Revista Versão 04-07-2024

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EXPEDIENTE

Comandante Geral da Polícia Militar de Pernambuco


Cel QOPM Ivanildo César Torres de Medeiros
Subcomandante Geral da Polícia Militar de Pernambuco
Cel QOPM Cláudio Ricardo Gonçalves Lopes

CONSELHO EDITORIAL
Chefe do Estado Maior Geral

Diretor de Ensino, Instrução e Pesquisa

Chefe da 1ª Seção do Estado Maior Geral

Chefe da 5ª Seção do Estado Maior Geral

Chefe da 8ª Seção do Estado Maior Geral

PRODUÇÃO

Chefe do Estado Maior Geral


Cel QOPM Jamerson Pereira de Lira
Chefe da 8ª Seção do Estado Maior Geral
Cel QOPM Renato Pinto Aragão
Diretora de Articulação Social e Direitos Humanos
Cel QOPM Cristiane Vieira de Albuquerque
Coordenadora da Patrulha Maria da Penha
2º Ten QOPM Jéssyca Karollynne Moreira da Silva Carneiro
Comandante do Batalhão de Operações Especiais
Ten Cel QOPM José Rogério Diniz Tomaz
Secretária da Divisão de Auditoria Médica - Diretoria de Saúde
Cap QOM Ludimilla Medeiros Costa Vasconcelos
APOIO TÉCNICO
1º Sgt QPMG Christiany Duarte Bezerra (8ª EMG)
2º Sgt QPMG Maurício Rodrigues Oliveira (8ª EMG)
3º Sgt QPMG Lislane de Fátima da Silva (8ª EMG)
Cb QPMG Carolina Correia de Oliveira (8ª EMG)
PREFÁCIO

Entendemos a Doutrina Policial Militar como um conjunto de princípios,


valores e normas, responsável pela disciplina, orientação e sistematização de
práticas e conhecimentos desenvolvidos pelos Policiais Militares no
desenvolvimento de suas atribuições em prol da Ordem Pública.
É bem sabido que este mecanismo tem se desenvolvido ao longo de
nossa existência institucional, pelo que reconhecemos a importância da
Doutrina Policial Militar, como instrumento de prevenção, propiciando aberturas
institucionais significativas com diferentes segmentos sociais e com as demais
operativas da Secretaria de Defesa social.
O tema trazido traz em seu bojo total relevância social, em virtude dos
males consabidos que a violência contra a mulher causa na vida de mulheres
de todas as idades, origens e estilos de vida. É sobretudo uma grave violação
aos direitos humanos e da igualdade de gênero, contra o que devemos com
toda veemência nos contrapor, apoiando e promovendo a conscientização e a
defesa dos direitos da mulher.
Neste diapasão, apresentamos a Revista Doutrinária da Polícia Militar
de Pernambuco versão 2024/1, na qual buscamos proporcionar conhecimentos
produzidos através da exposição de trabalho científico desenvolvido por
Policiais Militares, visando o crescimento institucional e dos leitores.

Boa leitura!

Ivanildo César Torres de Medeiros – Cel QOPM


Comandante Geral
SUMÁRIO

Artigos Técnicos-profissionais:

1. ENFRENTAMENTO ÀVIOLÊNCIA DOMÉSTICA: capacitação continuada


no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco………....………………4 - 28
Autora: MAJ QOPM Rebeka Cristiny Barbosa de Santana
Autor: 2º TEN QOPM Damião Ferreira da Silva
Autor: 2º TEN QOPM Renato Cordeiro da Silva

2..ATUAÇÃO DO POLICIAL FOCAL E SEUS CUIDADOS NA SAÚDE


MENTAL DOS POLICIAIS MILITARES DE PERNAMBUCO........... 29 - 54
Coautora: TEN CEL QOPM Vanessa da Silva Santos
Autora: 2º TEN QOAPM Valéria Andrade da Silva
Autora: 2º TEN QOAPM Gláucia Waldirene de Souza Almeida

______________________________________________________________
Nota ao leitor: “Os artigos publicados da Revista Doutrinária da PMPE são
de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião
da Polícia Militar de Pernambuco”.
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: capacitação
continuada no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco

Rebeka Cristiny Barbosa de Santana 1


Damião Ferreira da Silva 2
Renato Cordeiro da Silva 3

RESUMO

Dentre as modalidades delituosas que apresentam crescimento encontram-se as


relacionadas à violência sofrida por mulheres no Brasil. O caminho para encontrar
solução para a problemática social da violência perpassa pela atuação e formação
continuada dos integrantes da Polícia Militar. O objetivo da presente pesquisa é
analisar o processo de capacitação continuada de policiais militares de Pernambuco
sobre a temática da violência contra a mulher. O trajeto metodológico é de uma
pesquisa de abordagem qualitativa, operacionalizada por meio do levantamento
documental, da aplicação de questionário e da realização de entrevista.A metodologia
foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa. A coleta de dados utilizou três
instrumentos: documentos, questionário e entrevista. Os dados foram analisados por
meio da Análise de Conteúdo temática. Os resultados apontamque a formação e a
capacitação continuada devem conduzir o processo de mudança no atendimento das
ocorrências de violência contra a mulher. Portanto, a implementação de um programa
de treinamento contínuo torna-se imperativo para suprir a lacuna existente que impede
que a instituição galgue um patamar de excelência no atendimento ao público-alvo.

Palavras-chave: Capacitação Continuada. Educação em Direitos Humanos.


Violência Doméstica. Novo paradigma Profissional

1
MAJOR QOPM da Polícia Militar de Pernambuco. Doutora em Administração (UFPE).
2
2º TEN QOAPM da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Administração pela
UNIEB.
3
2º TEN QOAPM da Polícia Militar de Pernambuco. Licenciado em Matemática pela
AESA/CESA.

4
ABSTRACT

Among criminal types that are showing growth are those related to violence
suffered by women in Brazil. The path to finding social problem of violence
solution passes through the action and continued training of members of the
Military Police. The objective of this research is analyze the process of
continuous training of military police officers in Pernambuco on the topic of
violence against women. The methodological path is a qualitative research
approach, operationalized through documentary survey, application of a
questionnaire and interviews. The methodology was developed from a
qualitative approach. Data collection used three instruments: documents,
questionnaire and interview. The data was analyzed using Thematic Content
Analysis. The results indicate that training and continued training should lead
the process of change in dealing with incidents of violence against women.
Therefore, the implementation of a continuous training program becomes
imperative to fill the existing gap that prevents the institution from reaching a
level of excellence in serving its target audience.

Keywords: Continuous Training. Human Rights Education. Domestic violence. New


Professional paradigm.

5
1 INTRODUÇÃO

A Segurança Pública constitui tema de preocupação tanto para os


órgãos governamentais quanto para a sociedade de maneira geral. Dentre as
modalidades delituosas que apresentam crescimento encontram-se as
relacionadas à violência sofrida por mulheres no Brasil, de modo que o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública aponta que aproximadamente 30% das
brasileiras foram vítimas de algum tipo de violência ou agressão durante o ano
de 2022 (FBSP, 2023).
O caminho para encontrar a solução para a problemática social da
violência de gênero e ampliação da proteção de grupos vulneráveis perpassa
pela atuação dos integrantes da Polícia Militar, que possui a missão
constitucional de realizar “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”
(Brasil, 1988, s/p). O policial militar possui papel impactante na promoção do
bem-estar social, já que atua de forma próxima aos cidadãos. Dessa forma, as
ações adotadas pelos policiais militares repercutem diretamente na sensação
de segurança da população quando corretamente executadas, pois são os
primeiros representantes do Poder Público com quem a vítima dos crimes tem
contato. Sendo assim, as polícias militares precisam refletir acerca dos
parâmetros de atuação e das capacitações continuadas dos profissionais frente
às demandas da comunidade para gerar valor ao serviço prestado.
A capacitação profissional em sua forma continuada tem por finalidade
estabelecer uma ponte entre o policial militar e o atendimento à vítima, no
sentido de construção de uma cultura de direitos humanos e de otimização do
enfrentamento das práticas de violência contra as mulheres, uma vez que a
“falta de formação continuada deixa o policial militar vulnerável às
transformações que a sociedade passa constantemente” (Furian; Moura, 2022,
p. 68). Assim, políticas públicas e normas preveem a capacitação e a formação
continuada dos agentes públicos como um dos eixos estratégicos norteadores
da prevenção e do combate à violência contra as mulheres, a exemplo do Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos, da Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e da Lei Maria da Penha (Brasil,

6
2018; Souza, 2021).
Os casos de violência doméstica se fazem presentes no decorrer da
carreira policial desenvolvida pelos autores no interior do estado, em especial
na área do 3º Batalhão, sediado no munícipio de Arcoverde-PE, de modo que
a persistência e o crescimento da violência contra a mulher nas diversas
localidades brasileiras e em especial no estado de Pernambuco, que ocupa a
7ª colocação em registros de feminicídio (FBSP, 2023), constituem motivo para
o desenvolvimento do presente estudo.
Apesar do aumento no número de pesquisas que visam compreender e
mensurar o tamanho do problema da violência contra a mulher (Couto et al.,
2018), existe ainda grande desconhecimento no contexto brasileiro sobre a
temática em tela (Cerqueira; Bueno, 2023, p. 41). Os estudiosos da área
tendem a concentrar esforços para compreender a realidade da violência de
gênero ocorrida nos grandes centros urbanos e são reduzidas as pesquisas
que considerem a realidade de localidades com número de habitantes reduzido.
Além disso, são escassos os trabalhos que consideram a capacitação
continuada para aperfeiçoamento dos policiais militares que atuam no combate
à criminalidade de gênero. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa é analisar o
processo de capacitação continuada dos policiais militares de Pernambuco
sobre a temática da violência contra a mulher.
No intuito de ampliar o conhecimento sobre o tema, foi realizada uma
pesquisa de abordagem qualitativa, operacionalizada por meio do
levantamento documental, da aplicação de questionário e da realização de
entrevista. Assim, o artigo está estruturado na apresentação do cenário de
violência contra a mulher e da formação continuada de policiais militares, logo
em seguida são expostos o trajeto metodológico do estudo, a discussão dos
resultados obtidos e as conclusões.

