As Fontes Do Processo Penal
As Fontes Do Processo Penal
As Fontes Do Processo Penal
O conceito “Constituição Penal” apela a uma ideia material e não meramente formal
de Constituição, “indispensável para legitimar o poder punitivo do Estado”1.
A Constituição Penal pode reduzir-se, no essencial, às normas constitucionais que se
referem directamente ao Direito Penal, como, por exemplo, as constantes dos artigos 59 a 61
da CRM, e Processual Penal, como, por exemplo, as constantes dos artigos 62 a 68 da CRM,
bem como aos princípios gerais, como o vertido no artigo 56/2 da CRM, em que a doutrina
ancora o princípio da necessidade da pena.
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Sobre a natureza o o conteúdo da Constituição Penal, v. Maria Fernanda Palma: Direito Constitucional Penal,
Almedina, Coimbra, 2006.
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princípio do juiz natural (em que é a lei que determina qual o tribunal que julga o caso) e a
tipicidade (por exemplo, ao determinar se o crime é público ou particular).
Verifica-se que o regime do Direito Penal e do Processo Penal não é totalmente
coincidente. Para além das diferenças acima mencionadas, em Processo admite-se a
integração de lacunas (art.º 12 do CPP), e em Direito Penal, cum granno salis, não. E, cum
granno salis, porquê? Porque a proibição da analogia em Direito Penal vale para a analogia
contra reum ou in malem partem, mas não favore reum ou in bonam partem.
A CRM consagra, no art.º 59/2 a presunção e inocência do arguido (cfr. art.º 3 do CPP).
A presunção de inocência faz-se dentro de um estatuto processual e fá-lo para obrigar o MP
a provar a culpa do arguido. O arguido não tem de provar a sua inocência, porque beneficia
deste estatuto, sendo a prova da sua culpa um ónus a cargo da acusação.
A forma prevista na CRM para provar a responsabilidade criminal é o trânsito em
julgado da sentença criminal, o que quer dizer que o arguido é considerado inocente até ao
proferimento da sentença. O Processo Penal é assim a única forma juridicamente admissível
para derrogar a presunção de inocência.
5. Podem recorrer, nos termos deste artigo, o arguido, o assistente ou as partes civis,
sendo, porém, obrigatório para o Ministério Público.
Artigo 495
(Interposição e efeito)
1. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente identifica o acórdão com
o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da
publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
2. O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.
Artigo 502
(Eficácia da decisão)
1. Sem prejuízo do disposto no número 3 do artigo 500, a decisão que resolver o
conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja
tramitação tiver sido suspensa nos termos do número 2 do artigo 4982.
2. O Tribunal Supremo, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o
processo.
3. A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os
tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência
fixada naquela decisão.
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Tendo sido, porém, anteriormente reconhecida a oposição de julgados sobre a mesma matéria de direito, os
termos do recurso são suspensos até ao julgamento daquele em que primeiro se tiver concluído pela oposição
(art.º 498/2).
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Com a excepção assinalada aos Acórdãos do CC.
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Sendo a lei a principal fonte de Direito Processual Penal é imperativo que esta seja
interpretada. A interpretação da lei processual penal – a determinação do sentido da norma
– não é de natureza diferente da que se opera noutras áreas, ou seja, da interpretação das
restantes normas do ordenamento jurídico. Por isso, são de aceitar, neste âmbito, os cânones
gerais da interpretação jurídica constantes do Código Civil (cfr. Germano Marques da Silva).
No entanto, é preciso contextualizar esta interpretação. A interpretação da lei
processual penal é feita no ambiente de um processo conflitual, e por isso, temos que ter
cuidado com as interpretações restritivas para não destruir o equilíbrio entre os deveres.
Assim sendo, conclui-se que para fazer a interpretação da lei processual penal temos que ter
em conta certos referentes e limites, para além daquilo que resulta das técnicas
hermenêuticas de interpretação.
