O Principe Com Notas de Napoleão - Nicolau Maquiavel

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O príncipe: com notas de Napoleão Bonaparte

Nicolau Maquiavel
1ª edição — maio de 2024 — CEDET
Título original: Il Principe (1532)
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no
Brasil em 2009.
Os direitos desta edição pertencem ao
CEDET — Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico
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CEP: 13087-605 — Campinas, SP
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Phone Number: (407) 745-1558
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Editores:
Ulisses Trevisan Palhavan
Gabriella Cordeiro de Moraes
Assistente editorial:
Lucas Gurgel
Tradução:
Gustavo Milano
Fabio Florence de Barros
Revisão:
Luciano Machado Tomaz
Preparação de texto:
Daniela Aparecida Mandú Neves
Capa:
Nelson Provazi
Diagramação:
Virgínia Morais
Revisão de provas:
Lidiane da Silva Ferreira Gozzo
Tomaz Lemos
Natalia Ruggiero
Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
ficha catalográfica
Maquiavel, Nicolau.
O príncipe: com notas de Napoleão Bonaparte / tradução de Gustavo Milano e Fabio Florence
de Barros — 1ª ed. — Campinas, SP: Editora Auster, 2024.
Título original: Il Principe
ISBN: 978-65-80136-29-2
1. Ciência política 2. Teoria e filosofia 3. Sistemas de governos e Estados
I. Autor II. Napoleão Bonaparte III. Título
CDD – 320 / 320.01 / 321
indices para catálogo sistemático
1. Ciência política — 320
2. Teoria e filosofia — 320.01
3. Sistemas de governos e Estados — 321

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por
qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro
meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
Sumário
Nota do Editor

Dedicatória: Carta de Nicolau Maquiavel ao


magnífico Lourenço de Médici

Capítulo I: Sobre os tipos de principado e os modos


pelos quais são conquistados

Capítulo II: Sobre os principados hereditários

Capítulo III: Sobre os principados mistos

Capítulo IV: Por que o Reino de Dário, ocupado por


Alexandre, não se rebelou contra os sucessores após a
morte deste

Capítulo V: Como se devem administrar as cidades ou


os principados que, antes de serem ocupados, viviam de
acordo com as próprias leis

Capítulo VI: Sobre os principados novos que são


conquistados com as próprias armas e de maneira
virtuosa
Capítulo VII: Sobre principados novos que são
conquistados com as armas e a fortuna alheias

Capítulo VIII: Sobre os que chegaram ao principado


por meio de crimes

Capítulo IX: Sobre o principado civil

Capítulo X: Sobre o modo de medir as forças de


qualquer principado

Capítulo XI: Sobre os principados eclesiásticos

Capítulo XII: Sobre quantos são os gêneros de milícias


e sobre as milícias mercenárias

Capítulo XIII: Sobre os exércitos auxiliares, mistos e


próprios

Capítulo XIV: Os deveres de um príncipe acerca dos


exércitos

Capítulo XV: Sobre aquelas coisas pelas quais os


homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou
vituperados

Capítulo XVI: Sobre a liberalidade e a parcimônia

Capítulo XVII: Sobre a crueldade e a piedade: se é


melhor ser amado do que temido, ou antes temido que
amado
Capítulo XVIII: De que modo os príncipes devem
manter as promessas

Capítulo XIX: Como evitar ser desprezado e odiado

Capítulo XX: Se as fortalezas e muitas outras coisas


feitas pelos príncipes cotidianamente são úteis ou não

Capítulo XXI: O que convém ao príncipe para que seja


estimado

Capítulo XXII: Sobre os secretários que os príncipes


têm junto de si

Capítulo XXIII: De que modo se deve evitar os


aduladores

Capítulo XXIV: Por que razão os príncipes da Itália


perderam os seus estados?

Capítulo XXV: Quanto a fortuna pode influenciar nas


coisas humanas, e como resistir a ela

Capítulo XXVI: Exortação a tomar a Itália e libertá-


la das mãos dos bárbaros

Notas de Rodapé
nota do editor
C oncluída em 1513, mas publicada postumamente em 1532, O
príncipe descreve as formas de como conquistar e manter-se no
poder. Além de ser um tratado político, a obra mais conhecida de
Nicolau Maquiavel, dedicada a Lourenço de Médici, tornou-se um
manual sobre a arte de governar e um guia para todos os estrategistas.

