02 Fundamentos Educacao Especial

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Fundamentos da Educação Especial

Historicamente, a Educação Especial, que tradicionalmente substituía a escolarização de


pessoas com deficiência, assumiu diferentes concepções, terminologias e modalidades de
atendimento educacional.

Ao final do século XIX e início do século XX, sob uma concepção segregacionista, surgiram as
instituições de internação e asilamento de todos que tinham sequelas físicas ou mentais.

Na década de 1950 foram criadas as escolas especiais de atendimento exclusivo aos alunos
com deficiência, então chamados de excepcionais. Posteriormente, as disposições da LDB (Lei
4.024/1961) apontavam o direito dos excepcionais à educação, preferencialmente no sistema
geral de ensino.

Na concepção integracionista, que questiona o isolamento desse alunado, agora chamado de


deficiente, foram criadas as classes especiais nas escolas da rede regular. Nesse contexto, o
encaminhamento do aluno às classes comuns estava atrelado às suas condições de se adaptar
aos padrões estabelecidos pela escola regular. Fundamentada na nova LDB (Lei 5.692/1971),
ao referir-se a “tratamento especial” para os alunos com deficiência, a educação especial era
regida por um modelo clínico, no qual a escolarização desses alunos ficava sob a
responsabilidade dos profissionais da área de saúde.

A Constituição Federal do Brasil de 1988, assim como outros documentos oficiais, consoante
com a demanda humana e social por inclusão das pessoas com necessidades especiais nas
diversas instâncias sociais, preconiza o acesso e a permanência dessa população nas escolas
regulares.

Essa posição se fortaleceu por intermédio do compromisso assumido pelo Brasil ao se


manifestar signatário dos postulados elaborados em Salamanca (Espanha, 1994) na
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade.
Na Declaração de Salamanca e suas Linhas de Ação, o conceito de inclusão educacional
determina que as ações educativas sejam inspiradas na importância de assegurar escola para
todos, reconhecendo a diversidade social, promovendo a aprendizagem em um processo
dinâmico, de forma a atender às aspirações, aos desejos e às expectativas dos alunos, ou seja,
às necessidades educacionais dos alunos.

Entretanto, em 1994, a Política Nacional de Educação Especial, elaborada pelo MEC/SEESP,


que passou a utilizar a terminologia “pessoa portadora de necessidades especiais”, ainda
adotava o discurso integracionista condicionando o acesso às classes comuns àqueles que
”possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do
ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (p.19).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (Lei 9.394/1996) define que o
atendimento educacional especializado deve ser oferecido preferencialmente na rede regular
de ensino para os educandos com necessidades educacionais especiais, devendo assegurar-
lhes “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender
às suas necessidades”.
Ao regulamentar o Capítulo V – Educação Especial da LDB em vigor, o Conselho Nacional de
Educação, por meio da Resolução 2/2001, determinou a obrigatoriedade dos sistemas de
ensino quanto à matrícula de todos os alunos, cabendo às escolas se organizar para o
atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as
condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.

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Dessa forma, em oposição ao paradigma da integração, a inclusão escolar implica a
organização das escolas no sentido de apresentar as condições necessárias para suprir as
necessidades educacionais de todos os alunos em um ambiente pedagógico acolhedor e
diversificado, contribuindo assim de maneira significativa para o seu desenvolvimento
cognitivo, desiderativo, social e psicomotor.

A citada Resolução 2/2001 e a Deliberação 291/2004/CEE definem o alunado que requer


educação especial como aquele que, durante o processo educacional, apresenta dificuldades
acentuadas de aprendizagem ou limitações vinculadas ou não a uma causa orgânica específica.
Consoante aos avanços teóricos e conceituais da Educação Especial, a atual Política Nacional
de Educação Especial define como alunos com necessidades educacionais especiais aqueles
com deficiência (mental, auditiva, visual e física), com transtornos globais do desenvolvimento
e aqueles com altas habilidades/superdotação.

