Dimensão Simbolica - TEma - 5
Dimensão Simbolica - TEma - 5
Dimensão Simbolica - TEma - 5
Desta unidade curricular de sociologia geral, que é o último, é dedicado à dimensão simbólica
das sociedades. A sociologia tem vindo a dar importância a essa dimensão simbólica, na esteira
do que já era, por exemplo, trabalho de Max Weber, reconhecendo que os indivíduos não
apenas cumprem normas, mas também adquirem conhecimentos, interiorizam valores,
interpretam o mundo e conferem sentido às suas ações. Desta forma, tornam-se agentes ou
atores da vida social. Todavia, essas interpretações e sentidos baseiam-se também em sistemas
de símbolos e significados que os indivíduos vão dominando no decurso das suas interações
sociais, ou seja, não são simplesmente ideias que se formam nas suas cabeças, mas são
também produto da vida social.
Cultura é uma palavra que todos conhecemos e é um conceito fundamental para a sociologia.
Mas o que é a cultura? Em ciências sociais, designamos cultura como um sistema de símbolos e
significados desenvolvidos e partilhados no seio de uma sociedade, comunidade ou
organização, incluindo linguagens, conhecimentos, normas, crenças, costumes, utensílios,
objetos decorativos, etc. Tais elementos/sistemas são indispensáveis para a sobrevivência das
coletividades e de cada um dos seus membros, sendo a base das interpretações que os
indivíduos dão às suas vivências e ao que observam no quotidiano. Neste sentido, a cultura é
preservada e transmitida entre os membros do mesmo agregado, embora também se vá
transformando com o tempo, devido a influências externas e à própria criatividade dos
indivíduos e dos grupos.
Importa desde já sublinhar que a utilização deste conceito nas ciências sociais implica uma
rutura com o sentido corrente que se dá a esta palavra. Em conversas familiares ou entre
amigos. Dizemos habitualmente "a tal pessoa não tem cultura" ou "o nível cultural deste lugar
é muito baixo". Em termos sociológicos e antropológicos, tais afirmações estão erradas, pois
um indivíduo nunca poderia sobreviver sem cultura, isto é, sem qualquer linguagem, crença,
conhecimento, utensílio, etc. Além disso, os territórios não são como recipientes que se vão
enchendo de culturas, umas a um nível alto e outras a um nível baixo. Por exemplo,
comparando dois países, um pode ter um maior conhecimento científico e literário acumulado
nas suas instituições e na sua população, o que lhe permite elevar a produtividade das suas
organizações. Outro pode ter um maior volume e diversidade de saberes incorporados ao nível
da culinária, da dança e de diferentes técnicas de sobrevivência. Pode-se dizer que estes dois
países têm culturas distintas.
É por isso que as ciências sociais se baseiam numa perspetiva relativista, pluralista e
compreensiva dos fenómenos culturais, não fazendo juízos de valor sobre uma eventual
suposta superioridade ou autenticidade de certas culturas em relação a outras. O que as
afirmações supracitadas evidenciam é que certas formas culturais são socialmente mais
reconhecidas. Muitas pessoas podem, por exemplo, considerar que um conhecimento rico e
rigoroso da língua oficial do seu país ou das línguas francesa e inglesa são indicadores de um
indivíduo com cultura. Isto é verdade, mas cada vez mais pessoas reconhecem também que o
domínio de um idioma indígena ou autóctone, da história oral da sua aldeia ou das técnicas de
trabalhar a terra evidencia igualmente que o indivíduo é portador de um amplo património
cultural. Uma cultura diferente, é certo, mas não necessariamente inferior.
Norbert Elias destacou-se pela sua perspetiva histórica da relação entre natureza e sociedade,
mostrando em vários estudos como o pensamento e a sensibilidade dos indivíduos não são
atributos genéticos, evoluindo de geração em geração em consequência de um trabalho
específico, permanente, quotidiano, de sofisticação e difusão dos códigos de conduta e de
comunicação, os quais se designam geralmente processos culturais e, em alguns casos, podem
também ser englobados no conceito de processos de civilização.
Mas podemos perguntar-nos qual o motivo pelo qual subsistem diferentes culturas dentro de
uma mesma sociedade ou comunidade. É claro que uma das respostas é que estas sociedades
ou comunidades podem ser constituídas por pessoas provenientes de diferentes sociedades e
comunidades que trazem consigo uma herança cultural diferenciada. Porém, dentro das
sociedades industriais, as diferenças culturais persistem, por um lado, em resultado da
diferenciação do trabalho social, tal como já havia sido abordado por Émile Durkheim e outros
autores, e, por outro lado, em consequência das lutas de poder que existem entre os diferentes
grupos. Diversos sociólogos, inspirados nas obras pioneiras de Karl Marx, têm sustentado esta
perspetiva.
