29093-Texto Del Artículo-116007-1-10-20240703

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 35

Revista de Psicología, 42(2), 2024, pp.

637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento:


opiniões de pacientes, familiares e profissionais

Georgia Melo1, Cynthia Melo2, Jéssica Correia3, Edna Lima4, Eliane Seidl5
y Layza Castelo Branco6
1
Universidade de Fortaleza e Faculdade Luciano Feijão
2,3,4
Universidade de Fortaleza
5
Universidade de Brasília
6
Universidade Estadual do Ceará

Objetivou-se analisar a percepção de pacientes, familiares e profissionais sobre a doença


renal crônica e a adesão ao seu tratamento. Realizou-se uma pesquisa qualitativa com 47
participantes que responderam a um roteiro de entrevista cujos dados foram analisados no
IRaMuTeQ. Os resultados mostraram que os pacientes tinham pouca compreensão acerca
da doença e do tratamento e sentimentos negativos associados a eles. Entre os fatores faci-
litadores da adesão, destacam-se o apoio familiar/profissional; entre os limitadores, a res-
trição hídrica, a dieta e as limitações na rotina do paciente e cuidador. Os profissionais
apresentaram distinções entre a hemodiálise e a diálise peritoneal, comparando limitações
e benefícios. Concluiu-se a importância da atenção aos fatores que dificultam a adesão ao
tratamento para potencializar seu sucesso.
Palavras-chave: adesão ao tratamento, insuficiência renal crônica, percepção, profissões da
saúde, usuário de saúde

Percepciones sobre la IRC y la adherencia a su tratamiento: visiones de pacientes, fami-


liares y profesionales
Fue investigado la percepción de 47 pacientes, familiares y profesionales sobre la Insuficiencia
Renal Crónica y su adherencia al tratamiento. Entre los factores que facilitaron la ­continuidad

Georgia Melo https://orcid.org/0000-0001-8438-9479


Cynthia Melo https://orcid.org/0000-0003-3162-7300
Jéssica Correia https://orcid.org/0009-0007-7992-8758
Edna Lima https://orcid.org/0009-0005-2946-3978
Eliane Seidl https://orcid.org/0000-0002-1942-5100
Layza Castelo Branco https://orcid.org/0000-0003-1729-5768
Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser endereçada a Doutora Cynthia Melo.
Av. Washington Soares, 1321, Bloco E, Sala 01. Bairro Edson Queiroz, CEP.60.811-905.
Fortaleza-CE. E-mail: [email protected]

https://doi.org/10.18800/psico.202402.001
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

en el tratamiento, se destacó la relevancia del apoyo tanto por parte de la familia como del
equipo. En contrapartida, la restricción de líquidos, los ajustes en la dieta y las limitaciones
en la autonomía del paciente y de su cuidador en la rutina diaria surgieron como obstáculos
significativos en la adhesión. Los profesionales mostraron diferencias en sus enfoques hacia
la hemodiálisis y la diálisis peritoneal, evaluando ventajas y desventajas. Por tanto, se subraya
la importancia de abordar los obstáculos para mejorar la adherencia al tratamiento para
potenciar su éxito.
Palabras clave: adherencia al tratamiento, insuficiencia renal crónica, percepción, profesio-
nales de salud, usuarios de salud

Perceptions about CKD and adherence to treatment: opinions of patients, family mem-
bers and professionals
This paper was intended to analyze the perception of patients, relatives and professionals
about Chronic kidney disease and treatment adherence. We conducted qualitative research
with 47 participants who answered an interview script, whose data were analyzed in
Iramuteq. The results showed that patients had little understanding about the disease and
its treatment, as well as negative feelings associated with them. Among the factors that facili-
tate adherence, we highlight family/professional support; among the limiting factors, water
restriction, diet, and limitations in the routine of the patient and caregiver. Professionals
showed distinctions between hemodialysis and peritoneal dialysis, comparing limitations
and benefits. We drew conclusions about the importance of paying attention to the factors
that hinder treatment adherence to enhance its success.
Keywords: treatment adherence, chronic renal insufficiency, perception, health professionals,
healthcare users

Perceptions de la maladie rénale chronique et de de l’adhésion au traitement: points de


vue des patients, des familles et des professionnels
On a étudié les perceptions de 47 patients, membres de leur famille et professionnels sur la
maladie rénale chronique et leur adhésion au traitement. Parmi les facteurs qui facilitent la
continuité du traitement, l’importance du soutien de la famille et de l’équipe a été soulignée.
En contraste, la restriction des liquides, les ajustements diététiques et les limitations de l’au-
tonomie du patient et du soignant dans la routine quotidienne sont apparus comme des obs-
tacles significatifs à l’adhésion au traitement. Les professionnels ont adopté des approches
différentes de l’hémodialyse et de la dialyse péritonéale, en évaluant les avantages et les
inconvénients. Par conséquent, il est important de s’attaquer aux obstacles à l’amélioration
de l’adhésion au traitement afin d’en accroître le succès.
Mots clés: adhésion au traitement, insuffisance rénale chronique, perception, professionnels
de la santé, usagers de la santé

638
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

As práticas em saúde atuais continuam sendo influenciadas pelo


modelo biomédico, centrado na doença, que trabalha a partir da frag-
mentação do corpo e silenciamento do paciente. Enfatiza as atividades
voltadas para a cura e o propósito de evitar a morte, priorizando os
recursos tecnológicos e terapêuticos que contribuem para o aumento da
sobrevida do paciente, sem muitas vezes proporcionar-lhes qualidade
de vida. Cresce, contudo, a ênfase na clínica ampliada e compartilhada,
um modelo que considera o cuidado no seu sentido integral, singular e
inclusivo ao paciente (Baronio & Pecora, 2016).
Essa necessidade de mudança de concepção de cuidado se fortalece
a partir de uma nova demanda em saúde, na qual as doenças crônico-
degenerativas se sobrepuseram às agudas (Baronio & Pecora, 2016).
Em uma realidade em que a cura não é possível e prolongar a vida do
paciente não é suficiente, a qualidade dessa vida e a experiência positiva
do sujeito doente tornam-se critérios importantes no julgamento
da eficácia dos tratamentos e intervenções na área da saúde, sendo
determinantes para sua adesão pelos pacientes (Marinho et al., 2018).
Nessa perspectiva, a adesão ao tratamento deve ser compreendida
de forma ampla, considerando os múltiplos determinantes e atores
sociais envolvidos no processo. Por isso, embora os médicos costumem
associar o fracasso terapêutico ao fato dos pacientes não aderirem ao
tratamento, responsabilizando-os por não irem às consultas ou não
seguirem as prescrições, há outros fatores externos importantes que
influenciam esse processo, como a comunicação e a relação médico-
paciente, a falta de médicos especialistas, problemas de transporte, o
custo e os efeitos colaterais das medicações, as dificuldades de acesso
ao tratamento e/ou aos serviços de saúde e as condições financeiras do
paciente (Girotto et al., 2013; Lima-Dellamora et al., 2017; Matsuoka
et al., 2019; Mercado-Martinez et al., 2015). Nesse processo, um forte
preditor da adesão terapêutica é a percepção dos envolvidos, pois essa

639
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

é a atividade cognitiva mais básica, por meio da qual são formadas


impressões sobre coisas ou pessoas (Davidoff, 1986).
Entre as diversas doenças crônicas que desafiam profissionais de
saúde, pacientes e seus familiares na eficácia da adesão ao tratamento
está a doença renal crônica (DRC), um agravo que representa a 12ª
principal causa de morte mundial, com prevalência de 9,1% da popu-
lação (Wang et al., 2023), totalizando mais de 800 milhões de pessoas
(Lin et al., 2023), sendo 45% dos casos de sujeitos com mais de 65
anos (Sanhueza et al., 2023). É definida como a perda progressiva, irre-
versível e silenciosa da função renal (Leimig et al., 2018). Os principais
grupos de risco para seu desenvolvimento são aqueles que possuem
hipertensão arterial, diabetes mellitus e história familiar de DRC. Ela
pode ser classificada em diferentes estágios (1, 2, 3, 4, 5ND e 5D) de
progressão da doença, em que o primeiro é caracterizado por uma leve
perda da função renal, não ocasionando ainda nenhum dano na capaci-
dade de filtração; e o último estágio é caracterizado pela falência renal.
Tal classificação auxilia a previsão prognóstica e a tomada de decisão
acerca dos possíveis encaminhamentos (Bastos & Kirsztajn, 2011).
Nos estágios 1 a 3, o tratamento deve ser classificado como con-
servador, que consiste em controlar os fatores de risco para a progressão
da DRC por meio de medidas como o uso de medicamentos, dieta
adequada, controle da pressão arterial, modificações no estilo de vida
visando, assim, reduzir os sintomas e retardar a velocidade da piora
da função renal. Nos estágios 4 e 5 ND (não dialítico), ocorre a pré-
diálise, que consiste na manutenção do tratamento conservador e no
preparo, da melhor maneira possível, de pacientes mais avançados para
o início da terapia renal substitutiva (TRS) (Gonçalves et al., 2015;
Ministério da Saúde [MS], 2014).
Na sequência, ao atingir o estágio mais avançado da DRC, o 5 – D
(dialítico), perde-se totalmente a função renal e faz-se necessário um
tratamento de substituição dessa função (Terapia Renal Substitutiva
- TRS), podendo-se escolher uma entre três modalidades disponíveis:
hemodiálise (HD), diálise peritoneal (DP) ou transplante renal. Essas
opções devem ser apresentadas pelo médico nefrologista ao paciente

