Revista Versão 04-07-2024
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CONSELHO EDITORIAL
Chefe do Estado Maior Geral
PRODUÇÃO
Boa leitura!
Artigos Técnicos-profissionais:
______________________________________________________________
Nota ao leitor: “Os artigos publicados da Revista Doutrinária da PMPE são
de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião
da Polícia Militar de Pernambuco”.
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: capacitação
continuada no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco
RESUMO
1
MAJOR QOPM da Polícia Militar de Pernambuco. Doutora em Administração (UFPE).
2
2º TEN QOAPM da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Administração pela
UNIEB.
3
2º TEN QOAPM da Polícia Militar de Pernambuco. Licenciado em Matemática pela
AESA/CESA.
4
ABSTRACT
Among criminal types that are showing growth are those related to violence
suffered by women in Brazil. The path to finding social problem of violence
solution passes through the action and continued training of members of the
Military Police. The objective of this research is analyze the process of
continuous training of military police officers in Pernambuco on the topic of
violence against women. The methodological path is a qualitative research
approach, operationalized through documentary survey, application of a
questionnaire and interviews. The methodology was developed from a
qualitative approach. Data collection used three instruments: documents,
questionnaire and interview. The data was analyzed using Thematic Content
Analysis. The results indicate that training and continued training should lead
the process of change in dealing with incidents of violence against women.
Therefore, the implementation of a continuous training program becomes
imperative to fill the existing gap that prevents the institution from reaching a
level of excellence in serving its target audience.
5
1 INTRODUÇÃO
6
2018; Souza, 2021).
Os casos de violência doméstica se fazem presentes no decorrer da
carreira policial desenvolvida pelos autores no interior do estado, em especial
na área do 3º Batalhão, sediado no munícipio de Arcoverde-PE, de modo que
a persistência e o crescimento da violência contra a mulher nas diversas
localidades brasileiras e em especial no estado de Pernambuco, que ocupa a
7ª colocação em registros de feminicídio (FBSP, 2023), constituem motivo para
o desenvolvimento do presente estudo.
Apesar do aumento no número de pesquisas que visam compreender e
mensurar o tamanho do problema da violência contra a mulher (Couto et al.,
2018), existe ainda grande desconhecimento no contexto brasileiro sobre a
temática em tela (Cerqueira; Bueno, 2023, p. 41). Os estudiosos da área
tendem a concentrar esforços para compreender a realidade da violência de
gênero ocorrida nos grandes centros urbanos e são reduzidas as pesquisas
que considerem a realidade de localidades com número de habitantes reduzido.
Além disso, são escassos os trabalhos que consideram a capacitação
continuada para aperfeiçoamento dos policiais militares que atuam no combate
à criminalidade de gênero. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa é analisar o
processo de capacitação continuada dos policiais militares de Pernambuco
sobre a temática da violência contra a mulher.
No intuito de ampliar o conhecimento sobre o tema, foi realizada uma
pesquisa de abordagem qualitativa, operacionalizada por meio do
levantamento documental, da aplicação de questionário e da realização de
entrevista. Assim, o artigo está estruturado na apresentação do cenário de
violência contra a mulher e da formação continuada de policiais militares, logo
em seguida são expostos o trajeto metodológico do estudo, a discussão dos
resultados obtidos e as conclusões.
7
2 CENÁRIO DO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
8
de profissionais sensibilizados e capazes de compreender as dificuldades
enfrentadas pelas mulheres em situação de violência, assim como os
sentimentos de medo, vergonha e indecisão, que caracterizam seus percursos
quando procuram ajuda para deter os agressores que fazem parte de seus
ciclos afetivos (ONU, 2011).
Diante dos desafios inerentes ao atendimento das vítimas de violência
doméstica em consonância com o que preconiza a legislação, os profissionais
que integram a gestão no estado de Pernambuco na área de segurança pública
e os da Secretaria da Mulher elaboram, de forma conjunta, Portaria contendo
orientações por meio do Procedimento Operacional Padrão (POP no 001-
SDS/SEC. MULHER, de 24 mar 2022), que estabelece um padrão a ser
seguido para o atendimento à mulher vítima de violência doméstica, familiar,
sexual, psicológica, moral ou patrimonial baseada no gênero.
O intuito do Procedimento Operacional Padrão é garantir que os direitos
da vítima sejam plenamente atendidos, de tal forma que contribua para que não
aconteça subnotificação, que geralmente surge devido a um atendimento
incompleto ou envolto em preconceito. Entre as medidas previstas no
documento é possível apontar, por exemplo, a necessidade de amparar a
mulher vítima demonstrando interesse na ocorrência e a vedação de fazer
qualquer tipo de julgamento pessoal sobre o fato ocorrido (Pernambuco, 2022).
