Filosofia 4

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01/05/2023, 17:42 UNINTER

FILOSOFIA
AULA 4

Prof. Paulo Niccoli Ramirez

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/17
01/05/2023, 17:42 UNINTER

CONVERSA INICIAL

DIREITOS HUMANOS E A CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE

Nesta aula, estudaremos o processo de construção dos direitos humanos. Observaremos que,
antes mesmo da adoção, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização

das Nações Unidas (ONU), houve uma série de construções filosóficas e eventos históricos políticos

inaugurados no século XVII que passaram a formular os chamados direitos naturais e individuais.
Esses elementos envolveram reflexões e lutas em nome de liberdades, direitos políticos e o que hoje

é conhecido como Estado democrático de direito.

Para isso, primeiro veremos as influências e heranças dos autores contratualistas dos séculos XVII

e XVIII, elaboradores do direito natural e base para a compreensão dos direitos humanos. No Tema 2,
discutiremos o Iluminismo do século XVIII e as Revoluções Burguesas; no Tema 3, abordaremos

aspectos políticos do idealismo alemão de Kant e seu conceito de dignidade humana, sendo que

todas estas correntes contribuíram em maior ou menor grau para a construção do direito moderno e
para a elaboração da Declaração dos direitos humanos no século XX, que será debatida no Tema 4.

Por fim, no Tema 5, analisaremos a crítica marxista aos pensamentos iluminista, contratualista e

idealista alemão, e suas concepções de humanidade e liberdade.

TEMA 1 – TEORIA CONTRATUALISTA

A construção moderna do que vem a ser a humanidade e os direitos remete primeiro à herança

deixada pelo pensamento de Maquiavel (1469-1527) no século XVI. Na obra O príncipe, escrita em
1513, porém apenas publicada em 1532, após a morte do pensador, Maquiavel deu um contorno

mais realista à política e à observação do ser humano, tomado como naturalmente avarento,

individualista e sem interesse pelo bem comum. A novidade do pensamento de Maquiavel foi

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estabelecer a noção de que a política é uma arte humana, que independe de qualquer explicação

divina ou de determinação da natureza, o que veio a influenciar os demais pensadores políticos

seguintes, entre eles os contratualistas. Maquiavel demonstra que devemos entender a autonomia da
política, pois ela é resultado do jogo de forças entre os indivíduos, bem como os modelos políticos
devem ser tomados sempre como construções humanas.

Neste Tema 1 estudaremos a formação do pensamento contratualista para, mais adiante,

compreendermos de que forma ele foi determinante ao lado do Iluminismo francês do século XVIII e
do idealismo alemão do século XIX para a construção do que hoje entendemos como direitos
humanos. Mas o que caracteriza o contratualismo? Vamos estudar o assunto com maior
profundidade..

1.1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATUALISMO

O contratualismo é também conhecido como jusnaturalismo – ou direito natural –, e está


relacionado a autores como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-

1778). Estes pensadores apresentam interpretações bem diferentes do que vêm a ser os direitos
naturais ou mesmo os modelos políticos defendidos, conforme veremos mais adiante. O que há de

comum entre suas ideias é a distinção entre direito e lei. Os direitos têm origem e remetem à

natureza. Estão presentes universalmente nos indivíduos desde o seu nascimento. Por serem naturais,
consideram que alguns desses direitos não podem ser usurpados ou infringidos. São exemplos
desses direitos a liberdade, a igualdade e o direito à vida e à segurança. Os direitos correspondem ao

que se define como estado de natureza, de modo que eles não surgiram da sociedade e muito menos

das convenções humanas. Já as leis são criadas pelos indivíduos, resultado de convenções, acordos

ou contratos, e têm como objetivo promover a sociabilidade, a segurança e a paz. As leis existem no

estado civil, caracterizado pela existência de um Estado que organiza a vida social. Portanto, o direito

é natural; a lei é humana. Os pensadores contratualistas apresentam divergências sobre como foi a
passagem do estado de natureza (sem leis, reis, Estados, governos ou sociedade) para o estado civil,

ou seja, sob quais condições o contrato que deu origem à sociedade e ao Estado teria sido

elaborado.