640
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

para juntos decidirem a forma mais adequada de tratamento. A escolha


e indicação da modalidade de tratamento que será utilizada depende de
vários fatores como idade, a causa da DRC, situação socioeconômica,
a existência de doenças associadas, entre outros (Castro et al., 2018;
Gonçalves et al., 2015; MS, 2014).
Os avanços nos procedimentos dialíticos e suas diferentes opções
permitiram um prolongamento da sobrevida dos pacientes (Alvarenga
et al., 2017). Surgem, no entanto, vários questionamentos sobre o
processo de escolha da terapêutica a ser utilizada: se, de fato, há uma
apresentação esclarecedora quanto às modalidades de tratamento; se
o paciente tem autonomia para decidir; se todas as modalidades estão
disponíveis equitativamente para os pacientes dos sistemas de saúde,
especialmente na rede pública; se as informações necessárias são repas-
sadas ao longo de todo o tratamento ou somente ao iniciar; e se há
diferença na rotina e qualidade de vida e na adesão ao tratamento entre
essas diferentes modalidades terapêuticas (Feijão et al., 2020).
As modalidades de tratamento existentes atualmente não oferecem
a cura, mas são capazes de amenizar os sintomas e prolongar a vida
do paciente (Araújo et al., 2016). Porém, esse aumento da sobrevida
segue acompanhado de importantes mudanças no estilo de vida e na
rotina da pessoa, somadas ainda ao estresse perante o próprio processo
de adoecimento, certeza acerca da cronicidade dessa condição e pela
complexidade do tratamento doloroso, além das novas incumbências
que surgem (Duarte & Hartmann, 2018; Santos et al., 2017). Tais pro-
cessos são vivenciados por diferentes sujeitos que formam a chamada
“tríade hospitalar” − paciente, familiares e profissionais −, afetados pela
doença e responsáveis pela adesão ao tratamento.
No que diz respeito ao paciente, cada um reage de maneira muito
singular e individual ao diagnóstico de DRC, assim como também
vivencia o tratamento de forma diferenciada, o que repercute direta-
mente no seu nível de adesão (Cargnin et al., 2018; Oliveira et al.,
2019). A razão disso se deve ao fato de o tratamento poder alterar de
maneira radical o estilo de vida do paciente, tanto no âmbito pessoal
como no profissional, comprometendo sua condição física e ­psicológica.

641
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Por isso, faz-se importante conhecer a percepção do paciente sobre sua


condição e o tratamento, que afetarão sua avaliação sobre o contexto e
adesão ao tratamento, para que assim possam ser repensadas estratégias
de solução de problemas, promovendo sua autonomia, maior proxi-
midade possível com a normalidade de sua rotina de vida, de forma a
potencializar a adesão ao tratamento (Castro et al., 2018).
A dinâmica familiar é outro aspecto que merece atenção em razão
das inevitáveis repercussões que sofrem desde o diagnóstico e durante
o tratamento, quando o doente passa a necessitar de diferentes tipos
de cuidados. A família, como um núcleo integrado, tem todo o seu
sistema adoecido quando um dos seus membros está enfermo. As rela-
ções estabelecidas na família estão associadas com o processo de saúde
ou doença, sendo o estado psicológico e sua rede de suporte familiar
capazes de influenciar sua condição de saúde (Baptista, 2007). Por esse
motivo, durante o processo de adoecimento, a família tende a passar
por uma reorganização e reconfiguração de papéis (Lima, 2016).
A partir dessa reorganização, geralmente a família é capaz de
promover a sociabilidade e a solidariedade para o enfrentamento de
possíveis adversidades que a desafiam, embora possa haver desestrutu-
ração e rompimentos. Na vivência da DRC, o apoio da família torna-se
indispensável para a adesão ao tratamento. Por isso, a equipe de saúde
deve entender minimamente a percepção desses sobre essa realidade e
os aspectos que podem influenciar as experiências no processo de saúde
e doença, facilitando, assim, a identificação de fatores que viabilizam
formas adaptativas de enfrentamento (Jacobi et al., 2017).
A família assume, portanto, diferentes papéis no processo de adoeci-
mento: são pessoas fundamentais que compõem a rede de apoio e cuidado
ao paciente, mas também são sujeitos que adoecem com o paciente, pois
têm sua rotina de vida também afetada. São agentes de cuidado, mas
que também precisam ser cuidados, ouvindo suas percepções sobre esse
processo de adoecimento e cuidado, para que se amenizem os efeitos
negativos na sua vida (financeira, social e laboral) relacionados à tarefa de
cuidar do outro, favorecendo, dessa forma, seu bem-estar e qualidade de
vida (Cruz et al., 2018; Lima et al., 2017; Maschio et al., 2019).

642
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

A condução dos profissionais de saúde nesse processo também é


fundamental. Eles são convocados a oferecer um cuidado em saúde que
mantém o sujeito como protagonista, ativo e empoderado do seu pro-
cesso de tratamento, potencializando uma boa adesão. Devem oferecer
um cuidado em saúde preconizado pelo paradigma biopsicossocial, que
envolve a permanente reconstrução de significados a respeito de si, do
outro e do mundo (Pereira et al., 2011). Devem igualmente ressig-
nificar os conceitos de doença, saúde, autonomia, qualidade de vida,
tornando imprescindível a criação de um espaço relacional que vá além
do saber-fazer científico/tecnológico, dando visibilidade aos aspectos
subjetivos da experiência da doença crônica, entendendo os processos
corporais como fenômenos sociais que possuem tanto história como
articulação com outros processos de vida (Pereira et al, 2011).
Os profissionais precisam também se reconhecer nesse triângulo
(paciente, família e profissionais) como um dos responsáveis pela efi-
cácia da adesão ao tratamento. Eles devem saber escolher a forma de
tratamento que se adequa à realidade do paciente; orientar e minimizar
as possíveis dúvidas surgidas, além de explicar de forma clara e objetiva
as prescrições recomendadas; prestar uma assistência humanizada; auxi-
liar no enfrentamento da doença; e serem conscientes de que a relação
profissional-paciente e a construção de um bom vínculo de confiança
e empatia geram um efeito positivo sobre a adesão (Ferraz et al., 2017;
Lins et al., 2017; Madeiro et al., 2010).
Ao considerar o lugar do profissional nesse processo, as institui-
ções de saúde abrem espaço para a Psicologia da Saúde, interessada
na forma como o sujeito vivencia e experimenta o seu processo de
doença e de saúde, tanto na sua relação consigo mesmo quanto com
os outros e com o mundo, acolhendo o papel das variáveis psicológicas
sobre o desenvolvimento de doenças, a manutenção da saúde e de seus
comportamentos associados (Almeida & Malagris, 2011). Nessa nova
perspectiva, a Psicologia, que antes se ausentava das questões relacio-
nadas à DRC, agora estuda e intervém sobre as alterações emocionais do
doente, que são reflexo do invasivo e estressante tratamento, podendo
ocasionar alguns problemas como perda da autonomia, do emprego,

643
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

isolamento social, alterações da imagem corporal, restrições alimentares


e hídricas, dependência familiar, entre outros. Para além do foco sobre a
saúde mental, interessa-se pela promoção da saúde e prevenção terciária
dos pacientes com DRC, buscando compreender possíveis limitações
do tratamento e entender o paciente em uma perspectiva que englobe
as esferas biológica, social e psicológica, relacionando a adesão ao tra-
tamento ao seu contexto social e cultural, com suas crenças e valores, e
também com a rede de apoio que possui (Lima, 2016; Maturana et al.,
2016; Trepichio et al., 2013) a fim de poder elaborar programas de
seguimento e adesão terapêutica (Almeida & Malagris, 2011).
A partir do exposto, reconhece-se que, diante da condição crônica
da DRC, a busca por maior sobrevida do paciente é determinada pela
eficácia terapêutica e pelo seu nível de adesão. Para conseguir resul-
tados positivos, assume-se a necessidade de um olhar voltado para
todos os atores sociais envolvidos, reconhecendo seu papel, potenciais
e limitações, de forma a amenizar os aspectos limitantes da vivência de
adoecimento do paciente. Com o desafio de dar voz a esses sujeitos e
descortinar essa realidade, o presente estudo objetivou analisar a per-
cepção de pacientes, seus familiares e profissionais de saúde sobre a
doença renal crônica e a adesão ao tratamento.

