, gerava máquinas totalitárias de
diferentes matizes. A ciência, em vez de abrir as vias
para a plenitude da vida, investia na produção de forças
destrutivas, como a bomba atômica. A Razão não
cum- prira o seu papel civilizatório, parecia degradar-se
em seu oposto. A liberdade, a fraternidade e a
igualdade se perdiam, enquanto o mundo virava de
ponta-cabeça, como observa Adauto Novaes no
ensaio inicial do ciclo de conferências “Mutações:
dissonân- cias do progresso”:

Acontece que a instrumentalização da razão e do Iluminismo


tra- balhou contra os ideais humanos e por estranha ironia,
por uma ambivalência intrínseca, o seu oposto, o declínio,
surge como conceito na mesma época, lado a lado, o que,
para muitos, já era o signo de um inevitável destino. Estaria
aí também um ato inaugural da má consciência dos nossos
tempos? 29

35
29 NOVAES, Adauto. Mutações: dissonâncias do progresso. Texto de
apresenta- ção publicado no catálogo do ciclo, 2017, p. 22.

35
Eugênio Bucci

A técnica vence o espírito. Com o progressivo


desprestígio do humanismo, a verdade deixou de ser
invocada com tanta in- sistência – ou com tanta
vibração. Foi aí que a mesma sociedade que desistia
de pronunciar essa palavra começou a se afeiçoar a
outra: “informação”. Enquanto a curva da verdade
escorria para baixo, a linha da informação rumou
para o alto. Nessa troca de guarda entre duas palavras,
escondem-se algumas pistas que nos ajudam a
entender esse “ato inaugural da má consciência dos
nossos tempos”, no dizer de Adauto Novaes.
Embora o vocábulo “informação” não tenha sido
uma das estrelas da retórica iluminista e só tenha se
tornado mais corrente no século XX, sua origem
remonta à antiguidade. Recorramos a Rafael
Capurro e Birger Hjorland, expoentes da Ciência
da Informação, que esmiuçaram sua etimologia.

Muitas palavras gregas foram traduzidas, para o latim, por


in- formatio ou informo, como hypotyposis (que significa
modelo, especialmente em um contexto moral) e prolepsis
(representa- ção), mas a maioria dos usos de nível mais
elevado são expli- citamente relacionados a eidos, idea,
typos e morphe; isto é, a conceitos-chave da ontologia e
epistemologia gregas.30

Os dois pesquisadores contam que os termos


latinos in- formatio e informo, que aparecem em
Virgílio (70-19 A.C.), têm

30 CAPURRO, Rafael; HJORLAND, Birger. O Conceito de Informação. Perspectivas


em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./abr. 2007.
Tradução do capítulo publicado no Annual Review of Information Science

3
and Technology. Ed. Blaise Cronin. v. 37, cap. 8, p. 343-411, 2003,
autorizada pelos autores. Tradutores: Ana Maria Pereira Cardoso, Maria
da Glória Achtschin e Marco Antônio de Azevedo, p. 155.

3
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

relação com o ato de dar forma a alguma coisa.


Tertuliano (160-
220) vai se referir a Moisés como o populi
informator, isto é, o educador ou modelador de
pessoas.31
Quanto ao sentido que a palavra adquiriu no
jornalismo, só começou a se estabelecer ao final do
século XIX, quando uma sequência de inovações
industriais (como as máquinas impresso- ras e as
ferrovias) fez disparar a tiragem dos diários e ampliou
as distâncias da distribuição dos exemplares. Aí, os
editores se de- ram conta de que a notícia (ou a
informação jornalística) tinha valor comercial. Os
leitores pagavam pela informação que lhes fosse útil.
O mercado explodiu. Entendia-se por informação,
nesse momento, o relato confiável e verificável dos
acontecimen- tos, quer dizer, entendia-se por
informação algo bem próximo daquilo a que temos
denominado como verdade factual. A se- paração
entre os dois conceitos, bastante drástica, só
ocorreria mais tarde.

A informação e seu valor de mercado

A noção de informação que acabaria por


prevalecer no jor- nalismo começou a ganhar uma
forma definida nas correspon- dências que os
comerciantes trocavam entre si ainda no século
XIV. As cartas regulares entre os agentes de comércio
da Europa constituíam uma rede para as informações
econômicas que orien- tavam o mercado nascente:

3
eram cotações de preços, estimativas de safras,
volumes de cargas em transporte, datas previstas
para

31 Idem

3
Eugênio Bucci

entregas de especiarias, etc. Essas informações


econômicas, além de vitais para os negócios que se
comunicavam, eram também mercadorias, já que
tinham, elas mesmas, o seu próprio valor co- mercial.
Nesse período, portanto, a informação econômica dizia
respeito a mercadorias, mas era também uma
mercadoria à parte. Jürgen Habermas flagra a
imbricação entre mercadorias e informações já nesse
período de pré-capitalismo, quando redes de
comunicações financeiras, que antecederam a
imprensa e os correios públicos, embasavam as decisões
dos agentes mercantis. Aí estariam, em germe, os
“elementos do novo sistema de trocas: a troca de
mercadorias e de informações engendrada pelo
grande
comércio pré-capitalista.”32
A troca de informações se desenv olve na trilha
da troca de mercadorias. (...) A partir do século XIV, a
troca antiga de car- tas comerciais foi transformada
numa espécie de sistema corpo- rativo de
correspondência. (...) Mais ou menos
contemporâneos ao surgimento das bolsas, o correio
e a imprensa institucionali- zaram contatos
permanentes de comunicação.33
A informação econômica do pré-capitalismo,
trafegando em circuitos estritamente privados, quase
sigilosos, foi uma das matrizes do que depois viria a
ser a informação jornalística. Esta, porém, nutriu-se
também de outras fontes: incorporou os mo- dos de
narrar da literatura, as exaltações retóricas da
política, aspectos metodológicos das ciências, entre
outras inspirações, e, ao contrário da tradição das
cartas entre os comerciantes, que se
3
32 HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera pública . Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 28.
33 HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera pública . Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 29.

3
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

pautavam pelo sigilo, iria se definir por transformar o


assunto privado em matéria pública.
Na virada do século XX, a imprensa se tornou
uma indús- tria poderosa, cuja mercadoria era a
informação. Jornais como o World, de Joseph
Pulitzer, em Nova York, se aproximavam, em suas
edições dominicais, da tiragem de um milhão de
exem- plares, enquanto o The New York Times
ganhava mais e mais leitores. Magnatas como
William Randolph Hearst ergueriam seus impérios
logo em seguida.34 A informação jornalística – en-
tendida então como o registro factual verificável,
razoavelmente objetivo (no sentido comum e
superficial do termo) e preciso
– incrementava seu valor de troca e adensava o seu
caráter de portadora da verdade factual.
Nesse tempo, os editores de jornais se
orgulhavam de dizer que zelavam pela verdade – e
os melhores tinham plena consciência de que
falavam não de qualquer verdade, mas da verdade
factual. Em 1923, o Comitê de Ética da American
So- ciety of Newspaper Editors (ASNE), publicou os
seus “Cânones do Jornalismo”, onde se lê com clareza
como os jornalistas viam a si mesmos como
guardiães da verdade (factual), em oposição a
partidarismos e expressões de natureza mais
opinativa:

Partidarismo em comentário editorial que sabidamente se


afasta da verdade constitui violência ao melhor espírito do
jornalismo

34 Sobre o desenvolvimento da imprensa industrial, que gerou o reinado

4
dos jornais diários que viriam depois da era da imprensa de opinião (em
que a reportagem praticamente não tinha lugar, e que persistiu até
meados do século XIX), ver MIÈGE, Bernard. “L’espace public:
perpétué, élargi et frag- menté”. In: PAILLART, Isabelle (org.). L’espace
public e l’emprise de la com- munication . Grenoble: Ellug, 1995, p. 163-
175.

4
Eugênio Bucci

americano; em colunas noticiosas é subversivo de um


princípio fundamental da profissão. (Art. III, inciso 2).35

O bom jornal deveria separar opinião de


reportagem. Os Cânones da ASNE preconizavam:

A prática sadia estabelece clara distinção entre reportagens


noti- ciosas e expressões de opinião. As reportagens
noticiosas devem ser livres de opinião ou de preconceito de
qualquer espécie. (Art. 5, caput).36

A função informativa dos noticiários, que se


estabelece no final do século XIX, não escapou aos
olhos dos estudiosos da Ciência da Informação da
segunda metade do século XX. Adria- no Duarte
Rodrigues afirma:

Também se entende muitas vezes por informação o


conjunto dos acontecimentos selecionados pelas agências de
notícias e pelos profissionais das mídias. (...) A informação
é, então, qual- quer acontecimento, a partir do momento em
que é selecionado pelos agentes das organizações que
gerem as mídias como do- tado de valor informativo. (...)
Deste ponto de vista, um ataque terrorista, um terremoto ou
uma catástrofe natural são evidente- mente acontecimentos
dotados de indiscutível valor informativo, uma vez que são
inesperados, alteram as expectativas habituais, os projetos e
os investimentos das pessoas ou das instituições. É o critério
da sua natureza inesperada que leva alguns autores a

35 Citado por MEYER, Philip. Ética no Jornalismo: um guia para


estudantes, profissionais e leitores. São Paulo: Forense Universitária,
1989. (Original de 1987) p. 353.

4
36 Idem, ibidem, p. 353.

4
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

relacionarem sentido de informação noticiosa com o sentido


que 1he é dado na “teoria matemática da comunicação”,
segundo a qual é a probabilidade relativa da sua ocorrência
que define o valor informativo de um acontecimento.37

Com efeito, a informação jornalística tem seu


valor de troca (e de uso) justamente aí: conta para
as pessoas algo que elas não esperavam que
estivesse ocorrendo, quer dizer, o valor de troca da
informação aumenta na medida em que cresce a im-
probabilidade do que ela dá a saber. Mas isso é
notícia – notícia de jornal. O conceito que hoje
usamos de informação vai muito além do conceito
prático de notícia.

Como a informação foi inventada por uma teoria


matemática

Durante a Segunda Guerra e pouco depois


dela, dois gênios redefiniram o que se entendia
por informação. O bri- tânico Alan Turing
conseguiu montar uma máquina de fazer cálculos
complexos e, com ela, decifrou a criptografia da
co- municação entre os nazistas. O americano
Claude Shannon enxergou a informação na forma de
um evento matemático. A obra de Shannon é mais
seminal: é dele o mérito pelo surgi- mento de uma
teoria matemática não apenas da informação, mas
da comunicação.

37 RODRIGUES, Adriano Duarte. “A natureza pragmática da comunicação e a

4
informação”. In: MORIGI, Valdir. JACKS, Nilda. GOLIN, Cida.
Epistemologias, comunicação e informação. Porto Alegre: Sulina, 2016, p.
39.

4
Eugênio Bucci

Shannon não estava interessado no conteúdo


dessa comu- nicação ou dessa informação. Para ele a
semântica não interessava, não importava se uma
informação significava A ou B. Seu desafio era
equacionar a troca de informação eficaz (ou efetiva)
entre sis- temas distintos – podendo esses sistemas
serem humanos ou não. Seus estudos – ao lado dos de
Turing – abriram o horizonte para a era do
computador e para a “sociedade da informação”.
Desplugada de qualquer conteúdo semântico,
desligada da ideia de sentido ou de significado,
desconectada da pretensão de verdade e, também,
de conotações éticas, a palavra “infor- mação”,
depois de Shannon, ganhou uma arquitetura teórica e
científica só para si. Com esse delineamento purista,
asséptico e
– em boa medida – aético, o conceito matemático da
informação ganhou reverberações e reflexos em
outros campos do saber. O inglês Gregory Bateson,
também antropólogo e epistemólogo da
comunicação, passou a dizer que informação é uma
“diferença que faz a diferença”.38 Apenas isso. Nos
anos 90, o cientista britâ- nico, Richard Dawkins, um
dos evolucionistas mais celebrados da atualidade,
escreveu que a vida no planeta Terra poderia ser
explicada como uma “explosão de informação”, isto
é, uma in- cessante e crescente multiplicação de
comandos genéticos numa escalada exponencial
viajando no tempo através de corpos, de tecidos, de
ossos, de fibras, de plantas.39 Em 2015, o
israelense Yuval Noah Harari, doutor em História pela
Universidade de Oxford e Professor na Universidade
Hebraica de Jerusalém, além
4
38 BATESON, G. Steps to an ecology of mind. New York: Ballantine Books,
1972, p. 459.
39 DAWKINS, Richard. River out of Eden – a darwinian view of life . New
York: BasicBooks (a division of Harper Collins Publishers), 1995, p. 144 e
seguintes.

4
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

de adepto da meditação Vipassana, anotou em seu


best-seller Homo Deus: “O dogma atualmente em
vigor sustenta que orga- nismos são algoritmos e que
algoritmos podem ser representados por meio de
fórmulas matemáticas.”40
Na imprensa, coube ao jornalista americano
Richard Saul Wurman, o criador dos guias Access e
especialista consagrado em apurar, editar e vender
informações jornalísticas, recepcionar com elegância
os postulados de Shannon.

A grande era da informação é, na verdade, uma explosão


da não-informação – uma explosão de dados. Para enfrentar a
cres- cente avalanche dos dados, é imperativo fazer a
distinção entre dados e informação. Informação deve ser
aquilo que leva à com- preensão. Cada um precisa dispor de
uma medida pessoal para definir a palavra. O que constitui
informação para uma pessoa pode não passar de dados
para uma outra. Se não faz sentido para você, a
denominação de informação não se aplica. No tra- tado
“The Mathematical Theory of Communication” (“A teoria
matemática da comunicação”), publicado em 1949, e que
cons- titui um marco no assunto, Claude Shannon e Warren
Weaver definem a informação como aquilo que reduz a
incerteza.41

Wurman acertou ao descrever como os


jornalistas enxer- gam – e devem enxergar – a
informação. Mas, quanto ao concei- to propriamente
dito de Shannon, ele incorre em imprecisões. Por dois
motivos. Em primeiro lugar, porque, para Shannon, o

40 HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã.


Companhia das Letras, 2016, p. 120.

4
41 WURMAN, Richard. Ansiedade de informação: como transformar
informação em compreensão. São Paulo: Cultura Editores Associados.
1991, p. 43. Original: WURMAN, Richard Saul. Information Anxiety. New
York: Doubleday, 1989.

4
Eugênio Bucci

fato de uma informação ter um significado (A, B, C ou


qualquer outro) era apenas irrelevante, não
importava nada, como logo veremos. Ele não ligava
para o “sentido” que uma informação tem ou deixa
de ter. Em segundo lugar, Wurman parece perder de
vista uma ambiguidade constitutiva da “teoria
matemática da comunicação”: para Shannon, a
informação reduzia a incerteza, sim, mas também
podia aumentar a incerteza.
Comecemos por esclarecer a ambiguidade. Há
um tipo de incerteza que a informação tende a
reduzir – e nisso Wurman tem toda a razão. Esse
tipo de incerteza é aquele que decorre de erros, de
imprecisões, de verificações malfeitas ou de falhas
diversas, seja na apuração de um dado, na edição
confusa ou até mesmo nos defeitos técnicos de
processamento, transmissão ou difusão. A essas
falhas, Shannon dá o nome de “ruído”. Quan- to
menos “ruído” na comunicação, melhor fica a
informação e menor é a margem para as incertezas.
A essa incerteza, Shannon qualificou como
“indesejável”. Nesse sentido, sim, a informação
reduz a incerteza.
Existe também o outro tipo de incerteza, que
pode ser expandido conforme aumentam as
possiblidades informativas. Quanto mais numerosas
forem as possibilidades de os emissores enviarem
mensagens distintas, maior será a incerteza sobre
qual mensagem será enviada. E, se as chances de um
mesmo emissor enviar a mensagem “A” forem iguais
às chances de ele enviar a mensagem “B”, que por
sua vez são iguais às chances de ele enviar a
mensagem “C”, a “D” e assim sucessivamente, maior
4
a incerteza em relação à informação que poderá vir
dele. Segundo Shannon, essa é a incerteza
“desejável”, pois indica uma espécie de
imprevisibilidade salutar da comunicação.

4
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

Um conceito que não leva em conta a verdade

Em 1948, Shannon publicou um artigo


científico, “fte Mathematical fteory of
Communication” (“A teoria matemáti- ca da
comunicação”). No ano seguinte, em 1949, ele
escreveu, em parceria com o também matemático
Warren Weaver, um li- vro com o mesmo nome. A
citação a seguir foi tirada do livro assinado pelos
dois:

A incerteza que aumenta conforme aumenta a liberdade de


es- colha da parte do emissor é desejável. Já a incerteza que
cresce em decorrência de erros ou de ruídos é a incerteza
indesejável.42

A formulação que eles apresentam é claríssima.


Se dimi- nuirmos o nível de erro, de “ruídos”,
reduziremos a “incerteza indesejável”, a incerteza
que indica o caos no sistema. Na outra ponta, se não
formos capazes de prever o que determinada pes-
soa – ou determinado sistema, que não precisa ser
uma pessoa
– dirá sobre um assunto qualquer, temos a incerteza
“desejável”. Nesse ponto, a teoria matemática presta
um tributo à liberdade, ainda que uma liberdade
enunciada matematicamente: quanto mais livres –
em termos, digamos, combinatórios – forem os
emissores, mais eles gozam da condição de poder
falar o que bem entendem e maior será a margem
de surpreender.

42 SHANNON, Claude E.; WEAVER, Warren. The mathematical Theory of

4
Commu- nication. The University of Illinois Press. Urbana, 1964, p. 19.
Isso já era a décima reimpressão de uma obra em capa dura. As
primeiras edições, em capa mole (paper bound ou paper back),
apareceram em 1963. No original: “Uncertainty which arises by virtue of
freedom of choice on the part of the sender is desrieble uncertainty.
Uncertainty which arises because of errors or because of the influence of
noise is undesireble uncertainty.”

4
Eugênio Bucci

No mais, como já foi antecipado, Shannon e


Weaver não estão preocupados com o sentido que a
informação possa trans- portar, ou com a verdade
que ela ocasionalmente carregue ou deixe de
carregar. Eles são peremptórios.