1.2 THOMAS HOBBES: “O HOMEM É LOBO DO PRÓPRIO HOMEM”

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Figura 1 – Hobbes (1588-1679), em sua obra O Leviatã, afirma ser o homem lobo do próprio homem

Crédito: Georgios Kollidas/Adobe Stock.

De acordo com o pensamento político de Hobbes, em sua obra O Leviatã (2003), publicada em

1651, o estado de natureza é visto de forma negativa. Trata-se de uma condição caótica devido à

ausência de Estado, autoridade, leis e governo, sendo caracterizada pela guerra de todos contra
todos. A natureza forneceu aos indivíduos dois direitos: a liberdade (que inclui a possibilidade de

tudo poder fazer, inclusive empregar violência deliberada contra semelhantes) e o direito à

autoconservação ou vida, sendo possível agir de todas as formas para que os indivíduos se

mantenham vivos. Por isso, o filósofo considera que os indivíduos se caracterizariam pela expressão
“o homem é lobo do próprio homem”. Na visão de Hobbes, a liberdade deve ser limitada com a

elaboração de um contrato social que permita a passagem do estado de natureza em direção à

sociedade civil, enquanto o direito à vida ou autoconservação deve ser protegido quando da

constituição do Estado e da sociedade.

Para Hobbes, no estado civil e com a constituição do Estado, deve-se proteger o direito à vida
ou à segurança. Esta perspectiva exclui a manutenção da liberdade no estado civil, pois, embora seja

um direito natural, pode representar um ato deliberado contra o outro, como matar ou usurpar

objetos. Hobbes considera, desse modo, que o direito natural à liberdade deve ser limitado. Defende

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o absolutismo monárquico como forma de garantir o monopólio do soberano (ou do rei) nas
decisões políticas, a fim de controlar e usurpar a liberdade dos súditos com a intenção de evitar ao

máximo o eventual retorno ao estado de natureza, ou seja, a guerra de todos contra todos.

1.3 JOHN LOCKE: LIBERDADE E PROPRIEDADE PRIVADA

Figura 2 – John Locke (1632-1704) é o pai do liberalismo político por considerar a propriedade
privada um direito natural. Além disso, foi pioneiro na reflexão sobre a imposição de limites ao
Estado, de modo a preservar os direitos naturais, como a igualdade, liberdade e propriedade

Crédito: Georgios Kollidas/Adobe Stock.

Locke considera a propriedade privada um direito natural, ao lado da igualdade e da liberdade.

Na obra Dois tratados sobre os governos civis, publicada no ano de 1689, Locke se opôs à visão de

Hobbes sobre o estado de natureza, pois, ao invés de observar a guerra de todos contra todos,
afirma que haveria uma relativa paz. Além disso, enquanto Hobbes avalia a liberdade natural como

negativa, Locke a tomava como um elemento positivo e relacionado ao direito de ir e vir, à liberdade

de pensamento e à posse sobre o próprio corpo, não podendo nenhum indivíduo ser escravizado ou

usurpado de sua liberdade ou integridade física. O filósofo considera ainda que o pacto social que

deu origem ao Estado e aos governos foi criado pelos indivíduos com o objetivo de preservar ainda

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mais, sob a forma de leis, os direitos fornecidos pela natureza (propriedade privada, igualdade e
liberdade).

Por estes motivos, John Locke é considerado pai do liberalismo político, corrente que se opõe ao
absolutismo monárquico defendido por Hobbes. O liberalismo político compreende que o direito
natural à liberdade está presente na liberdade de expressão (política e religiosa), na autoridade que
cada indivíduo tem sobre seu corpo (propriedade privada) e ao que permite a manutenção desse

mesmo corpo, como no caso da propriedade da terra. O liberalismo promove limites ao Estado em
nome da defesa das liberdades e dos direitos individuais. Dessa forma, liberdade, igualdade e
propriedade privada constituem direitos invioláveis, cuja origem é o estado de natureza. Assim, tais

direitos devem ser protegidos e mantidos pelo Estado, ou na condição civil.

