Resumo Expandido IC

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

PERFIL DA VIOLÊNCIA INFANTOJUVENIL NO BRASIL:

ESPECIFICIDADES DA ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR

Clarice Pereira Marques 1


Rita de Cássia Pereira Farias2

Resumo

O presente texto refere-se aos resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica realizada entre 2022 e 2023.
Como a atuação em situações de violência contra o público infantojuvenil envolve o Conselho Tutelar, buscou-se
analisar as especificidades da atuação desta instituição, visando compreender os limites e possibilidades da ações
desse órgão em um município de médio porte, localizado na Zona da Mata mineira. Este estudo tem caráter
exploratório descritivo, realizado através de entrevista semiestruturada aplicada aos conselheiros tutelares do
município. Os resultados mostram que o Conselho Tutelar analisado está fragilizado, tendo uma alta demanda de
trabalho e insumos insuficientes para todas as necessidades existentes na localidade. Conclui-se que o Conselho
Tutelar deste município não alcança todo o seu potencial e que são muitas as problemáticas que provocam essa
situação, mas que através das ações colegiadas e da luta pelas garantias dirigidas às crianças e adolescentes, é
possível construir um futuro melhor.
Palavras-chave: Conselho Tutelar. Infantojuvenil. Limites. Possibilidades.

Abstract

This text refers to the results of a Scientific Initiation research carried out between 2022 and 2023. As action in
situations of violence against children and young people involves the Guardianship Council, we sought to analyze
the specificities of this institution's actions, to understand the limits and possibilities of action of this body in a
medium-sized municipality, located in the Zona da Mata of Minas Gerais. This study has an exploratory, descriptive
nature, carried out through semi-structured interviews applied to the municipality's guardianship counselors. The
results show that the Guardianship Council investigated is fragile, with a high demand for work and insufficient
inputs for all the needs existing in the locality. It is concluded that the Guardianship Council of this municipality does
not reach its full potential and that there are many problems that cause this situation, but that through collegiate
actions and the fight for guarantees aimed at children and adolescents, it is possible to build a better future
Keywords: Guardianship Council. Children and Youth. Limits. Possibilities.

INTRODUÇÃO

Para compreender as especificidades da atuação do Conselho Tutelar (CT), é


necessário discutir a história da conquista de direitos infantojuvenis no Brasil, que é recente e
ainda enfrenta muitos desafios. Crianças e adolescentes se caracterizam enquanto minoria
social, visto que, por séculos não foram reconhecidos enquanto sujeitos de direito,
conquistando legalmente essa posição no Brasil apenas a partir da Constituição Federal (CF)
de 1988. Por esta razão, este campo temático é vasto para análise e precisa ter suas

1
Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de Viçosa. Email: [email protected].
https://orcid.org/0009-0009-3427-1080.
2
Doutora em Antropologia pela Unicamp.Graduada e mestre em Economia Doméstica. Graduada em Serviço
Social pela Universidade Federal de Viçosa. Professora associada da Universidade Federal de Viçosa. Atua
principalmente com os temas: direitos humanos, violência e gênero. Líder do grupo de pesquisa do CNPq
"Trabalho, sociabilidade e gênero". Email: [email protected]. https://orcid.org/0000-0002-8108-5370.
limitações e potencialidades identificadas para que seja possível superar as adversidades
ainda vivenciadas no cotidiano da infância e adolescência brasileiras.
A fim de contribuir para esse debate, o presente estudo buscou analisar as
especificidades do Conselho Tutelar de um município interiorano, de médio porte, localizado na
Zona da Mata mineira. A escolha desta instituição, criada a partir da promulgação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, foi feita devido ao grande papel exercido por ela
no âmbito da proteção do referido segmento etário. Responsável por zelar pelo cumprimento
das garantias conferidas aos infantes e jovens, o CT é um órgão permanente, não jurisdicional
e autônomo (ECA, 1990).
Além disso, tem papel indispensável no enfrentamento às violências vividas pelas
crianças e adolescentes. Na cartilha “Violência contra a criança e o adolescente. Não dá pra
engolir esse choro” (2018), realizada pelo Governo no Paraná em parceria com o Conselho
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Paraná (CEDCA-PR) e com o Disque
Denúncia 181 para a campanha “Não engula o choro”, é explicitado que o CT tem papel
fundamental nos casos de violência contra crianças e adolescentes, visto que todas as
notificações de agressões contra infantes e jovens, sejam elas suspeitas ou confirmadas,
devem ser encaminhadas a este órgão. Assim, o CT deve estar qualificado para identificar e
caracterizar as situações de violência para agir de acordo com seu papel de atuação. A cartilha
ressalta ainda que a criança ou adolescente vítima de violência deve ser inserida o quanto
antes em uma rede de cuidado dentro da Rede de Proteção e deve ter um acompanhamento e
monitoramento de todos os envolvidos, buscando pelo rompimento com o ciclo da violência.
Por ser um facilitador do acesso das crianças e adolescentes aos seus direitos, é
imprescindível que a instituição se encontre em padrões ideais de funcionamento, pois só
assim será possível assegurar àqueles que se encontram em condição peculiar de
desenvolvimento a Proteção Integral (ECA, 1990) da qual são detentores.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A história social da infância no Brasil possui suas particularidades devido ao processo de


