6 Mulheres Mocambique UEPB FIM

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Revista de Estudos Internacionais (REI), ISSN: 2236-4811, v. 14, n.

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AS MULHERES DA ZONA RURAL DE MOÇAMBIQUE: IMPACTOS DA POSSE DA


TERRA

WOMEN FROM THE BACKLANDS OF MOZAMBIQUE: IMPACTS OF LAND TENURE

Mônica de Lourdes Neves Santana1


Curso de Relações Internacionais
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
João Pessoa - Paraíba – Brasil

Resumo: Este artigo discute os desafios que as mulheres moçambicanas da zona rural enfrentam
para sobreviver. Especificamente, analisam-se os efeitos e os impactos positivos da posse da
terra como ferramenta para sua emancipação e empoderamento, entre 2016 a 2022. Os avanços
nesta luta, via associações comunitárias femininas, persevera, e se esforça, para se fortalecer,
apesar de longe de se estabelecer. Nesse sentido, seu objetivo central é analisar as contribuições
da posse da terra como forma das moçambicanas estarem no mundo e terem seu local de fala. A
problemática indaga como as mulheres da zona rural de Moçambique suportam os problemas de
falta de liberdade e valorização e os impactos da posse da terra como instrumento para sua
libertação financeira. Metodologicamente, a pesquisa foi bibliográfica, com abordagem
qualitativa, oferecendo ao pesquisador oportunidade de refletir sobre o objeto de pesquisa e
construir conhecimento. Seus resultados conduzem para uma possível reviravolta e autonomia
das mulheres rurais de Moçambique, com suporte do aparato teórico dos estudos póscoloniais
como lugar de fala e de construção. Assim, discute-se a possibilidade de se repensar as
(des)igualdades em favor das mulheres rurais moçambicanas.

Palavras-chave: Mulheres rurais. Moçambique. Posse de terra. Empoderamento.

Abstract: This article discusses the challenges that rural Mozambican women face in order to
survive. Specifically, it evaluates the effects and positive impacts of land tenure as a tool for their
emancipation and empowerment between 2016 and 2022. The advances in this struggle, via
women’s community associations, persevere and strives to strengthen itself, although it is far
from being established. In this sense, the central objective is to analyse the contributions of land
tenure as a way of Mozambican women to be in the world and to have their space. The research
problem intends to answer how women in rural Mozambique support the problems of lack of
freedom and appreciation and the impacts of land tenure as an instrument for their financial
liberation. Methodologically, the research was bibliographical, with a qualitative approach,
offering the researcher the opportunity to reflect on the research object and to build knowledge.

1 [email protected]
Orcid: https://orcid: 0000 - 0002- 7583 - 1410

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The research results lead to a possible turnaround and autonomy of rural women in Mozambique
with the support of the theoretical framework of post-colonial studies as a place of speech and
construction. Hence, the possibility of rethinking the (in)equalities in favour of Mozambican
rural women is discussed.

Key-words: Rural women. Mozambique. Land ownership. Empowerment.

Recebido: 13/01/2023
Aprovado: 27/03/2023

Considerações Iniciais
Iniciar este artigo com palavras a respeito das mulheres da zona rural de Moçambique leva, em
primeiro plano, a tecer breves considerações iniciais sobre os elementos estruturais coloniais e a
complexidade das formas de poder impostas sobre a vida dos mais vulneráveis, resultando em
dominações cruéis, destrutivas, desigualdades e discriminações.
Além de ser uma região marcada por potências tradicionais e Portugal, Moçambique se
destaca pela situação emblemática de ser um dos países mais pobres do mundo, com altas taxas de
insegurança alimentar, desnutrição e uma das menores taxas de produtividade agrícola,
condicionada à usurpação de terras e a violência (Aabo & Kring, 2012).
No passado, o colonialismo foi um período de consolidação do Estado e de adequação
constitucional, além de um instrumento de produção capitalista, relacionado à aquisição de terras, à
criação de exércitos e ao comércio entre a Europa e os povos submetidos enquanto colônias. A cisão
com a sociedade colonial também é física e se reflete na separação dos papéis em que os homens
trabalhavam no espaço público enquanto as mulheres se tornaram reféns da esfera doméstica
(Mateus, 2015).
O regime colonial investiu na construção de categorias sociais, entre elas a do colonizador e
do colonizado, que tiveram que ser cuidadosamente fabricadas e mantidas. Neste sentido, o
colonialismo procurou assegurar que a estrutura de dominação e exploração manteriam os bens nas
mãos dos colonizadores. Na sociedade colonial africana não foi diferente, tudo era bem demarcado,
enfatizando um caráter maniqueísta, que separava homens e mulheres por meio das relações de
poder e submissão: forte/fraco, capaz/incapaz (Hedges et al., 1993).
Vale sublinhar, todavia, que o autoritarismo e a recusa do colonizador em dialogar com o
povo moçambicano levou homens e mulheres a exercerem atividades domésticas nas casas dos
colonos brancos. As mulheres se restringiam às atividades domésticas, em tarefas como cuidar e
educar os filhos do seu senhor, cultivar a terra e cuidar de rebanhos. Com efeito, a natureza lhes

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talhou de particularidades físicas e morais nas quais, por exemplo o dom da maternidade, que
implicaria em obrigações sedentárias de ordem doméstica (Espíndola & Corte, 2015).
Nas primeiras décadas do século XIX, as mulheres moçambicanas não eram referenciadas
de forma individual, mas com olhares eurocêntricos, que não permitiriam perceber os diferentes
papeis femininos, que sejam políticos, sociais e econômicos. A visibilidade era negativa, não
merecedora de atenção, mas de desprezo e ironia (Espíndola & Corte, 2015).
O que intriga, neste debate, é que, ainda hoje, quase nada mudou. Nas abordagens sobre
desigualdades sociais, constata-se que a mulher permanece como a figura fraca, desrespeitada,
vulnerável e desvalorizada.
No caso em questão, observa-se a continuidade da dominação masculina perante as
mulheres, que persiste após o fim da experiência colonial. Neste artigo, é possível observar que o
momento atual, de 2022, é marcado por numerosas incertezas, decorrentes, principalmente, da
usurpação do direito à autodeterminação.
Frente a esse cenário, este artigo apresenta, como problema de pesquisa, as seguintes
questões: como as mulheres da zona rural de Moçambique suportam os problemas de falta de
liberdade e valorização e quais os impactos da posse da terra como possível instrumento para a sua
libertação financeira? Para responder a estas questões, a pesquisa visita o contexto histórico do país,
a fim de compreender as lutas das moçambicanas por espaço, emancipação e empoderamento.
Como hipótese, ver-se-á que as moçambicanas estão focadas em se apropriarem da terra,
utilizada como forma de liberdade e valorização de si. Ainda respondendo à pergunta, o recorte
temporal adotado será de 2016 a 2022, para realizar um retrato da mudança operacionalizada nos
últimos seis anos.
Resta saber, pela pesquisa, as reflexões e análises importantes para se compreender questões
referentes ao país, especialmente sobre as forças desiguais na sociedade. Neste sentido, recorre-se a
um fio condutor, que seja a narrativa pós-colonial, para ressignificar as categorias, abrindo espaço
para discussões e buscando compreender a importância da valorização da mulher moçambicana, em
sua construção coletiva e social através do discurso das minorias.
Ora, em função da imposição de padrões científicos, culturais e filosóficos, utiliza-se, como
lente, o suporte pós-colonial, que, diferentemente de outras abordagens, é responsável por
denunciar a história, como uma reformulação de um determinado processo colonial, partindo de
apreciações que tratam os subalternos e oprimidos como protagonistas, e não como objetos de
exploração, mostrando que há muito mais a ser dito do que sofrimentos.