Após a derrota em 18 de junho de 1815 na Batalha de Waterloo,


Napoleão Bonaparte deixou cair um manuscrito encadernado
contendo a tradução de diversos fragmentos de Maquiavel, além de
anotações feitas à mão de O príncipe. Tais notas, relacionadas a
diferentes circunstâncias e situações políticas, revelam segredos de
Estado, além de pensamentos particulares de Napoleão.

Escritas em diversos períodos de sua vida pública, essas notas


indicam a natureza do momento e sua posição política. Os períodos
são: i) o tempo como general, que antecede sua soberania; ii) o tempo
como cônsul; iii) o tempo como imperador; iv) por fim, os dez meses
de sua estadia na ilha de Elba. Acompanhadas das notas do editor (ne)
e das notas do tradutor (nt), as anotações de Napoleão estão
identificadas, respectivamente, como: general; cônsul; imperador; em
Elba.
dedicatória: Carta de Nicolau
Maquiavel ao magnífico
Lourenço de Médici
A queles que desejam conquistar a graça de um príncipe costumam,
o mais das vezes, ir ao seu encontro com as coisas que estimam de
maior valor ou nas quais o veem deleitar-se mais; donde numerosas
vezes são os príncipes presenteados com cavalos, armas, tecidos de
ouro, pedras preciosas e ornamentos da mesma natureza dignos de sua
grandeza. Desejando, portanto, oferecer-me à Vossa Magnificência
com alguma prova da minha servidão, não encontrei entre os meus
bens algo que eu tenha mais caro ou que tanto estime quanto o
conhecimento das ações dos grandes homens, aprendido por meio de
uma longa experiência das circunstâncias atuais e do estudo contínuo
das antigas: as quais, tendo eu com grande diligência por muito tempo
cogitado e examinado, agora as reúno em um pequeno volume, que
envio à Vossa Magnificência.

E, embora eu considere esta obra indigna de vossa presença, ainda


assim confio que ela, por sua humanidade, deva ser aceita,
considerando que, de minha parte, não pode ser exercido maior dom
que oferecer à Vossa Magnificência a faculdade de poder, em
pouquíssimo tempo, entender tudo aquilo que, em tantos anos e com
tantos incômodos e perigos, conheci. Não adornei nem preenchi essa
obra de cláusulas amplas, de palavras pomposas e magníficas, de
qualquer outro artifício ou ornamento externo, com os quais muitos
costumam adornar; porque decidi que ela fosse honrada
exclusivamente pela variedade do material e pela seriedade do assunto,
o que a torna digna de apreciação. Tampouco pretendo que seja
considerado presunção se um homem de baixa e ínfima condição
ousar discorrer e regular os governos dos príncipes; pois, assim como
os desenhistas se colocam num plano baixo para considerar a natureza
dos montes e dos lugares altos, e no alto dos montes para considerar os
lugares baixos, da mesma forma, para conhecer bem a natureza dos
povos é necessário ser príncipe e, para conhecer bem a dos príncipes,
ser do povo.

Aceite, portanto, Vossa Magnificência este pequeno dom com o


mesmo ânimo com que o envio; nele, se for diligentemente
considerado e lido, encontrará meu extremo desejo que alcance a
grandeza que a fortuna e as outras qualidades lhe prometem. E, se
Vossa Magnificência, do ápice de sua altura, algumas vezes voltar os
olhos a estes lugares baixos, reconhecerá quão indignamente suporto
uma grande e contínua perversidade da fortuna.

capítulo i: Sobre os tipos de


principado e os modos pelos quais
são conquistados
T odos os estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre
os homens, foram e são ou repúblicas ou principados. Os
principados são ou hereditários — quando a linhagem do seu senhor
tiver reinado por um longo tempo — ou novos.