1.4 ROUSSEAU E O BOM SELVAGEM

No século XVIII, o pensador iluminista e contratualista francês Jean-Jacques Rousseau, em suas


obras Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, e O contrato social,

respectivamente publicados nos anos de 1755 e 1762, defende como direitos naturais a liberdade e a
igualdade. São elementos positivos e considera que esses direitos devem ser preservados no estado

civil. Rousseau questiona os pensamentos de Hobbes e Locke por meio do argumento que gira em

torno da noção de que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

Para Hobbes, conforme vimos, no estado de natureza predomina a guerra de todos contra todos

e a ideia de que o homem é lobo do próprio homem. Para Rousseau, ao contrário, o estado de
natureza é considerado um estágio positivo da história da humanidade, devido ao fato de que o

filósofo francês concebe o “bom selvagem”. Nessa perspectiva de Rousseau, os indivíduos nascem

livres, iguais e vivem felizes no estado de natureza. O que retirou os seres humanos do estado de

natureza e os conduziu à corrupção em direção ao estado civil foi a invenção da propriedade privada.
Aqui encontramos a crítica de Rousseau a Locke, pois este último considera a propriedade privada

um direito natural, enquanto, para Rousseau, a propriedade não é um direito, mas uma elaboração

humana que perpetuou a desigualdade entre os indivíduos.

o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno, lembrou-se

de dizer “isto é meu”, e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos
crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que,

arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘evitai ouvir esse

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impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a

ninguém. (Rousseau, 1997, p. 87)

Em O contrato social, Rousseau procura realizar um novo contrato que seja capaz de afirmar os
direitos naturais, a liberdade e a igualdade. Eles seriam possíveis no estado civil com o que o filósofo

designou como vontade geral. Trata-se de uma espécie de democracia direta, da qual todos
participam, incluindo mulheres, e na qual há a abolição da escravidão. O povo deve estar reunido em
assembleia, de forma a constituir o poder soberano por meio de seu corpo político. Trata-se da ideia

de que o governo apenas é legítimo quando o povo exerce sua vontade geral.

No Tema 4 veremos como estas concepções contratualistas colaboraram para a elaboração da

Declaração Universal do Direito Humanos da ONU, no ano de 1948.

TEMA 2 – A FILOSOFIA ILUMINISTA E AS REVOLUÇÕES BURGUESAS

Investigaremos, nesse tema, o papel do pensamento burguês e iluminista para a consolidação de


direitos civis, políticos e econômicos. Sobretudo, durante o século XVIII, conhecido como o Século das

Luzes, devido ao Iluminismo e à Revolução Francesa, foi possível levar ao fim os privilégios do clero e

da nobreza feudais. Antes disso, com a Revolução Gloriosa (1688), na Inglaterra, ocorreu a ascensão
da burguesia ao poder por meio da consolidação de sua hegemonia no parlamento e limitação dos

poderes monárquicos. Em 1776, a Revolução Americana e, em 1789, a Revolução Francesa, foram


determinantes para o processo de constituição de direitos fundamentais baseados no contratualismo

e em princípios liberais.

O Iluminismo desenvolveu concepções relevantes e que influenciam a cultura ocidental até hoje.

Entre os elementos defendidos por essa corrente estão a confiança no progresso mediante o
desenvolvimento técnico, científico e industrial, a separação entre religião e Estado, a defesa de

direitos naturais – sobretudo a liberdade (principalmente a de expressão e econômica) –, a igualdade

e a propriedade privada (com exceção de Rousseau, conforme vimos).

Dessa forma, foram desenvolvidos os direitos naturais nas legislações desses países. A

Independência (ou Revolução) estadunidense, em 1776, consolidou a Constituição e a Declaração de


Direitos, de 1787, a qual entrou em vigor em 1791. A Declaração de Direitos passou a limitar o poder

do governo federal, de modo que sua principal função passou a ser garantir e proteger direitos como

igualdade jurídica, as liberdades econômicas e políticas, a propriedade privada, assim como a


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privacidade dos cidadãos. Na França, a revolução de 1789 deu origem à Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, que estabeleceu como universais e invioláveis os direitos individuais, que
tiveram como base os debates dos pensadores contratualistas, conforme abordamos no tema
anterior.

TEMA 3 – KANT, O IDEALISMO ALEMÃO E A DIGNIDADE HUMANA

Investigaremos, nesse momento, a contribuição de Kant (1724-1804) para a futura construção

dos direitos humanos. Kant foi um pensador alemão contemporâneo à Revolução Francesa, que
herdou, desse movimento filosófico francês do século XVIII, o otimismo em relação ao progresso da

razão e da consolidação dos direitos civis e políticos.