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Enquanto instrumento teórico, o póscolonialismo enxerga os povos subalternos na política


internacional por meio da problematização e da desconstrução do colonialismo. Assim sendo, torna-
se possível novas representações e uma reinterpretação da história a partir da ótica do subalterno.
Melhor dizendo, o póscolonial das Relações Internacionais incorpora discussões das Ciências
Sociais para ver os povos subalternos por meio da problematização e da desconstrução dos atores
políticos, dialogando com as críticas ao poder político de Moçambique.
Desenvolvendo a hipótese, a autora trabalha com a ideia de que a renda agrícola diminui e
afronta as desigualdades sofridas pelas famílias rurais, trazendo esperança de liberdade financeira.
É, por meio da propriedade, do uso e da administração da terra, que as mulheres encontrarão a
resistência, a oposição masculina, e também coragem, liberdade social e financeira, empoderamento
e renda familiar para sua subsistência.
Assim, o objetivo geral desse artigo é um debate sobre as dificuldades que as mulheres
moçambicanas residentes na zona rural enfrentam para sobreviver. Os objetivos específicos são
analisar aspectos importantes relacionados às violências sofridas e o impacto positivo que a posse
da terra traz como possibilidade de emancipação e empoderamento, exemplificado como o caso do
distrito de Maputo e seus arredores, onde a maior parte da população depende dos recursos
provenientes da agricultura para sobreviver, observando, assim, apoios de acolhimento e inclusão às
famílias.
No que diz respeito aos materiais e métodos utilizados, a pesquisa foi realizada por meio de
um levantamento bibliográfico seletivo, referente ao tema do estudo, com o objetivo de alcançar um
melhor direcionamento e entendimento do período. A escolha bibliográfica foi feita a partir da
importância dos fundadores e outros autores no campo do discurso póscolonial.
A pesquisa é qualitativa, oferecendo ao pesquisador a oportunidade de refletir sobre o objeto
de pesquisa e a construção do conhecimento, e exploratória, buscando otimizar esses vários
conhecimentos para a elaboração de um trabalho bem documentado.
Dito isto, este artigo está divido em três tópicos, além das considerações iniciais e finais. Na
primeira seção, parte-se do contexto histórico do colonialismo moçambicano, problematizando a
dura realidade do papel subalterno e da condição de vida dessas mulheres, especialmente na zona
centro e norte. Posteriormente, há um retrato da situação das mulheres na zona rural e os obstáculos
envolvendo as desigualdades sociais, a resistência e as demandas originadas pela ampliação das
vozes rurais subalternizadas. Em terceiro, desenvolve-se um debate sobre o contexto que envolve a
dificuldade em ter acesso à posse da terra para as mulheres, os impactos causados e a ampliação na
luta coletiva.
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Após esses delineamentos, passar-se-á, no último capítulo, a fim de ampliar a análise, a


utilizar a interpretação pós-colonial, por enxergar os povos subalternos na política internacional por
meio da problematização e da desconstrução do colonialismo. Assim sendo, tornam-se possíveis
novas representações, ou seja, uma reinterpretação da história a partir da ótica do colonizado.
A pesquisa se justifica por seu retrato da realidade cruel na vida de mulheres e como
resposta à preocupação com o seu lugar periférico e sua subsistência na sociedade moçambicana.
Ela tenta apresentar alguns pontos a contribuir na importância de se abordar a mulher e na
obrigação de se falar da urgente necessidade da igualdade de gênero, como fundamental para
potencializá-las, além de dar visibilidade a um assunto relevante, alvo de pesquisas nas relações
internacionais e merecedor da devida atenção. Finalmente, esta investigação se insere no esforço de
deslindar experiências humanas de mulheres subalternizadas e invisibilizadas pelo tripé
“patriarcalismo, capitalismo e discriminação”.

1. Uma visão geral do colonialismo moçambicano


Considerando ser um estudo que visa se debruçar sobre as dificuldades que as mulheres
moçambicanas residentes na zona rural enfrentam para sobreviver, apresenta-se, brevemente, um
retrospecto do cenário colonial moçambicano.
A implantação do colonialismo no período imperialista gerou zonas sombrias, um
capitalismo devastador e uma ordem política desigual. Tinha como objetivo aproveitar a força de
trabalho africana nas plantações e na comercialização de produtos do campesinato. Essa
colonização foi dinamizada pela presença da burguesia europeia de Portugal, Inglaterra e França,
interessadas na exploração dos recursos de Moçambique (Hedges et al., 1993).
Apoiando-se nas tradições do tempo colonial, as relações de gênero dividiam as pessoas
como categorias hierárquicas de importância. Assim, em Moçambique, foram promulgadas leis
agressivas, que separavam os colonos brancos dos súditos coloniais, anulando relações íntimas, pois
fundia a hierarquia racial (Meneses, 2016).
Em sua vigorosa obra “Mulheres Invisíveis: O Género e as Políticas Comercias no Sul de
Moçambique, 1720-1830”, a historiadora Benigna Zimba (2003) estuda arquivos sul-africanos e de
Moçambique, analisando os papeis femininos e demonstrando que, apesar da sua participação ser
relevante para a economia e para a agricultura, isso não significou inclusão, respeito e emancipação.
Até os primeiros anos da década de 1960, era corrente os colonos brancos aplicarem
punições físicas aos empregados domésticos ou as donas-de-casa que errassem ou desobedecessem.
O poder disciplinar exercido pelos colonos sobre os indivíduos colonizados evidenciava a
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intolerância, a dominação, o armamento e o poder do Estado e, assim, a teoria da soberania