Estes últimos ou são totalmente novos,1 como o caso de Francesco


Sforza em Milão, ou são como membros agregados ao estado
hereditário do príncipe que os conquista, como é o Reino de Nápoles
para o Rei da Espanha.

Tais domínios assim conquistados, ou estão acostumados a viverem


sob um príncipe, ou habituados a serem livres; e são conquistados por
meio de armas alheias, ou das próprias; ou por fortuna, ou por virtude.
capítulo ii: Sobre os principados
hereditários
D eixarei de lado a discussão acerca das repúblicas, porque já refleti
longamente a esse respeito noutra ocasião. Concentrar-me-ei
somente no principado,2 e irei tecendo as linhas acima mencionadas,
além de examinar como esses principados podem ser governados e
mantidos. Digo, com efeito, que nos estados hereditários e habituados
à dinastia do seu príncipe, são bem menores as dificuldades para
mantê-los do que nos novos,3 já que basta apenas não preterir a ordem
dos seus antepassados e contemporizar com os acontecimentos, de
modo que, se tal príncipe possui habilidades ordinárias, sempre se
manterá no poder, exceto se privado dele por uma excessiva e
extraordinária força; e, ainda que tenha sido privado do seu poder, na
primeira desgraça que se abater sobre o usurpador, ele o recuperará.4

Temos na Itália,5 por exemplo, o Duque de Ferrara, que não resistiu


aos assaltos dos venezianos em 1484, nem àqueles do Papa Júlio ii em
1510 por razões diversas do simples fato de ser mais antigo naquele
domínio. Isso porque o príncipe natural tem menores motivos e
menor necessidade de ser agressivo, motivo pelo qual convém que seja
mais amado; e, se vícios extraordinários não o tornam odioso, então é
razoável que naturalmente seja benquisto pelos seus. E na antiguidade
e na continuidade do domínio apagam-se as memórias e os motivos
das inovações, pois sempre uma mudança prepara o terreno para a
edificação de outra.6
capítulo iii: Sobre os principados
mistos
É, contudo, no principado novo que se encontram as dificuldades.
Em primeiro lugar, se ele não for totalmente novo, mas sim uma
espécie de membro anexado, que no seu conjunto pode ser chamado
de quase-misto,7 as suas instabilidades surgem inicialmente de uma
natural dificuldade presente em todos os principados novos: os
homens mudam de bom grado seu senhor supondo que assim
melhorarão sua condição. Essa suposição faz com que eles tomem as
armas contra aquele; porém, enganam-se ao proceder assim, posto que
depois comprovam que na verdade o cenário piorou. O que depende
de uma outra necessidade natural e ordinária, a qual faz com que seja
necessário, para o novo príncipe, submeter os súditos tanto com o
poder militar quanto com inúmeras outras injúrias, conforme a nova
conquista exigir.8 De modo que tendes como inimigos todos aqueles
que submetestes ao ocupar aquele principado, e não podeis manter
como amigos aqueles que vos puseram lá, por não os poderdes
satisfazer como eles gosta riam, e por não poderdes tomar medidas
fortes contra eles, uma vez que tendes para com eles uma dívida.9
Embora tenhais um exército fortíssimo, precisais do favor dos
habitantes para entrar em sua província. Por tais motivos, Luís xii, Rei
da França, tomou depressa o ducado de Milão, e também depressa o
perdeu;10 para expulsá-lo da primeira vez bastaram as próprias forças
de Ludovico, porque aquela gente que lhe tinha aberto as portas,
percebendo-se enganada e desiludida com o bem futuro que
previam,11 não pôde aguentar os incômodos gerados pelo novo
príncipe.