7
2 CENÁRIO DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

O avanço dos direitos humanos das mulheres ganha fôlego a partir do


fortalecimento da participação feminina e da manutenção dos mecanismos de
controle social nos países. As pautas definidas como prioritárias para a
promoção dos direitos humanos das mulheres traduzem apenas em parte os
aspectos mapeados e revelam as mulheres enquanto sujeitos políticos na
arena de disputa global sobre os sentidos do que são e do que devem ser os
direitos humanos e sua função central na promoção de desenvolvimento e da
paz (Pinheiro, 2020, p. 414). Vendo isto, a visibilidade dos direitos humanos,
em especial da mulher, tem tido repercussão global, atendendo mulheres
vítimas de opressão que tiveram os seus direitos de igualdade violados.
As políticas brasileiras para o enfrentamento à violência contra as
mulheres ganham força com o advento da Lei 11.340/06, conhecida como Lei
Maria da Penha, que foi denominada em homenagem à Maria da Penha Maia
Fernandes, farmacêutica cearense, que lutou por vinte anos na justiça brasileira
para ver seu agressor julgado e preso. A ajuda de Organizações Não
Governamentais oportunizou a remessa do relato de seu caso para a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, que acatou a denúncia de violência
doméstica de forma inédita e possibilitou a prisão do agressor no ano de 2002
(Bigliard; Antunes; Wanderbroocke, 2016).
A Lei Maria da Penha avança ao compartilhar entre Estado e sociedade
a responsabilidade em relação ao enfrentamento dos crimes ocorridos em
função do gênero. Assim, políticas públicas nas áreas de educação, saúde,
assistência social e segurança pública, por exemplo, são propostas no intuito
de impactar e transformar as mentalidades, atitudes e práticas culturais, de
modo que homens e mulheres sejam capazes de se socializarem de forma
equitativa e igualitária (Souza; Cortez, 2014).
O reconhecimento das diferenças entre homens e mulheres como
construções sociais e políticas demanda investimentos nos processos de
socialização e capacitação educacional dos agentes estatais que atendem
mulheres em situação de violência e são fundamentais para orientar a atenção
e a abordagem. A realização de tais cursos busca contribuir para a formação

8
de profissionais sensibilizados e capazes de compreender as dificuldades
enfrentadas pelas mulheres em situação de violência, assim como os
sentimentos de medo, vergonha e indecisão, que caracterizam seus percursos
quando procuram ajuda para deter os agressores que fazem parte de seus
ciclos afetivos (ONU, 2011).
Diante dos desafios inerentes ao atendimento das vítimas de violência
doméstica em consonância com o que preconiza a legislação, os profissionais
que integram a gestão no estado de Pernambuco na área de segurança pública
e os da Secretaria da Mulher elaboram, de forma conjunta, Portaria contendo
orientações por meio do Procedimento Operacional Padrão (POP no 001-
SDS/SEC. MULHER, de 24 mar 2022), que estabelece um padrão a ser
seguido para o atendimento à mulher vítima de violência doméstica, familiar,
sexual, psicológica, moral ou patrimonial baseada no gênero.
O intuito do Procedimento Operacional Padrão é garantir que os direitos
da vítima sejam plenamente atendidos, de tal forma que contribua para que não
aconteça subnotificação, que geralmente surge devido a um atendimento
incompleto ou envolto em preconceito. Entre as medidas previstas no
documento é possível apontar, por exemplo, a necessidade de amparar a
mulher vítima demonstrando interesse na ocorrência e a vedação de fazer
qualquer tipo de julgamento pessoal sobre o fato ocorrido (Pernambuco, 2022).
A polícia é chamada, então, a se tornar partícipe no projeto de educação
para a cidadania, reivindicado por diferentes atores sociais, de forma a superar
a ideia de uma segurança pública que possui seu trabalho restrito ao combate
à criminalidade e aos processos de educação formal ou tradicionalmente
concebidos (Nobre; Barreira, 2008).
A vítima de violência doméstica necessita de amparo policial para o
enfrentamento dos problemas domésticos; desse modo, se faz essencial a
capacitação no sentido de desenvolver as competências relacionadas à
empatia e sensibilidade para com o problema em questão. Acerca da
necessidade de capacitação específica para os agentes de segurança pública,
Passos (2014, p. 134) afirma que:
É indispensável não apenas a gestão integrada desses problemas,
mas, sobretudo preparar os profissionais de segurança pública para
aplicar e administrar os recursos existentes, pois de nada adiantará

9
a existência de organizações, estruturas e órgãos específicos se
esses profissionais de segurança pública não detiverem os
conhecimentos teóricos e práticos necessários para utilizá-los.

Portanto, uma estratégia para o enfrentamento dessa problemática,


enquanto comportamento introduzido à cultura brasileira, deve contemplar
medidas que assegurem a proteção das vítimas de abuso e a capacitação
continuada dos agentes de segurança pública que atuam no atendimento das
ocorrências relacionadas à violência de gênero.

10
3 CAPACITAÇÃO CONTINUADA PARA ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER

A capacitação continuada dos agentes atuantes na segurança pública


possui importância ímpar, pois representam o desenvolvimento e o
aprimoramento constantes das competências profissionais para atuar em
prol da sociedade (Oliveira; Souza, 2017). Assim, a ampliação de estratégias
que corroborem um atendimento mais humanizado e eficiente para que
mulheres vítimas de violência doméstica possam se sentir mais seguras e
protegidas se torna primordial no sentido de assegurar a cidadania e os
direitos das mulheres no momento de vulnerabilidade.

A preparação para o exercício da atividade policial militar se origina


do período de formação, que por objetivo capacita os ingressantes nas
instituições para o desempenho de suas futuras funções com observância
aos direitos e deveres de todos os cidadãos. Na fase inicial da inserção do
profissional deve ocorrer uma imersão na cultura organizacional para
desenvolver uma atuação responsável e consciente do papel social exercido
(Santana; Santana; Santana, 2022). Nesse momento precisa ocorrer o
primeiro contato com as bases conceituais e práticas que alicerçam a
proteção dos Direitos Humanos de pessoas em situação de vulnerabilidade,
grupo no qual se enquadra as mulheres que sofrem violência.

Após o período de formação inicial, os policiais militares são inseridos


nas ações realizadas nas unidades operacionais e se deparam com
ocorrências que cobram ações específicas e atualização constantes dos
conhecimentos adquiridos nos cursos de formação. Assim, se faz necessária a
implementação de ações de capacitação continuada, compreendidas como as
ações educacionais que têm como objetivo aprimorar e atualizar os
conhecimentos e as habilidades necessárias para o desempenho de suas
funções, composto, então, por cursos que são oferecidos em diferentes
modalidades, como de habilitação, aperfeiçoamento, especialização e
adaptação (Sobrinho et al., 2023).
A preparação para atendimento de ocorrências que envolvam a violência contra
a mulher perpassa pela formação e capacitação em Direitos Humanos e possui como

11
referenciais o Plano Mundial de Educação em Direitos Humanos, a nível global, e o
Plano Nacional de Educação em DH (PNEDH), a nível nacional. O PNEDH estabelece
diretrizes básicas que devem ser seguidas para alcance dos propósitos ali elencados,
como podemos ver abaixo:

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) é


uma política pública estabelece concepções, princípios, objetivos,
diretrizes e linhas de ação, contemplando cinco grandes eixos de
atuação: Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-
Formal; Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e
Segurança Pública; Educação e Mídia. A educação em direitos
humanos é compreendida como um processo sistemático e
multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos,
articulando as seguintes dimensões: apreensão de conhecimentos
historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação
com os contextos internacional, nacional e local; afirmação de
valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos
direitos humanos em todos os espaços da sociedade; formação de
uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis
cognitivo, social, ético e político; desenvolvimento de processos
metodológicos participativos e de construção coletiva, [...] (Brasil,
2006).

As malhas curriculares dos cursos de formação e os cursos de


capacitação contínua devem adaptar-se ao preconizado no PNEDH,
promovendo revisão de conteúdos a fim de alcançarem os objetivos propostos
para o desejado aperfeiçoamento do serviço prestado à comunidade e de uma
consciência cidadã.
A educação em Direitos Humanos é fundamental para o
desenvolvimento de um novo padrão de conduta, na qual se abandona uma
polícia que desrespeita, flagrantemente, tais direitos para adotar uma polícia
que passa a ser protetora do cidadão e protagonista dos direitos da
humanidade. Tal mudança coloca os policiais na condição de receptadores
desses mesmos direitos, dentre eles, o direito humano de ser capacitado para
o exercício de suas funções, na perspectiva de protagonistas de Direitos
Humanos. Portanto, o tema de Direitos Humanos passa a ser inserido como
peça fundamental para as mudanças pretendidas e é inserido no projeto
político-pedagógico das escolas de formação policial (Correia, 2007, p. 457).
A concepção que os programas de ensino e treinamento profissional dos
policiais nas academias de polícia exemplificam uma das estratégias
fundamentais detransmissão de ideias, conhecimentos e práticas de uma dada
visão do papel, da missão, do mandato e da ação deste campo profissional,
que necessariamente envolve a transmissão de valores, crenças e
12
pressupostos sobre este campo específico e que é revelada, particularmente,
nas diretrizes teóricas e metodológicas dos currículos dos cursos oferecidos
para a socialização do novo membro, em um contexto sócio-histórico
determinado (Poncioni, 2005, p. 588). Diante desta visão, é imperativo que os
conceitos e métodos existentes, no plano da formação e capacitação, sejam
direcionados para alcance das novas competências exigidas pelo estado
democrático de direito, dentre as quais encontra-se o combate à violência
contra a mulher.
A missão constitucional da Polícia Militar é discriminada como sendo o
Policiamento Ostensivo e a Preservação da Ordem Pública (Brasil, 1988).
Contudo, as novas demandas sociais requerem atualizações nas competências
policiais. Nesse sentido, a Secretaria Nacional de Segurança Pública
desenvolve trabalhos, cursos, cartilhas, entre outros, para subsidiar a formação
continuada das polícias como um todo. Destaca-se a Cartilha dedicada ao
policial militar brasileiro, cuja missão e razãofuncional estão diretamente ligadas
à promoção e proteção dos Direitos Humanos:

A Cartilha Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de


Pessoas em Situação de Vulnerabilidade foi desenvolvida nos cursos
na área Direitos Humanos, realizados pela Força Nacional de
Segurança Pública, no ano 2009. Constitui o resultado do empenho
de policiais militares, em âmbito nacional, na construção coletiva de
procedimentos policiais direcionados aosgrupos de pessoas que se
encontram com maior vulnerabilidade a violações de Direitos
Humanos. Tem a finalidade de fornecer elementos teórico-práticos
para que os profissionais de Segurança Pública possam pautar o
exercício de sua atividade no respeito aos direitos e liberdades
individuais, conscientizando-se de sua capacidade de promover e
proteger os DireitosHumanos de mulheres, [...] (SENASP, 2010, s/p).

As formas institucionais e contexto político-social são elementos


relevantes ao se considerar o impacto da educação nas forças policiais. Mas
há, também, outras questões igualmente relevantes: a polícia predominante
que nós precisamos é a comunitária, a de proximidade, e as academias de
polícia têm que ser uma referência; é preciso reduzir a letalidade em confrontos;
devemos aliar uma boa prevenção à repressão qualificada (Riccio, 2017, p. 04).
No estado de Pernambuco, a Diretoria de Articulação Social e Direitos
Humanos (DASDH) foi criada por meio da Lei Estadual nº 15.186, de 12 de
dezembrode 2013 e tem como missão promover a aproximação comunitária e

13
a promoção dos direitos humanos, além de ser responsável pelo programa
Patrulha Maria da Penha. A DASDH realiza ações proativas de combate à
violência contra a mulher e desenvolve trabalhos em frentes como
capacitações, seminários, palestras em escolas e nas comunidades, como
também tem contribuições na formação e na capacitação continuada de
policiais militares.
Balestreri (2010, p.10) trata do poder da educação para transformar e
aperfeiçoar o espinhoso trabalho policial: a capacitação e, mais do que ela, a
educação das polícias, pois é preciso que se eduque esse educador para formar
umanova cultura e uma nova liderança na segurança pública brasileira, firme,
enérgica, mas respeitadora e promotora dos direitos humanos e da cidadania.

