Kant Versus Mill
Kant Versus Mill
Kant Versus Mill
(1724-1804)
Uma ação moralmente boa é, para Kant, aquela em que a intenção de quem age é
desinteressada. Por intenção desinteressada entende Kant a intenção que não se baseia no
interesse particular do agente.
Para Kant, uma ação possui valor moral, quando o indivíduo obedece, não aos seus interesses
particulares, mas apenas e somente às ordens da sua razão.
É possível agir de acordo com este princípio kantiano?
Sim, é possível.
Pensemos no exemplo do juiz. O juiz na avaliação de uma determinada situação, procura avaliá-
la de forma objetiva e imparcial, sem qualquer tipo de interesse particular nessa avaliação. A
intenção com que o juiz age na avaliação de um determinado caso é puramente desinteressada.
Por que razão a ação cuja intenção é desinteressada é a única ação moralmente correta
para Kant? Porque é o único agir que obedece incondicionalmente às ordens da nossa razão,
ordens essas que são universais, as mesmas para todos os seres racionais. Por sua vez, a ação
motivada por interesses, é um agir particular, individualizado, que apenas serve os interesses
particulares de um certo indivíduo. Quererei eu que o princípio de ação do indivíduo que age
por interesse possa ser universalizado? Não. Imagina o caso de um indivíduo A que pede
dinheiro emprestado a um outro com a intenção de não devolver o dinheiro. Este indivíduo agiu
de acordo com a seguinte máxima: “Sempre que precisar de dinheiro, peço emprestado com a
intenção de não o devolver”. Imagina agora que todas as pessoas agiam de acordo com este
princípio. As pessoas iriam por deixar de acreditar umas nas outras, gerando-se um profundo
clima de desconfiança nas relações entre as pessoas. As promessas deixariam de fazer qualquer
sentido.
– Agir moralmente é agir por dever.
Temos na nossa sociedade um conjunto de normas morais que nos dizem aquilo que devemos
fazer, tais como “Não mentir”, “Não roubar”, “Não matar”, “Não agredir física e
psicologicamente o outro”,..., normas essas que a maioria das pessoas da sociedade cumpre.
Mas porque é que as cumprem? Ou melhor, de que modo é que as cumprem? Normalmente
cumprem-nas (cumprem o dever), não pela obediência a elas mesmas, mas por interesse, (o
que para Kant não serve). Diz-se então “Não vou mentir”, não porque não devo mentir, mas
porque temo as consequências desta minha falta, “Não vou roubar”, não porque não devo
roubar, mas porque receio ser preso. Kant apercebeu-se deste problema na forma como a
maioria das pessoas age (agir em conformidade com o dever) e enunciou-o da seguinte
maneira: a sociedade apenas me diz o que devo fazer, mas não como o devo fazer, com que
intenção devo cumprir o dever.
O que distingue os Imperativos hipotéticos e imperativo categórico
O que me diz como cumprir de forma correta o dever? Uma lei puramente racional que,
segundo Kant, está presente na consciência de todos os seres racionais. A essa lei dá Kant o
nome de lei moral. Essa lei diz-nos de forma muito geral o seguinte: «Deves em qualquer
circunstância cumprir o dever pelo dever». Pensa em normas morais como «Não deve mentir»;
«Não deve matar»; «Não deve roubar». A lei moral, segundo Kant, diz-nos como cumprir esses
deveres, qual a forma correta de os cumprir.
A lei moral exige um respeito absoluto pelo dever e apresenta – se sob a forma de imperativo
(«Deve !»). Que espécie de imperativo é a lei moral?
Pense nos seguintes imperativos:
a) «Deve ser honesto porque a honestidade compensa»
b) «Deve ser honesto!»
Em a) apresenta-se uma regra (deve ser honesto) e a razão pela qual ela deve ser seguida. O
cumprimento da regra está associado a uma condição. «Se quere ser compensado deve ser
honesto». Trata-se de um imperativo hipotético. Diz que só no caso de querermos ser
compensados devemos ser honestos.
O cumprimento do dever subordina-se a uma condição e por isso cumprindo o dever estamos,
contudo, a fazê-lo por interesse
. Em b) apresenta-se uma regra cujo cumprimento não depende de um interesse que assim
queiramos satisfazer. Diz-nos que devemos ser honestos porque esse é o nosso dever e não
porque é do nosso interesse. A esta regra incondicional que exige o cumprimento do dever sem
qualquer outro motivo a não ser o respeito pelo dever dá Kant o nome de imperativo
categórico. Este imperativo exige que ultrapassemos os nossos interesses e ajamos de forma
desinteressada. Como é isso mesmo que a lei moral exige, então a lei moral é um imperativo
categórico ou incondicional.