É verdade que, conquistando-se depois pela segunda vez as zonas


rebeldes, elas são perdidas com mais dificuldade, pois o senhor, por
ocasião da rebelião, torna-se menos receoso de punir os delinquentes,
expor os suspeitos e fortalecer-se nas partes mais fracas.12 De maneira
que, se para que a França perdesse Milão bastou na primeira vez um
Duque Ludovico ameaçando as fronteiras, para perder uma segunda
vez foi preciso que todo o mundo estivesse contra, e que os seus
exércitos fossem devastados ou escorraçados da Itália, o que decorre
das razões expostas acima.13 Não obstante, tanto na primeira quanto
na segunda vez Milão foi perdida. As razões gerais da primeira foram
analisadas, cabe agora analisar a segunda, e verificar de quais recursos
o Rei da França dispunha, e quais expedientes poderia ele empregar a
fim de se manter melhor no poder do território conquistado, coisa que
não aconteceu.14 Digo, portanto, que tais estados, os quais uma vez
conquistados agregam-se a um estado anterior àquele que se
conquista, podem ou não pertencer à mesma província e falar a
mesma língua. Quando sim, goza-se de maior facilidade para mantê-
los, principalmente se não estiverem acostumados a viverem livres,
isto é, em república;15 e para os possuir com segurança basta dar fim à
linhagem do príncipe que os dominava,16 pois, quanto ao restante,
conservando-se as antigas condições e não existindo disparidade de
costumes, os homens vivem pacificamente, como ocorreu na
Borgonha, na Bretanha, na Gasconha e na Normandia, que há tanto
tempo pertencem à França.17 Embora haja diversidade linguística, os
costumes, não obstante, são semelhantes e podem facilmente conviver
entre si. Quem os conquista, e deseja conservá-los, deverá ter dois
cuidados: um, que a linhagem do seu príncipe anterior seja extinta;18 e
outro, o de não alterar nem suas leis e nem os seus impostos.19
Destarte, em brevíssimo tempo se tornará um só corpo com o seu
antigo principado.20

Porém, quando se conquista estados numa província com língua,


costumes e leis diferentes, apresentam-se as dificuldades,21 e faz-se
necessário ter grande sorte e grande engenho para os manter. Um dos
maiores e mais eficazes meios seria que o conquistador fosse morar lá.
Isso tornaria mais segura e mais duradoura aquela posse: como fez o
Turco na Grécia, o qual não teria conseguido retê-la se não tivesse ido
morar lá, embora tivesse tomado corretamente todas as outras
medidas.22 Pois, estando lá, veem-se nascer as desordens, e com
prontidão estas são suprimidas, sem dar oportunidade para que
cresçam e se tornem irremediáveis. Além disso, evita-se que o
território seja saqueado pelos oficiais23 e satisfaz-se a ânsia dos súditos
por recorrerem diretamente ao príncipe que está próximo, facilitando
que o amem,24 se ele for bom, ou que o temam, se não o for. Quem
quiser do exterior assaltar aquele estado, terá maior receio, porquanto,
morando lá, só muito dificilmente ele o perderá.25

Outro melhor meio é criar colônias em um ou dois lugares-chave da


região; do contrário, será preciso manter ali uma numerosa tropa.26
Nas colônias não se gasta muito; com pouca ou nenhuma despesa se
mantém a operação, e só são prejudicados os desalojados, que cederão
seus campos e casas a novos moradores, pequena porção daquele
estado. Os prejudicados, permanecendo dispersos e pobres, não
poderão jamais oferecer perigo;27 e todos os outros ficarão, por um
lado, ilesos — razão pela qual deveriam estar pacíficos —, e, por outro,
temerosos de não errar, para evitar serem também eles desalojados.28
Em conclusão, essas colônias não custam, são mais fiéis e causam
menos problemas; os prejudicados ficam inofensivos, estando eles
pobres e dispersos, como foi dito.29 Note-se que os homens devem ser
ou adulados ou eliminados, pois se vingam das ofensas leves,30 mas
não podem se vingar das graves. A ofensa feita a um homem deve ser
tal que não se precise temer a vingança.31 Mas se, em vez das colônias,
financiam-se tropas militares, acaba-se por gastar muito mais, até
consumirem-se todos os ingressos do estado32 nessa única finalidade, e
a conquista se converte em perda. Prejudica muito mais, ao danificar
todo esse estado com as transferências dos quartéis do exército; o
descontentamento cresce e a inimizade prolifera na sociedade, e são
inimigos que podem ferir, apesar de continuarem vencidos em suas
próprias casas.33 Por conseguinte, sob todos os aspectos tal proteção é
inútil, como útil é aquela das colônias.
Da mesma forma, quem está numa província estrangeira, como se
disse, deve se tornar chefe e defensor dos vizinhos menos poderosos
que ela, e empenhar-se para enfraquecer aqueles que são mais
poderosos,34 além de assegurar que de modo algum entre ali um
estrangeiro tão poderoso quanto ele. Tal estrangeiro sempre intervirá
em favor dos que estiverem descontentes, seja por demasiada ambição,
seja por medo,35 como se verificou quando os etólios introduziram os
romanos na Grécia, e, em todas as províncias em que entraram, foram
ali introduzidos por locais.36 A ordem das coisas é que assim que um
estrangeiro poderoso entra numa província, todos os menos
poderosos que ali estão aderem a ele, movidos pela inveja que nutrem
contra aquele que até então os submetera;37 tanto que, em relação a
esses menos poderosos, o estrangeiro não terá dificuldades para
ganhá-los, pois todos logo se juntam de bom grado num só bloco com
o estado que ele conquistou.38 Só deve se precaver de que os locais não
adquiram força e autoridade demais, e facilmente poderá, com as
próprias forças e o favor deles, conter os poderosos, a fim de
permanecer em tudo o único governante daquela província.39 Quem
não governar bem essa parte acabará perdendo rapidamente aquilo
que terá conquistado, e, enquanto estiver no poder, enfrentará
dificuldades e incômodos infinitos.

