O Jogo Da Oralidade Na Prática Do Contador de Histórias
O Jogo Da Oralidade Na Prática Do Contador de Histórias
O Jogo Da Oralidade Na Prática Do Contador de Histórias
CONTADOR DE HISTÓRIAS
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal
colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do
artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os
textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
ImprimirTexto-A+A
RESUMO
E hoje com esse universo de livros, e-books, redes sociais e possibilidades, onde
está a oralidade?
O texto escrito não vem pronto para ser contado, a ditadura da palavra não pode
talhar a imaginação, a memória e as emoções. Entretanto é muitas vezes isso que
acontece, pois o professor/contador pensa que para contar uma boa história deverá
decora-la, palavra por palavra e reproduzi-la tal qual está no livro, para ser fiel a
obra. E acaba sendo tão radical nesta escolha que perde neste processo toda a
grandeza da experiência de desenvolvimento da oralidade através fluência verbal
natural encaminhada pela memória. O termo oratura, como nos traz Fabiano
Moraes, foi:
(...) proposto pelo linguista uganes Pio Zirimu nas universidades de Makerre em
Uganda, na década de 60(...). Oratura, ou oralitura, surge como alternativa á
expressão literatura oral por apresentar-se mais apropriada para o fim a que se
propõe- designar um conjunto de formas verbais orais, artísticas ou não.
E fala desta literatura oral, deste texto em construção que respeita a história, mas se
apropria dela para uma experiência completa e pessoal a cada narração. Pois afinal
estamos falando de um exercício de oralidade e não de literatura.
E mesmo assim a cada dia contamos pouco e ouvimos menos ainda. Afinal temos a
escrita, a leitura, a literatura e assim “frequentemente, desprezou-se este especial
caudal expressivo [o da tradição oral], em virtude da letra impressa: é importante,
porém destacar o valor da voz.” (REYZÁBAL, 1993, p.259). Contar histórias é bem
menos frequente, principalmente nas escolas, do que ler histórias. E mais que isso a
importância dada à literatura ultrapassa em todas as instancias a importância da
oralidade como caminho de expressão e transmissão de conhecimento.
Olhamos para uma prática narrativa e nos sentimos impotentes, presos ao papel,
incapazes de nos jogarmos neste universo que flui e faz com que nós percamos
nossa zona de conforto e nos tornemos agentes da realização. E não estamos aqui
negligenciando a literatura ou comparando quem pode ser melhor. Longe disso.
Existem horas para se ler histórias e horas para conta-las. O importante é saber que
se tratam de estilos completamente diferentes e que nossa relação com o conto,
com a história também é diferente a cada um.
Mas e então como se estabelece essa relação diferenciada, que parece tão natural,
mas que anda cristalizada?
O espaço que se abre na prática da narração oral é o da arte da palavra falada. Assim
como a literatura não é apenas comunicação escrita, narração oral é aqui entendida
como “oratura”: um espaço de recriação simbólica e estética, que ganha sentido como
troca entre o artista e o público, a exemplo de outras artes, numa relação direta (...)
poderemos pensar talvez que a oratura estaria para a fala como a literatura está para a
escrita. (BELLO, Sergio, p.159, Baús e Chaves da Narrativa)
O contador brocoleur é aquele que ativa sua percepção para chegar à história e ao
ouvinte, sua capacidade de observação, sua curiosidade e trava como diria Regina
Machado (...) uma conversa imaginativa entre o que vemos nas formas e nas
nossas imagens internas (...) e ao restaurar a capacidade de brincar recupera o que
há de artesanal na palavra (BAUS E CHAVES, PG.92) Porque é importante lembrar
sempre que contar uma história deve ter todo o engenho de contar um fato da vida
pessoal para alguém querido, com envolvimento, emoção, naturalidade e
vulnerabilidade e não se faz isso com receitas de bolo decoradas. Quando optamos
por não decorar e sim se apropriar da história damos espaço para a história se
expandir e chegar ao coração do ouvinte.
O que mais costuma apavora quem está começando neste oficio de contar histórias é a
memorização do texto. Se o texto tem um autor e sua construção revela uma forma pessoal
de escrita e uma “arquitetura” peculiar, a contação não pode ignorar isso. Decorar muitas
vezes, compromete a naturalidade da fala, mas é necessário, sobretudo nos textos mais
poéticos. (SISTO, pg.61, 2012)
Quando Cisto nos fala que decorar compromete a história, mas que é necessário em alguns
casos penso que não seja “necessário” a palavra mais adequada. Acredito que decorar
sempre será uma opção acompanhada de outros caminhos como a apropriação, que
mesmo em textos mais literários da uma mobilidade oral a história, que utilizada em recurso
de oralidade deve ser contação de histórias e não leitura dramática, uma arte relativamente
nova e impregnada de pontos como o da declamação, que na maioria das vezes,
principalmente em contadores iniciantes gera mecanização.