O imperativo categórico é o único imperativo moral
O imperativo hipotético é uma ordem condicionada, na medida em que se
submete a condições para que cumpramos o dever, dizendo-me o seguinte: “Tu
deves fazer isto, se queres obter aquilo”. Por exemplo, eu devo dizer a verdade, se
quero ficar bem visto perante os vizinhos do meu bairro. Ora, a expressão que temos
aqui tem a seguinte forma: Eu digo a verdade (cumpro o dever) para não ficar mal
visto perante os outros (não pelo próprio dever, mas por interesse). Cumpro o dever,
não pelo próprio dever, como um fim em si mesmo, mas como um meio para obter
um fim. (O imperativo hipotético é o princípio que norteia a acção do indivíduo que
age apenas em conformidade com o dever)
Pelo contrário, o imperativo categórico é uma ordem incondicionada, na
medida em que não se submete a qualquer condição para que realizemos uma certa
acção. Enuncia o seguinte: “Tu não deves mentir aos teus pais, porque esse é o teu
dever”. Não devo mentir aos meus pais, porque é meu dever não mentir em todas as
circunstâncias possíveis e, não por causa de qualquer outro interesse ou inclinação.
Neste caso, estou a cumprir o dever pelo próprio dever, não minto porque é meu
dever não mentir. Para Kant, mentir é sempre incorreto, sejam quais forem as
circunstâncias em que me encontro, porque para Kant as regras morais são
absolutas, não existem exceções para um eventual incumprimento dessas mesmas
regras. Cumpro o dever como um fim em si mesmo e não como um meio para obter
um outro fim.
(O imperativo categórico é o princípio que orienta a acção do indivíduo que age por
dever)
- Uma ação tem valor moral se a máxima que a orienta puder ser adotada por todos.
Vimos que agir moralmente é agir por dever, agir por respeito absoluto por uma lei – a lei
moral que se apresenta sob a forma de obrigação categórica ou incondicional. - LEI MORAL -
Lei da consciência do ser racional que lhe diz como se cumpre corretamente o dever.)
Dissemos que agir de modo moralmente correto é agir exclusivamente motivado pela
vontade de cumprir o dever. Para avaliar moralmente uma ação – para saber se é
moralmente correta ou incorreta – devemos dar especial atenção ao motivo do agente, ou
seja, de quem age. Ora, segundo Kant, o motivo do agente é indicado pela máxima segundo
a qual este age. Imagina que encontras uma pulseira de ouro. Se a devolves com a esperança
de obter uma recompensa, a máxima segundo a qual age será esta: «Vou devolver algo que
encontrei porque acredito que vou ser recompensado por o fazer.». Se a devolves porque
tens receio de ser descoberto e eventualmente punido, a máxima será esta: «Vou devolver
algo que encontrei porque acredito que posso ser descoberto e punido se não o fizer.» Como
podes ver, uma mesma ação – devolver algo encontrado – pode seguir máximas diferentes,
ou seja, haver diferentes motivos para a realizar. Por isso mesmo, conforme o motivo ou a
razão que nos leva a proceder de um certo modo assim a máxima terá valor moral ou não.
Como posso eu saber que a máxima da minha ação é moralmente correta ou incorreta?
Submetendo-a a uma prova que teste a possibilidade de a universalizar, isto é, de a fazer
valer não só para mim como para todos os seres racionais.
A fórmula da lei universal: como uma máxima se pode tornar lei universal
Kant apresentou várias fórmulas do imperativo categórico – o critério ético fundamental
para distinguir ações com valor moral de ações que não cumprem, em virtude das suas
máximas, esses requisitos. ( - Máxima - Quando um agente moral faz algo por alguma razão
está a seguir uma máxima. Uma máxima é pois uma regra de ação que nos indica o motivo
porque fazemos algo. Para Kant, a avaliação moral de um ato depende da máxima do
agente.
MÁXIMA E IMPERATIVO CATEGÓRICO – O imperativo categórico é o teste que permite
verificar se uma máxima pode ser uma norma moral universal, uma regra a que todos
devem obedecer. É moralmente errado agir segundo máximas que não podem ser
universalizadas, ou seja, é moralmente incorreto abrir uma exceção para nós próprios
quando sabemos que não podemos querer que todos ajam como nós.)