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Veja-se o que se diz no preâmbulo deste novo CPP: “Sendo certo que o processo penal é direito constitucional
aplicado, impõe-se que a fruição dos direitos de cidadania na sociedade democrática e plural que estamos a
consolidar, tanto no que concerne a direitos individuais como a deveres para com a comunidade, deve constituir
a bússola orientadora do novo quadro jurídico-penal da coeva sociedade moçambicana”.
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Princípio da confiança: O Direito Processual Penal está previsto para que os sujeitos
processuais saibam o que vai acontecer, de modo que o processo não pode viver de normas
de condutas sociais desconhecidas até ao momento, pondo em causa o principio da
confiança. Significa que se devem evitar as interpretações que apresentem resultados de
surpresa, que não se podiam antever a partir da lei e das decisões jurisprudenciais. Muitas
vezes a doutrina e a jurisprudência confundem aquilo que existe, com aquilo que devia existir.
Artigo 12
(Integração de lacunas)
Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por
analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal
e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.
Sobre esta questão há desde logo, que distinguir as normas que agravem a posição
juridico-processual do arguido das restantes. Quanto a estas, rege o art.º 12, segundo o qual
a integração de lacunas deverá ser feita prioritariamente por recurso a normas do CPP
(analogia legis), e apenas quando tal não seja possível se admite o recurso ao Código de
Processo Civil, ou, em última instância, aos princípios gerais do processo penal, como fontes
integradoras de lacunas e, consequentemente, como fontes de Direito.
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Independentemente disso, pode acontecer que o Código não regule uma situação,
mas isso não corresponda a uma lacuna, mas a uma decisão legislativa. Por exemplo, o
legislador não acolhe em Processo Penal a litigância de má-fé, porque esta é incompatível
com o princípio da defesa e a presunção de inocência. Aqui não temos uma lacuna, mas uma
decisão legislativa.
Nos art.ºs 134 a 139 temos o seguinte regime: “A violação ou a inobservância das
disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for
expressamente cominada na lei” (art.º 134/1).
Artigo 156
(Legalidade da prova e métodos proibidos de produção)
1. São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
2. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção
ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
3. São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo
que com consentimento delas, mediante: a) perturbação da liberdade de vontade ou de
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Isto quer dizer que o sistema é fechado: ou há uma nulidade, ou se o legislador não
declara, temos uma mera irregularidade.
Assim, se uma lacuna é uma omissão de uma solução jurídica, e o sistema é um sistema
fechado em que as nulidades estão previstas expressamente, o que não estiver previsto
expressamente é uma irregularidade, o que quer dizer que não há lacuna. Deste modo, o art.º
12 tem de ser correctamente entendido. Só há uma lacuna quando não há solução, pelo que
o art.º 12 só será aplicável perante uma ausência de regulação que configure efectivamente
uma lacuna.
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Casos específicos:
a) as normas sobre prescrição do procedimento criminal, já que constituem “causa de
afastamento da infracção”, são de aplicação retroactiva quando mais favoráveis ao
arguido;
b) relativamente às normas sobre condições de procedibilidade, verificam-se algumas
divergências. Em termos gerais é de aplicar a lei que concretamente se mostre mais
favorável ao arguido e recusar a aplicação retroactiva da lei mais gravosa (G. Marques da
Silva).
Topicamente:
A lei processual penal, quando surge, é de aplicação imediata, mas salvaguarda os
actos praticados na vigência da lei antiga. Vigora aqui o princípio tempus regit actum (os actos
regem-se pela lei em vigor à data da sua prática). Assim, a lei que permite questionar a
validade dos actos, é a lei está, ou estava, em vigor aquando da prática do acto.