continuou dando as costas à comunidade periférica, enquanto o Estado confiante em seu poder
centralizador assumiu funções de repressão, controlando o corpo e o espírito dos oprimidos
(Foucault, 2004, p. 188).
Por seu turno, a ausência de políticas públicas voltadas para as mulheres, na maioria dos
países de regiões periféricas, tem levado ao duro diagnóstico, realizado por teóricos e
pesquisadores, a propósito da situação vivida pelas moçambicanas e da impossibilidade de
assumirem a natureza própria de ocupante.
Ao final, essas mulheres são as mais afetadas. Ao se falar nelas, discute-se o combate à
discriminação sexual, sendo elas vítimas e constituintes de segmentos pobres e vulneráveis, e à
violência doméstica, um fenômeno retrógrado difundido e uma das piores e mais horríveis
violações. Pode-se dizer que o sistema colonial acentuou a marginalização da mulher moçambicana,
manifestado na privação de direitos e de empoderamento (Cabaço, 2007). Na verdade, nota-se que o
fim do colonialismo, como relação política, não correspondeu ao seu fim enquanto relação de
sociabilidade autoritária e discriminatória.
Essa discussão sobre a marginalização serve para introduzir a afirmação da ONG WLSA
(Women and Law in Southern Africa), em que a violência doméstica é aceita pela sociedade e
legitimada pela ideologia patriarcal que usa a força para resolver questões matrimoniais e combater
quem desobedece. Foi nessa ótica patriarcal que a expressão família surge, representando a herança
como um organismo social em que o chefe mantinha a mulher sob seu domínio (Federação
Internacional de Direitos Humanos, 2007).
Com efeito, a submissão de Moçambique ao colonialismo e a falta de diálogo entre governo
e povo para a transferência pacífica de poder aceleraram a criação do movimento nacionalista de
libertação, fundado em 25 de junho de 1962, que lançou um novo rumo para questões do equilíbrio
de gênero.
Quanto a Moçambique, importa mencionar a história da luta armada como elemento de
estruturação do local de pertença, de denúncia e de resistência: a Liga Feminina de Moçambique
(Frelimo), com participação especial de Josina Machel, morta em 7 de abril de 1971, tornando-se
figura histórica (Machel, 1974).
Deve-se sublinhar que, nas décadas de 60-70, a Frelimo foi um movimento africano central
que defendeu e pensou em estratégias para a emancipação da mulher, seja no Norte ou no Sul, e
pelo desejo de uma sociedade nova, justa, com sua participação rumo a uma sociedade livre de
opressão. E, em 1972, o dia da morte de Josina, foi declarado o Dia Nacional das Mulheres de
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Moçambique. A maior parte das mulheres que participou da luta armada viu, neste movimento, a
oportunidade de defender e implantar seus interesses (Machel, 1974).
De fato, as moçambicanas perceberam que, além da democracia, deveriam usufruir dos
direitos fundamentais, das condições de subsistência, paz, estabilidade econômica e erradicação da
hierarquia de gênero (Simões, 2005).
Nesse contexto, há uma constatação do poderio masculino no âmbito político. Para o
presidente Samora Machel (1975-1986), um líder revolucionário militar socialista, a autonomia e a
emancipação feminina seriam um risco aos interesses capitalistas, pois desafiaria sua administração
e as convenções morais sobre o feminismo, como o controle socioeconômico (Mutéia, 2014). Assim
sendo, neste cenário contra a emancipação da mulher, por enquanto, “o silêncio será a resistência”.
O fim dos conflitos se deu em 1992, com assinatura dos Acordos Gerais de Paz, mas
Moçambique ainda tinha uma longa caminhada para tirar da pobreza milhões de habitantes e
proporcionar-lhes condição de vida digna, causados em parte pelos conflitos armados sobre as
mulheres, que resultou com marginalização das combatentes. Passadas décadas do fim do conflito
armado, a situação dessas mulheres permaneceu desvantajosa (Mutéia, 2014).