A palavra informação, nesta teoria, é usada em um sentido


espe- cial que não deve ser confundido com seu uso
comum. Em par- ticular, a informação não deve ser
confundida com o significado. (...) Na verdade, duas
mensagens, uma das quais é fortemente carregada de
significado e a outra apenas absurda, podem ser
exatamente equivalentes, do ponto de vista aqui adotado,
no que diz respeito à informação. É isso, sem dúvida, que
Shannon [aqui os autores se referem ao artigo científico original,
publi- cado anteriormente por Shannon] quer dizer quando ele
diz que ‘os aspectos semânticos da comunicação são
irrelevantes para os aspectos de engenharia’. Mas isso não
significa que os aspectos de engenharia são necessariamente
irrelevantes para os aspec- tos semânticos.43

O descompromisso metodológico em relação aos


aspectos semânticos e com o sentido é o que
promove a desvinculação entre a “teoria
matemática da comunicação” e a questão da ver-

43 SHANNON, Claude E.; WEAVER, Warren, The mathematical Theory of


Communi- cation. The University of Illinois Press. Urbana, 1964, p. 8. No
original: “The word information, in this theory, is used in a special sense
that must not be confused with its ordinary usage. In particular,
information must not be confused with meaning. (...) In fact, two
messages, one of which is heavily loaded with mean- ing and the other of
which is pure nonsense, can be exactly equivalent, from the present
viewpoint, as regards information. It is this, undoubtedly, that Shannon

4
means when he says that ‘the semantic aspects of communication are
irrelevant to the engineering aspects.’ But this does not mean that the
engineering aspects are necessarily irrelevant to the semantic aspects.”

4
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

dade. Os dois autores não queriam, não precisavam


e, no fundo, não podiam trazer para o seu estudo o
problema do sentido, do significado e, logo, a questão
da verdade. Se ficassem ligados a isso, não isolariam,
como era necessário em sua teoria, o conceito
matemático – e, na perspectiva deles, científico – da
informação. Não há como negar: eles tinham sua
razão, ainda que pu- ramente matemática. Se um
bit (o dígito binário, que só pode ser 0 ou 1, a
menor unidade possível de informação), diz a ver-
dade ou não diz, pouco importa: continuará sendo
um bit de um jeito ou de outro. Um bit não precisa
inspirar-se na retidão normativa ou na honestidade
intelectual para ser um bit, apenas
um bit. Logo, a verdade pode ser deixada de lado.
O que movia a imaginação de Shannon e
Weaver eram números e símbolos. Nessa
empreitada, beneficiaram-se do tra- balho de outros
que, de conta em conta, foram transformando a
matemática numa linguagem autônoma. Um desses
gigantes foi o matemático e filósofo George Boole,
um dos maiores nomes da álgebra. Boole escrevia
coisas surpreendentes com fórmulas matemáticas.
Vejamos como ele explica o que são animais sujos: 1 –
x = y(1-z) + z(1-y) + (1-y) (1-z)

Traduzindo:

Animais sujos são todos aqueles que têm o casco fendido e


não ruminam, todos os que ruminam sem ter o casco
fendido, e to- dos aqueles que não têm o casco fendido nem
ruminam. 44

4
44 BOOLE, George. An Investigation of the Laws of Thought, on Whtich Are
Found- ed the Mathematical theories of Logic and Probabilities. Londres
Walton & Maberlh, 1854. p. 88. Citado por GLEICK, James. A
informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013, p. 173.

4
Eugênio Bucci

Shannon e Weaver aplicaram ao estudo da


comunicação e da informação fórmulas que a Física
usa para estudar a entropia de um sistema45 e, nessa
trilha, deram à linguagem matemática um alcance que
Boole talvez não imaginasse. Realizaram proezas no
universo da matemática. No entanto, ao deixarem a
verdade para lá, secretaram um sutil sintoma do mal-
estar do nosso tem- po: a questão da verdade é, ela
mesma, um fator de perturbação do raciocínio
científico. Graças a Shannon, Weaver e também a
Turing, a indústria da computação decolou.
Os esforços para depurar os objetos de cada
ciência não constam das invenções de Shannon e
Weaver. Esses esforços já vinham de muito antes,
ganharam impulso com o Iluminismo e estiveram
presentes no percurso de outros cientistas e filósofos.
No século XVIII, Immanuel Kant – cuja obra firmou
o princí- pio da humanidade como fim – separou a
filosofia moral, ou a ética, do ideal de felicidade.
Contrariando os gregos como Pla- tão, Aristóteles e
Epicuro, Kant sustenta que ética e felicidade
constituem esferas estranhas entre si, não
coincidentes.46
Há de ser ilustrativo ainda lembrar ao menos
um caso mais recente, entre tantos outros. O
austríaco Hans Kelsen (1881-1973), filósofo neo-
kantiano e positivista, elaborou sua Teoria Pura do
Direito com o objetivo de separar a noção de
Direito da noção de Justiça. Kelsen formulou as regras
do direi- to em uma construção sistemática que
independe da noção de Justiça. Em “O Problema da
Justiça”, ele diz:

4
45 “H = - ∑ pi log pi”. SHANNON, Claude E.; WEAVER, Warren, The
mathematical Theory of Communication. The University of Illinois Press. Urbana,
1964, p. 14-15.
46 Essa sustentação está em KANT, Immanuel . Fundamentação da
Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70. 2005.

4
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

A norma fundamental de uma ordem jurídica positiva não é


de forma alguma uma norma de justiça. Por isso, o direito
positivo, isto é, uma ordem coativa criada pela via legislativa
ou consue- tudinária e globalmente eficaz, nunca pode estar
em contradição com a sua norma fundamental, ao passo que
esta mesma ordem pode muito bem-estar em contradição
com o direito natural, que se apresenta com a pretensão de
ser o direito justo.47

Em sua obra principal, “Teoria Pura do Direito”,


publica- da originalmente em 1934, Kelsen reafirma o
mesmo princípio:

Se a ordem moral não prescreve a obediência à ordem


jurídi- ca em todas as circunstâncias e, portanto, existe a
possibilidade de uma contradição entre a Moral e a ordem
jurídica, então a exigência de separar o Direito da Moral e a
ciência jurídica da Ética significa que a validade das normas
jurídicas positivas não depende do fato de corresponderem à
ordem moral, que, do ponto de vista de um conhecimento
dirigido ao Direito positivo, uma norma jurídica pode ser
considerada como válida ainda que contrarie a ordem moral.48

A “Teoria Pura do Direito” foi incensada e


combatida. O mérito do filósofo austríaco foi ter
fechado as portas para as elu- cubrações
demagógicas. Ao mesmo tempo, sua obra abasteceu
inadvertidamente obscurantismos que consagravam
ordens jurí- dicas não solidárias, insensíveis e mesmo
desumanas. É claro que podemos conceber um
entendimento do direito além da moral e

47 KELSEN, Hans. O problema da Justiça. Tradução: João Baptista Machado.

5
Se- gunda edição. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 117.
48 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado.
Quin- ta edição. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.77. (O original é de
1934)

5
Eugênio Bucci

da justiça, e nisso Kelsen foi convincente, mas será


democrático formular e aplicar a lei sem levar em
conta esses valores?
Guardadas as proporções, Shannon e Weaver
pensaram na mesma direção ao procurar isolar o
objeto de sua ciência e, como Kelsen, foram bem-
sucedidos. Ou mais ainda. A mania de traduzir as
ideias em fórmulas numéricas, equações e teoremas se
espalhou pelas galáxias de muitas outras ciências e
foi bater até na Teoria Psicanalítica do francês Jacques
Lacan, um dos mais festejados psicanalistas da
segunda metade do século XX. La- can criou diversos
“matemas” (era assim que ele chamava suas
formuletas e diagramas) para explicitar seus
conceitos. Vejamos alguns.
Para sintetizar o seu conceito de “fantasma”,
pelo qual o sujeito se cola ao “objeto pequeno a”,
compondo uma unidade imaginária, Lacan rabiscou:
$<>a.
Enfim, o que se deu foi uma febre na cultura:
tudo pare- cia matematizável. Poderíamos nós mesmos
imaginar traduções algébricas para expressões
comuns do pensamento crítico. Uma frase de Guy
Debord, por exemplo, “o espetáculo é o capital em tal
grau de acumulação que se torna imagem”49, poderia
assim ser transposta para a linguagem
matemática:
 = ki. 50

49 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto,

50
1997, p. 25.
50 Numa síntese matemática já sugerida em escritos anteriores pelo autor
do presente texto.

50
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

Mas o que mais importa aqui é ter claro que


Shannon e Weaver, muito mais do que exercer
forte influência sobre os mais diversos campos
científicos, viabilizaram a fabricação não apenas de
computadores, mas também de smartphones, chips,
algoritmos e do big data. E viabilizaram tudo isso
que aí está com um conceito de informação que,
rigorosamente independe da questão da verdade.
O professor português Adriano Duarte
Rodrigues define muito bem a desvinculação entre
informação, comunicação e verdade:

“A veracidade de uma informação não depende


evidentemente da sua comunicação, mas a comunicação de
uma informação faz com que a compreensão dessa
comunicação passe a depender das condições de eficácia da
sua enunciação, independentemen- te das condições de
verdade das proposições enunciadas ou, se preferimos, da
informação.”51

A informação se reconcilia com a verdade

Duarte Rodrigues tem seu ponto, por certo.


Mesmo as- sim, algumas vozes vêm lançando
contrarrazões menos passagei- ras quanto à
pertinência de um nexo entre verdade, conteúdo e
comunicação (ou informação). O filósofo alemão
Jürgen Haber- mas pode ser tomado como uma
dessas vozes. Em sua Teoria da

51 RODRIGUES, Adriano Duarte. “A natureza pragmática da comunicação e a


5
informação”. In: MORIGI, Valdir. JACKS, Nilda. GOLIN, Cida.
Epistemologias, comunicação e informação. Porto Alegre: Sulina, 2016,
223pp. P. 34.

5
Eugênio Bucci

Ação Comunicativa, de 1981, ele postula os


requisitos daquele que age comunicativamente
tendo em vista o entendimento. Diz Habermas:

“O ator que se orienta para o entendimento deve postular


com sua manifestação três pretensões de validade, a saber,
a pre- tensão:
• de que o enunciado é verdadeiro (quer dizer, de fato se
cum- prem as condições de existência do conteúdo
proposicional ...) de que o ato de fala é correto em relação
ao contexto normativo vigente (ou de que o próprio contexto
normativo em cumpri-
mento do qual esse ato se executa é legítimo e...
• de que a intenção expressada pelo falante coincide
realmente com o que ele pensa.”52
• (Às três pretensões de validade Habermas chama também,
res- pectivamente: “verdade proposicional”, “retidão
normativa” e “veracidade subjetiva”.)

Tendo em vista que Habermas não é um


pensador da in- formação estrito sensu, é de supor-se
que o que ele diz não há de ter impacto direto,
imediato e necessário nos estudos da informação. Mas
uma concepção de informação e comunicação que
despreze a questão da verdade traz benefícios para a
democra- cia? Em que medida a democracia perde
vitalidade pela ação de sistemas comunicacionais e
informacionais que, como as redes sociais na
atualidade, propulsionam sem critério a mentira e sa-
botam qualquer parâmetro que se possa ter de
verdade, mesmo que seja a modesta verdade
factual? Pode haver coesão política, no âmbito de
uma esfera pública democrática sem que a comu-

5
52 HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa. vol. 1, p. 144.

5
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

nicação social ponha em marcha informações


dotadas de vali- dade e de veracidade? A despeito de
aplicabilidade comprovada em teorias e sistemas
circunscritos às tecnologias ou aos modelos
computacionais que sustentam essas tecnologias,
será que con- ceitos puramente matemáticos de
comunicação e de informação bastam para
pensarmos o peso da informação e da comunicação
no domínio da política?
Essas interrogações nos ajudam a entender por
que Ra- fael Capurro e Birger Hjorland – os mesmos
que recuperaram a evolução linguística do termo
“informação”, a partir do grego antigo e do latim –
tendem a se afastar dos conceitos puramente
matemáticos ao tratar dessa matéria tão complexa.
Eles lembram que a informação é aquilo que gera
sentido para seres humanos. Para eles, “a coisa
mais importante em CI [Ciência da informa- ção]
(como em política de informação) é considerar a
informação como uma força constitutiva na sociedade
e, assim, reconhecer a natureza teleológica dos
sistemas e serviços de informação”.53 Em seguida, os
dois sustentam que “quando usamos o termo
‘informação’ em CI, deveríamos ter sempre em
mente que in- formação é o que é informativo para
uma determinada pessoa”.54

53 CAPURRO, Rafael; HJORLAND, Birger. O Conceito de Informação. Perspectivas


em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./abr. 2007.
Tradução do capítulo publicado no CAPURRO Annual Review of
Information Science and Technology. Ed. Blaise Cronin. v. 37, cap. 8, p.
343-411, 2003, autorizada pelos autores. Tradutores: Ana Maria Pereira
Cardoso, Maria da Glória Achtschin e Marco Antônio de Azevedo. P. 151.

5
[Nessa passagem, Capurro e Hjorland fazem referência à full professor
da Texas A&M University, SANDRA BRAMAN. Defining information: An
approach for policymakers. Telecommunications Policy, v. 13, n. 1, p.
233-242. 1989.]
54 Idem, p. 154.

5
Eugênio Bucci

Na perspectiva de uma comunicação entre


seres huma- nos, mesmo que mediada por
hardwares, softwares, chips e al- goritmos, a
veracidade não se reduz a um detalhe irrelevante,
contrariando a “teoria matemática da comunicação”.
Capurro e Hjorland recordam que, para o inglês
Francis Bacon, nos sé- culos XVI e XVII, até mesmo
as informações imediatas forne- cidas pelos
sentidos “devem ser submetidas a um roteiro rigo-
roso que separará o verdadeiro do falso”.55 Eles
também citam o filósofo americano Fred Dretske,
para quem “informação é
o que é capaz de produzir conhecimento e, uma
vez que o co- nhecimento requer verdade, a
informação também a requer”.56 E, então,
concluem:

Em nossa percepção, a distinção mais importante é aquela


en- tre informação como um objeto ou coisa (por exemplo,
número de bits) e informação como um conceito subjetivo,
informação como signo; isto é, como dependente da
interpretação de um agente cognitivo.57

Tudo isso mostra que, mesmo de dentro dos


muros da Ciência da Informação, habitado por
matemáticos e engenhei-

55 Idem, p. 158.
56 DRETSKE, F. I. Knowledge and the flow of information. Cambridge, MA:
MIT, 1981, p. 45.
57 CAPURRO, Rafael. HJORLAND, Birger. O Conceito de Informação. Perspectivas
em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./abr. 2007.
Tradução do capítulo publicado no Annual Review of Information Science
5
and Technology. Ed. Blaise Cronin. v. 37, cap. 8, p. 343-411, 2003,
autorizada pelos autores. Tradutores: Ana Maria Pereira Cardoso, Maria
da Glória Achtschin e Marco Antônio de Azevedo. P. 193.

5
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

ros, além de comunicólogos, o sentido conta, sim, e


conta mui- to. Surge, assim, uma reconvocação do
humanismo, em novas bases. A cultura da paz, a
tolerância, a justiça social e a democra- cia são
valores que dependem direta e intensamente da
qualida- de ética, mais do que técnica, da
comunicação social. A Unesco (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura), aprovou a sua “Declaração de Princípios
sobre a Tole- rância”, em 1995, para valorizar as
virtudes do respeito e do cul- tivo da paz como
expressão maior da qualidade da comunicação nas
sociedades democráticas. O nexo entre democracia e
ética da informação resulta cristalino.
A “Declaração de Princípios sobre a Tolerância”
começa por dizer a que veio logo no início:

No Preâmbulo da Constituição da Unesco, aprovada em 16 de


no- vembro de 1945, se afirma que ‘a paz deve basear-se na
solida- riedade intelectual e moral da humanidade’, que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que ‘toda
pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de
consciência e de religião’ (art. 18), ‘de opinião e de
expressão’(art. 19) e que a educação ‘deve favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações
e todos os grupos étnicos ou religiosos’ (art.26). 58

A opinião, a expressão, a compreensão e


mesmo a tolerân- cia se efetivam no horizonte em
que as pessoas se comunicam. Portanto, a Unesco
tematiza a comunicação e, já no primeiro artigo,
define a virtude da tolerância como um valor
produzido pela comunicação. Vale a pena ir ao

5
original:

58 Declaração de Princípios sobre a Tolerância, aprovada pela Conferência


Geral da UNESCO em sua 28ª reunião. Paris, 16 de novembro de
1995.

5
Eugênio Bucci

A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza


e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos
modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa
qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento,
a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de
pensamento, de cons- ciência e de crença. A tolerância é a
harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética;
é igualmente uma necessidade política e jurídica. A
tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui
para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de
paz.59

Da lógica interna da Declaração da Unesco


resulta que a qualidade da comunicação e da
informação é diretamente pro- porcional à qualidade
da democracia e à densidade da cultura de paz. A
comunicação é fato social, exatamente como, nas
palavras de Ferdinand de Saussure, “a linguagem é
um fato social”.60 Na sua dimensão de fato social, a
comunicação proporciona coesão às comunidades,
mobilizando informações de diversas extrações
– e, se assim é, a comunicação não tem como
escapar a algum grau de compromisso entre
informação e verdade factual.
Nenhuma linguagem subsistiria se se resumisse
a um sis- tema de difusão de enunciados que não
encontram, nunca, al- gum nível de correspondência
com fatos e ideias ou, ainda, com alguma forma de
interpretação dos fatos e das ideias. Computa- dores
e redes funcionam muito bem sem que seus
engenheiros se preocupem com isso; sociedades,
não. Um bit, um bit sozinho, considerado
isoladamente, pode conter um dado verdadeiro ou

5
59 Idem.
60 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral, organizado por
Charles Bally e Albert Sechehaye, São Paulo: Cultrix, 1969, p. 14.