Por ser de aplicação imediata, a lei processual aplica-se mesmo aos processos em
curso, tendo uma dose de retroactividade: aplica-se a processos que se iniciaram antes de
essa lei entrar em vigor. Se uma certa lei admitia o recurso do despacho de pronuncia e entra
em vigor, imediatamente, outra que retira esse direito; e se os sujeitos iniciaram o processo
com esse horizonte, a regra de aplicação imediata sofre uma contenção, passando a aplicar-
se apenas aos casos futuros, por restringir direitos dos sujeitos processuais.
Este critério geral tem duas excepções, o que quer dizer que a lei não se aplica aos
processos iniciados anteriormente em duas situações: (1) quando o recurso à nova lei resulte
num agravamento sensível e evitável da situação processual do arguido; ou (2) quando o
recurso à nova lei conduz a situações que impliquem desarticulação processual e quebra da
harmonia e unidade dos vários actos do processo (art.º 9/2).
Se o processo não se iniciou, este pode iniciar-se com a lei nova e com o regime do
crime público com apenas uma excepção: o crime era semipúblico, conhecendo os factos e
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os autores, o ofendido tinha 2 anos, ou um ano, consoante os casos (cfr. art.º 155/2 do CP),
para apresentar a queixa.
Se não o fez, deixa de ser possível, enquanto vigorar a lei antiga, apresentar queixa.
Se o direito de queixa caducou, antes da entrada em vigor da lei nova, a situação jurídica
caducou e não pode ser repristinada. Se assim não fosse gerar-se-ia uma enorme
desigualdade.
Se o processo já começou, ou se retira ao ofendido o direito de desistir e o processo
continua como público, ou se reconhece a possibilidade para desistir, mas daquilo que já é
um crime público. Nenhuma solução é boa. Frederico da Costa Pinto considera que apesar da
conversão do crime em crime público, aquele processo que começou bem, com queixa ao
abrigo do regime tipo de crime, deve permitir a desistência. Ou seja, a conversão do crime
não deve retirar ao ofendido a possibilidade de retirar queixa. Em todo o caso, nestes casos,
o melhor seria que legislador tivesse criado um regime transitório. Não o fez.
De acordo com o art.º 65/4 da CRM, “Nenhuma causa pode ser retirada ao tribunal
cuja competência se encontra estabelecida em lei anterior, salvo nos casos especialmente
previstos na lei”. Significa que, a lei que regula a competência é a lei do momento da prática
do crime (Noronha Silveira). Tem por finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou
tribunal para resolver um caso determinado.
Esta garantia deverá ser relacionada com a estabelecida também pelo art.º 222/6 CRM
[proibição dos tribunais de excepção], que proíbe “a existência de tribunais com
competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, à excepção dos
tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (cfr. art.º 223 da CRM).
A lei processual penal aplica-se a todas as pessoas, nacionais ou não, a quem seja
aplicável o direito penal moçambicano, estendendo-se mesmo a quem não é arguido em
processo penal (por exemplo, a quem presta declarações na qualidade de ofendido ou de
testemunha)5.
Estão, no entanto, subtraídas à jurisdição penal moçambicana (imunidade), as pessoas
que gozam do privilégio de extraterritorialidade6, que se funda na "garantia de que certas
pessoas com funções de representação do Estado no exterior podem desempenhá-las
livremente, sem que a sua eventual responsabilidade criminal perante a lei de outro país (e,
portanto a sua sujeição ao respetivo poder judicial) prejudique o normal desenvolvimento
das relações internacionais, nomeadamente: (1) os membros das missões diplomáticas; (2)
os membros das representações consulares; (3) outras pessoas subtraídas à jurisdição
moçambicana, regras gerais de Direito Internacional e tratados internacionais ratificados por
Moçambique7.
5
Jorge Figueiredo Dias: Direito Processual Penal, 1988-89, § 113 e ss,
6
Veja-se, sobretudo, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de Abril de 1961, e a Convenção
de Viena sobre Relações Consulares, de 24 de Abril de 1963.
7
Cfr. HANS-HEINRICH JESCHECK/THOMAS WEIGEND: Tratado de Derecho Penal, pp. 202-203.