Escola Laica
Escola Laica
Escola Laica
Esta manifestação ocorre por causa de um pequeno texto elaborado por uma aluna que recebi na mídia social
Whatzapp, onde ela expressa seu descontentamento com questões de expressão de religiosidade presentes na
escola em que vivemos.
Em um primeiro momento este texto que escrevo é direcionado à discussão das questões levantadas pela aluna para
os colegas que estão vivendo comigo esta realidade (convenhamos, conviver comigo é uma tarefa pouco fácil). Mas
a abordagem também pretende certa universalização da forma de encarar tais questões.
Sei que, em se tratando de retórica, nunca devemos começar um discurso ou um texto nos desculpando pelas ideias
expostas. Assim, seguindo a regra, não irei me desculpar. Mesmo porque, não existem motivos para culpa.
Para tornar mais suave esta exposição, ao invés de me desculpar, vou pedir licença ao leitor para mostrar-lhes
simplesmente um ponto de vista. Trata-se de uma exposição desprovida de preconceitos, mas que busca abordar
certas inquietações presentes em nosso quotidiano em relação ao que se entende dos princípios norteadores do
Estado Laico e consequentemente a laicidade da escola pública, da liberdade de expressão e consequentemente
liberdade de expressão religiosa. Tema muito polêmico e controvertido, mas isso que torna a abordagem instigante,
não é?
Convido a todos a se desnudarem comigo de qualquer preconceito, abrir-se para uma visão de mundo, uma forma
talvez um pouco diferente, e comum, de encarar a realidade e, antes de tudo, tenha paciência, desarme-se e
permita-se discutir o tema. Não se trata de apenas expor um ponto de vista, mas uma tentativa de analisar melhor
tais questões presente na nossa realidade.
Antes de tudo, sou Cristão, Católico Apostólico Romano. No entanto, espero poder conduzir o discurso desvinculado
do ponto de vista pessoal, relativo à minha opção religiosa. Então se você está na expectativa da defesa de qualquer
religião budismo, cristianismo, espiritismo, testemunha de Jeová, judaísmo, candomblé, o texto não atenderá suas
expectativas. Para esse tipo de abordagem já temos muitos defensores e um simples vídeo do Youtube basta.
Ao que interessa então!
Podemos classificar o texto da aluna como um texto existencial, que tem o propósito de buscar sentido, dar
significado para a própria vida. Muitos encontram sentido escrevendo um texto, através da religião, lutando por
causas sociais, ensinando, nas ciências ou buscando a estética artística.
O problema se encontra no fato de que todas estas coisas podem dar sentido à vida, mas ao mesmo tempo
nenhuma delas pode. A pergunta existencialista é: e se não temos propósito algum definido? Pronto está instaurada
a crise existencial!
No caso, a aluna busca o sentido para a vida se distanciando das questões religiosas o que permite a ela confundir o
conceito de o que é laico e liberdade de expressão religiosa. Apesar de ela, no decorrer da argumentação, propor a
pesquisa de outras matrizes religiosas, o objetivo do texto não é a abertura religiosa ou o afastamento da expressão
religiosa na escola e sim buscar um sentido para a sua própria vida, a qual ela julga ser discriminada pelas suas
atitudes e seus pensamentos.
O fundamento contido no texto é a crise existencial vivida pela aluna que não admite qualquer livre expressão
religiosa e está alicerçada na ideia de ser a ciência a única via de possibilidade de dar sentido à vida. Muita calma
nesta hora! Como vimos até mesmo a ciência é falha neste contexto.
Grande parte do texto da aluna, muito bem escrito por sinal, foi retirado da rede mundial de computadores como do
BLOG do O Globo. Isto não invalida a argumentação, mas mostra o viés ideológico presente nele.
A aluna critica a manifestação religiosa de alguns colegas. O que acredito serem totalmente descabidas. Conheço as
pessoas a que ela se referiu e não vejo nenhum fundamentalismo religioso na expressão de religiosidade dos
professores e alunos, tanto dos que ela citou quanto qualquer um de nossa escola.