Método

Delineamento
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, transversal,
do tipo exploratória e descritiva, que buscou abordar esse tema pouco
explorado na literatura a partir da perspectiva de todos os sujeitos envol-
vidos. Por meio da pesquisa exploratória, é possível familiarizar-se com
um assunto ainda pouco conhecido, aprofundando-o e formulando
hipóteses. A pesquisa descritiva permite delinear uma experiência, um
fenômeno, uma situação ou processo nos mínimos detalhes (Santos,
2016).

644
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Participantes
Por critério de saturação, contou-se com 46 participantes: 10
profissionais de saúde que atuavam no cuidado a pacientes com DRC
(Tabela 1), 17 familiares cuidadores (Tabela 2) e 19 pacientes com
DRC em tratamento dialítico - 17 em hemodiálise e 02 em diálise
peritoneal (Tabela 3).
Consideraram-se alguns critérios de inclusão. Para o paciente, era
pré-requisito ser diagnosticado com DRC, em tratamento por meio de
HD ou DP, há mais de 90 dias – que é o tempo estimado para identifi-
cação da cronicidade da doença e tratamento (Santos, 2016), atendido
nas três principais unidades públicas e privadas de diálise do estado
do Ceará (Brasil), residir em uma cidade no Ceará (Brasil), ser maior
de 18 anos, de ambos os sexos. Entre os familiares, o critério era ser
familiar de paciente em tratamento nas unidades de saúde incluídas no
estudo, que acompanhava o paciente nessas unidades e assumia o papel
de cuidador, maior de 18 anos, de ambos os sexos. Como critério de
seleção dos profissionais, pontuou-se ser membro da equipe de uma das
três unidades de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliar de enfermagem,
entre outros), que tivesse maior contato com os pacientes com DRC,
de ambos os sexos, atuante no serviço há, no mínimo, 90 dias.

Tabela 1
Dados sociodemográficos dos profissionais
Variável n %
Sexo
Masculino 02 20
Feminino 08 80
Categoria profissional
Médico(a) 03 30
Enfermeiro 01 10
Técnico(a) de enfermagem 03 30
Psicóloga 01 10

645
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Variável n %
Nutricionista 01 10
Auxiliar de farmácia 01 10
Local de residência
Cidade capital do estado 02 20
Cidade do interior do estado 08 80
Tempo de atuação
Menos de 1 ano 03 30
Entre 1 e 5 anos 06 60
Há mais de 5 anos 01 10

Tabela 2
Dados sociodemográficos dos familiares
Variável n %
Sexo
Masculino 04 23.53
Feminino 13 76.47
Grau de parentesco
Cônjuge 07 41.18
Filhos 08 47.06
Irmã 01 5.88
Genro 01 5.88
Local de residência
Cidade capital do estado 08 47.06
Cidade do interior do estado 09 52.94
Atividade laboral
Ativo 08 47.06
Inativo 09 52.94

646
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Tabela 3
Dados sociodemográficos dos pacientes
Variável n %
Sexo
Masculino 14 73.68
Feminino 05 26.32
Idade
Entre 20-30 anos 07 41.18
Entre 31-40 anos 01 5.26
Entre 41-50 anos 05 26.32
Entre 51-60 anos 03 15.79
Mais de 60 anos 03 15.79
Local de residência
Cidade capital do estado 03 15.79
Cidade do interior do estado 16 84.21
Atividade laboral
Ativo 06 31.58
Inativo 13 68.42
Tipo de TRS
Hemodiálise 17 89.47
Diálise peritoneal 02 10.53
Tempo de TRS
Até 1 ano 06 31.58
Entre 2-5 anos 05 26.32
Entre 6-10 anos 03 15.79
A mais de 10 anos 05 26.32

647
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Instrumentos
Utilizaram-se três diferentes roteiros de entrevistas semiestrutu-
rados, especialmente elaborados para esta pesquisa, organizados em
iguais eixos temáticos, para posterior articulação entre os resultados:
1. Percepção sobre a doença e tratamento; 2. Adesão ao tratamento;
3. Fatores que contribuem para a adesão ao tratamento; 4. Fatores que
dificultam a adesão ao tratamento; e 5. Comparação entre hemodiálise
e diálise peritoneal, sendo essa última exclusiva para os profissionais de
saúde.

Procedimentos de coleta de dados


Para o processo de coleta de dados, os participantes foram conta-
tados por conveniência, ou seja, de acordo com a facilidade de acesso,
entre os meses de abril e maio de 2018, nas três unidades de saúde, a
partir dos critérios de inclusão. No ato do convite, explicaram-se os
objetivos e procedimentos da pesquisa, sendo solicitada ainda a assi-
natura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e
marcados o local e horário, de acordo com a conveniência dos partici-
pantes. As entrevistas foram realizadas de forma individual, com auxílio
de gravador, com duração média de 50 minutos, por pesquisadores trei-
nados e com procedimento padrão.

Análise dos dados


As gravações foram transcritas por um único pesquisador e ava-
liadas por dois juízes, para a preservação do nome dos participantes
e maior confiabilidade nas análises. As entrevistas foram analisadas
com o auxílio do software Interface de R pour les Analyses Multidimen-
sionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ), um programa
gratuito, desenvolvido pelo pesquisador francês Pierre Ratinaud, que
busca apreender a estrutura e a organização do discurso, sendo capaz
assim de informar as relações entre os mundos lexicais que são mais
frequentemente enunciados pelos participantes da pesquisa. Trata-se
de um software cada vez mais presente em pesquisas qualitativas das

648
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

áreas de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, que analisa dados de


grande volume textual e busca maior rigor metodológico (Almico &
Faro, 2014; Camargo & Justo, 2013).
As análises foram realizadas em três etapas. Realizaram-se análises
lexicográficas clássicas para verificação de estatística de quantidade de
segmentos de texto (ST) – recortes de frases de cerca de três linhas, evo-
cações e formas. Em seguida, realizou-se a Classificação Hierárquica
Descendente (CHD) para o reconhecimento do dendrograma com as
classes criadas automaticamente pelo software, considerando-se que,
quanto maior o χ2, mais associada está a palavra com a classe, e desconsi-
derando as palavras com χ2 < 3.80 (p < .05). Nesta etapa, adicionalmente,
para maior apreensão e interpretação dos dados, os segmentos de textos
emergidos foram submetidos à análise de Conteúdo de Bardin (2015),
realizada por dois juízes. Esta análise foi efetuada com o conteúdo de
cada classe extraída pelo software, isoladamente, categorizando seus
conteúdos em subcategorias. Este método de análise de texto que é com-
posto por quatro etapas (pré-análise, análise do material e tratamento
das informações e na interpretação) e possibilita a descrição do conteúdo
e o tratamento da informação das falas dos participantes de forma a
interpretar as memórias, sentimentos, planos e significados (Bardin,
1977), permitindo, assim, interpretar e nomear as classes geradas pelo
software, requerendo olhar analítico e fundamentação teórica dos pes-
quisadores sobre as experiências dos participantes. Por fim, na terceira
etapa, obteve-se a Nuvem de Palavras a fim de agrupar e organizar as
palavras mais significativas dos dados, organizando-as graficamente em
função da sua relevância, sendo as maiores aquelas que possuíam maior
frequência. Considerou-se as palavras com frequência mínima igual a 8.

Aspectos éticos
A presente pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pes-
quisa, sob parecer n° 2.393.803. A pesquisa atendeu às recomendações
éticas para pesquisas com seres humanos no que diz respeito às Reso-
luções nº 466/2012, 510/2016 e 580/2018 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS). Os participantes foram informados sobre os princípios

649
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

bioéticos, como também sobre os objetivos e procedimentos do estudo


quando convidados para participarem voluntariamente da pesquisa,
tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados e discussão

Por meio das análises realizadas, tem-se o objetivo de descrever a


percepção de pacientes, familiares e profissionais sobre a doença renal
crônica e a adesão ao tratamento. O corpus geral foi constituído por 1.440
segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 1.206 STs (83.75%).
Emergiram 49.362 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo
3.833 palavras distintas e 1.791 com uma única ocorrência. O con-
teúdo analisado foi categorizado em cinco classes: Classe 1, com 302
ST (12.7%), Classe 2, com 250 ST (20.7%), Classe 3, com 213 ST
(17.7%), Classe 4, com 302 ST (25%), e Classe 5, com 288 ST (23.9%).
Essas cinco classes se encontram organizadas em duas ramificações
(A e B) do corpus total em análise. O subcorpus A, “A doença renal crô-
nica e a adesão ao tratamento”, composto pela Classe 1 (“Compreensão
sobre a doença e o tratamento”), Classe 2 (“Sentimentos associados ao diag-
nóstico e tratamento”), Classe 3 (“Dificuldades do tratamento”) e Classe 4
(“Fatores facilitadores e limitadores para adesão ao tratamento”), contempla
as vivências dos participantes perante a doença e o tratamento; e o sub-
corpus B, denominado “Hemodiálise x Diálise Peritoneal”, contém os
discursos correspondentes à Classe 5 (“Hemodiálise x Diálise Peritoneal”),
que se refere às semelhanças e diferenças dessas duas modalidades de
tratamento, a partir da percepção dos profissionais de saúde (Figura 1).
Para atingir uma melhor visualização das classes, elaborou-se um
organograma “Diagrama de classes com as palavras e as variáveis des-
critivas” com a lista de palavras de cada classe geradas a partir do teste
qui-quadrado (χ2). Nele emergiram as evocações que apresentaram
vocabulário semelhante entre si e vocabulário diferente das outras
classes (Figura 2). A seguir, serão descritas, operacionalizadas e exem-
plificadas as classes emergidas na classificação hierárquica ­descendente.

