Clínica Médica e Ped - P4F2
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7º P - 2023.2 T XXXI
PROBLEMA 4 – F2
Doenças da Vesícula Biliar e Pancreatite Aguda
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CLÍNICA MÉDICA E PEDIATRIA Anne Karoline
7º P - 2023.2 T XXXI
- é uma causa mais rara; A PA surge pela ativação do tripsinogênio ↳ infecções (caxumba, citomegalovírus, coxsackievirus, Mycoplasma
para tripsina e também deposição excessiva de cálcio intraductal, pneumoniae), infestação por Ascaris lumbricoides e Clonorchis sp.
levando à obstrução do ducto e aos ataques subsequentes de ↳ azotemia, vasculite, autoimune (síndrome de Sjögren)
pancreatite. ↳ e úlceras duodenais perfuradas
↳ intoxicação por organofosforados; veneno de certas espécies de
- Pode ocorrer em pacientes com hiperparatireoidismo (1,5-13%), aranha, escorpião;
hipercalcemia paraneoplásica, sarcoidose, toxicidade por vitamina D ↳ secundária a procedimentos cirúrgicos (pós-operatória):
abdominais, biópsia do órgão e exploração do ducto biliar comum
ou no intraoperatório de cirurgias cardiacas, durante as quais utiliza-
...
se, rotineiramente, infusão de altas doses de cálcio.
FISIOPATOLOGIA
Drogas (2-5%):
A maioria dos pesquisadores acredita que a PA é o resultado da
- Os mecanismos responsáveis pela PA medicamentosa são variáveis,
ativação das enzimas pancreáticas ainda no interior do órgão
incluindo efeito tóxico direto da droga, reações de hipersensibilidade
(autodigestão), sendo este o evento responsável por todas as demais
ou efeito tóxico indireto, mediado por hipertrigliceridemia ou outras
alterações; mas o mecanismo deflagrador ñ é totalmente conhecido.
anormalidades metabólicas.
- As cél. acinares produzem as enzimas pancreáticas, as enzimas proteolíticas e
- esse tipo de PA algumas outras são secretadas na forma de zimogênios (inativas) e são ativadas no
são muitas vezes lúmen duodenal, pela ação da enteroquinase (enzima presente na borda em escova do
subestimados, pois duodeno)
é necessário um
- O primeiro e principal zimogênio a ser ativado é o tripsinogênio, que se transforma
alto índice de em tripsina (ativa), que através de um mecanismo de cascata, é capaz de ativar todas
suspeita. as outras pró-enzimas, como o quimiotripsinogênio, pró-elastase e fosfolipase.
Após Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica: - condições como o aumento da pressão ductal intrabiliar levam à aproximação de
vacúolos citoplasmáticos ricos em catepsina B (ativador do tripsinogênio) com as pró-
- PA é a complicação mais comum após a CPRE, ocorrendo em até 5% enzimas, e estas estruturas passam a se localizar lado a lado → fenômeno é chamado
de colocalização. O resultado já sabemos: a tripsina formada no interior do pâncreas
- mais frequente em pacientes que se submeteram a procedimentos ativaria as outras pró-enzimas.
terapêuticos em comparação com os procedimentos diagnósticos; em Ocorre uma autodigestão do parênquima pancreático. As células
pacientes com tentativas múltiplas de canulações do esfíncter de Oddi acinares liberam citosinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórios. Esses
e visualização anormal dos ductos pancreáticos secundários após mediadores não iniciam a lesão pancreática, mas propagam
injeção de contraste. A evolução clínica é leve em 90-95% sistematicamente a resposta local. Como resultado, neutrófilos e
macrófagos são recrutados para o parênquima pancreático e
- FR: papilotomia da papila menor, disfunção primária do esfíncter de
Oddi, HP de pancreatite, <60 anos, >2 injeções de contraste no ducto provocam a liberação de mais citocinas, metabólitos de oxigênio
de Wirsung e CPRE realizada por endoscopista em "aprendizado" . reativo, prostaglandinas, fator ativador de plaquetas e leucotrienos. A
resposta inflamatória local futura agrava a pancreatite porque
Obstrução Anatômica: aumenta a permeabilidade vascular e produz lesão da microcirculação
do pâncreas. Em casos graves, a resposta inflamatória provoca
- obstruções não litiásicas, principalmente a disfunção do esfíncter de hemorragia local e necrose pancreática.
Oddi, lesões duodenais (úlceras, doença de Crohn, divertículo,
tumores periampulares), pós-traumática e o pâncreas divisum As alterações microcirculatórias são muito importantes na
(anomalia congênita, mas sua relação com a PA é incerta) fisiopatologia das formas mais graves; como ocorre: vasoconstrição,
estase capilar, shunts arteriovenosos, aumento da permeabilidade
- Neoplasias; devem ser consideradas sempre que não houver doença capilar e isquemia tecidual – todos esses fatores podem levar a edema
evidente do trato biliar. A mais relacionada com a pancreatite é a local e, nos casos mais graves, o processo pode se generalizar, com
neoplasia intraductal mucinosa. extravasamento de quantidades relevantes de água livre do plasma
para o 3º espaço, provocando hipotensão e hemoconcentração.