14
4 METODOLOGIA

A metodologia da pesquisa é um conjunto de procedimentos, técnicas e


abordagens utilizadas na condução de uma pesquisa. Ela descreve como o
pesquisador processa e interpreta os dados. Segundo Cervo e Bervian (2002,
p. 23), é uma atitude ou vontade interior do pesquisador que busca soluções
adequadas, commétodos adequados, para o problema que busca solucionar.
O presente estudo é realizado a partir das premissas de uma pesquisa de
abordagem qualitativa, que possibilita maior profundidade, não se resumindo
apenas à descrição do fenômeno, mas inclui elementos explicativos e se
mostra adequada ao objetivo da pesquisa que busca analisar o processo de
capacitação continuada de policiais militares de Pernambuco sobre a temática
da violência contra a mulher.

A presente pesquisa se concentra na área de responsabilidade e


atuação do 3º Batalhão de Polícia Militar de Pernambuco, sediado em
Arcoverde-PE, município do sertão pernambucano com uma população de
77.742 pessoas e densidade demográfica 226,06 habitantes por quilômetro
quadrado (IBGE, 2023). O Batalhão é formado por dez cidades que compõem
três companhias, sendo Arcoverde a sede, eque juntamente com as cidades de
Venturosa e Pedra formam a primeira companhia. A segunda companhia de
Polícia Militar é formada por Sertânia, Custódia e Ibimirim e a terceira
companhia é constituída por Buíque, Tupanatinga, Itaíba e Manarí.
A coleta de dados ocorreu por meio de três instrumentos: documentos,
questionário e entrevista. A fase documental está centrada no Procedimento
Operacional Padrão (POP nº 001-SDS/SEC. MULHER, de 24 março 2022), nos
relatórios estatísticos dos casos de violência contra a mulher apresentados pela
Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos (DASDH) e dos relatórios
das Medidas Protetivas de Urgência (MPU).
O questionário constitui o segundo instrumento utilizado e foi construído
a fim de obter dados referentes à formação policial, visão global do efetivo sobre
seu papel social e aspectos específicos sobre a capacitação para atendimento
de ocorrências de violência contra a mulher. A aplicação de questionários
ocorreu no período de 28 de dezembro de 2023 a 05 de janeiro de 2014, de
15
forma online, por meio do google formulários. A participação ocorreu de forma
voluntária por parte dos respondentes, totalizando 65 policiais militares, dos
quais 08 policiais militares são do sexo feminino e 57 do sexo masculino,
contemplando tanto coordenadores como executores do serviço operacional,
do 3º Batalhão de Polícia Militar de Pernambuco.
As entrevistas compõem a terceira etapa do processo de coleta de dados
e foi realizada com dois profissionais que atuam diretamente na coordenação
das ações preventivas e repressivas de combate à violência contra a mulher na
Polícia Militar dePernambuco: a coordenadora da Patrulha Maria da Penha na
DASDH, a partir de agora denominada de Entrevistada 1, e com o oficial
responsável pela Patrulha Maria da Penha na área do 3º Batalhão de Polícia
Militar, o qual será nominado de Entrevistado 2. As entrevistas foram realizadas
de forma online, com o uso da plataforma do Google Meet, entre os dias 11 e
12 de janeiro de 2024. O Quadro 01 consta o roteiro utilizado para a realização
das entrevistas.

Quadro 01 - ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nº CATEGORIA PERGUNTA PRIMÁRIA


ANALÍTICA
FORMAÇÃO I- Como a disciplina de Direitos Humanos é vivenciada no
1 contextodos cursos de formação na PMPE: CFHP, CFS,
PROFISSIONAL
CFO(A)?
I-Qual a amplitude do trabalho de capacitação em DH,
CAPACITAÇÃO exercidopela DASDH, com foco na proteção e atendimento
2
CONTINUADA às vítimas de Violência Doméstica?
I-Em relação ao efetivo do sertão do estado, foram
3 INTERIORIZAÇÃO DA promovidos trabalhos de capacitação em DH, dentro da
CAPACITAÇÃO temática de defesa de grupos vulneráveis? Existe
planejamento para contemplar o 3ºBPM?

4 RESULTADOS I- Como é realizada a mensuração da efetividade das


campanhasda DASDH?
Fonte: Os autores

Finalizada a aplicação dos instrumentos de coleta, procedemos com a


organização dos dados. Para orientação do processo analítico recorreu-se à
análise de conteúdo temática definida por Bardin (2004) em quatro eixos
principais: abrangendo reflexão sobre formação profissional, capacitação,
interiorização da capacitação e por último os resultados dos processos de
capacitação continuada.

16
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta seção abordaremos a questão da capacitação continuada de
policiais militares diante do cenário dos índices de violência contra a mulher no
Estado de Pernambuco, com ênfase na realidade vivenciada pelo efetivo do 3º
Batalhão de Polícia Militar, sediado Arcoverde-PE, e suas contribuições para o
trabalho dos policiais militares no enfrentamento aos casos de violência contra
a mulher.
No cenário de violência contra a mulher, tema de preocupação tanto para
os órgãos governamentais, de maneira geral, a criminalidade tem crescido a
patamaresque influenciam a rotina dos lugares nos âmbitos social e econômico
(Ferreira, 2023).Especificamente na área territorial de responsabilidade do 3º
BPM é possível verificarque ocorre uma escalada nos casos de violência contra
a mulher em todos os munícipios, conforme consta na Figura 1.

FIGURA 01 - Registro de casos de Violência Doméstica no 3ºBPM

Registro de casos de Violência Doméstica no 3ºBPM


80
0 689
número de registros

574
70
0

60
211 245
0 165
140 130 144
117 87 71 58 69 56
50 32 101 38
11
0 61 54

Ano Ano 2023


2022
Arcoverde 574 689
Buíque 211 245
Custódia 140 165
Ibimirim 130 101
Sertânia 117 144
Pedra 87 113
Venturosa 71 69
Itaíba 58 56
Tupanatin
61 54
ga
Manari Número de registros
32 de ocorrências período entre 38
2022 e
2023
Arcoverd Buíque Custódi Ibimirim Sertâni
e a a
Venturos Tupanating
Pedra a Itaíba a Manari
Fonte: DASDH (2023) - Elaborada pelos autores
17
O Batalhão sediado no município de Arcoverde-PE apresenta
desempenho peculiar em relação ao trabalho de proteção a grupos vulneráveis,
pois dentre as ferramentas que buscam coibir a crescente dos números da
criminalidade de gênero está a expedição de Medidas Protetivas de Urgência.
A tabela 01 apresenta a comparação do quantitativo de Medidas Protetivas de
Urgência emitidas em todo o território pernambucano, dividido pelas Diretorias
subordinadas à Diretoria de Policiamento Ostensivo, verificando-se uma
variação de 26,08% de redução na totalidade do Estado.

TABELA 01 - Registros de MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (2022 a 2023)

QUANTITATIVO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA

DIRETORIA 2022 2023 VARIAÇÃO

DIM 2403 2176 -9,45%

DINTER I 2142 955 -55,42%

DINTERII 1123 1059 -5,70%

TOTAL 5668 4190 -26,08%

Fonte: DASDH (2023) - Elaborada pelos autores

A tabela 02, em contrapartida, demonstra que o desempenho do 3º BPM


vai em sentido contrário ao desempenho global das demais unidades
operacionais da Polícia Militar de Pernambuco ao apontar o crescimento da
emissão de Medidas Protetivas de Urgência de 71,78%. Inicialmente, tal dado
tende a revelar alto grau de proatividade dos profissionais de justiça e da
segurança pública daquelas localidades, fato que se alinha com as diretrizes
emanadas pela DASDH na prevenção dos crimes contra a mulher.

TABELA 02 - Cenário atual 3º BPM - MPU


QUANTITATIVO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA

OME 2022 2023 VARIAÇÃO

3º BPM 163 280 71,78%

Fonte: DASDH (2023) - Elaborada pelos autores

18
A capacitação continuada passa a ser, então, ferramenta de
enfrentamento dos casos de violência contra a mulher, já que são meios de
divulgação da agenda prioritária de promoção dos direitos humanos para esse
grupo vulnerável (Sobrinho et al., 2023; Pinheiro, 2020). O processo de
capacitação continuada se inicia, porém, com a formação profissional e a fase
inicial da inserção do profissional nas ações laborativas que cobram ciência do
papel social exercido pelo policial militar (Santana; Santana; Santana, 2022).

Em relação à formação profissional dos policiais militares que atuam no


estado de Pernambuco é possível verificar que as grades que compõem o
Curso de Formação e Habilitação de Praças e o Curso de Formação de Oficiais
necessitam de expansão do conteúdo de Direitos Humanos voltados para a
temática de defesa dos grupos vulneráveis. Documentos norteadores da
capacitação dos profissionais que atuam na prevenção à violência doméstica
devem ser contínuos e observar, no mínimo, o conteúdo programático
constante no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, da Política
Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e da Lei Maria da
Penha (Brasil, 2018; Souza, 2021).
A temática dos Direitos Humanos e especificamente da Lei Maria da
Penha, principal referência legal no combate à violência contra a mulher, estão
presentes em todos os cursos de formação da Polícia Militar de Pernambuco.
Todavia, infere-se que a vivência da disciplina ainda é aquém do necessário
para promover um atendimento humanizado às vítimas, fato que pode ser
verificado na fala da Entrevistada 01 ao colocar que “atualmente, temos a
disciplina de Direitos Humanos nos cursos acima citados, contudo é necessário
ampliação através da elaboração de uma disciplina específica para aquisição
da competência adequada, para atendimento de grupos vulneráveis”.
Por meio do questionário aplicado junto ao efetivo do 3º BPM foi possível
constatar que a percepção dos respondentes aponta para a necessidade de
realização de ações continuadas de capacitação em Direitos Humanos. A figura
02 indica que 68,2% dos participantes precisam ampliar seus conhecimentos
sobre DH,e que 18,2% afirmam que não possuem conhecimento necessário na
temática.

19
FIGURA 02 - Questionário aplicado ao 3º BPM

Fonte: Formulários google (2023) - Elaborada pelos autores

A Figura 3 indica que 93,9% dos participantes concordam que


capacitações futuras em DH contribuirão decisivamente para melhor
desempenho de suas atividades profissionais. Os respondentes acreditam
serem necessárias futuras capacitações em DH, para atendimento de vítimas
de violência doméstica, coadunado com a concepção da DASDH e alinhando-
se com a posição de Sobrinho et al. (2023), que reverberam a necessidade
urgente de capacitar os operadores de segurança pública.

FIGURA 03 - Questionário aplicado ao 3ºBPM

Fonte: Formulários google (2023) - Elaborada pelos autores

20
A capacitação profissional em sua forma continuada otimiza as ações de
enfrentamento das práticas de violência contra as mulheres, enquanto sua
ausência deixa o policial militar vulnerável às transformações pelas quais a
sociedade passa constantemente (Furian; Moura, 2022, p. 68). Assim, é preciso
promover a devida capacitação, desde a formação, com intuito de fornecer a
competência exigida para elevar a prestação do serviço ao nível de excelência,
atendendo os anseios da sociedade.
A DASDH realiza o programa de capacitação de forma isolada e conjunta
em parcerias com a Secretaria de Defesa Social, Órgãos Judiciais, Secretaria
da Mulher e Polícia Civil, a fim de formar os policiais militares para compor uma
rede de apoio aos grupos vulneráveis, em especial a mulher vítima, conforme
exposto nas palavras da entrevistada 1:

O Programa Patrulha Maria da Penha tem por objetivo principal o


atendimento às vítimas de violência doméstica que possuem a
medida protetiva de urgência (MPU), garantindo o seu cumprimento
através de visitas periódicas às vítimas. Nesse sentido, as
capacitações realizadas pelo programa atendem os militares que irão
atuar, ou já atuam na Patrulha. Contudo, em alinhamento com à
SECMUL, SDS, PCPE, em campanhas de ações conjuntas das
operativas, são realizadas ações com o objetivo de capacitar o efetivo
ordinário que atuam no atendimento de ocorrência via 190.