Kant pertence à corrente denominada como idealismo alemão. Influenciado pelo Iluminismo, o

idealismo alemão se refere à tentativa de promover a razão na história e na moralidade, buscando o

aperfeiçoamento da humanidade. Será diante dessa perspectiva que Kant desenvolverá o conceito de
dignidade humana, conforme veremos adiante. Entre os séculos XVI e XVIII, a ciência e a filosofia

modernas procuraram dominar a natureza e livrar os indivíduos do obscurantismo e ignorância; o

pensamento filosófico político, sobretudo com os contratualistas e a filosofia iluminista, procuraram


constituir racionalmente o Estado e a sociedade. Restava um aspecto: dominar racionalmente a

moralidade, tarefa que seria realizada principalmente por Kant. Trata-se de promover a razão na
história e na moralidade; Kant foi um dos primeiros pensadores alemães a se declarar iluminista.

Em sua obra Fundamentação metafísica dos costumes, publicada em 1785, Kant apresenta a

valorização da razão moderna aplicada ao direito, à indústria e à ciência. Seu raciocínio objetiva

estabelecer como dever moral a adoção de princípios racionais que devem ser difundidos de forma

universal à humanidade. Esses princípios são sintetizados na seguinte máxima kantiana: “Age como

se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal” (Kant, 2009, p.

245).

Assim como os iluministas, Kant possui convicção dos benefícios da razão humana.

Compreendeu que não é preciso medir as consequências do uso da razão no campo moral e jurídico,

tendo em vista que a própria racionalidade por si só promoveria o bem-comum, ou seja, ele se refere

à noção de que tudo o que emana da razão é, necessariamente, benéfico aos seres humanos.

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A formulação do conceito de dignidade humana por Kant, presente em sua obra Fundamentação

da metafísica dos costumes, representa a síntese de construções anteriores e herdadas dos


pensadores liberais e contratualistas inglese – principalmente Locke –, e dos iluministas na França,
sobretudo Rousseau. Vimos que esses pensadores desenvolveram as noções de liberdade e

igualdade naturais. Para Kant, a dignidade humana está atrelada ao problema do que é um valor, de
modo que ela pode ser negociada ou mesmo substituída por qualquer outra coisa.

A dignidade humana expressa o direito de viver e pensar livremente, assim como o respeito pela
liberdade alheia. Kant toma a dignidade como um fim em si mesmo, pois fornece a autonomia e
fortalece a vida em sociedade. Kant anseia uma forma de comportamento universal e fraterna, que
encontra na dignidade humana o exercício do bom uso da razão em público e politicamente.

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço,

pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de
todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. (Kant, 2009, p. 82)

A concepção moral kantiana de dignidade diz respeito à autonomia do sujeito, pois ele é visto
como dotado de consciência e liberdade; zela pela igualdade jurídica e o aprimoramento da

humanidade. Porém, a análise dessa premissa de Kant poderia conduzir a vários questionamentos,

como: O que se entende de fato como sendo a dignidade humana? Ela seria igualmente válida em
todas as épocas e sociedades? Não seria apenas um ponto de vista europeu, idealista e iluminista?

Seria realmente um valor universal, ou meramente burguês? Essas perguntas também aparecerão no
pensamento de Karl Marx, e serão estudados no Tema 5.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) é outro pensador idealista alemão a avaliar com

otimismo o estabelecimento dos direitos à liberdade, igualdade e propriedade privada, além do

Estado burguês. Na obra Fenomenologia do espírito (1807), ele concebe que a Revolução Francesa e
as expansões napoleônicas teriam conduzido a humanidade ao que definiu como sendo o “fim da

história”. Hegel, ao ver Napoleão Bonaparte invadir sua cidade na Alemanha, teria percebido “o

espírito absoluto montado num cavalo".

Para este pensador, o fim da história se dá com a realização do espírito absoluto no mundo.