650
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Figura 1. Dendrograma de classificação hierárquica descendente

Corpus do Texto
1440 STs - Aproveitamento
(83.75%)

Classe 1 Classe 2
Classe 3 Classe 4 Classe 5
COMPREENSÃO SENTIMENTOS
DIFICULDADES DO FATORES HEMODIÁLISE X DIÁLISE
SOBRE A DOENÇA E O ASSOCIADOS AO
TRATAMENTO FACILITADORES PERITONEAL
TRATAMENTO DIAGNÓSTICO E
TRATAMENTO E LIIMITADORES
Ponto de partida 12.69% - PARA ADESÃO AO
TRATAMENTO Ponto de partida 23.88% -
153 ST Ponto de partida 20.73% - Ponto de partida 17.66% - 288 ST
250 ST 213 ST
Variáveis descritivas Ponto de partida 25.04% -
302 ST Variáveis descritivas
Palavra f x2 Variáveis descritivas Variáveis descritivas
Palavra f x2
Rim 52 236.0 Palavra f x2 Palavra f x 2
Variáveis descritivas Paciente 63 469.35
Começar 23 64.60 Chorar 14 43.99 Hora 50 123.68 Palavra x2
f Diálise
Crónico 12 56.84 Deus 27 41.95 Viagem 13 45.09
Seguir 35 82.28 peritoneal 44 135.52
Descobrir 9 42.49 Medo 19 41.42 Note 11 58.87
Comer 32 52.85 Acesso 28 91.37
Impureza 9 37.93 Nervoso 8 30.80 Responsabilidade 11 40.51
Dieta 17 51.61 Hemodiálise 67 76.35
Hereditario 5 34.56 Acostumar 10 25.25 Cansativo 10 31.74
Entender 25 34.71 Cateter 31 71.86
Aceitar 21 24.01
Faltar 27 33.85 Familia 21 44.14
Beber 22 33.46 Adesão 13 41.89
Orientação 11 18.87

Figura 2. Diagrama de classes com as palavras e as variáveis descritivas

651
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Classificação Hierárquica Descendente


Classe 1 - Compreensão sobre a doença e o tratamento
A Classe 1 “Compreensão sobre a doença e o tratamento” foi respon-
sável por 12.7% dos segmentos de texto (f = 153 ST). É constituída
por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 34.56 (Hereditário) e χ2
= 236.0 (Rim). Essa classe é composta por palavras como “Rim” (χ2 >
236.0), “Começar” (χ2> 64,6), “Crônico” (χ2> 56.84), “Descobrir” (χ2>
42.49), “Impureza” (χ2> 37.93) e “Hereditário” (χ2> 34.56).
O conteúdo dessa classe retrata a descoberta do diagnóstico de
DRC, ou seja, como se deu o início da doença, seus sintomas e causas,
bem como o nível de conhecimento sobre essa doença e seu tratamento
(hemodiálise). Por meio dos dados condensados pelo IRaMuTeQ,
observou-se que os participantes associam o surgimento da sua doença
a diferentes causas: doença hereditária, resultante de vários episódios de
infecção urinária, crise renal agravada, associação com diabetes (e alguns
participantes não souberam sinalizar o que causou). Constatou-se que
os profissionais, como esperado, conheciam a doença e seu tratamento
e reconheciam a importância da orientação para o doente. Enquanto os
profissionais apresentam uma compreensão mais técnica, os pacientes
e seus familiares possuíam uma compreensão mínima sobre a DRC,
descrita como os rins que não fazem mais o trabalho de filtração, e o
papel da diálise, entendido como substituto dos rins. Os trechos que
expressam esse contexto são apresentados a seguir:
• O problema é no rim, mas não disseram qual foi a causa não
(Paciente 13).
• Eu comecei com infecção urinária. Só que agora deu essa
doença. Tirei até um rim (Paciente 8).
• É uma patologia crônica que se desenvolve no decorrer do
tempo por causas genéticas ou mesmo fatores ambientais a qual
são expostos (Profissional 9).

652
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

• Os rins já não fazem mais os mesmos trabalhos de filtração


do sangue, tirar as impurezas que ficam acumuladas no corpo
(Paciente 9).
• A máquina da hemodiálise é os nossos rins (Paciente 7).
• É uma doença difícil [...]. É uma doença em que praticamente
o paciente tem pouca chance de sair quando ele é crônico, tem
pouca chance de sobreviver tanto tempo (Profissional 5).
• Você pega um choque, pois você está bem, a saúde tá mara-
vilhosa, aí você vai e descobre que vai precisar fazer um trata-
mento em que você não sabe quando vai acabar (Familiar 6).

A literatura confirma as impressões dos participantes sobre o surgi-


mento e instalação da doença renal crônica, evidenciando que existem
diferentes causas para sua manifestação, tais como doenças de base −
hipertensão, lúpus e diabetes − e a postergação de atendimento por
um especialista (Santos et al., 2017) ou diagnóstico tardio (Mercado-
Martinez et al., 2015). No que diz respeito ao nível de conhecimento
sobre a doença e o tratamento, Castro et al. (2018) também apontam
que a maioria dos pacientes possui pouco conhecimento acerca de sua
patologia e seu tratamento, porém entendem a indispensabilidade da
diálise como sendo fundamental para a manutenção da vida, dado
corroborado pelo presente estudo. Essa falta de conhecimento/orien-
tação pode ser responsável por uma não adesão, agravando, assim, a
patologia, já que a pessoa não tem uma conscientização sobre sua con-
dição clínica e os cuidados necessários, como a dieta por exemplo.

Classe 2 - Sentimentos associados ao diagnóstico e tratamento


A Classe 2 “Sentimentos associados ao diagnóstico e tratamento” foi
responsável por 20,73% dos segmentos de texto (f = 250 ST). É consti-
tuída por palavras e radicais no intervalo entre χ2= 24.01 (Aceitar) e χ2
= 43.99 (Chorar). Essa classe é composta por palavras como “Chorar”
(χ2> 43.99), “Deus” (χ2> 41.95), “Medo” (χ2> 41.42), “Nervoso” (χ2 >
30.80), “Acostumar” (χ2 > 25.25) e “Aceitar” (χ2 > 24.01).

653
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

O conteúdo dessa classe trata principalmente dos sentimentos que


emergiram no momento do diagnóstico, como também ao longo do
tratamento. Emergiram aqui apenas as falas dos pacientes e seus fami-
liares, sem narrativas dos profissionais. Os sentimentos e reações mais
citadas para se referir ao diagnóstico foram o sofrimento, vontade de
desistir, nervosismo, desespero, revolta, preocupação, choro. Os sen-
timentos vivenciados hoje, vinculados ao tratamento, foram tristeza,
incerteza, nervosismo diante de qualquer ocorrência e a fé. Os trechos
a seguir ilustram esse contexto:
• Ah minha filha, eu me revoltei muito no começo, chorava
todo dia e me deu assim uma depressão sabe. Meu esposo não
dormia de noite, eu não o deixava dormir (Paciente 11).
• Aí, depois que eu descobri o que era mesmo, fiquei com
depressão uns 4 anos (Paciente 7).
• Quando a gente soube que o tratamento era hemodiálise, foi
um sofrimento, até porque teve um tio meu que fez muito
tempo hemodiálise e acabou falecendo. Aí ficou tipo esse
medo. Ah, eu não gosto nem de pensar (Familiar 8).
• Complicado, porque você não leva mais uma vida normal e às
vezes você é restrito em fazer algumas coisas. Então acaba que
não leva mais uma vida normal como era antes. Muito triste
(Paciente 18).
• No meu caso não tenho tempo pra tristeza, só tenho muita fé
em Deus, tudo eu seguro na mão dele e pronto (Paciente 15).
• Ele passa o dia todo triste, fica dizendo: ah meu Deus, até
quando isso, e a gente, além de ter força pra si tem que ter
força pra passar isso pra ele (Familiar 3).