5
Segunda Parte – Acerca da verdade que supostamente emancipa

um dado falso (qualquer que seja a apreensão que


tenhamos do significado de “verdadeiro” ou “falso”),
mas o domínio políti- co não tem como ficar
indiferente à condição de “verdadeiro” ou “falso” do
conjunto das informações que o embasam. Um
conceito de informação que não guarde vínculos com
a verda- de é eficiente para fabricar computadores,
mas não basta, nem de longe, para a construção da
democracia. Nessa perspectiva, é curioso, uma
ordem social justa não tem como sobreviver se lhe
falta ao menos um pouco de Iluminismo.
É essa falta que a expressão “pós-verdade” veio
pôr em evidência. A disseminação da mentira
extrapolou, como se viu com a máquina eleitoral de
Trump, que espalhou absurdos como as “notícias” de
que Barack Obama não era americano e de que o
Papa Francisco apoiava a candidatura do bilionário. A
inven- cionice foi tamanha e tão cheia de
ramificações enigmáticas que ainda hoje, em janeiro
de 2019, o FBI segue investigando a ação de hackers
russos na difusão de fake news que interferiram no
resultado eleitoral de 2016.61 Os gigantes
monopolistas globais Google e Facebook admitiram a
presença de dinheiro da Rússia na distribuição de
mensagens, posts e relatos inverídicos favore- cendo
Trump.62

61 No dia 1º de junho, pela primeira vez, Vladimir Putin admitiu a possibili-


dade da ação de hackers “patriotas” russos para prejudicar a
candidatura dos democratas nos Estados Unidos.
https://www.publico.pt/2017/06/01/ mundo/noticia/putin-diz-que-ataque-
informatico-pode-ter-sido-feito-por
-russos-com-mentes-patriotas-1774227

5
62 “O Google admitiu pela primeira vez que operadores russos exploraram
as plataformas da empresa para interferir na eleição presidencial dos
EUA de 2016.” Ver na Folha de S.Paulo, versão online, de 9 de outubro
de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/10/1925583-
google-des-

5
Eugênio Bucci

Em fevereiro de 2017, um seminário em


Harvard con- cluiu pela preconização de
fortalecimento do vínculo entre in- formação e
verdade:
Nós temos que investigar quais são os
ingredientes neces- sários para os sistemas
informativos que encorajam uma cultura da
verdade.63
Parece se alastrar um sentimento de que,
assim como o conceito de informação deu certo para
fabricar servidores de rede, a verdade é indispensável
para construir democracia. Esta- rá em curso uma onda
de nostalgia do Iluminismo? Ou estará se tecendo
uma percepção difusa de que o Iluminismo, assim
como a modernidade, ainda não cumpriu seu ciclo?

cobre-anuncios-comprados-por-russos-no-youtube-e-no-gmail.shtml. Ver
também “Facebook vai entregar ao Congresso dos EUA anúncios pagos
por russos”, também na Folha de S .Paulo, versão online, de 21 de
setembro de 2017.
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/09/1920544-face- book-vai-
entregar-ao-congresso-dos-eua-anuncios-pagos-por-russos.shtml.
63 Combating Fakenews: An Agenda for Research and Action. Conference held
February 17–18, 2017 Organized by Matthew Baum (Harvard), David Lazer
(Northeastern), and Nicco Mele (Harvard). Final report written by David
Lazer, Matthew Baum, Nir Grinberg, Lisa Friedland, Kenneth Joseph, Will
Hobbs and Carolina Mattsson. https://shorensteincenter.org/combating-

5
fake-news-a- genda-for-research/. No orginal: “We must investigate what
the necessary ingredients are for information systems that encourage a
culture of truth.”

6
Terceira Parte

Por que a verdade


factual faz tanta diferença

Ninguém discorda de que ao menos um pedaço


da res- ponsabilidade pela desvalorização da verdade
factual cabe às pla- taformas sociais e à internet, onde
se instalaram confortavelmen- te as forças dedicadas à
produção das notícias fraudulentas. Não que as redes
sociais devam ser interpretadas como um “mal” em
si, como se fossem uma tecnologia opressiva. Elas
não são isso. Trouxeram arejamentos para o mundo
da vida e para as esfe- ras públicas, abriram novos
canais para diálogos e mobilizações e
desempenharam um papel bastante positivo, contra
Estados pouco sensíveis e pouco abertos ao diálogo,
em episódios como a Primavera Árabe. Vistas nessa
perspectiva, as redes ajudaram a destampar demandas
do público, ajudaram a viabilizar a expres- são de
reivindicações populares e deram mais vigor ao
debate público. Mais ainda, tornaram mais do que
evidentes, escanca- radas, as debilidades e as
limitações do Estado em se comunicar com a
sociedade, e impuseram agendas de mais
5
transparência e melhores níveis de accountability à
máquina pública. No Brasil,

6
Eugênio Bucci

nas grandes manifestações de rua de 2013, os


protestos se articu- laram pelas redes sociais, o que
foi amplamente documentado, registrado e
reconhecido.64
Há nas redes uma vocação para desalinhar os
confortos do poder estatal, o que acarretou
reprimendas autoritárias con- tra elas, além de
reações de matiz conservador. A ditadura chi- nesa,
por exemplo, preferiu amordaçá-las e enquadrá-las
desde a primeira hora. As autocracias do mundo
árabe se opuseram a elas ao acusa-las de gerar
indisciplina e desagregação social. No Brasil, tivemos
discursos governistas que se empenhavam em
demonizá-las, imputando a elas a culpa por supostas
ações orquestradas pelo “imperialismo” ou por outras
entidades aná- logas e, com isso, desestabilizar uma
presidência da Repúbli- ca que seria “popular” e “de
esquerda”. Nesses casos, as redes sociais foram
atacadas por seus méritos, e foram atacadas por
forças cultural e politicamente retrógradas, avessas à
expansão da liberdade.
Não é por esse ângulo que as redes são
criticadas aqui. O problema delas não está na
tecnologia ou nas interações intensas que elas
propiciam, mas em questões relacionadas à
concentra- ção de propriedade, à exploração
industrial do olhar do desejo que essas relações
engendram e aos moldes monopolistas com os quais
elas se apossaram do fluxo das comunicações digitais
em todo o planeta. O problema está nas relações
sociais (relações de produção da indústria do
imaginário) e no fato de que, tendo se enraizado
no mundo da vida e na esfera pública, elas não são
6
públicas em seus controles e na sua propriedade. Sob
a ma-

64 Ver, a esse propósito, BUCCI, Eugênio. A forma bruta dos protestos. São
Paulo: Companhia das Letras, 2016.

6
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

lha tecnológica, elas promovem a tecnociência e o


capital como substitutos da própria política.
Vistas por esse ângulo, fica nítido como o
Facebook e o Twitter, além dos sites de busca, a
exemplo do Google, acelera- ram e fortaleceram a
pós-verdade. Isso se deu por pelo menos dois
motivos. O primeiro tem a ver com um incremento de
ve- locidade, de alcance, de eficácia e de escala.
Vários levantamen- tos mostram que as notícias
fraudulentas repercutem mais do que as verdadeiras.
E mais rapidamente. E arrebatam as amplas massas
de um modo acachapante, num grau jamais atingido
pe- los meios jornalísticos mais convencionais. Em
questão de um dia ou dois, a campanha de Trump era
capaz de potencializar a boataria que o candidato
vinha fomentando por cinco anos e convencer
metade dos Estados Unidos de que Barack Obama
tinha nascido no Quênia. A mesma coisa se verificou
no Brasil. Manchetes malucas, como a que, no final
de 2016, anunciava diariamente a prisão de Lula
para o dia seguinte, foram replica- das e
disseminadas com extrema rapidez.65
O segundo fator é econômico. Notícias
fraudulentas dão lucro. Dentro do ambiente virtual
do Google e do Facebook, a fraude compensa.
Quanto maior o número de clicks, mais o autor
fatura. E, como a mentira é fácil de produzir (é
barata) e

65 O site Consultor Jurídico noticiou uma das medições que foram feitas na
épo- ca: “Notícias falsas sobre a operação ‘lava jato’ causam maior
repercussão dos que as verdadeiras. A constatação foi feita pelo site
BuzzFeed, que mediu o engajamento gerado no Facebook por textos

6
verdadeiros ou não sobre a investigação na Petrobras. As interações com
as dez notícias falsas mais co- mentadas chegam a quase 4 milhões,
contra 2,7 milhões com o ranking das verdadeiras.”
http://www.conjur.com.br/2016-nov-22/noticias-falsas-lava- jato-
repercutem-verdadeiras

6
Eugênio Bucci

desperta o furor das audiências, um dos melhores


negócios da atualidade é noticiar acontecimentos que
nunca aconteceram de verdade – e que, mesmo
assim, despertam emoções fortes nos chamados
internautas.66
As redes sociais acrescentam à paisagem
globalitária um pacote inédito de perversidades.
Agora, as notícias circulam se- gundo os ditames do
entretenimento, que se orientam exclu- sivamente
por fontes pulsionais, sem as mediações da razão.
Bem sabemos que a indústria do entretenimento
nunca apre- ciou a razão, e isso desde suas
origens, que remontam às re- vistas de amenidades
e fait divers, que fincam raízes no século
XVII. Agora, o quadro é pior. Nas redes sociais,
diferentemente do que acontecia na televisão ou no
cinema, a propagação das mensagens depende
diretamente da ação das audiências, nas quais o
desejo leva vantagem sobre o pensamento. Uma
notícia (falsificada, fraudulenta ou mesmo verdadeira,
pouco importa) só se difunde à medida que
corresponda a emoções, quaisquer emoções,
“positivas” ou “negativas”. Sobre o factual, predomina
o sensacional – daí o sensacionalismo. Sobre o
argumento, o

66 O caderno “Ilustríssima”, publicado pelo jornal Folha de S .Paulo aos do-


mingos, trouxe, na edição de 19 de fevereiro de 2017, duas
reportagens e um artigo analítico sobre o tema da pós-verdade e das
fake news. Escrita por Fábio Victor, a reportagem “Como funciona a
engrenagem das notícias falsas no Brasil”, mostra os meandros da
atividade altamente lucrativa dos grupos apócrifos que confeccionam e
distribuem notícias fraudulentas. Na mesma edição, o jornalista Nelson
de Sá, em “Como os grandes jornais e as mídias sociais tentam
6
responder à invenção deliberada de fatos”, relata as estratégias das
redações profissionais para enfrentar as ondas de boatos programadas
com finalidades políticas. Por fim, o filósofo Osvaldo Giaccoia reflete sobre
o tema da verdade no artigo “E se o erro, a fabulação, o engano
revelarem-se tão essenciais quanto a verdade?”.

6
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

sentimento ou o sentimentalismo. Esses registros da


percepção e do sensível, que passam pelo desejo,
pelo sensacional, pelo sen- timental, proporcionam
conforto psíquico aos indivíduos enre- dados em suas
fantasias narcisistas. A receita se revelou infalível. Na
era das redes sociais, o indivíduo se encontra
encapsu-
lado em multidões que o espelham e o reafirmam
ininterrupta- mente – são as multidões de iguais, as
multidões especulares, as multidões de mesmos. Vêm
daí as tais “bolhas” das redes sociais, cujo traço
definidor é a impermeabilidade ao dissenso, a ponto
de uma comunidade de uma determinada bolha mal
tomar co- nhecimento da outra.
Os algoritmos das redes sociais estimulam e
fortificam as bolhas, espessando as muralhas que
separam umas das ou- tras – com a agravante de que
esses algoritmos são fechados em códigos
proprietários, de tal maneira que os sistemas que
regu- lam na prática o fluxo de informações não são
públicos. A rede tecnológica por onde trafegam as
informações, que deveria ser neutra, não o é.
Vista dessa perspectiva, as redes sociais mais
segregam do que integram a sociedade. Elas não
põem as pessoas em rede; põem as muralhas em
rede, muralhas privatizadas. Den- tro das muralhas,
o que impulsiona a circulação dos relatos é a
dinâmica própria dos boatos, bastante passional, e
não mais a dinâmica de prestação de serviços de
informação de interes- se público, segundo pontos de
vista plurais. A função pública de mediar o debate
social, de investigar e relatar os aconteci- mentos
de interesse geral com fidedignidade e de fazer
6
circular ideias e opiniões divergentes, função essa
que se fixou como o papel central da instituição da
imprensa, corresponde ape-

6
Eugênio Bucci

nas a uma franja marginal dentro das interações da


era digital. Agora, os protocolos classicamente
observados pela imprensa e pelas redações
profissionais se confinam a ilhas que são minús-
culas quando comparadas ao todo. O que é a
carteira de assi- nantes de um jornal, algo em
torno dos 250 mil leitores, como no caso dos
maiores diários do Brasil, perto da escala de um
Facebook, que tem perto de 2 bilhões de usuários
com perfis ativos, quase um terço da humanidade? 67
As práticas comuni- cacionais adotadas nas redes
sociais, que não se pautam pela verificação
criteriosa dos fatos ou pelos critérios de veracidade e
de pluralidade, soterram e comprimem as ilhas que
observam os protocolos clássicos da imprensa.
Também são perversas as relações de
propriedade das no- víssimas empresas ditas “de
tecnologia” ou de “inovação”, como Google e
Facebook. Essas duas são monopólios globais. Pode-
mos vê-las, também, como um duopólio mundial que
controla a maior parcela do tráfego das pessoas
comuns na Internet. Não obstante, seus usuários não
costumam manifestar preocupação com os efeitos
nefastos das práticas monopolistas sobre a circu-
lação das ideias. Discursos contra alegados
monopólios da infor- mação, que costumam ter
como alvo, no Brasil, a Rede Globo, difundidos
profusamente no Facebook, não emitem o menor
sinal de que se deram conta do monopólio mundial
exercido pelo próprio Facebook.

67 “O Facebook informou que atingiu a cifra de 2,01 bilhões de usuários


por mês entre os meses de abril e junho, o que representa alta de 17

6
em compara- ção ao mesmo período do ano anterior.”. Ver em
“Facebook registra salto no lucro 71 no 2º trimestre de 2017”. G1.
https://g1.globo.com/tecnologia/ noticia/facebook-registra-salto-no-lucro-
71-no-2-trimestre-de-2017.ghtml . Accessado em 26 de outubro de 2017.

6
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

Essas empresas registram taxas de crescimento


espantosas. O Google é a segunda marca mais valiosa
do mundo. Com seu preço estimado em 141,7
bilhões de dólares em setembro de 2017, a marca
Google fica atrás apenas da marca Apple.68 O va- lor
da empresa Apple – e não apenas a marca Apple –
alcançou o patamar 900 bilhões de dólares em
novembro de 2017, tornan- do-se a empresa mais
valiosa a ser negociada na Bolsa de Nova York. A
Alphabet (empresa controladora da Google) chegou
ao valor de 700 bilhões69.
O Facebook, embora não lidere o ranking das
marcas mais caras, é um caso impressionante. Seu
valor de mercado, como empresa (não apenas
como marca, portanto), bateu na casa dos 499,8
bilhões de dólares. Sua receita em publicidade,
segundo dados divulgados em 2017, deveria ultrapassar,
naquele ano, os 36 bilhões de dólares, num
crescimento de 35% em re- lação ao ano
anterior.70
A fórmula de fabricação de valor na indústria do
imaginá- rio implementada por empresas como
Facebook e Twitter é tão genial quanto devastadora.
Nelas, os usuários entram no jogo como mão-de-obra
(gratuita e, logo, escrava), como matéria-pri- ma
(também gratuita) e, por fim, como mercadoria.
Graças a esse modelo originalíssimo, o Facebook não
precisa gastar um

68 http://www.valor.com.br/empresas/5132310/apple-e-google-sao-marcas
-mais-valiosas-do-mundo. Acessado em 26 de outubro de 2017.
69 Ver http://www.valor.com.br/empresas/5186711/apple-atinge-valor-de-
mercado-de-us-900-bilhoes-na-bolsa-de-nova-york (Acessado em 9 de no-

6
vembro de 2017).
70 “Facebook registra salto no lucro 71 no 2º trimestre de 2017”. https://
g1.globo.com/tecnologia/noticia/facebook-registra-salto-no-lucro-71-no-
2-trimestre-de-2017.ghtml. Acessado em 26 de outubro de 2017.

6
Eugênio Bucci

centavo para “gerar conteúdo” (no jargão horroroso


da indús- tria), pois seus usuários atuam como
digitadores, fotógrafos, lo- cutores, atores,
sonoplastas, escritores e tudo o mais. Os usuários são
os operários que confeccionam ou extraem a matéria-
prima, da qual são também os beneficiadores e
empacotadores. E, em- bora se vejam como
“clientes” de um “serviço” que imaginam gratuito,
esses usuários são também a mercadoria final. São
seus olhos que são vendidos aos anunciantes, o que
parece alegrá-los enormemente.
O regime das muralhas em rede recortando o
imaginário em bolhas também concorreu para
acentuar a percepção (ilu- sória, fictícia) de que as
notícias que vão e vêm são gratuitas ou deveriam ser.
Incrível como, nos anos 20 do século passado, o
jornalista Walter Lippman já registrara esse fetiche
econômico do público de supor que os noticiários
caem do céu e, portanto, não valem um centavo.
Relembremos o que Lippman disse (num trecho
que, em parte, já foi citado aqui):

Esta convicção insistente e antiga de que a verdade não é


conquis- tada ou construída, mas revelada, fornecida
gratuitamente, apa- rece muito claramente nas fantasias
econômicas que nós, como leitores de jornal, costumamos
ter. Esperamos que o jornal nos entregue a verdade, por
menos lucrativa que seja a verdade.71

71 LIPPMANN, Walter. Public Opinion . New York: Free Press Paperbacks


(Simon and Schuster), 1997, p. 203. Texto original: “This insistent and
ancient belief’ that truth is not earned, but inspired, revealed, supplied
gratis, comes out very plainly in our economic prejudices as readers of
newspapers. We expect the newspaper to serve us with truth, however

6
unprofitable the truth may be. For this difficult and often dangerous
service, which we recognize as fun- damental, we expected to pay until
recently the smallest coin turned out by the mint.”

6
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

Um século depois de essas palavras terem sido


publicadas, não há dúvidas de que a “convicção
insistente e antiga” de que a “verdade” é fornecida
gratuitamente ficou muito mais forte – em grande
parte, graças às redes sociais, que banalizaram o
sentido de palavras como “notícia”, “informação” e,
claro, “verdade”.
O estrago não ficou só nisso. Esse grau de
monopólio, esse modelo de exploração que
consegue extrair valor de traba- lho das massas
humanas que pensam estar apenas se divertindo fez
das redes sociais uma usina de produção e de
distribuição de notícias fraudulentas numa escala que
não tem nenhum prece- dente. Uma sucuri de silício –
uma das múltiplas e simultâneas encarnações do
capital – tritura e engole a sociedade civil globa-
lizada.
A sucuri de silício não liga para a verdade
factual, que virou uma espécie de fóssil pré-
histórico.

Dos fatos soterrados à Comissão Nacional da


Verdade

A figura do fóssil pré-histórico vai além da


retórica. Bus- car fragmentos de memórias
traumáticas de um país inteiro para restabelecer o
entendimento presente desse mesmo país, inves-
tigando fósseis do passado, é uma das funções
implicadas na busca da verdade factual. Sem um
entendimento comum dos fatos (recentes ou menos

6
recentes), as identidades – sejam elas identidades
nacionais, seja a identidade primeira, a básica, que é
a identidade de pessoa humana – perdem sua
consistência, dis- solvem-se.