Nas províncias que tomaram, os romanos observaram bem tais


preceitos: estabeleceram colônias, contentando os menos poderosos
sem deixar que estes se tornassem mais fortes, sujeitaram os mais
poderosos, e não permitiram que os poderosos estrangeiros tivessem
reputação nos territórios conquistados.40 Parece-me suficiente o
exemplo da Grécia: lá os romanos afagaram os aqueus e os etólios,
sufocaram os macedônios e expulsaram Antíoco.41 E tudo isso sem que
os méritos dos aqueus e dos etólios lhes permitissem aumentar seu
estado,42 nem que as persuasões de Filipe lhes induzissem jamais a se
tornarem seus amigos sem rebaixá-lo, nem o poder de Antíoco43 pôde
lhe garantir algum estado naquela província.44 Acontece que os
romanos fizeram nesses casos aquilo que todos os príncipes sábios
devem fazer: atentar-se não somente aos obstáculos presentes, mas
também aos futuros, e empenhar-se cuidadosamente em esquivar-se
deles. Quem, pois, prevê tais obstáculos com antecedência pode mais
facilmente remediá-los, ao passo que, se esperais que eles se
aproximem de vós, o remédio não vem a tempo, porque a doença se
tornou incurável. É como a tuberculose, que, segundo os médicos, no
começo é fácil de tratar e difícil de diagnosticar, mas, conforme
avança, não tendo sido conhecida nem medicada desde o começo,
torna-se fácil de diagnosticar e difícil de tratar.45 O mesmo ocorre nas
coisas do estado: conhecendo de antemão os males que vão surgindo
— o que só quem é prudente consegue fazer — são depressa curados.
Porém, quando, por não os ter advertido, deixa-se que cresçam de
modo que todos os possam notar, já não há mais remédio. Os
romanos, em contrapartida, prevendo os inconvenientes, trataram de
remediá-los sempre e nunca deixaram que crescessem com o fim de
evitar uma guerra, pois sabiam que a guerra não se evita, mas só se
adia em prol dos outros.46 Nesse sentido, decidiram guerrear contra
Filipe e Antíoco na Grécia, para não ter de fazê-lo na Itália. Poderiam
naquele momento ter escapado de ambas as guerras, mas não
quiseram. Tampouco gostaram jamais daquilo que hoje em dia é dito
pelos sábios dos nossos tempos: “Gozar o benefício do tempo”,47 mas
preferiram seguir a própria virtude e prudência, pois o tempo leva
tudo adiante e pode conduzir consigo o bem como mal, e o mal como
bem.48

Mas voltemos à França, e examinemos se ela fez alguma das coisas


acima ditas. Falarei de Luís xii, não de Carlos viii, como aquele de
quem, tendo mantido por longo tempo seus domínios na Itália, é mais
fácil ver os progressos. Vereis como ele fez o oposto daquilo que se
deve fazer para conservar um estado de língua e costumes diferentes
daqueles do conquistador.49