A polícia é chamada, então, a se tornar partícipe no projeto de educação
para a cidadania, reivindicado por diferentes atores sociais, de forma a superar
a ideia de uma segurança pública que possui seu trabalho restrito ao combate
à criminalidade e aos processos de educação formal ou tradicionalmente
concebidos (Nobre; Barreira, 2008).
A vítima de violência doméstica necessita de amparo policial para o
enfrentamento dos problemas domésticos; desse modo, se faz essencial a
capacitação no sentido de desenvolver as competências relacionadas à
empatia e sensibilidade para com o problema em questão. Acerca da
necessidade de capacitação específica para os agentes de segurança pública,
Passos (2014, p. 134) afirma que:
É indispensável não apenas a gestão integrada desses problemas,
mas, sobretudo preparar os profissionais de segurança pública para
aplicar e administrar os recursos existentes, pois de nada adiantará
9
a existência de organizações, estruturas e órgãos específicos se
esses profissionais de segurança pública não detiverem os
conhecimentos teóricos e práticos necessários para utilizá-los.
10
3 CAPACITAÇÃO CONTINUADA PARA ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER
11
referenciais o Plano Mundial de Educação em Direitos Humanos, a nível global, e o
Plano Nacional de Educação em DH (PNEDH), a nível nacional. O PNEDH estabelece
diretrizes básicas que devem ser seguidas para alcance dos propósitos ali elencados,
como podemos ver abaixo:
13
a promoção dos direitos humanos, além de ser responsável pelo programa
Patrulha Maria da Penha. A DASDH realiza ações proativas de combate à
violência contra a mulher e desenvolve trabalhos em frentes como
capacitações, seminários, palestras em escolas e nas comunidades, como
também tem contribuições na formação e na capacitação continuada de
policiais militares.
Balestreri (2010, p.10) trata do poder da educação para transformar e
aperfeiçoar o espinhoso trabalho policial: a capacitação e, mais do que ela, a
educação das polícias, pois é preciso que se eduque esse educador para formar
umanova cultura e uma nova liderança na segurança pública brasileira, firme,
enérgica, mas respeitadora e promotora dos direitos humanos e da cidadania.
14
4 METODOLOGIA
16
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta seção abordaremos a questão da capacitação continuada de
policiais militares diante do cenário dos índices de violência contra a mulher no
Estado de Pernambuco, com ênfase na realidade vivenciada pelo efetivo do 3º
Batalhão de Polícia Militar, sediado Arcoverde-PE, e suas contribuições para o
trabalho dos policiais militares no enfrentamento aos casos de violência contra
a mulher.
No cenário de violência contra a mulher, tema de preocupação tanto para
os órgãos governamentais, de maneira geral, a criminalidade tem crescido a
patamaresque influenciam a rotina dos lugares nos âmbitos social e econômico
(Ferreira, 2023).Especificamente na área territorial de responsabilidade do 3º
BPM é possível verificarque ocorre uma escalada nos casos de violência contra
a mulher em todos os munícipios, conforme consta na Figura 1.
574
70
0
60
211 245
0 165
140 130 144
117 87 71 58 69 56
50 32 101 38
11
0 61 54
18
A capacitação continuada passa a ser, então, ferramenta de
enfrentamento dos casos de violência contra a mulher, já que são meios de
divulgação da agenda prioritária de promoção dos direitos humanos para esse
grupo vulnerável (Sobrinho et al., 2023; Pinheiro, 2020). O processo de
capacitação continuada se inicia, porém, com a formação profissional e a fase
inicial da inserção do profissional nas ações laborativas que cobram ciência do
papel social exercido pelo policial militar (Santana; Santana; Santana, 2022).
19
FIGURA 02 - Questionário aplicado ao 3º BPM
20
A capacitação profissional em sua forma continuada otimiza as ações de
enfrentamento das práticas de violência contra as mulheres, enquanto sua
ausência deixa o policial militar vulnerável às transformações pelas quais a
sociedade passa constantemente (Furian; Moura, 2022, p. 68). Assim, é preciso
promover a devida capacitação, desde a formação, com intuito de fornecer a
competência exigida para elevar a prestação do serviço ao nível de excelência,
atendendo os anseios da sociedade.
