Juliano Nicola PDF
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ADVOGADO CORPORATIVO:
COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA OS DESAFIOS DA GESTÃO JURÍDICA
NAS EMPRESAS GAÚCHAS
PORTO ALEGRE
2013
JULIANO NICOLA SANGALLI
ADVOGADO CORPORATIVO:
COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA OS DESAFIOS DA GESTÃO JURÍDICA
NAS EMPRESAS GAÚCHAS
PORTO ALEGRE
2013
S325a Sangalli, Juliano Nicola
Advogado corporativo: competências necessárias para os
desafios da gestão jurídica nas empresas gaúchas. / Juliano
Nicola Sangalli. -- 2013.
109 f. :il. color. ; 30cm.
Catalogação na Publicação:
Bibliotecário Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184
JULIANO NICOLA SANGALLI
ADVOGADO CORPORATIVO:
COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA OS DESAFIOS DA GESTÃO JURÍDICA
NAS EMPRESAS GAÚCHAS
BANCA EXAMINADORA
With the amount of rules that affect business activity, companies are increasing
the internal legal services in their business and structuring internal departments to deal
with legal matters. They are professionals with specific knowledge for the organization,
but once in the business environment, they need to manage budgets, people, assign
tasks, measure performance, set and meet goals and even with all that, provide legal
advice to the company; mapping and acting on relevant contingencies aligned with
strategic objectives for the organization. They are faced with the need to develop
knowledge on skills of management. This study aims to address the competences that
the corporate counsel needs for the challenges of day to day management in business
enterprises in the “Gaucho” companies and how is the development of knowledge
competencies as references in business. The overall goal of the research was to
investigate the topic of management competences of legal professionals’ life,
management throughout the trajectory of their life, education and corporate law
profession. They serve in the function of management of their legal department in
medium and large “Gaucho” companies to produce a reference of knowledge of this
management and how the university can be part of the development of this reference
competences. In this search, the study proposes to explore, briefly, the formation of
these corporate managers in the main private universities in “Rio Grande do Sul” and
verify if there is any movement in law schools for the development of management
competences. After a brief study in the education of a corporate lawyer, it was tried to
understand through interview with legal managers what is the role of the corporate
counsel in the business environment, identify if and which gaps of management these
managers are faced with throughout his professional trajectory. Designing how is the
connected between the trajectory through life, education, and profession in the
development of knowledge references of competences in legal management and how
these are acquired through the theory of knowledge in the environment as operational,
cognitive experience and how the acquisition of this knowledge in the trajectory of life,
education, and profession. To aim for these general and specific objectives a revision
was done in the literature of competences enhancing this construction of theory from
three reference points: the individual, the delivery and action. The principal results of the
research indicates that the students in the law faculty are more demanding in relation to
the preparation for the market, there is no development of knowledge references in legal
management in the curriculum and there is a need for the discipline in “applied
administration in law” to develop the student in a predisposition for management in legal
services, principally, to act in business. At the end, the role is presented to the legal
management in business, a profile knowledge, skills, and attitudes that will serve as
references in competences to qualify legal managers and in the development of their
careers.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
1.1 Definição do Problema...................................................................................... 11
1.2 Objetivos ............................................................................................................ 13
1.2.1 Objetivo geral ................................................................................................... 13
1.2.2 Objetivos específicos........................................................................................ 13
1.3 Justificativa........................................................................................................ 14
1.4 Delimitação ........................................................................................................ 14
2 REVISÃO TEÓRICA .............................................................................................. 15
2.1 As Diferentes Noções de Competências ......................................................... 15
2.1.1 Competência como característica do indivíduo ................................................ 17
2.1.2 Competência a partir da capacidade de entrega do indivíduo.......................... 20
2.1.3 Competência a partir da noção de evento: a competência em ação ................ 25
2.1.4 Competência além do indivíduo: a partir da mobilização em rede ................... 26
2.1.5 A contextualização dos saberes como referencial de competência e o
desenvolvimento das competências nas três trajetórias: vida, educacional e profissional
.................................................................................................................................. 27
2.1.6 Competências gerenciais ................................................................................. 32
2.1.7 A abordagem da competência na formação do gestor jurídico ........................ 39
2.2 Síntese do Referencial Teórico ........................................................................ 41
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 44
3.1 Coleta de Dados ................................................................................................ 44
3.2 Perfil dos Entrevistados ................................................................................... 46
3.3 Procedimento de Análise das Entrevistas ...................................................... 47
4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ............................................................... 49
5 RELAÇÃO ENTRE OS DADOS COLETADOS E A TEORIA DE COMPETÊNCIAS91
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 99
6.1 Competências Necessárias para os Desafios da Gestão Jurídica no Dia a
Dia das Empresas Gaúchas ................................................................................. 101
6.2 Aquisição dos Saberes Referenciais de Competências de Gestão Jurídica
na Trajetória de Vida, Educacional e Profissional.............................................. 102
6.3 Desenvolvimento dos Saberes Referenciais de Gestão na Trajetória
Educacional na Faculdade de Direito .................................................................. 103
6.4 Limitações do Estudo ..................................................................................... 104
6.5 Indicações para Estudos Futuros .................................................................. 104
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 106
ANEXO A - CURRÍCULO DA FACULDADE DE DIREITO DA PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL (PUCRS) ..................... 108
10
1 INTRODUÇÃO
3
Por Advogado corporativo, entende-se o que trabalha, internamente, nas empresas com dedicação
exclusiva; neste trabalho, será utilizada a denominação, também, de advogado empresarial, com a
mesma finalidade.