Trata-se do fim dos conflitos entre os seres humanos (Hegel dirá que é o fim da dialética entre o
senhor e o escravo), pois, a partir de então, com a Revolução Francesa e as expansões napoleônicas

pela Europa, todos os seres humanos passariam a gozar de liberdades individuais e igualdade

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jurídica, não havendo mais margem para a tirania dos reis ou a superstição das religiões. O raciocínio

de Hegel revela não somente o otimismo diante de sua época e dos progressos racionais; remete
também a uma concepção na qual o mundo ocidental teria alcançado seu apogeu. Esta concepção
será igualmente questionada por Karl Marx (estudaremos esta crítica no Tema 5).

TEMA 4 – A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Figura 3 – No ano de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou a Declaração

Universal do Direitos Humanos, cujo objetivo principal é defender a dignidade humana e os


chamados direitos individuais

Crédito: nmann77/Adobe Stock.

Estudaremos agora a Declaração Universal do Direitos Humanos, formulada pela ONU em 1948,

após a Segunda Guerra Mundial. Identificaremos também as influências de princípios contratualistas,

iluministas e kantianos por meio de uma análise detalhada de alguns dos artigos da declaração.

Logo no art. 1º da Declaração..., é possível avaliar a influência do conceito de dignidade humana


de Kant. O primeiro artigo refere-se à percepção de que, por meio da razão, deve-se estabelecer o

bem-estar e coletivo, com a intenção de produzir universalmente princípios fraternos entre os seres

humanos, independentemente de sua cultura, país ou etnia:

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Artigo 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de

razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. (ONU,
1948)

O art. 3º da Declaração... foi inspirado no contratualismo de Hobbes, especificamente o direito


natural à vida ou autoconservação (estudado no Tema 1 dessa aula). O mesmo artigo inclui as
concepções do direito natural à liberdade estabelecidos por Locke e Rousseau: “Artigo 3º - Todo

indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 1948).

O caráter universal da Declaração... está também relacionado às visões iluministas e do idealismo

alemão. Podemos perceber este caráter no art. 2º do documento, quando revela a adoção dos
direitos humanos a todos os indivíduos, seja qual for o gênero, credo, posição ideológica, condição

econômica ou origem cultural.

Artigo 2º - Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na


presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de

religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou

de qualquer outra situação (ONU, 1948)

Os princípios do direito natural à igualdade proferidos pelas filosofias contratualistas de Locke e


Rousseau são o fundamento dos arts. 7º e 10º da Declaração... Tais artigos revelam que, perante a lei,

todos devem ser tratados da mesma forma, assim como obter proteção legal que garanta a todos os

indivíduos os mesmos direitos:

Artigo 7º - Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos

têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação.

[...]

Artigo 10º - Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e

publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e
obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

(ONU, 1948)

O direito natural à liberdade presente nas reflexões de Locke e Rousseau estão presentes no 18º
art.. Lembremos que, segundo Locke, as leis e o Estado devem zelar pela proteção à liberdade de

pensamento. A Declaração... da ONU compreende que essa liberdade está inserida no direito

individual de escolher posicionamentos políticos e religiosos.

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Artigo 18º - Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião;

este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de
manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado,

pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. (ONU, 1948)

Outro conceito de Locke relacionado ao direito natural e que influenciou a elaboração da

Declaração Universal do Direitos Humanos diz respeito à propriedade privada. A filosofia de Locke
parte do princípio de que o direito ao próprio corpo representa a primeira propriedade natural de
cada indivíduo. Tudo aquilo que é empregado com a intenção de garantir a existência desse corpo,

como a terra em que se trabalha ou a casa onde se vive, passam a ser considerados extensões da
propriedade privada. O art. 17º do documento da ONU explicitamente demonstra a influência do
pensamento de Locke:

Artigo 17º - Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade [...] Ninguém pode ser

arbitrariamente privado da sua propriedade. (ONU, 1948)

No 21º art. do documento, é possível perceber a influência do conceito de vontade geral


elaborado por Rousseau. A ONU e parte considerável de cientistas políticos reconhecem, hoje, a

impossibilidade da prática de uma democracia direta, ou seja, observa a inviabilidade de

necessariamente todos os cidadãos e habitantes de um país participarem efetivamente de todas as


decisões políticas e elaborações de leis.