A Convenção da Guatemala (1999, p. 3), promulgada no Brasil pelo Decreto 3.956/01, reafirma
que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais
que as demais pessoas, definindo discriminação como toda diferenciação, exclusão ou
restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência
anterior ou percepção de deficiência presente ou passada que tenha o efeito ou propósito de
impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de
deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

A atual perspectiva educacional – a inclusão – desvia o foco da deficiência e enfatiza o ensino e


a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; deixa de procurar no aluno a
origem de um problema e se define pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que
a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha êxito escolar.
Nessa direção, a Educação Especial é entendida como elemento integrante e indistinto do
sistema educacional que se realiza transversalmente, em todos os níveis de ensino, nas
instituições escolares, cujo projeto, organização e prática pedagógica devem respeitar a
diversidade dos alunos, a exigir diferenciações nos atos pedagógicos que contemplem as
necessidades educacionais de todos. Suas ações devem refletir a capacidade que todos têm de
aprender, dando ênfase à convivência e à aprendizagem na heterogeneidade como a melhor
forma para a construção do conhecimento e a promoção da cidadania.
A inclusão escolar se fundamenta em pressupostos éticos e democráticos de reconhecimento
e valorização da diversidade, como características inerentes à constituição de qualquer
sociedade, com princípios éticos e políticos estabelecidos no cenário dos Direitos Humanos,
afirmando a importância de garantir o acesso e a participação de todos a todas às
oportunidades, independentemente das peculiaridades dos alunos.

Nessa perspectiva, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH destaca a


necessidade de “incentivar formas de acesso às ações de educação em direitos humanos a
pessoas com deficiência”. No que tange à educação básica, o PNEDH (2006, p. 31) chama a
atenção para o fato de que não é apenas na escola que se produz ou reproduz o
conhecimento, mas é nela que este saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço
social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e a vivência dos
direitos humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de
concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de
promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos
sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas.

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No tocante à educação, a Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos da pessoa
com deficiência, publicada em 2006 e ratificada no Brasil em 2008 (DOU de 10/07/2008), pelo
Decreto Legislativo 186, que confere à Convenção equiparação à Constituição Federal/1988,
aponta que os Estados parte reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação.
Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os
Estados parte assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o
aprendizado ao longo da vida.
Para a realização desse direito, os Estados parte assegurarão

1. Que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob
alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do
ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de
deficiência; (...)
2. Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que
maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão
plena.
Corroborando com esses fundamentos, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da
Educação publicou, em janeiro de 2008, a Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, objetivando:

Assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do


desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação, orientando os sistemas de ensino para
garantir: acesso, participação e aprendizagem no ensino comum; oferta do atendimento
educacional especializado; continuidade de estudos e acesso aos níveis mais elevados de
ensino; promoção da acessibilidade; formação continuada de professores para o atendimento
educacional especializado; formação de profissionais da educação e comunidade escolar;
transversalidade da modalidade do Ensino Especial desde a Educação Infantil até a Educação
Superior; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (p. 8).
Através do Decreto 6.571/08, de 17/09/08, o atendimento educacional especializado citado no
parágrafo único do art. 60 da Lei 9.394/1996 ficou assim definido:

É considerado atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de


acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma
complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. O atendimento
educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a
participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.
A política da Educação Especial deve estar pautada nos dispositivos legais e político-filosóficos
que buscam garantir a igualdade de oportunidades e a valorização da diversidade no processo
educativo através do acesso, permanência e aprendizagem dos alunos com necessidades
educacionais especiais nas classes comuns das escolas regulares.
A antiga política da Educação Especial seguia diretrizes de um modelo clínico, tradicional e
classificatório, no qual os profissionais da área de saúde exerciam papel predominante nessa
modalidade de atendimento.

A abordagem médica e psicológica se detinha no que pretensamente “faltava” aos educandos.


Implicava um diagnóstico clínico para avaliar as características e dificuldades manifestadas
pelos alunos, objetivando constatar se deviam, ou não, ser encaminhados às classes especiais
ou escolas especiais ou ainda às classes comuns do ensino regular (Parecer CNE/CEB n°
17/2001).

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A Educação Especial, na perspectiva da educação inclusiva, define sua atuação junto ao ensino
regular prevendo o emprego de procedimentos didático-pedagógicos e a disponibilização de
materiais e equipamentos específicos, assim como o atendimento educacional especializado,
que promovam a aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais.

Faz-se necessária, portanto, uma política educacional de qualidade, em que todos os alunos
recebam o apoio particular requerido por suas necessidades individuais de aprendizagem, com
vistas à educação inclusiva, cujo desenvolvimento viabiliza a ampliação da democracia social.

No decorrer dos últimos anos, constatou-se, por intermédio dos Censos Escolares do
MEC/INEP, o aumento do número de alunos com necessidades educacionais especiais
matriculados nas escolas e o aumento do total de alunos incluídos nas classes comuns e
consequentes avanços em sua escolarização e em todas as áreas do seu desenvolvimento
humano.