2. As mulheres da zona rural em Moçambique


A importância desse tópico reside em mostrar a situação das moçambicanas e a possibilidade de que
elas sejam capazes de elaborar verdades, modificar a pobreza e utilizar narrativas anticoloniais,
como contraposição ao discurso dominante, por meio da posse de terras.
Segundo as Nações Unidas (ONU News, 2021), o índice de pobreza de Moçambique retrata
desigualdades entre grupos étnicos, principalmente entre mulheres, resultando em metade desta
população a passar por dificuldades. Em Moçambique, mais da metade da população vive em
vulnerabilidade, superando 70%, e, neste quadro, 63% vive abaixo da linha da miséria (ONU News,
2021). A pobreza, no país, cria uma atmosfera de desesperança incessante.
Trata-se, assim, de um debate de teor político sobre o poder do Estado sobre a identidade,
influenciado pelas ideias colonialistas, notadamente travadas a partir das lutas de libertação
nacional na África. “Em Moçambique a identidade nacional permanece um projeto em
construção” (Mama, 207, p. 16). Esse dualismo incutido nessas categorias faz um paralelo certeiro
com o colonizador/ colonizado e a inspiração hegeliana baseado na metáfora do senhor e da escrava
(Ortiz, 1985).
No espaço das comunidades rurais do distrito de Maputo, as mulheres enfrentam diversos
obstáculos, como a desigualdade social, no poder de decisão e no pouco acesso aos recursos
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financeiros, à terra ou ao nível da participação cívica e comunitária; medidas estas que não
conseguiram ser implementadas.
Assim, a reclamação de muitas não é exigindo caridade ou compaixão, mas o direito ao mais
valioso e fundamental dos bens para seu empoderamento econômico, qual seja, a posse da terra e os
recursos naturais, que são o maior potencial de que o país dispõe para sobreviverem, conseguirem
renda e sustentarem suas famílias (ONU News, 2021).
Moçambique dispõe de terra e água suficiente para que as mulheres desenvolvam a
agricultura. Nesse aspecto, é preciso destacar que 90% das mulheres ativas trabalham no campo,
mas dos 97% das explorações agrícolas, apenas 25% são chefiadas por mulheres (ONU News,
2021).
Elas realizam longas horas de trabalho árduo na agricultura, expostas ao sol e, mesmo assim,
são consideradas o ator mais fraco, como as desfavorecidas. Um problema constante constatado é a
falta de segurança em relação à posse da terra, à concentração de serviços na figura masculina e às
discriminações, que as colocam em uma posição de desqualificadas injustamente (Valá, 2006, p.
113).
Este ponto remete a uma inquietação: institucionalmente, as moçambicanas são cotitulares,
com direito de participar na tomada de decisão e de adotar o papel de liderança, mas, na prática,
isso é um direito impossível (Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais, 2020). É uma investigação
que exige novos e severos ajustes.
Segundo o Boletim Informativo Especial (2019), apesar de todo o aparato jurídico a favor
delas, a mulher moçambicana enfrenta desafios, desde o reconhecimento de sua presença até sua
participação como cidadã. As autoridades responsáveis do Estado sabem que elas chefiam e
trabalham na terra, mas sem direito à opinião e à decisão sobre os espaços que ocupam.
Assim, a inclusão da mulher rural nos processos de tomada de decisão é bloqueada por um
rígido muro, um interminável e sombrio sistema colonial patriarcal, que conta com o apoio do
Estado. Essa engenharia estatal foi, na verdade, uma jogada ousada de manter o poder entre a elite
em um círculo de privilegiados, enquanto a sociedade periférica, hierarquicamente abaixo e
submissa, se mantém controlada, como gado sem mobilidade (Meneses, 2016). Como exemplos, há
os distritos de Monapo e Nacarôa, na província de Nampula, ao norte do país, em que, após o
casamento, o casal se desloca para a aldeia ou as terras do homem.
Osório (2006) deixa claro que o abandono da matrilinearidade em favor do patriarcalismo
enfraquece os laços do casal e o homem assume a posição de chefe da família e da terra. Assim, a
inclusão da mulher no processo de tomada de decisão é aniquilada pelo sistema e a mulher rural,
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com sua voz abafada, não tem direitos nem opinião, nem terras, e sobrevivem presas a fatores
culturais e tradicionais.
Ainda na agricultura, a média de rendimento mensal, quando chefiado por homens, é de
458,99 meticais, em Monapo, e 511,74, em Nacarôa, enquanto que os agregados chefiados por
mulheres é de 138,27, em Monapo, e 259,44 meticias, em Nacarôa. Nos dois distritos, a mulher é
responsável por preparação da terra, colheita e preparação dos produtos para a venda no comércio
(repolho, pimentão, tomate), mas o que prevalece é a relação de poder do homem (Agy, 2019).
Desse debate, pode-se observar o jogo dissimulado do poder em que a situação se agrava: a
dimensão política está diretamente relacionada aos megaprojetos, como agronegócios e mineração,
focados em adquirir terras de Moçambique, o que se torna uma ameaça para as mulheres, pois
perderão sua única fonte de renda; um dano duradouro às perspectivas de justiça social.
Essa discussão remente a segunda inquietação: as desigualdades na saúde. De dimensões
enormes, elas ocorrem pela posse irregular dos rendimentos entre os grupos sociais que, em muitos
casos, beneficia o homem, além de contar com o obstáculo da distância da zona rural e dos gastos
com transporte para chegarem às unidades de saúde sanitária (Agy, 2019).
Da mesma maneira, o World Bank (2017) indica que quase metade da população (46,3%)
continuava a ser pobre em dinheiro, a maioria (84,9%) na zona rural. Atualmente, este segmento da
população continua preso em doenças crônicas, ocasionadas pela pobreza, a menos que quebrem o
ciclo de privações e acumulem deficiências humanas, físicas e capital financeiro. Outros 25% da
população não é monetariamente pobre, mas enfrenta uma alto risco de voltar à pobreza, devido à
insegurança econômica provocada pela privações monetárias.
Vale salientar que o setor da educação, um dos pilares para a inserção da mulher no âmbito
político social e econômico, é outro grande desafio, apesar e esforços de incluí-las como principais
beneficiárias do programa de alfabetização para adultos (Instituto Nacional de Estatística, 2011).
Nos distritos de Monapo e Nacarôa, educação, em sua essência, é sinônimo de desigualdade.
Existe, entre os membros da família, a escolha da pessoa que deve prosseguir como os estudos. Esse
papel fica para o homem, que ficam dispensados das tarefas domésticas para se dedicarem aos
estudos. Nos agregados chefiados por mulheres, são poucas as que conseguem colocar seus filhos
para estudar. A ajuda vem de familiares que residem próximo das escolas.
Ellis (1999) acentua que há cinco prioridades para promover fonte de renda nas zonas rurais:
capital humano, infraestrutura, crédito, ambiente propício para iniciativas populares e critério de
seleção e redes de segurança. Quanto à essas prioridades elencadas por Ellis, a Agenda 2025
(Moçambique, 2003) não menciona uma condição de democratização escolar rural que promova o
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ensino e a aprendizagem, que respeite as particularidades e que preste atenção aos distintos
contextos de gênero e educacionais. A falta de autonomia e de professores na zona rural contribuem
para o descumprimento da democratização escolar, conforme os moçambicanos Castiano e
Ngoenha (2013).
Não bastassem os obstáculos do trabalho na zona rural, a mulher se depara com a
necessidade de reformular seus papéis, no desempenho das tarefas relacionadas a casamento,
maternidade, família, sexualidade e carreira. O desafio é grande, pois falta aplicação credível de leis
e o governo é negligente, dada a extensão dos problemas existentes, justificando sua
irresponsabilidade e seu descaso no discurso de que as mentalidades são muito enraizadas e não
podem ser mudadas de um momento para o outro (Federação Internacional de Direitos Humanos,
2007).
Note-se que o governo tem-se envolvido raramente no empreendimento de
esforços pela consciencialização dos direitos das mulheres. A Ministra da Mulher
e Acção Social reconhece que deve ser feito algo mais para informar aos
moçambicanos sobre os diretos das mulheres. Por outro lado, as associações
reclamam que o ministério afastou uma das suas próprias responsabilidades
(Federação Internacional de Direitos Humanos, 2007, p. 11).

Nessa perspectiva, pode-se inferir que o governo não exerce a sua devida função, de fornecer
ferramentas de proteção contra as violações de direitos humanos que permeiam a sociedade.

3. Os impactos do acesso à posse da terra


Para ter uma ideia das desigualdades de gênero, a terra é vista pelos agregados familiares chefiados
por homens e por mulheres como um recurso de poder. Mas, após o casamento, é o homem quem
decide as áreas de produção, conforme o relato abaixo:
O marido é que deve notar qual é o comportamento da sua mulher; se ela exige,
vamos para a minha terra; você como homem deve analisar. E se você ver que essa
minha mulher não confio, vai-me deixar e ficar com os meus bens, assim você não
segue para a terra dela [...] e quando chego à minha terra com ela, entrego um
espaço para ela cultivar (agregado familiar chefiado por homem em Monapo, 65
anos).