Idiopática:
A circulação sistêmica de citocinas (IL-1, IL-8, IL-6, TNF-alfa),
- cerca de 20% dos casos em que não se chega a uma definição
fosfolipase A2 e espécies reativas de O2, provocam lesões em órgãos
etiológica.
distantes e falência de múltiplos órgãos, destacando-se,
- apresentam, em sua maioria, formas não identificadas de principalmente, a síndrome do desconforto respiratório. →SIRS
pancreatite biliar, entre elas: lama biliar ou microlitíase e disfunção do
Na fase tardia das PAs graves, infecções dos tecidos pancreático e
esfíncter de Oddi. O tratamento para estas condições seria a
peripancreático surgem como principal causa de mortalidade.
colecistectomia e a esfincterotomia, respectivamente. Mutações
subclínicas no gene da fibrose cística também foram associadas. A hipotensão secundária ao extravasamento de água livre para o
terceiro espaço por alteração da permeabilidade capilar resulta em
Outras:
isquemia intestinal e queda da barreira mucosa, provocando
↳ Traumas abdominais microfraturas epiteliais que permitem o deslocamento de
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microrganismos provenientes do TGI, principalmente do cólon para a ↪ Inspeção:
circulação linfática e venosa. o equimose ao redor do umbigo (sinal de Cullen) em
consequência do hemoperitônio
Muitas vezes, esses pacientes possuem algum grau de o equimose nos flancos (sinal de Grey-Turner)
supercrescimento bacteriano subclinico, seja por íleo prolongado ou reflete o catabolismo tecidual da hemoglobina
uso concomitante de antimicrobianos de amplo espectro. Uma vez em pela pancreatite necrosante grave com
contato com o tecido pancreático necrótico, tais microrganismos hemorragia.
encontram um ambiente propício para se proliferar. o equimoses na base do pênis (sinal de Fox) mais
QUADRO CLÍNICO raro e tardio da pancreatite necro-hemorrágica.
*NOTA: essa dor é típica! Tem natureza constante, logo, se a dor desaparecer
ou diminuir, outro diagnóstico deve ser considerado. Exames Complementares na Avaliação da Pancreatite Aguda
- Os vômitos geralmente persistem mesmo após o estômago ter sido - aumenta entre 2-12h pós inicio do quadro, partir de então, seus
esvaziado, o que em alguns casos pode levar à síndrome de Mallory- níveis declinam com valores normais já sendo observados por volta do
Weiss e hemorragia digestiva alta. 3-6º dia. Persistência de níveis aumentados pra mais de 7d, suspeitar
de complicações.
EXAME FÍSICO:
- tem baixa especificidade → várias coisas causam hiperamilasemia,
- frequentemente, paciente está angustiado e ansioso → movimenta- logo seu↑ é inespecífico; não tem relação com a gravidade da PA
se no leito em busca de uma posição que alivie a a dor
- alguns casos de PA pode ter amilase NORMAL (p.ex.:
- É comum febre baixa (início do quadro em resposta ao inflamatório e hipertrigliceridemia: presença de um inibidor da amilase, associado
não há infecção, que é mais tardia), taquicardia e hipertensão. com a elevação dos triglicerídios) – Medcurso.
- pode haver rebaixamento do nível de consciência, que pode ser -Dosagem da p-amilase: para tornar a avaliação da amilase +
devido ao choque hipovolêmico (inflamação/vasodilatação/aumento específica, esta é proveniente dos tecidos pancreáticos.
da permeabilidade vascular e perda de volume para o terceiro espaço),
mediadores humorais ou mesmo à intoxicação pelo etanol. * Lipase sérica:
- em casos raros, há icterícia que, quando ocorre, deve-se em geral - mais especifica que a Amilase; aumenta paralelamente à Amilase,
compressão da porção intrapancreática do colédoco, devido ao mas seus níveis persistem aumentados por mais tempo, por 7 – 14d
edema da cabeça do pâncreas ou à cálculo no colédoco distal - não estabelece relação com a gravidade/ prognóstico da pancreatite
- AR: 10-20% dos pacientes, há anormalidades pulmonares como - poucas condições além da PA que elevam lipase. São elas:
estertores nas bases, atelectasia, ↓MV nas bases pulmonares. insuficiência renal GRAVE, com clearance de creatinina < 20 ml/min,
Derrame pleural (mais comum à esquerda). Redução relação colecistite aguda, obstrução e perfuração intestinal.
PaO2/FiO2 pode ser observada nos dias subsequentes em pacientes
críticos que evoluem para SARA. - especificidade equiparada a p-amilase, mas ter ½ maior lipase ainda
sim é melhor.