Por isso, reconhecendo a necessidade de democracias indiretas, caracterizadas por eleições de


representantes, como presidente e parlamentares, a Declaração Universal dos Direitos Humanos

promove uma adaptação do conceito de vontade geral de Rousseau em direção à noção de vontade

do povo. Preserva-se, dessa forma, um princípio iluminista e contratualista de Rousseau em torno da

universalidade do direito de participar das decisões políticas, porém por meio da eleição de
representantes. Assim, governos apenas são reconhecidos como legítimos pela ONU se referendados

democraticamente por sua população. Caso contrário, veremos governos tirânicos ou ditatoriais que

agem contra os chamados direitos humanos, pondo em risco a liberdade política e a igualdade

jurídica:

Artigo 21º - A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve
exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual,

com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. (ONU,
1948)

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Foi possível observar, com esta breve explanação, a relevância de se estudar o contratualismo, os

princípios universais iluministas e o pensamento kantiano, para o entendimento da construção dos


direitos humanos elaborados pela ONU por meio dessa Declaração de 1948.

TEMA 5 – CRÍTICA MARXISTA À SOCIEDADE BURGUESA

Neste Tema vamos nos dedicar à análise da crítica que Marx (1818-1883) faz aos princípios
universais do contratualismo, Iluminismo e idealismo alemão. Marx é um pensador anterior à

elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de modo que não se trata de realizar a
oposição entre marxismo e direitos humanos, senão a certos princípios defendidos no interior das
correntes filosóficas desenvolvidas entre os séculos XVII e XVIII. Vale dizer que muitos marxistas hoje

defendem os direitos humanos, porém com ressalvas, essencialmente, ao princípio de Locke em


torno do direito à propriedade privada. Vamos aprofundar estas questões a partir de agora.

As obras Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843); Manifesto do Partido Comunista (1848),
escrita em parceria com seu amigo Engels; e O Capital (1867), demonstram contradições do discurso

universalista das correntes filosóficas contratualistas, iluminista e do idealismo alemão, além do

questionamento do também caráter universal da revoluções burguesas. A contradição diz respeito ao


fato de Marx não considerar que estas revoluções tenham sido de fato universais, senão meramente

burguesas e em favor unicamente dessa classe.

A constatação de Marx se deve ao fato de que com as revoluções burguesas, a ascensão do


capitalismo e a implementação dos direitos individuais não significaram o fim dos conflitos e dos

problemas sociais. Durante o século XIX, Marx verificou que trabalhadores viviam em condições de

pauperismo. Seus salários eram suficientes para garantir condições adequadas de existência. Além

disso, havia um exército de desempregados e condições indignas de trabalho nas fábricas. A

igualdade jurídica (que privilegiava apenas a classe economicamente dominante, a burguesia) jamais

havia promovido igualdade social.

A pobreza generalizada da classe trabalhadora fez com que Marx desmitificasse os discursos

otimistas frente aos logros das revoluções burguesas e do Iluminismo. Exemplos disso são as críticas

a afirmações como as de Kant, que julgava que havíamos alcançado a “paz perpétua” e “a dignidade

humana”, ou a Hegel, fiel à ideia de que havia sido promovido o “fim da história” com o fim dos

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conflitos humanos, sobretudo entre senhores e escravos. Essas visões acabavam por deturpar a

realidade. Marx designa com o conceito de ideologia essas formas de interpretação da realidade.

A ideologia se caracteriza em Marx como o mascaramento da realidade, com falsas ideias que

sistematicamente apresentam visões distorcidas do mundo. A ideologia ocorre também quando os


oprimidos ou explorados passam a incorporar, como se fossem seus, os preconceitos, os pontos de
vista, visões de mundo ou a moral dos dominadores, incorporando-os em suas subjetividades como

se fossem naturais ou normais.

Segundo Marx, o Iluminismo e as revolução burguesas não puseram fim aos conflitos no interior
das relações humanas. Na visão marxista, a sociedade liberal e capitalista deu origem às lutas de

classes entre burgueses e proletariado. A burguesia é definida com base na propriedade privada dos
meios de produção (terras, máquinas, fábrica, ferramentas, ou seja, tudo o que é necessário para

garantir o processo de produção); o proletariado, por sua vez, é caracterizado pela venda da força de
trabalho (que pode ser braçal ou intelectual), correspondendo, portanto, à classe trabalhadora.