Como se pode extrair da passagem acima, as dificuldades para uma mulher obter um lote de terra
começam desde a obtenção de um simples documento de identificação, segundo informa Hortência
da Conceição, do Fórum Mulher em Inhambane (Made for Minds, 2018). Nota-se que o governo
ignora a necessidade de conscientização dos direitos das mulheres e até mesmo o ministério
afastou-se das próprias responsabilidades (Federação Internacional de Direitos Humanos, 2007).

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O que mais se evidencia na desigualdade é o acesso ao crédito, evidenciado pela falta de


documentos de identificação, gerando dificuldades de formalizar o negócio dentro do sistema
bancário, como se observa na explicação de Agy (2018):
É notório em agregados familiares chefiados por homens (em Monapo e
Nacarôa), em que existe maior diversificação das fontes de renda, o envolvimento
do homem em dinâmicas financeiras, pelo facto de ele ser a pessoa que tem
documentos de identificação, o que lhe permite aceder a serviços financeiros,
como M- Pesa, bancos ou orçamentos de investimento de iniciativa local (Agy,
2018, p. 17)

Outra questão é a burocracia no acesso pela posse e pelo controle da terra, que sofreu modificações
ditadas pela intervenção colonial africana. Não é à toa que a terra constitui um bem de importância
em qualquer sociedade. Em Moçambique, dado o número de pessoas habitando os meios rurais, a
importância da terra é ainda maior (Negrão, 2000).
A contribuição desse debate se dá em termos de que, em sociedades maioritariamente rurais,
a terra possui, por um lado, um valor e significados sagrados, determinados pela ligação que esta
cria com os ancestrais e, por outro lado, pelo poder que ela confere a quem é, legal ou
tradicionalmente, o legítimo responsável pela sua gestão. Ademais, ela é o local dos cultos de
adoração aos antepassados, das habitações. A maneira pela qual a terra é entregue, herdada e
controlada, é uma das bases mais importantes de socialização dos diferentes grupos sociais (Negrão,
2000).
As normas de reciprocidade enraizadas e partilhadas pelos indivíduos na relação com a terra,
por meio de cultivo, produção, habitação ou culto aos ancestrais, criam uma certa ordem e
estabilidades, que harmonizam a convivência em sociedade e facilitam aceitação das normas e
configuração do poder criadas (Mandamule, 2017).
Cabe destacar que, em se tratando de herança, nas sociedades patrilineares do sul,
estabeleceu-se que apenas os indivíduos do sexo masculino estão dotados do direito à herança.
Neste sentido, segundo Chiziane (2002), observa-se que as moçambicanas quase nunca podem
herdar ou usufruir, senão por meio do casamento, o que gera um sentimento de não pertencimento.
Preciso de um espaço para repousar o meu ser. Preciso de um pedaço de terra. |
Mas onde está minha terra? Na terra do meu marido? Não, não sou de lá. Ele diz-
me que não sou de lá, e se os espíritos da sua família não me quiserem lá, podem
expulsar-me de lá (Chiziane, 2002, p. 92)

Como a passagem acima deixa claro, em Moçambique, mais de 80% das mulheres vivem e
sobrevivem da terra e são constantemente ameaçadas de morte, seja pelo marido, ex-marido, filhos
ou Estado; um efeito da condição de invisibilidade na hierarquia do país. Assim, o país adotou um
quadro de legalidade sobre o uso de aproveitamento da terra, que permitem a elas gozarem desse

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direito. Contudo, o que se observa é que a ideia ficou no papel, nada mudou, elas não possuem
direito ao uso de terras e a outras riquezas naturais.
Há uma verdade camuflada de que os sistemas de governança dos direitos consuetudinários
sobre o uso da terra geralmente permitem apenas os direitos secundários e o acesso à terra por meio
de um parente do sexo masculino (Cabaço, 2007). Contudo, importante frisar que não existem
outras oportunidades de subsistência, além do cultivo, para viver ou morrer de fome. As mulheres
se veem forçadas a trabalhar na agricultura durante a ausência de seus maridos (quando existe um),
sobrevivendo em meio à subnutrição e insegurança alimentar, entregues ao destino e desamparadas
pelo Estado (Cabaço, 2007).
Como efeito, as mulheres do campo são marcadas pelo preconceito, sofrem o drama de uma
vida desgovernada, sem futuro e cheia de incerteza. O Estado, que deveria dar o devido suporte,
atua às avessas, com suas burocracias e ameaças de morte provocadas pela pressão das aquisições
de terras privadas. Primeiro, recebe-se ameaça de expulsão, depois, ameaça de apreensão de
documentos e, no final, de morte (Cabaço, 2007).
Há vários fatores que influenciam as ameaças, tais como: a usurpação de terras pelas
multinacionais - já mencionado -, pela indústria extrativa e pelo agronegócio e a falta de vontade
política do governo. Além de perderem terras para as instituições governamentais e para os
investidores, há a possibilidade de perderem terras para outras pessoas. Vive-se em um país em que
a terra é pertencente ao Estado e se age como achar conveniente para si (Steel et al., 2018).
Outro fator a se ter em conta é que os investimentos estrangeiros na agricultura
moçambicana são defendidos e facilitados pelos atores internos e externos. Os atores internos são
representados pelas elites capitalistas e o governo desempenha papel na legitimação do land
grabbing (aquisição de terras), que não é um problema novo em Moçambique (Sousa, 2017).
Para Myers (1994), o cerne da questão é que, em maio de 1994, cerca de 40 milhões de
hectares foram cedidos para empresas privadas comerciais, equivalendo a mais da metade da terra
do país. Ele ainda aborda a possibilidade de um processo de aquisição de terras para uso
especulativo.
Vale ressaltar que a ocupação de cargos de liderança e chefia dentro do sistema de poder confere
aos atores implicados contratos com novos ocupantes e grandes privilégios e benefícios (materiais e
simbólicos), permitindo-lhes legitimar o poder e perpetuar a sua dominação (Mandamule, 2017).
Acontece que a luta pela terra, seja ela dentro ou fora de casa, tem um papel considerável na forma
como as mulheres se veem e pensam o seu lugar de fala e a violência injusta que lhe é dirigida.

