Tratado de MFC - Telessaúde

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► CAPÍTULO 20

Telessaúde na atenção primária à saúde


Carlos André Aita Schmitz
Ana Célia da Silva Siqueira
Marcelo Rodrigues Gonçalves
Eno Dias de Castro Filho
Erno Harzheim

Aspectos-chave
► O uso de tecnologias da informação e comunicação (TICs) para trocas de informações em saúde não é
novidade, e os primeiros relatos, com o uso de telégrafo, datam do século XIX. A partir de 1995, a telessaúde
tem migrado de um domínio fortemente tecnológico para um domínio centrado no paciente e focado na
clínica.
► Apesar de ser um conceito polissêmico, a maioria dos autores concorda que telessaúde envolve a
interposição de tecnologia entre um ou mais pontos para a realização de ações de saúde à distância. Porém,
ocorreram modificações e avanços substanciais no entendimento da distância considerada, da tecnologia
utilizada, das ações de saúde possíveis e de quais elementos estarão interagindo em cada extremidade
comunicada.
► A telessaúde tem potencial para gerar aumento de acesso e qualidade com redução de custos na saúde. Há
evidências de desfechos positivos no contexto da atenção primária à saúde (APS) e da abordagem de
condições crônicas. Apesar de realizados em menor quantidade, os estudos de custo apontam para ganhos
com a utilização de telessaúde.
► A oferta de serviços ainda é maior do que a demanda e, em geral, existe mais aceitação pela população do
que pelos profissionais de saúde na incorporação da telessaúde na prática diária. Além disso, a normatização
brasileira ainda é uma barreira importante para a adoção de telessaúde.
► O leque com opções públicas de ferramentas de telessaúde disponível para profissionais da APS varia
conforme as iniciativas de cada Estado e existem experiências de abrangência nacional.

Caso clínico
Médico de uma unidade de saúde do interior deseja qualificar o cuidado em saúde respiratória dos pacientes
que acompanha. A primeira ação realizada pela equipe é a busca ativa de pacientes com uso crônico de
medicação respiratória e a realização de avaliação para manejo adequado dos sintomas e das condições
clínicas. O médico solicita exame de espirometria para 18 pacientes. Os pacientes realizarão o exame em
um ponto remoto, que existe em uma localidade próxima. O médico da unidade de saúde está tranquilo, pois
o laudo dos exames será realizado à distância, por uma equipe de especialistas em fisiologia pulmonar
localizada na capital.

Ao longo do capítulo, pode-se observar que há ainda um bom caminho para a telessaúde exercer todo o
seu potencial no contexto da medicina de família e comunidade. Dos projetos-piloto até a generalização
do uso na prática da APS, existem barreiras humanas, técnicas e políticas.1
Histórico e contexto tecnológico
TICs envolve o uso de hardware, softwar e e telecomunicações na automação e na comunicação de
processos em geral.2 O uso de tecnologias (envolvendo ao menos eletricidade) para apoiar ações de saúde
é antigo. Dos primeiros relatos, no final do século XIX, com o telégrafo (uso clínico em campanhas
militares), passando (aditiva e cronologicamente) pelo telefone, rádio, fax, televisão, internet até a
telepresença, já se passaram mais de 150 anos.3
Em 1906, eletrocardiógrafo e telefone tiveram uso combinado (telecardiograma). Na década de 1920,
surgiu o rádio de suporte clínico e cirúrgico para navios em curso. Fac-símiles de imagens radiológicas
foram enviados em 1948, e em 1950, a televisão serviu para teleducação em psiquiatria. Os termos
informática médica e telemedicina são contemporâneos, com sedimentação no final da década de 1960,
quando foi publicado o primeiro protótipo de programa de telessaúde em Boston.3–5
Na década de 1970, por influência das necessidades militares e aeroespaciais norte-americanas e
europeias, o intercâmbio de pesquisadores impulsionou a área em vários países, inclusive na América
Latina, iniciando pelo México em 1995, chegando ao Brasil em 1999.6,7
Ocorreu um período pioneiro entre 1970 e 1995, e outro contemporâneo na década de 2010.8 Além de
estarem ligados a fatores como desenvolvimento e inovação tecnológica, os impulsos para a telessaúde,
em 1995 e 2010, que geraram um aumento excepcional de publicações, foram relacionados com grandes
financiamentos estatais, principalmente norte-americanos.9
Esses aumentos, de produção e de financiamento, refletem a lei de Kurzweil, ou dos retornos
acelerados, em que a tecnologia não avança linearmente, mas sim exponencialmente, pois sua
efetividade faz com que mais e mais recursos sejam adicionados para o progresso do processo.10 Nesse
sentido, a popularização da internet, na década de 1990, carregou a promessa de superar todas as
tecnologias anteriores e gerou a e-saúde,11 considerada hierarquicamente superior à telessaúde pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), que a lançou como prioridade de agenda mundial em 2005.12 Da
mesma forma, a partir de 2000, a produção em larga escala de dispositivos móveis junto com a
proliferação de aplicativos voltados para a saúde produziu um novo ramo, a m-saúde.13 O conceito de
internet das coisas,14 que diz respeito às tecnologias domésticas inteligentes, uniu-se à e-saúde e à m-
saúde em direção à saúde conectada,15 que objetiva levar as ações de saúde onde e quando uma pessoa
precisar. Também nas últimas décadas ocorreu uma grande produção de prontuários eletrônicos do
paciente e a ligação desses, junto aos demais sistemas de informação em saúde, com registros eletrônicos
de saúde de abrangência nacional por meio da normatização da interoperabilidade.16,17 Com tudo isso,
em função do volume, da velocidade de geração e da diversidade dos dados, surgiu o conceito de Big Data
e a necessidade de tratamento e análise de grandes volumes de dados para convertê-los em informação
útil.18