São realizadas, ainda, ações preventivas voltadas à comunidade como


palestras em escolas e empresas, distribuição de material informativo, palestra
Papo de Homem (voltada ao público masculino pelo fim da violência contra
mulher), além de ações conjuntas com a Polícia Civil e Secretaria da Mulher de
Pernambuco (Capacitação Missão Acolhimento, Operação Anjo da Guarda,
Operação Átria, Operação Shamar, Blitz Informativa, Ação Comunidade
Segura. Relação de projetos voltados a essa problemática: Palestra - Maria da
Penha Vai à Escola, Palestra - Mariada Penha Vai à Empresa, Palestra - Papo
de Homem, Capacitação Missão Acolhimento, Capacitação Patrulheiro Maria
da Penha e o Curso EAD – Patrulha Maria da Penha, que se encontra em fase
de elaboração).
No que tange a uma visão localizada, em relação à capacitação de
policiais militares que integram o 3º BPM, dentro de uma realidade de
atendimento do público residente no interior do Estado, é possível apontar
que.embora o munícipio de Arcoverde possua um alto índice de emissão de
21
medidas protetivas de urgência (Tabela 02) e seja contemplado com o
Programa da Patrulha Maria da Penha, as ações de capacitação continuada do
efetivo ocorrem de forma pontual, como pode ser visto na fala do entrevistado
2:

Inicialmente o serviço era composto por apenas 02 policiais, e que


atualmenteé executado por três policiais: 01 Sargento masculino, 01
Cabo feminino, e um soldado masculino, os quais receberam
capacitações advindas da SDS. O atendimento tem início com a
expedição da MPU, e tem validade enquantodurar a validade da MPU.
(Entrevistado 2)

As capacitações voltadas para o combate da violência de gênero a curto


prazo também não estão dentro do planejamento, pois “Não tenho conhecimento
de projetos futuros endereçados ao 3º BPM, contudo o efetivo tem participado
de cursos de Instrução de Atualização Profissional para Praças (IAPP), em
outras temáticas” (Entrevistado 2). Conclui-se assim que iniciativas têm sido
desenvolvidas, contudo ainda são tímidas e carecem de ampliação.
Embora as ações de capacitação continuada no interior do Estado sejam
insipientes, é possível verificar que os policiais expostos aos conceitos de
respeito à dignidade humana, proteção e promoção de Direitos Humanos
externam um reflexo positivo na conduta profissional, e passam a agir em busca
do aprimoramento do tratamento, e inconscientemente estão contribuindo
para formação de um novo paradigma profissional, desejado por todos. Nesse
sentido, corrobora a fala da entrevistada 1:

Todos os dados estatísticos de violência doméstica familiar são


fornecidos a esta diretoria pela SDS, através da GACE. [...], a relação
causa e efeito das ações do programa tem um desempenho distinto
de ações repressivas, por exemplo, após ações de prevenção com a
comunidade (palestras, panfletagem, eventos etc.), capacitação do
efetivo da área, pode ser experimentado um aumento saudável do
número de denúncias e ocorrências da violência daquela região.

O policial militar se torna integrante do projeto de educação para a


cidadania na execução do seu trabalho, que não fica restrito unicamente ao
combate à criminalidade, mas contempla ações voltadas à qualidade de
atendimento do cidadão (Nobre; Barreira, 2008). Os ganhos oriundos do
treinamento capacitativo é inquestionável:

22
O conhecimento abre portas e a mudança com certeza houve. Ele
orienta para um atendimento, mas eficiente e eficaz ao público, estão
qualificados de como deve ser o atendimento à mulher vítima de
violência doméstica. Fornecem conhecimentos das informações que
devem ser colocadas no boletim de ocorrência, tornando-os prontos
para fazer o primeiro atendimentoà mulher vítima e fazer o trabalho
preventivo, ostensivo para dar umasegurança a mais a essa mulher,
que essa capacitação também serviu para orientar o efetivo das
guarnições que estão nas ruas que as vezes é quem primeiro se
depara com a ocorrência Maria da Penha (Entrevistado 2).

Existe, portanto, a imperatividade da constante atualização dos


conhecimentos do profissional que trabalha com situações complexas como
atendimento de grupos vulneráveis. Nesse sentido, o serviço pode ser público
deve rumar para excelência, por meio da capacitação continuada de seus
integrantes.

23
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações realizadas no contexto do processo formativo, de


aperfeiçoamento, de atualização e de capacitação continuada dos profissionais
que atuam na prática laborativa policial militar, ainda mantêm distanciamento
dos serviços prestados e dosanseios da sociedade. O trabalho policial militar é
impactante por se dar no cenário de proximidade dos cidadãos, de modo que
suas ações educam, moldam e conduzem a população pelo exemplo. Assim,
retomamos o objetivo que norteou o desenvolvimento da presente pesquisa que
é o de analisar o processo de capacitação continuada de policiais militares de
Pernambuco sobre a temática da violência contra a mulher.
A contribuição da formação continuada colabora para mudança do
paradigma profissional, que expõe o policial militar para além das ações
repressivas. Assim é necessário o pesado investimento no trabalho de
conscientização por meio de campanhas educacionais permanentes
abrangendo o aperfeiçoamento da força policial. Com foco nesse objetivo, a
DASDH trabalha no desenvolvimento de uma disciplina exclusiva sobre
Violência Doméstica, para implementação em todos os cursos de formação e
capacitação da Polícia Militar em Pernambuco. Tal fato, se implementado, será
um marco na humanização do atendimento ofertado por todos osprofissionais
de segurança pública aos grupos vulneráveis, em especial às vítimas de
violência doméstica.
Assim, a implementação de um programa de treinamento contínuo torna-
se imperativo para suprir a lacuna existente que impede que a instituição galgue
um patamar de excelência no atendimento ao público-alvo, polícia e
comunidade, deste estudo. Na medida que esse estudo avançou,
fundamentado na revisão bibliográfica, na pesquisa e na entrevista realizadas
neste trabalho, constatou-se que se faz necessária a ampliação de estudos
para desenvolvimento de uma formação profissional eficiente e de uma
estratégia abrangente de capacitação, que contemple todo estado, a fim de
promover um atendimento humanizado a quem mais precisa, pessoas em
situação de vulnerabilidade.
O estudo da capacitação continuada de policiais militares no combate à
24
violência contra a mulher é importante para aprimorar a resposta institucional a
esse problema social. A presente pesquisa não apenas visa à eficácia
operacional, mas inclui a relevância de abordagens sensíveis e baseadas em
evidências científicas para promover a segurança e proteção das mulheres. Ao
ressaltar essa importância, contribuímos para a construção de ambientes mais
seguros, nos quais as vítimas se sintam amparadas e confiantes na atuação
das forças policiais.
A agenda de pesquisas futuras dentro da temática da capacitação de
policiais militares para enfrentamentos dos casos de violência contra a mulher
devem ser conduzidas no sentido de avaliar o impacto da diversidade de
gênero na composição das equipes policiais no tratamento de casos de
violência contra a mulher, considerando a importância da representatividade;
verificar a utilização de tecnologias inovadoras, como realidade virtual, na
capacitação de policiais para lidar com situações delicadas, como casos de
violência doméstica; propor a implementação de mecanismos de
monitoramento e avaliação contínua dos programas de capacitação, visando
aprimorar constantemente as práticas adotadas e analisar de forma
comparativa as abordagens de treinamento para policiais, destacando as
melhores práticas na promoção da sensibilização e respeito aos direitos das
mulheres.

25
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28
ATUAÇÃO DO POLICIAL FOCAL E SEUS
CUIDADOS NA SAÚDE MENTAL DOS POLICIAIS
MILITARES DE PERNAMBUCO

Valéria Andrade da Silva 1


2
Glaucia Waldirene de Souza Almeida
Vanessa da Silva Santos3

Resumo
Neste artigo discutimos a atuação dos policiais focais e seus impactos nos cuidados
em saúde mental na Polícia Militar de Pernambuco, destacando suas atribuições e
contribuições para a diminuição dos estigmas relacionados ao adoecimento mental e
ao aumento da busca de ajuda. Os números de policiais com relevante sofrimento
psíquico e transtornos mentais têm despertado preocupação das instituições, mídia e
sociedade em geral. Sabemos que a atividade policial é caracterizada pelo elevado
nível de estresse e possui peculiaridades que envolvem contato direto com a violência
e a criminalidade. A iniciativa do policial focal integra o Programa Tamo Junto da PMPE
e tem base teórica na metodologia do suporte entre pares, atuando principalmente na
busca ativa e no encaminhamento de policiais ao atendimento de saúde mental. Trata-
se de estudo de abordagem fenomenológica, qualitativa, composto de revisão
bibliográfica sobre a política de saúde mental da PMPE, entrevista com o Chefe do
Núcleo de Saúde Mental e aplicação de formulários a dois policiais focais, sendo um
da capital e outro do interior do estado. Verificamos que embora a atuação dos focais
seja recente, vem trazendo impactos positivos, principalmente relacionados à
diminuição da distância entre o policial militar pernambucano e a rede de assistência
de saúde mental da Corporação.

Palavras-chave - Saúde Mental; Policial Focal; Policiais

1
Autora. Graduação em Processos Gerenciais pelo Centro Universitário Internacional
(UNINTER).
2
Autora. Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá. Pós-graduação em
Direito Público.
3
Coautora. Ten Cel da Polícia Militar de Pernambuco. Doutora e Mestre em
Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

29
Abstract
In this article, we discuss the role of focal officers and their impacts on mental
health care within the Military Police of Pernambuco, highlighting their
responsibilities and contributions to reducing stigmas related to mental illness
and increasing help-seeking behaviors. The increasing numbers of officers
experiencing significant psychological distress and mental disorders have
raised concerns among institutions, the media, and society at large. We
recognize that police work is characterized by high levels of stress and
involves direct exposure to violence and criminality. The focal officer initiative
is part of the "Tamo Junto" Program of the Military Police of Pernambuco and
is theoretically based on peer support methodology, focusing mainly on active
outreach and referral of officers to mental health services. This study adopts
a phenomenological, qualitative approach, consisting of a literature review on
the mental health policy of the Military Police of Pernambuco, an interview
with the Head of the Mental Health Unit, and the administration of
questionnaires to two focal officers, one from the capital and another from the
interior of the state. We found that despite being relatively recent, the work of
these focal officers has had positive impacts, particularly in bridging the gap
between the Pernambuco military police officers and the mental health care
network of the Corporation.