Geralmente, os pacientes recebiam a notícia da necessidade de


diálise de forma negativa e dolorosa por ser uma doença grave e que
necessita de tratamento para o resto da vida (Castro et al., 2018). Esses
aspectos levam muitas vezes a uma difícil aceitação, uma vez que o

654
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

r­ atamento limita um número significativo de atividades que antes eram


fontes de prazer e autonomia, por exemplo, o lazer, o trabalho e a ali-
mentação (Cargnin et al., 2018).
No que diz respeito aos sentimentos associados à doença e ao tra-
tamento, as pesquisas de Santos et al. (2017), Castro et al. (2018) e
Baronio e Pecora (2016) corroboram os resultados do presente estudo
ao mostrarem que, diante da necessidade do tratamento hemodialítico,
surgem diferentes sentimentos, como difícil aceitação, medo, tristeza,
revolta, incerteza, a dependência da máquina de hemodiálise, a fra-
gilidade e o desgaste físico, podendo ocasionar situações em que os
mesmos podem se comportar de maneira hostil e agressiva. Além disso,
durante o período do tratamento, outras complicações podem surgir,
como sintomas depressivos e ansiosos, disfunções sexuais e distorções
da imagem corporal (Caiuby & Karam, 2010). Tais sentimentos nega-
tivos podem estar relacionados ao fato do tratamento, apesar de ser
essencial para a saúde do paciente, ser doloroso e desgastante, além de
torná-lo dependente da tecnologia, fazendo com que sua vida passe a
ser restrita e controlada (Guyton & Hall, 2006; Holanda & Abreu,
2014; Mercado-Martinez et al., 2015).

Classe 3 - Dificuldades do tratamento


A Classe 3 “Dificuldades do tratamento” foi responsável por 17.66%
dos segmentos de texto (f = 213 ST). É constituída por palavras e radi-
cais no intervalo entre χ2 = 31.74 (Cansativo) e χ2 = 123.68 (Hora). Essa
classe é composta por palavras como “Hora” (χ2 > 123.68), “Viagem”
(χ2 > 45.09), “Noite” (χ2 > 58.87), “Responsabilidade” (χ2 > 40.51) e
“Cansativo” (χ2 > 31.74).
Essa classe aborda as principais dificuldades e complicações
enfrentadas por pacientes e familiares ao longo do tratamento. Os
profissionais não perceberam dificuldades no tratamento. Todavia, os
pacientes destacaram o deslocamento para as clínicas de hemodiálise
(alguns pacientes residem em cidades vizinhas), os efeitos colaterais,
a necessidade da dieta restrita, as limitações impostas. Os familiares
acompanhantes relataram o tempo de espera (4 horas diárias no

655
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

mínimo) e a impossibilidade de continuar ou ajustar a rotina doméstica


e laboral às necessidades do paciente, fatos que podem ser constatados
nos depoimentos a seguir:
• Uns estudam, outros trabalham. Chegam aí, fazem o trata-
mento, aderem bem ao tratamento, quase não têm queixas,
fazem a diálise durante quatro horas e vão pra casa, sem queixa
nenhuma (Profissional 4).
• Só a vinda pra cá mesmo. Na verdade, não tem dificuldade
nenhuma não (Paciente 3).
• Quando venho pra cá, chego em casa mais de dez horas. Esse
negócio de três vezes na semana é puxado, mas aí ela viu que
realmente precisava (Familiar 3).
• Ficar aqui esperando essas quatro horas é muito cansativo. O
problema não é nem tanto a viagem, é ficar esperando aqui
(Familiar 5).
• Pego o ônibus 11 horas da noite pra ir a Fortaleza. Pra chegar
a tempo é meio complicado, mas quando é possível é bom,
porque a gente tá sempre em dia (Familiar 6).
• Eu acho que as viagens mesmo pra cá, é [...] dificulta muito
(Paciente 7).
• O que mais dificulta, eu acho que a questão de você querer
comer, a questão da dieta né, você querer comer algo, não
pode, principalmente algo que você gostava muito antes, e que
agora não seria muito bom comer, porque poderia atrapalhar a
questão do tratamento (Paciente 10).
• Ah, o que me dificulta é fisicamente, não poder andar tran-
quilo, como antes, há dois anos atrás eu andava. Isso é muito
difícil, que eu tenho que depender de outra pessoa, não é fácil.
Então, por isso é que às vezes eu me desestimulo muito, de
fazer, de continuar fazendo o tratamento e tudo (Paciente 15).

656
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Muitas modificações ocorrem na vida do paciente após o diagnós-


tico de DRC e o início do tratamento, o que muitas vezes dificulta a
adesão. Além de ser permanente e doloroso, o tratamento gera diversas
limitações ao paciente, principalmente no que diz respeito ao trabalho,
lazer e alimentação, assim como em suas condições físicas, psicológicas,
sexuais, o que pode afetar sua qualidade de vida (Cargnin et al., 2018).
Diferentes estudos apontam algumas dificuldades encontradas
ao longo do tratamento de hemodiálise, são elas as restrições hídricas
e alimentares (gerando inquietação e insatisfação), afastamento dos
amigos, sofrimento gerado à família, perda do emprego (o que acarreta
dependência financeira de outros familiares), problemas relacionados
à aparência, a necessidade do uso de transportes públicos ou de pre-
feituras (para aqueles que vêm de cidades vizinhas), a distância de suas
residências para as clínicas de HD, mal-estar após as sessões (náuseas,
fraqueza, sono) (Cargnin et al., 2018; Mercado-Martinez et al., 2015).
Essas dificuldades afetam diretamente pacientes e seus familiares,
muitas vezes não sendo reportadas aos profissionais que, por isso, as
desconhecem (Feijão et al., 2020).

Classe 4 - Fatores facilitadores e limitadores para adesão ao tratamento


A Classe 4 “Fatores facilitadores e limitadores para adesão ao trata-
mento” foi responsável por 25% dos segmentos de texto (f = 302 ST). É
constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 18.87 (Orien-
tação) e χ2 = 82.28 (Seguir). Essa classe é composta por palavras como
“Seguir” (χ2 > 82.28); “Comer” (χ2 > 52.85); “Dieta” (χ2 > 51.61);
“Entender” (χ2> 34.31); “Faltar” (χ2 > 33.85); “Beber” (χ2 > 33.46); e
“Orientação” (χ2 > 18.87).
Esta classe aborda a percepção de profissionais, pacientes e fami-
liares sobre os principais fatores que facilitam e que limitam a adesão ao
tratamento. Quanto aos fatores facilitadores, citaram-se a boa relação
com a equipe, o nível de clareza das informações passadas por ela, o
apoio da família e a conscientização do paciente sobre a importância do
tratamento. Entre os fatores limitadores, mencionaram-se a restrição

657
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

hídrica, a limitação da dieta, uso das medicações em grande quantidade


e diferentes horários, o comparecimento às sessões de hemodiálise três
vezes na semana e não poder fazer esforço físico. A título de exemplo,
propõem-se os seguintes discursos representativos da classe, construída
a partir da análise de suas principais palavras:
• A relação médico-paciente adequada, o contexto social que o
paciente tá inserido também tem que ser adequado, ele tem
que ter um bom suporte social, um bom suporte familiar,
pra que ele consiga, inclusive no simples deslocamento para a
clínica, exige esse suporte né, e um suporte também da rede de
saúde (Profissional 1).
• Eu acho que foi muita conversa né, conversa da família, dos
amigos, incentivando ela vir (Familiar 3).
• Da família né, os amigos, é […] acho que isso (Paciente 5).
• O que contribui para mim seguir as orientações, acho que a
informação clara da forma como eles falam do que a gente deve
fazer e eu acho que isso, assim esse ponto as informações claras
pra poder seguir um bom tratamento (Paciente 10).
• O que mais dificulta é que tem muita gente que não segue a
dieta que a nutricionista passa, o médico também diz não coma
isso, aí a pessoa come” (Familiar 12).
• Eu não sigo a recomendação de médico não. Levo a vida do jeito
que Deus me manda. Priva a gente de muitas coisas, do trabalho.
É como se fosse uma prisão aquela coisa ali (Paciente 3).
• As furadas que a gente recebe, as furadas que toda vez que vai
dialisar tem que furar o braço da gente, é uma dor terrível, isso
aí dificulta. O tratamento é ruim (Paciente 11).
• O que mais dificulta é a questão da dieta né, você querer comer
algo não pode principalmente algo que você gostava muito
antes e que agora não seria muito bom comer porque poderia

658
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

atrapalhar a questão do tratamento. Isso é o mais difícil seguir


o tratamento (Paciente 10).
São diversos fatores facilitadores da adesão no contexto da DRC:
a religiosidade, espiritualidade e esperança de vida; a perspectiva de um
futuro melhor; a existência de uma rede de apoio/familiar; uma boa
relação com os profissionais de saúde e com outros pacientes, o que
pode contribuir para aquisição de novas informações sobre a doença e
o tratamento (Leimig et al., 2018). Alguns desses fatores foram men-
cionados pelos participantes do presente estudo, por exemplo, o apoio
da família e a boa relação com a equipe.
No que diz respeito aos fatores limitadores, são citados a condição
limitante da doença e do tratamento hemodialítico que pode afetar as
atividades de vida diárias, assim como as recreativas e laborais (Leimig
et al., 2018). Apontam também o uso contínuo de inúmeras medica-
ções, a necessidade da mudança significativa de hábitos, a dependência
da máquina de hemodiálise, a implantação do cateter, a alteração da
autoimagem, a falta de conhecimento e informações sobre a doença
e o tratamento; daí a importância de um bom acolhimento a esses
pacientes principalmente nas primeiras sessões (Ferraz et al., 2017).
A identificação desses fatores é imprescindível para uma boa
adesão ao tratamento, permitindo que sejam implementadas diferentes
intervenções, buscando uma melhor qualidade de vida e cuidado para
esses pacientes.