Conceito e possibilidades
Telessaúde envolve mediação por TICs (e esse é o principal diferencial entre o cuidado usual e a
telessaúde) em interações à distância no âmbito da saúde. Embora a distância seja um fator
determinante, a unidade de distância não o é (variando de quilômetros a centímetros, ou menos), e a
interação pode ocorrer entre pessoas e/ou equipamentos e/ou aplicações. Além disso, os eventos podem
ser síncronos ou assíncronos, bem como possuírem finalidade assistencial ou educacional (Quadro
20.1).3,19,20

Quadro 20.1 | Algumas tipologias de telessaúde

Ação de
telessaúde Interação à distância mediada por TICs entre Modalidade Sincronicidade

Teleconsulta Profissional de saúde/algoritmo de Paciente Assistencial Síncrona/assíncrona


apoio à decisão

Teleconsultoria Profissional de saúde/algoritmo de Profissional de Assistencial Síncrona/assíncrona


apoio à decisão saúde

Telediagnóstico Equipamento de coleta Profissional de Assistencial Assíncrona/síncrona


saúde

Telecirurgia Profissional de saúde Equipamento Assistencial Síncrona


robótico de
cirurgia

Telemonitoramento Sensor de coleta Dispositivo de Assistencial Síncrona/assíncrona


monitoramento e
armazenamento

Teleducação Repositório/Aplicação/Profissional(is) Profissional(is) de Educacional Síncrona/assíncrona


de saúde/Paciente(s) saúde/Paciente(s)

Fonte: Bashshur e colaboradores3, Sood e colaboradores19 e World Health Organization.20

A radiologia foi uma das primeiras áreas a utilizar recursos de telessaúde e, em 2010, 60% dos 125
países avaliados pela OMS já tinham algum serviço em operação, seguida da dermatologia (40%) e da
patologia (25%).20 Após os avanços na área de diagnóstico, as possibilidades de aumento de interação à
distância levaram naturalmente para a consultoria entre profissionais de saúde, bem como para o
atendimento clínico e até cirúrgico (com auxílio da robótica) de pacientes.21 Em contraste com o cenário
dos países desenvolvidos, o contexto adotado por países em desenvolvimento foi o contato do nível
primário de atenção com os demais níveis de atenção por meio de consultorias entre profissionais de
saúde e formação profissional.7
Os avanços tecnológicos, a redução dos custos e a popularização do acesso à tecnologia mudaram a face
da telessaúde. No que diz respeito à distância, a interação mediada por tecnologia passou a ser utilizada
em distâncias cada vez menores (com sensores vestíveis, injetáveis e deglutíveis sendo uma realidade). O
autocuidado tem recebido forte investimento, e as interações não ocorrem apenas entre seres humanos,
mas também com sensores, algoritmos de apoio à decisão e até mesmo inteligência artificial assumindo
uma das extremidades de interação.22
Os inovadores tradicionais (empresas do complexo farmacêutico-hospitalar) estão começando a ceder
espaços para empresas emergentes, como Google, Apple, Amazon e um grande número de empresas de
desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis e de sensoriamento remoto. Alexa, o assistente
doméstico virtual da Amazon, recebeu da American Heart Association habilidades para descrever os
fatores de risco para infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), além de fornecer
orientações de como proceder uma ressuscitação cardiorrespiratória em casa. A Onduo, uma joint
venture que inclui a Google e a Sanofi, está investindo em meios de fazer com que diabéticos tomem
melhores decisões a respeito do uso de suas medicações e de seu estilo de vida. Médicos e enfermeiros do
Royal Free Hospital, em Londres, usam um aplicativo para dispositivos móveis (app) da DeepMind (uma
empresa de inteligência artificial da Google), que analisa os dados de monitoramento e do histórico
clínico de pacientes internados, identificando os que estão em risco, e emite alertas. O National Health
System (NHS) britânico está testando uma inteligência artificial capaz de responder a questões sobre a
saúde dos pacientes. A Food and Drug Administration (FDA) americana aprovou 36 apps para saúde
conectada em 2016, e um app chamado Natural Cycles, que promete um índice de Pearl de 7, foi
recentemente aprovado na Europa. A China investiu mais de 600 milhões de dólares em dois apps para
consultas médicas em 2016, e a Índia tem exemplos como o LiveHealth, um app que permite ao paciente
acessar seu registro eletrônico em saúde e se comunicar com seus profissionais de saúde.23
Vista como uma inovação disruptiva (que redefine padrões, ao contrário da inovação sustentada, que
segue padrões), por colocar em cheque as práticas tradicionais de saúde, a telessaúde tem potencial para
reformar, transformar e organizar o setor saúde, com redução de custos e ganhos na qualidade e no
acesso. A telessaúde está mudando não só a forma de ofertar cuidado em saúde, mas também o próprio
domínio da saúde. Sua influência é percebida de forma cada vez mais intensa e rápida.24 De fato, no
curto espaço de tempo (5 anos) entre as duas edições deste tratado, a telessaúde mudou radicalmente,
avançando em progressão geométrica no mundo e aritmética no Brasil. Pode-se dizer que, para um
observador desavisado, o que era considerado futuro para a telessaúde já ocorreu.
Mesmo o caráter disruptivo da telessaúde começa a ficar para trás, pois se torna cada vez mais próximo
um ponto de inflexão, em que o padrão de adoção irá se deslocar dos usuários mais focados em inovações
tecnológicas para aqueles mais pragmáticos. Pacientes, em especial idosos, já realizam mais encontros
virtuais do que pessoais com seus profissionais de saúde, com altos níveis de satisfação para ambos e
melhores desfechos em saúde.22
No Brasil, apesar dos passos mais lentos e das barreiras normativas (a teleconsulta é proibida pelo
Conselho Federal de Medicina [CFM]), a telessaúde já deixou de ser apenas uma fonte de formação
profissional continuada ou de teleconsultoria. Multiplicam-se os serviços médicos digitais com caráter
aditivo ou mesmo substitutivo, em especial para serviços especializados com pouco acesso ou baixo
interesse de mercado. Existem várias iniciativas privadas e/ou públicas de telessaúde. O Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), por exemplo, viabiliza
parcerias público-privadas que envolvem o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o Hospital do Coração, o
Hospital da Beneficência Portuguesa, o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital Sírio-Libanês e o
Hospital Samaritano, todos situados na cidade de São Paulo, bem como o Hospital Moinhos de Vento,
situado na cidade de Porto Alegre, entre outras experiências no país.