formação sócio-histórica deste país, que passou por intenso e bárbaro processo de
colonização. Neste sentido, a ausência do sentimento de infância também ocorreu no Brasil
colônia, especialmente com as crianças indígenas e escravizadas, que eram desumanizadas,
justificando assim a exploração das mesmas pelo corpo social (Linhares, 2016).
As crianças indígenas ficaram, de certa forma, sob a proteção dos padres jesuítas, que
se encarregaram de ensinar a eles a religião cristã e a realizar alguns serviços, o que
concomitantemente levou-os a um processo de aculturação e valorização apenas dos
costumes europeus. Apesar disso, os colonos enxergavam os indígenas como selvagens, e por
esta razão, após a expulsão dos padres jesuítas do Brasil, a educação dos povos originários
ficou esquecida por muitos anos (Linhares, 2016). Já as crianças escravizadas recebiam o pior
tratamento, sendo submetidas ao trabalho assim que conseguiam realizar qualquer atividade.
Assim, eram tratadas com indiferença, violência e ficavam completamente desassistidas
(Linhares, 2016).
Entende-se então que, no Brasil, as crianças e adolescentes tiveram tratamentos
degradantes, inclusive vindo do Estado, pois a primeira Lei brasileira voltada para a criança e o
adolescente foi o Código de Menores de 1927, popularmente conhecido como Código de Mello
Mattos, que adotou a Doutrina da Situação Irregular, ou seja, apenas aqueles considerados
desajustados aos padrões de vida em sociedade eram alvo da “proteção” do Estado. Assim,
mostra um caráter repressivo e punitivista, especialmente para as crianças pobres que, em
suma, eram as que viviam as situações descritas nessa normativa. O Código de Menores de
1979, também fez uma manutenção da mesma lógica punitivista e policialesca da infância e
adolescência pobres, assim como a Lei anterior. Esta lógica se pautava no fato de que,

[...] no Brasil, mesmo em se tratando de uma industrialização tardia, a criança passou a


ser vista como futura mão-de-obra para a indústria, e a capacidade de trabalho se
apresentou, de acordo com a ideologia dominante, como o único bem da população
empobrecida. [...] Era preciso incutir a disciplina do trabalho nas crianças, objetivando a
“proteção da sociedade” contra “futuros” delinquentes ociosos. (Melim, 2012, p. 168-169)

Após intensas mobilizações e lutas sociais, cabendo aqui destacar os Movimento


Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que surgiu em 1985 em meio ao processo
de redemocratização do país e foi responsável por fazer

[...] oposição ao modelo de natureza assistencialista e repressor da política oficial do


período anterior. Sua concepção político-pedagógica pretendia que a criança e o
adolescente se constituíssem como protagonistas, sujeitos históricos do seu processo de
crescimento e elementos ativos na defesa dos seus direitos de cidadania. Defendia,
ainda, a garantia da participação popular na elaboração e na gestão da política para as
crianças e os adolescentes no Brasil. (Nicodemos, 2020, p. 183)