O Rei Luís foi à Itália por causa da ambição dos venezianos, que
queriam tomar metade do estado da Lombardia naquela ocasião. Não
pretendo reprovar essa decisão do rei, pois, querendo começar a pôr
um pé na Itália sem ter nela amigo algum e sim — pelas posturas do
Rei Carlos — todas as portas fechadas, viu-se forçado a aceitar as
amizades que podia.50 Teria sido bem-sucedido se não tivesse
cometido erro algum nas outras manobras. Tendo o rei conquistado a
Lombardia, logo reouve a reputação que Carlos lhe tirara: Gênova se
rendeu; os florentinos se tornaram seus amigos; o Marquês de Mântua,
o Duque de Ferrara, os Bentivoglio, a Senhora de Forlì, os Senhores de
Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os de Luca,
os de Pisa, os de Siena, todos o buscaram para serem seus amigos.51 E
então os venezianos perceberam o quão temerários foram: em troca de
dois territórios da Lombardia, deram ao rei francês dois terços da
Itália.52 Considere-se então com que facilidade o rei poderia ter
preservado a sua reputação na Itália se tivesse seguido as regras
supracitadas e mantido seguros e protegidos todos os seus amigos,
que, por serem numerosos, fracos e receosos — alguns com medo da
Igreja, outros dos venezianos — necessitariam continuamente de seu
apoio, e por meio deles se poderia facilmente defender dos que ainda
eram poderosos.53 Mas, assim que chegou a Milão, ele fez o contrário,
ajudando o Papa Alexandre vi para que ocupasse a Romanha. Só não
reparou que com essa deliberação enfraquecia-se, perdendo os amigos
e protegidos, e fortalecia a Igreja,54 ao dar-lhe, além do poder espiritual
— que tanta autoridade lhe dá —, mais poder temporal.55 Cometido o
primeiro erro, viu-se obrigado a prosseguir, até que, para pôr fim à
ambição de Alexandre e para que este não se tornasse Senhor da
Toscana, não teve outra opção senão ir para a Itália. Não lhe bastou ter
fortalecido a Igreja e perdido os seus aliados: por cobiçar o Reino de
Nápoles, dividiu-o com o Rei da Espanha;56 ali onde ele era o
governante da Itália, agora tinha um companheiro, de maneira que os
ambiciosos daquela província e os que estivessem descontentes com
ele tivessem a quem recorrer; ali onde ele poderia deixar um rei
submisso57 a si como soberano, ao invés disso substituiu-o por um
capaz de o expulsar dali.58
É realmente muito natural e ordinário desejar conquistar, e, sempre
que os homens têm sucesso em tal empresa, serão louvados, não
desaprovados. Mas quando não conseguem e ainda assim insistem em
fazê-lo a qualquer custo, eis aí o erro e a desaprovação.59 Assim, se a
França com as suas próprias forças podia atacar Nápoles, devia tê-lo
feito; se não podia, não devia ter dividido aquele reino. Se a divisão da
Lombardia com os venezianos é desculpável por ter dado a
oportunidade de pôr um pé na Itália, aquela do Reino de Nápoles
merece desaprovação, por não fazer jus à mesma desculpa.60 Portanto,
Luís cometeu estes cinco erros: liquidou os menos poderosos,61
aumentou na Itália o poder de um poderoso, colocou ali um
estrangeiro poderosíssimo, não foi morar ali e não instituiu colônias.
Ainda assim, todos esses erros, estando ele vivo, poderiam não
prejudicá-lo, caso não tivesse cometido um sexto erro: tomar o estado
dos venezianos.62 Pois, caso ele não tivesse fortalecido a Igreja nem
trazido a Espanha para dentro da Itália, seria bastante razoável e
necessário submeter o poder dos venezianos; porém, tendo sido
tomadas aquelas duas decisões, não deveria jamais ter consentido na
ruína dos venezianos; porque, sendo poderosos, teriam sempre
mantido longe aqueles que poderiam atacar a Lombardia, seja porque
os venezianos não consentiriam sem que eles mesmos se tornassem os
novos senhores, seja porque os outros não desejariam tomá-la à
França para a dar aos venezianos: pois, para enfrentar as duas,63 os
inimigos não teriam fôlego. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu a
Alexandre a Romanha e à Espanha o Reino de Nápoles para evitar
uma guerra, eu responderia com os argumentos expostos acima,
segundo os quais não se deve jamais admitir uma desordem a fim de
escapar a uma guerra, porque não se escapa de uma guerra, ela é
apenas adiada para sua própria desvantagem64 daquele que buscou
fugir dela. E se outros alegassem que o compromisso que o rei assumiu
com o Papa de fazer por ele aquela empreitada em troca da anulação
do seu matrimônio e do cardinalato de Ruão, respondo com o que
direi a seguir sobre os compromissos dos príncipes e o modo como
devem ser cumpridos.65 O Rei Luís, pois, perdeu a Lombardia por não
ter observado preceito algum daqueles seguidos por outros que
tomaram províncias e quiseram conservá-las. Isto não é nenhum
milagre, mas algo muito comum e razoável. Tratei desse assunto em
Nantes com o Cardeal de Ruão, quando Valentino — como era
popularmente conhecido César Bórgia, filho do Papa Alexandre vi —
ocupava a Romanha. Esse cardeal me disse que os italianos não
entendiam de guerra, e eu repliquei que os franceses não entendiam de
estado, porque, se entendessem, não teriam deixado a Igreja se
fortalecer tanto.66 A experiência mostrou que a grandeza desta e da
Espanha na Itália foi causada pela França, assim como a ruína francesa
proveio de ambas.67 Daí se extrai uma regra geral, que nunca ou só
raramente falha: quem é motivo de que outro se torne poderoso se
arruína,68 posto que esse poder é causado por quem tem engenho ou
força, e tanto um quanto a outra são suspeitos para quem se tornou
poderoso.69