4
Gestão jurídica, para os efeitos deste estudo, é toda e qualquer coordenação, supervisão, gerência ou
direção de equipes e de assuntos jurídicos de uma empresa.
12
1.2 Objetivos
1.3 Justificativa
1.4 Delimitação
2 REVISÃO TEÓRICA
5
No original: “It is difficult, if not impossible, to find a human characteristic that cannot be modified by
training or experience”.
19
Para melhor entendimento dos autores acerca desta escola, uma importante
ótica é trazida por Fleury, A. e Fleury, M. (2000), que se fundamenta na ideia de que
os autores americanos, muito embora direcionem o seu foco para o indivíduo, têm as
6
No original: “A competency is: A cluster of related knowledge, skills and attitudes (K, S, A) that affects a
major part of one's job (a role or responsibility), that correlates with performance on the job, that can be
measured against well-accepted standards, and that can be improved via training and development”.
20
Trabalhar, ainda, gera serviço, que, no dizer de Zarifian (2001, p. 48), é “uma
modificação no estado ou nas condições de atividade de outro humano, ou de uma
instituição”. Serviço é, ao mesmo tempo: (i) o que é efetivamente proporcionado a
um cliente-usuário; e (ii) o que justifica a sobrevivência de uma organização.
Reunindo todos esses elementos, Zarifian (2001, p. 68) apresenta como
definição de competência o “tomar iniciativa e ‘o assumir responsabilidade’ do
indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara”.
Zarifian (2001) enfatiza que é indispensável o envolvimento pessoal do
agente e que a tomada de iniciativa é representada pela escolha da norma de ação
mais adequada, dentro do repertório que o indivíduo possui.
É o que chama de inventar uma resposta - dado que a dinâmica do evento
ultrapassa, por vezes, o repertório existente de normas de ação, pela sua
singularidade e sua imprevisibilidade.
Le Boterf (2003) revela que a competência só se realiza na ação não
preexistente a ela. Assim, a competência só existir em situação, ou seja, somente
com esta visão dinâmica é que se verifica a capacidade de análise e de resolução
de problemas. É o mesmo Le Boterf (2003) quem sinaliza que, diante da
complexidade, o indivíduo precisa mobilizar competências de outros indivíduos.
Le Boterf (2003) classifica os saberes em: (i) saberes teóricos; (ii) saberes do
meio; e (iii) saberes procedimentais.
Os saberes teóricos têm a funcionalidade de trazer a compreensão, o
entendimento. É através da lente do saber teórico que se observam fenômenos,
situações, objetos, fatos, organizações, processos, no sentido de entender a sua
causa, a sua estrutura e o seu funcionamento.
Os saberes teóricos constroem, desconstroem ou transformam princípios e
conceitos. O saber teórico relaciona-se com os conhecimentos disciplinares, como
o conhecimento de legislação, de Direito Empresarial, de Economia, de
Administração.
Por saberes do meio, citam-se o contexto e o ambiente. Esses saberes
compreendem, segundo Le Boterf (2003, p. 97), “equipamentos, sistemas de
gestão, regras e tipos de gerenciamento, cultura organizacional, códigos sociais,
características de clientes, produtos e serviços, etc.”.