A crítica de Marx à concepção de propriedade privada de John Locke (que acreditava ser ela um
direito natural) está fundada na avaliação de que a referida propriedade está concentrada e sob o

domínio hegemônico da classe burguesa. Contraditoriamente, leia-se dialeticamente, os

trabalhadores são explorados com salários baixos, fortalecendo o acúmulo de propriedades e


riquezas nas mãos da própria burguesia. Esses elementos revelam o caráter conflituoso presente na

sociedade burguesa. Por isso, Marx, ao defender o socialismo, propõe o fim da propriedade privada,

de modo a torná-la coletiva ou de posse estatal. O objetivo desse procedimento seria compartilhar
entre todos os trabalhadores as riquezas oriundas dos processos produtivos, agrícolas e industriais,

no interior das propriedades, agora socializadas.

Segundo Marx, enquanto houver a exploração de um indivíduo sobre o outro jamais


abandonaremos a pré-história da humanidade. Para este filósofo, o motor da história são as lutas de

classes. Ao lado de Engels, Marx afirma, em seu Manifesto do Partido Comunista “A história de toda

sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes” (Marx; Engels, 1977, p. 25). A

verdadeira história da humanidade (ou o fim da história da exploração) será originada a partir da

promoção da emancipação do gênero humano por meio de uma revolução promovida pela classe
trabalhadora. Seria, na visão de Marx, o fim dos dominadores e dos dominados e a realização da

liberdade humana.

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NA PRÁTICA

Pesquise em jornais, revistas e sites de defesa de direitos individuais textos, matérias ou artigos
que permitam identificar casos de violações contra os direitos humanos, sobretudo de segmentos

sociais minoritários. Nos últimos anos, temos visto problemas de discriminação e violência em
relação aos direitos da população LGBTQIA+, da população negra, dos indígenas, pessoas com
deficiências (PcDs), mulheres, entre outros.

Depois de realizar a pesquisa, procure debater em grupo quais são as situações mais comuns e
arbitrárias. Elabore um relatório, observando quais direitos presentes na Declaração Universal do

Direitos Humanos da ONU foram infringidos. Em seguida, reflita sobre quais medidas ou políticas
poderiam ser adotadas para que os direitos humanos dos grupos sociais investigados sejam

respeitados.

FINALIZANDO

No Tema 1 estudamos a corrente filosófica desenvolvida entre os séculos XVII e XVIII, conhecida
como contratualista ou jusnaturalista. Observamos a defesa dos chamados direitos naturais e a forma

com que autores como Hobbes, Locke e Rousseau analisam quais direitos naturais devem ser
preservados e protegidos pelo Estado na condição civil.

Em seguida, no Tema 2, estudamos as intenções universalistas presentes no Iluminismo e

revoluções burguesas no que diz respeito ao emprego da razão e aplicação dos direitos individuais.
Foi possível observar como esses movimentos históricos contribuíram também na constituição do

idealismo alemão, estudado no Tema 3, sobretudo com as filosofias de Kant e Hegel. Evidenciou-se a

herança iluminista na construção, por exemplo, do conceito de dignidade humana de Kant.

O Tema 4 foi dedicado à análise da presença e influência de princípios contratualistas, iluministas

e kantianos no interior da Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada pela ONU no ano de

1948. Constatamos as raízes filosóficas do que hoje é conhecido como um dos principais

documentos produzidos no decorrer da história da humanidade, à medida que a Declaração...

estabelece direitos como liberdade, igualdade, propriedade privada, segurança, entre outros.

O Tema 5 permitiu a compreensão da crítica marxista ao pensamento iluminista e burguês, e

conhecemos o entendimento de Marx sobre o que significa a emancipação humana por meio da

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superação da luta de classes.

REFERÊNCIAS

HEGEL, G. W. F. A fenomenologia do espírito. In: Os pensadores: vol. XXX. São Paulo: Abril,

Cultural, 1974.

HOBBES, T. O Leviatã. São Paulo Martins Fontes, 2003.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2009.

LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo civil. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).

MARX, K.Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.

MARX, K. El capital: Livro 1. México: Fondo de Cultura Económica, 1995.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Grijalbo, 1977.

ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf>. Acesso em:

3 jan. 2022.

ROUSSEAU, J.-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens. São Paulo: Nova Cultural, 1997.

ROUSSEAU, J.-J. O contrato social. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores, v. 1).

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