capítulo iv: Por que o Reino de


Dário, ocupado por Alexandre,
não se rebelou contra os
sucessores após a morte deste
C onsideradas as dificuldades para
conquistado, alguém poderia se
manter um estado recém-
surpreender pelo fato de
Alexandre Magno ter se tornado Senhor da Ásia em poucos anos e ter,
logo em seguida, morrido. E parecia razoável que todo aquele estado
se rebelasse então; não obstante os sucessores de Alexandre foram
capazes de mantê-lo70 e não tiveram outras dificuldades além daquelas
que nasciam entre eles mesmos por sua própria ambição.71 Explico: os
principados dignos de memória foram governados de dois modos
diversos: ou por um príncipe e seus servos, que como ministros, por
graça ou conces são sua, ajudam-no a governar aquele reino; ou por
um príncipe e seus barões, que, não por graça do senhor mas por
antiguidade de sangue, tenham esse título. Tais barões têm estados e
súditos próprios, os quais lhes reconhecem a senhoria e têm por eles
natural afeição.72 Os estados que são governados por um príncipe e
seus servos reconhecem mais autoridade a seu príncipe, pois em toda a
província não há ninguém que considere alguém superior a ele; e se
obedecem a outrem, fazem-no como ministro e oficial; e não lhe
dedicam particular amor.73

Em nossos tempos, os exemplos desses dois tipos de governo são a


Turquia e a França. Toda a monarquia turca é governada por um único
senhor, os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sanjacos,74
o monarca nomeia os diferentes administradores, e os substitui e troca
conforme a sua preferência.75 O Rei da França, no entanto, está
rodeado de uma multidão antiquada de senhores reconhecidos e
amados pelos seus súditos naquele estado, com privilégios que o rei
não pode tirar sem correr, ele próprio, perigo.76 Quem considera,
portanto, ambas as formas de governo encontrará dificuldade em
conquistar o estado turco, mas, uma vez vencido, terá grande
facilidade para conservá-lo. Os motivos das dificuldades de poder
ocupar o reino turco são por não poder o conquistador ser chamado
pelos príncipes daquele reino nem esperar que, com a rebelião
daqueles que o cercam, poderá ver a sua empreitada facilitada, em
decorrência do que se disse antes.77 Se todos estiverem sujeitos e
submetidos ao rei, será mais difícil que se corrompam; e, caso venham
a se corromper, serão de pouca utilidade, visto não poderem atrair as
massas pelas razões indicadas.78 Por isso, quem tencionar atacar a
Turquia deverá saber que encontrará o reino unido, devendo contar
mais com as próprias forças do que com as desordens alheias.79 Mas, se
porventura são derrotados em batalha sem poderem recompor os seus
exércitos, não se deverá temer senão a dinastia do príncipe; após cuja
extinção não restará homem algum a se temer, não possuindo os
outros influência sobre aqueles povos; e, como o vencedor não podia
confiar neles antes da vitória, após esta tampouco deve temê-los.80