Também, são compreendidos, nos saberes do meio, o conhecimento sobre
o organograma empresarial, os processos da empresa, os materiais, os produtos e
os serviços, a estrutura da cadeia de distribuição ou de como a empresa coloca os
seus produtos e serviços no mercado. Le Boterf (2003, p. 98) ainda diz que, uma
vez que “a competência profissional só existe quando posta em ação em um
contexto de trabalho, esse saber sobre o contexto é essencial, pois permite que o
profissional se adapte à contingência das situações”.
É esse conhecimento acerca do contexto que permite ao profissional
identificar quais recursos precisam ser mobilizados, para instrumentalizar a
competência na ação. Também, o mesmo contexto permite ao profissional a
adaptação e a tomada de decisão.
Tomando como exemplo uma questão de advocacia empresarial, a
resolução de um problema societário se dá de forma diferente, conforme o tipo de
empresa: se sociedade simples, limitada ou anônima, de acordo com a estrutura
dos sócios, também, está diretamente relacionada à personalidade de cada sócio,
à sua forma de pensar, aos seus objetivos, pessoais e profissionais. Para o
enfrentamento de uma situação complexa, é necessário que a gestão contemple a
mobilização de vários saberes, e, dentre eles, logicamente, o do meio, o do
contexto.
29
Para a fixação de uma meta interessante, Dolan (1981) observa que as metas
devem ser SMART (específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e no tempo
oportuno (tradução nossa)).
- Motivar a si e os outros
- Projetar e organizar
7
Lei 8.906/94: Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Art. 1º São atividades
privativas de advocacia: [...] II- as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. (BRASIL,
1994).
40
8
A intenção do autor foi a de pontuar dentro de uma obra de cases práticos a visão de gestores
jurídicos sobre o novo advogado corporativo. Para facilitar ao leitor utilizou a citação indireta,
indicando a obra e as páginas de onde foram extraídas as posições dos gestores jurídicos
citados no trecho ao final. Não utilizou a citação direta por serem frases curtas, preferindo o
itálico para destacar o posicionamento dos gestores.
42
3 METODOLOGIA
Hair et al. (2007, p. 31) advertem que a função da ciência é “explicar o mundo
que realmente existe”. Torna-se fundamental, portanto, a escolha metodológica, para
o alcance dos objetivos pretendidos no estudo.
Ainda, Hair et al. (2007, p. 83) auxiliam na escolha do plano de pesquisa, ao
recomendarem a pesquisa exploratória, referindo a sua utilidade “quando há pouca
teoria disponível para orientar as previsões” - o que se aplica na presente pesquisa,
dada a ausência de abordagem científica sobre o tema de competência de gestão
do advogado corporativo, uma vez que os trabalhos publicados encontrados são
frutos da trajetória profissional dos gestores.
Para Malhotra (2006, p. 100), a pesquisa exploratória tem como objetivo
“explorar ou fazer uma busca em um problema ou em uma situação para prover
critérios e maior compreensão” e se caracteriza por “flexibilidade e versatilidade com
respeito aos métodos, porque não são empregados protocolos e procedimentos
formais de pesquisa”, viabilizando maior liberdade de movimento ao pesquisador, na
busca da compreensão do tema.
No sentido de situar o debate sobre competência, este estudo optou pela
pesquisa de natureza qualitativa, executou uma revisão teórica, através de
levantamento bibliográfico, traçando uma trajetória lógica para o entendimento do
conceito, utilizando-se das conclusões das diversas escolas e explorando os
principais pontos.
Também, realizou-se a coleta de dados, através de entrevistas
semiestruturadas para entender o contexto da formação do advogado corporativo e
as competências de gestão jurídica (GIL, 2009) e análise documental.
uma busca pessoal, de cada um, de cada pessoa que, sentindo necessidade, vai
atrás”. Já conforme o Entrevistado 2, é “um pouco learning by doing e quem resolveu
investir em formação acabou buscando isso, seja em MBAs, já na área da
Administração, ou em mestrados de Administração, buscando esta complementação
fora das faculdades de Direito”.
Sobre experiência internacional, o Entrevistado 2 fala que “[...] muitos
brasileiros foram fazer o LLM nos Estados Unidos e na Inglaterra e passaram a ter
contato com o sistema jurídico da common law, que é mais pragmático, mais voltado
para negócio, para as soluções de problemas e isto faz com que a própria formação
do advogado tenha se alterado, nos últimos quinze anos, em função desta
experiência no exterior”.