6
Eugênio Bucci

No dia 16 de maio de 2012, a presidente do


Brasil, Dilma Rousseff, instalou a Comissão Nacional
da Verdade (CNV), com o objetivo de apurar as
violações de direitos humanos praticadas no Brasil
entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de
1988. Passados pouco mais de quatro anos, no dia 10
de dezembro de 2014, a mesma presidente da
República recebeu oficialmente o relatório final da
Comissão. Com 4.328 páginas, o documento
apontou 377 responsáveis por tortura e assassinatos e
outras gra- ves violações dos direitos humanos durante o
período investigado. Foram ouvidas cerca de 1.200
testemunhas e coletadas provas ma- teriais e
documentais em papel timbrado. O relatório
apresentou 29 recomendações – como a
desmilitarização da Polícia Militar
– e pleiteou a punição dos agentes do Estado que
praticaram as violações relatadas (detenções ilegais,
execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de
cadáveres, além da tortura).
São fatos. O relatório procura se ater à
descrição dos fatos, sem desdobrar-se em narrativas.
São relatos quase técnicos sobre fatos comprovados. A
ninguém ocorreu a ideia de chamar a Co- missão
Nacional da Verdade de “Comissão Nacional da Infor-
mação”. Seria um tanto esdrúxulo. Por esse episódio
vemos que, por mais que tenha se desgastado, a
palavra “verdade” carrega um sentido que nenhuma
outra é capaz de repor. Por mais que esteja na moda,
a palavra “informação” é tênue para dar conta da
incumbência que pesou sobre aquela comissão.
O relatório final foi publicado em seis grandes
tomos de letras miúdas. O texto integral também
6
foi aberto no site da CNV.72 O número de mortos e
desaparecidos não é novidade:

72 www.cnv.gov.br

7
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

434. Desses, 224 foram comprovadamente


assassinados e 210 foram “desaparecidos”. O
relatório reconhece que o contingente pode ser
maior, mas os casos que foram individual e integral-
mente comprovados de violações dos direitos
humanos prati- cadas por agentes do Estado se
restringem à contagem de 434 vítimas.
Mesmo instituído pela Presidência da República,
a Co- missão Nacional da Verdade enfrentou barreiras
diversas nos po- deres estabelecidos. Hannah Arendt
não se furtou a apontar o poder como inimigo da
verdade factual. Quanto mais se afasta da
democracia, diz ela, mais o poder tende a rechaçar
relatos so- bre os acontecimentos. Vivemos isso no
Brasil – e ainda estamos vivendo, como numa
ditadura que persiste. Enquanto durou, a ditadura
militar não admitiu que fatos sobre a tortura
gerenciada por sua hierarquia fossem expostos.
Enquanto pôde, pôs o Esta- do a serviço do
ocultamento. Agora, findo o regime autoritário, seus
agentes e defensores enviuvados, armados ou não,
fardados ou não, ainda estão por aí a combater a
hipótese de que a ver- dade apareça. Agem para
impedir também as consequências da revelação dos
fatos e, no mais das vezes, têm conseguido inibir que
governos eleitos democraticamente deem curso às
recomen- dações elaboradas pela Comissão
Nacional da Verdade.
O poder – especialmente o poder fardado –
teme a re- velação da verdade dos fatos. Hannah
Arendt adverte que essa verdade factual, que é tão
fácil de entender, é também frágil. Pode ser ferida
com facilidade.
6
Se pensamos agora em verdades de facto – em verdades
tão modestas como o papel, durante a revolução russa, de
um ho- mem de nome Trotsky que não surge em nenhum
dos livros

7
Eugênio Bucci

da história da revolução soviética – vemos imediatamente


como elas são mais vulneráveis que todas as espécies de
verdades racionais tomadas no seu conjunto.73

A menção ao nome de Leon Trotsky esclarece


ainda mais. Embora tenha sido um dos dois maiores
líderes da Revolução de Outubro, Trotsky foi banido
dos livros de História e das fotogra- fias, graças a
trucagens grosseiras que adulteraram a iconografia
oficial soviética. Ainda na época em que o ensaio
Verdade e Po- lítica foi publicado, em 1967, a
burocracia stalinista mantinha as falsificações que
expeliram o nome de Trotsky dos livros de história e
das fotografias. Fazer com que Trotsky desaparecesse
não apenas da face da Terra, mas da História, foi
um trabalho gigantesco de prestidigitação que
retroagiu no tempo e, por dé- cadas, foi bem-
sucedido.
Um regime de força até convive bem com
livros de Pla- tão, com os teoremas de Einstein, e
mesmo de pensadores cujas ideias lhe sejam
indigestas, mas não consegue suportar uma re-
portagem sobre um surto de meningite ou um perfil
de um de- legado torturador. A tirania não lida bem
com fatos. Por isso a verdade factual é tão
bombardeada. Por isso, é tão vulnerável, diz a
filósofa:

Os factos e os acontecimentos são coisas infinitamente mais


frá- geis que os axiomas, as descobertas e as teorias –
mesmo as mais loucamente especulativas – produzidas pelo
espírito huma-

7
73 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: Entre o Passado e o Futuro.
Tradu- ção de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.
Disponível na internet:
http://abdet.com.br/site/wp-content/uploads/2014/11/Verdade
-e-pol C3 ADtica.pdf Acessado em 20 de maio de 2017.

7
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

no; ocorrem no campo perpetuamente modificável dos


assuntos humanos, no seu fluxo em que nada é mais
permanente que a permanência, relativa, como se sabe, da
estrutura do espírito humano. Uma vez perdidos, nenhum
esforço racional poderá fa- zê-los voltar. Talvez as
possibilidades de que as matemáticas eu- clidianas ou a teoria
da relatividade de Einstein - já para não falar da filosofia de
Platão - fossem reproduzidas com o tempo se os seus
autores tivessem sido impedidos de as transmitir à poste-
ridade, também não fossem muito boas. Mas mesmo assim
são infinitamente melhores que as possibilidades de um
facto de importância esquecido ou, mais verossimilmente,
apagado, ser um dia redescoberto.74

Vale repetir: “os factos e os acontecimentos


são coisas infinitamente mais frágeis que os
axiomas, as descobertas e as teorias”. Quando
vitimados, os fatos e os acontecimentos de- moram
para se reerguer, para se recompor – outras vezes,
não se recuperam jamais. A aversão dos tiranos aos
relatos factuais mais elementares sobrevive aos
próprios tiranos, subsiste mesmo quando suas tiranias
não existem mais. Por seu lado, a demo- cracia,
submetida ao medo que a leva a não revelar os fatos
que ditadores soterraram no passado, torna-se, ela
mesma, serviçal remota de tiranos mortos.
Portanto, ao dizer que fatos e
acontecimentos são frá- geis, Hannah Arendt quer
enfatizar que eles são frágeis não em geral, mas
frágeis diante do poder, ditatorial ou democrá-
tico. Não é apenas Donald Trump que orienta seus
assessores

7
74 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: Entre o Passado e o Futuro.
Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.

7
Eugênio Bucci

a buscar “fatos alternativos”75. Qualquer poder, dada


a sua na- tureza, padece da tentação de falsificar os
acontecimentos, seja em países mais livres ou em
países menos livres, como Rússia e Turquia, onde as
garantias individuais e a segurança dos cida- dãos se
dissolveram no ar. Particularmente na Rússia,
desponta um novo requinte da era da pós-verdade.
Não satisfeito com as notícias meramente falsas ou
fraudulentas, Vladimir Putin deu agora de inaugurar
as redações falsas (que poderíamos apelidar de
“fake newsrooms”). Seu governo investe cada vez
mais em agências noticiosas que, com a aparência
de veículos jornalís- ticos independentes, não passam
de máquinas de propagan- da governamental. A
agência de notícias Sputnik, lançada em 2014, com
serviços em trinta línguas diferentes, inclusive o
português (há uma sucursal no Brasil 76), é o caso
mais nítido dessa onda de fake newsrooms.
Trump não chegou ao ponto de investir nas
fake news- rooms, ao menos por enquanto, embora
já tenha aventado a ideia de criar uma TV estatal
para difundir informações que julga confiáveis77 e
embora se relacione com a Fox News como se fosse
um posto avançado de seu governo. Fora isso, já
mandou expul- sar jornalistas das coletivas
promovidas pelo porta-voz na Casa

75 Essa expressão “factos alternativos” (alternative facts) foi empregada


pela Conselheira de Donald Trump, Kellyanne Conway, numa entrevista
para a rede de TV NBC em 22 de Janeiro de 2017. A assessora,
secundando o então porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, diziam ser
“fatos alternativos” uma estimativa completamente irreal do número de
pessoas que tinham compa- recido à posse do presidente.

7
76 O endereço eletrônico da agência no Brasil é https://br.sputniknews.com/.
77 https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/para-desmascarar-cnn-
donald-trump-quer-um-canal-de-noticias-estatal-23478

7
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

Branca. No fundo, partilha com Putin das mesmas


convicções contrárias à verdade. Lembremos que a
suspeita, cada vez mais confirmada, de que houve
dinheiro russo nas redes sociais e em sites de busca
para gerar notícias fraudulentas que interferiram na
campanha eleitoral dos Estados Unidos com o
objetivo de favorecer Donald Trump, inclui a hipótese
nada corriqueira de que Vladimir Putin teria tomado
parte na fraude.78
O poder mais obscuro se beneficia da
tecnociência mais reluzente em prol de mais
obscurantismo. A tecnologia que ta- teia o pós-
humano por meio da inteligência artificial flerta com
o poder obscuro, e o equivalente geral para as
relações entre os dois polos é o capital. As idas e
vindas dos acordos e desacordos que o Facebook e o
Google fazem e desfazem com as autorida- des
chinesas atestam que essas aproximações se
modulam e se assentam na lógica das relações de
produção, não nos princípios democráticos. A verdade
factual corre risco e, com ela, a textura do domínio
político na democracia perde o tônus.
Voltemos à ligação umbilical entre imprensa,
educação e bibliotecas na gênese da democracia
moderna. Vale aqui um comentário a mais sobre as
bibliotecas, que carregam a incum- bência de abrir as
portas do conhecimento para o público, por meio da
gestão competente da informação como franja do co-
nhecimento. Recorro uma vez mais ao longo e
essencial texto de Capurro e Hjorland:

7
78 Basta lembrar que, no final de outubro de 2017, o chefe da campanha
eleito- ral de Trump se entregou ao FBI.
https://noticias.uol.com.br/internacional/ ultimas-noticias/2017/10/30/ex-
chefe-da-campanha-de-trump-se-entrega
-ao-fbi-em-investigacao-sobre-complo-com-a-russia.htm

7
Eugênio Bucci

“A geração, coleta, organização, interpretação,


armazenamento, recuperação, disseminação e transformação
da informação deve, portanto, ser baseada em visões/teorias
sobre os problemas, questões e objetivos que a informação
deverá satisfazer. Em bi- bliotecas públicas, estes objetivos
estão relacionados à função democrática da biblioteca
pública na sociedade.”79

Em sintonia com esses parâmetros, o professor


Emir José Suaiden, da Universidade de Brasília,
reforça o papel formador de cidadania das
bibliotecas:

“A produção bibliográfica da área tenta apontar uma série


de caminhos que possibilitem à biblioteca pública encontrar
a sua verdadeira identidade como uma instituição eficiente
na forma- ção da cidadania e na melhoria da qualidade de
vida da socie- dade.”80

A biblioteca é hoje uma barreira contra a


tendência tecno- lógica de desumanizar a mediação.
A esse respeito, a professora brasileira Lucia
Santaella lança um alerta:

“A filosofia do fundador do Google é não saber por que uma


página é melhor do que outra. Se as estatísticas dos links
rece- bidos dizem que é, isso é bom o suficiente. Nenhuma
análise

79 CAPURRO, Rafael. HJORLAND, Birger. O Conceito de Informação.


Perspectivas em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./abr.
2007. Tradução do capítulo publicado no Annual Review of Information
Science and Technology. Ed. Blaise Cronin. v. 37, cap. 8, p. 343-411,
2003, autorizada pelos autores. Tradutores: Ana Maria Pereira Cardoso,

7
Maria da Glória Achtschin e Marco Antônio de Azevedo. P. 187.
80 SUAIDEN, E. J. . La biblioteca pública y la sociedad de la información. El
Libro En America Latina y Caribe, Bogota - Colombia,v. 1, n.1, p. 28-38,
1999.

7
Terceira Parte – Por que a verdade factual faz tanta diferença

semântica ou causal é necessária. É por isso que o Google


pode traduzir línguas sem ‘saber falar’ essas línguas.”81

81 SANTAELLA, Lucia. “A informação/comunicação hoje e as consequentes


sub- versões nas ciências.” In: MORIGI, Valdir. JACKS, Nilda. GOLIN, Cida.
Epistemo- logias, comunicação e informação. Porto Alegre: Sulina, 2016,
223pp. P. 113. Convém consultar também o estudo que a professora Lucia
Santaella dedicou especialmente as implicações acarretadas pela
disseminação da ideia de pós-verdade: SANTAELLA, Lucia. A pós-verdade
é verdadeira ou falsa? Barue- ri, SP: Estação das Letras e Cores, 2018
(Coleção Interrogações).
75
Quarta Parte

Duas estratégias de interdição


dos fatos

Agora, voltemos os olhos para o que se passa à


nossa volta. Se um debate político é o debate das
opiniões a respeito dos fatos de interesse comum, há
algo de estranho com o debate político de nossos
dias. Não que nos faltem discussões ou opiniões. Ao
contrário, sobram umas e outras. Enfrentamentos
exasperados e exasperantes, ou mesmo bestiais, vão
se amontoando e se esface- lando. Os fatos é que
faltam ao encontro.
Podemos arriscar uma hipótese: os fatos foram
interdi- tados por duas estratégias. A primeira,
articulada em torno e a partir do poder (aqui
compreendido como a conjugação entre três fatores
de dominação: o capital, a tecnologia e a burocracia
estatal), promove a substituição dos acontecimentos
reais por dados virtuais. Não se veem mais as cenas
da vida real de pessoas de carne e osso, apenas os
indicadores econômicos e outras mé- tricas cujas
fórmulas matemáticas cintilam em telas eletrônicas.
Aglomerados de cifras e tabelas traduziriam em
7
dígitos frios a realidade quente.

7
Eugênio Bucci

Essa estratégia alimenta o fetiche e a


devoção em torno da tecnociência. A fé em deuses
dá lugar à fé em dispositivos eletrônicos, os novos
oráculos. É assim em todos os campos. A medicina
reverencia os diagnósticos computadorizados; os
supertelescópios eletrônicos detectam no céu escuro
radiações inapreensíveis às retinas humanas; o
motorista analisa o trânsito pondo seus olhos na tela
do celular. O culto das ciberdivindades rarefaz o
contato direto entre os seres humanos e suas
condições materiais de existência e, por meio desse
artifício, inibe a forma- ção dos juízos de valor
autônomos sobre o mundo vivido.
A segunda estratégia de interdição dos fatos
brota de dis- cursos que, em polos mais ou menos
extremados de esquerda e de direita, afirmam-se
como contestadores do establishment. Alguns desses
discursos são encabeçados por líderes populistas.
Alimentada por doutrinarismos e idolatrias passadistas, a
segun- da estratégia se assemelha à primeira em
duas faces: fomenta a aversão aos fatos e assume
um feitio religioso. No seu caso, po- rém, o objeto de
adoração não mora em aparelhos eletrônicos, mas
em ídolos que parecem saídos de seitas envoltas em
messia- nismos regressivos.
Vejamos como funcionam as duas estratégias.

Primeira estratégia de interdição dos fatos (emanada


do poder): os apagões de real

A primeira estratégia vem do discurso do poder.

7
Reitero que, para efeitos deste texto, penso na
palavra “poder” com o sentido de novelo de tensões
– atravessado por arestas e contra-

8
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

dições internas – que enfeixa o capital, a tecnologia e


o Estado, cuja burocracia se desumaniza. Essa
estratégia faz da tecnologia seu procedimento
preferencial para, de uma parte, substituir os fatos
propriamente ditos por dados digitais, e, de outra,
blo- quear o acesso do debate público aos fatos
propriamente ditos que estariam representados nos
dados.
Os dados entram nessa fórmula para abastecer
metrifi- cações que, à distância, ocupam o lugar
dos acontecimentos. Quem integra o poder não fala
dos fatos, tornados remotos, mas apenas dos dados,
que passam a ser tratados como se fossem fatos
consumados. Quem está fora do poder dificilmente
terá como verificar os fatos in natura.
Se alguém não acredita no cenário que acabo
de descrever, que tente responder a algumas
interrogações. Quem dá conta de tirar a limpo as
planilhas do FMI? Quem fiscaliza a engenharia
subterrânea dos algoritmos que coordenam o fluxo
das ideias na esfera pública que se globalizou? Como
averiguar, numa apura- ção independente, os
fundamentos fáticos de decisões governa- mentais? A
extensão de uma epidemia pode ser conferida se as
estatísticas da saúde pública não são transparentes?
O que dizer das regulações econométricas, que ditam
as relações de mercado em países inteiros? Sim, os
dados se impõem como fatos consu- mados – mas
não são fatos, e sim representações de fatos, ou,
mais ainda, representações de aglomerações de
fatos.
É bem verdade que, em reações ainda lentas, a
democra- cia tenta criar vacinas contra essa primeira
7
estratégia. Por meio de iniciativas que procuram
conter a força colonizadora dos con- glomerados da
tecnologia, do capital e da burocratização corpo-
rativista do Estado (a serviço de interesses opostos
ao interesse

8
Eugênio Bucci

público), a democracia reage. Os esforços da União


Europeia para regular os códigos fechados de
monopólios globais como Facebook e Google são
um exemplo. As leis de acesso à infor- mação,
adotadas em vários países, são outro exemplo. Os
proje- tos jornalísticos de “checagem de fatos” –
idealizados por orga- nismos jornalísticos sem fins
lucrativos, em regime de trabalho colaborativo, e em
parte encampados por empresas jornalísticas
– são mais um.
As três tentativas, no entanto, encontram-se em
fases em- brionárias. Google, Facebook e Twitter ficam
acima de jurisdições nacionais: regulá-los não será
simples. As leis de acesso à informa- ção não
removem os empecilhos burocráticos, embora
persistam. Quanto à checagem de fatos, esta requer
dinheiro, profissionais de elite e tecnologia de
vanguarda. Ao menos até aqui, é improvável que
consiga se ombrear com o poder nesses quesitos.
Como desdobramento da primeira estratégia, à
qual dou o nome de apagões de real, o que temos
são exatamente isso: apagões seriais ou
espasmódicos, mais ou menos duradouros, que
barram o conhecimento da realidade factual e a
formação de opiniões fundamentadas sobre essa
mesma realidade. O juízo de valor se inviabiliza, pois
os dados digitais e outras formas ele- trônicas de
representação imperam como se fossem os próprios
fatos materiais e acabam determinando os
parâmetros para a for- mação de um juízo de valor
dominante.
Ocorre que – vou me repetir – os dados não
são os fatos, como deveria ser óbvio: os dados são
8
apenas uma versão mate- matizada dos fatos. Como
os dados se sobrepõem aos fatos, o que se tem é o
aprofundamento uma lei geral do Espetáculo,
formulada por Guy Debord, em 1967:

8
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

“Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma


representa- ção.”82

Sim, os dados que não são imagens, que não


são nada espetaculosos em sua fisionomia glacial,
prolongam e reforçam o Espetáculo. A representação,
posta segundo a ordem do Espetá- culo, aquela que
desconstitui e usurpa o lugar “do que era vivido
diretamente”, ocupa hoje, mais do que os espaços
conhecidos do entretenimento e da comunicação
social, as linguagens da Ciência, do Estado e do
capital financeiro. Ocupa, finalmente, a substância da
política, com suas imagens e, principalmente, com
seus dados, que são uma “imagem” de outra ordem,
um código significante por meio do qual se lê o
mundo tornado remoto.
Há um halo de religiosidade na estratégia dos
apagões de real: a beatificação da tecnologia, que se
vê alçada ao altar de cri- tério irrecorrível da verdade.
O hiato entre o humano e a natureza
– antes o suposto lugar da cultura – veio a ser
preenchido por ner- vuras de silício e dígitos
impalpáveis. A mediação entre o visível e o invisível
ficou a cargo de dispositivos que se ligam na tomada;
a tecnologia e seus amuletos digitais têm a aura das
divindades.
Isso não vale apenas para a avaliação
quantitativa das epi- demias, para a leitura dos
indicadores econômicos ou para os ar- gumentos da
gestão pública. A mesma sacralização da tecnologia
comparece a terrenos tão dispersos quanto o da
medicina, em que o diagnóstico se realiza por
aparelhos, o da Física, que se ba- seia nas equações
81
quânticas processadas por circuitos instalados nas
paredes dos aceleradores de partículas, e o do
futebol, onde o

82 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos


Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 13.