Neste aspecto, o MNMMR surgiu em meio a um contexto político-econômico de disputa


pelos recursos públicos, visto que, com a chegada do neoliberalismo ao país, os movimentos
sociais e populares precisaram ocupar espaço político representativo para defender seus
interesses e se posicionar contra o afastamento do Estado de sua responsabilidade na
promoção, execução e fiscalização das políticas públicas, deslocando-as para o âmbito
assistencialista (Nicodemos, 2020). Assim, a base deste movimento se organizava através dos
próprios meninos e meninas em conjunto com militantes da causa, incluindo educadores,
agentes sociais, entidades e etc. De acordo com Nicodemos (2020), suas reivindicações
tinham por objetivo a ampliação e a garantia do acesso de crianças e adolescentes à
cidadania, por isso debatiam temas como saúde, educação, família, trabalho, violência e
organização. Assim o MNMMR fez parte da luta para a elaboração de uma nova Carta Magna,
recolhendo assinaturas para encaminhar ao governo emendas populares que visavam a
proteção infantojuvenil (Nicodemos, 2020).
Essa pressão popular implicou na criação do Art. 227 da Constituição Federal de 1988,
dando origem à Doutrina da Proteção Integral, materializada no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) de 1990, conjunto normativo que proporcionou diversos avanços para a
progressão dos direitos infantojuvenis. Foi a partir do ECA que surgiram várias instituições
voltadas à garantir a Proteção Integral, dentre elas o Conselho Nacional do Direitos da Criança
e do Adolescente (CONANDA), os Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CEDCA) e os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CMDCA), responsáveis por definir as diretrizes para a Política de Promoção, Proteção e
Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes em cada uma das esferas que representam,
bem como fiscalizar as ações do poder público que se refiram aos direitos infantojuvenis em
cada um destes setores, sendo todos esses órgãos deliberativos, formados através da
participação pública e sem remuneração (BRASIL, 1990).
O Conselho Tutelar, entidade objeto do presente estudo, também foi instituído pelo ECA
em 1990, tendo como principal função zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e
adolescentes em todas as esferas, cobrando que seja efetivada a prioridade absoluta desse
segmento no acesso às garantias a ele direcionadas. De acordo com o ECA (1990), cada
município deve ter um CT, no mínimo, composto por 5 conselheiros e deve haver um CT para
cada grupo de 100 mil habitantes Serão selecionados aqueles mais votados, eleitos em data
unificada pela sociedade civil através de voto facultativo para mandatos de 4 anos. As eleições
são realizadas sempre no ano posterior ao das eleições presidenciais, sendo permitida a
recondução nos processos de escolha. O ECA coloca como requisitos para se candidatar ao
CT residir no município em que for candidato, ter reconhecida idoneidade moral e ter idade
superior a vinte e um anos. Na Resolução n° 231 de 2022, o CONANDA também sugere que a
administração municipal, em Lei, exija como requisitos adicionais para a candidatura o ensino
médio completo e experiência prévia na proteção, promoção ou defesa dos direitos
infantojuvenis.
Outra ação tomada a fim de fortalecer a implementação do ECA, foi a criação do
Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) em 2006, pela
Resolução n° 113 do CONANDA. O SGDCA é imprescindível, visto que visa integrar e articular
todos os órgãos e profissionais que atuem na salvaguarda dos direitos dos infantes e jovens,
com o objetivo de concretizar a Proteção Integral. O SGDCA funciona através da
intersetorialidade entre os serviços de saúde, segurança, educação, assistência social,
trabalho, lazer e todas as outras instituições ou profissionais que atuem sobre os interesses
das crianças e adolescentes, buscando enfrentar as desigualdades, a exploração e violência
cometida contra elas.
Neste sentido, o CT é parte medular do SGDCA, especialmente porque, dentre suas
várias atribuições, uma delas está explícita no Art. 136, III, a, do ECA: “requisitar serviços
públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança”. Ou
seja, o CT é a porta de entrada da criança ou adolescente para o acesso aos serviços dos
quais carece. Infere-se então que os componentes do SGDCA precisam compreender que é
necessária a articulação entre profissionais e que nenhuma instituição pode alcançar sozinha
os seus objetivos. Este alcance só ocorrerá através da articulação entre todas as instâncias de
proteção. Sem uma rede protetiva forte e articulada, não será possível promover a proteção
integral, pois não haverá continuidade, complementaridade e integralidade (Bidarra; Dourado,
2022).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa, de caráter exploratório-descritivo, possui uma análise qualitativa dos