O quadro que segue executa o cruzamento das observações dos
Entrevistados, com o modo de aquisição dos referenciais de competência nas
trajetórias de vida, educacional e profissional:
mental não era só aquele [...] quando fiz a cadeira de Direito, nossa, me apaixonei,
aquela Introdução ao Estudo do Direito me mostrou nuances do processo mental
que o curso de Direito analisa, trabalha, que me agradou muito, este negócio de
entender a normativa, o que está por trás das regras, me chamou muito a atenção.”
O Gestor 7 já havia iniciado uma profissão, quando decidiu cursar uma
faculdade: “trabalhava no banco de dia e estudava à noite, fui fazer o vestibular e
não tinha ideia do que eu ia fazer, nunca fui um homem de Exatas [...] fiz um teste
vocacional faltando um mês para o vestibular, passei em Direito, passei bem [...] não
pelo teste vocacional, mas eu sempre tive esta característica, desde pequeno –
meus pais dizem – e hoje, quando meu filho, que está com doze anos, quer
argumentar muito, minha mãe diz: ‘não fala nada que tu eras igual – muito pelo justo,
muito do porquê’; e as coisas, para mim, tinham que resistir a três porquês, senão eu
não me dou por satisfeito”.
A Gestora 8 iniciou outra faculdade e, depois, decidiu pelo Direito, a partir de
um teste vocacional: “comecei a fazer um curso relativo a TI, mas, não me encaixava
naquele perfil - só tu e a máquina, tu e a máquina - e fui fazer um teste vocacional na
UNISINOS; lá, apareceu Direito, não tinha nenhum advogado na família que
pudesse me motivar”.
O Gestor 9 nunca teve dúvida de que faria Direito, entretanto, não sabia, ao
certo, quando iniciou a faculdade e, mesmo no seu desenrolar, qual seria a sua
trajetória, dentro do curso: “[...] era o Direito, nunca tive questionamento sobre isso.
Mas, mesmo dentro do Direito, sempre tive um questionamento do que eu queria [...]
E o que me chamava a atenção eram as questões mais estratégicas, mais do ser
humano mesmo, de pensar [...] é difícil que tenha alguma questão jurídica que eu
não tenha ido atrás para entender, os filmes, entender o que havia por trás de tudo
aquilo”.
Para todos os gestores entrevistados, a decisão de construir carreira na
advocacia empresarial, dentro de empresa, foi algo ocasional, uma oportunidade
que surgiu, participando de processos seletivos para ingresso no departamento
jurídicos de empresas.
O Gestor 2 foi designado pelo escritório do qual fazia parte para trabalhar
internamente, em empresa: “[...] entrei em um programa de secondment [...] coincidiu
com a empresa querer criar um departamento jurídico e ter um advogado interno [...] as
pessoas que me contrataram (da empresa) devem ter visto que eu tinha o perfil para
58
aquele cargo na empresa, que eu não era, talvez, somente um advogado, mas também,
um cara preocupado com redução de custos, um cara muito bom de relacionamento,
que já estava, de certa forma, conhecido dentro da empresa”.
O Gestor 5 já estava trabalhando em outro cargo na empresa e recebendo
promoção, quando abriu a vaga para o departamento jurídico: “[...] quando estava na
área de analista de treinamento da empresa, recebi uma proposta que era uma
oportunidade importante: ir para uma área de suporte, organização, logística e
produção, sair do treinamento da empresa para um cargo de maior hierarquia; como eu
estava no fim do curso de Direito, declinei da oferta, o convite é tentador, mas, estou
pensando em redirecionar a minha carreira para o Direito, de que eu estava gostando e
me formando; eu vou para a área do Direito, seja aqui dentro ou fora daqui [...] dei a
sorte de, quando eu entrei no último semestre, abriu a vaga no jurídico”.
O quadro a seguir sintetiza as conclusões, classificando as evidências, na fala
dos entrevistados, dentro dos perfis - concurseiro, empreendedor e low profile:
9
Denomina-se de perfil low profile, para efeitos deste estudo, os profissionais que, ao ingressarem na
faculdade de Direito, não tinham como objetivo advogar ou fazer concurso - as chamadas carreiras
jurídicas tradicionais.