Keywords: Mental Health; Focal Police Officer; Cops

30
1 INTRODUÇÃO

A atividade Policial Militar é essencial para a sociedade e tem suas


atribuições de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública previstas
no § 5º do artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil. Nesse
sentido, o policial militar pertence a uma categoria profissional que reúne
inúmeros fatores estressantes e de risco, uma vez que, devido às
especificidades do serviço, que se destina a atender à população, estes
profissionais são exigidos fisicamente e emocionalmente durante a sua
atuação, sendo diretamente impactados pelo sofrimento daqueles a quem
atendem. Nessa perspectiva, estão mais suscetíveis ao sofrimento psíquico e
o desenvolvimento de transtornos mentais, devido ao alto nível de estresse
psicofísico da profissão.
Corroborando com o tema, Melo (2020) diz que os profissionais que
atuam na área de segurança pública podem vivenciar sofrimento psíquico,
uma vez que esse fenômeno está intimamente ligado à maneira como as
diretrizes para a execução de suas funções são estabelecidas dentro da
estrutura organizacional do trabalho.
A Organização Mundial da Saúde define saúde mental como um
estado de bem-estar no qual uma pessoa é capaz de lidar com os estresses
normais da vida, ser produtiva no trabalho e contribuir para a sua comunidade
(OMS, 2001). Além disso, a OMS enfatiza que a saúde mental não se limita
à ausência de transtornos mentais, mas envolve também aspectos como a
capacidade de estabelecer e manter relacionamentos saudáveis, ter
equilíbrio emocional e lidar com desafios e adversidades de forma eficaz.
Face ao exposto, notamos nos últimos anos, uma grande preocupação
entre os gestores da área de segurança pública acerca do crescimento de
transtornos psíquicos entre os policiais brasileiros. Situação esta, que tem
chamado cada vez mais a atenção dos veículos de mídia e ocupado espaço
nos debates públicos. Sobretudo, porque essas questões têm o potencial de
impactar não apenas o desempenho profissional desses policiais, mas
também aspectos de suas vidas pessoais e familiares (ARAÚJO, 2019), além
da sociedade em geral que é público-alvo dos serviços desses profissionais.

31
Segundo publicação do Boletim do Instituto de Pesquisa, Prevenção e
Estudos em Suicídio, dados oficiais obtidos via Lei de Acesso à Informação,
apontam que entre 2018 e 2022, 508 profissionais de segurança pública
morreram vítimas de suicídio. Além desses, outros 138 profissionais da
reserva remunerada ou reformados, também foram vítimas de suicídio no
mesmo período (IPPES, 2023).
A relevância do problema e suas consequências para policiais militares
e para a sociedade em geral demonstram a urgente necessidade de
implementação de políticas públicas voltadas para a saúde mental desses
profissionais.
O cenário ora descrito motivou a implementação de ações da política
de saúde mental da Polícia Militar de Pernambuco, com a criação do Núcleo
de Saúde Mental TEN CEL PM Aline Maria dos Prazeres de Luna (NSM
PMPE), regulamentado através da Instrução Normativa nº 562, de 23 de
março de 2023, publicada no Suplemento Normativo nº G 1.0.00.013, de 24
de março de 2023, com o intuito de gerenciar, planejar, executar e monitorar
intervenções, ações preventivas e assistencial na Corporação.
A escolha do nome do Núcleo de Saúde Mental se deu em homenagem
a uma das duas vítimas fatais no ataque perpetrado por um policial militar com
perturbações mentais à sede do 19º Batalhão da Polícia Militar de
Pernambuco no ano 2022, que resultou em dois policiais feridos e nos
assassinatos da Major PM Aline e do Tenente PM Sousa. A Major PM Aline
era Oficial combatente e psicóloga que labutava há anos na causa da saúde
mental dos policiais militares pernambucanos e foi vítima do trágico episódio
de HS (Homicídio seguido de Suicídio) em 20 de dezembro de 2022 quando
de serviço no 19º Batalhão da PMPE (SANTOS, 2023, p. 80).
O NSM PMPE está subordinado à Diretoria de Assistência Social da
Corporação. Dentre um conjunto de ações implementadas pelo NSM PMPE,
estão além da gestão dos acompanhamentos psicológicos presenciais já
existentes, palestras sobre a temática da saúde mental voltadas para o efetivo
das unidades operacionais e administrativas da capital e interior, criação do
serviço de atendimento psicológico on-line e a implementação da iniciativa dos
policiais focais, através do Programa Tamo Junto, instituído através da

32
Portaria do Comando Geral nº 300 de 17 de Junho de 2024 e constitui o objeto
de discussão deste artigo.
Assim, este estudo discorreu acerca da atuação dos policiais focais e
seus impactos nos cuidados em saúde mental na Polícia Militar de
Pernambuco, destacando suas atribuições e contribuições para a diminuição
dos estigmas relacionados ao adoecimento mental e o aumento da busca de
ajuda.
Trata-se de estudo de abordagem fenomenológica, qualitativa, com
coleta de dados composta por revisão bibliográfica sobre a política de saúde
mental da Polícia Militar de Pernambuco, entrevista com o Chefe do NSM
PMPE e aplicação de formulário a dois policiais focais, sendo um da capital e
outro do interior do estado. O modelo de formulário que foi aplicado nesta
pesquisa, encontra-se incluído na seção de anexos deste artigo.
Todos os participantes desta pesquisa foram voluntários, leram e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo ainda
cientificados de que os dados obtidos seriam utilizados para fins de pesquisa
científica.
A fim de promover discussões acerca dos cuidados em saúde mental
dos policiais de Pernambuco, este estudo contextualizou o cenário dos
cuidados em saúde mental que ensejaram a criação da figura do policial focal
na PMPE, descreveu o processo de seleção e capacitação e as atribuições
desse profissional. O chefe do NSM PMPE foi entrevistado, assim como foram
aplicados também formulários de coleta de dados a dois policiais focais, sendo
um da capital e outro do interior do estado, usando como critério de escolha as
experiências de sucesso na atuação junto à tropa.
A atuação dos policiais focais da PMPE encontra base teórica na
metodologia de suporte entre pares. Os programas de suporte entre pares
existem há décadas nos Estados Unidos, embora ainda pouco implementados
e investigados no contexto policial brasileiro. Recentemente, esta metodologia
foi adotada como iniciativa de política de saúde mental da Polícia Militar de
Pernambuco.
Sobre o suporte entre pares, (WALLACE, 2016 apud MILLIARD, 2020,
p. 2) esclarece que:

33
No local de trabalho, o apoio de pares é sobre colegas de trabalho,
conhecidos como “pares”, que ajudam uns aos outros por meio de
discussões confidenciais. Na população em geral, os problemas
pessoais de um funcionário podem afetar seu desempenho no
trabalho e, se não forem controlados, esses problemas podem levar
a uma diminuição em sua capacidade de funcionar. O principal
objetivo de um programa de apoio de pares é resolver os problemas
dos funcionários e do local de trabalho antes que eles escalem para
níveis de crise, fornecendo uma rede extra de apoio no local de
trabalho.

Considerando que a iniciativa dos policiais focais surgiu como uma


possibilidade de aumento da busca de ajuda por parte dos policiais militares
pernambucanos e que o suporte entre pares é apontado como uma saída
confidencial satisfatória para policiais falarem com outros policiais sem
julgamento com a possibilidade de compartilhamento de informações privadas
para promover a sensação de que estes profissionais não estão sós
(MILLIARD, 2020, p. 2). Nesse contexto, discutiremos como a atuação desses
policiais impacta os cuidados em saúde mental na PMPE.

34
2 O CONTEXTO DOS CUIDADOS EM SAÚDE MENTAL NA POLÍCIA
MILITAR DE PERNAMBUCO

A atividade policial militar possui características peculiares que envolve


contato direto e contínuo com a violência e a criminalidade, assim como o risco
de morte própria ou de outras pessoas, estresse físico e mental elevados,
acesso à arma de fogo, dentre outros.
Além disso, a cultura militar impõe um comportamento diferenciado,
rústico e rígido que cria certas barreiras quando se trata da condição humana
do policial. Há um estigma de que o policial militar é um herói livre de
fraquezas, de erros e de sensibilidade. Em muitas situações é possível
identificar o tratamento diferenciado quando comparado a outras pessoas,
como se o policial militar fosse um indivíduo mais forte, capaz de superar todas
as adversidades da vida e que jamais deveria cometer falhas.
Há de se considerar que as características da profissão demandam
desses profissionais certo grau de rusticidade física, resiliência, capacidade
para lidar com situações de crise, controle emocional, dentre outras. Talvez,
essas características tornem um pouco nebulosas as fronteiras entre as
demandas da profissão e as reais capacidades do ser humano na sua atuação
profissional.
Assim, esses profissionais podem apresentar certa dificuldade em
aceitar limitações humanas e os processos de sofrimento psíquico e
adoecimento, principalmente o adoecimento mental. Nesse contexto, termina
por prevalecer, na maioria das vezes, a cultura da invulnerabilidade que
contribui de forma relevante para a criação e manutenção dos estigmas
relacionados à saúde mental e para a baixa busca por ajuda psicológica.
Lidando com um cenário de violência e enfrentando os mais diversos
problemas no cotidiano laboral, o policial militar tende a não admitir o
adoecimento e não buscar ajuda devido à ideia de ter que se manter forte e
superar as dificuldades por conta própria.
As demandas da vida privada nas áreas dos relacionamentos, da
família, das finanças e outras se somam à rotina estressante do trabalho
policial, para formar o contexto do adoecimento. O processo de adoecimento

35
mental geralmente se inicia com dificuldades no gerenciamento das emoções
e nos relacionamentos, dificuldades para realizar tarefas que antes
aconteciam de forma natural, alterações de sono, alimentação, humor, dentre
outras.
Entre os principais fatores da profissão que predispõem o policial militar
ao adoecimento psíquico estão os perigos vivenciados nas mais diversas
ocorrências, as cobranças por produtividade sem erros, assédio moral, falta de
reconhecimento social da profissão e o déficit de efetivo nas corporações,
causando sobrecarga de trabalho. Como consequência, observamos o
aumento do número de afastamentos do serviço, sofrimento psíquico relevante,
eventos suicidas, Depressão, Transtornos de Estresse Pós-traumático (TEPT),
Síndrome de Burnout, entre outros transtornos mentais.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 apontam que
no ano de 2022, no caso de policiais militares, foram 18 mortos em confronto
em serviço, sendo: 02 em Pernambuco, 01 na Bahia, 02 no Espírito Santo, 01
no Pará, 01 no Paraná, 01 no Piauí, 01 em Roraima, 1 em Minas Gerais, 02 em
Santa Catarina e 06 em São Paulo (MARTINS; CRUZ, 2023, p. 51).
No que diz respeito aos registros de suicídios entre policiais militares da
ativa, em 2022 foram registrados 69 casos, 09 a menos que em 2021, sendo
07 em Pernambuco, 01 no Amazonas, 06 na Bahia, 03 no Ceará, 03 no Distrito
Federal, 03 no Espírito Santo, 04 em Goiás, 02 no Maranhão, 02 no Mato
Grosso, 02 no Mato Grosso do Sul, 05 no Paraná, 05 no Rio de Janeiro, 01 no
Rio Grande do Norte, 05 no Rio Grande do Sul, 01 em Santa Catarina, 16 em
São Paulo e 03 em Sergipe. (MARTINS; CRUZ, 2023, p. 51).
O mesmo documento aponta para o fato de que, esses números ainda
são imprecisos, pois as subnotificações e os tabus relacionados ao suicídio
compõem um cenário de falta de clareza dos dados que afeta não só os
policiais, mas toda a segurança pública.
Segundo informações repassadas pela coluna Segurança, do Jornal do
Commercio, publicada em 18 de dezembro de 2023, por meio da Lei de Acesso
à Informação (LAI), a Polícia Militar de Pernambuco conta, atualmente, com
cerca de 16 mil militares na ativa. Os profissionais estão divididos em 52
unidades, dentre as quais temos a Banda de Música e 14 unidades

