v7 Djonatan G4
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A invenção da heterossexualidade
Resumo
O objetivo desse trabalho é apontar elementos históricos da invenção da heterossexualidade
a partir de uma crítica ao binário natureza x social, que impregna o sentido de sexualidade
posto pela lógica ocidental. A crítica caminha-se para compreender a sexualidade como parte
integrante da produção e reprodução das relações sociais capitalistas, e que a busca de uma
política radical de libertação sexual, não só das identidades, mas também das práticas sexuais
e do prazer, prescinde, a superação das desigualdades socioeconômicas, instituídas, pela
propriedade privada e as opressões sociais.
Palavras-chave: Heterossexualidade, Invenção, Natureza, Social
Introdução
*
Contato: [email protected].
Desenvolvimento
A sexualidade pode ser pensada enquanto “um fato somático criado por um
efeito cultural” (FAUSTO-STERLING, 2002, p. 60). Isso para que possamos falar de
sexualidade, considerando que existem:
“hormônios, genes, próstatas, úteros e outras partes e fisiologias do corpo
que usamos para diferenciar o macho da fêmea, que se tornam parte do
campo de que emergem variedades de experiências e de desejo sexual.
Além disso, variações em cada um desses aspectos da fisiologia afetam
profundamente a experiência individual do gênero e da sexualidade”
(FAUSTO-STERLING, 2002, p. 62).
puramente biológicos” (RUBIN, 2017, p. 79). O limite é quando nosso olhar sobre
essas dimensões fisiológicas já está demarcado por ideias “pré-existentes sobre a
diferença sexual” (FAUSTO-STERLING, 2002, p. 64), demarcando a noção de
natureza, biologia, imaginário e que afetam diretamente nossa capacidade de
transgressão e liberdade. Assim, para este trabalho, sexo não está para a natureza
como gênero está para a cultura. A leitura crítica é que a produção do entendimento
de natureza e cultura acompanha os processos sociais, econômicos e políticos e a
finalidade que essa dualidade pode proporcionar para o projeto societário em
desenvolvimento. Até por que objetiva-se entender essas dualidades
“natureza/cultura”, “normal/anormal”, “homo/hetero”, “cis/trans” enquanto
dialéticas.
A forma dicotômica do pensamento europeu e norte-americano é forjada
sobre o dualismo, isto é, “pares de conceitos, objetos ou sistemas de crenças
opostos. Este ensaio enquadra especialmente três deles: sexo/gênero,
natureza/criação e real/construído. Em geral usamos os dualismos em alguma forma
de argumento hierárquico” (FAUSTO-STERLING, 2002, p. 60). Nessa forma de pensar,
sexo é fruto da natureza e da diferença biológica, enquanto gênero é uma criação da
cultura, são os moldes nos quais as diferenças sexuais tornam-se práticas sociais.
Nessa imbricação, a atividade sexual precisa de uma coerência, tanto no âmbito do
binário natureza/cultura quanto sexo/gênero, o que implica numa naturalização de
um tipo de prazer como natureza, a heterossexualidade. Como destaca Haraway
(2004, p. 211 – 212), gênero é um conceito “intimamente ligado à distinção ocidental
entre natureza e sociedade ou natureza e história, via distinção entre sexo e gênero”,
onde sexo estaria intimamente ligado à natureza enquanto gênero à sociedade ou
história.