59
- Formação
dois anos, vai cobrar, do que ficar com um processo aberto por longos anos, sem
efetividade; é isso o que eles não entendiam: jurídico é jurídico, tem que fazer e, aí,
é que começou o meu crescimento, dentro da empresa”.
O Gestor 6 exemplifica o quanto os próprios advogados que trabalham nos
departamentos internos das empresas estão despreparados, em relação à
necessidade de conhecimento multi e transdisciplinar, para a atuação em empresa:
“vou trazer um exemplo recente, que tive aqui, internamente, em que a gente precisa
ter toda uma noção da contabilidade, da provisão, o pagamento, quando um
depósito se converte em pagamento em juízo, que tenho que comunicar. Estava
trabalhando uma pessoa para deixar ela (sic) para exercer esta função e ela, em
determinado dia, me chama e diz que recebeu uma proposta de um escritório de
advocacia, que gostaria de seguir a carreira; disse a ela: ‘ Tu não tem (sic) ideia da
preparação que estou te dando, porque, ao exercer esta função aqui, internamente,
tu tá (sic) dando um pulo acima dos demais’. Ela me disse: ‘ Não, já refleti bem e o
que eu quero mesmo é exercer a advocacia [...]’. Estamos falando de uma pessoa
jovem, vinte anos e que continua com a mesma percepção de treze anos atrás, sem
a visão do impacto econômico”.
A conclusão do respondente é compartilhada pelo Gestor 1: “[...] o advogado
tem muita dificuldade em se organizar, em ter um método de trabalho” e, ainda, pelo
Gestor 7: “[...] vejo uma dificuldade muito grande dos advogados em trabalhar com
projetos, estabelecer cronogramas de ações, designar responsáveis, fazer planos de
ação”.
A Gestora 8 sinaliza que, diante da necessidade das empresas e da ausência
de conhecimento de gestão para carreiras técnicas, “[...] a empresa está ocupando
um espaço da Universidade e fazendo desenvolvimento em gestão para todas as
áreas específicas [...] tanto que, aqui na empresa, se faz um investimento gigante
com a Fundação Dom Cabral, para dar esta formação para os gestores. Então,
temos sobre o que tu imaginar (sic): economia, feedback, contabilidade, gestão de
pessoas, de uma maneira geral, como tu trabalha (sic) a informação do outro, como
tu respeita (sic) o trabalho do outro”. E, note-se, não são matérias específicas da
empresa e, sim, genéricas de gestão, que podem ser desenvolvidas pela trajetória
educacional dos profissionais.
O caminho da profissionalização é o conhecimento multi e transdisciplinar,
conforme observa o Gestor 9: “[...] o grande segredo, aqui, é a transversalidade, e
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da mesma empresa [...] na área de RH, trabalhei em recrutamento e seleção [...] vim
para a empresa para ser analista técnico da área de produção [...] surgiu uma
oportunidade para ir para a área de treinamento da empresa [...]trabalhei mais dois
anos e meio e surgiu uma oportunidade na assessoria jurídica da empresa”.
O Gestor 7 atuou na área bancária: “[...] comecei a trabalhar com quinze anos
de idade como office-boy de banco [...]; quando fiz dezoito anos, fui para uma
agência e me tornei caixa”. No banco, convivendo com diversos tipos de público,
desenvolveu a habilidade de lidar com todos os tipos de pessoas: “[...] desde a
pessoa que queria simplesmente fazer um depósito à pessoa que discutia comigo
que o valor do pagamento dela estava errado, porque tinha feito horas extras”.
Já quando estagiava em escritório, adquiriu um saber essencial à gestão
jurídica: “[...] um cliente tinha me pedido o relatório das ações, jurídico interno de um
banco, que relatório o quê? Estou preocupado com recurso, vai passar o prazo, eu
tenho testemunhas para ouvir amanhã, o cara está tomando meu tempo para fazer
relatório, por que isso? O advogado dono do escritório tinha uma habilidade muito
grande, advogava para grandes empresas e entendia que isto era importante fazer e
nos colocava no caminho – o que adianta tu ter (sic) a vitória, se não for bem
comunicada? E se vai ter uma derrota, tu não pode dar (sic) supresa para o teu
cliente, a pior coisa para quem está do outro lado não é valor, mas, a surpresa” [...]
comecei a ter reuniões com gerente financeiro, queria saber porque tinha aquela
condenação, qual é o impacto: ‘por que não me avisou antes que eu teria
provisionado, agora tu vai tirar (sic) do meu resultado’, coisas deste sentido, ainda
na condição de advogado de um escritório, mas que, depois, foi muito útil (sic),
quando passei para o outro lado”.