A DASDH realiza o programa de capacitação de forma isolada e conjunta
em parcerias com a Secretaria de Defesa Social, Órgãos Judiciais, Secretaria
da Mulher e Polícia Civil, a fim de formar os policiais militares para compor uma
rede de apoio aos grupos vulneráveis, em especial a mulher vítima, conforme
exposto nas palavras da entrevistada 1:
22
O conhecimento abre portas e a mudança com certeza houve. Ele
orienta para um atendimento, mas eficiente e eficaz ao público, estão
qualificados de como deve ser o atendimento à mulher vítima de
violência doméstica. Fornecem conhecimentos das informações que
devem ser colocadas no boletim de ocorrência, tornando-os prontos
para fazer o primeiro atendimentoà mulher vítima e fazer o trabalho
preventivo, ostensivo para dar umasegurança a mais a essa mulher,
que essa capacitação também serviu para orientar o efetivo das
guarnições que estão nas ruas que as vezes é quem primeiro se
depara com a ocorrência Maria da Penha (Entrevistado 2).
23
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
25
REFERÊNCIAS
28
ATUAÇÃO DO POLICIAL FOCAL E SEUS
CUIDADOS NA SAÚDE MENTAL DOS POLICIAIS
MILITARES DE PERNAMBUCO
Resumo
Neste artigo discutimos a atuação dos policiais focais e seus impactos nos cuidados
em saúde mental na Polícia Militar de Pernambuco, destacando suas atribuições e
contribuições para a diminuição dos estigmas relacionados ao adoecimento mental e
ao aumento da busca de ajuda. Os números de policiais com relevante sofrimento
psíquico e transtornos mentais têm despertado preocupação das instituições, mídia e
sociedade em geral. Sabemos que a atividade policial é caracterizada pelo elevado
nível de estresse e possui peculiaridades que envolvem contato direto com a violência
e a criminalidade. A iniciativa do policial focal integra o Programa Tamo Junto da PMPE
e tem base teórica na metodologia do suporte entre pares, atuando principalmente na
busca ativa e no encaminhamento de policiais ao atendimento de saúde mental. Trata-
se de estudo de abordagem fenomenológica, qualitativa, composto de revisão
bibliográfica sobre a política de saúde mental da PMPE, entrevista com o Chefe do
Núcleo de Saúde Mental e aplicação de formulários a dois policiais focais, sendo um
da capital e outro do interior do estado. Verificamos que embora a atuação dos focais
seja recente, vem trazendo impactos positivos, principalmente relacionados à
diminuição da distância entre o policial militar pernambucano e a rede de assistência
de saúde mental da Corporação.
1
Autora. Graduação em Processos Gerenciais pelo Centro Universitário Internacional
(UNINTER).
2
Autora. Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá. Pós-graduação em
Direito Público.
3
Coautora. Ten Cel da Polícia Militar de Pernambuco. Doutora e Mestre em
Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
29
Abstract
In this article, we discuss the role of focal officers and their impacts on mental
health care within the Military Police of Pernambuco, highlighting their
responsibilities and contributions to reducing stigmas related to mental illness
and increasing help-seeking behaviors. The increasing numbers of officers
experiencing significant psychological distress and mental disorders have
raised concerns among institutions, the media, and society at large. We
recognize that police work is characterized by high levels of stress and
involves direct exposure to violence and criminality. The focal officer initiative
is part of the "Tamo Junto" Program of the Military Police of Pernambuco and
is theoretically based on peer support methodology, focusing mainly on active
outreach and referral of officers to mental health services. This study adopts
a phenomenological, qualitative approach, consisting of a literature review on
the mental health policy of the Military Police of Pernambuco, an interview
with the Head of the Mental Health Unit, and the administration of
questionnaires to two focal officers, one from the capital and another from the
interior of the state. We found that despite being relatively recent, the work of
these focal officers has had positive impacts, particularly in bridging the gap
between the Pernambuco military police officers and the mental health care
network of the Corporation.
30
1 INTRODUÇÃO
31
Segundo publicação do Boletim do Instituto de Pesquisa, Prevenção e
Estudos em Suicídio, dados oficiais obtidos via Lei de Acesso à Informação,
apontam que entre 2018 e 2022, 508 profissionais de segurança pública
morreram vítimas de suicídio. Além desses, outros 138 profissionais da
reserva remunerada ou reformados, também foram vítimas de suicídio no
mesmo período (IPPES, 2023).
A relevância do problema e suas consequências para policiais militares
e para a sociedade em geral demonstram a urgente necessidade de
implementação de políticas públicas voltadas para a saúde mental desses
profissionais.
O cenário ora descrito motivou a implementação de ações da política
de saúde mental da Polícia Militar de Pernambuco, com a criação do Núcleo
de Saúde Mental TEN CEL PM Aline Maria dos Prazeres de Luna (NSM
PMPE), regulamentado através da Instrução Normativa nº 562, de 23 de
março de 2023, publicada no Suplemento Normativo nº G 1.0.00.013, de 24
de março de 2023, com o intuito de gerenciar, planejar, executar e monitorar
intervenções, ações preventivas e assistencial na Corporação.
A escolha do nome do Núcleo de Saúde Mental se deu em homenagem
a uma das duas vítimas fatais no ataque perpetrado por um policial militar com
perturbações mentais à sede do 19º Batalhão da Polícia Militar de
Pernambuco no ano 2022, que resultou em dois policiais feridos e nos
assassinatos da Major PM Aline e do Tenente PM Sousa. A Major PM Aline
era Oficial combatente e psicóloga que labutava há anos na causa da saúde
mental dos policiais militares pernambucanos e foi vítima do trágico episódio
de HS (Homicídio seguido de Suicídio) em 20 de dezembro de 2022 quando
de serviço no 19º Batalhão da PMPE (SANTOS, 2023, p. 80).
O NSM PMPE está subordinado à Diretoria de Assistência Social da
Corporação. Dentre um conjunto de ações implementadas pelo NSM PMPE,
estão além da gestão dos acompanhamentos psicológicos presenciais já
existentes, palestras sobre a temática da saúde mental voltadas para o efetivo
das unidades operacionais e administrativas da capital e interior, criação do
serviço de atendimento psicológico on-line e a implementação da iniciativa dos
policiais focais, através do Programa Tamo Junto, instituído através da
32
Portaria do Comando Geral nº 300 de 17 de Junho de 2024 e constitui o objeto
de discussão deste artigo.
Assim, este estudo discorreu acerca da atuação dos policiais focais e
seus impactos nos cuidados em saúde mental na Polícia Militar de
Pernambuco, destacando suas atribuições e contribuições para a diminuição
dos estigmas relacionados ao adoecimento mental e o aumento da busca de
ajuda.
Trata-se de estudo de abordagem fenomenológica, qualitativa, com
coleta de dados composta por revisão bibliográfica sobre a política de saúde
mental da Polícia Militar de Pernambuco, entrevista com o Chefe do NSM
PMPE e aplicação de formulário a dois policiais focais, sendo um da capital e
outro do interior do estado. O modelo de formulário que foi aplicado nesta
pesquisa, encontra-se incluído na seção de anexos deste artigo.
Todos os participantes desta pesquisa foram voluntários, leram e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo ainda
cientificados de que os dados obtidos seriam utilizados para fins de pesquisa
científica.
A fim de promover discussões acerca dos cuidados em saúde mental
dos policiais de Pernambuco, este estudo contextualizou o cenário dos
cuidados em saúde mental que ensejaram a criação da figura do policial focal
na PMPE, descreveu o processo de seleção e capacitação e as atribuições
desse profissional. O chefe do NSM PMPE foi entrevistado, assim como foram
aplicados também formulários de coleta de dados a dois policiais focais, sendo
um da capital e outro do interior do estado, usando como critério de escolha as
experiências de sucesso na atuação junto à tropa.
A atuação dos policiais focais da PMPE encontra base teórica na
metodologia de suporte entre pares. Os programas de suporte entre pares
existem há décadas nos Estados Unidos, embora ainda pouco implementados
e investigados no contexto policial brasileiro. Recentemente, esta metodologia
foi adotada como iniciativa de política de saúde mental da Polícia Militar de
Pernambuco.
Sobre o suporte entre pares, (WALLACE, 2016 apud MILLIARD, 2020,
p. 2) esclarece que:
33
No local de trabalho, o apoio de pares é sobre colegas de trabalho,
conhecidos como “pares”, que ajudam uns aos outros por meio de
discussões confidenciais. Na população em geral, os problemas
pessoais de um funcionário podem afetar seu desempenho no
trabalho e, se não forem controlados, esses problemas podem levar
a uma diminuição em sua capacidade de funcionar. O principal
objetivo de um programa de apoio de pares é resolver os problemas
dos funcionários e do local de trabalho antes que eles escalem para
níveis de crise, fornecendo uma rede extra de apoio no local de
trabalho.
34
2 O CONTEXTO DOS CUIDADOS EM SAÚDE MENTAL NA POLÍCIA
MILITAR DE PERNAMBUCO
35
mental geralmente se inicia com dificuldades no gerenciamento das emoções
e nos relacionamentos, dificuldades para realizar tarefas que antes
aconteciam de forma natural, alterações de sono, alimentação, humor, dentre
outras.
Entre os principais fatores da profissão que predispõem o policial militar
ao adoecimento psíquico estão os perigos vivenciados nas mais diversas
ocorrências, as cobranças por produtividade sem erros, assédio moral, falta de
reconhecimento social da profissão e o déficit de efetivo nas corporações,
causando sobrecarga de trabalho. Como consequência, observamos o
aumento do número de afastamentos do serviço, sofrimento psíquico relevante,
eventos suicidas, Depressão, Transtornos de Estresse Pós-traumático (TEPT),
Síndrome de Burnout, entre outros transtornos mentais.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 apontam que
no ano de 2022, no caso de policiais militares, foram 18 mortos em confronto
em serviço, sendo: 02 em Pernambuco, 01 na Bahia, 02 no Espírito Santo, 01
no Pará, 01 no Paraná, 01 no Piauí, 01 em Roraima, 1 em Minas Gerais, 02 em
Santa Catarina e 06 em São Paulo (MARTINS; CRUZ, 2023, p. 51).
No que diz respeito aos registros de suicídios entre policiais militares da
ativa, em 2022 foram registrados 69 casos, 09 a menos que em 2021, sendo
07 em Pernambuco, 01 no Amazonas, 06 na Bahia, 03 no Ceará, 03 no Distrito
Federal, 03 no Espírito Santo, 04 em Goiás, 02 no Maranhão, 02 no Mato
Grosso, 02 no Mato Grosso do Sul, 05 no Paraná, 05 no Rio de Janeiro, 01 no
Rio Grande do Norte, 05 no Rio Grande do Sul, 01 em Santa Catarina, 16 em
São Paulo e 03 em Sergipe. (MARTINS; CRUZ, 2023, p. 51).
O mesmo documento aponta para o fato de que, esses números ainda
são imprecisos, pois as subnotificações e os tabus relacionados ao suicídio
compõem um cenário de falta de clareza dos dados que afeta não só os
policiais, mas toda a segurança pública.
Segundo informações repassadas pela coluna Segurança, do Jornal do
Commercio, publicada em 18 de dezembro de 2023, por meio da Lei de Acesso
à Informação (LAI), a Polícia Militar de Pernambuco conta, atualmente, com
cerca de 16 mil militares na ativa. Os profissionais estão divididos em 52
unidades, dentre as quais temos a Banda de Música e 14 unidades
36
especializadas. Acerca desse efetivo, a PM somou 1.920 afastamentos por
adoecimento mental ao longo de 2022. A média diária foi de cinco dispensas
ou licenças médicas psiquiátricas (GUERRA, 2023).
O mesmo jornal também indicou que 4.454 profissionais buscaram
atendimento psiquiátrico no ano passado, número pouco superior a 25% do
efetivo total da Corporação. Os valores computados ao longo do ano de 2022
são similares aos observados no primeiro semestre de 2023. Ao todo, 2.013
policiais militares pernambucanos passaram por atendimento psiquiátrico em
2023 e 1.051 apresentaram atestados para dispensa ou licença médica
(GUERRA, 2023).
Há de se considerar que, ainda que expressivos, estes números não
constituem retrato fiel do quadro de adoecimento psíquico, visto que há
subnotificações, assim como policiais que não procuram as redes de
atendimento. Os policiais militares se queixam da jornada exaustiva de trabalho
com plantões extras nos horários de folga e da pressão por produtividade e
redução dos índices de criminalidade.
Diante desse cenário, cresceram os debates na sociedade e estudos no
meio acadêmico direcionados para a importância das ações voltadas aos
cuidados da saúde mental dos profissionais da segurança pública. Em nível
federal, há iniciativas como a Lei nº 14.531, sancionada em 11 de janeiro de
2023, que dispõe sobre a implementação de ações de assistência social, a
promoção da saúde mental e a prevenção do suicídio entre profissionais de
segurança pública e defesa social e para instituir as diretrizes nacionais de
promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança
pública e defesa social. A norma amplia e detalha o Programa Pró-Vida, criado
em 2018 para atenção psicossocial e de saúde no trabalho aos profissionais da
área, e inclui esses profissionais na Política Nacional de Prevenção da
Automutilação e do Suicídio.
No âmbito da Polícia Militar de Pernambuco, a oferta de atendimentos
psicológicos para policiais e seus familiares já é uma realidade estabelecida há
anos, através do CAS (Centro de Assistência Social), que em 2022 se tornou
Diretoria de Assistência Social através da Lei Complementar nº 483, de 30 de
março de 2022. Como já foi mencionado, anteriormente, com a criação do NSM
37
PMPE em março de 2023, a Corporação almejava não mais só oferecer a
assistência através dos atendimentos psicológicos já existentes, mas também
fazer a gestão da sua política de saúde mental.
Com o intuito de fazer gestão da política de Saúde mental da
Corporação, o NSM PMPE tem como principais funções: planejar e
implementar apoio contínuo às unidades operacionais e administrativas,
através de visitas itinerantes de equipes de saúde biopsicossocial, plantões
psicológicos, palestras e outras ações pontuais, conforme necessidade e
cronograma estabelecidos pela DAS; recepcionar demandas relativas à pauta
de Saúde Mental e Qualidade de Vida advindas da Secretaria de Defesa Social;
e Assessorar tecnicamente o Comandante Geral da Corporação em relação à
Saúde Mental e Qualidade de Vida do efetivo, através do Diretor de Assistência
Social.
A relevância do trabalho do NSM PMPE foi verificada nas ações
propostas pelo núcleo, dentre as quais podemos destacar: diagnosticar
comportamentos suicidas e intervir em favor da vida; direcionar atenção aos
sinais de adoecimentos; dar suporte ao policial militar em suas demandas
relacionadas aos desafios da vida policial; ser lugar de acolhimento,
valorizando a tomada de decisão por buscar ajuda psicológica como um
importante passo do processo de elaboração da experiência; ser agente de
mudança social, promovendo uma melhor qualidade de vida para o policial
militar, consequentemente para a sociedade, família e os espaços nos quais
esse agente está inserido; acolher o policial no momento da angústia, em que
algo peculiar emerge; e permitir ao policial falar de si e ser escutado sem
julgamentos.
Entre as inovações trazidas pelo NSM PMPE, apontamos a iniciativa de
criação do policial focal (PFOCAL). O PFOCAL é um agente importante na
identificação de policiais em sofrimento psíquico e/ou com sintomas de
transtornos psicológicos nas unidades administrativas e operacionais da
Corporação, visto que se trata de um policial militar da própria unidade, que
conhece as pessoas à sua volta, e possui relacionamento interpessoal
satisfatório, sendo capaz de conversar a respeito dos anseios e problemas
pelos quais esses profissionais porventura estejam passando.
38
Atualmente, a atuação do PFOCAL acontece como iniciativa dentro do
Programa Tamo Junto, instituído através da Portaria do Comando Geral nº 300,
de 17 de junho de 2024. O policial focal tem um papel relevante tanto na busca
ativa, ou seja, na identificação e encaminhamento de colegas em sofrimento
psíquico relevante ou com sinais indicativos de transtornos mentais, quanto no
direcionamento adequado e seguro dos colegas que buscarem orientação e/ou
ajuda para o atendimento oferecido pelo NSM.
A ideia é que estes policiais focais atuem como “braços” do NSM PMPE
nos batalhões e unidades policiais militares de todo estado, aproximando os
policiais militares pernambucanos das ações e iniciativas da política de saúde
mental da Corporação.
39
informações que julgue necessárias; zelar pelo tratamento humanizado, pela
discrição, respeito, dignidade e sigilo das informações a que tiver acesso por
ocasião da sua atuação como focal ou em qualquer outra circunstância; e
salvaguardar os dados de saúde mental da sua unidade a que tiver acesso
(DAS/MF NSM, 2023, p. 5).
Inferimos que a iniciativa do PFOCAL, além de se enquadrar na
metodologia do suporte de pares, é também um resgate da figura do antigo
graduado de ligação do CAS (Centro de Assistência Social) atualmente, DAS.
O graduado de ligação era o policial militar, geralmente um Sargento, que
atuava junto à tropa e servia como elo entre o efetivo da unidade e o Centro de
Assistência Social.
Assim como ocorria com o antigo graduado de ligação, o PFOCAL
promove a presença da Diretoria de Assistência Social nas diversas unidades,
agora com foco na política de saúde mental. Atualmente, identificamos diversas
ações, iniciativas e programas voltados à saúde do policial militar, que detém
características da metodologia do suporte entre pares, para promoção da
saúde mental, como por exemplo o Programa Anjos da Brigada Militar do Rio
Grande do Sul (BMRS), desenvolvido em 2020 para ofertar apoio emocional e
combater o elevado número de suicídios através da difusão de conhecimentos
e orientações sobre saúde mental e divulgação da rede de assistência
especializada. No ano de 2021, foi divulgada a Nota de Instrução nº 5.12 da
BMRS, com as diretrizes do Programa Anjos, que oferece apoio psicológico aos
policiais daquela força, inclusive de forma remota, através de um serviço
telefônico que funciona 24 horas por dia.
Atuando com objetivos semelhantes na pauta da saúde mental, e
compartilhando entre si da mesma filosofia, baseada no suporte entre pares, a
iniciativa do Policial Focal da Polícia Militar de Pernambuco e o Programa Anjos
da Brigada Militar do Rio Grande do Sul possuem similaridades e diferenças.
A Brigada Militar do Rio Grande do Sul, assim como a Polícia Militar de
Pernambuco, estabeleceu critérios para que seus policiais pudessem atuar
como facilitadores no Programa Anjos, concebido naquela instituição. Dentre
os quais existem a participação em um processo seletivo e conclusão com
aprovação no Curso de Capacitação em Saúde Mental elaborado pelo
40
Departamento de Ensino da Brigada Militar, respeito aos objetivos, estratégias
do programa, assiduidade mínima de 75% na carga horária de treinamentos
periódicos, entre outros.
A atuação do Facilitador do Programa Anjos ocorre concomitantemente
às suas funções ordinárias, sendo respeitado o seu horário de trabalho e não
devendo ser acionado em folgas, férias ou licenças. Além disso, os policiais
Anjos fazem atendimentos ou intervenções terapêuticas, ministram palestras a
respeito de saúde mental, entre outras ações.
Em síntese, um programa de suporte entre pares se propõe a resolver
os problemas dos trabalhadores, no ambiente laboral, antes que eles escalem
para níveis de crise, fornecendo uma rede extra de apoio no local de trabalho
(MILLIARD, 2020).
Acerca do suporte entre pares, Milliard (2020, p. 2) refere que:
Os programas de suporte entre pares oferecem aos policiais a
oportunidade de compartilhar suas experiências com outros policiais,
o que é importante porque os colegas policiais talvez sejam mais
capazes de se relacionar com as experiências de seus colegas no
cumprimento do dever.
41
mental dos policiais militares, assim dispostas:
VI - Oferecer serviços de referência propiciadores de vínculos
significativos, por meio de projetos terapêuticos que respeitem as
especificidades do policial militar e de sua relação com o trabalho;
(PMPE, 2023b, p.3)
42
PMPE.
Entendemos que não é fácil quantificar quantas vidas são salvas ou
ciclos de adoecimento são quebrados quando trabalhamos com prevenção. O
pouco tempo de atuação dos policiais focais na PMPE impossibilitam uma
análise quantitativa mais aprofundada sobre mudanças de comportamento do
efetivo da Corporação no que diz respeito à diminuição dos estigmas de saúde
mental e aumento da busca por ajuda psicológica.
A análise qualitativa dos dados aqui apresentados deu-se a partir dos
relatos das experiências de atores envolvidos na iniciativa do policial focal,
sendo eles o Chefe do NSM PMPE e dois policiais focais selecionados para
este estudo por se destacarem em suas atuações, sendo um em uma unidade
da capital e outro em uma unidade do interior do estado.
A escolha dos trechos de fala apresentados na seção de análise e
discussão deu-se por aderência destes aos objetivos da pesquisa, que por sua
vez, orientaram a definição das quatro categorias analíticas construídas para
fins deste estudo, sendo elas:
1) Atuação Prática: esta categoria de análise identificou aspectos das prá-
ticas diárias do PFOCAL e da gestão do NSM PMPE.
2) Barreiras: categoria de análise que identificou as principais dificulda-
des encontradas pelos profissionais nos cuidados de saúde mental
promovidos pelo NSM PMPE através da atuação do PFOCAL.
3) Necessidades e Perspectivas: categoria de análise que verificou as
atuais necessidades e perspectivas futuras para manutenção e ampliação da
iniciativa do PFOCAL na PMPE.
4) Impactos: esta categoria identificou relatos de experiências bem-su-
cedidas da atuação dos policiais focais com potencial de diminuição de
estigmas e aumento da busca de ajuda.
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policial militar que atua como PFOCAL também é muito importante para o
sucesso da iniciativa.
Os trechos de fala abaixo reproduzidos indicam a importância da seleção
adequada desse policial que deve ser sensível às problemáticas da saúde
mental. Também é indispensável que o PFOCAL esteja lotado na Unidade onde
ele irá atuar, visto que esta precisa conhecer e se aproximar dos colegas de
trabalho a fim de perceber mudanças de comportamento, eventos que afetam
os policiais de forma coletiva ou individual e outros sinais de alerta relativos à
saúde mental. Assim, este policial voluntário para exercer este encargo,
mantém uma relação de proximidade e confiança com seus colegas de ofício.
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Os termos em negrito foram destacados para dar ênfase a pontos específicos do
depoimento.
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acesso. de uma prática de suporte entre pares, como já descrito anteriormente.
Estes aspectos são observados nos trechos de fala a seguir.
O policial focal na sua essência tem que ser a diferença, tem que ser
aquele policial que todos possam contar com ele, o princípio da
confiança é fundamental, o policial além de tudo tem que ter a
confiança dos companheiros, provocando um impacto positivo no
meio de trabalho (Relato do participante PFOCAL Interior).
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invulnerável às adversidades da vida. Esta cultura da invulnerabilidade
favorece o preconceito e os estigmas em torno daqueles que apresentam
adoecimento psíquico, que podem ser julgados como fracos ou simuladores do
adoecimento mental por “macete6”.
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Os termos em negrito foram destacados para dar ênfase a pontos específicos do
depoimento. 6 Macete: Termo coloquial que significa a ação de simular, de agir de má-
fé, de usar artimanhas a fim de obter vantagens em benefício próprio.
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O desafio reside na necessidade de convencer esses escalões de que
investir em saúde mental não é uma perda de tempo, mas sim uma estratégia
valiosa para fortalecer o capital humano da organização.
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Criar atendimentos pré e pós-traumáticos quando os policiais
participam de ocorrência que impactam o seu emocional. Como
também, caravanas psicológicas, baseados nos relatórios dos focais
de cada unidade, sendo objetivo e preventivo no tratamento dos
policiais militares (Relato do representante PFOCAL interior).
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inclusive, é um dos principais problemas que indiretamente afeta os
aspectos psicológicos e sociais do policial. Então diariamente eu sou
procurado; não tem um dia em que ninguém tire uma dúvida, ninguém
me procure, que ninguém peça minha ajuda para eu ajudar
terceiros... A procura é bem constante (Relato do representante
PFOCAL capital).
O último trecho de fala desta análise discursiva dos dados relata parte
da experiência de atuação de um dos participantes deste estudo que descreve
a experiência como um “resgate”. Considerando que a quantidade de relatos
de experiências não caberia no envelope de tempo e formato deste trabalho, o
trecho a seguir foi selecionado por contemplar aspectos importantes da atuação
de um PFOCAL com um desfecho de sucesso nos cuidados em saúde mental
em um momento crítico.
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[...] Ele teve um surto que começou a jogar a cabeça na parede.
Nesse momento nós aproveitamos e conduzimos ele na hora para o
setor de psiquiatra e lá eu conversei com o psiquiatra dele. Falei que
a medicação aparentemente não estava mais surtindo efeito e
expliquei qual era a nossa função lá no batalhão, que era de focal e
tal, e o psiquiatra atendeu e melhorou a medicação... Hoje ele está
mais focado ainda, está readaptado. Ele ainda está sendo assistido
pela gente, mas ele, inclusive, recentemente, agradeceu dizendo: o
senhor me ajudou bastante, vem me ajudando bastante. Esse
resgate do companheiro é a minha maior recompensa como focal.
Caso o companheiro não tivesse apoio e assistência adequados, os
resultados dessa história podem ser trágicos para nossa instituição
(Relato do representante PFOCAL interior).
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3 CONCLUSÕES
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REFERÊNCIAS
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MILLIARD, Beth. Utilização e impacto dos programas de apoio de pares na
saúde mental dos policiais. Fronteiras na psicologia. v. 11, jul. 2020.
NÚCLEO DE SAÚDE MENTAL. Manual do Focal do NSM PMPE: Primeiro
Encontro de Policiais Militares Focais das OME. Pernambuco, 2023.
RIO GRANDE DO SUL. Brigada militar. Programa anjos. [s.d.]. Disponível em:
<https://www.brigadamilitar.rs.gov.br/anjos>. Acesso em: 10 dez. 2023.
WHO. The World Health Report 2001: Mental Disorders affect one in four
people. World Health Organization, set. 2021. Disponível em:
<https://www.who.int/news-room/detail/28-09-2001-the-world-health-report-
2001-mental-disorders-affect-one-in- four-people.> Acesso em: 15 dez. 2023.
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https://www.who.int/news- room/detail/28-09-2001-the-world-health-report-
2001-mental-disorders-affect-one-in- four-people. Acesso em: 15 dez. 2023.
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