Telessaúde baseada em evidências


Pouco se sabe sobre o perfil de usuários e não usuários de telessaúde na APS. Um levantamento
publicado em 2017, pela Academia Americana de Médicos de Família, mostrou que apenas 15% dos
médicos de família entrevistados reportaram o uso corrente de ferramentas de telessaúde no ano de
2014. Trabalhar em áreas rurais, em serviços hospitalares de urgência e emergência ou em sistemas
integrados de saúde foram fatores potencializadores do uso. Ter mais de 10 anos de prática médica,
trabalhar na APS, trabalhar em serviços privados e não ter acesso a um prontuário eletrônico são fatores
considerados barreiras. Custo, treinamento e impossibilidade de reembolso também foram considerados
como barreiras pelos entrevistados.25
A telessaúde ainda é um campo em franco desenvolvimento, com uma curva exponencial de
crescimento do número de publicações na área variando de menos de 200 para mais de 1.600 artigos
publicados por ano no PubMed, entre 1995 e 2013.8 Muitos dos estudos iniciais em telessaúde abordaram
avaliações de tecnologia e factibilidade. Estudos voltados para desfechos clínicos e análises de custo
aparecem em maior número a partir da década de 2000.26 A literatura mostra que tanto há desafios
quanto avanços nas questões de aceitação, acesso, qualidade e custos.
No que diz respeito à aceitação, considerando que clínicos têm de 15 a 20 dúvidas por dia, muitas das
quais ficam sem resposta,27,28 um dos problemas para a expansão de serviços de telessaúde é a sua baixa
utilização.29 A aceitação clínica, definida como a disposição de médicos e outros profissionais de saúde
em contar com ferramentas de telessaúde dentro de sua rotina diária, é de natureza multifatorial.30 Em
relação aos pacientes, a aceitação é bem maior do que entre os provedores. Pacientes são consumidores
de tecnologias como mensagens de texto, telefone, e-mail, registro pessoal de saúde, internet das coisas,
apps e algoritmos de apoio à decisão. Porém, a situação da lei dos cuidados inversos ocorre no momento
em que a probabilidade de usar tecnologia é menor naqueles pacientes com menos saúde. O uso de
ferramentas de telessaúde (como a teleconsulta e a prescrição eletrônica) ampliou o acesso dos pacientes,
tanto na APS como em serviços especializados.3,30
Em relação aos desafios de melhoria da qualidade, uma revisão de literatura, com 80 revisões
sistemáticas heterogêneas, entre 2005 e 2009, apresentou os seguintes resultados: telessaúde como efetiva
(21), evidência promissora, porém incompleta (18), evidência limitada e inconsistente (41).31 Uma revisão
de 148 ensaios clínicos entre 1990 e 2011, avaliando vários tipos de intervenções de telessaúde (suporte
por telefone, videoconferência, e-mail, web mensagem ou chat online e telemonitoramento) para o manejo
de cinco condições crônicas (asma, doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC], diabetes melito,
insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão arterial sistêmica), sumarizou achados para 37.695
pacientes. Mesmo não utilizando o modelo de uma metanálise convencional, a maioria dos estudos (n =
108) apontou efeitos positivos e quase nenhum efeito negativo (n = 2), sugerindo viés de publicação e
concluindo que a base de evidências para telessaúde na gestão de doenças crônicas é em geral fraca e
contraditória.32
No campo dos avanços de qualidade, em revisão voltada para resultados de suporte assistencial por
telessaúde para médicos na APS, cinco ensaios clínicos randomizados (ECRs) mostraram evitação
significativa de exames e de referenciamento para outros níveis de atenção (exceto nos casos
cirúrgicos).33 Uma revisão dos efeitos de ações de telessaúde na qualidade do manejo de três importantes
doenças crônicas – insuficiência cardíaca (19 ECRs, 2000-2014), AVC (21 ECRs, 2006-2014) e DPOC (17 ECRs,
2007-2013) – mostrou potencial positivo, com significativas tendências para redução de internações e
atendimentos de emergência, bem como para prevenir e/ou limitar a gravidade dos episódios. No caso de
AVC, houve redução de mortalidade entre 15 e 56%.3
No que diz respeito à redução de custos, uma revisão de 47 estudos sobre custo-efetividade, no período
de 1990 a 2010, concluiu que ainda não há nenhuma evidência forte de que, em termo de custos, as
intervenções de telessaúde sejam mais eficazes do que as intervenções tradicionais em saúde.34 Porém,
uma revisão mais recente, de 2008 a 2014, mostrou evidências de redução de custos em comparação com
o cuidado usual em 14 ECRs avaliados no que diz respeito ao acompanhamento de doenças crônicas. O
mesmo estudo apontou para o aumento do acesso e da qualidade.3
Um estudo gaúcho de custo-minimização na implantação de coleta descentralizada de espirometrias,
com laudo na capital e suporte por teleconsultoria para os profissionais solicitantes, encontrou uma
economia de R$ 102,71 por paciente que realizou diagnóstico e tratamento na forma descentralizada.35
Da mesma forma, um estudo mineiro, com exames cardiológicos à distância, mostrou que a
descentralização da coleta foi capaz de reduzir aproximadamente 50% nos custos de diagnóstico e
acompanhamento em relação ao cuidado tradicional.36
Uma revisão voltada especialmente para desfechos em APS, no período de 2005 a 2015, em 14 países,
levantou 86 artigos (50% norte-americanos), com achados sumarizados a seguir:37

Viabilidade e aceitação
● Os pacientes são favoráveis a compartilhar suas informações com provedores e familiares
envolvidos no seu cuidado, bem como acessar seu médico por telefone ou internet (inclusive
pagando por isso).
● Existe boa aceitação para aconselhamento telefônico por enfermeiros.
● Os pacientes veem a consulta e a prescrição eletrônica de forma equivalente à presencial, exceto
para condições que exigem exame físico.