dados coletados. Vale ressaltar que este é um resumo expandido e não apresenta a totalidade
dos dados obtidos, apresentando-se aqueles considerados mais relevantes. Utilizou-se
inicialmente uma pesquisa bibliográfica para ampliar os conhecimentos acerca dos objetivos
propostos. Posteriormente, foram realizadas entrevistas a partir de um roteiro semi estruturado,
que permitiu uma maior flexibilidade para fazer questionamentos sobre aspectos que
merecessem ser melhor esclarecidos que viessem a surgir no momento da entrevista. As
entrevistas foram efetivadas na sede do Conselho Tutelar, após autorização da instituição,
junto à totalidade das conselheiras tutelares que cumpriam o mandato de 2020 a 2023,
correspondendo a cinco mulheres. As entrevistas foram gravadas por meio de um dispositivo
móvel e posteriormente foram transcritas para possibilitar a categorização dos dados e sua
análise.
O projeto de pesquisa foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa, aprovado sob o registro CAAE
68974223.8.0000.5153.

RESULTADOS E ANÁLISES
Todas as cinco integrantes do CT que cumpriam o mandato de 2020 a 2023 eram do
sexo feminino e possuem idades entre 35 e 45 anos. Diversos autores (Santos et al, 2019;
Oliveira, 2022; Medeiros, 2003; Campos, 2014) destacam que é comum que as mulheres
sejam mais presentes nos CTs e este efeito parece estar diretamente ligado à história das
mulheres nas políticas públicas.
Martins (2011) evidencia que as mulheres foram historicamente inseridas nos serviços
de assistência social, pois eram consideradas as mais capazes para desempenhar as relações
de cuidado. Ou seja, as embrionárias políticas sociais públicas de assistência possuíam esse
viés de benesse e as mulheres passaram a assumir um papel de extensão da maternidade
para a sociedade, sendo este maternar social uma aptidão vista como inerente à natureza
feminina, assim como o trabalho doméstico. Carloto e Mariano (2010) explicam que a
assistência social está voltada à reprodução da vida, assim como as funções de cuidado dentro
da família, que são ligadas às mulheres com base em uma suposta vocação para tal, e este é
um dos motivos pelos quais “perante a política, a família é identificada pela figura da mulher, e
não pela do homem” (Carloto; Mariano, 2010, p. 463), desempenhado este papel também na
execução das políticas sociais públicas.
Apesar de Medeiros (2003) acreditar que este fator seria positivo, por a conselheira
transmitir confiança, segurança e equilíbrio para seus usuários através dessa figura materna, é
possível inferir que o CT, enquanto instituição que promove ações de assistência à sociedade,
acaba sendo ocupado majoritariamente por pessoas do gênero feminino por causa de uma
formação ideológica de que a prestação destes serviços está relacionada à um cuidado
maternal instintivo, e não como uma atividade para a qual é preciso se qualificar
profissionalmente a fim de garantir direitos à criança e ao adolescente, colocando a capacidade
da mulher de realizar trabalhos complexos em descrédito.
Em relação à capacitação para o exercício da função, as participantes afirmaram que
receberam capacitações, mas que atualmente não há uma boa continuidade nesse processo
formativo e muitas dessas capacitações tiveram que ser pagas pelas próprias conselheiras de
forma opcional. Elas destacaram que a administração municipal não tem disponibilizado
recursos para que todas possam ter capacitações online ou em outras cidades da região. Essa
situção fere o Art. 4, § 1º, b, c, da Resolução n° 231 de 2022 do CONANDA que determina o
que a Lei Orçamentária Municipal deve prever os custos com a formação continuada dos
conselheiros, bem como os custos de seu deslocamento para outras regiões quando
necessário. Isso mostra uma negligência cometida pelo poder público deste município, já que,
como exposto no ECA (1990), a formação continuada é um dos pontos essenciais para que os
profissionais possam auxiliar na criação e execução de novas políticas públicas e ações de
proteção infantojuvenil que coíbam o uso do castigo físico, o tratamento cruel e degradante,
além de difundir formas não violentas de educação das crianças e adolescentes. Algumas
participantes afirmaram que seria de extrema importância que houvessem treinamentos
anteriores à posse para prepará-las para assumir o cargo, algo que não ocorreu.
Sobre a infraestrutura do CT, todas as conselheiras responderam que os equipamentos
técnicos não são suficientes para atender adequadamente às demandas. As fragilidades
citadas foram a falta de computadores mais atualizados, muitas dificuldades com impressoras
antigas e falta de cartuchos de tinta, falta de telefones nas salas das conselheiras e a falta de
um espaço mais lúdico e apropriado para fazer a recepção e o atendimento das crianças,
adolescentes e seus pais/responsáveis. Além disso, o espaço do CT não é próprio, mas
alugado pela prefeitura, sendo este um aspecto preocupante, visto que a instituição fica à
mercê do proprietário do imóvel que pode precisar dele a qualquer momento. Por isso, o ideal é
que o órgão permaneça em local fixo que seja referência para a população, para que não haja
dificuldades ou enganos no momento em que a sociedade precise acessar os serviços. O local
onde o CT se encontra é de difícil reconhecimento para o acesso, pois está localizado em salas
de um prédio comercial, sem nenhuma placa de indicação que deixe explícita a existência do
CT naquele local, aspectos estes que se contrapõem à Resolução n° 231 do CONANDA.
Outro aspecto desvelado durante as entrevistas é que as conselheiras possuem um
arranjo de subdivisão dos casos, visando facilitar o trabalho e o atendimento, pois a demanda é
muito alta e elas não conseguiriam assistir às 6 mil famílias que são acompanhadas pelo CT.
Mas, afirmaram que se reúnem quando se sentem inseguras em relação à medida a ser
aplicada em determinado caso. Neste sentido é imprescindível frisar que “um conselheiro não
pode, enquanto conselheiro, fazer nada sozinho, porque o que ele faz é decidir coisas e a lei
não lhe dá atribuições individuais, senão atribuições em colegiado, representando a
comunidade para evitar que se cometam omissões e abusos” (Sêda apud Farhat, 2011, p.
149). Nascimento e Scheinvar (2007) apontam que essa prática tem sido comum nos CTs do
Brasil, demonstrando dificuldade por parte dos profissionais em realizar um trabalho coletivo.