MEMÓRIA E EMOÇÃO: RECORDAR PARA NARRAR
Descobrir então suas histórias descobrir-se como um ser contante para dai assim
descobrir e contar outras histórias. Afinal cada contador de histórias terá seu estilo
único e intransferível e a partir do seu perfil e preferencias vai desenvolver seu
estilo. Deste modo alguém que gosta de música pode utiliza-la nas histórias ou
alguém que gosta de objetos pode trazê-los para sua performance. O importante é
fazer essas escolhas sempre colocando a história em primeiro lugar. Faz-se parte
do meu gosto e estilo e cabe dentro da história, se faz necessário, então é válido.
E além de descobrir o contador que serei posso através deste mergulho pessoal nas
minhas próprias histórias recuperar e valorizar a minha memoria pessoal e a
memoria das sociedades orais onde estou inserido. Até porque “preservar a
memoria é ser revolucionário e sem memória não há pensamento, sem pensamento
não há ideias, sem ideias não há imaginação e sem imaginação não há futuro.”
(VELOSO, pg. 01)
A ativação da memoria faz o contador entender que é um ser que conta, que é
repleto de histórias e que já está inerente em si o poder de evocar as palavras
faladas. O poder da narrativa. A atualização de lembranças e a ativação de
memórias poéticas que nos libertam de amarras e pudores permitindo que a
narrativa seja intensa e que o contador possa ser conduzido por sua história abrindo
os olhos e o coração de quem ouve.
Quando escolhemos por contar histórias, optamos por uma série de resgates: recuperar
nossa infância, reencontrar nossos folguedos, medos, mitos e, assim, refazer nossa
trajetória afetiva; redefinir nossa imagem social diante daquilo que nos tornamos;
revisitar nossa noção de cidadania para redimensionar nossas crenças na palavra como
no gesto sonoro capaz de se propagar ao infinito, incitar mudanças e recompor o lugar
de seres criadores que todos ocupamos no mundo. (CISTO, PG.26)
Ao pensar no uso expressivo de um corpo que contará histórias, sim porque mesmo
sentado em uma cadeira durante toda a narrativa, existe um corpo que se expressa
e que se foi nutrido pela apropriação, estimulação da memória e pela criatividade
deve conseguir exteriorizar estas descobertas. E é neste ponto que o teatro pode
ser muito útil á contação de histórias. Sua maior contribuição diz respeito às
potencialidades corporais e vocais que podem ser estimuladas.
Possibilidades é este o pedido da história que tem ânsia por ser contada. Ela deseja
que o corpo experimente. Experimente o pé que pode voar e ser uma borboleta, as
mãos que demonstram ódio de um jeito único ou os passos que andam na prancha
do pirata. E este corpo só irá experimentar se permitir a descoberta, se lidar com
exposição, se olhar o mundo com olhas de criança e voltar a jogar. A brincar.
Liberando as tensões socialmente impostas. Caminho este que vai sendo possível
neste processo de jogo da oralidade que encaminha o contador de dentro para fora.
Da experiência com a memoria vem agora a descoberta de um repertório pessoal
de movimentos e gestos, que possam ser vivenciados e experimentados assim
como a palavra, não reproduzidos nem mecanizados. Sem espaço então para
clichês e estereótipos.
O mesmo caminho deve ser tomado pela voz. Do teatro podem vir técnicas de
auxiliem a voz a se destacar no grupo tendo força de emissão. Que auxiliem a
articulação, pronúncia das palavras e construção de uma fluência verbal que está
ligada a capacidade de falar bem sem tensões e amarras. Uma voz que brinque,
que descubra novas vozes a cada personagem evocado e que, sobretudo seja
canal de passagem de toda a emoção e memórias contidas em cada história. O
fator mais determinante nesta busca é o uso da respiração. Que ao ser trabalhada
diminui as tensões vocais e corporais, estimula o jogo e inibi a ansiedade e o
nervosismo que minam a experiência da exposição.
Ou seja, a linha que separa ou une o teatro e a contação de histórias é tênue ou até
inexistente, afinal a origem do teatro é tão primitiva e popular quanto a da contação
de histórias, e aqui o que nos interessa são os elementos de jogo e improvisação
presentes em ambos e essenciais para um bom contador de histórias.
REFERÊNCIAS
FARIA, Alessandra Ancona. Contar Histórias com o Jogo Teatral. São Paulo:
Perspectiva, 2011.
SAWYER, Ruth. The Way of the storyteller. New York : Penguin Books, 1990.
SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias (3ª edição,
revista e ampliada). Belo Horizonte, Aletria, 2012.
SHEDLOCK, Marie L.. The Art of the Story-teller. New York: Dover Publications,
1951.
http://www.portalabrace.org/vcongresso/textos/processos/Flavio%20Ribeiro%20de%
20Souza%20Carvalho%20-%20O%20Ator%20Bricoleur.pdf – em 12/07/2014
Daniele Pamplona Soares é Pós-graduanda em Contação de Histórias e Literatura Infantil Juvenil. Atriz
formada em Artes Cênicas pela FAP-PR, diretora e produtora teatral. Contadora de histórias há 20 anos e
professora de teatro com mais de 25 anos de experiência na formação de crianças, jovens e adultos.