81
Eugênio Bucci

VAR (árbitro de vídeo) faz as vezes de peritagem


irrecorrível. No dizer de Adauto Novaes, esta é uma
era em que a tecnociência

“ganha a força de uma religião: domina as instituições políticas,


as artes, os costumes, a linguagem, as igrejas, as
mentalidades...”83

Os fiéis dessa nova religião sem espírito creem


que os fatos pensam e que seu pensamento só se
revela nos bancos de dados digitais. Economistas,
cientistas, juízes, jornalistas e outros tan- tos adeptos
dessa objetividade não pressentem que, por detrás do
denso véu luminescente dos dados, o que pensa não
são os fatos, como se alega com certo acanhamento,
mas a ideologia invisível.

Segunda estratégia de interdição aos fatos (cujo


discurso se vende como um movimento anti-
establishment): o suicídio da consciência

A segunda estratégia de interdição dos fatos se


origina de flancos que se apresentam como oposição
ao poder. É mais co- mum nos discursos partidários
que, à esquerda e à direita, con- testam o
establishment, embora ocorra, também, em certos
go- vernos. Uma de suas manifestações é o
populismo remasterizado que grassa neste início do
século XXI. Sua meta não é impedir a formação do
juízo de valor, como sucede com a primeira es-
tratégia, mas barrar o exercício do próprio juízo de

82
fato: se um fato contraria a linha oficial daquela
corrente, daquele partido,

83 NOVAES, Adauto. Mutações: dissonâncias do progresso. Texto de


apresenta- ção publicado no catálogo do ciclo, 2017.

82
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

daquele governo, que seja revogado. Os seguidores


da segunda estratégia se acreditam militantes de
causas justas e se gratifi- cam em cumprir a ordem
de não tomar contato com os fatos proscritos. De
bom grado, cometem, na designação que sugiro, um
suicídio de consciência: renunciam à liberdade
individual de conhecer autonomamente a
realidade.
O suicídio de consciência lembra métodos
que foram em- pregados na Igreja Católica medieval,
no macarthismo nos Esta- dos Unidos e no stalinismo
na União Soviética: a ferramenta é o veto moral, a
vigilância do pensamento. O suicídio de consciência
se consuma na sujeição a um juízo de valor
absoluto – a doutrina partidária ou a “razão” de
Estado – que sequestra de seus adeptos a
possibilidade do juízo de fato. O juízo de valor
absoluto elimina a possibilidade de qualquer juízo
de fato.
Também afloram aí traços de religiosidade, mas
de um ou- tro tipo: nesse caso, a religiosidade se
compõe de entulhos de mes- sianismos pretéritos. Sob
o pretexto de intervir nas tão propaladas “disputas de
narrativas”, a ortodoxia se presume infalível como o
Papa e, para pôr em curso a sua versão, elevada
misticamente ao patamar de verdade libertadora,
consagra um profeta salvador para pregar na esfera
pública. Seus sacerdotes e seus sacristãos, in-
terditados em seu juízo de fato, servem a esse profeta
em estado de transcendência mística,
experimentando êxtases gozosos.

8
A opinião como farsa

No fim das contas, as duas estratégias de


interdição dos fatos – a dos apagões de real (que
inviabiliza a formação do juízo

8
Eugênio Bucci

de valor) e a do suicídio da consciência (que


proíbe o juízo de fato por meio de um veto moral) –
atentam contra a política, uma vez que, sem
verdade factual compartilhada, o domínio político
perde sua textura.
Hannah Arendt escreveu que

“a liberdade de opinião é uma farsa se a informação sobre


os factos não estiver garantida e se não forem os próprios
factos o objecto do debate.”84

Se ainda valorizamos o terreno da razão, a


despeito da desertificação em curso, não há muito
como discordar dessas palavras. Se as opiniões de
que falamos aqui são aquelas que se referem aos
temas de interesse comum, só se pode esperar delas
que se apoiem em fatos. Por certo é difícil definir
onde termina o fato e onde começa a opinião, mas
isso não significa que de- vamos simplesmente
abolir os fatos do alicerce das opiniões – a menos
que pretendamos abandonar a razão.
Ela também advertiu que

“os factos e as opiniões não se opõem uns aos outros,


perten- cem ao mesmo domínio. Os factos são a matéria
das opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes
interesses e diferentes paixões, podem diferir largamente e
permanecer legítimas en- quanto respeitarem a verdade de
facto.” 85

84 ARENDT, Hannah. Verdade e Política . Parte II. In: ARENDT, Hannah. Entre o
Passado e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água
Edi- tores, 1995.
85 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. Parte II. In: ARENDT, Hannah.
8
Entre o Passado e o Futuro Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio
D’Água Editores, 1995.

8
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

Uma política que desconheça os fatos deixa de


ser a políti- ca propriamente. Pensemos em algo tão
simples como a Geogra- fia Física, que lida com
contingências materiais incontornáveis: um abismo,
uma chapada, um continente. Seria absurdo um
debate nacional que desprezasse a localização
geográfica do país. O mesmo podemos dizer da
História. Se os eventos históricos evaporam do
passado, desaparecem as verdades factuais comuns que
podem sustentar decisões comuns sobre um futuro
comum. A política sem fatos é um delírio apolítico ou
antipolítico, uma guerra entre convicções desprovida de
verdade. Isso é tanto mais perturbador quanto mais
nos damos conta de que a verdade dos fatos é tão
óbvia quanto o sol que faz arder a pele ou o chão
de pedra que queima a sola dos pés. Na política, a
verdade dos fatos é tão irrefutável quanto a
experiência de se sentir o próprio corpo
– e, quando ela está ausente da política, o que se
instaura é uma forma corrosiva de farsa.
Ao final de seu ensaio Verdade e Política, todo ele dedicado
à
verdade factual, Hannah Arendt escreve:

“Conceptualmente, podemos chamar verdade àquilo que


não podemos mudar; metaforicamente, ela é o solo sobre o
qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de
nós.”86

Ela quase chega a dizer que a verdade – a verdade


factual
– é a Geografia, mas sua mensagem não se limita a
85
isso. Além da Geografia, além da História, a filósofa
concebe a verdade factual

86 São as frases finais de Hannah Arendt, Verdade e Política. Parte V. In:


ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Manuel
Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.

85
Eugênio Bucci

numa escala muito mais extensa, uma escala


humana. Ela insiste que, se as opiniões políticas não
tiverem lastro na verdade fac- tual, serão uma farsa,
assim como será uma farsa a liberdade de enunciá-
las.
Para nós, que vivemos dias tumultuados, não é
difícil vis- lumbrar a farsa de que a filósofa nos fala.
Basta imaginar um ambiente em que cada um dos
grupos em disputa no debate público nacional, além
de acusar os outros lados de falsear os fatos, não
admite nenhuma de suas próprias lacunas de funda-
mentação factual. A liberdade de opinião degradada
em farsa é isso aí, ou é isso que está aí.
A verdade factual é tão indispensável à política
quanto a língua é indispensável para as sociedades e
as comunidades. Sem um sistema de signos
compartilhados, não há sequer co- munidade cultural.
Do mesmo modo, sem uma base comum de verdade
factual, que se assenta na raiz dos signos, não
poderão os homens agir em comum e, mais ainda,
entabular uma inter- locução comum acerca dessa
verdade factual. A verdade factual não é uma das
verdades de que a política se ocupa: ela é a única.
Isso mesmo: a verdade factual é a única forma de
verdade com validade na Política.

“A verdade de facto [verdade factual] fornece informações ao


pensamento político tal como a verdade racional fornece as
suas à especulação filosófica.” 87

86
87 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. Parte II. In: ARENDT, Hannah.
Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio
D’Água Editores, 1995.

86
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

A vantagem é que a verdade factual é muito


fácil de ser vista e assimilada. Ela não se confunde
com a verdade metafísica, a verdade religiosa, a
verdade filosófica – é simples, direta, evi- dente e tão
material como o corpo de cada um. A verdade factual
é um buraco no meio da rua, uma criança sentada
num banco de escola, a dor no joelho, a fome que
devora a esperança das famí- lias sem dinheiro, a
alegria de pessoas que se amam andando de mãos
dadas num parque público ensolarado. A verdade
factual é aquilo que conforma a realidade sensível
e sobre a qual não pairam dúvidas práticas. Nada
pode ser mais imediato e mais irrefutável do que a
verdade factual.
De posse dessa constatação, Hannah Arendt,
como já tivemos ocasião de observar, repele
qualquer investimento em longas elucubrações
acerca da natureza dessa verdade. Diz ape- nas que
basta que nos contentemos em

“tomar a palavra no sentido em que os homens comumente


a entendem”. 88

Como se vê, a verdade não se põe aqui como


problema. O adjetivo que a ela vem se juntar, essa
palavra, “factual”, merece considerações menos
ligeiras, embora não seja, ela também, um problema
da razão.

8
88 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. Parte I. In: ARENDT, Hannah.
Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio
D’Água Editores, 1995.

8
Eugênio Bucci

Os fatos na política segundo Aristóteles

Mas a que se refere o adjetivo “factual”? Qual o


estatuto dos “fatos” na Política? Para dar curso a essa
interrogação, seria prudente recuar um pouco no
tempo e ver como os fatos são invocados no
pensamento político. Comecemos por Aristóteles. Na
obra que tem esse nome, Política (obra que funda
o nome “Política”), Aristóteles convoca os fatos para
que o ajudem a se contrapor ao que Platão postula
de maneira um tanto idílica
– ao menos na visão dele, Aristóteles. Contra as
quimeras pla- tônicas, Aristóteles toma partido dos
fatos. Em sua crítica aos diálogos de Sócrates
transcritos por Platão em A República (eu preferiria,
Politeia), recorre a observações da vida prática.
Elogia Platão pela beleza das ideias, mas reclama da
falta de objetivida- de e de precisão.89
Ele considera A República uma obra da
“imaginação” e de não ter parte com
acontecimentos reais.

89 É o que ocorre quando Aristóteles critica as conjecturas de seu mestre


Pla- tão sobre a sustentação de soldados que, em tempos de paz,
viveriam sem trabalhar: “Não há dúvida de que todos os diálogos
socráticos possuem ori- ginalidade, subtileza, novidade e sagacidade.
Mas como é difícil ser perfeito em tudo, não devemos esquecer que o
número mencionado necessitará de um território tão extenso quanto
Babilónia, ou outro território igualmente ilimitado, para poder sustentar
cinco mil homens ociosos, a que acresceria uma multidão muitas vezes
maior de mulheres e servos. Cada um deve ima- ginar hipóteses mas
nada que seja impossível.” ARISTÓTELES. Política. Edição Bilíngue Grego-

8
Português. Tradução de António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho
Gomes. Coleção Vega Universidade/Ciências Sociais e Políticas. Lis- boa:
Vega, 1998, p. 127.

9
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

“Isto tornar-se-ia evidente se pudéssemos ver este regime


[des- crito por Platão] realmente instituído.”90

Em dezenas de passagens, ele usa de


expressões como “os fatos demonstram”, “basta
verificar os fatos”, “como provam os fatos e a razão”,
insistindo que a política deve lidar com os acon-
tecimentos, com a história, com as coisas reais. Os
fatos se con- trapõem à imaginação, às fantasias e
aos idealismos, assim como a razão se opõe à
emoção, à paixão, à magia.
Mas com que palavras, em grego, Aristóteles se
referia aos fatos? Como não leio grego, não é possível
para mim empreen- der uma investigação filológica
acurada e exaustiva. Não obstan- te, uma
aproximação pode ser feita.
No texto original de Aristóteles, são vários os
termos hoje vertidos para “fato”, “factos”, “factual”,
etc. Entre esses, três gru- pos poderiam ser
destacados: o primeiro tem a raiz “erg” (εργ), o
segundo conjunto tem “leth” (ληθ) como raiz, e o
terceiro é formado pelos vocábulos com a raiz
“guegon” (γέγον).91

90 ARISTÓTELES. Política. Edição Bilíngue Grego-Português. Tradução de


António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Coleção Vega
Universidade/ Ciências Sociais e Políticas. Lisboa: Vega, 1998, p. 121.
91 WOODHOUSE, S.C. English-Greek Dictionary: A Vocabulary of the Attic Lan-
guage. George Routledge & Sons, Limited Broadway House, Ludgate Hill,
E.C. 1910. Na pesquisa às edições bilingues de Aristóteles, contei com a
ajuda da jornalista Ana Helena Rodrigues. As edições bilingues
consultadas são: Aris- totle. Politics with an English translation by H
Rackham. William Heine- mann LTD, Harvard University Press. London, 1944.
ARISTÓTELES. Política. Edi- ção Bilíngue Grego-Português. Tradução de

8
António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Colação Vega
Universidade/Ciências Sociais e Políticas. Lisboa: Vega, 1998. Para a
conferência das traduções, colaborou também, vo- luntariamente, o
professor de grego no Centro Cultural de Brasília, Dimitrios Dimas (MSc).

9
Eugênio Bucci

No primeiro grupo encontramos palavras que


podem designar, além de “fato” ou “fatos”,
“trabalho”, de “obra huma- na”. O segundo grupo,
mais do que “fato”, refere-se a “verda- de”, donde
“aletheia” (αληθεια). O terceiro costuma remeter a
“acontecimento” – que pode ser entendido, em certas
acepções, como sinônimo de “fato”. Vale nos
demorarmos um pouco mais em cada um deles.

O fato como trabalho

O termo “ergon” (έργων), por vezes, é


traduzido por “fato”. A professora de Grego
Clássico na FFLCH, da USP, Mary M. de Camargo N.
Lafer, em entrevista concedida a mim, observa:

“O sentido da palavra ‘ergon’ (έργων) designa ‘ação


humana’, e pode ser traduzida como fato nessa perspectiva,
como algo ‘feito’.”

Mary Lafer lembra que “‘ergon’ se opõe a


‘inação’ e a ‘pa- lavra’.” Essa oposição, se ouvirmos o
rumor da língua à nossa volta, está aí até hoje. O
conflito entre “falar” e “fazer” é o que aparece
quando os eleitores reclamam dos políticos, dizendo
de- les que “falam” em demasia, mas não “fazem
nada”.
Nessa perspectiva, o sentido de “fato” se
aproxima do sen- tido de “trabalho”, de “obra
humana”, de “algo feito”, “algo rea- lizado”. Basta ver
que os termos que carregam a raiz “erg” (έργ), que
também podem significar fatos, são no mais das
9
vezes ver- tidos para “trabalho”, “afazeres”, “serviço”,
“tarefa”, “atividade”,

9
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

“ofício”, “ação”, “obra”, “arte” e “dever”. “Órganon”


quer dizer “instrumento de trabalho”, “ferramenta”.

O fato como verdade

O segundo grupo de vocábulos que pode indicar


“fato” ou um “acontecimento” têm em comum o
radical “leth” (ληθ). Aqui, “fato” tem a ver com a
ideia de “verdade”, como já foi antecipado há
pouco. Na edição bilingue grego-inglês da Polí- tica,
há palavras com esse radical, “leth” (ληθ), para
designar “eventos” ou “acontecimentos”, além de
“real” (como adjetivo) e “realidade”, com o sentido de
“algo que existe de verdade”, um “fato irrefutável”,
algo “realmente acontecido”.
Com efeito, a associação entre os significados
de “verda- de” e “fato” é habitual. Em várias línguas,
a expressão “de fato” equivale à expressão “de
verdade”. Nessa perspectiva, “alétheia” (αληθεια) – que,
quando quer dizer “verdade”, é o antônimo de “erro”
ou “mentira” – pode significar “realidade”, por
oposição a “falsa aparência”. Diz Mary Lafer:

“‘Léthe’ é ainda o nome de um dos rios do Hades, além de


ser um termo aparentado ao verbo ‘lantháno’, com o
significado de ‘esquecer’ ou ‘esconder’. O ‘a’ é um prefixo
negativo (cha- mado de ‘alfa privativo’). A raiz ‘léth’ (ληθ)
significa “esque- cimento’.”

Em suma, o sentido de “aleth” é “não-


esquecimento”.
Mary Lafer lembra ainda a
9
Eugênio Bucci

“famosa etimologia criada pelo Heidegger (bastante


discutível, segundo filólogos), que traduz a palavra por ‘não-
esquecimento’ e que entende a ‘verdade’ como algo que
sempre está latente, mas que só aparece, só surge, quando
deixa de ser escondida. A ver- dade, assim, existe na sua
latência e pode – ou não – vir à tona.”

No Brasil de nossos dias, esse sentido segue


vivo. A Comis- são Nacional da Verdade buscou a
“verdade” em explícita oposição a “esquecimento”. Em
seu relatório, a CNV nos convence de que seu trabalho
consistiu em trazer à luz os fatos, tal como eles
aconte- ceram. A CNV evitou opiniões e preferiu os
registros documentais e testemunhais do que se
passou na realidade.
Observemos também que iluministas do
século XVIII, como Mirabeau, sustentavam que a
“verdade” estava previamente dada, mas só se revelaria
no debate livre entre os cidadãos, numa acepção que
parece aparentada da interpretação de Heidegger. A
verdade escondida viria à luz num processo de
epifania.92

O fato como acontecimento

Por fim, o terceiro grupo de palavras gregas que


julguei interessante mencionar aqui traz a raiz
“guegon” (γέγον). Na edição bilingue grego-inglês,
“guegónasin” (γεγόνασιν) aparece uma vez traduzida
como “facts”. Na edição de Portugal palavras com a
raiz γέγον também correspondem a “fatos”. “Guégo-
ne” (γέγονε) surge quatro vezes com o sentido de
9
“acontecer”,

92 NASCIMENTO, Milton Meira do. Opinião Pública e Revolução . São Paulo:


Edusp / Nova Stella, 1989, p. 61

9
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

“acontece” ou, também, “tornar-se”. Guégonos é o


Perfeito do Indicativo do verbo ‘guígnomai’, que se
traduz por “tornar-se”, “nascer”, “produzir (coisas)”,
além de “acontecer”, etc. A raiz é a mesma de
“guénos”, que indica “origem”, “nascimento”, “des-
cendência”, etc.
Diz Mary Lafer:

“A palavra ‘guégonos’ pode ser traduzida por ‘fato’, se


pensada como algo que existe, como um evento
acontecido.”