Em suma ela coloca a culpa do desgosto de sua vida no outro. E isso é bíblico! Adão coloca a culpa do pecado original
no próprio Deus e em Eva. “Foi a mulher que me deste!”, afirma. Ela, por sua vez, coloca a culpa na serpente.
A aluna alega que se sente excluída por se declarar ateia. O que merece maior atenção de nossa parte para a
situação psicológica da mesma. Percebam que o problema não está centrado na questão da laicidade da escola e sim
na questão pessoal de rejeição que a aluna sente na relação com os colegas e as demais pessoas. Não seria ela que
não se permite o relacionamento com pessoas que não concordam com ela?
O texto deve ser encarado como um desabafo. Reafirmo é muito mais uma questão existencial do que moral, ética,
política ou religiosa. O foco é outro. Convido a todos os colegas a prestarem mais atenção na aluna neste sentido e
buscar alternativas para evitarmos nova triste experiência de um MAL MAIOR.
Por fim, antes de adentrarmos nas questões de interesse, quero ressaltar que o assunto já foi tema de discussão
minha com a aluna e dessa discussão muita coisa foi abordada por ela no texto, inclusive certa reformulação do
conceito de laico por parte dela. Por isto vejo a necessidade de escrever este texto em particular.
Pois bem, a maioria das pessoas confunde o conceito de laico e atribuem à questão do Estado Laico a ausência de
religião. Não é o caso. O Estado Laico é aquele que não se fundamenta em uma religião específica, seu contrário é
conhecido como estado fundamentalista como o Estado Islâmico, no qual os indivíduos que integram tal corrente
professam uma só visão religiosa.
O Estado Laico, no entanto, é aquele que permite que as várias religiões convivam harmoniosamente, bem como
aqueles que possuem uma visão agnóstica ou que negam a existência de Deus, se preferirem, um “ser superior”
(pessoalmente não gosto dessa expressão).
Portanto, o Estado Laico é justamente o contrário daquela concepção, do que aquelas pessoas que se opõem a uma
concepção religiosa da vida pensam. O problema está no fato de quando os argumentos levados a essa discussão são
fortes o suficiente para desarmar a visão agnóstica (e o são), são taxados de religiosos, ou melhor dizendo,
fundamentalistas. Como por exemplo, a oposição ao argumento da prova da existência de Deus. “Então prove que
Deus existe!” Ora provar a existência de Deus é tão difícil quanto provar que Ele não existe. “Então prove que Ele
não existe!”
O argumento religioso é válido e deve ser ouvido. Ele se propõe, como dissemos, a dar certo sentido à vida, tal como
outros discursos, o estético, o político, o social e o científico. Ao ouvir o argumento religioso devemos ter certa
cautela, pois nem sempre que se expressa tais argumentos se faz um discurso religioso. Ao contrário o que se
intenta é certa racionalização da realidade, principalmente em relação às condutas, tidas sobre este ou aquele ponto
de vista.
Se de repente ousamos retirar, proibir qualquer livre expressão de pensamento religioso passamos a ser tão radicais
quanto os fundamentalistas religiosos. Logo serei proibido de usar meu escapulário!
Ora uma coisa é apresentar o discurso de forma a induzir, persuadir o outro a aceitar certa religião, outra
completamente diferente é trazer a tona tais pensamentos e expressá-los, seja onde for, trazendo para o centro da
discussão, não a questão geral de crer ou não, mas a mais específica contida internamente no argumento.
Vejamos!
Quando alguma pessoa que possui uma vida religiosa pronuncia algum argumento citando alguma máxima, por
exemplo, Bíblica como: Não julgueis para não serdes julgado, pois com a medida com que medirdes vos mediram
também a vós! Ante este argumento o defensor do agnosticismo dirá: Este é um argumento religioso e você está
impondo sua religião a todos! Nosso defensor do Cristianismo dirá: Este argumento é válido porque foi Cristo quem
ensinou e Cristo é Deus e Deus é a verdade!
Entretanto, não precisamos entrar no embate religioso neste sentido. Este argumento também é um raciocínio
moral, uma regra de conduta que visa o bom convívio entre as pessoas, conduz a um propósito de vida dando
sentido a ela. E no debate religioso esta perspectiva argumentativa é que também válida. Diga-me sinceramente, há
algum mal nisso?