Foi abordado ainda como está a alimentação do Sistema de Informação Para a Infância
e Adolescência (SIPIA-CT) neste CT. criado em 1996, é uma importante ferramenta de registro
e tratamento de dados relacionados às violências sofridas, assim como das medidas de
proteção aplicadas às crianças e adolescentes do Brasil. Sua meta é sistematizar essas
informações para gerar um panorama qualificado, fidedigno e objetivo da situação
infantojuvenil, bem como conseguir reconhecer de forma rápida e prática as violações em nível
nacional, estadual e municipal, facilitando na destinação de recursos para atender as
demandas apresentadas em cada um destes setores. Sendo o CT um órgão que tende a
receber esses casos de forma imediata, a instituição é a principal responsável pela inserção
dos dados no Sistema.
Neste sentido, questionou-se as conselheiras tutelares sobre a alimentação do SIPIA
pelo CT do município analisado. A resposta unânime foi de que o Sistema não é alimentado.
Essa resposta foi confirmada quando se buscou por dados do município na página do Sistema
e nenhum dado foi encontrado em quaisquer das categorias existentes. Enquanto duas
entrevistadas não sabiam dizem o motivo da falta de alimentação, três apontaram como
impedimentos dificuldades em inserir as informações de outros órgãos da Rede de Proteção,
falta de uma pessoa responsável por este trabalho, capacitações vagas e insuficientes para
ensinar o manuseio do Sistema e falta de melhores equipamentos materiais.
É importante destacar que na própria página inicial do site do SIPIA-CT, que funciona em
formato online, há um manual disponível que detalha pedagogicamente como se cadastrar e
começar a utilização do Sistema, sendo o próprio conselheiro tutelar responsável pela criação
de seu acesso, sendo que, após o envio das documentações necessárias e a comprovação de
sua identidade, o conselheiro já fica habilitado a utilizá-lo. Vale destacar também, como fonte
para consulta a Resolução n° 178 de 2016 do CONANDA, que estabelece parâmetros e
recomendações para implantação, implementação e monitoramento do SIPIA-CT.
Foi possível verificar ainda que, apesar de quase todas as participantes dizerem que não
sabem explicar o motivo para a criação do SIPIA-CT e sua importância, elas mencionaram que
reconhecem que há prejuízos de não alimentação do sistema e apontam o risco da perda dos
dados que só ficam registrados em papel, a falta de políticas públicas mais adequadas à
realidade do município, a redução da eficiência da proteção à infância e juventude, maior
dificuldade de compartilhar as informações com os outros órgãos de proteção e até mesmo
dentro do próprio CT, falta de padronização das documentações, a impossibilidade de obter
dados de famílias que venham de outros municípios e maior dificuldade em consultar os casos
e fazer encaminhamentos.
Assim é possível perceber que há uma contradição entre saber quais as consequências
da falta de alimentação do SIPIA-CT e dizer que não se sabe porque ele foi criado e sua
importância, porque a importância está diretamente ligada aos impactos negativos da falta de
alimentação do mesmo. Neste sentido, há uma falta de confiança em responder a respeito da
pertinência do referido Sistema. Para mais, vale ressaltar que, sabendo das consequências
causadas pela não alimentação do SIPIA-CT, e compreendendo que isso é uma violação à
proteção infantojuvenil, há uma falta de responsabilidade por parte das conselheiras, há uma
falta de dimensão da indispensabilidade de se preencher o Sistema. Este aspecto merece mais
atenção e seriedade, não bastando saber os impactos negativos, mas buscando superar o
problema e agir, colocando em prática a alimentação do SIPIA-CT.
A falta de alimentação do SIPIA-CT é comum, como mostrado nos estudos de Reis
(2012), Paiva (2011), Richene Neto (2022) e Garcia e Oliveira (2017), que puderam observar a
mesma problemática, ou seja, CTs de outras regiões do país também não fornecem dados para
o SIPIA-CT e/ou encontram dificuldades para fazê-lo. Sendo assim, entende-se que o CT, que
deveria ser um órgão de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, acaba sendo um
violador dos direitos desse segmento populacional, visto que o SIPIA-CT é uma ferramenta
imprescindível para compreender as demandas apresentadas por este público, especialmente
porque ter essas informações sistematizadas em uma plataforma de fácil acesso para consulta,
ajuda a aplicar os recursos públicos de forma mais eficiente e eficaz, evitando a utilização
desacertada do mesmo em ações que não se encaixem nas necessidades apresentadas no
referido município, ou seja, que não atendam aos interesses das crianças e adolescentes desta
localidade.
A respeito das fragilidades que limitam o cumprimento das atribuições do CT, as
conselheiras apresentam algumas problemáticas que contribuem para a falta de cumprimento
pleno das incumbências do CT: falta de conhecimento de outras instituições e da população
sobre as atribuições do CT; falta de efetividade no cumprimento das políticas públicas,
especialmente pela Rede de Proteção; falta de apoio e incentivo pela administração municipal
em suas atividades, de forma financeira ou não; baixa quantidade de capacitações para
qualificação profissional; precariedade da Rede de Proteção no âmbito do espaço e dos
materiais de trabalho, assim como de equipe técnica; e o número pequenos de conselheiras
para demandas altas.
Frente ao questionamento das potencialidades observadas no CT do referido município,
as conselheiras destacaram as seguintes práticas: aplicação das medidas de proteção; o bom
atendimento ao usuário na instituição; a aplicação correta do protocolo de atendimento aos
casos de violência estabelecido no município; e os encaminhamentos para os órgãos
encarregados. Apesar disso, todas compreendem que ainda há limitações e que, mesmo esses
serviços que elas consideram bons, acabam sendo fragilizados em razão de todos os
problemas citados anteriormente, acarretados pelo enfraquecimento das políticas públicas.
Uma delas chega a dizer que, ela em particular, consegue realizar uma boa comunicação com
a rede, mas que outras colegas não possuem a mesma facilidade, utilizando esse exemplo
para expressar que é difícil elencar as potencialidades do CT.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo apresentou-se o sentido da Proteção Integral, com foco na relevância do