É possível que tudo isto lhe pareça interessante, mas não suficiente para compreender o
mundo complexo, criativo, singular e subjetivo como pensam e agem os indivíduos. Muitos
sociólogos têm pensado o mesmo a partir da influência de autores como Georg Simmel e
George Herbert Mead, alguns sociólogos têm-se dedicado ao estudo das interações,
entendidas como o processo através do qual os indivíduos agem e reagem na sua vida
quotidiana em relação aos outros. Nesta linha de estudos, conhecida como interacionismo
simbólico, Erving Goffman foi o autor que mais se notabilizou ao revelar a existência de um
conjunto de padrões que parecem, aliás, ter pouca relação com os grandes sistemas sociais.
Mas a abordagem mais conhecida deste sociólogo foi aquela que se tem denominado o
modelo dramatúrgico, dadas as analogias da vida social com o teatro. Em qualquer interação,
as pessoas adotam papéis e procuram gerir as impressões que deixam nos outros, de forma a
corresponder a esse papel. Isto pode implicar forjar uma identidade falsa, mas a questão
central aqui é que, mesmo para adquirir uma identidade legítima, o indivíduo tem que
representá-la. Por exemplo, não basta ser militar. O indivíduo tem que se comportar como
militar, falar como militar, andar como militar para ser aceite como tal. A metáfora é ainda
levada mais longe quando Goffman fala da existência de interações que se assemelham a
presença em palco, o que ocorre, por exemplo, em eventos públicos ou perante as câmaras de
televisão, enquanto outras se afiguram mais como a vida nos bastidores, em que poucos
indivíduos com laços fortes entre si agem de forma mais espontânea e preparam a sua
representação.
Mais próximos da economia, alguns sociólogos têm estudado a sociedade enquanto uma
agregação de indivíduos que agem de forma racional para maximizar os benefícios e minimizar
os custos, sob designações como teoria da ação racional e individualismo metodológico.
Muitos jovens das classes populares podem optar pelo ensino profissional em vez da via
universitária, não tanto por questões culturais ou sociais, mas simplesmente porque têm uma
maior urgência de entrar no mercado laboral e calculam que esta via pode trazer-lhes mais
benefícios a curto prazo do que enveredar por cursos científicos e humanistas. Porém, outros
colegas têm argumentado que essa racionalidade é moldada por um habitus, isto é, um
sistema interiorizado que orienta as representações e as práticas dos indivíduos a partir de
experiências quotidianas. Por outras palavras, sucessivas interações em que participamos ao
longo da vida socializam-nos e vão dar origem a uma estrutura cognitiva, moral e emocional,
ajustada ao contexto social em que vivemos. Os economistas podem ter um quadro mental
muito orientado para buscar soluções que aumentem a prosperidade e diminuam os custos,
enquanto outros grupos e classes sociais podem agir mais orientados para questões como a
sobrevivência, a segurança, a justiça ou a distinção social.
Portanto, se especializado no que designa a sociologia à escala individual, Bernard Lahire tem
envolvido estudos em profundidade sobre as pessoas em distintos contextos sociais. Há
sociólogos que têm ido ainda mais longe do que Bourdieu na ideia de que a disciplina tem de
incorporar nas suas análises o modo complexo e diverso como as pessoas pensam e agem, sem
reduzi-las à sua cultura e à sua posição na sociedade. Assim, sublinham o caráter pessoal,
intencional, subjetivo e reflexivo dos seres humanos, argumentando inclusive que este se tem
alargado com a modernidade e a democracia, nomeadamente através da expansão de certas
instâncias de socialização, como a escola e os meios de comunicação.
António Firmino da Costa, um dos sociólogos mais reconhecidos a nível mundial, recuperou
então um conjunto de estudos clássicos do interacionismo simbólico e da etnometodologia, de
forma a construir uma visão distinta da sociedade. O conceito de reflexividade ocupa uma
posição central na sua proposta, entendido como a capacidade dos indivíduos de pensar em si
próprios, nas suas ações e no mundo que os rodeia. Utilizando uma metáfora, podemos dizer
que a reflexividade é nossa capacidade de continuamente nos olharmos ao espelho e, em
função disso, procurarmos mudar certos aspetos em nós próprios e no mundo. Isto implica
conceber-nos simultaneamente como sujeitos e objetos. Também Margaret Archer seguiu na
mesma linha.
Assim sendo, tem vindo também a crescer uma linha designada como estudos biográficos. A
escolha do texto para trabalhar e aprofundar esta perspetiva tem a ver com o casamento. A
Professora Anália Torres, uma socióloga portuguesa muito conceituada, tem trabalhado
sobretudo as questões do casamento e do divórcio, discutindo como estas se vão mudando ao
longo do tempo, mas também apresentam variações entre grupos e classes sociais. O
casamento representa, efetivamente, uma dimensão cultural importante das nossas
sociedades. Está fortemente inscrito numa cultura familista e é uma instituição central da
nossa sociedade, mas tem vindo a alterar-se e a variar também nos seus sentidos, à medida
que a sociedade avança e se diversifica.