Mesmo considerando o crescimento das matrículas, ainda é significativo o número de crianças,


adolescentes, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais, principalmente
aqueles com deficiência, fora da escola. Essa realidade constitui um grande desafio para os
sistemas públicos de ensino, que devem se organizar de maneira a assegurar a essa população
os direitos fundamentados no princípio do acesso universal.

A inclusão é um motivo para que a escola se modernize e os professores aperfeiçoem suas


práticas; assim sendo, a inclusão escolar de pessoas deficientes torna-se uma consequência
natural de todo um esforço de atualização e de reestruturação das condições atuais do ensino
básico (Mantoan ,1997, p. 120).
Temos clareza de que a consolidação de uma educação de qualidade para todos implica
readequação da estrutura organizativa da educação brasileira, ressignificação dos conceitos de
aprendizagem, avaliação, currículo, metodologias de ensino, ambiente escolar, gestão e
práticas escolares, consistindo isso não somente na aceitação da diferença humana, mas em
sua valorização e no respeito ao ato e às possibilidades de aprender dos alunos com
necessidades especiais.

Apesar dos vários movimentos, no decorrer dos anos, na luta pelos direitos das pessoas com
deficiência, ainda vemos perpetuar na sociedade manifestações (veladas e reveladas) de
preconceito e discriminação relacionados a essas pessoas.
Iniciativas públicas e privadas da Educação Especial foram e ainda são marcadas por uma
concepção assistencialista, protecionista e caritativa que dificultam o processo de inclusão dos
alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns das escolas regulares.
Permanece ainda a ideia equivocada de incapacidade desses alunos para aprender e avançar
na escolarização.

Sob os pontos de vista legal, educacional, político e filosófico, o direito à inclusão desses
sujeitos parece estar assegurado, mas a sociedade precisa dar consistência entre o seu
discurso legal e a sua prática social.

Há de se buscar soluções para a convivência na diversidade que caracteriza e enriquece, dá


sentido e significado. Há que existir efetivamente a convivência e a familiaridade com pessoas
com deficiência, derrubando as barreiras físicas, sociais, psicológicas e instrumentais que as
impedem de circular no espaço comum (Aranha, 2000, p. 9).

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González (1997) chama atenção para o fato de que são poucos os professores que, motivados
por um processo de autorreflexão, procuram vias para confrontar suas representações e
desenvolver capacidades ou características pessoais que lhe permitam enfrentar com sucesso
os desafios da educação do alunado que requer educação especial junto com os demais
alunos. Segundo o autor, existe a tendência dominante de restringir o processo educativo a
um conjunto de saberes, recursos, estratégias e ações, não levando em conta a relevância da
intersubjetividade entre os professores e esse alunado.

Contrapondo-se a todos esses desafios, Monteiro e Castro (1997) verificaram em seus estudos
que os adultos portugueses entendem que o convívio com a criança deficiente pode aumentar
a autoestima da criança não deficiente, diversificar sua experiência, ampliar suas competências
sociais e fazer com que aprenda a respeitar as diferenças.

Outras pesquisas dão conta dos benefícios para as pessoas com deficiência a partir da
convivência, trocas, interações com as pessoas não deficientes que vão para além da
aprendizagem formal/escolar. São experiências valiosas e imensuráveis, pois interferem na
personalidade, na subjetividade, nos valores, nas crenças, no senso crítico, na cultura,
permitindo a essas pessoas ampliar seus horizontes, desejos, sonhos e planos para o futuro. É
dada a elas a oportunidade de aprender a se proteger, a se defender, a lidar e superar
frustrações e perceber que as outras pessoas, com ou sem deficiência, experimentam todas
essas adversidades, que fazem parte da vida.

Apenas a educação não pode mudar o destino das crianças com necessidades especiais ou
daquelas que são marginalizadas, assim como não pode mudar, sozinha, o destino de
ninguém, mas a introdução das diferenças sociais (pobres e ricos, negros e brancos, deficientes
e não deficientes) na escola e em todo o convívio social pode ajudar a atenuar a violência
social existente, expressada sob forma de discriminação. Para eliminar a discriminação
precisaríamos mudar a estrutura de nossa sociedade, posto que ela imanentemente gera
violência; para atenuá-la, medidas educacionais são importantes (Adorno, 1995, p. 119-138).
Para concluir, pensamos ser a escola um espaço privilegiado, um terreno fértil para introduzir
e fortalecer a ideia da inclusão dos alunos com deficiência, de maneira a estender às famílias e
aos outros grupos sociais essa nova concepção e esse novo paradigma.

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