trabalho realizado pelo CT enquanto órgão que atua no enfrentamento à violação de direitos da
criança e do adolescente, aplicando medidas para a proteção dos direitos da infância e
juventude.
Foi possível compreender que ainda são muitas as fragilidades encontradas na atuação
do CT de acordo com as profissionais atuantes, sendo elas: a falta de capacitações; a alta
demanda para um número pequeno de conselheiras; o escasso conhecimento populacional e
da Rede de Proteção sobre as atribuições do CT; falta de efetividade nas políticas públicas de
proteção, inclusive por parte do SGDCA; falta de apoio e incentivo do Poder Público municipal
em suas práticas, financeiramente ou não; precariedade da Rede Protetiva no espaço e nos
materiais de trabalho, bem como no corpo técnico.
Apesar das fragilidades, não se pode cair no fatalismo e desacreditar da possibilidade
de melhoria das ações de proteção social. A esperança por melhores condições, em que as
crianças, adolescentes e suas famílias desfrutem de uma vida digna deve conferir a força e o
combustível para que as práticas conselhistas sejam em prol de uma sociedade mais justa e
igualitária, livre de violências, omissões e exploração, ressarcindo o direito violado, mas
principalmente atuando de forma preventiva à violação dos direitos infantojuvenis.
Dito isso, revela-se que o CT é um equipamento político, não no sentido partidário, mas
no sentido de lutar pelo aprofundamento da democracia com representatividade, das ações
colegiadas em sua área de atuação, da estruturação adequada da Rede de Proteção. Ou seja,
os conselheiros podem decidir o caminho que querem seguir em seu exercício profissional: da
moralização, da burocratização, da culpabilização, da omissão, da imediaticidade, entre outros,
mas também pode ser do fortalecimento dos direitos, da desburocratização, da compreensão,
da diligência, do aprendizado e etc. Sendo assim, sua atuação não é neutra.
Apesar disso, entende-se que, em uma sociabilidade moldada pelo capital, algumas
limitações se apresentam para que haja um funcionamento pleno do CT, a exemplo da alta
demanda de trabalho e o desmantelamento das políticas públicas. No entanto, a união e
mobilização destes e de todos trabalhadores tem o poder de mudar essa realidade e os meios
para isso devem ser avistados, para que não sejam perdidas as garantias conquistadas para
as crianças e adolescentes que não podem se defender sozinhos.
Além disso, destaca-se por último que a atuação do CT não deve se esgotar nos
encaminhamentos, pois além de fazer o acompanhamento das famílias, promovendo maior
proteção, a instituição também precisa se posicionar, neste contexto de correlação de forças,
em favor à defesa intransigente dos direitos das crianças e adolescentes.
Encoraja, por fim, que toda a sociedade civil ocupe os espaços de participação social na
política de atendimento às crianças e adolescentes, e que não sejam omissivos em casos de
violação e exploração infantojuvenil.