36
especializadas. Acerca desse efetivo, a PM somou 1.920 afastamentos por
adoecimento mental ao longo de 2022. A média diária foi de cinco dispensas
ou licenças médicas psiquiátricas (GUERRA, 2023).
O mesmo jornal também indicou que 4.454 profissionais buscaram
atendimento psiquiátrico no ano passado, número pouco superior a 25% do
efetivo total da Corporação. Os valores computados ao longo do ano de 2022
são similares aos observados no primeiro semestre de 2023. Ao todo, 2.013
policiais militares pernambucanos passaram por atendimento psiquiátrico em
2023 e 1.051 apresentaram atestados para dispensa ou licença médica
(GUERRA, 2023).
Há de se considerar que, ainda que expressivos, estes números não
constituem retrato fiel do quadro de adoecimento psíquico, visto que há
subnotificações, assim como policiais que não procuram as redes de
atendimento. Os policiais militares se queixam da jornada exaustiva de trabalho
com plantões extras nos horários de folga e da pressão por produtividade e
redução dos índices de criminalidade.
Diante desse cenário, cresceram os debates na sociedade e estudos no
meio acadêmico direcionados para a importância das ações voltadas aos
cuidados da saúde mental dos profissionais da segurança pública. Em nível
federal, há iniciativas como a Lei nº 14.531, sancionada em 11 de janeiro de
2023, que dispõe sobre a implementação de ações de assistência social, a
promoção da saúde mental e a prevenção do suicídio entre profissionais de
segurança pública e defesa social e para instituir as diretrizes nacionais de
promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança
pública e defesa social. A norma amplia e detalha o Programa Pró-Vida, criado
em 2018 para atenção psicossocial e de saúde no trabalho aos profissionais da
área, e inclui esses profissionais na Política Nacional de Prevenção da
Automutilação e do Suicídio.
No âmbito da Polícia Militar de Pernambuco, a oferta de atendimentos
psicológicos para policiais e seus familiares já é uma realidade estabelecida há
anos, através do CAS (Centro de Assistência Social), que em 2022 se tornou
Diretoria de Assistência Social através da Lei Complementar nº 483, de 30 de
março de 2022. Como já foi mencionado, anteriormente, com a criação do NSM

37
PMPE em março de 2023, a Corporação almejava não mais só oferecer a
assistência através dos atendimentos psicológicos já existentes, mas também
fazer a gestão da sua política de saúde mental.
Com o intuito de fazer gestão da política de Saúde mental da
Corporação, o NSM PMPE tem como principais funções: planejar e
implementar apoio contínuo às unidades operacionais e administrativas,
através de visitas itinerantes de equipes de saúde biopsicossocial, plantões
psicológicos, palestras e outras ações pontuais, conforme necessidade e
cronograma estabelecidos pela DAS; recepcionar demandas relativas à pauta
de Saúde Mental e Qualidade de Vida advindas da Secretaria de Defesa Social;
e Assessorar tecnicamente o Comandante Geral da Corporação em relação à
Saúde Mental e Qualidade de Vida do efetivo, através do Diretor de Assistência
Social.
A relevância do trabalho do NSM PMPE foi verificada nas ações
propostas pelo núcleo, dentre as quais podemos destacar: diagnosticar
comportamentos suicidas e intervir em favor da vida; direcionar atenção aos
sinais de adoecimentos; dar suporte ao policial militar em suas demandas
relacionadas aos desafios da vida policial; ser lugar de acolhimento,
valorizando a tomada de decisão por buscar ajuda psicológica como um
importante passo do processo de elaboração da experiência; ser agente de
mudança social, promovendo uma melhor qualidade de vida para o policial
militar, consequentemente para a sociedade, família e os espaços nos quais
esse agente está inserido; acolher o policial no momento da angústia, em que
algo peculiar emerge; e permitir ao policial falar de si e ser escutado sem
julgamentos.
Entre as inovações trazidas pelo NSM PMPE, apontamos a iniciativa de
criação do policial focal (PFOCAL). O PFOCAL é um agente importante na
identificação de policiais em sofrimento psíquico e/ou com sintomas de
transtornos psicológicos nas unidades administrativas e operacionais da
Corporação, visto que se trata de um policial militar da própria unidade, que
conhece as pessoas à sua volta, e possui relacionamento interpessoal
satisfatório, sendo capaz de conversar a respeito dos anseios e problemas
pelos quais esses profissionais porventura estejam passando.

38
Atualmente, a atuação do PFOCAL acontece como iniciativa dentro do
Programa Tamo Junto, instituído através da Portaria do Comando Geral nº 300,
de 17 de junho de 2024. O policial focal tem um papel relevante tanto na busca
ativa, ou seja, na identificação e encaminhamento de colegas em sofrimento
psíquico relevante ou com sinais indicativos de transtornos mentais, quanto no
direcionamento adequado e seguro dos colegas que buscarem orientação e/ou
ajuda para o atendimento oferecido pelo NSM.
A ideia é que estes policiais focais atuem como “braços” do NSM PMPE
nos batalhões e unidades policiais militares de todo estado, aproximando os
policiais militares pernambucanos das ações e iniciativas da política de saúde
mental da Corporação.

2.1 Perfil e atribuições do policial focal (PFOCAL) na PMPE

O PFOCAL é o policial militar identificado como portador de perfil


adequado para atuar como elo do Núcleo de Saúde Mental PMPE com a sua
Unidade (batalhão, companhia ou seção administrativa). Sua função tem
importância fundamental no alcance das ações da política de saúde mental da
Corporação (DAS/MF NSM, 2023, p. 5). Para se tornar um PFOCAL é preciso
ser voluntário, ser preferencialmente do efetivo do expediente administrativo da
unidade, ter bom relacionamento interpessoal, não ter histórico de faltas
disciplinares nos últimos 5 anos, apresentar habilidade no trato com as pessoas
e discrição em relação aos assuntos pessoais que lhe chegam ao
conhecimento.
Além dessas características, o PFOCAL é responsável por algumas
atribuições, entre as quais destacamos: coletar e remeter mensalmente,
conforme orientado pelo NSM PMPE, as informações solicitadas no formulário
de acompanhamento da sua unidade; divulgar junto ao efetivo da sua unidade
as ações e iniciativas de saúde mental emanadas do NSM PMPE; assessorar
o Comando/Chefia da sua unidade na identificação e possíveis
encaminhamentos das demandas relacionadas à saúde mental; comparecer às
reuniões, treinamentos e capacitações do NSM PMPE sempre que convocado;
contactar o NSM PMPE sempre que necessário para propor ações e
intervenções necessárias à sua unidade, esclarecer dúvidas ou compartilhar

39
informações que julgue necessárias; zelar pelo tratamento humanizado, pela
discrição, respeito, dignidade e sigilo das informações a que tiver acesso por
ocasião da sua atuação como focal ou em qualquer outra circunstância; e
salvaguardar os dados de saúde mental da sua unidade a que tiver acesso
(DAS/MF NSM, 2023, p. 5).
Inferimos que a iniciativa do PFOCAL, além de se enquadrar na
metodologia do suporte de pares, é também um resgate da figura do antigo
graduado de ligação do CAS (Centro de Assistência Social) atualmente, DAS.
O graduado de ligação era o policial militar, geralmente um Sargento, que
atuava junto à tropa e servia como elo entre o efetivo da unidade e o Centro de
Assistência Social.
Assim como ocorria com o antigo graduado de ligação, o PFOCAL
promove a presença da Diretoria de Assistência Social nas diversas unidades,
agora com foco na política de saúde mental. Atualmente, identificamos diversas
ações, iniciativas e programas voltados à saúde do policial militar, que detém
características da metodologia do suporte entre pares, para promoção da
saúde mental, como por exemplo o Programa Anjos da Brigada Militar do Rio
Grande do Sul (BMRS), desenvolvido em 2020 para ofertar apoio emocional e
combater o elevado número de suicídios através da difusão de conhecimentos
e orientações sobre saúde mental e divulgação da rede de assistência
especializada. No ano de 2021, foi divulgada a Nota de Instrução nº 5.12 da
BMRS, com as diretrizes do Programa Anjos, que oferece apoio psicológico aos
policiais daquela força, inclusive de forma remota, através de um serviço
telefônico que funciona 24 horas por dia.
Atuando com objetivos semelhantes na pauta da saúde mental, e
compartilhando entre si da mesma filosofia, baseada no suporte entre pares, a
iniciativa do Policial Focal da Polícia Militar de Pernambuco e o Programa Anjos
da Brigada Militar do Rio Grande do Sul possuem similaridades e diferenças.
A Brigada Militar do Rio Grande do Sul, assim como a Polícia Militar de
Pernambuco, estabeleceu critérios para que seus policiais pudessem atuar
como facilitadores no Programa Anjos, concebido naquela instituição. Dentre
os quais existem a participação em um processo seletivo e conclusão com
aprovação no Curso de Capacitação em Saúde Mental elaborado pelo

40
Departamento de Ensino da Brigada Militar, respeito aos objetivos, estratégias
do programa, assiduidade mínima de 75% na carga horária de treinamentos
periódicos, entre outros.
A atuação do Facilitador do Programa Anjos ocorre concomitantemente
às suas funções ordinárias, sendo respeitado o seu horário de trabalho e não
devendo ser acionado em folgas, férias ou licenças. Além disso, os policiais
Anjos fazem atendimentos ou intervenções terapêuticas, ministram palestras a
respeito de saúde mental, entre outras ações.
Em síntese, um programa de suporte entre pares se propõe a resolver
os problemas dos trabalhadores, no ambiente laboral, antes que eles escalem
para níveis de crise, fornecendo uma rede extra de apoio no local de trabalho
(MILLIARD, 2020).
Acerca do suporte entre pares, Milliard (2020, p. 2) refere que:
Os programas de suporte entre pares oferecem aos policiais a
oportunidade de compartilhar suas experiências com outros policiais,
o que é importante porque os colegas policiais talvez sejam mais
capazes de se relacionar com as experiências de seus colegas no
cumprimento do dever.