Classe 5 - Hemodiálise x Diálise Peritoneal


A Classe 5 “Hemodiálise x Diálise Peritoneal” foi responsável por
23,88% dos segmentos de texto (f = 288 ST). É constituída por pala-
vras e radicais no intervalo entre χ2 = 41.89 (Adesão) e χ2 = 469.35
(Paciente). Essa classe é composta por palavras como “Paciente”
(χ2 > 469.35), “Diálise Peritoneal” (χ2 > 135.32), “Acesso” (χ2 >
91.37), “Hemodiálise” (χ2 > 76.35), “Cateter” (χ2 > 71.86), “Família”
(χ2 > 44,14) e “Adesão” (χ2 > 41.89).

659
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Nessa classe, são abordadas pelos profissionais as diferenças técnicas,


indicações, vantagens e desvantagens de cada uma das duas modalidades
de diálise (hemodiálise e diálise peritoneal). Não e­ mergiram narrativas de
pacientes e familiares. A maioria dos participantes apontou a HD como a
mais utilizada, sendo a DP utilizada só em raras exceções, como se ela não
fosse uma primeira opção, apenas quando a HD não fosse mais possível.
Algumas dificuldades para a indicação da DP por parte dos profissionais
referiram-se ao fato dessa modalidade de terapia renal substitutiva exigir
um maior nível de instruções, maiores condições socioeconômicas, maior
cuidado com o paciente, boas condições de higiene e saneamento da
residência, assim como a possibilidade do surgimento de algumas com-
plicações. Por outro lado, os participantes apontaram a DP como uma
modalidade que proporciona uma maior qualidade de vida por oferecer
maior liberdade e por não “prender” o paciente a uma rotina de idas à
clínica de diálise, além de oferecer uma maior sobrevida.
• No meu ponto de vista, eu acho que a hemodiálise em si é
melhor porque a diálise peritoneal só é quando o paciente não
tem mais acesso, quando já colocou muito cateter e só pode ser
colocada quando a casa tem uma boa estrutura, um lugarzinho
como um quarto limpo (Profissional 6).
• Bom, na literatura fala que diálise peritoneal é melhor, o
paciente tem uma sobrevida maior, mas assim, pela nossa expe-
riência, por ver as complicações no nosso serviço, nos nossos
pacientes, na minha opinião a hemodiálise é melhor, na grande
maioria dos casos aqui do nosso serviço a terapia renal substi-
tutiva é a hemodiálise, mas o paciente escolhe entre fazer HD
e DP (Profissional 3).
• Depende muito do perfil social do paciente. Se for um paciente
de maior perfil socioeconômico, de perfil mais elevado, a diálise
peritonial acaba se encaixando um pouco melhor porque o
paciente vai ter mais condição de adotar os cuidados neces-
sários para evitar intercorrências, principalmente infecção.

660
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Então, acaba que é um perfil mais interessante que se encaixa,


além da qualidade de vida que ela traz em relação à liberdade
do paciente de manter as atividades diárias da mesma forma
que antes da diálise, né, então é realmente uma diálise que
exige um perfil diferente do paciente. Já a hemodiálise, pra
mim, já se encaixa melhor no perfil de paciente que não tem
tanto suporte e que precisa que a instituição forneça boa parte
do suporte de tratamento pra ele. Digamos que na diálise peri-
tonial a instituição fornece o mínimo de suporte, o dia a dia é o
paciente quem vai tocar. Já na hemodiálise, quem vai fornecer
a maior parte é a instituição, a clínica de diálise, então tem
paciente que não tem tanto suporte familiar, suporte social,
condições socioeconômicas adequadas, acaba que ele se encaixa
melhor no perfil de hemodiálise (Profissional 1).

São poucos os estudos existentes na literatura que fazem compa-


rações entre essas duas modalidades de diálise e, como a DP é pouca
popularizada, muitas vezes pacientes a desconhecem (Feijão et al., 2020),
justificando a ausência de relatos desses nesta classe. Alvarenga et al.
(2017), em uma pesquisa que tinha como objetivo comparar o estado
nutricional de pacientes em HD e em DP, constataram que os pacientes
em DP apresentaram melhores resultados referentes à massa muscular.
Pereira et al. (2016) realizaram um estudo a fim de verificar quem são
os pacientes que escolhem modalidade dialítica a ser utilizada e quais
variáveis refletem a percepção dos pacientes e da equipe de saúde sobre
o tratamento, constatando que a maioria dos pacientes teve sua modali-
dade dialítica escolhida pelos médicos, mais precisamente 76.3% deles,
e que os pacientes em DP associaram a sua modalidade a uma maior
segurança no tratamento, assim como bem-estar, possibilidade de manu-
tenção de uma vida normal, maior liberdade e ânimo.
Ainda de acordo com Pereira et al. (2016), a DP foi considerada
pela equipe de saúde como melhor terapia dialítica quando relacionada
à qualidade de vida, bem-estar clínico e psicossocial, dado que coin-
cidiu com o relato de um dos nossos participantes (Profissional 01).

661
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Uma hipótese para o fato de a HD ser a primeira indicação por parte


da equipe diz respeito aos custos da DP para o Sistema Único de Saúde
(SUS). A exemplo, o estudo de Cherchiglia et al. (2010), ao pesquisar
os custos no período de 2000-2004 (custos com procedimentos, medi-
camentos e exames), arcados pelo SUS, com pacientes que iniciaram
hemodiálise e diálise peritoneal no ano de 2000 no Brasil, verificou
que os valores individuais anuais da DP eram iguais a R$ 44.026,40/
paciente, superiores aos de HD - R$ 34.849,36/paciente. Os dados
dessas pesquisas foram confirmados pelos discursos dos participantes do
presente estudo, que, apesar de sinalizarem benefícios da DP em termos
de qualidade de vida do paciente e adesão ao tratamento, explicaram
que o custo e as condições socioeconômicas de pacientes justificam a
prevalência de HD como modalidade terapêutica no Brasil.

Nuvem de palavras
Em seguida, analisou-se a nuvem de palavras obtida por meio dos dis-
cursos dos participantes. A organização e o agrupamento das palavras em
função de sua frequência possibilitaram visualizar algumas palavras cen-
trais dos discursos: “Paciente” (f = 373), “Tratamento” (f = 257), “Rim” (f
= 105), “Doença” (f = 104) e “Hemodiálise” (f = 147). Também podem
ser visualizadas palavras como “Aceitar” (f = 59), “Seguir” (f = 89), “Sentir”
(f = 100), “Falar” (f = 161), “Faltar” (f = 62), “Família” (f = 66), “Alimen-
tação” (f = 72), “Medicamento” (f = 45) e “Precisar” (f = 64) (Figura 3).
Constata-se que a nuvem de palavras corroborou os resultados
explicitados anteriormente nos discursos dos participantes que retra-
taram a complexidade em se aderir ao tratamento de hemodiálise ou
diálise peritoneal. Dessa forma, é fundamental que os pacientes sejam
assistidos por equipe multidisciplinar, bem como orientados quanto ao
tratamento, limitações e mudanças ocasionadas por este. Nesse con-
texto, compreende-se que a adesão ao tratamento pode ser experienciada
de diferentes formas, tanto pelos profissionais como por familiares e
também pacientes, e isso depende dos significados concedidos a esse
processo por cada um, influenciados pelos fatores facilitadores e limita-
dores que por ventura possam existir.

662
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Figura 3. Nuvem de palavras

Considerações finais
Atualmente, a DRC é entendida como uma doença relevante
devido aos números elevados de casos na população brasileira. Com
base nos resultados do presente estudo, que teve como objetivo analisar
a percepção de pacientes, seus familiares e profissionais de saúde sobre a
DRC e a adesão ao tratamento, conclui-se que os participantes compre-
endem as causas da doença e o tratamento, entendem que o surgimento
da DRC se deve a diferentes motivos, conseguem identificar a falha na
função dos rins como a definição para DRC e reconhecem a HD como
nova responsável por esse papel de filtração.