REFERÊNCIAS

BIDARRA, Zelimar Soares; DOURADO, Ana Lucia Dourado. A intersetorialidade na arquitetura da


política de atendimento à criança e ao adolescente. IV Seminário Nacional: Serviço Social, Trabalho
e Política Social – SENASS. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2022.

BRASIL. [Constituição de 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal, 1988.

BRASIL[Constituição de 1934]. Lei n° 6.697, de 10 de Outubro de 1979. Institui o Código de Menores.


1979

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1990.

BRASIL. Resolução n.° 113, de 19 de Abril de 2006. Dispõe sobre os parâmetros para a
institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Brasília, CONANDA, 2006.

BRASIL. Resolução n.° 178, de 15 de Setembro de 2016. Estabelece parâmetros e recomendações


para implantação, implementação e monitoramento do Sistema de Informação para Infância e
Adolescência. Brasília, CONANDA, 2016.

BRASIL. Resolução n.° 231, de 28 de Dezembro de 2022. Altera a Resolução nº 170, de 10 de


dezembro de 2014 para dispor sobre o processo de escolha em data unificada em todo o território
nacional dos membros do Conselho Tutelar. Brasília, MMFDH/CONANDA, 2022.

CAMPOS, Daniel de Souza et al. Análise da atuação do conselho tutelar diante das notificações de
abuso e exploração sexual. Tese de Doutorado. Instituto Fernandes Figueira. 2014. Disponível em:
<https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/10962/daniel_campos_iff_mest_2014.pdf?sequence=
2&isAllowed=y>. Acesso em: 05 de set. de 2024.

CARLOTO, Cássia Maria; MARIANO, Silvana Aparecida. No meio do caminho entre o privado e o
público: um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Revista Estudos
Feministas, v. 18, p. 451-471, 2010.