Verificamos ainda um consenso acerca dos objetivos primordiais do


suporte entre pares, que englobam: prover uma escuta empática e vigilante;
oferecer intervenção psicológica de natureza sutil; detectar colegas que
possam estar em iminência de risco para si próprios ou para terceiros; e
viabilizar um canal para auxílio profissional. É comumente aceito que os
propósitos do suporte entre pares não se limitam a assistir os indivíduos na
recuperação de um evento traumático ou altamente estressante; ao invés disso,
as funções do apoio entre pares visam sustentar e fomentar a saúde
psicológica e física, bem como o bem-estar de maneira mais abrangente
(CREAMER et al., 2012).
É importante frisar, que as atribuições do policial focal estão alinhadas
com a política de saúde mental da corporação, e consideram, dentre outros
aspectos, as especificidades do policial militar e de sua relação com o trabalho,
contidas na Seção II, Art. 4º, do Suplemento Normativo nº 017, de 19 de abril
de 2023, que fala acerca “Da Assistência Terapêutica”:

Art. 4º - Entende-se por assistência terapêutica o conjunto de práticas


com foco no atendimento às necessidades e expectativas de saúde

41
mental dos policiais militares, assim dispostas:
VI - Oferecer serviços de referência propiciadores de vínculos
significativos, por meio de projetos terapêuticos que respeitem as
especificidades do policial militar e de sua relação com o trabalho;
(PMPE, 2023b, p.3)

As funções desenvolvidas pelo policial focal têm importância


fundamental no alcance das ações da política de saúde mental da Corporação,
pois ele atua como um braço dos trabalhos desenvolvidos pelo NSM PMPE
dentro das Unidades. Assim, o policial militar que apresenta sinais de
adoecimento mental tende a se sentir mais amparado pela sua unidade e pela
Corporação através do trabalho desenvolvido pelo PFOCAL.
Em dezembro de 2023 o NSM PMPE havia selecionado, treinado e
colocado em ação 121 policiais focais atuando em unidades operacionais e
administrativas do Sertão, Agreste e Zona da Mata na Diretoria Integrada
Metropolitana (DIM), Diretoria Integrada Especializada (DIRESP), Diretoria
Integrada do Interior I (DINTER-I), Diretoria Integrada do Interior II (DINTER-II)
e Complexo do Quartel do Comando Geral (QCG).
As unidades devem ter preferencialmente dois policiais focais, a fim de
não sobrecarregar os envolvidos na iniciativa, assim como suprir necessidades
de afastamentos tais como férias, escalas, licenças médicas e outros.
Vale salientar que o trabalho realizado pelo PFOCAL constitui um
encargo, já que é exercido juntamente com as funções que o policial já executa
em sua unidade. A sua atuação é peculiar, tendo em vista as especificidades
de suas atribuições dentro das Unidades. Atuando no seio da tropa e intervindo
junto aos policiais militares que apresentam comportamento alterado, em
virtude de problemas relacionados à saúde. Desse modo, é essencial que o
PFOCAL paute todas as suas ações nos princípios do respeito, discrição e
sigilo das informações das pessoas a que tiver acesso (DAS/MF NSM, 2023, p.
5).

2.2 Análise e discussão dos dados das experiências de atuação dos


policiais focais na PMPE

As discussões até aqui desenvolvidas demonstraram que o PFOCAL


detém grande potencial de contribuição para os cuidados em saúde mental na

42
PMPE.
Entendemos que não é fácil quantificar quantas vidas são salvas ou
ciclos de adoecimento são quebrados quando trabalhamos com prevenção. O
pouco tempo de atuação dos policiais focais na PMPE impossibilitam uma
análise quantitativa mais aprofundada sobre mudanças de comportamento do
efetivo da Corporação no que diz respeito à diminuição dos estigmas de saúde
mental e aumento da busca por ajuda psicológica.
A análise qualitativa dos dados aqui apresentados deu-se a partir dos
relatos das experiências de atores envolvidos na iniciativa do policial focal,
sendo eles o Chefe do NSM PMPE e dois policiais focais selecionados para
este estudo por se destacarem em suas atuações, sendo um em uma unidade
da capital e outro em uma unidade do interior do estado.
A escolha dos trechos de fala apresentados na seção de análise e
discussão deu-se por aderência destes aos objetivos da pesquisa, que por sua
vez, orientaram a definição das quatro categorias analíticas construídas para
fins deste estudo, sendo elas:
1) Atuação Prática: esta categoria de análise identificou aspectos das prá-
ticas diárias do PFOCAL e da gestão do NSM PMPE.
2) Barreiras: categoria de análise que identificou as principais dificulda-
des encontradas pelos profissionais nos cuidados de saúde mental
promovidos pelo NSM PMPE através da atuação do PFOCAL.
3) Necessidades e Perspectivas: categoria de análise que verificou as
atuais necessidades e perspectivas futuras para manutenção e ampliação da
iniciativa do PFOCAL na PMPE.
4) Impactos: esta categoria identificou relatos de experiências bem-su-
cedidas da atuação dos policiais focais com potencial de diminuição de
estigmas e aumento da busca de ajuda.

2.2.1 A atuação prática do policial focal

A atuação prática do PFOCAL guarda algumas características que


puderam ser verificadas tanto no Manual do Policial Focal, quanto nos relatos
dos participantes do estudo sobre as suas práticas cotidianas. O perfil do

43
policial militar que atua como PFOCAL também é muito importante para o
sucesso da iniciativa.
Os trechos de fala abaixo reproduzidos indicam a importância da seleção
adequada desse policial que deve ser sensível às problemáticas da saúde
mental. Também é indispensável que o PFOCAL esteja lotado na Unidade onde
ele irá atuar, visto que esta precisa conhecer e se aproximar dos colegas de
trabalho a fim de perceber mudanças de comportamento, eventos que afetam
os policiais de forma coletiva ou individual e outros sinais de alerta relativos à
saúde mental. Assim, este policial voluntário para exercer este encargo,
mantém uma relação de proximidade e confiança com seus colegas de ofício.

O policial focal, ele é aquele policial que está lá na unidade4, que


tem um trato. Que tem um perfil de estar próximo dos militares, de
poder perceber os militares, aquele militar que está mais deprimido
ou que vem passando por uma situação que antes não estava. O
policial focal, como ele tem acesso a esses policiais, ele percebe
que antes o policial poderia estar, sei lá, muito é feliz e tal e de repente
ele fica meio abatido e tal, trancadinho lá e aí, a partir desses sinais,
de mudança comportamental, são desencadeadas outras ações. Ele
entra em contato com o núcleo de saúde mental para ver quais são
as ações que a gente vai tomar, tipo encaminhamento ao
atendimento psicológico ou psiquiátrico, dependendo da situação,
dependendo do contexto (Relato do chefe NSM PMPE).

Outro aspecto que constatamos ser decisivo para o sucesso da atuação do


PFOCAL é o treinamento com orientações acerca das funções que irá desempenhar
dentro da Unidade, sobre a rede de atendimento disponível aos policiais militares e
sobre a ética e sigilo no tratamento das situações a que tiver acesso. Estas orientações
são muito importantes se considerarmos que o PFOCAL não é um profissional de
saúde, mas sim um par, dentro de uma prática de suporte entre pares, como já descrito
anteriormente. Estes aspectos são observados nos trechos de fala a seguir. Outro
aspecto que constatamos ser decisivo para o sucesso da atuação do PFOCAL é o
treinamento com orientações acerca das funções que irá desempenhar dentro da
Unidade, sobre a rede de atendimento disponível aos policiais militares e sobre a ética
e sigilo no tratamento das situações a que tiver Estas orientações são muito
importantes se considerarmos que o PFOCAL não é um profissional de saúde, mas
sim um par, dentro

4
Os termos em negrito foram destacados para dar ênfase a pontos específicos do
depoimento.

44
acesso. de uma prática de suporte entre pares, como já descrito anteriormente.
Estes aspectos são observados nos trechos de fala a seguir.

Aqui não tem curso, mas tem um treinamento5. Nós passamos um


dia com eles, passamos protocolos, e também os procedimentos
que eles devem ter diante de uma situação de crise no batalhão.
Como é que eles devem agir? Eles não são psicólogos, então como
é que a gente vai fazer? Então a gente passa para eles orientação,
pois a equipe do NSM PMPE tem uma equipe de profissionais
formados na área de psicologia, para deixá-los preparados para
atuar como focal. Se estabelece um protocolo, todos eles têm uma
cartilha do policial focal, que diz como é que eles devem proceder
naquele momento (Relato do chefe NSM PMPE).

Quanto às percepções dos dois participantes que atuam como policiais


focais, sendo um da capital e outro do interior do estado, os trechos de fala a
seguir confirmam a importância das relações de confiança e da atenção aos
sinais de alerta.

O policial focal na sua essência tem que ser a diferença, tem que ser
aquele policial que todos possam contar com ele, o princípio da
confiança é fundamental, o policial além de tudo tem que ter a
confiança dos companheiros, provocando um impacto positivo no
meio de trabalho (Relato do participante PFOCAL Interior).

É ser um agente identificador de possíveis alterações sociais entre


os policiais e servidores civis que estão em nosso entorno. A nossa
atividade consiste basicamente em perceber alterações de
comportamento, de hábitos de mudança de humor, arco. E através
disso tentar identificar pessoas que precisam de ajuda tanto no
aspecto social quanto no aspecto psicológico (Relato do participante
PFOCAL Capital).

O fato de o PFOCAL ser também um policial militar que conhece a


realidade do efetivo da unidade por vivenciá-la tende a favorecer as relações
de confiança e aumentar as chances de busca de ajuda, este pressuposto está
na base da metodologia do suporte entre pares.

2.2.2 Barreiras à atuação do PFOCAL

Os trechos de fala a seguir descortinam as barreiras e dificuldades


apontadas pelos policiais focais em suas atuações, se sobressaindo aquelas
atinentes à formação do policial personificada em um modelo de profissional

45
invulnerável às adversidades da vida. Esta cultura da invulnerabilidade
favorece o preconceito e os estigmas em torno daqueles que apresentam
adoecimento psíquico, que podem ser julgados como fracos ou simuladores do
adoecimento mental por “macete6”.

[...], as limitações e as dificuldades que a gente encontra ainda são


barreiras de preconceito... A pessoa não querer procurar, não querer,
é ter a abertura, de dizer a alguém, de ter a confiança, de chegar em
alguém e dizer o que está passando, qual a dificuldade que está
passando. De não ter essa confiança. Há também a barreira da
distância de chegar até um atendimento psicológico e tal. Eu acho
que o estigma também, né. As pessoas assim não querem. Como é
que se diz, demonstrar fragilidade, principalmente na carreira da
gente de militar, onde as pessoas esperam que você seja forte... Nós
somos formados para sermos Fortes, para não chorar, para não
demonstrar dor (Relato do chefe NSM PMPE).

Existe uma barreira muito grande, tanto por falta de informação


quanto por causa do modelo de gestão. As pessoas entendem o
problema psicológico e psiquiátrico com preconceito, mas é um
problema de saúde como qualquer outro. Tem isso do policial ser
superior a esses aspectos e de ser insensível que é proposto na
escola de formação e também uma ideia equivocada dos escalões
superiores de que doenças psiquiátricas estão relacionadas com não
querer ou querer trabalhar pouco (Relato do chefe PFOCAL capital).

Os relatos referem também que a falta de conscientização de alguns


superiores hierárquicos gera certa dificuldade de diálogo acerca do tema, bem
como o baixo interesse na promoção de ações voltadas à saúde mental da
tropa, dificultando a atuação do PFOCAL.

A maior dificuldade que eu tenho hoje é de passar a ideia para os


escalões superiores da real necessidade e de que isso não é uma
perda de tempo, que isso é um investimento em material humano.