Dessa breve recapitulação etimológica, embora


superfi- cial, resulta reforçada a impressão de que, ao
escrever palavras que hoje são traduzidas como
“fato”, “fatos”, “factual”, “aconte- cimentos” ou
“eventos”, entre outras possibilidades de tradução,
Aristóteles se referia a ocorrências concretas,
irrefutáveis, por to- dos percebidas como verdadeiras. Ao
menos nesse levantamento inicial e exploratório, o
sentido de “fato” não parece se vincular a inferências,
ou a injunções abstratas, mas a incidentes reais,
materiais, definidos pela ação humana ou percebidos
pela razão humana.

A palavra fato e sua origem latina

O sentido de fato como “coisa real” lembra a


palavra lati- na “res”, que quer dizer coisa. Mas há
uma distinção lógica entre “res”, ou “coisa”, e “fato”,
da qual não devemos descuidar: a “coi- sa” se define
por meio de contornos espaciais (a coisa ocupa um
9
lugar no espaço), enquanto o “fato” se define
prioritariamente

9
Eugênio Bucci

por seus contornos temporais, isto é, um “fato” tem o


seu “lugar” no tempo, sendo um evento que acontece
e gera efeitos, mas não perdura em si mesmo, como
a coisa corpórea. Ao falar de fatos, Aristóteles
pensava, provavelmente, em “acontecimentos”, em
“eventos”, em “verdade”, em “coisas vividas”, que
podem ser ex- perimentadas como traumas, como
incidentes corriqueiros, ou, ainda como experiências
marcadas por um aspecto que pode ser
“ocasional”93, como observou Hannah Arendt.
A palavra “fato”, em sua forma presente no
idioma por- tuguês, tem origem no latim, que
também é esclarecedora: “fac- tum”, que quer dizer
“coisa ou ação feita”. “Factum” é o parti- cípio
substantivado do verbo “facere”, que quer dizer
“fazer”. Aqui, o sentido latino se aproxima do sentido
grego de “ergon”. “Factum” é aquilo que “foi feito
pela ação humana”, ou seja, o “fato” resulta de um
“ato” humano.

O fato como o oposto das imagens e da ilusão

O Vocabulário Técnico de Filosofia, de André


Lalande, anota que “fato”

“é um dado real da experiência, algo sobre o qual pode se


fun- dar o pensamento”.94

93 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. Parte III. In: ARENDT, Hannah.


Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio
D’Água Editores, 1995.

9
94 Lalande, André. Vocabulário técnico de Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes, 2ª edição, 1996, p. 388.

9
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

“Fato” se liga ao que é contingente95, à


realidade exterior, e sua validade depende de que ele
seja bem observado pela razão e registrado na
linguagem. “Fato” é o que temos de mais precioso
como indício da realidade, em contraposição ao
que é “ilusó- rio”. É nesse sentido, também, que, em
várias passagens, a ideia de “fato” surge como
argumento de Aristóteles contra o que vê como
ilusório em Platão.
Mesmo assim, apesar dessas diferenças de
enfoque, as dis- cordâncias entre os dois filósofos não
devem ser superestimadas. Não se trata de uma
queda de braço, de uma contenda, de um duelo do
qual um sai vitorioso e o outro, derrotado. Bem longe
disso, o diálogo – essencialmente respeitoso – que
Aristóteles estabelece com seu mestre apenas joga
mais peso na necessidade da razão de lançar seus
olhos à realidade. E, quanto a isso, Pla- tão já
antecipara as preocupações de Aristóteles. No livro 7
de “A República”, com a Alegoria da Caverna, ele
escreve um dos mais belos chamamentos aos fatos
de toda a história da Filosofia. Nessa fábula, Sócrates
convoca os homens a se libertarem de suas correntes
e desviarem seus olhos, prisioneiros das imagens, na
direção das coisas reais, que aconteciam do lado de
fora da ca- verna. É tentador concluir que Aristóteles,
ao chamar a atenção contra o que considera
fantasioso em Platão, nada mais faz do que seguir o
ensinamento do próprio Platão.
A ideia de “fato” que nos foi legada por
Aristóteles – e, de certa maneira, também por Platão
– se refere, enfim, a expe- riência real, que adquire
enorme peso na convivência entre os
9
95 Qualidade que também é observada por Hannah Arendt. Verdade e
Política. Parte IV. In: ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro.
Tradução de Ma- nuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.

9
Eugênio Bucci

cidadãos na pólis. Fatos não são princípios


doutrinários, não são ortodoxias, não são digressões
de raciocínio, mas eventos mate- riais, vividos, reais.
Os fatos na fundação da Filosofia

Descrito assim, o estatuto dos fatos no


pensamento po- lítico de Aristóteles parece puxar a
Política para “baixo”, como se a política não passasse
de uma “ciência menor”, um manual de instruções
facilitadas para a convivência social na pólis. Essa
impressão, contudo, não corresponde à verdade,
como demons- tram várias passagens dos textos de
Aristóteles. Para ele, a ciência política não apenas não
era menor, como era a mais alta entre todas as que
ele chamava de “ciências práticas”. À ciência política
deveria caber o papel de disciplinar o estudo das
demais.

“Uma vez que a ciência política usa as ciências restantes 96


e, mais ainda, legisla sobre o que devemos fazer e sobre
aquilo de que devemos abster-nos, a finalidade desta ciência
inclui neces- sariamente a finalidade das outras.”97

O nascimento da própria Filosofia, entre os


gregos, tam- bém está associado à observação
racional dos fatos. O enalteci- mento da razão e dos
fatos – contra as superstições – aparece em Tales
(624-547 a.C.), da cidade de Mileto, celebrado
como o primeiro dos pré-socráticos. Na mesma linha,
o historiador Hecateu (546-480 a.C.), de quem
Heródoto se dizia um conti-

96 Aqui Aristóteles se refere a outras “ciências práticas”, conforme se nota

9
na consulta a outras traduções.
97 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova
Cul- tural, 1996, p. 119.

9
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

nuador, contestava abertamente o hábito de procurar


nos mitos as explicações para a realidade:

“Eu escrevo coisas que me parecem verdadeiras, porque os


rela- tos dos gregos me parecem repletos de contradições e
tolices.”98

O materialista Demócrito de Abdera, que foi


discípulo de Leucipo de Mileto, também fincava nos
fatos o alicerce do conhecimento. A física atomista
defendida por ele era materia- lista. Anaxágoras,
professor de Péricles, filiava-se ao atomismo de
Demócrito, assim como Epicuro (341- 270). Os
dois, Epicuro e Demócrito, seriam estudados, dois
mil anos depois, pelo jovem Karl Marx, aos 23 anos
de idade, em sua tese de doutorado. Marx observa
o materialismo em ambos e aplaude a postura an-
tirreligiosa de Epicuro, de quem reproduz uma
frase:

“Ímpio não é quem elimina os deuses aceitos pela maioria,


e sim quem aplica aos deuses as opiniões da maioria.99”

Em função da postura antirreligiosa de


Epicuro, Marx vê nele “o maior dos iluministas
gregos”100, e lembra o mito de Prometeu que, pelos
versos de Esquilo, teria dito a Hermes, o
mensageiro dos deuses:

98 ROVELLI, Carlo. A realidade não é o que parece. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2017, p. 21.
99 MARX, Karl. Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicu-

97
ro. Tradução de Nélio Schneider. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2018, p.
23.
100 MARX, Karl. Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e
Epicuro.
Tradução de Nélio Schneider. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 124.

97
Eugênio Bucci

“Acho bem melhor ser escravo daquela pedra, do que a


Zeus pai servir de fiel mensageiro.” 101

Epicuro, como Prometeu, prefere os homens


aos deuses, os fatos às quimeras. Para Epicuro,
nenhuma explicação teórica poderia

“contradizer a percepção do sensível.” 102

Demócrito, inspirador de Epicuro, dizia que

“a manifestação do sensível é o único objeto verdadeiro, e a


percepção dos sentidos é a razão”.103

Nessas passagens, e em tantas outras que


poderiam ser lembradas aqui, vemos que a
observação racional e crítica dos fatos marca o
nascimento da Filosofia. Em Aristóteles, essa mar- ca
é claríssima. Em seus escritos sobre Ética, Aristóteles,
que não era materialista (como Platão, ele não
negava a tese da imortali- dade da alma), nunca
deixa de recorrer à realidade factual. Em- bora ensine
que Ética e Política têm objetos diferentes – o objeto
da Ética é a felicidade individual, que seria o bem
maior da vida humana, e o objeto da Política, a
felicidade de todos, o bem que

101 MARX, Karl. Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicu-


ro. Tradução de Nélio Schneider. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2018, p.
24.
102 MARX, Karl. Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicu-

98
ro. Tradução de Nélio Schneider. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2018, p.
53.
103 Marx, Karl. Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicu-
ro. Tradução de Nélio Schneider. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2018, p.
39.

98
Quarta Parte – Duas estratégias de interdição dos fatos

estaria acima da felicidade individual104 –, o filósofo


mostra que a Ética e a Política são idênticas em seu
caráter prático. A fina- lidade do estudo tanto da
Ética quanto da Política, mais do que conhecer um
objeto, é aprender e ensinar o estudioso a viver e
conviver melhor. Diz Aristóteles:

“A presente investigação não visa, como outras, ao


conhecimen- to teórico (não estamos investigando apenas
para conhecer o que é a excelência moral, e sim para nos
tornarmos bons, pois se não fosse assim nossa
investigação viria a ser inútil), cum- pre-nos examinar a
natureza das ações, ou seja, como devemos praticá-las.”105

Para ele, a Política é a Ética para toda a


sociedade – e a Ética serve de introdução à Política,
como se pode ler na abertu- ra de Magna Moralia (a
grande Ética):

“A ética, a meu juízo, só pode formar parte da Política. (...)


Se em política se quer realizar alguma coisa, é preciso ser
eticamente virtuoso. O estudo da Ética parece então uma
parte da Política e, por conseguinte, sustento que ao conjunto
desse estudo [a Ética] devemos dar o nome de Política.” 106

104 “Embora valha bem a pena atingir esse fim [a felicidade] para um
indivíduo só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para uma nação ou
para as cidades
-Estados. Tais são, por conseguinte, os fins visados pela nossa
investigação, pois que isso pertence à ciência política numa das acepções
do termo.” ARIS- TÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel
Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
105 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova
Cul- tural, 1996, p. 138.
106 Tradução do filósofo espanhol Patricio de Azcárate Corral (1800-1886).
9
Origi- nal em espanhol: La moral, a mi juicio, sólo puede formar parte
de la política.

1
Eugênio Bucci

Em Aristóteles, a Política e a Ética aprendem


mais com os fatos do que com modelos ideais. O
governante não reina por ser bondoso, mas por
manejar com inteligência (prudência), autoridade e
espírito prático os assuntos de Estado. Na Política, as
condutas que impõem sofrimento são aceitáveis,
desde que sejam necessárias, úteis ou convenientes
ao Estado. É o caso da guerra, do tratamento dedicado
aos escravos ou aos artesãos, das penas estipuladas na
lei. As armas ou as punições se apresentam como
recursos úteis, convenientes, necessários, embora
não se- jam, em si mesmos, belos ou agradáveis.
Na base factual reiterada repousa a principal
inflexão de Aristóteles em relação a Platão – e isso
não distancia, mas apro- xima, a Política do corpo
geral da Filosofia.

En política no es posible cosa alguna sin estar dotado de ciertas


cualidades; quiero decir, sin ser hombre de bien. Pero ser hombre de
bien equivale a tener virtudes; y por tanto, si en política se quiere hacer
algo, es preciso ser moralmente virtuoso. Esto hace que parezca el
estudio de la moral como una parte y aun como el principio de la política,
y por consiguiente sostengo que al conjunto de este estudio debe
dársele el nombre de política más bien que el de moral. Creo, por lo
tanto, que debe tratarse, en primer término, de la virtud, y hacer ver
cómo es y cómo se forma, porque ningún provecho se sacará de saber
lo que es la virtud sino se sabe también cómo nace y por qué medios

1
se adquiere. Disponível na Internet. http://www.filosofia.org/
cla/ari/azc02007.htm

1
Quinta Parte

A dualidade entre a moral e os


fatos em Maquiavel e Weber

A tensão constante entre o ideal e os fatos


aparecerá em praticamente todos os momentos do
pensamento político ao longo dos séculos.

O Príncipe e o espírito prático

Em meio a tantos mais, podemos encontrá-la na


oposição entre os cânones morais católicos (que
representam um ideal) e as condutas políticas que
Maquiavel receita. Em O Príncipe, lançado em
1532 (cinco anos após sua morte), Maquiavel não
ataca de frente a Igreja – em vez disso, faz reverência
às “graças divinas” e censura os que não têm “temor
a Deus” –, mas ensina que os governantes devem
buscar sua sabedoria e sua virtu não na sacristia,
mas no espírito prático, na astúcia e na frieza de
propósitos perante os fatos.

10
Eugênio Bucci

“Na verdade, porque há tamanha distância entre como se


vive e como se deveria viver que aquele que abandona o
que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a
arruinar-se que a preservar-se; pois um homem que queira
fazer em todas as partes profissão de bondade deve
arruinar-se entre tantos que não são bons. Eis por que é
necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a
poder não ser bom e a valer-se ou não disso segundo a
necessidade.” 107

Ater-se aos fatos não significa abandonar todos


os valores de conduta. O Príncipe não se submete aos
cânones católicos, por certo, mas isso não significa
que ele não tenha parâmetros para o seu modo de se
comportar à frente do Estado. Esses parâmetros
existem e guardam uma relação estreita com sua
finalidade de governante, qual seja, fortalecer o
poder do Estado e fazê-lo perdurar – o que requer o
fortalecimento do seu poder pessoal. Eis aqui o seu
valor maior. Até mentir é válido, mas a mentira
também tem medida: a mentira se torna não
recomendável quando tende a afastar o Príncipe
de sua finalidade.
Diz Maquiavel:

“Um senhor prudente não pode, nem deve, observar a fé


quan- do essa observância virar-se contra ele ou quando
deixarem de existir as razões que o haviam levado a
prometê-la.”108

Bem sabemos que Maquiavel não é o primeiro a


admitir a

10
107 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução Maria Júlia Goldwasser. Cap.
XV. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 75.
108 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução Maria Júlia Goldwasser. Cap. XVIII.
São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 86.

10
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

mentira na Política. Desde sempre, a mentira integra


a Política. Como já vimos no início do presente
trabalho, o próprio Platão, no livro III de A República,
embora execre os mentirosos, con- cede que, “no
interesse da própria cidade”, ao governante “com-
pete mentir” (mais ou menos como um médico,
por piedade, esconde fatos de seu paciente).109
Maquiavel, porém, vai bem mais longe que Platão.
Não aborda a política em termos morais, mas em
termos científicos.110 Daí que o seu limite para a
mentira

109 “Sócrates — Mas, realmente, também devemos ter a verdade em grande


con- sideração. Se há pouco dissemos acertadamente que a mentira é
inútil aos deuses, porém útil aos homens sob a forma de remédio, é
evidente que seu emprego deve ser exclusivo dos médicos e de mais
ninguém. / Adimanto — Evidentemente. / Sócrates — Por conseguinte,
se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, no interesse da
própria cidade, em virtude dos inimigos ou dos cidadãos; a todas as demais
pessoas não é lícito este recurso. Contudo, se um cidadão mentir a seus
chefes, afirmaremos que ele comete um erro da mesma natureza, porém
maior ainda do que se um doente não contasse a verdade ao médico,
ou se um aluno ocultasse ao professor de ginástica seus sofrimentos
físicos, ou se um marinheiro não revelasse ao piloto a verdade sobre o
estado do navio e da tripulação, omitindo-lhe informações quanto à sua
situação e à de seus companheiros.” Platão. Livro III de A República.
110 Num prefácio escrito em 1962 para O Príncipe, Raymond Aron,
professor que tanto influenciou Claude Lefort, elogiou o caráter
“científico”: “Sem ilu- sões nem preconceitos, observa os diversos tipos de
Estados, classifica-os por gêneros, estabelece as leis – leis científicas,
não morais – segundo as quais cada principado deve ser conquistado ou
governado.” (MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Júlia
Goldwasser. 4ª edição. São Paulo: Mar- tins Fontes, 2010, p. XI.) Por
essas e outras considerações, Aron considera que “Maquiavel é o
fundador da Ciência Política”. (MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.
Tradução de Maria Júlia Goldwasser. 4ª edição. São Paulo: Martins

10
Fontes, 2010, p. XI.) Segundo Aron, Maquiavel teria sido o primeiro a
pensar a Política cientificamente, a partir dos fatos, com métodos pelos
quais se pode chefiar um Estado com sucesso. Devemos ter em mente,
entretanto, sem nenhum demérito para o que há de inaugural em
Maquiavel, que esse

10
Eugênio Bucci

é prático, não moral. Esse limite está – outra vez –


nos fatos. O governante pode faltar com a palavra,
com a condição de que sua mentira não incinere os
meios necessários para seguir exercendo sua
autoridade e sua liderança.

A responsabilidade factual em Weber

Além de Aristóteles e Maquiavel, poderíamos


encontrar o antagonismo entre a moral (ou o ideal) e
os fatos em outro pen- sador, este já do século XX:
Max Weber. Na famosa conferência proferida na
Universidade de Munique, em 1918, com o título de
“A política como vocação”, ele formulou suas
célebres duas éticas: a Ética da Convicção e a Ética
da Responsabilidade.
A primeira, a da “Convicção”, dá preferência a
princípios rígidos, sem considerar os fatos. Já na
segunda, a da “Responsa- bilidade”, o político leva
em conta as consequências dos seus atos à luz dos
fatos, sendo flexível em relação aos princípios. Weber
recomenda:

realismo sem piedade, tão característico de Maquiavel, já se fazia notar


em Aristóteles. Talvez por isso, Norberto Bobbio, aponte o livro de
Aristóteles, e não o livro de Maquiavel, como “o primeiro tratado sobre
a natureza, funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de
Governo, com a significação mais comum de arte ou ciência do Governo”.
(Bobbio, Norberto, 1909-. Dicio- nário de política I Norberto Bobbio, Nicola
Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord.
trad. João Ferreira; rev. geral João Ferrei- ra e Luis Guerreiro Pinto Cacais.
- Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998. Vol. 1: 674 p.
(total: 1.330 p.) Vários Colaboradores. Obra em 2v.
10
1. Política - Dicionários 1. Matteucci, Nicola II. Pasquino, Gianfranco III.
Título. 91-0636 CDD 320.03. Pp. 954-962. O trecho do qual foi tirada a
citação, o verbete “Política”, é de autoria de Bobbio.)