A Gestora 8 iniciou no comércio e, depois, ingressou na parte administrativa
de uma empresa: “[...] trabalhei com meu pai, depois, com minha sogra, mas,
sempre no comércio; primeiro, no gênero de roupas e, depois, alimentício [...];
depois, trabalhei em outra empresa, na parte administrativa, coordenava
praticamente quase sessenta pessoas, era uma empresa que terceirizava e que
trabalhava com empresas de grande porte, e eu administrava tudo isso, na carteira,
como auxiliar, mas, fazendo folha, coordenando contratos, era pessoa-chave na
empresa que fazia tudo isso, mas, estudando Direito”.
Os demais gestores tiveram experiência apenas na área do Direito.
74
- Report na organização
exatamente como deveriam chegar, ou nem chegando [...]. Eu percebi que sempre que
tinha ligação direta com a Presidência, as coisas fluíam de uma maneira mais tranquila”.
O Gestor 4 esclarece que responde administrativamente para o Diretor
Financeiro, no entanto, trata assuntos diretamente com o Presidente: "os assuntos que
eu trato ficam restritos ao Presidente e o Diretor não fica nem sabendo”.
O Gestor 5 também apresenta uma situação híbrida: “como sou Gerente
Jurídico, respondo, em tese, para o Diretor de Controladoria e Finanças, mas, na
verdade reporto ao CEO e à toda a Diretoria”.
O fato de a maioria dos gestores não se reportar, na organização, direta e
exclusivamente ao Presidente, ou mesmo, serem tratados como órgãos independentes,
não está no escopo deste trabalho, contudo, é um indicativo de uma percepção de
imaturidade na gestão em que se encontram os gestores jurídicos, surgindo como uma
oportunidade de estudo para futuros pesquisadores.
O quadro, que se vê a seguir, traz, nas suas conclusões, as diversas categorias
de report.
milhões [...] já fiz vários cursos de Direito Tributário, mas, não adianta, tu não sai
(sic) do chão”.
O Gestor 9 situa as lacunas de gestão jurídica, através de dois grandes
desafios: “a primeira técnica não jurídica, o que eu deveria estar sabendo, ter
estudado em administração, em contabilidade, em financeiro, em sociologia, em
filosofia, talvez, nestes dois ângulos, um mais econômico-financeiro contábil e o
outro, mais humano-filosófico sociológico e o segundo, é como que esta atividade
está inserida na organização, na cultura organizacional”.
O quadro a seguir enumera as principais lacunas de gestão, promovendo o
elo entre as evidências nas entrevistas e as conclusões sobre o tópico.
conceito da palavra risco, que é o se der certo, o que vai acontecer e se a instituição
vai estar preparada para ter sucesso [...] esse aspecto do risco é muito importante. A
questão do gestor jurídico é fazer com que as coisas tenham um desenho correto e
que possa ter performance com integridade [...] essa é a tese do antigo General
Counsel, da General Electric, no tempo do Jack Welch, que fala exatamente como é
que eu tenho performance e, ao mesmo tempo, integridade; talvez, o papel do
gestor jurídico seja o de estabelecer os elementos próprios, onde a instituição possa
ser lucrativa ou que cumpra com os seus objetivos sociais [...] com alta performance
e que, ao mesmo tempo, tenha integridade nos seus quadros [...] com ética, com
respeito às regras”.
O quadro que se pode observar, a seguir, categoriza todos os pontos
supracitados.
A opinião dos gestores entrevistados resume: (i) ter atitude, caráter e valores; (ii)
experiência em ambiente corporativo; (iii) conhecimento generalista; (iv) ser positivo; (v)
conhecimento em administração/gestão; (vi) conhecimento em contabilidade, finanças e
economia; (vii) conhecimento em gestão de pessoas/habilidades no relacionamento
interpessoal; (viii) foco em resultados; (ix) vivência no exterior/fluência em outras
línguas; (x) serenidade; (xi) perfil batalhador; (xii) saber lidar com adversidades; (xiii)
pós-graduação em Direito Empresarial; (xiv) comprometimento; (xv) saber assumir
riscos; (xvi) ter disposição para aprender e (xvii) bom raciocínio.