Desfechos intermediários
● Os achados pertinentes à teleconsulta (em geral, por telefone) mostraram melhoria moderada na
qualidade, bem como evitação de 40% de referenciamentos para condições crônicas e diminuição do
absenteísmo nos retornos agendados.
● O acesso a portais de saúde não alterou a frequência das consultas em APS.
● O uso de registro eletrônico em saúde reduziu em 9% o número de consultas, além de gerar
aumento modesto na qualidade dos atendimentos.
● O uso da internet teve efeito positivo em várias áreas, com redução de 29% do absenteísmo nas
consultas especializadas, melhora nos agendamentos e identificação (e abordagem) de efeitos
adversos de medicamentos.
● Também houve redução no absenteísmo e melhora no agendamento, com o uso de mensagens de
texto (SMS), o mesmo ocorrendo com checagens de medicação.
● O uso da internet produziu resultados similares ao telefone na triagem por enfermeiros para
apendicite e orientações para infecção urinária, bem como na gestão de casos, com redução de 30%
nas readmissões em 30 dias.
● A apreensão dos médicos a respeito de os pacientes vê-los consultar a internet durante as consultas
foi descartada pelos próprios pacientes, que, no entanto, referiram mais credibilidade por consultas
a livros.

Desfechos primários
● A intervenção comportamental por telefone ou internet resultou em perda de peso significativa em
adultos obesos com um ou mais fatores de risco cardiovascular, especialmente se combinada com
visita presencial a médico generalista.
● O aconselhamento clínico por telefone otimizou o uso de medicações analgésicas em pacientes com
risco de abuso, bem como reduziu o quadro de dor.
● A adoção de um sistema nacional de informação reduziu a mortalidade em várias doenças.
● Programas educacionais com base na internet (inclusive no Brasil) melhoraram a adesão
farmacológica, a atividade física e o controle sódico em pacientes hipertensos.
● Mensagens de texto por telefonia móvel, dirigidas para mulheres grávidas, reduziram em 50% a
mortalidade perinatal em um país em desenvolvimento (Belize).

Embora haja a necessidade de mais estudos com rigor científico para validação de impactos em
desfechos clínicos, bem como a padronização de métodos para avaliar o custo, os autores concluíram que
a telessaúde, no atual contexto dos sistemas de saúde, tem um grande potencial para enfrentar os
desafios abordados pela APS. A aceitação de pacientes e de provedores torna cada vez mais a telessaúde
um componente viável e integral da APS em todo o mundo.

Ferramentas de telessaúde no Brasil


Apesar da ampliação do acesso, com crescimento de serviços de APS a partir da implantação do SUS,
permanecem diferenças em relação à qualidade dos serviços ofertados. A falta de investimento em
estrutura física, redes de saúde com baixo nível de integração horizontal e vertical, a baixa incorporação
tecnológica e as deficiências na formação profissional, entre outros fatores, participam como causas de
heterogeneidade da qualidade da APS.38–42 Em função desse quadro, o Programa Nacional de Telessaúde
(porém, na forma de projetos-piloto) foi lançado, em 2007, em nove Estados da federação: Amazonas,
Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Mais tarde, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Tocantins também tiveram seus projetos-piloto.43 O
status de programa nacional (Programa Telessaúde Brasil) foi atingido em 2010, mas ainda voltado
principalmente para a teleducação e só para a APS. Uma ampliação de escopo ocorreu em 2011, com a
criação do Programa Telessaúde Brasil Redes, passando a abranger todos os níveis de atenção, com ações
de telessaúde voltadas para o fortalecimento de redes de atenção à saúde, coordenadas pela APS.
Infelizmente, houve uma opção política de deseconomia de escala com incentivo para a proliferação de
mais de 40 núcleos de telessaúde estaduais, municipais e intermunicipais (dos quais vários não estão
mais operando). Em 2017, a telessaúde ainda não atingiu o patamar de política de saúde e se sugere a
necessidade de retorno ao conceito de ganho de escala, com integração horizontal, regulação, auditoria,
centralização de recursos e redução do número de núcleos de telessaúde.44
Vários dos núcleos originais desenvolveram especificidades próprias. São Paulo manteve desde o
princípio a linha de teleducação e produção de complexos Objetos de Aprendizagem (p. ex., Homem
virtual). O Estado do Amazonas, devido às suas características geográficas e demográficas, desenvolveu
uma estrutura própria para trabalhar com dificuldades de transmissão e carência de profissionais de
saúde nas localidades atendidas. Minas Gerais fortaleceu seu serviço pioneiro (desde 2005) de
telediagnóstico em cardiologia, com altas taxas de cobertura. Santa Catarina desenvolveu a Rede
Catarinense de Telemedicina, sendo referência nacional em telerradiologia.43 O Rio Grande de Sul foi o
único núcleo que transpôs as barreiras geográficas, ao disponibilizar ferramentas de telessaúde com
abrangência nacional (ver exemplos mais adiante).
Um fator preponderante para a disseminação de serviços de telessaúde é a velocidade de conexão à
internet nos estabelecimentos de saúde. A pesquisa TIC Saúde de 2015 confirmou uma tendência de
melhoria da velocidade, já observada em edições anteriores, em todas as regiões do país. Em relação a
2014, houve um crescimento de 13 para 23% nas conexões de 10 Mbps a 100 Mbps (em 2013, apenas 10%
dos estabelecimentos possuía essa velocidade de conexão). Infelizmente, no estrato público, o percentual
é de apenas 9 contra 37% no privado. Mesmo considerando todas as faixas de velocidade, em 2013, a
pesquisa apontou um maior déficit de infraestrutura em estabelecimentos responsáveis pela atenção
básica e atendimento exclusivamente ambulatorial, pois no estrato de estabelecimentos públicos sem
internação encontrou apenas 57% de uso de internet nos 12 meses anteriores à pesquisa contra 99% no
segmento privado.45
O cômputo dos microdados do Módulo I – Observação na Unidade Básica de Saúde da fase de avaliação
externa do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica, coletados em 2012 –
encontrou um quadro semelhante. Apesar dos incentivos estatais fornecidos, persistiram déficits de
infraestrutura, pois das 38.812 unidades de saúde avaliadas nas cinco regiões do país, apenas 51%
(variação de 26-72% entre as regiões) referiram possuir computador, 35% (13-60%) relataram acesso à
internet, e 12% (3-23%), participação em atividades de telessaúde.46
Em relação à participação em alguma rede de telessaúde, a edição da pesquisa TIC Saúde de 2015
mostrou uma diferença marcante entre estabelecimentos públicos e privados: 27 contra apenas 4%. As
maiores participações foram nos estratos com 50 leitos ou mais (16%) e sem internação (11%).45
No que diz respeito à forma de prover as ferramentas de telessaúde, existem várias plataformas de
telessaúde em operação. Segundo o informativo N. 014/2015 do Programa Nacional Telessaúde Brasil
Redes, a partir de abril de 2015, além da Plataforma Nacional de Telessaúde, 13 núcleos de telessaúde
tinham plataformas cadastradas no Sistema de Monitoramento e Avaliação de Resultados (SMART) do
Ministério da Saúde (MS).47 Desses, três migraram para a Plataforma Nacional até outubro de 2015 (AM,
CE e PA).
A Plataforma Nacional de Telessaúde (Figura 20.1)48 foi lançada em 2013 por meio de uma parceria
entre o Núcleo de Telessaúde do Rio Grande do Sul (TelessaúdeRS) e o MS. Está disponível para ser
utilizada de forma gratuita por qualquer núcleo de telessaúde do Brasil, com possibilidade de acesso
multiprofissional dentro de vários níveis de formação, bem como dentro de várias modalidades de
telessaúde, conforme a customização de cada núcleo de telessaúde. Até 2015, a Plataforma Nacional já era
utilizada por 18 núcleos de telessaúde, que atendiam cerca de 40.000 profissionais de saúde cadastrados
em 9.000 unidades de saúde de 1.900 municípios em 14 estados das cinco regiões do país. Além disso, a
Plataforma de Telessaúde-MS foi cedida para o MS de Moçambique, com previsão de inauguração do
sistema de telessaúde moçambicano para o segundo semestre de 2018.