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Nesse aspecto, muitas associações possuem, como prioridade, dar aconselhamento legal às
mulheres rurais em dificuldade sobre seus direitos, pois a maioria não os conhece, devido ao
analfabetismo. Contudo, isso não as impediram de irem à luta, mesmo com a oposição e imposição
masculina, geralmente justificada por medo e sucesso da competição feminina nas áreas pública e
política (Chingore, 2021).
Em se tratando das mulheres nas zonas rurais, especificamente na província de Inhambane,
ao sul, as desigualdades são bem mais agravantes e a luta pelos direitos básicos é sombria. Mães
solteiras e mulheres chefes de agregado são consideradas pobres por viverem sozinhas sem
assistência (Chingore, 2021).
A reviravolta pode acontecer, contudo, quando o Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais
(Fommur), um dos principais baluartes, composto por trabalhadoras rurais ligadas à União Nacional
dos Camponeses (Unac), à Associação das Mulheres Desfavorecidas da Indústria Açucareira
(AMUDEIA) e a Associação Moçambicana para a Promoção do Cooperativismo Moderno entram
em ação. Seu objetivo foi compor uma delegação moçambicana de camponesas para o Congresso
Mundial de Mulheres Rurais em Durban, África do Sul, em 2008, representando as vozes das
pequenas camponesas e produtoras de comércio informal (PLAAS, 2022).
No que diz respeito à liberdade, percebe-se a contribuição da Organização da Mulher
Moçambicana, uma estrutura de orientação com o objetivo de batalhar, mobilizar, organizar e unir
as mulheres, jovens, idosas, solteiras e casada, com ou sem instrução na luta pela consciência
crescente, mobilização interna em favor da solidariedade e emancipação (PLAAS, 2022).
Em dezembro de 2004, a nova Lei de Família trouxe uma nova página na vida e na
conscientização da mulher rural. Enquanto a lei anterior era cimentada no sistema patriarcal, a nova
traz enormes benefícios e, nesse sentido, o Fommur não se intimidou e se agarrou como
fundamento legal para o cumprimento da proteção e total igualdade de gênero perante a lei. As suas
vantagens abrangem e se aplicam à propriedade da terra, repercutindo atualmente, em 2022, com
impacto no acesso à terra por parte da mulher rural (Chingore, 2021).
Deste encontro, as camponesas, sentindo-se mais fortes, informadas e confiantes, finalmente
reproduziram dois documentos: a Carta de demandas das mulheres pelo direito à terra e a II
Declaração das Mulheres rurais Moçambicanas. A primeira ocorreu no dia 16 de outubro de 2016,
quando 29 mulheres rurais escalaram o monte Kilimanjaro, o mais alto da África (Fórum
Moçambicano das Mulheres Rurais, 2020).

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Em outros termos, essas vozes começaram a despertar, ampliar e ecoar com a mobilização
denominada de Kilimanjaro das mulheres rurais da África, em 2016, aos pés do Monte de mesmo
nome, em outubro de 2016.
Outra ampliação das vozes veio na 26 ª Cimeira de União Africana (UA), como o oportuno
Ano dos Direitos Humanos da África, em que as mulheres incorporaram um discurso em que exigia
atualização do direito à terra e recursos para segurança alimentar e nutricional, sensibilização em
torno de investimentos de grande escala e demanda para sua aplicação, fortalecimento dos
movimentos, capacitação das mulheres e regulação das empresas poluentes que prejudicam o meio
ambiente e outras questões interligadas (Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais, 2020).
Devido à falta de envolvimento do estado com as comunidades rurais, iniciou-se uma série
de reuniões com mulheres rurais para aumentar a conscientização. O primeiro encontro ocorreu no
dia 10 de setembro de 2020, em Maputo, e reuniu cerca de 50 mulheres. Entre elas, estavam 10
representantes do Fórum Mulher (Fommur) e 30 agricultoras da cidade de Maputo (PLAAS, 2022).
Plaas (2022) também defende que o Fommur constitui possui princípios que visam garantir
os direitos do povo moçambicano à terra e promover o investimento e uso sustentável e equitativo.
A lei de Terras, que estabelece igualdade de direitos no acesso ao uso da terra para homens e
mulheres e tem força nas questões de gênero, foi revisada em 1997, quando Moçambique publicou
leis progressistas, mas ironicamente retrógradas ao gênero.
A Lei de Terras, reconhece oficialmente as mulheres como co-titulares de terra
comunitária e afirma ainda que todos os membros da comunidade (incluindo as
mulheres), têm o direito de participar nos processos de tomada de decisão [...]. De
facto, a lei proporciona às mulheres a oportunidade de anunciarem o seu interesse
pela terra e adoptar os papeis de liderança. No entanto, de acordo com a Direccção
Nacional de Terras, em 2015 apenas 20 por cento dos DUATS foram registrados
para mulheres, enquanto 80 por cento foram registrados para homens (Adriano &
Machaze, 2016, p. 2)
Saliente-se que o artigo 66 da Constituição do país proíbe a discriminação baseada em raça, sexo,
etnia origem, naturalidade, religião, escolaridade, posição social e situação jurídica dos pais ou da
profissão e o artigo 57 aborda especificamente a igualdade de gênero entre homem e mulher.
Quadros jurídicos e programáticos de apoio às mulheres foram implementados, campanhas de
conscientização foram lançadas e a paridade de gênero na educação se tornou um objetivo principal
(Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais, 2020).
A última conquista legislativa foi a revisão da Lei das Sucessões (Lei n.º 23/2019 de 23 de
dezembro), que reconhece as viúvas como as principais beneficiárias. A Portaria que impedia
estudantes grávidas de frequentar aulas diurnas em escola foi revogada em 2018. Atualmente, as
mulheres representam 52,3% da força de trabalho (Mozambique, 2022).

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Há outros exemplo: a corajosa atuação de Flaida Macheze, ativista, oficial do género da