A partir deste argumento, de que a felicidade geral é a única coisa desejável por si
mesma, Mill vai defender que quando agimos devemos procurar visar essa mesma felicidade
geral. Assim, a partir do argumento anterior construímos o seguinte argumento:
A felicidade geral é um bem para o conjunto de todas as pessoas
Logo, cada pessoa deve agir de modo a promover a felicidade geral
Verificamos assim que, para Mill, o fim – a felicidade geral – justifica, em certa medida,
os meios. Significa isto que, para Mill, uma ação será boa desde que a quantidade de pessoas a
que a nossa ação causa felicidade ou bem – estar seja superior ao número de pessoas a que
causamos dor ou sofrimento. Ou seja, para Mill, é suficiente que a felicidade produzida com a
ação seja superior ao sofrimento eventualmente provocado com a sua realização para que a
ação seja boa e é neste sentido que há uma superioridade dos fins da ação (a maior felicidade
possível para o maior número possível) sobre os meios (mesmo que a ação cause sofrimento a
algumas pessoas).
Analisando este princípio moral fundamental destacam-se duas ideias importantes:
a)Ao contrário de Kant não testamos a correção moral de uma ação baseando-nos no
motivo ou intenção do agente mas sim nos resultados objetivos da ação. Muitas pessoas
pensam que por mais indesejáveis que sejam os resultados de um ato a boa intenção do
agente deve contar na avaliação do que fez. Mill discorda completamente: evitar que uma
pessoa se afogue é sempre bom independentemente da motivação de quem salva. A
motivação ou a intenção nada tem a ver com a moralidade da ação.
b)A ação correta é a que, nas circunstâncias em que ocorre, tem mais probabilidade de
produzir mais felicidade em termos globais do que outra ação. Se perguntasse a Mill «A
felicidade de que fala é a felicidade de quem?» a resposta seria aproximadamente esta:
«Quando se trata de decidir o que é moralmente correto fazer, não deve ter em conta
somente o seu bem-estar. Deve ponderar sobretudo que consequências a sua ação vai ter
no bem-estar de todas as pessoas por ela afetadas. A sua felicidade não conta mais do que a
felicidade dessas pessoas. E quando me refiro a outras pessoas não abro exceções para as
de que mais gosta, para familiares e amigos teus. Deve ser imparcial quando deliberas o que
vais fazer». – Para o utilitarismo o que conta é a quantidade total de felicidade que resulta
de um ato e não que tipo de pessoas são beneficiadas. É indiferente saber por quem se
distribui a felicidade, para quem ela vai. Critica-se o utilitarismo por ser demasiado
imparcial.)
E como responderia à objeção de que é impossível avaliar moralmente uma ação com
base no critério consequencialista porque não podemos prever ou calcular quais serão no
futuro as consequências do que decidimos fazer?
As ações têm consequências imediatas e consequências a longo prazo. Estas últimas são
muito difíceis de prever porque uma ação causa um certo estado de coisas, que por sua vez
produz outro e assim sucessivamente, escapando ao nosso controlo. Como decidir que uma
ação é boa se ainda não sabemos quais as suas consequências? Quanto tempo temos de
esperar para saber se as nossas ações são boas ou más, tiveram bons ou maus resultados?
A resposta de Mill seria aproximadamente esta:
1 – Não temos de calcular todos os efeitos das nossas ações porque podemos apoiar-nos na
experiência de séculos da humanidade. Se ao longo de milénios os seres humanos tiveram
de resolver problemas morais semelhantes aos nossos podemos aprender com os seus erros
e sucessos para enfrentar os nossos problemas.
2 – Quanto a esperar para saber se as consequências das nossas ações são boas devemos
somente esperar uma razoável quantidade de tempo, que será maior consoante a
complexidade das situações. Seja como for devemos saber conviver com a incerteza quanto
ao futuro e basearmo-nos em expectativas razoáveis. É verdade que não podemos prever
com certeza o futuro. Contudo, se temos boas razões para acreditar que de uma ação vão
resultar as melhores consequências entre as alternativas disponíveis, então devemos
realizá-la. Dadas as nossas limitações o que cada agente moral deve fazer é utilizar a melhor
informação disponível para obter os melhores resultados.