▲ Figura 20.1
Plataforma Nacional de Telessaúde – MS, versão 2.0: tela de acesso. TelessaúdeRS-UFRGS, Porto Alegre,
2017.
Fonte: Brasil.48

A seguir, são descritas as principais tipologias de telessaúde mais utilizadas no país.

Teleconsultoria
A Portaria no 2.546/201149 define teleconsultoria como:

[...] consulta registrada e realizada entre trabalhadores, profissionais e gestores da área de saúde, por meio
de instrumentos de telecomunicação bidirecional, com o fim de esclarecer dúvidas sobre procedimentos
clínicos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho, podendo ser de dois tipos: a) síncrona
– teleconsultoria realizada em tempo real, geralmente por chat, web ou videoconferência; ou b) assíncrona –
teleconsultoria realizada por meio de mensagens off-line.
Em geral, as plataformas de telessaúde permitem solicitações de forma simplificada e com poucos
campos de preenchimento obrigatório (Figura 20.2). Podem ser discutidos desde casos clínicos até
questões pertinentes ao processo de trabalho, bem como temas de saúde não ligados a um paciente
específico. Discussões por videoconferência, em geral, são agendadas previamente.
Respostas de teleconsultorias assíncronas devem ser respondidas em até 72 horas e são formatadas
para permitir leitura rápida (máximo de uma lauda) dentro do contexto de demanda enfrentado pelo
solicitante, porém possuem referências que permitem um acesso ampliado ao tema. Teleconsultorias
síncronas devem ser gravadas ou minimamente resumidas para acesso posterior. É importante que haja
regulação para evitar que evidências específicas de um nível de atenção sejam aplicadas fora de contexto
e gerem risco de iatrogenia, ou seja, a escolha do teleconsultor não deve partir do profissional solicitante,
mas sim de um profissional regulador experiente. Da mesma forma, para garantir qualidade e
alinhamento entre pares, um teleconsultor sênior deve realizar auditoria sobre as respostas produzidas.
Alguns núcleos padronizaram o processo de auditoria por amostragem, nível de insatisfação do
solicitante, bem como tempos e tamanhos de resposta desviantes.50

▲ Figura 20.2
Plataforma Nacional de Telessaúde – MS, versão 2.0: caixa de entrada, tela de solicitação e de leitura de
teleconsultorias assíncronas. TelessaúdeRS-UFRGS, Porto Alegre, 2017.
Fonte: Brasil.48

Números da Plataforma de Telessaúde-MS mostram que os 780 teleconsultores, lotados em 18 núcleos