UNAC; Verónica António, trabalhadora da terra em Barué; Márcia Carla assistente de Comunicação
da Hikone – organização da sociedade civil moçambicana e parceira da implementação do Fórum
Mulher; e Maria dos Santos, uma camponesa simples que desafia as autoridades ao denunciar que
apesar de existirem mulheres nos comités de gestão de recursos naturais, elas não possuem voz
ativa, sendo impedidas de exporem sobre o que afeta suas vidas.
Eu fazia parte de um comité de gestão de Recursos local na minha comunidade. Por ser
mulher, o meu trabalho, junto de outras colegas, era de cozinhar para os homens nos dias que
tínhamos reunião. E, no final, nos informavam sobre as decisões tomadas. Nunca nos deixavam
participar. Diziam que era espaço para resolver problemas, e as mulheres não tem essa habilidade.
Quando a reunião era noutra comunidade, quem ia participar eram sempre os homens (Boletim
Informativo Especial, 2019, p. 7).
O que se pode observar do trecho acima é que as mulheres que participavam do comitê eram
enganadas e não tinham acesso às reuniões, sendo excluídas e impedidas de participar e expor suas
questões a serem resolvidas e ouvidas.
Por sua vez, é possível constatar que a participação das organizações que promovem
atividades de geração de renda possibilitou à mulher rural certo grau de conhecimento,
conscientização e autonomia para gerir sua renda, melhorar suas condições de vida e dar som à sua
voz, no processo de ruptura na herança das decisões de trajeto de mão única.
Um ponto fundamental a ser observado é o fato de como essa agricultura descobre, dá
visibilidade à mulher invisível e toma a imagem da moçambicana como afirmativa, envolvendo
ampla participação coletiva. A advocacia e o Fórum Mulher defendem e advogam pelo direito da
mulher à terra baseado em evidências, vídeos, narrativas e experiências, com visões claras sobre
provas das alegações das mulheres de que a posse da terra fornece um espaço de apoio e
sobrevivência, pois lá há espaço para cultivar, colher e alimentar os filhos: “Em todas as oficinas, as
mulheres afirmaram que dependem da agricultura- sendo a terra um recurso importante para sua
subsistência e geração de riqueza” (Steel et al., 2018, p. 3).

4. Interpretações póscolonialistas
Observa-se, assim, que os moçambicanos partilharam da experiência colonial europeia, cujo traço
característico deriva das relações de dominação fundadas na ideia de inferioridade racial, visava
negar o direito à história do povo, por meio da usurpação do direito.

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Procurando desafiar a (re)produção do colonialismo, o projeto de emancipação da Frelimo


combinava a luta nacionalista com denúncias ao imperialismo e seus vícios, focado em um futuro
esperançoso para o povo moçambicano (Borges Coelho, 2009, p. 285).
A política do Estado póscolonial é um conjunto de referências memoriais, pautada em uma
elite política que funciona com seu poder e uma narrativa oficial. Bhabha (1990, p. 292) afirmava
que os projetos nacionais trazem consigo o fardo da construção de memórias, mas, igualmente,
carrega silêncios e esquecimentos. No caso de Moçambique, aponta-se uma politização do passado.
A operacionalização desta análise recai sobre as mulheres, pela recorrente vitimização e
imagens de desprivilegiadas, sujeitas à dominação dos homens; análise esta corroborada pelo papel
submisso e passivo, com funções sociais rigorosamente delimitadas, como o fornecimento de mão-
de-obra ligado à economia doméstica.
Como visto, ao longo do tempo, vencedores são aqueles que detêm o poder e o utilizam de
forma a convencer o maior número de grupos de pessoas a respeito da sua verdade, que deve ser
vista como absoluta. Neste quadro, dado o forte contexto histórico patriarcal e colonial do país, não
é de se espantar que persista essa ideia/tradição de uma contextualização da mulher como incapaz.
No entanto, por meio da abordagem pós-colonial, enfatiza-se que se deve reconhecer que o outro
fala e tem um discurso, um pensamento, comunidades, associações e corajosos líderes.
A dominação póscolonial é uma característica central para a compreensão dos processos de
submissão das mulheres. Acredita-se que o prefixo “pós”, no codinome póscolonialismo, não é a
superação das situações coloniais de imposição localizada em um passado remoto, mas uma
proposta em que se demonstra a continuidade das relações de dominação da “colonialidade global”,
em que se examina a relação de pessoas e lugares como inferiores a outros tipos considerados
melhores (Mata, 2014).
Em linhas gerais, caracterizam-se os estudos póscoloniais como ferramenta de saída para
reivindicar espaços em direção a um lugar de fala e de construção das histórias das populações
subalternizadas, em que surgem as moçambicanas rurais, rompendo com a escrita e o sistema do
discurso dos dominadores. Nesse sentido, Cesaire (1978), em sua experiência colonial, afirma que o
período teve um efeito descivilizado, em que o colonizado é transformado em coisa, objeto,
escambo. Não existe diálogo, mas uma dominação violenta, que transforma o colonizado em
instrumento de produção e o colonizador em chicote.
A sociedade colonial é uma sociedade violenta, seja pela violência física ou psicológica. A
objetificação que a moçambicana recebe é uma violência à sua identidade. Segundo Bonfim (2016),
o poder de determinação do colonialismo suprime, limita e mata a cultura colonizada, como se
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tentou fazer com a moçambicana. Evidentemente, esse é um pensamento colonial que se situa bem
no quadro moçambicanos em debate, um indicador importante para se pensar as realidades do país.
A história, porém, não acaba assim. Uma autora póscolonial fundamental é a indiana Gayatri
Spivak (2010), como sua obra “Pode o subalterno falar”, em que analisa como a produção do poder
é limitante e prejudicial. Para ela, o sujeito subalterno pertence às camadas mais baixas, excluídos
da sociedade. Ela sustenta que essa situação é mais arduamente imposta às mulheres, posto que a
“mulher como subalterna, não pode falar e quando tenta fazê-lo não encontra os meios para se fazer
ouvir” (Spivak, 2010, p. 15).
Outro ponto importante a ser destacado é a violência epistêmica que se destina a neutralizar
o “Outro: colonizado, ou subalterno – a mulher pobre e negra – que deve ser invisibilizado e
mantido no lugar demarcado ideologicamente e que esteja fora do círculo ativo.
Os sabedores de conhecimento, no caso os homens e o Estado moçambicano, apresentam-se
como os representantes dos oprimidos, como se fossem a voz e os interesses dos subalternos. “ Uma
teoria é como uma caixa de ferramentas, ela não possui relação com o significante (Spivak, 1988,p.
70). “Eu posso criar uma teoria, mas não significa que serei o porta voz do meu objeto de estudo”.
Esta autora acredita que historicizar o subalterno não é trazer algo novo, mas identificar a voz de
quem quer falar, interpretar as histórias plurais.
No momento atual, como mencionado por Cesaire e Spivak, ao invés de continuar a se
reproduzir essas relações coloniais, urge debates que tragam a denúncia e o resgate da história, que
ganham expressões quando envolvem a mulher em todas as áreas de sua vidam considerando-se a
emancipação, irradiando a energia para as periferias, ouvindo as diferentes e contrastantes vozes do
subalternizado, neste caso, em específico, as mulheres moçambicanas oprimidas, vítimas
impotentes, sem recursos econômicos, políticos ou culturais para modificar suas vidas (Meneses,
2016).
De fato, essa persistência/esses vestígios, por parte do poder colonial, em tempos pós-
coloniais, verifica-se em países de contexto semelhantes, como Moçambique, em que as estruturas
de poder ainda se organizam em uma matriz colonial dando origem à colonialidade do poder
(Quijano, 2005; Mignolo, 2005), como princípio sobre o qual se fundam as relações hierárquicas
sociais, pautada na ideia de raça, discriminações sexuais e populações excluídas do poder político,
dos meios de produção e subsistência (Quijano, 2005).
Reconhecendo as relações intricadas no saber - poder subjacentes a toda prática acadêmica,
o póscolonial atua com uma crítica, um saber da sua função política, opondo-se à assimétrica
distribuição global de poder e as injustiças que carregam os fragilizados (Santos, 2004).
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Até a assinatura do acordo de Lusaka, a maioria das terras férteis e de fácil acesso era
ocupada por brancos colonizadores e grandes latifundiários, com isenções aduaneiras e de alguns
impostos sobre a produção. Às mulheres moçambicanas, cabia os espaços que não interessavam, o
que evidencia a subalternidade como uma das características da organização dos espaços rurais e a
pluralidade de interesses econômicos e exploração capitalista.
Concorda-se com Bhabha (1986) de que não se deve substituir imagens distorcidas por
diferentes, mas acredita-se que se deve retratar uma imagem e uma realidade autêntica anterior à
narrada e efetuada pela tradição colonial e patriarcal.
Observa-se que os programas de apoio, em Moçambique, aqui descritos, se coadunam com a
ideia de autores anticolonialistas mencionados, ao defender a preocupação de privilegiar a
subalternidade enquanto lugar de enunciação de onde o póscolonial pode emergir na vida dessas
mulheres, na premissa de que as margens e as periferias são locais de enunciação privilegiados para
identificar e conturbar o arcabouço de poder e de saber (Santos, 2004).
Desta forma, nessa linha de pensamento, as vozes dessas moçambicanas passam a ser um
instrumento consciente, usado para tornar conhecido e valorizado, para formar, divulgar opiniões
outras que não sejam as masculinas. O póscolonial remete do passado ao futuro, das lutas para a
afirmação do direito à autodeterminação e à esperança de um futuro de reconhecimento (Said, 1977,
p. 353).
Isto posto, o modo como as mulheres rurais atuam firmes no direito pela posse da terra
funciona como força motriz para perseverança, resistência e coragem da classe periférica em se
tornarem moçambicanas independentes financeiramente, condizentemente com as esperanças e
ideologias da abordagem póscolonial.
A este respeito, as mulheres moçambicanas tentam, a partir deste despertar, libertarem-se
das amarras de um sistema secular de opressão patriarcal para quebrar tradições, hábitos e
superstições, ao mesmo tempo em que desafiam a opressão dos vestígios coloniais. Elas estão
cientes de que são peças-chave no tabuleiro pelo controle do poder, para progresso social e
desenvolvimento sustentável do país, o que tem sido levado em conta.
No caso das famílias mais carentes, elas conseguem produzir, por meio da terra, alimentos
suficientes durante, no máximo, seis meses ao ano, considerado um grande passo, mas que pode ser
aperfeiçoado (The Oakland Institute, 2011).
Ao fim e ao cabo, em um país como Moçambique, em que prevalecem relações desiguais de
poder, homens acima das mulheres, a abertura do reconhecimento e as ideias (des)fronteiriças
podem colaborar para desmistificar, reforçar, revelar e reverter o quadro de injustiças que continua
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“a impregnar alguns aspectos da cultura, dos padrões de racismo e de autoritarismo social e mesmo
das visões dominantes das relações internacionais” (Santos, 2004).
Concorda-se com Mignolo (2005), ao ressaltar que não se trata de substituir o conceito de
“Totalidade” por outro proveniente da periferia, mas a pluralidade, como um projeto universal um
mundo heterogêneo, em que a diversidade não pode ser reconhecida como uma fraqueza, mas como
força nas relações pessoais e internacionais.
Assim, surge a necessidade de uma análise pós-colonialista, pela possibilidade das
moçambicanas se reapropriarem das histórias em que são propositalmente excluídas pela narrativa
dominante e que elas sejam sujeitos capazes de elaborar verdades e narrativas anticolonialistas
como contraposição ao discurso autoconfiante da superioridade estatal.
Portanto, neste artigo, considera-se que há como construir um mundo pós-colonial para
mulheres da zona rural de Moçambique, um passo fundamental para o processo de desenvolvimento
dos seus direitos e sua inserção no meio do social em que se inserem, cientes de que a igualdade
apresenta ainda muitas lacunas para que seja reconhecida como igualitária.