10
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

“Faz-se política usando a cabeça, e não as demais partes


do corpo.”111

Na mesma entonação, aconselha o político a ter

“a soberana competência do olhar, que sabe ver as realidades


da vida, e a força de alma que é capaz de suportá-las e de
elevar-se à altura delas”.112

Na prática, Weber leva em conta aquilo que um


contem- porâneo seu, Sigmund Freud, chamaria de
“Princípio da Reali- dade”. O Princípio da Realidade
atua como um regulador que leva o sujeito a negociar
com as barreiras do mundo exterior, sem bater de
frente contra elas. Ou o sujeito é adulto e sabe lidar
com a frustração, ou não alcançará os frutos
vantajosos do Princípio de Realidade. Por essa via,
podemos inferir que Weber entende a política como
um jogo de adultos, não como dança das paixões, por
mais que reconheça a paixão no jogo da política.
O critério da política, enfim, não pode
desconsiderar o pla- no dos fatos. Ou, em outros
termos, a política requisita o manejo dos fatos, o
conhecimento dos fatos, o relato dos fatos. Tanto é
assim que, nessa mesma conferência, “A política como
vocação”, ele inclui o trabalho dos jornalistas, como a
reconhecer que o tra- balho dos jornalistas na
modernidade integra a vocação política, ou está
incluído na vocação política, ou, ainda, demanda
vocação política. Vendo no trabalho jornalístico – que,
afinal de contas, é

111 WEBER, Max. A política como vocação. In: Ciência e Política, duas vocações.

10
São Paulo: Cultrix, 2006, p. 106.
112 WEBER, Max. A política como vocação. In: Ciência e Política, duas vocações.
São Paulo: Cultrix, 2006, p. 121.

10
Eugênio Bucci

um trabalho que lida com os fatos e com as ideias


acerca dos fatos, ou seja, uma profissão que se
ocupa do juízo de fato e do juí- zo de valor – uma
atividade contígua à atividade política, Weber identifica
nos profissionais de imprensa os novos “demagogos”.
A palavra “demagogo”, nesse contexto, não deve ser
entendida como um sinônimo raso de “enganador” ou
“charlatão”, mas deve ser tomada em seu sentido do
grego antigo: “demagogo” é aquele que conduz o povo
pela palavra. O jornalista, no tempo de Max Weber, é
aquele que dirige suas palavras ao público expandido
da política e, a partir daí, ganha notoriedade.
Não sem ironia, ele capta bem o incômodo dos
abastados quando se viam compelidos a ter que se
confraternizar com esse novo ator da cena política,
o jornalista. A frase é saborosa:

“É de mencionar, por exemplo, a circunstância de


freqüentar os salões dos poderosos da Terra,
aparentemente em pé de igual- dade, vendo-se, em geral e
mesmo com freqüência, adulado, porque temido, tendo, ao
mesmo tempo, consciência perfeita de que, abandonada a
sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se justificar
diante dos demais convidados por haver feito com- parecer
esses ‘lixeiros da imprensa’”113

No ano de 1918, quando ele profere sua


conferência, os jornalistas eram novatos nas altas
rodas e, nos Estados Unidos, estava em voga o termo
“muckrakers”, que significa “revolvedo- res de sujeira,
de lixo”. Os fatos que os políticos tentavam ocultar
eram trazidos à tona pelos repórteres que
vasculhavam o lixo do debate público.

10
113 WEBER, Max. A política como vocação . In: Ciência e Política, duas vocações.
São Paulo: Cultrix, 2006, p. 83.

10
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

Segundo Weber, a imprensa exerceria uma


função que re- percute no domínio político, mas seria
um erro igualar imprensa e política, como a dizer que
a imprensa se resume à sua função política ou como
a dizer que a imprensa contém a totalidade das
atividades da imprensa. São dois domínios separados
– também em Weber, aliás. Quando a política vai
bem, os dois domínios vivem em um conflito
saudável. O objeto em conflito, a joia em disputa,
não é outra coisa que não o relato dos fatos, o
enten- dimento dos fatos ou, como virou moda dizer,
a disputa entre “narrativas”. A imprensa influi no
poder – é para isso que ela existe, aliás –, mas não
se confunde com ele.
De outro lado, quando a política não vai bem,
o registro dos fatos se partidariza e o poder conspira
para invadir as com- petências da imprensa.

Os fatos e a realização da Justiça

Consta que, no início do Século XVII, o rei


James Stuart, o James I, teria manifestado arroubos
absolutistas. Coube ao magistrado Edward Coke
estabelecer um freio contra as preten- sões do
monarca. Em 1606, Coke fora nomeado pelo
próprio James I para o mais alto posto do Judiciário
(Chief Justice of the Court of Common Pleas). Com
essa autoridade e, na presença do monarca,
sustentou que a figura do rei estava, como os outros
ingleses, “under the law”. Tendo em vista que, na
Common Law, o lugar ocupado pelos “fatos” é

10
equiparável ao lugar das leis,
o que Edward Coke disse ao soberano é que ele
também não

10
Eugênio Bucci

estava acima da lei e nem acima dos fatos.114 Esse


momento é considerado decisivo para o
estabelecimento do liberalismo, do Estado de Direito
(Rule of Law) e, mais tarde, da democracia.
Podemos dizer, então, que os mesmos fatos que
comparecem à textura do domínio político são
essenciais para a realização da Justiça.
Mas há que se fazer um esclarecimento capital
quanto à natureza dos fatos, seja na política, seja
na Justiça. Não são os políticos – ou os políticos
profissionais, nos termos de Weber – que são
incumbidos de verificar os fatos. Nem poderiam ser.
Juí- zes, testemunhas e repórteres cuidam disso.
Quanto mais longe estiverem das influências
partidárias, melhor.
Voltemos agora a Hannah Arendt. Em mais de
uma pas- sagem de “Verdade e Política”, ela anota
que a verificação dos fatos se dá no exterior do
domínio político.115 O que isso quer dizer? Que a
verificação dos fatos é uma função “apolítica”? De
modo algum. A verificação dos fatos tem efeitos
políticos, Han- nah Arendt é clara quanto a isso, mas
a verificação dos fatos não pode ser pautada pelos
interesses partidários dos agentes políticos. A ideia
de algo que seja exterior ao domínio político aponta
para um espaço que funcione com regras independentes
daquelas que orientam a dinâmica de disputa de
interesses no interior do do- mínio político. Essa é a
distinção crucial.

114 O caso é bem contado por: ROGGE, John. Proof by Confession. In


Villanova Law Review, 1966, VOL. 12, N. 1, p.48-50. Ver também o
resumo da polêmi- ca decisão, trazida para o contexto contemporâneo das

10
fake news: MESQUITA, Fernão. A pós-verdade levará à pós-democracia?
Revista USP, 116, janeiro/ fevereiro/março 2018. Pp. 31-38. P. 34. ISSN
0103.9989.
115 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: ARENDT, Hannah . Entre o Passado
e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água Editores,
1995.

11
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

Verificados em um campo de independência em


relação às tensões próprias do domínio político,
verificados por juízes e repórteres que não devem
obedecer a interesses partidários ou governamentais,
ao menos em tese, os fatos, uma vez compro- vados,
incidirão sobre o domínio político. Dizer que os
fatos são verificados de forma independente é o
mesmo que dizer que o rei está, como todos os
demais seres humanos, “under the law” e “under
the facts”. O domínio político tem sua tex- tura
constituída pelos fatos, mas não deveria ter
ascendência sobre a função de verificar os fatos –
não comanda a função de verificar os fatos.
Já falamos um pouco sobre os jornalistas e
repórteres. Fa- lemos agora um pouco mais dos
juízes, sobre a independência de que precisam para
cumprir sua função.
Aristóteles dizia que a Política tem como
finalidade maior a Justiça.116 Isso quer dizer que a
Política se cumpre à medida que alcança uma
sociedade justa (segundo o enten- dimento de
Justiça partilhado pelos integrantes dessa mesma
sociedade). Compreendamos bem essa proposição: a
política persegue o thelos da Justiça, mas sabe que
não poderá alcançá
-lo por seus próprios meios. Por isso, em lugar de
“fazer Justiça com as próprias mãos”, a Política se
empenha em assegurar a independência da Justiça,
abrindo mão de interferir sobre ela.

116 “Em todas as ciências e artes, o fim em vista é um bem. O maior bem é
o fim visado pela ciência suprema entre todas, e a mais suprema de
109
todas as ciências é o saber político. E o bem, em política, é a justiça
que consiste no interesse comum.” ARISTÓTELES. Política. Edição Bilíngue
Grego-Português. Tradução de António Campelo Amaral e Carlos de
Carvalho Gomes. Coleção Vega Universidade/Ciências Sociais e Políticas.
Lisboa: Vega, 1998, p. 231.

109
Eugênio Bucci

A Justiça, e não a Política, se encarrega de realizar a


justiça pre- tendida pela política.117
Quando o domínio político invade o domínio
daqueles a quem cabe verificar os fatos e aplicar
as leis, a finalidade da Política não se cumpre.
Pensemos, por exemplo, no Julgamento de Sócrates,
no ano 399 antes de Cristo. Sócrates foi condenado à
morte, sob a acusação de corromper a juventude com
seus ensi- namentos. O julgamento se deu num
período especialmente crí- tico da democracia
ateniense (que fora restaurada três ou quatro anos
antes, após a tirania dos 30), e Platão viu na
condenação in- justa de seu mestre um sintoma do
fracasso da política.118 Logo, desde Platão, quando a
Justiça se curva a interesses políticos, a própria
política sucumbe.
Poderíamos recordar também a fraude judicial
do caso Jean Calas, no século XVIII, que foi
denunciada por Voltaire 119, e a do capitão Alfred
Dreyfuss, denunciada por Emile Zola, no finzinho do
século XIX. Poderíamos citar também os Processos de
Moscou, entre 1936 e 1938, que condenaram à
morte vul-

117 Hannah Arendt diz que o Judiciário, “seja como ramo do governo, seja
como administração directa da Justiça, é cuidadosamente protegido contra
o poder social e político”. ARENDT, Hannah. Verdade e Política. In: ARENDT,
Hannah . Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Parte
V. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1995.
118 Sócrates vira réu sob a acusação de “corromper a juventude”, mas
morre como um mártir da razão. A assembleia se divide, mas o
condena: são 281 votos contra ele e 220 em sua defesa.
119 Calas não escapou da morte a que foi condenado, na roda da tortura,
em 1762. Em 1765, coisa de três anos depois, seria postumamente
110
inocentado, graças em grande parte ao Tratado sobre a Tolerância,
escrito por Voltaire, que o transformou num símbolo das perseguições
religiosas e do rebaixa- mento da Justiça.

110
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

tos de enorme tradição e poder no Comitê Central


do Partido Bolchevique, como Zinoviev e Kamenev,
que chegaram a figurar entre os três homens mais
poderosos da União Soviética, ao lado do próprio
Stalin, entre 1923 e 1925. Também ali, no Grande
Expurgo, ficou evidente que a justiça estava a serviço
do tirano e, portanto, não era Justiça. Ficou evidente
que a Política estava morta, não passava de um
teatro grotesco.
Há ainda o julgamento do jovem Fidel Castro,
em 1953, pelo ataque contra os quarteis de La
Moncada e Carlos Manuel de Cespedes, em Santiago
de Cuba. Em sua defesa, o réu discur- sou diante dos
juízes: “A História me absolverá”. O regime que o
condenou, mas não o matou, cairia seis anos depois
sob as botas dos revolucionários liderados pelo
mesmo Fidel. A política do regime que o condenou, a
ditadura de Fulgencio Batista, é que estava, na
verdade, condenada.
Em todos esses casos – Sócrates, Calas, Dreyfus,
Zinoviev, Kamenev e Fidel – os fatos foram adulterados
por interesses políticos para fraudar a justiça e, como
consequência, a política se deteriorou. Passemos agora a
outro exemplo, talvez mais dramático.
Pensemos na condenação de um grande líder
nacional que so- freu um processo administrado com
celeridade atípica, a toque de caixa. Pensemos nas
palavras desse líder, ao discursar em pú- blico,
valendo-se de palavras que lembram as de Sócrates.
Ele diz que seu crime não está no mal que causou,
pois não cau- sou nenhum, e sim no bem que fez
ao povo. Este homem se vê como um
revolucionário. A seu juízo, mudou uma nação inteira.
11
Acredita que a história reconhecerá seu valor. Acusa
os juízes de estar a serviço de ordens espúrias e
inconfessáveis. Diz que a imprensa deixou de cumprir
o seu papel de relatar os fatos, pois

11
Eugênio Bucci

foi silenciada pelo poder. Proclama ainda que o


puseram ao lado de outros réus corruptos apenas
para dar ao povo a impressão de que ele também é
um corrupto. Declara-se inocente. Avisa a seus
carrascos que podem tentar, mas não conseguirão
apagá-lo da vida nacional, pois ele não é mais um
homem comum. Diz que suplantou a condição
humana e atingiu uma outra dimensão.
Estamos falando de Georges Jacques Danton.
Mais exa- tamente, falamos aqui de Danton tal como
ele foi retratado no filme que leva seu nome,
Danton, o processo da revolução, larga- mente
baseado em fatos e falas registradas pelos
historiadores. Lançado em 1983120, o filme
reconstitui os dias em que, no pe- ríodo do Terror, o
tribunal revolucionário em Paris condenou o grande
orador e o maior expoente da Revolução Francesa
a morrer na guilhotina. Estamos no ano de 1794.
Depois de pro- testar contra o poder que impediu um
jornalista de tomar notas do que se passa no
Tribunal, Danton discursa:

“Quem decide acabar com alguém, acusa-o de todos os


crimes. O método é velho como o mundo, mas melhorou,
modernamen- te. Os justos, em qualquer tempo, incomodaram
a política e hoje, mais do que nunca! Por que é preciso me
matar? Só eu posso responder. Devo morrer porque sou
sincero. Devo morrer porque digo a verdade. Devo morrer
porque assusto. Eis as razões que levam ao assassinato de
um homem honesto.”

Ao ver que não terá escapatória, o réu adota


uma orató- ria tão arrebatadora quanto irrealista. Ele

11
percebe que, em sua vertigem de líder carismático e
apaixonante, acabou perdendo a

120 A produção envolveu três países, França, Polônia e Alemanha, sob a


direção do polonês Andrzej Wajda.

11
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

conexão com o plano dos fatos. Não tem mais como


invocar um fato que seja em sua defesa. Então,
inventa uma saída de efeito dramático impactante,
mas sem nenhum efeito prático.

“Eu não desaparecerei. Não! Eu falo! E falarei até o fim!


Pois sou imortal! Sou imortal, porque sou o povo! O povo
está comigo!121”

121 Principais falas de Danton no original: “Tu appelles ce tissu de calomnies


un acte d’accusation! / Le Tribunal, c’est moi qui l’ai fait instituer, je le
connais! / France! Pendant 5 ans, j’ai été ton chef, mon nom est gravé
dans l’histoire. / Vendu? Vendu! Je suis impayable! Je parlerai toute la
journée, s’il le faut. Je vais crier et on entendra ma voix. / Plus un
homme est courageux, plus on s’acharne sur lui. / Ecoutez! On me
charge de tous les crimes. (…) Cette mé- thode est ancestrale, mais elle
a été améliorée. On veut faire oublier la loi. Elle donne l’illusion aux gens
en place que la peur qui voisine toujours avec le pou- voir a disparu. Les
justes ont toujours gene la politique, et aujourd’hui plus que jamais /
Pourquoi faut-il me tuer? Moi seul peux répondre. Il faut me tuer car je
suis sincère, je dis la vérité, et parce que je fais peur. Voilà les trois
raisons qui condamnent un honnête homme. J’ai été un des inventeurs
de la justice populaire. Comment pouvez-vous imaginer que vous allez la
pervertir à mon insu? Voilà une de vos manœuvres. Encore une. Vous nous
mélangez avec des voyous pour qu’on nous confonde avec eux. / C’est
une parodie de justice! Et nos témoins? Nous y avons droit. Où sont—ils? /
Peuple de France, le Tribu- nal, c’est toi! Qu’on amène ici nos accusateurs.
/ Les deux Comités! Que tout se passe publiquement, et vous déciderez.
(...) Vous savezque nous sommes innocents, mais ça n’a aucune importance
pour vous, puisque vous obéissez à des ordres donnés. / Ecoute—moi bien,
Fouquier, si tu veux nous couper la tête, l’homme qui te mandate, son
corps viendra pourrir près du mien, il le sait! Il me tue, il en mourra! /
Vous voulez m’assassiner et éliminer toute trace? Vous interdisez aux
journalistes de prendre des notes! Je vois les greffiers assis, les bras
croisés. Eux aussi ont reçu l’ordre de ne rien écrire! Tout doit disparaître!
Vous voulez que je disparaisse? Non! Je ne disparaîtrai pas! Non! Je parle
et je parlerai jusqu’au bout. Car je suis immortel. Je suis immortel parce

11
que je suis le peuple! Le peuple est avec moi. Et vous, les assassins, vous
serez jugés par le peuple! Mais je parie quand même et je parlerai. Peut-
être l’air de cette salle retiendra-t-il l’écho de ma voix qu’on étouffe.

11
Eugênio Bucci

Georges Danton exaltou sua própria


imortalidade, e foi brilhante nisso. Mas, a despeito da
retórica, foi guilhotinado no dia 5 de abril de 1794,
aos 34 anos de idade e veio a falecer como
qualquer mortal.
Também na França de 1794, a Justiça era
uma farsa e a Política tinha fracassado. O governo
que, interferindo indevida- mente na Justiça,
condenou Danton estava moribundo. Sema- nas mais
tarde, viria abaixo. O líder do governo, Robespierre, o
mesmo que manipulara o tribunal com despudor e
ferocidade para cortar fora a cabeça de Danton, iria à
guilhotina três meses depois, no dia 28 de julho de
1794, aos 36 anos de idade. Seu principal aliado,
Saint-Just, foi executado no mesmo dia, aos 26. As
revoluções, como a juventude, são dois mitos
burgueses. Na era do Terror, o sangue tinha matado a
juventude e a revolução.
O episódio de Danton nos ensina sobre duas
loucuras que se espelham: a loucura do poder que
forja fatos inexistentes por meio de uma Justiça
subalterna e o delírio de imortalidade do condenado
que quer fugir aos fatos por meio de mistificações
disparatadas. Aos dois lados falta a razão. Os dois
lados rompem com os fatos. Danton, vencido, apenas
grita: “Eu sou imortal!” E, no entanto, não o é.