de telessaúde, podem ofertar entre 0,92 e 2,06 teleconsultorias por mês para cada unidade de saúde de
suas áreas de abrangência. Apesar de essa oferta ser compatível com a meta do Programa Telessaúde
Brasil Redes (de uma teleconsultoria por mês por unidade de saúde), a demanda por teleconsultorias de
texto (assíncrona) e vídeo (síncrona) é baixa (0,22-1,00 teleconsultorias por mês por unidade de saúde),
isso considerando todas as categorias e níveis profissionais. O quadro piora bastante se for tomado o
recorte profissional médico, em que apenas 10% dos mais de 8.000 médicos cadastrados realizaram
alguma teleconsultoria em um período de 24 meses, o que configura uma situação de baixa aceitação
clínica. Isso também configura a ociosidade de um grupo de teleconsultores que é capaz de responder a
questões relacionadas a todos os capítulos da Classificação internacional de atenção primária (CIAP-2) e de
todos os capítulos da Classificação internacional de doenças (CID-10).44
Modelos híbridos podem ser utilizados para avançar em questões de aceitação clínica baixa, como a
telessaúde no Brasil, que ainda pode ser considerada uma inovação completamente disruptiva no
contexto brasileiro. Para atender aqueles profissionais cuja opção é não usar uma nova tecnologia, os
modelos híbridos utilizam tanto tecnologias bem sedimentadas como tecnologias inovadoras. Dessa
forma, ocupa-se o espaço com um híbrido mais efetivo do que a tecnologia antiga, porém com uso mais
simples e acessível do que a inovação disruptiva pura.51 A banda larga e a telepresença, junto com a
aceitação clínica, se mantêm distantes, ao passo que uma velha TIC, o telefone, apresenta-se como opção
híbrida, em função de sua grande penetração e facilidade de acesso. Para enfrentar a baixa aceitação
clínica e melhorar o acesso em regiões com cobertura baixa ou inexistente de internet, o MS, em 2015,
disponibilizou para todos os médicos e enfermeiros da APS brasileira o Canal 0800, que a partir de 2013
funcionava restrito ao RS (configurando-se, portanto, como a maior experiência pública de abrangência
nacional no Brasil). O número 0800 664 6543 funciona de segunda à sexta-feira, das 8:00 às 17:30, sem
parar ao meio-dia, e coloca um time de consultores especialistas em APS e especialistas focais à
disposição por meio de ligações gratuitas por telefonia fixa e móvel para discussões de caso que, em geral,
não demoram mais do que 10 minutos, sendo que 40% dos casos são resolvidos em até 5 minutos (Figura
20.3).

▲ Figura 20.3
Canal 0800. Teleconsultores disponíveis. TelessaúdeRS-UFRGS, Porto Alegre, 2017.
Fonte: Brasil.48

Todas as discussões são gravadas e passam pelo mesmo processo de auditoria das demais
teleconsultorias. Com o Canal 0800 foi atingido um índice de 68% de evitação de referenciamentos, com
satisfação geral de 99% em mais 68.000 casos discutidos entre 2013 e 2017. O profissional solicitante pode
telefonar tanto no momento da consulta com seu paciente ou discutir vários casos em horas de menor
demanda presencial. Exemplos de casos discutidos no Canal 0800 podem ser consultados na seção
Perguntas da Semana no site.52
O uso de um modelo híbrido surtiu efeito. No Rio Grande do Sul, houve um incremento de mais de 20
vezes no número de solicitações de teleconsultoria. Pela baixa divulgação realizada pelo MS, as taxas de
utilização cresceram mais lentamente no restante do país, apesar da capacidade instalada e da
possibilidade de escalabilidade da equipe permitir uma cobertura plena.

Telediagnóstico
Olhando-se pela ótica do dilema de Oregon (acesso, qualidade e custo: escolha dois),53 a ampliação do
acesso é um dos maiores desafios da saúde brasileira e um dos trunfos da telessaúde (se usada de forma
regulada). Mesmo em países com uma APS fraca, como os EUA, até 55% das consultas ocorrem nesse nível
de atenção, com tendência de crescimento em função de medidas governamentais, como o Affordable
Care Act.54 No Brasil, apesar de mais de 60% da população estar coberta pela materialização da APS no
país (a Estratégia de Saúde da Família [ESF]), o atributo do acesso é o que tem pior avaliação em diversos
estudos.39,40,55–58 Da mesma forma, a demografia médica no Brasil mostra que 76% da população reside
no interior do país, onde há uma taxa de 1,23 médicos por 1.000 habitantes, ao passo que a concentração
de médicos é de 4,84 por 1.000 habitantes nas capitais, ou seja, “[...] as 39 cidades com mais de 500 mil
habitantes concentram 30% da população e 60% de todos os médicos do país [...]”.59 Apenas 23% estão
lotados na ESF, e 51% ficam nos hospitais. Mas o pior quadro está na atenção secundária e especializada
do SUS, que conta com apenas 5% do contingente de médicos, de forma que, mesmo que haja acesso pela
ESF, consultas, exames e procedimentos eletivos serão barrados por longas e inviabilizantes filas de
espera. Soma-se a isso o fato de 50% dos médicos brasileiros estarem lotados no setor privado, em que é
atendida uma população três vezes menor do que no SUS.59 O que se demonstra como um contexto
caótico na verdade é uma oportunidade de crescimento para a telessaúde: aumentar acesso e qualidade
ao mesmo tempo em que reduz custos e deslocamentos.60
Para o MS, telediagnóstico é todo: “[...] serviço autônomo que utiliza as tecnologias da informação e
comunicação para realizar serviços de apoio ao diagnóstico à distância [...]”.49 Como mencionado, para
serviços especializados que impõem barreiras de acesso pela oferta de poucas vagas ou para aqueles em
que há baixo interesse de mercado, a telessaúde tem potencial para agir de forma aditiva ou mesmo
substitutiva. Da mesma forma, eventos pouco frequentes e raros podem ter o acompanhamento
beneficiado pela descentralização de parte do processo diagnóstico e terapêutico, mesmo com a
manutenção de especialistas nos grandes centros. O telediagnóstico apresenta-se como uma alternativa
custo-efetiva para atender a demanda reprimida por serviços de apoio diagnóstico à APS no SUS em
comparação aos serviços convencionais e presenciais. Isso derruba as barreiras de acesso geográficas
impostas pela centralização de procedimentos em grandes centros urbanos. Dentro desse contexto, citam-
se algumas experiências estaduais bem-sucedidas:

a. Em Minas Gerais, 750 municípios receberam equipamentos de eletrocardiograma (ECG) para coleta
descentralizada de exames (Figura 20. 4).6.Os laudos são produzidos por profissionais de sete
universidades públicas mineiras. Com produção de mais de 2,5 milhões de laudos até o início de
2016, o núcleo de telessaúde do Hospital de Clínicas de Belo Horizonte, com o apoio do MS, teria
condições de atender toda a demanda de ECG do Brasil. É um excelente exemplo de ampliação de
acesso para regiões com baixa ou nenhuma densidade de médicos cardiologistas, com redução
significativa de deslocamento de pacientes.
▲ Figura 20.4
Coleta de eletrocardiograma digital.
Fonte: Reproduzida de Marcolino e colaboradores.61

b. Com o apoio do governo do Estado, o núcleo de telessaúde de Santa Catarina oferta serviços de tele-
ECG, teledermatologia, análises clínicas e telerradiologia (Figura 20.5).6.A oferta cobre todos os
municípios catarinenses, e já foram realizados mais de 4 milhões de laudos. Além disso, um
aplicativo para dispositivos móveis permite o envio de solicitações e o recebimento de laudos.