CEDCA-PR; PARANÁ, Governo do Estado; DISQUE DENÚNCIA 181. Violência contra a criança e o
adolescente. Não dá pra engolir esse choro. 2018. Disponível em:
<https://www.justica.pr.gov.br/Pagina/Campanha-Nao-Engula-o-Choro-2018>. Acesso em: 05 de set. de
2024.
FARHAT, Eliane Coimbra. Os Conselhos Tutelares e a proteção de crianças e adolescentes: a
experiência de um município do Sul do Estado do Rio de Janeiro. In: SOUZA FILHO, R. de .; SANTOS,
B. R. dos; DURIGUETTO, M. L. Conselhos Tutelares: desafios teóricos e práticos da garantia de
direitos da criança e do adolescente. Juiz de Fora: UFJF, 2011.

GARCIA, Joana; OLIVEIRA, Camila. Aspectos da (des) proteção de crianças e adolescentes no Brasil
uma leitura sobre as demandas dirigidas aos Conselhos Tutelares. Ser Social, v. 19, n. 40, p. 146-167,
2017.

LINHARES, Juliana Magalhães. História social da infância. Sobral: Inta, 2016. Disponível em:
<https://md.uninta.edu.br/geral/historia-social-da-infancia/pdf/historia-social-da-infacia.pdf>. Acesso em:
05 de set. de 2024.

MARTINS, Ana Paula Vosne. Gênero e assistência: considerações histórico-conceituais sobre práticas e
políticas assistenciais. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 18, p. 15-34, 2011

MEDEIROS, Gustavo Schneider de. O perfil do Conselheiro Tutelar do Vale do Taquari (RS). 2003.
Disponível em: <http://www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1279044753.pdf>. Acesso em:
05 de set. de 2024.

MELIM, Juliana Iglesias. Trajetória da proteção social brasileira à infância e à adolescência nos marcos
das relações sociais capitalistas. Serviço Social e Saúde, v. 11, n. 2, p. 167-184, 2012. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/sss/article/view/8635161/2974>. Acesso em: 05 de set.
de 2024.

NASCIMENTO, Maria Lívia do; SCHEINVAR, Estela. De como as práticas do conselho tutelar vêm se
tornando jurisdicionais. Aletheia, n. 25, p. 152-162, 2007. Disponível em:
<https://www.redalyc.org/pdf/1150/115013454012.pdf>. Acesso em: 05 de set. de 2024.

NICODEMOS, Alessandra. Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua: aspectos históricos e


conceituais na defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. Revista Brasileira de
História & Ciências Sociais, v. 12, n. 24, p. 170-197, 2020. Disponível em:
<https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/11892/8352>. Acesso em: 05 de set. de 2024.

OLIVEIRA, Antônio Adaísio de. O papel do Conselho Tutelar e do Conselho Municipal dos Direitos
da Criança do Adolescente no âmbito do município de Trairi-Ceará. Trabalho de conclusão do
Curso (Especialização em Garantia dos Direitos e Política de Cuidados à Criança e ao Adolescente).
Faculdade de Educação, Universidade de Brasília. Brasília, p. 29. 2022. Disponível em:
<https://bdm.unb.br/bitstream/10483/31990/1/2022_AntonioAdaisioDeOliveira_tcc.pdf>. Acesso em: 05
de set. de 2024.

PAIVA, Arquimedes Belo. Políticas de proteção à infância: o Conselho Tutelar de Ceilândia como foco
de análise. In: SOUZA FILHO, R. de .; SANTOS, B. R. dos; DURIGUETTO, M. L. Conselhos Tutelares:
desafios teóricos e práticos da garantia de direitos da criança e do adolescente. Juiz de Fora:
UFJF, 2011

REIS, Lilian Vitali dos. Os conselhos tutelares dos municípios da região carbonífera (AMREC):
estrutura, funcionamento e organização interna. Monografia apresentada para a obtenção do grau
de Bacharel, no curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. 2012.
Disponível em: <http://repositorio.unesc.net/bitstream/1/423/1/Lilian%20Vitali%20dos%20Reis.pdf>.
Acesso em: 05 de set. de 2024.

RICHENE NETO, Jamil José Camilo. Panorama da implantação e implementação do SIPIA


Conselho Tutelar na Paraíba. 2022.

SANTOS, Leidiene Ferreira et al. Fatores que interferem no enfrentamento da violência infantil por
conselheiros tutelares. Saúde em debate, v. 43, p. 137-149, 2019. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/sdeb/a/zvc6Lx9LXYMz4qzzsrL56sd/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 05 de
set. de 2024.

Você também pode gostar