Haraway destaca que as disputas na agenda feminista da tensão entre
determinismo biológico versus construtivismo social, são marcadas tanto pelo
paradigma da “identidade de gênero”, elaborado pelo psicanalista Robert Stoller em
1958, em que esse conceito está marcado pela “distinção biologia/cultura, de tal
modo que sexo estava vinculado à biologia (hormônios, genes, sistema nervoso,
morfologia) e gênero à cultura (psicologia, sociologia)” (2004, p. 216), quanto nos
marcos de um mundo pós-guerra, “no qual os fundamentos das vidas das mulheres
num sistema dominado pelos homens, num mundo capitalista, estavam passandopor
reformulações básicas” (Haraway, 2004, p. 216). Contexto esse que aprofunda as
disputas, as categorias e seus entendimentos, mas também demarca:
uma vasta reformulação liberal das ciências da vida e das ciências sociais
no desmentido do pós guerra, feito pelas elites governamentais e
profissionais do ocidente, das exibições de racismo biológico de antes da
Segunda Guerra. Essas reformulações deixaram de interrogar a história
sócio-política de categorias binárias tais como natureza/cultura, e também
sexo/gênero, no discurso colonialista ocidental. Este discurso estrutura o
mundo como objeto do conhecimento em termos da apropriação, pela
cultura, dos recursos da natureza (HARAWAY, 2004, p. 217)
A invenção da heterossexualidade
ela não aparece para designar uma identidade coletiva ou individual, mas como
controle de práticas sexuais e instauração de regimes de poder político-econômico
sobre essas práticas. Posto assim, ao se tornar um regime de controle, poder, norma,
símbolo e discurso, esse conjunto político acaba por se tornar uma identidade sexual,
de autorregulação e regulação de outros corpos, no âmbito da procriação,
reprodução, desejo, erotismo e identidade. Como apresenta Oscar, (2017), enquanto
mito/invenção, a heterossexualidade serve para manter a estabilidade das coisas “a
heterossexualidade justifica uma ordem social intocável. Intocável porque não é
questionado nem avaliado; é aceito sem mais, como os mitos são aceitos” (p. 17 – 18
(TN))
Para Katz, três argumentos são estruturais para a “invenção” da
heterossexualidade e sua naturalização contemporânea, por se apresentarem no
imaginário como estruturas sempre existentes, universais e postas como
necessidade:
(1) a sobrevivência da espécie humana torna a heterossexualidade uma
necessidade constante;
(2) todas as sociedades reconhecem as diferenças básicas entre os seres
humanos dos sexos masculino e feminino – essas diferenças biológicas e
culturais são a fonte de uma sexualidade perpétua que é hetero;
(3) o prazer físico proporcionado pela união entre um homem e uma
mulher continua a ser a base imutável de uma heterossexualidade eterna.
(KATZ, 1996, p. 25).
por exemplo das colônias na Nova Inglaterra (1607 – 1740), onde a ordem sexual era
de ordem reprodutiva, então a regulação sexual preocupava-se com os processos de
fecundidade e esterilidade, “a organização dos sexos e de sua atividade erótica na
Nova Inglaterra era dominada por um ditame reprodutivo” (KATZ, 1966, p. 27).
Afirma o autor que, nessas colônias, “o desejo erótico por membros do mesmo sexo
não era visto como um desvio, porque o desejo erótico por um sexo diferente não
era visto como uma norma. Mesmo dentro do casamento, nenhum objeto erótico do
outro sexo era por si mesmo totalmente legítimo” (KATZ, 1966, p. 50). A regulação
não era em torno do prazer ou de uma identidade, mas sim em torno da reprodução
e, por consequência, as partes sexuais, “as partes privadas do corpo eram
consideradas oficialmente órgãos reprodutivos, não instrumentos de prazer
heterossexual” (KATZ, 1996, p. 50).
A sodomia era vista como um “paradigma ruim de energia desperdiçada no
prazer não produtivo” (KATZ, 1996, p. 51). A sodomia, como outras práticas —
masturbação e adultério —, eram perseguidas, não por conformarem uma
identidade, uma orientação, mas sim por constituírem um paradigma ruim para a
continuidade da reprodução e das colônias: “[o] contraste operante nessa sociedade
era entre a fecundidade e a esterilidade, não entre o erotismo dos sexos diferentes e
iguais” (KATZ, 1966, p. 27). É válido destacar que sodomia não é sinônimo de
homossexualidade, nem de anormalidade:
Antes da heterossexualidade, não havia nada, exceto o pecado da
sodomia. Sodomistas são aqueles que questionam o plano divino na terra:
<< crescer e multiplicar >>. No entanto, nem aqueles que cometeram o
pecado da sodomia nem aqueles que quebraram o jejum cristão eram
diferentes do resto da população. Em parte porque a noção de sodomia
engloba uma ampla gama de comportamentos pecaminosos muito
diferentes e, em parte, porque a sexualidade <<normal>> ainda não havia
sido definida(ÒSCAR, 2017, p. 22 (TL)).
Conclusão
Bibliografia