▲ Figura 20.5
Avaliação de radiografia torácica digital.
Fonte: Santa Catarina.62
c. No Rio Grande do Sul, o núcleo de telessaúde oferece telediagnóstico em doenças respiratórias
crônicas, dermatologia, estomatologia e oftalmologia. O fluxo de atendimento para dermatologia e
estomatologia é similar e consiste no envio de imagens e resumo clínico para avaliação do
especialista com orientação de conduta e acompanhamento. O fluxo de diagnóstico em doenças
respiratórias consiste na distribuição de nove pontos remotos de espirometria distribuídos pelo
Estado, com cobertura de 100% da população e mais de 16 mil laudos realizados até meados de
2017 (Figura 20.6).6.O diagnóstico em oftalmologia é um projeto de pesquisa que visa avaliar a custo-
efetividade da implantação de salas de exame remoto em oftalmologia. O projeto iniciou a sua
implantação pela cidade de Porto Alegre em julho de 2017 (com previsão de mais seis salas de
exame no Estado). A pesquisa avalia a saúde ocular integral dos pacientes qualificando a fila de
espera para os serviços de oftalmologia. O aumento do acesso à avaliação oftalmológica deve
aumentar a demanda por procedimentos especializados, visto que agora os pacientes serão
avaliados de forma integral e referenciados para os serviços conforme a especificidade de cada
caso, e casos antes não identificados serão avaliados.

▲ Figura 20.6
Exemplos de laudo de telediagnóstico em estomatologia e espirometria. TelessaúdeRS-UFRGS, Porto Alegre,
2016.
Fonte: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.64

Como forma de suporte ao telediagnóstico, a Plataforma de Telessaúde-MS, a partir de 2016, incorporou


um módulo que permite dois tipos de fluxo para recepção de exames e emissão de laudos (Figura 20.7):
▲ Figura 20.7
Fluxo de telediagnóstico. TelessaúdeRS-UFRGS, Porto Alegre, 2016.
Fonte: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.64

● Coleta pelo profissional solicitante. É um fluxo mais simples, em que o próprio profissional
solicitante realiza a coleta do exame. Informações complementares podem ser anexadas. Após
regulação, para evitar pedidos incompletos ou fora de escopo, o laudo é emitido por teleconsultor
especialista em até 72 horas. Dermatologia e estomatologia são exemplos de áreas em que os exames
de telediagnóstico utilizam este fluxo.
● Coleta especializada por técnico, com agendamento prévio. Possui uma etapa adicional de
coleta, que ocorre após a regulação e o agendamento. Eletrocardiografia, espirometria e retinografia
são exemplos de exames que utilizam este fluxo.

Teleducação
Nos últimos anos, o Brasil concentrou esforços na expansão da cobertura populacional da APS. Essa
expansão ampliou a potencialidade da APS como mercado de trabalho para que novos profissionais de
saúde possam atuar. Nessa perspectiva, torna-se importante considerar estratégias de formação
complementar e atualização para os trabalhadores de saúde que sejam pautadas no conhecimento e no
desenvolvimento de competências e habilidades para tomada de decisões na APS.
Uma das estratégias capazes de disseminar o conhecimento de modo conciliável à rotina do
profissional é o ensino à distância (EAD), o qual possui a capacidade de levar ofertas educacionais para
trabalhadores de APS em um país com dimensões continentais.65,66 Estabelecimentos públicos de saúde
ofereceram ações em EAD em uma proporção de 3:1 em relação aos privados.45 Em se tratando de
profissionais da saúde, não podem ser esquecidas as dificuldades temporais para a realização das
atividades propostas, tendo em vista múltiplos vínculos de trabalho praticado e jornadas exaustivas.
Nesse sentido, a utilização de EAD permite a otimização e a flexibilidade do tempo gasto. Além disso, as
estratégias de formação em EAD podem lançar mão de diferentes tipos de objetos virtuais de
aprendizagem, como seminários virtuais, e-mail, chat em tempo real, chamadas de som e vídeo,
simulações, animações, entre outros.67,68
Porém, é importante ponderar que não há estudos continuados sobre os comportamentos do médico de
APS brasileiro em relação ao seu desenvolvimento profissional contínuo. No entanto, se algumas
características de estudantes de medicina persistirem após a formatura, pode-se, então, ser pessimista em
relação ao futuro. É preocupante que, nacionalmente, mais da metade deles (50,3%) não desenvolvam
atividades de pesquisa, ensino ou extensão complementares ao currículo de graduação.69
Quer isso seja consequência da passividade, quer da limitação de tempo em função das demandas
curriculares, o trabalho na APS não parece apresentar nenhum aspecto especialmente favorável à sua
superação. Solicitar uma segunda opinião requer iniciativa para buscar soluções, iniciativa que passa
pelo reconhecimento de suas limitações, por comprometimento e protagonismo. É de recear que tal
disposição não seja altamente prevalente entre os que foram estudantes passivos. Apenas referenciar os
casos difíceis pode ser a alternativa mais fácil. Sugere-se que há uma preferência, entre médicos, por
gerar referenciamentos para outros níveis de atenção no lugar de resolver os casos na APS, mesmo
quando ferramentas de telessaúde estão disponíveis.44
O que se percebe é um efeito quase sempre modesto das iniciativas para qualificação da prática
médica. Não há uma intervenção única que resolva os problemas de qualidade e atenda às necessidades
dos médicos. A tendência da maioria dos estudos sobre o aperfeiçoamento da prática médica aponta para
a inutilidade de intervenções em que o médico é mantido em uma posição de recepção passiva,
especialmente quando o conteúdo não é solicitado e não está relacionado às necessidades oriundas do
seu próprio cotidiano.70–73 Intervenções que não integrem as necessidades e as dificuldades do dia a dia
de uma equipe de saúde têm chances reduzidas de impactos positivos. Mesmo intervenções
multifacetadas não garantem bons resultados. A associação de intervenções personalizadas ao contexto
assistencial parece ser mais efetiva. A consultoria acadêmica (que pode ser realizada na forma de
teleconsultoria para ajustamento entre pares) funciona como método de reforço e permite exposição
continuada à prática educativa.71,73
Ainda assim, constata-se que há intervenções capazes de gerar impacto sobre a qualificação dos
médicos. Pequenos ou moderados efeitos obtidos em larga escala podem ser expressivos em termos dos
problemas que podem evitar, em especial tendo em vista a posição que a iatrogenia pode ocupar no perfil
epidemiológico.74
Podem-se citar algumas iniciativas:

● A Rede Universitária de Telemedicina (RUTE), coordenada pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa
(RNP), mantém muitos Grupos de Interesse Especial (SIGs), que promovem webpalestras periódicas
em várias áreas da saúde.75
● Os núcleos de telessaúde mantêm repositórios de acesso livre com as webpalestras gravadas.
● O MS desenvolveu um repositório de acervos virtuais, denominado Acervos de Recursos
Educacionais em Saúde (ARES), em que são armazenados e ficam disponíveis para consulta os
recursos educacionais utilizados pelas instituições que compõem a Rede, em suas ofertas de cursos. É
um acervo público, com materiais em diversos formatos, alimentado de forma colaborativa e de
acesso livre pela internet.76
● A UNASUS é um sistema de Universidades Abertas do SUS, criado em 2010 pelo MS, com o propósito
de capacitação e educação permanente dos profissionais que compõem as redes de saúde. Utiliza
ferramentas de EAD para ofertar cursos, capacitações e especializações para os trabalhadores. No
segundo semestre de 2016, já havia contabilizado mais de 30 ofertas educacionais distintas.77
● A maioria dos núcleos de telessaúde, principalmente os ligados a alguma universidade, mantém
cursos periódicos e/ou lança novos cursos nas agendas de suas páginas eletrônicas.

Há um conflito entre os métodos de ensino-aprendizagem perpetrados por imigrantes digitais (que


tiveram de se adaptar às novas tecnologias) e os aceitos por nativos digitais (que já nasceram imersos em
tecnologia). As pessoas do século XXI estão acostumadas a receber muitas informações, de forma rápida,
não linear (processos paralelos), com acesso aleatório associado a hipertextos e hipervídeos, com
características de jogabilidade, ligadas a recompensas frequentes e a retornos instantâneos.78,79 Um
grande desafio está em fornecer estratégias de teleducação que contemplem os dois arquétipos.

Telessaúde como meta do serviço de saúde


A geografia dos fluxos depende dos fixos.80 Sabe-se, há muito tempo, que o nível de renda e a distância
são fatores determinantes do acesso a serviços de saúde no que diz respeito à oferta do serviço e à
localização do usuário.81 Esse problema se mantém atual no momento em que há uma quantificação da
barreira ao acesso representada pela distância de acordo com o aumento da densidade tecnológica
requerida pela situação de saúde.82 A telessaúde amplia o acesso e encurta distâncias e, com isso, pode
reduzir iniquidades, porém há mais a ser explorado.
De acordo com o maior sanitarista brasileiro, a APS falha em cumprir seu papel de ordenadora das
redes de atenção à saúde. Os motivos são vários: subfinanciamento, baixa valorização, falta de densidade
tecnológica, sistemas de saúde e de informação fragmentados, apoio diagnóstico insuficiente,
infraestrutura deficitária, gestão ineficiente, equipes frágeis, problemas de formação, modelos de atenção
equivocados, entre outros.83
Uma estratégia de comunicação capilarizada é vital para um fluxo ágil, confiável e multidirecional de
informações entre grupos dispersos geograficamente. Assim como o fluxo da informação, o trânsito
racional de pessoas e insumos é outro componente organizador das redes. Mais importante ainda, a
alocação do financiamento está estritamente ligada aos dois componentes anteriores. De forma bastante
sintética, isso sumariza uma rede de atenção à saúde.
A telessaúde brasileira há muito deixou de se limitar às ações de teleducação. Também não ocupa mais
um papel meramente de sistema de apoio às redes de atenção, bem como superou a categoria de sistema
logístico. A telessaúde pode influir na consecução das redes ao criar, modelar e testar fluxos entre níveis
assistenciais usando processos regulados.
Os recursos são finitos. As redes devem ser reguladas. Experiências mostraram que o uso sinérgico de
ações de telessaúde (teleconsultoria, telediagnóstico e teleducação), em apoio a um sistema estadual de
regulação, pode evitar dois a cada três referenciamentos da APS para outros níveis de atenção. Com isso,
em um período de 3 anos, foi possível remover mais de 100.000 pessoas das filas de espera por consultas
ou procedimentos especializados e apoiar um acompanhamento resolutivo na APS, sem deslocamentos e
com qualidade.60
Com isso, a telessaúde passa a se inserir na prática diária de forma híbrida e sustentada, entregando
serviços tradicionais de uma nova forma, como no caso da teleconsulta e do telediagnóstico, inclusive de
forma aditiva ou até mesmo substitutiva em locais pouco ou nada servidos por ações de saúde. De forma
disruptiva, consoante aos avanços éticos e tecnológicos, a telessaúde passa a permear todas as ações de
saúde, como uma meta do serviço de saúde. Dessa forma, torna-se o organizador do fluxo de informações,
pessoas e insumos nas redes de atenção, com forte impacto na otimização do financiamento e no
aumento do acesso e da qualidade do atendimento.67,84

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