O quadro subsequente apresenta todas as evidências que relacionam as
manifestações dos gestores jurídicos entrevistados, com estas conclusões.
- Olhar de um administrador
continuei, ‘nós podemos, nós fazemos um escritório’ – não tinha conversado antes,
combinado nada com ninguém [É o que Zarifian (2001) chama de inventar uma
resposta dada à dinâmica do evento] – mas, avancei neste sentido e me
comprometi: ‘amanhã, apresentamos um projeto de como isso pode funcionar, a
expertise do conhecimento nós temos, vocês tem aí uma biblioteca que é da
empresa e não vai servir para ninguém, pode nos fazer a preço contábil os
computadores’ [Le Boterf (2003) defende que o profissional deve saber
mobilizar os recursos pessoais e os recursos do meio]. E, de fato, fui para casa,
conversei com minha esposa: ‘olha, mudou o cenário, não temos mais um valor
certo por mês, não temos mais plano de saúde, precisamos readequar [...]’ e, dali, fui
para a mesa, com uma folha de papel almaço, para desenhar; ‘depois da parte
pessoal, como é que podíamos fazer funcionar o escritório?’ Fiquei até às três da
manhã pensando em todas as possibilidades: do lado da filial tem uma sala para
alugar, posso usar os malotes, isso reduz custo, colocando tudo na ponta do lápis
[conforme Le Boterf (2003), não só mobilizar os recursos, mas, saber combinar
e integrar os saberes múltiplos; não basta alocar os recursos, mas sim,
organizá-los e empregá-los, para a realização de uma atividade profissional].
Às seis horas da manhã, estava de pé, [...] Fui para a empresa e fui o primeiro a ser
chamado – nem sei se alguém mais iria, estava todo mundo demitido mesmo, me
chamaram e perguntaram: ‘como está o pessoal?’, ‘Tá todo mundo triste’. Levei meu
papelzinho de almaço debaixo do braço e, perguntado sobre o plano, respondi: ‘Nós
já temos’ – não tinha nem conversado com os outros ainda, comecei a analisar o
cenário do jurídico [saberes do meio, segundo Le Boterf (2003), conhecimento
sobre os processos da empresa, a estrutura, as características de produtos e
de serviços, a distribuição, os saberes procedimentais de como deve ser feito]
de como o plano ia reduzir custo para a empresa. Terminada minha explanação, me
disseram que fizeram uma reunião posterior e chegaram à conclusão de que uma
pessoa tinha que ficar, tem que ter gestão, porque vai coordenar não só aqui, vai
coordenar os escritórios do Brasil inteiro, então, fui promovido, passei a ser
responsável pelo contencioso do Brasil inteiro [Le Boterf (2003) sinaliza que, uma
vez que a competência profissional só existe quando posta em ação em um
contexto de trabalho, esse saber sobre o contexto é essencial pois permite que
o profissional se adapte à contingência das situações] [...] resolvi aceitar, eles
montaram escritório, então, consegui fazer com que o projeto funcionasse com
93
Contábeis [Gestor 4]; os MBAs que fiz me ajudaram nisso [Gestor 5];
Aprender gestão de pessoas [Gestor 7]; Eu acho que deveria ter uma
cadeira que focasse em pessoas [...] a empresa está ocupando um
espaço da universidade e fazendo desenvolvimento em gestão para todas
as áreas específicas [Gestor 8]; fazer com que os profissionais entendam
que as habilidades transversais e que os conhecimentos multidisciplinares
é que vão fazer dele um profissional [Gestor 9]”.
“[...] há alguns anos atrás, tínhamos uma demanda trabalhista muito forte
em um determinado Estado e que eu não tinha uma provisão contábil
suficiente, o que implicava que, se fosse fazer um bom acordo, teria que
ficar dentro do mínimo provisionado, para não afetar o resultado da filial e
da empresa; trabalhamos com o advogado local e fizemos o acordo
[nota-se, aqui, o uso adequado e correto da técnica de análise da
viabilidade jurídica de um processo judicial, sob a ótica de um
advogado, um saber procedimental, de acordo com Le Boterf (2003)],
fiquei muito contente com aquilo e tive o prazer enorme de ligar para o
gerente da filial e comunicar a ele (sic). Fiz um acordo e, ao invés de pedir
X para cobrir o resultado, consegui negociar dentro da quantia mínima
que havíamos provisionado, então, eliminei o risco. Ele disse: ‘Meus
parabéns, sob este aspecto é fantástico o teu acordo, só que eu vou te
dizer algo que tu não te deu (sic) conta, este reclamante, hoje, montou
uma pequena empresa de manutenção, tu acaba (sic) de capitalizar o
meu concorrente, com isso ele vai adquirir um ferramental, vai fazer uma
panfletagem e logo, logo tu deste um prejuízo muito maior do que este
ganho’. Sob o aspecto jurídico, perfeita a condução. Sob o aspecto do
negócio em si, de resultado econômico, foi um bom negócio, mas, me
faltou uma perna, visão de negócio. Faltou gestão, visão de contexto.