663
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

A maioria dos sentimentos que emergiu relacionados ao diagnós-


tico e ao tratamento foi “negativo”, embora a fé e a esperança tenham
sido citadas algumas vezes. No que diz respeito às principais dificul-
dades/complicações enfrentadas por pacientes e familiares ao longo do
tratamento, foram destacadas pelos pacientes o deslocamento para as
clínicas de hemodiálise, os efeitos colaterais e as limitações impostas; já
entre os familiares, alguns relataram o tempo de espera (4h diárias no
mínimo) e a impossibilidade de continuar ou ajustar sua rotina domés-
tica e laboral às necessidades do paciente.
Os principais fatores que facilitam e que limitam a adesão ao trata-
mento também foram abordados nos resultados deste estudo. Sobre as
diferenças técnicas, indicações, vantagens e desvantagens de cada uma
das duas modalidades (Hemodiálise - HD e Diálise Peritoneal - DP), a
maioria dos profissionais apontou a HD como a mais utilizada, sendo a
DP utilizada só em raras exceções, como se ela não fosse uma primeira
opção, apenas quando a HD não fosse mais possível ou para pacientes
com alto nível socioeconômico. Algumas dificuldades para a indicação
da DP por parte dos profissionais dizem respeito ao fato dessa moda-
lidade de terapia renal substitutiva exigir um maior nível de instrução,
melhores condições socioeconômicas, maior cuidado com o paciente,
boas condições de higiene e saneamento da residência, assim como a
possibilidade do surgimento de algumas complicações. Já no discurso
dos pacientes que utilizam essa modalidade terapêutica, constatou-se
que a DP é percebida como uma modalidade que proporciona uma
maior liberdade, além de oferecer uma melhor qualidade de vida, por
não “prender” o paciente, e uma maior sobrevida.
Entre as limitações da pesquisa, pode-se citar a pouca partici-
pação de pacientes em tratamento por DP devido à dificuldade de
acesso a este por conta do número limitado de doentes que utilizam
esse tipo de TRS. Como pontos positivos do estudo, identificam-se a
coleta em diferentes cidades, compreendendo a realidade do cuidado à
pessoa com DRC de diferentes cidades do Ceará (Brasil); a apreensão
das percepções sobre a adesão ao tratamento de todos os atores sociais
envolvidos, na visão da tríade paciente/familiar/profissional de saúde;

664
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

a participação de diferentes categorias profissionais (médicos, enfer-


meiros, psicólogos, nutricionistas, técnicos, entre outros); a realização
de um estudo com essa temática na região Nordeste, já que na litera-
tura nota-se a existência de pesquisas semelhantes em outras regiões
do país; e a abordagem a uma modalidade terapêutica ainda pouco
compreendida e estudada – a DP. No entanto, sugere-se a realização
de mais estudos para identificar a percepção de profissionais/pacientes/
familiares que atuam em instituições de outras regiões.
A presente pesquisa propicia ao leitor uma reflexão sobre um
tema distante da maioria da população: a vivência de adoecimento
e tratamento da pessoa com doença renal crônica e da repercussão
desse processo sobre todos os envolvidos a partir de suas percepções.
Tentou-se descortinar as opções de terapêuticas de tratamento, espe-
cialmente a diálise peritoneal, ainda pouco conhecida e limitada a uma
classe seletiva de pacientes, convidando experts a refletir sobre a melhor
modalidade, não respaldada apenas em aspectos financeiros do sistema
ou nas condições sociais, econômicas e de instrução dos usuários, mas
na qualidade de vida e sobrevida do paciente. Ao identificar os fatores
que dificultam e facilitam a adesão, convoca-se a multiplicidade de
categorias profissionais a ver a adesão como um fenômeno determi-
nado por variadas causas e de responsabilidade de todos os envolvidos,
sem sobrecarga ou culpabilização do paciente. Por isso, este trabalho
não finaliza aqui, é apenas um convite para que a comunidade, profis-
sionais de saúde, experts, acadêmicos e gestores discutam, pesquisem
e revisem políticas públicas sobre a adesão ao tratamento de doentes
renais crônicos.

Referências

Almeida, R. A., & Malagris, L. E. N. (2011). A prática da psicologia


da saúde. Revista da SBPH, 14(2), 183-202. https://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582011000200012&lng=pt&tlng=pt.

665
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Almico, T., & Faro, A. (2014). Enfrentamento de cuidadores de


crianças com câncer em processo de quimioterapia. Psicologia,
Saúde & Doenças, 15(3), 723-37.
Alvarenga, L. A., Moreira, M. A., Pereira, B. C., & Aguiar, A. S.
(2017). Pacientes em diálise peritoneal e em hemodiálise: existe
diferença em relação ao estado nutricional? HU Revista, 43(4),
325-330. https://doi.org/10.34019/1982-8047.2017.v43.2821
Araújo, J. B., Souza Neto, V. L., Anjos, E. U., Silva, B. C. O., Rodri-
gues, I. D. C. V., & Costa, C. S. (2016). Cotidiano de pacientes
renais crônicos submetidos à hemodiálise: expectativas, modifi-
cações e relações sociais. Revista de Pesquisa: Cuidado é Funda-
mental Online, 8(4), 4996-5001. https://doi.org/10.9789/2175-
5361.2016.v8i4.4996-5001
Baptista, M. N. (2007). Inventário de Percepção de Suporte Familiar
(IPSF): estudo componencial em duas configurações. Psicologia
Ciência e Profissão, 27(3), 496-509. https://doi.org/10.1590/
S1414-98932007000300010
Bardin, L. (2015). Análise de conteúdo. Edições 70.
Baronio, M., & Pecora, A. (2016). A relação de cuidado na perspectiva
de médicos e pacientes durante a internação em hospital-escola.
Psicologia Revista, 24(2), 199-228. https://revistas.pucsp.br/
index.php/psicorevista/article/view/27796
Bastos, M. G., & Kirsztajn, G. M. (2011). Doença renal crônica:
importância do diagnóstico precoce, encaminhamento imediato
e abordagem interdisciplinar estruturada para melhora do des-
fecho em pacientes ainda não submetidos à diálise. Jornal Bra-
sileiro de Nefrologia, 33(1), 93-108. https://doi.org/10.1590/
S0101-28002011000100013
Caiuby, A. V. S., & Karam, C. H. (2010). Aspectos Psicológicos de
Pacientes com Insuficiência Renal Crônica. En S. M. C. Ismael
(Org.), A Prática Psicológica e sua Interface com as Doenças (pp.
131-148). Casa do Psicólogo.

666
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). Iramuteq: Um software gra-


tuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2),
513-518. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
Cargnin, M. C. S., Santos, K. S., Getelina, C. O., Rotoli, A., Paula, S.
F., & Ventura, J. (2018). Pacientes em tratamento hemodialítico:
percepção acerca das mudanças e limitações da doença e trata-
mento. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental, 10(4), 926-
931. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i4.926-931
Castro, R. V. R. S, Rocha, R. L. P., Araújo, B. F. M., Prado, K. F., & ­Carvalho,
T. F. S. (2018). A percepção do paciente renal crônico sobre a vivên-
cia em hemodiálise. Revista de Enfermagem do Centro Oeste Mineiro,
8(2487), 1-12. https://doi.org/10.19175/recom.v8i0.2487
Cherchiglia, M. L., Gomes, I. C., Alvares, J., Guerra Júnior, A., Acur-
cio, F. A., Andrade, E. I. G., Almeida, A. M, Szuster, D. A.
C., Andrade, M. V., & Queiroz, O. (2010). Determinantes dos
gastos com diálises no Sistema Único de Saúde, Brasil, 2000
a 2004. Caderno de Saúde Pública, 26(8), 1627-1641. https://
www.scielo.br/pdf/csp/v26n8/16.pdf
Cruz, T. H. D., Girardon-Perlini, N. M. O., Beuter, M., Coppetti, L.
D. C., Dalmolin, A., & Piccin, C. (2018). Apoio social perce-
bido por cuidadores familiares de pacientes renais crônicos em
hemodiálise. REME Revista Mineira da Enfermagem, 22. https://
www.reme.org.br/artigo/detalhes/1262
Davidoff, L. (1986). Introdução à psicologia. Makron Books do Brasil.
Duarte, L., & Hartmann, S. P. (2018). A autonomia do paciente
com doença renal crônica: percepções do paciente e da equipe
de saúde. Revista da SBPH, 21(1), 92-111. https://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S15160858
2018000100006&lng=pt&tlng=.
Feijao, G. M. M., Melo, C. F., & Melo, C. F (2020). Treatment
Adherence of Patients with Chronic Kidney Disease: an
Integrative Literature. Trends in Psychology, 28, 399-418. https://
doi.org/10.1007/s43076-020-00031-5

667
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Ferraz, R. N., Maciel, C. D. G., Borba, A. K. D. O. T., Frazão, I.