Religião é isso, uma religação. Deriva do latim religare, tornar a ligar e possui pelo menos dois sentidos. Primeiro, a
religação do homem com Deus. Segundo unir o homem a seu próximo. Deus pode ser entendido como o tal “ser
superior”, mas também pode significar um entendimento de algo maior presente na realidade, para além da vida
imediata, universal (onipresente, onisciente e onipotente). O que implicaria na tentativa de universalização da
conduta para proporcionar união entre os homens.
Veja que neste sentido o argumento insere um propósito na vida das pessoas, a prosperidade. E que sem ele a vida
se tornaria vazia.
Parafraseando o professor, Ariano Suassuna: Sem este tipo de pensamento a visão do mundo se torna amarga, dura,
atormentada e sangrenta, a vida não teria sentido e bastaria a morte, o que tiraria qualquer sentido da existência. O
grande problema filosófico sério é o suicídio, este é um problema grave, pois o sujeito avalia o mundo, avalia ele
mesmo, e acha que nada vale a pena.
Nem sempre, como dissemos alhures, quando alguém fortifica seu argumento no pensamento religioso está fazendo
discurso religioso. Não podemos deixar de tocar nestes assuntos, porque muitas vezes um professor de escola
pública tem medo de tocar nestas questões e ser diminuído profissionalmente, porque a mentalidade é aquela em
que o Estado Laico não possui religião e tocar nestes assuntos é um sacrilégio (desculpe o trocadilho). Tanta polidez
hipócrita do politicamente correto, onde deveria haver a simplicidade do respeito a liberdade de expressão.
Está passando da hora de dizer a que veio, para que possamos evoluir enfrentando estas questões sob a ótica da
liberdade de expressão. A ciência não é a negação da fé, essa concepção, que interessa muita gente, estreita e
pequena não só na falta de consideração da grandeza do desenvolvimento que os argumentos religiosos fornecem
para entender o mundo, mas de não permitir ou tentar excluir do meio que vivemos a religiosidade inerente ao ser
humano.
Uma coletânea de cartas presentes em um livro denominado “Ciência e Fé”, que inclusive apresentei a um colega
professor de física, Professor Renato, e que por sinal foi escrito por ninguém mais, ninguém menos que Galileu
Galilei, onde ele defende a teoria Geocêntrica de Copérnico perante o clero, ele demonstra sua crença em Deus e
nas Escrituras e argumenta que devemos discutir como entrar no céu e não falar sobre as coisas do céu.
Não seria esta a proposta do debate religioso? Saber qual a melhor forma de agir para atingirmos a prosperidade
entre nós e dar sentido, significado à vida? Buscar o melhor da vida?
Este livro possui um argumento superinteressante. Galileu afirma que o problema não está na Palavra de Deus, ou
nas Escrituras, elas dizem a verdade, o problema se encontra na forma como interpretamos o que está escrito, nossa
interpretação é limitada e muitas vezes obtusa em nossos (pré)conceitos.
E não é isso mesmo? Prendemo-nos a um só ponto de vista e qualquer outro que se oponha a ele é condenado e
rechaçado. Seja pelo lado fundamentalista religioso, seja pelo radicalismo agnóstico. Não ouvimos e nem admitimos
que o argumento oposto seja válido. Não aceitamos que tais argumentos permitem que nós possamos refletir sobre
nossos pensamentos e atos, em suma que ele tenha validade no nosso meio.
Infelizmente o que vemos é uma sociedade cada vez mais vazia, sem propósito, amargurada diante de toda
realidade de corrupção, abusos econômicos, ideologias mesquinhas, culpando sempre a expressão do pensamento
religioso, onde reina a falta fé. Principalmente no homem e na humanidade. Resultado da estúpida visão de mundo
que desconsidera e impede a livre expressão do pensamento se fechando a toda possibilidade. Foi isto que pude
perceber que o texto da aluna deixou claro no desenvolvimento de sua argumentação.
Pensem!
Mauro Ribeiro Chiari