Hoje, temos um check-list para acordos, o que envolve diversos itens e,
entre estes, o que o cidadão está fazendo hoje. Ter a humildade de retirar
a lição do erro e enxergar o contexto, é fundamental [da experiência, que
demonstrou a insuficiência da análise jurídica, o Gestor montou um
check-list, o que contempla a lição aprendida no evento e que,
mobilizada com outro contexto e saberes, servirá para um evento
futuro, o que Le Boterf (2003) denomina de saber empírico]”.
Excel, para levar para a diretoria, porque não ia adiantar de nada [Gestor
3]; Eu sempre senti muita falta, na minha formação, da questão tributária
[...] existe uma lacuna muito grande na nossa formação de advogado, na
questão tributária [...] eu vejo, hoje, que o contador está mais próximo do
Direito Tributário do que o advogado [...] o erro em um cadastro de
produto pode dar um processo de milhões [...] já fiz vários cursos de
Direito Tributário, mas não adianta, tu não sai (sic) do chão [Gestor 4]; A
falta do conhecimento em gestão, tu não nasce (sic) gestor, tu nunca teve
(sic) uma preparação, não teve uma cadeira na faculdade, não teve nada
[...] também, não entender a rotina dos outros departamentos, um
exemplo bem simples, tu não entender como é a rotina do departamento
de crédito, não entender como ele contabiliza, tu não vai conseguir (sic)
realizar o teu melhor, se tu não tiver (sic) a noção por onde transita o teu
trabalho, esta também é uma lacuna que eu tive, tu não tem noção de
contabilidade, economia, também, foi muito por cima (sic) [Gestor 8]; As
lacunas, talvez, têm diversos segmentos, a primeira técnica não jurídica, o
que eu deveria estar sabendo, ter estudado em administração, em
contabilidade, em financeiro, em sociologia, em filosofia, talvez, nestes
dois ângulos, um mais econômico-financeiro contábil e o outro, mais
humano-filosófico sociológico; e o segundo é como que esta atividade
está inserida na organização, da cultura organizaciona: estes foram os
dois grandes desafios [Gestor 9]”.
“[...] Estes cursos, tipo LLM, trabalhando com visão multidisciplinar, vários
focos, é (sic) um caminho. O ensino jurídico na faculdade deveria mudar o
currículo, repensar toda a estrutura de ensino, sair desse negócio de
processo, de litigância, ter outras cadeiras, como negociação; o
advogado, a cada momento, está negociando, não tem nada hoje na
faculdade sobre método para negociar, o que fazer; parte um pouco do
ensino e um pouco da vontade da pessoa de querer esta carreira.
[Gestor 1]; Criar disciplinas, durante a faculdade, que refiram este tipo de
coisa, este tipo de mundo, este tipo de realidade, este tipo de mercado
para os estudantes [...] que consigam pensar na carreira corporativa,
como uma realidade [Gestor 3]; Na gestão de departamento jurídico, é
mais importante ter o conhecimento em administração [Gestor 4]; Na
minha formação acadêmica, faltou a parte financeira, a demonstração de
resultados, a análise de balanço, entender operações de hedging, de
proteção cambial, exportação e importação, como funciona esta parte
econômica [Gestor 7]; A falta do conhecimento em gestão, tu não nasce
(sic) gestor, tu nunca teve (sic) uma preparação, não teve (sic) uma
cadeira na faculdade, não teve (sic) nada [...] também não entender a
rotina dos outros departamentos, um exemplo bem simples, tu não
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como chegar ao sim: a negociação de acordos
sem concessões. 2. ed. São Paulo: Imago, 2005.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2009.
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______. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas, 2001.
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