A atualidade inconclusa

Olhemos a cena contemporânea. A mesma


razão que deu origem ao pensamento filosófico e ao

11
pensamento político, reivindicando o apoio dos fatos
e se afastando dos mitos e dos deuses, sofre agora o
cerco da indústria do entretenimento, das

11
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

excitações do consumo, das igrejas portentosas,


dessa estranha religião cujo nome é tecnociência e
das idolatrias obscurantistas. Os apagões de real e o
suicídio da consciência interditam os fatos. A razão
está cindida.
A opacidade espessa não apenas das imagens,
mas tam- bém das celebradas nuvens de dados e da
inteligência artificial (prolongamento matematizado do
Espetáculo), se deposita sobre a pele dos fatos. A força
das burocracias automatizadas, das fa- las
autoritárias e do latim impenetrável das súmulas
jurídicas os deslocam do campo de visão. Já não se
enxergam que atos e que incidentes teriam motivado
cassações, apenas camadas e mais camadas de uma
numeralha entremeada de rubricas e abstra- ções
orçamentárias impalpáveis. Já não são acessíveis as
condutas que serviriam de suporte para condenações
judiciais, só o que se tem são labirintos contábeis,
matrizes algébricas, infográficos em telas
luminescentes. As paredes informáticas e as
muralhas per- formáticas, muralhas em rede,
avolumam-se nos espaços entre o humano e a
natureza.
As pesquisas eleitorais são computadas por
softwares, e as eleições, também. A matemática,
dotada de eloquência robótica, interpela o cidadão
com ultimatos que só aceitam a obediência como
resposta. A dúvida cética, aquela mesma que teria
sido o motor da ciência, perde seu posto para a
ordem unida de buro- cratas e tecnocratas que dizem
amém às provas ditadas pela téc- nica. A virtude de
duvidar adquire o peso de uma heresia. Os big data e
a inteligência artificial sintetizam a holografia de
11
autorida- des pós-humanas. Sucedem-se,
intermitentes, os apagões de real. Além de
economistas e tecnocratas, além de cientistas e
burocratas, a religião da tecnociência arregimenta
profissionais

11
Eugênio Bucci

da imprensa. Filamentos da instituição que estaria


encarregada de checar os fatos – os mesmos que
constituem a textura do domínio político – se
perdem da causa essencial de sua própria
independência. Em nome da liberdade, escolhem
prestar reve- rência a uma objetividade sem atos
humanos e sem matéria. Es- quecem que o único fato
passível de ser alcançado pelo olho do repórter é o
fato posto pelo ato – o ato humano.
A sensação difusa de que, na comunicação
social contem- porânea, prevalece o que alguns
chamam de “pensamento úni- co” vem da eficiência
com que os artefatos substituíram os fatos. Ocorre
que o “pensamento único” não é bem um
“pensamento único”. Sequer um “pensamento” ele é,
uma vez que não com- porta a crítica aos seus
próprios fundamentos. O que se passa aí é outro tipo
de bloqueio da razão. As métricas maquinais, quando
tomadas pelo jornalismo como se fossem a mais pura
expres- são dos fatos, assumem, na esfera pública,
um aspecto de fala dogmática, mas essa não decorre
de manipulações intencionais de pessoas ou grupos,
e sim de uma acomodação estrutural do discurso da
tecnociência. Uma matriz única – absoluta –subs- titui
fatos por artefatos, ou por dados, e é essa
substituição, da ordem da técnica e do capital, que
produz a sensação de que vige um suposto
“pensamento único”. Os algoritmos blindados con- tra
o exame externo, as equações inacessíveis ao debate
público e as padronizações linguísticas inconscientes
se manifestam na linguagem na exata medida em
que a ideologia fala na lingua- gem – através e a
despeito dos sujeitos. A expressão “pensamento
11
único”, portanto, carece de sentido lógico, é um
oximoro – pois um pensamento que é único por
sufocar divergências não é pen- samento, mas
doutrina dogmática que não pensa. Na mesma

11
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

medida, expressões como “grande mídia” ou “mídia


hegemôni- ca”, convocadas para designar a imprensa,
carecem de precisão e levam suas generalizações
panfletárias ao nível do absurdo.
Ainda assim, a sensação de que há um
“pensamento úni- co” em marcha – e de que esse
“pensamento único” reafirma o capital – tem
fundamento intuitivo. A matriz única – que na
verdade mata o pensamento – ocasiona a sensação
de “pensa- mento único”.
A verdade factual se estilhaça em fagulhas
imateriais, em códigos digitais, escondendo-se em
desvãos cada vez mais inaces- síveis ao tato do
repórter. Aos ocultamentos da cena contempo- rânea
– apagões de real – vem se somar mais este,
desconcertante: parte da imprensa, mas não toda a
imprensa, parece ter esqueci- do que o jornalismo
não enxerga o que o humano não vê, não vive,
não experimenta e não pega com as mãos. O
jornalismo não dispõem de olhos para enxergar a
composição das partículas subatômicas, os ciclos de
vida dos micro-organismos, os con- tornos dos
buracos negros nas lonjuras do universo – só o que
o jornalismo pode fazer é entrevistar os físicos que
perseguem bósons nos aceleradores de partículas, os
biólogos que estudam as formas ínfimas de vida, os
astrônomos que caçam buracos negros nas fendas do
universo escuro. Por terem esquecido quais são seus
elementos essenciais e por terem se deslumbrado
por elementos que não são os seus (são os do
poder), estamentos das redações parecem embarcar
no telos da estratégia do poder. Aprenderam a
acreditar em máquinas e na neutralidade dos al-
11
goritmos. Aprenderam a aceitar que as nuvens de
dados digitais são os próprios fatos – e não uma
outra escala da representação que veio para
substituir tudo aquilo que era “vivido diretamen-

11
Eugênio Bucci

te”, no dizer de Debord. Em lugar de questionar a


ordem da representação, simplesmente a tomam
por verdade.
O mal-estar que acomete a imprensa é o
mesmo que de- prime a política. Quando os fatos, em
certos discursos jornalís- ticos, são dissolvidos em favor
de massas ultrapotencializadas de dados digitalizados,
a missão cética da imprensa se desfaz em favor de
uma fé que não se sabe fé. Os fatos e os
acontecimentos que deslizam para fora do alcance
dos repórteres deslizam tam- bém para fora do
alcance dos agentes políticos.
Em tempo, quem são os agentes políticos? Seria
pertinente nos perguntarmos sobre isso, pois deles, dos
agentes políticos, teria dependido a defesa da verdade
factual como lastro e como objeto indispensável do
debate político. Deles teria dependido a defesa de
uma verificação independente – politicamente
independente
– da verdade dos fatos. E então? Quem são os agentes
políticos? A resposta comporta pelo menos quatro
tempos distintos.

1. Para Aristóteles, a ação política era coisa para


os cidadãos, mas os cidadãos, nos tempos de
Aristóteles, eram poucos (mulheres, estrangeiros,
escravos e jovens não tinham voz nem voto na
ágora). O filósofo se justifica: “Governar e ser
governado são coisas não só necessárias mas
convenientes, e é por nascimento que se
estabelece a diferença entre os destinados a
mandar e os destinados a obedecer”.122
2. Para Maquiavel, o maestro da política era o
11
Príncipe. Ou seja, o maestro da política pode
muito bem ser um só homem.

122 ARISTÓTELES. Política. Edição Bilíngue Grego-Português. Tradução de


António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Coleção Vega
Universidade/ Ciências Sociais e Políticas. Lisboa: Vega, 1998, p. 61.

12
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

3. Max Weber, há cem anos, apontou a


profissionalização da política. Surge o “político
profissional”. A política passa a ser obra e
razão de muitos.
4. Então, com Hannah Arendt, o agente político
muda ra- dicalmente. Há o político profissional,
por certo, mas, na profundidade de seu texto,
vislumbra-se que o sujeito da ação política é,
potencialmente, toda a humanidade.

Embora o domínio político não envolva todos os


domí- nios da vida – e jamais poderia ou deveria
envolver, pois o domí- nio político só é o que é
quando sabe que precisa de uma exte- rioridade
em que se possa apurar a verdade factual (a
verificação e o relato público dos fatos são funções
essencialmente políticas, por certo, mas requerem
independência política, ou seja, inde- pendência
funcional frente ao domínio político) –, não há como
entender de outra maneira o pensamento de Hannah
Arendt: o agente político é a humanidade inteira.
As duas postulações não se contradizem: toda a
humani- dade é potencialmente o agente político
(primeira postulação) e o domínio político não
recobre todos os domínios em que o ser humano
existe (segunda postulação). Ao descrever a Políti- ca
como “os homens vivendo e agindo em conjunto”
para “en- gendrar” os “fatos” e os “acontecimentos”
que, necessariamente, “constituem a própria textura
do domínio político”, Hannah Arendt diz que todos os
humanos são universalmente os autores que
confeccionam o domínio político. Ao mesmo tempo,
ao ad- vertir que os fatos são verificados no exterior
119
do domínio políti- co, ela assinala que nem tudo o que
fazem os seres humanos cabe dentro do domínio
político. Fundamentalmente, ela mostra que

119
Eugênio Bucci

os fatos, que não se resumem à extensão do


domínio político, pois o atravessam e o circundam
pelo lado de fora, constituem a textura do domínio
político porque são a medida daquilo que, no interior
do domínio político, é o que existe de mais humano.
Claro que isso não se apresenta de forma linear.
A ideia de que toda a humanidade é a agente política
(o pressuposto de que todos os seres humanos,
potencialmente, podem agir no domí- nio político) soa
como um clamor de libertação, mas chega até nós
como um travo de impossibilidade. O motivo da
impossibi- lidade é a interdição dos fatos. Se os fatos
estão interditados (por pelo menos duas estratégias
distintas), como poderia ser gerada a textura do
domínio político? Eis a impossibilidade. Ou o agente
político busca os fatos e os encontra (dentro e fora
do domínio político), ou a política se desfaz e, em
seu lugar, o que se levanta é uma usurpação pela
qual o poder mumifica a política.
Daí a necessidade de articular uma defesa da
verdade fac- tual como uma forma de defesa da
política e, no limite, de uma sociedade que se
organize em torno da democracia e dos direitos
humanos. Assumir essa defesa é caminhar no
contrafluxo da fé, das mistificações e das religiões
travestidas de política. Trata-se de promover a crítica
tanto da religião tecnociência, pela qual homens e
mulheres se convertem em adoradores de máquinas,
quanto das seitas de estilo messiânico, pela qual
homens e mu- lheres abdicam de conhecer a
realidade por si mesmos e se dei- xam amoldar,
curvados, pelas ortodoxias e pelas idolatrias, ren-
didos à servidão intelectual que Kant chamou de
120
heteronomia (o suicídio da consciência).
Outra vez, como nos tempos de Demócrito e
Epicuro, o fator religioso oculta os fatos e oblitera a
razão. Muito se fala da

120
Quinta Parte – A dualidade entre a moral e os fatos em Maquiavel e Weber

“pós-verdade” como resultante da conduta de líderes


populistas e de seus fanatismos, mas isso é apenas
uma das camadas, e das mais superficiais, de uma
síndrome mais profunda, mais extensa e mais nefasta.
Sob o brilho artificial dos populismos, o que está em
marcha é uma cultura inteira, desejosa de
fundamentalis- mos, que se afeiçoou à indústria das
celebridades, às adorações da imagem eletrônica, à
estetização do ódio e aos “ismos” iman- tados pela
imagem de salvadores de carismas requentados. Por
detrás dos chamados populismos, a cultura
antipolítica – ou a cultura da antipolítica – é a pulsão
violenta que hostiliza os fatos. Portanto, defender a
verdade factual significa defender a independência
daqueles a quem cabe verificar os fatos e defender a
liberdade de imprensa, nos termos estritos com que
Hannah
Arendt a defende:
“Se a imprensa se tornasse alguma vez
realmente o ‘quarto poder’ deveria ser protegida
contra todo o governo e agressão social ainda mais
cuidadosamente do que o é o poder judicial. Porque
essa função política muito importante que consiste
em divulgar a informação é exercida do exterior do
domínio político propriamente dito; nenhuma acção
nem nenhuma decisão polí- tica estão, ou deveriam
estar, implicadas.” 123
Estamos falando de defender a liberdade de
expressão e o direito à informação contra a cruzada
fundamentalista que ataca os jornalistas justamente
quando os jornalistas acertam em cum- prir seu papel
político – não partidarizado – de verificar a verda- de
dos fatos. Essa cruzada obscurantista e antipolítica,
12
empreen-

123 ARENDT, Hannah. Verdade e Política. Parte V. In: ARENDT, Hannah.


Entre o Passado e o Futuro. Tradução de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio
D’Água Editores, 1995.

12
Eugênio Bucci

dida por legiões que se regozijam no suicídio da


consciência, não pode ser confundida com a crítica
necessária que se deve fazer às franjas da imprensa
que se adaptaram às matrizes do poder.
Mas o compromisso com a imprensa livre e
crítica não bas- ta. A defesa da verdade factual
implica exigir que sejam tornadas públicas e
transparentes todas as formas de controle privado (e
por vezes secreto) das tecnologias empregadas para
administrar o fluxo de ideias e informações na
sociedade contemporânea: ou a democracia, num
plano supranacional, consegue desenvolver meios de
governar os algoritmos hoje trancafiados em centros
de gestão comandados por oligopólios globais – como
Google, Facebook e Twitter –, ou a democracia se
amofinará sob a gestão dos algoritmos.
Por fim, a defesa da verdade de fato exige de
nós um aprendizado doloroso: a convivência com o
estranhamento. A verdade factual requer a
assimilação do Princípio da Realidade: o agente
político terá de se atrever a ser adulto. Para divisar os
fatos diante de si, o sujeito deve reconhecer o que
lhe é exterior, o que não dispõe de meios para
controlar ou mudar conforme seu desejo. A verdade
factual não conforta, mas desafia. Os fatos não são
amigos. Não são acolhedores. Não são espelho. Os
fatos são da ordem do que difere, do que dissente e,
por isso mesmo, cumprem o papel de servir como
contrapeso da intolerância. Os fatos demandam o
diálogo entre subjetividades que se hostili- zam.
Tecem a dimensão vital da política: a dimensão do
diálogo. São a textura do domínio político porque,
dentro desse domínio, divisam o horizonte de onde
12
surge o outro: o outro que é a razão de ser da
política, o outro que é o primeiro anúncio de que
pode haver humanidade.

12
Posfácio

Uma nota ética sobre a


biblioteca e a verdade factual
O Código de Ética e Deontologia do Bibliotecário
Brasileiro, na versão publicada no Diário Oficial da
União de 09/11/20181, chama o bibliotecário a manter
compromissos com os valores do humanismo, com a
razão e com a devida observância dos fatos, sempre
em respeito ao direito à informação do cidadão.
No artigo 5º, que trata dos deveres do
profissional, fala-se do dever de “preservar o cunho
liberal e humanista de sua profissão, fundamentado
na liberdade da investigação científica e na dignidade
da pessoa humana” (alínea “a”). Na alínea “c” do
mesmo artigo, surge a instrução de “observar os
ditames da ciência e da técnica”. Não devemos
entender esse mandamento como uma forma de
consagração da frieza da técnica em oposição ao
humanismo. Longe disso, o dispositivo reafirma o
humanismo, orientando os bibliotecários e as
bibliotecárias a evitar obscurantismos,
fundamentalismos, fanatismos, crendices e
preconceitos, pautando seu discernimento nos
parâmetros da Razão.
O artigo 6º, parágrafo 3º, alínea “d”, é um
chamamento a “assumir responsabilidades pelas
informações fornecidas”. Não que os profissionais
encarregados das bibliotecas sejam diretamente
responsáveis por cada letra impressa em cada livro
sob sua guarda. O sentido aqui é mais amplo. Trata-
1
Seção 1, págs.155 e 156. Esta versão, estabelecida pela Conforme a
Resolução CFB nº 207/2018, revogou a versão anterior (Resolução
042/2002, publicada no DOU de 14/01/2002, Seção 1, pág. 64).
12
se de uma disposição que convida bibliotecários e
bibliotecárias a mobilizar seu conhecimento para
ajudar seus públicos a separar o que é verdade
factual do que é pura invencionice mal-intencionada.
Não por acaso, o conjunto normativo do Código
se estrutura pelo entendimento de que a profissão do
bibliotecário é de “natureza sociocultural” (artigo 2º),
incidindo na sociedade e na cultura. O termo
“sociocultural” nos alerta para não abraçarmos
separações esquemáticas entre os domínios do que
chamamos de “sociedade”, de “informação”, de
“cultura” e de “conhecimento”. Ainda que sejam
conceitos autônomos, eles devem ser vistos como
interdependentes: dependem uns dos outros para
adquirir sentido.
Quanto a isso, não deixa de ser revelador o que
dispõe o artigo 4º:
“O objeto de trabalho do bibliotecário é a informação,
artefato cultural aqui conceituado como conhecimento
estruturado sob as formas escrita, oral, gestual, audiovisual
e digital, por meio da articulação de linguagens natural e/ou
artificial.”
Temos aí, muito bem apontada, a dimensão
cultural da informação. Não se pode negligenciar a
ação das bibliotecas como centros de cultura, polos
fomentadores de cultura. O Código não concebe a
informação como um dado solto, mas como um fator
que vertebra e constitui o conhecimento. Se
informação conduz a conhecimento, a desinformação
(“misinformation”) fabrica o desconhecimento – e o
desconhecimento corrói por dentro a democracia.
Levando-se em conta, por fim, que o
conhecimento não pode desprezar os fundamentos
da ciência (como vimos no artigo 5º), temos que a
função do bibliotecário e da bibliotecária não pode
estar a serviço de doutrinarismos ou de propaganda.
12
Outra vez, os valores do humanismo falam mais alto –
e o Código não poderia ser mais enfático. O artigo 2º,
em seu parágrafo único, é explícito:
“O bibliotecário repudia todas as formas de censura e
ingerência política.”
É também nesse sentido que o trabalho nas
bibliotecas e das bibliotecas, em suas dimensões
materiais e imateriais, concorre para a construção da
liberdade à medida que observa e cultiva a verdade
factual, com o compromisso de resguardar, proteger
e encorajar a criatividade humana contra qualquer
barreira moral ou política.

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133
Coleção Interrogações

Vivemos saturados de informações em


sociedades arqui- complexas. Desde as labutas da
vida cotidiana até as tarefas mais especializadas,
tudo parece ter perdido a solidez em um emara-
nhado de incertezas. Interrogações não faltam ao
amanhecer de cada dia. Esta coleção, que A Estação
das Letras e Cores Editora lança ao público em geral,
busca colocar em discussão questões candentes com
que a realidade social, na teia entrecruzada de seus
fios políticos, culturais, tecnológicos, psíquicos e
educacio- nais, está nos desafiando. Estratégias
responsivas não são possí- veis sem que os impasses
sejam devidamente pensados. Não se trata de buscar
respostas acabadas, mas sim desenvolver o apetite pela
reflexão capaz de alimentar o pensamento crítico.
Sobre o autor

Esta obra foi composta em Minion Pro e


Ando pela Schaffer Editorial para a
Estação das Letras e Cores
Editora em julho de 2019.

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