D. S., & França, V. V. (2017). Percepção dos profissionais de
saúde sobre os fatores para a adesão ao tratamento hemodialí-
tico. Revista de Enfermagem UERJ, 25, e15504-e15504. https://
doi.org/10.12957/reuerj.2017.15504
Girotto, E., Andrade, S. M., Cabrera, M. A. S., & Matsuo, T. (2013).
Adesão ao tratamento farmacológico e não farmacológico e
fatores associados na atenção primária da hipertensão arterial.
Ciência & Saúde Coletiva (online), 18(6), 1763-72. https://doi.
org/10.1590/S1413-81232013000600027.
Gonçalves, F. A., Dalosso, I. F., Borba, J. M. C., Bucaneve, J., Valerio,
N. M. P., Okamoto, C. T., & Bucharles, S. G. E. (2015). Quali-
dade de vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise ou diá-
lise peritoneal: estudo comparativo em um serviço de referência
de Curitiba - PR. Jornal Brasileiro de Nefrologia, 37(4), 467-474.
https://doi.org/10.5935/ 0101-2800.20150074.
Guyton, A. C., & Hall, J. E. (2006). Tratado de Fisiologia Médica (11a
ed.). Editora Elsevier. (4a tiragem).
Holanda, P. K., & Abreu, I. S. (2014). O paciente renal crônico e a
adesão ao tratamento hemodialítico. Revista de Enfermagem
UFPE, 8(3), 600-605. https://periodicos.ufpe.br/revistas/revis-
taenfermagem/article/download/9715/9794
Jacobi, C. S., Beuter, M., Girardon-Perlini, N. M. O., Schwartz, E.,
Leite, M. T., & Roso, C. C. (2017). A dinâmica familiar frente
ao idoso em tratamento pré-dialítico. Escola Anna Nery, 21(1),
e20170023. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20170023
Leimig, M. B. C., Lira, R. T., Peres, F. B., Ferreira, A. G. D. C., & Falbo,
A. R. (2018). Qualidade de vida, espiritualidade, religiosidade e
esperança em pessoas com doença renal crônica em hemodiálise.
Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, 16(1), 30-36.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/06/884990/dezessei
s_trinta.pdf
Lima, A. B. D. (2016). Estresse, depressão e suporte familiar em pacientes em
diálise peritoneal e hemodiálise [Dissertação de Mestrado, UNESP].

668
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Lima, L. R. D., Cosentino, S. F., Santos, A. M. D., Strapazzon, M., &


Lorenzoni, A. M. C. (2017). Percepções dos familiares frente ao
cuidado com paciente em diálise renal. Revista de Enfermagem
UFPE on line, 11(7), 2704-2710. https://periodicos.ufpe.br/
revistas/revistaenfermagem/article/download/23443/19145
Lima-Dellamora, E. C., Osorio-de-Castro, C. G. S., Madruga, L. G. S.
L., & Azeredo, T. B. (2017). Utilização de registros de dispen-
sação de medicamentos na mensuração da adesão: revisão crí-
tica da literatura. Cadernos de Saúde Pública, 33(3), e00136216.
https://doi.org/10.1590/0102-311x00136216
Li, C., Weng, T., Loh., J., Chan, D., Chiang, C., & Hung, K. (2023).
Therapeutic ultrasound treatment for the prevention of chronic
kidney disease-associated muscle wasting in mice. Artificial Cell,
Nanomedicine, and Biotechnology, 51. https://doi.org/10.1080/2
1691401.2023.2213735
Lins, S. M. S. B., Leite, J. L., Godoy, S., Fuly, P. S. C., Araújo, S.
T. C., & Silva, I. R. (2017). Validação do questionário de
adesão do paciente renal crônico brasileiro em hemodiálise.
Revista Brasileira de Enfermagem, 70(3), 558-565. https://doi.
org/10.1590/0034-7167-2016-0437.
Madeiro, A. C., Machado, P. D. L. C., Bonfim, I. M., Braqueais, A.
R., & Lima, F. E. T. (2010). Adesão de portadores de insufi-
ciência renal crônica ao tratamento de hemodiálise. Acta Paulista
de Enfermagem, 23(4), 546-51. https://doi.org/org/10.1590/
S01032100201000 0400016
Marinho, C. L. A., Oliveira, J. F., Borges, J. E. S., Fernandes, F. E. C.
V., & Silva, R. S. (2018). Associação entre características socio-
demográficas e qualidade de vida de pacientes renais crônicos
em hemodiálise. Revista Cuidarte, 9(1), 2017-2029. https://doi.
org/10.15649/cuidarte.v9i1.483.
Maschio, G., Silva, A. M., Celich, K. L. S., Silva, T. G., Souza, S.
S., & Silva Filho, C. C. (2019). The Family Relationships
When Dealing With a Chronic Disease: The Family Caregiver
Viewpoint/Relações Familiares Vivenciadas no Percurso da

669
Revista de Psicología, Vol. 42(2), 2024, pp. 637-671 (e-ISSN 2223-3733)

Doença Crônica: O Olhar do Cuidador Familiar. Revista de


Pesquisa: Cuidado é Fundamental Online, 11(2), 470-474.
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.470-474
Matsuoka, E. T. M., Rodrigues, M. L. F. M, da Silva, J. M. M., Galindo,
W. C. M., & Galvão, J. O. (2019). A Comunicação Profissional
de Saúde-Usuário (a) na Doença Renal Crônica. Revista Sub-
jetividades, 19(1), 1-15. https://doi.org/10.5020/23590777.
rs.v19i1.e7593
Maturana, A. P. P. M., Callegari, B., & Schiavon, V. (2016). Atuação
do psicólogo hospitalar na insuficiência renal crônica. Psicolo-
gia Hospitalar, 14(1), 94-116. https://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1677-740920160001000 06
Mercado-Martinez, F. J., Silva, D. G. V., Souza, S. S., Zillmer, J. G.
V., Lopes, S. G. R., & Böell, J. E. (2015). Vivendo com insu-
ficiência renal: obstáculos na terapia da hemodiálise na pers-
pectiva das pessoas doentes e suas famílias. Physis: Revista de
Saúde Coletiva, 25(1), 59-74. https://doi.org/10.1590/S0103-
73312015000100005
Ministério da Saúde [MS]. (2014). Ministério da Saúde. Secretaria
de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada
e Temática. Diretrizes Clínicas para o Cuidado ao paciente com
Doença Renal Crônica – DRC no Sistema Único de Saúde/ Minis-
tério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento
de Atenção Especializada e Temática – Brasília: Ministério
da Saúde.
Oliveira, J. F., Marinho, C. L. A., Silva, R. S., & Lira, G. G. (2019).
Quality of life of patients on peritoneal dialysis and its impact
on the social dimension. Escola Anna Nery, 23(1), e20180265.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0265
Pereira, T. T. S. O., Barros, M. N. S., & Augusto, M. C. N. A. (2011).
O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a sub-
jetividade em foco. Mental, 9(17), 523-536. https://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S16794427
2011000200002&lng=pt&tlng=pt.

670
Percepções sobre a DRC e a adesão ao tratamento / Melo et al.

Pereira, E., Chemin, J., Menegatti, C. L., & Riella, M. C. (2016).


Escolha do método dialítico-variáveis clínicas e psicossociais
relacionadas ao tratamento. Jornal Brasileiro de Nefrologia, 38(2),
215-224. https://doi.org/ 10.5935/0101-2800.20160031
Sanhueza, M. E., Martin, P. S., Brantes, L., & Machuda, E. (2023).
Efficacy of vaccination against the SARS-CoV-2 virus in patients
with chronic kidney disease on hemodialysis. Human Vaccines &
Immunotherapeutics, 19. https://doi.org/10.1080/21645515.20
23.2173904
Santos, C. J. G. (2016). Tipos de pesquisa. Oficina da Pesquisa. https://
www.oficinadapesquisa.com.br/APOSTILAS/METODOL/_
OF.TIPOS_PESQUISA.PDF
Santos, B. P., Oliveira, V. A., Soares, M. C., & Schwartz, E. (2017).
Doença renal crônica: relação dos pacientes com a hemodiálise.
ABCS Health Sciences, 42(1), 8-14. https://doi.org/10.7322/
abcshs.v42i1.943
Trepichio, P. B., Guirardello, E. D. B., Duran, E. C. M., & Brito, A. P.
(2013). Perfil dos pacientes e carga de trabalho de enfermagem
na unidade de nefrologia. Revista Gaúcha de Enfermagem, 34(2),
133-9. https://doi.org/10.1590/ S1983-14472013000200017.
Wang, X., Wang, H., Li, J., Li, L., Wang, Y., & Li, A. (2023). ­Salt-induced
phosphoproteomic changes in the subfornical organ in rats with
chronic kidney disease. Renal Failure, 45. https://doi.org/10.1080
/0886022x.2023.2171886

Recibido: 21/05/2020
Revisado: 10/10/2023
Aceptado: 27/10/2023

671

Você também pode gostar