Conclusão
Neste artigo, percebe-se que as mulheres da zona rural de Moçambique vivem um dilema, em que a
herança do passado colonial ainda se faz presente em um Estado hegemônico repressivo, ordenado
por regimes totalitários que definem o valor social de uma pessoa.
Observou-se que, no tempo colonial, as relações de gênero dividiam as pessoas como
categorias de importância e Moçambique não fugiu à regra. O regime investiu na construção de
categorias sociais, entre elas a do colonizador e colonizado que tiveram de ser cuidadosamente
fabricadas e mantidas a todo custo.
Pode-se dizer que o sistema colonial acentuou a marginalização da mulher moçambicana
com a ambição que atingiu a dignidade e negou valores humanos, resultando na incapacidade da
mulher em assumir o seu papel de conquista de espaço libertador.
Se, de um lado, a mulher da zona rural pode colaborar e aumentar a econômica de
Moçambique, por outro lado, as desigualdades de gênero, provenientes de um pensamento
convencional, não permite que elas desfrutem de condições de vida dignas, com acesso à educação
e saúde. Não se pode retornar a um passado mítico em que se perpetuem as situações de
subalternização.
Foi visto que, com a colaboração de programas de apoio, as moçambicanas se
conscientizaram do seu valor e do poder de alargar as conquistas, com diálogos de pertença, a fim
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de ampliar suas vozes e direitos garantidos. Com isto, analisou-se a questão da garantia de
segurança da posse da terra, para cerca de 75% da população, que vê na agricultura a base da sua
subsistência e tem assumido uma importância pungente, sobretudo no contexto da grande apetência
de terras na África.
Pode-se concluir que a denúncia póscolonial dá voz às subalternas, que relataram suas
experiências e demandas para tecer suas histórias de sobrevivência de vida e de possibilidades e de
definir que podem ter a posse da terra e, assim, destruir os muros entre as (des)igualdades de
gênero.
A participação das moçambicanas em cena abre a possibilidade de discutir representações sociais
sobre papeis sociais, colocando em xeque-mate a hegemonia do sistema masculino moçambicano.

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