A questão do material humano, apesar de ter tido uma evolução ela


não tá vindo de acordo com o que a sociedade está vivendo. As
pessoas ainda tratam o problema saúde mental como frescura,
como “macete”. Tratam ações de intervenção e prevenção a
problemas de saúde mental como perda de tempo. Tenho muita
dificuldade com isso, mas tem evolução (Relato do representante
PFOCAL capital).

Esse relato reflete a dificuldade enfrentada por alguém em transmitir a


importância da atenção à saúde mental para os níveis mais altos da hierarquia.

5
Os termos em negrito foram destacados para dar ênfase a pontos específicos do
depoimento. 6 Macete: Termo coloquial que significa a ação de simular, de agir de má-
fé, de usar artimanhas a fim de obter vantagens em benefício próprio.

46
O desafio reside na necessidade de convencer esses escalões de que
investir em saúde mental não é uma perda de tempo, mas sim uma estratégia
valiosa para fortalecer o capital humano da organização.

2.2.3 Necessidades e perspectivas do PFOCAL

No tocante às necessidades e perspectivas futuras da iniciativa do


PFOCAL, os relatos da Chefia do NSM e dos policiais militares atuantes neste
encargo demonstraram a intenção de criação do curso de formação
devidamente normatizado e com certificação, como o já existente no Programa
Anjos da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, valorização do policial focal e
aumento gradativo da preparação técnica desses profissionais.
Como o policial focal está sendo uma iniciativa de sucesso, a ideia
nossa é de ampliar isso aí, de fortalecer cada vez mais através de
preparação. Tipo, né, um curso como Anjos lá da Brigada. Fazer um
curso meio específico, com breve, com tudo, preparar essas pessoas.
É preparar essas pessoas para poderem lidar com essas questões
da tropa em si, da saúde mental. Então, a ideia nossa, as
perspectivas, nossas, é cada vez mais, é valorizar esse policial focal.
Chegar junto dele perspectiva e valorizado, sentindo-se valorizado.
Quem entra pelo viés também da preparação técnica do
conhecimento de cursos também, e cada vez mais fortalecer para
que essa pessoa seja uma pessoa de destaque no batalhão, mas que
venha ajudar esses policiais que a ideia nossa, todo o fundamento
nosso é poder ver o policial bem. Nós passamos um dia com eles. O
certificado a gente ainda não tem, porque a gente está organizando
um cronograma de horas aulas e de conteúdo, então aí a gente não
tem ainda, esse certificado, mas a formação é feita em um dia. A
gente pede que eles fiquem bem à vontade. Por exemplo, a reunião
do focal aqui nós fizemos na região metropolitana, fizemos no Hotel
de Trânsito da PMPE. Então lá a gente pediu que as pessoas
tivessem bem à vontade. Fossem, sem uniforme, sem arma. A ideia
nossa é de fazermos, no futuro, um curso mesmo, tipo o da Brigada
da Polícia Militar do Rio Grande do Sul. (Relato do chefe NSM
PMPE).

Os relatos dos policiais focais participantes do estudo demonstraram a


necessidade de criação de programas preventivos e pós-trauma para policiais
que venham a se envolver em ocorrências com grande impacto emocional e/ou
potencial de causar adoecimento psíquico, assim como a concepção de
caravanas de atendimento psicológico, baseados nos dados dos relatórios
confeccionados mensalmente pelos policiais focais e remetidos ao NSM PMPE.

47
Criar atendimentos pré e pós-traumáticos quando os policiais
participam de ocorrência que impactam o seu emocional. Como
também, caravanas psicológicas, baseados nos relatórios dos focais
de cada unidade, sendo objetivo e preventivo no tratamento dos
policiais militares (Relato do representante PFOCAL interior).

Incluir os comandantes, diretores e os responsáveis pela gestão no


circuito, explicar para eles a necessidade para que eles entendam e
assimilem que isso é indispensável. Que seja mais divulgado porque
a gente tem uma dificuldade de divulgação e que a gente tenha um
pouco mais de liberdade de locomoção, deslocamento (Relato do
representante PFOCAL capital).

A maior divulgação do trabalho do PFOCAL e a conscientização de


Comandantes, Diretores e Chefes acerca da relevância dos cuidados em saúde
mental da tropa, foram apontados como indispensáveis para o sucesso da
iniciativa.

2.2.4 Impactos da atuação do PFOCAL

Acerca da atuação do PFOCAL, os relatos demonstraram impactos


positivos com aumento da busca ativa dos policiais focais e encaminhamento
de colegas para a rede de atendimento psicológico e psiquiátrico, assim como
da busca por ajuda psicológica. O pouco tempo de implementação da iniciativa
do policial focal ainda não permite uma análise mais profunda, porém já é
possível verificarmos aumento do número de policiais militares do serviço ativo
em atendimento psicológico no NSM PMPE. Os indícios de busca de ajuda
psicológica através do PFOCAL podem ser confirmados nos relatos a seguir.

Ah, as experiências são fantásticas. A gente fala, fica até emocionado


em falar em questão de experiências nossa de policial focal. Alguns
casos aí bem recentes. Que a gente recebeu, sem citar nomes, mas
de unidades, em que o policial estava em sofrimento psíquico total,
totalmente perdido, né. E o policial focal entrou em contato com o
núcleo de saúde mental, trouxe esse policial para cá, esse policial
vem sendo acompanhado por psicólogos, por psiquiatra e tal. E tá
vivendo bem aí na unidade graças a Deus. Então, assim, são coisas
que não são divulgadas, fica um pouco escondida vamos dizer assim,
não tá tão à vista para todo mundo, mas assim, o efeito pessoal, é
extraordinário, é extraordinário, é extraordinário. (Relato do chefe
NSM PMPE).

Eu sou procurado diariamente tanto por pessoas da unidade como


fora da unidade. Porque indiretamente eu já fazia um trabalho
semelhante, identificando pessoas com super endividamento que,

48
inclusive, é um dos principais problemas que indiretamente afeta os
aspectos psicológicos e sociais do policial. Então diariamente eu sou
procurado; não tem um dia em que ninguém tire uma dúvida, ninguém
me procure, que ninguém peça minha ajuda para eu ajudar
terceiros... A procura é bem constante (Relato do representante
PFOCAL capital).

Os trechos de fala a seguir apontam para o estreitamento da distância


entre o policial militar em sofrimento psíquico e/ou adoecimento mental e a rede
de atendimento oferecida pela Corporação através do NSM PMPE e o Setor de
Psiquiatria do Sistema de Saúde PMPE (SISMEPE) através da atuação do
PFOCAL.

Os impactos positivos na tropa e a gente está ajudando também a


melhorar esses impactos positivos no sentido de chegar mais
próximo do policial, ir até a unidade, falar do núcleo de saúde
mental, saber quantos policiais nossos não sabem ainda da
existência do Núcleo de Saúde Mental e do policial focal, né. A
gente está trazendo também os comandantes de unidade para que
eles tenham conhecimento, porque o apoio deles é importante
nesse momento. Demonstramos para eles qual a importância que
tem o policial focal lá, né, dentro daquela unidade (Relato do chefe
NSM PMPE).

O fato de os policiais focais serem preferencialmente e,


consequentemente, predominantemente praças da Corporação parece
interferir de forma positiva na atuação com a identificação entre o PFOCAL e a
tropa, conforme demonstrado no relato a seguir.

[...] Em especial do quadro de praças porque por mais que tenha


melhorado bastante e que a gente queira apaziguar, existe um
entrave de classes entre praças e oficiais e geralmente é natural que
as praças tendem a confiar mais em praças do que em oficiais.
Extremamente importante essa necessidade, e justamente fazer jus
da questão da praça graduado, fazer o elo entre os subordinados e
os gestores (Relato do representante PFOCAL capital).

O último trecho de fala desta análise discursiva dos dados relata parte
da experiência de atuação de um dos participantes deste estudo que descreve
a experiência como um “resgate”. Considerando que a quantidade de relatos
de experiências não caberia no envelope de tempo e formato deste trabalho, o
trecho a seguir foi selecionado por contemplar aspectos importantes da atuação
de um PFOCAL com um desfecho de sucesso nos cuidados em saúde mental
em um momento crítico.

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[...] Ele teve um surto que começou a jogar a cabeça na parede.
Nesse momento nós aproveitamos e conduzimos ele na hora para o
setor de psiquiatra e lá eu conversei com o psiquiatra dele. Falei que
a medicação aparentemente não estava mais surtindo efeito e
expliquei qual era a nossa função lá no batalhão, que era de focal e
tal, e o psiquiatra atendeu e melhorou a medicação... Hoje ele está
mais focado ainda, está readaptado. Ele ainda está sendo assistido
pela gente, mas ele, inclusive, recentemente, agradeceu dizendo: o
senhor me ajudou bastante, vem me ajudando bastante. Esse
resgate do companheiro é a minha maior recompensa como focal.
Caso o companheiro não tivesse apoio e assistência adequados, os
resultados dessa história podem ser trágicos para nossa instituição
(Relato do representante PFOCAL interior).

O relato anterior demonstrou como o encaminhamento adequado pode


modificar trajetórias de vida e transformá-las a partir de uma iniciativa baseada
no suporte entre pares, que mesmo recente, trouxe impactos relevantes nos
cuidados em saúde mental da PMPE.

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3 CONCLUSÕES

O presente artigo demonstrou os impactos da atuação do policial focal


nos cuidados em saúde mental. Para isso, discorremos sobre a
contextualização dos cuidados em saúde mental no âmbito da PMPE, o perfil e
as atribuições inerentes a esse policial.
Verificamos que embora a atuação dos focais seja recente, iniciada em
agosto de 2023, a atuação desses profissionais vem trazendo impactos
positivos, principalmente no que diz respeito à diminuição da distância entre o
policial militar pernambucano e a rede de assistência psicológica e psiquiátrica
da Corporação. Assim, inferimos que o PFOCAL é um agente de aproximação
entre os cuidados de saúde mental promovidos pelo NSM PMPE e SISMEPE
e a tropa policial militar pernambucana.
Neste estudo também constatamos a existência de algumas dificuldades
e barreiras à atuação do PFOCAL, se destacando os estigmas em saúde
mental, a cultura da invulnerabilidade e a dificuldade apresentada por alguns
comandantes, chefes e diretores na compreensão da política de saúde mental
na Corporação. No entanto, essas barreiras não constituem impedimento à
atuação do PFOCAL como parte da política de saúde mental vigente.
Quanto às necessidades de ampliação e fortalecimento da atuação do
PFOCAL, identificamos perspectivas de criação de curso específico para
capacitação desses profissionais, criação de um programa de prevenção e
atendimento de policiais expostos a ocorrências impactantes psicologicamente,
caravanas de profissionais de saúde mental para visitar as unidades e
iniciativas para a conscientização dos comandantes, diretores e chefes acerca
da importância da política de saúde mental.
O formato do estudo e as limitações de tempo inviabilizaram um maior
aprofundamento e coleta de dados de maior número de focais. Também não
foi possível verificar as experiências e impressões dos policiais militares
apoiados pelos policiais focais. Nesse sentido, sugerimos estudos futuros de
aprofundamento e ampliação das contribuições teóricas e descritivas das
experiências da atuação do PFOCAL na PMPE.

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REFERÊNCIAS

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