- Pele: alteração cutânea mais importante (rara) é o aparecimento de
necrose gordurosa subcutânea ("paniculite"), formando nódulos *NOTA: os níveis de
cutâneos eritematosos, semelhante ao eritema nodoso. amilase tendem a ser
mais elevados na litíase
- AD: biliar e a lipase na
doença associada ao
↪ Hipersensibilidade abdominal e rigidez muscular estão álcool – Medcurso.
presentes em graus variáveis;
↪ RHA geralmente estão reduzidos ou abolidos; pode
desenvolver íleo paralítico
↪ Hipertimpanismo pela distenção abdominal
↪ Palpação: não costuma apresentar dados positivos, mas
pode revelar pâncreas aumentado com coleção repentina
de líquidos, necrose encapsulada ou pseudocisto pode ser
palpável na parte superior do abdome na fase avançada da Imagem:
doença (4-6 semanas)
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*Radiografia de abdome: costumar ser normal e sua grande função é
excluir as demais causas. Nos casos mais graves pode ter alguns
achados (quadro).
A extensão da necrose pancreática é melhor avaliada pela TC a partir de Portanto, é essencial determinar o prognóstico e reconhecer de forma
72h do início dos sintomas, podendo as tomografias precoces precoce as formas graves, de modo que se implementem medidas de
subestimarem o grau de lesão pancreática do paciente. Dessa forma, caso monitorização e tratamento intensivo. Para isso, foram desenvolvidos
seja realizada uma tomografia precoce, um novo exame deve ser efetuado diversos escores prognósticos capazes de predizer a gravidade.
3-5D após o primeiro.
↪ De acordo com American Pancreatic Association (APA), o melhor ● Escore de Ranson: ≥ 3 = GRAVE
momento para avaliação seria após 72-96h.
TC precoce só deve ser solicitada nos casos duvidosos. Nos casos em que o - Desvantagem principal é a necessidade de pelo menos 48h de
diagnóstico é certo, a TC deve ser realizada nos quadros graves após 72h, observação após admissão para definição do prognóstico/gravidade,
para investigar presença de complicações (p.ex.: necrose) – Medcurso. não prevê no momento da admissão.
*USG
Endoscópica:
diagnosticar
pancreatite de
origem biliar.
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*Reposição volêmica:
*Nutrição:
- Pancreatite leve: dieta zero por até 3-7d até que seja possivel o
TRATAMENTO restabelecimento da dieta oral. Recomenda-se realimentação quando
há melhora da dor, retorno de RHA, presença de peristalse. A
Independentemente da causa ou da gravidade da doença, a base do preferência é por dieta via oral, não havendo diferença entre
tratamento da PA é a reposição agressiva de líquidos e eletrólitos pelo introdução de dieta liquida ou sólida.
uso de uma solução isotônica de cristaloides.
- Pancreatite grave: optar pela dieta via enteral após estabilização
O tratamento da pancreatite aguda começa no setor de emergência. hemodinâmica, pois seus efeitos tróficos sobre a mucosa intestinal
Depois da confirmação do diagnóstico, é iniciada a ressuscitação reduzem translocação bacteriana e incidência de complicações
líquida agressiva, são administrados analgésicos intravenosos, a infecciosas.
gravidade é avaliada e começa a busca das causas que podem ter
impacto nos cuidados imediatos. ↪ aqueles que não tolerarem a via enteral, seja por íleo paralítico ou
outras complicações, e aqueles cuja meta calórica não foi atingida
*Medidas gerais: MOV somente com dieta enteral até 48 horas após sua introdução
devem receber nutrição parenteral
↪ *NOTA: oximetria do pulso deve ser contínua porque uma das
complicações sistêmicas mais comuns da PA é a hipoxemia *Antimicrobianos profiláticos:
provocada por lesão pulmonar aguda associada a essa doença. Os
pacientes devem receber oxigênio complementar para manter a - a necrose infectada é a complicação mais temida, mas não há um
saturação arterial <95%. consenso sobre o uso de ATB profilático
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- maioria dessas infecções ocorrem por translocação a partir do → A alta hospitalar é determinada quando a dor é controlada com
intestino, principais E.coli, Klebsiella, Pseudomonas; analgésicos orais e o paciente pode voltar a se alimentar
normalmente.
- a posição mais aceita atualmente, sendo defendida pela maioria das
referências como o Sabiston, o ACG (Colégio Americano de
Gastroenterologia) e até mesmo a revisão dos critérios de Atlanta,
que só preconizam o uso de antibiótico quando diagnosticada a
infecção da necrose. – Medcurso,2022.
Referências
- Medicina interna do Harisson, 20ed – 2020.
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS COM BASE NA ETIOLOGIA - Sabiston, Tratado de cirurgia, 20ed – 2019.
Anamnese cuidadosa, revisão dos fármacos usados, exames laboratoriais - Clinica Média da USP, volume 4, 2ed – 2016.
selecionados (perfil hepático, triglicerídeos séricos, cálcio sérico) e
ultrassonografia abdominal estão recomendados no setor de emergência, para
avaliar etiologias que possam ter impacto no tratamento inicial. A
ultrassonografia abdominal é a modalidade de imagem inicial de escolha, que
avalia a vesícula biliar e o ducto colédoco, assim como a cabeça do pâncreas.
* Pancreatite biliar: