Caso 1parecer Técnico Jurídico Conjunto

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Parecer Técnico Jurídico Conjunto

Assunto: Dispõe sobre as medidas praticadas pelas concessionárias de serviço de


energia, água e telefonia referente à inadimplência de terceiros e seus reflexos sobre o
proprietário do imóvel.

I-RELATÓRIO

Versa a consulta, para análise jurídica, sobre as medidas tomadas pelas concessionárias
de energia, água e telefonia ante o inadimplemento de conta contraída por terceiro.

As concessionárias interromperam o fornecimento dos serviços acima elencados, no


período em que a antiga moradora já tinha desocupado o imóvel e que estava sendo
ocupado, então, pelo proprietário.

As empresas alegam a necessidade de quitação de débitos anteriores, com juros e


correção monetária, para o reestabelecimento dos serviços.

É breve e necessário o relatório.

II- DA ABRANGÊNCIA E DA FINALIDADE DO PARECER

A presente manifestação jurídica tem o escopo de analisar as alegações das empresas


concessionária de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, e, assim, apontar possíveis
ilegalidades e recomendar providências, alertando o responsável, a quem compete
avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar as medidas recomendadas.

Ressalva-se que tal parecer não possui caráter vinculativo.

Ademais, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua


correção, se necessário for, e, o segmento das decisões sem a observância dessas
considerações será de responsabilidade exclusiva do contratante.
III- FUNDAMENTAÇÃO LEGAL E JURÍDICA

Inicialmente, ressalta-se que os serviços públicos de energia, água e telefonia são


serviços públicos essenciais e de especial importância para a toda coletividade.

Nos termos do art. 22 do CDC, os órgãos públicos, por si ou por suas concessionárias e
permissionárias, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros, e
quanto aos essenciais, contínuos.

Sendo assim, as medidas tomadas pelas empresas são ilícitas, uma vez que já está
consolidado o entendimento de que o interrompimento do fornecimento dos serviços
públicos essenciais só pode ser feito quando relativo à dívida atual e não a débitos
pretéritos.

Nesse sentido:
“2. O STJ pacificou o entendimento de que, na hipótese em que a concessionária
de serviço público interrompe o fornecimento de água como forma de compelir
o usuário ao pagamento de débitos pretéritos, é desnecessária a efetiva
comprovação dos danos morais, por constituírem dano in re ipsa." REsp
1694437/RJ
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.
INOCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE POR DÉBITOS
PRETÉRITOS. SUSPENSÃO ILÍCITA DO FORNECIMENTO. DANO IN RE
IPSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não
padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou
obscuridade, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 535 do CPC.
2. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que não é lícito à
concessionária interromper o fornecimento do serviço em razão de débito
pretérito; o corte de água ou energia pressupõe o inadimplemento de dívida
atual, relativa ao mês do consumo, sendo inviável a suspensão do
abastecimento em razão de débitos antigos.
3. A suspensão ilegal do fornecimento do serviço dispensa a comprovação de
efetivo prejuízo, uma vez que o dano moral nesses casos opera-se in re ipsa, em
decorrência da ilicitude do ato praticado.
4. Agravo Regimental da Rio Grande Energia S/A desprovido.
(AgRg no AREsp n. 484.166/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, julgado em 24/4/2014, DJe de 8/5/2014.)(o destaque não consta
no original)
Em relação ao fornecimento de energia, há, inclusive, a proibição de tal conduta,
conforme Resolução Normativa ANELL n.414/2010, artigo 172:

Art. 172. A suspensão por inadimplemento, precedida da notificação prevista no


art. 173, ocorre pelo:
(...)
§ 2º É vedada a suspensão do fornecimento após o decurso do prazo de 90
(noventa) dias, contado da data da fatura vencida e não paga, salvo comprovado
impedimento da sua execução por determinação judicial ou outro motivo
justificável, ficando suspensa a contagem pelo período do impedimento.

Dessa forma, passados mais de um ano dos débitos da antiga moradora, não cabe às
empresas interromperem os serviços.

Constata-se assim, grave violação aos princípios que regem a prestação de serviço
público, pois, conforme art.6º da lei n 8987/95 os serviços públicos têm de ser prestados
de forma adequada, eficiente e contínua e, a interrupção feita pelas empresas, no caso
em tela, configura uma prestação de serviço inadequada e com total desrespeito ao
usuário.

Também, nos termos do art. 22 do CDC, os órgãos públicos, por si ou por suas
concessionárias e permissionárias, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros, e quanto aos essenciais, contínuos.

Destaca-se ainda que, o usuário foi cobrado de forma abusiva, ou seja, as empresas
ameaçavam a interrupção dos serviços, o que, mais uma vez, demonstra grave violação
os princípios que regem a prestação serviços públicos, pois, de acordo com o Código de
Defesa do Consumidor, em seu artigo 42, caput, a cobrança de débitos não pode ser
feita mediante qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a


ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Inclusive, a ameaça ao consumidor por cobrança de dívida configura infração penal
conforme a aludida lei em seu artigo71.
Salientamos que os serviços elencados são prestados mediante contrato, isto é, de
caráter volitivo por quem quis usufruir do serviço, de modo que as concessionárias têm
direito à contraprestação pecuniária.

Assim, impõe a responsabilidade para o pagamento das contas àquele cujo nome consta
no cadastro junto à prestadora do serviço e, diante do inadimplemento e não
regularização da situação, as empresas têm o direito de processar o responsável pelo
pagamento das contas, que, no caso, é a antiga moradora, pois esse débito deve ser
cobrado de maneira judicial e não pode em nenhuma circunstância gerara suspensão ou
corte dos serviços.

Ademais, a nossa Constituição Federa dá a todos o direito de ação, conforme seu artigo
5º, XXXV.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


FAZER. SOLICITAÇÃO DE DESMEMBRAMENTO DO HIDRÔMETRO
VINCULADO A DUAS LOJAS DISTINTAS. PEDIDO ADMINISTRATIVO
NÃO ATENDIDO. CONDUTA IRREGULAR DA CONCESSIONÁRIA.
TENTATIVA DE IMPUTAR AOS CONSUMIDORES DÉBITO PRETÉRITO
DE RESPONSABILIDADE DE TERCEIRO. DÍVIDA PROPTER REM.
DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR. REEXAME DO CONTEXTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Na hipótese dos autos, nota-se que o entendimento do Tribunal de origem


está em consonância com a orientação do STJ no sentido de que a obrigação
de pagar o débito referente ao serviço de fornecimento de água e coleta de
esgoto se reveste de natureza pessoal e não propter rem, não se vinculando,
portanto, à titularidade do imóvel.

Assim, o atual usuário do serviço ou o proprietário do imóvel não podem


ser responsabilizados por débitos de terceiro que efetivamente o tenha
utilizado.
2. Extrai-se do acórdão vergastado e das razões de Recurso Especial que o
acolhimento da pretensão recursal demanda reexame do contexto fático-
probatório, especialmente para reavaliar o valor arbitrado a título de dano moral,
o que não se admite ante o óbice da Súmula 7/STJ.

3. Agravo Interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 1.979.031/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda


Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 27/6/2022.) (o destaque não consta no
original)

Na mesma esteira:

APELAÇÃO CÍVEL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO


MONITÓRIA. DÉBITOS DE ENERGIA ELÉTRICA. ILEGITIMIDADE
PASSIVA. ARTIGO 373, INCISO I, DO CPC. PROVA DA SOLICITAÇÃO
DO SERVIÇO. ÔNUS DA CEB. TERCEIRO CONSUMIDOR DA ENERGIA
ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE DO REÚ AFASTADA. 1. Trata-se de
apelação interposta contra sentença que rejeitou embargos à monitória ofertados
pelo apelante e constituiu de pleno direito o título executivo em favor da CEB
Distribuição S/A referente a débitos de energia elétrica. 2. A aplicação das
normas do Código de Defesa do Consumidor é ínsita à hipótese, visto que o réu
se enquadra na definição de consumidor, conforme o art. 2º do CDC, e a CEB na
definição de fornecedor de serviços, de acordo com o art. 3º do mesmo código.
3. O ônus da prova incumbe ao autor, isto é, à CEB, quanto ao fato constitutivo
de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil,
não havendo que se falar em inversão do ônus da prova, sobretudo em prejuízo
do réu, que é a parte vulnerável no processo, além de representar, no caso
específico prova impossível (diabólica) para o consumidor. 4. A Resolução
Normativa nº 414/2010 da ANEEL dispõe que a distribuidora deverá manter
atualizado, no mínimo, o CPF e a Carteira de Identidade ou outro documento de
identificação oficial com foto do usuário da unidade consumidora. No caso, a
apelada somente logrou demonstrar nos autos que o apelante solicitou o serviço
por meio de um "print" da tela de seu sistema interno, sem apresentar qualquer
outra prova da solicitação do serviço, seja por meio de gravação telefônica,
procuração, apresentação da cópia dos documentos pessoais do consumidor ou
sua assinatura, não se desincumbindo, assim, de seu ônus de provar a solicitação
do serviço. 5. Ademais, provado nos autos quem foi o verdadeiro
consumidor da energia elétrica, não cabe ao réu responder pelos débitos,
nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de
que o débito relativo à energia elétrica é de responsabilidade do usuário do
serviço, ou seja, de quem efetivamente obteve a prestação do serviço. 6.
Apelação conhecida e provida.
(Acórdão 1290315, 07088158920188070018, Relator: CESAR LOYOLA, 2ª
Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no DJE: 26/10/2020.
Pág.: Sem Página Cadastrada.) (o destaque não consta no original)

Os serviços públicos de energia elétrica, água e telefonia não possuem caráter de


obrigação propter rem, isto é, não estão ligados ao imóvel em si e, portanto, não se
vinculam à titularidade do bem, mas à vontade de quem quis receber o serviço, dessa
forma, tais serviços possuem natureza propter personam uma vez que constituem uma
obrigação pessoal.

Sendo assim, o proprietário do imóvel não terá de pagar os débitos anteriores para ter
religado os serviços, pois é ilícito a cobrança de dívidas contraídas anteriormente por
outros moradores a quem compete, exclusivamente, a responsabilidade pela
contraprestação dos serviços contratados.

Dessa forma, no caso em questão, a responsável pelas contas não pagas é antiga
moradora que residia no imóvel.

Inclusive, conforme resolução 414 da ANELL, artigo 128, §1º, a distribuidora não pode
condicionar a religação ao pagamento de débito pendente em nome de terceiro.

IV- CONCLUSÃO

Diante do exposto, verifica-se houve grave violação dos princípios públicos por parte
das concessionárias à medida que, ao interromperem os serviços devido à débito
pretérito e ainda ameaçando o usuário, descumprem o protocolo normativo da lei
8987/95, atr.6º, bem como, não possibilitam ao usuário o direito de receber as
informações corretas para a defesa de seus interesse, conforme disposto na aludida lei
em seu artigo 7º, I e II.
As atitudes ferem também o CDC, pois além de não fornecerem o serviço de forma
adequada e contínua, cobraram a dívida sob ameaça.

O proprietário tem direito ao reestabelecimento dos serviços sem arcar com débitos
anteriores em nome de terceiros, uma vez que a titular do serviço à época era a antiga
moradora, podendo, inclusive, comunicar às autoridades competentes a ilicitude do
interrompimento dos serviços e a cobrança indevida de débito de terceiro para a
religação dos serviços, conforme lei nº8987/95, art. 7º,V.

Devem as empresas reestabelecer os serviços, sendo que a cobrança e até mesmo a ação
judicial, se assim desejarem, serem interposta à antiga moradora que foi, efetivamente, a
usuária e titular dos referidos serviços públicos.

Não há dúvidas ainda, que a interrupção e deficiência comprovada nos serviços pode
ensejar pedido de indenização ao usuário, conforme artigo 927, CC, pois o
interrompimento de serviços essenciais impõe ao usuário/consumidor sérias restrições,
além de afetar a vida em sociedade.

Nesse sentido, também preconiza a Súmula do E. Tribunal de justiça do Rio de Janeiro:

Nº. 192 "A indevida interrupção na prestação de serviços essenciais de água, energia
elétrica, telefone e gás configura dano moral."

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