Já o oposto acontece nos reinos governados como a França:


facilmente podeis invadi-lo cativando algum barão, visto que sempre
hão de existir descontentes e desejosos de inovar.81 Pelo dito acima,
eles podem vos abrir o caminho para aquele estado e facilitar-vos a
vitória, mas, depois, se quiserdes conservar tal vitória, tanto aqueles
que vos ajudaram quanto aqueles que oprimistes hão de vos causar
dificuldades.82 Não basta extinguir a estirpe do príncipe, porquanto
permanecerão ali aqueles senhores que se tornarão líderes das novas
transformações; e vós, incapaz de os satisfazer ou extinguir,83 perdereis
aquele estado na primeira chance que se apresentar.84

Ora, se considerardes a natureza do governo de Dário, percebereis


que era semelhante ao do reino turco,85 motivo pelo qual Alexandre
precisou começar destruindo-o totalmente e dominando o território,
para só depois da vitória, com Dário morto, poder reter com
segurança aquele estado, pelas razões acima discutidas. Seus
sucessores, se tivessem continuado unidos, poderiam ter se
aproveitado disso com tranquilidade, pois ali não surgiram outros
tumultos além daqueles que eles próprios provocaram. Porém, a
estados ordenados como aquele da França é impossível lhes possuir
com tamanha comodidade.86 Daí provêm as frequentes rebeliões
contra os romanos na Espanha, na França e na Grécia, pelos
numerosos principados ali existentes: enquanto permaneceu viva a
lembrança destes muitos príncipes, os romanos sempre estiveram
inseguros daquelas possessões. Contudo, uma vez esquecidos, a
potência e a constância do império trouxeram um domínio seguro.87
Posteriormente, os próprios romanos combateram entre si,88 e cada
um pôde contar com o apoio daquelas províncias onde tinham
autoridade, e estas, com a dinastia do senhor local extinta,
reconheciam unicamente o poder romano. Consideradas, portanto,
todas essas coisas, ninguém se surpreenderá com a facilidade que
Alexandre teve para conservar o seu poder na Ásia, e com as
dificuldades que outros tiveram para manter territórios conquistados,
como Pirro89 e muitos outros. Isso não se deveu à maior ou menor
virtude do vencedor, mas à diversidade dos estados sujeitados.

capítulo v: Como se devem


administrar as cidades ou os
principados que, antes de serem
ocupados, viviam de acordo com
as próprias leis
C omo se disse, quando aqueles estados conquistados estão
acostumados a viver segundo suas próprias leis e em liberdade, há
três modos de conservar o poder sobre eles: o primeiro é arruiná-los;90
o outro é ir morar pessoalmente lá; e o terceiro é deixar que se rejam
por suas próprias leis, cobrando deles um tributo e criando ali dentro
um estado de poucos, e que os mantenha amigáveis. Isto porque, tendo
sido criado por aquele príncipe, tal estado sabe que não pode
prescindir da amizade e do poder dele, e fará de tudo para o manter no
poder. É mais fácil do que qualquer outro jeito dominar uma cidade
habituada a viver livre servindo-te dos seus cidadãos, caso se deseje
preservá-la.91

Por exemplo, os espartanos e os romanos. Os primeiros tomaram


Atenas e Tebas e criaram ali um estado de poucos; mesmo assim as
perderam92 . Já os segundos, para dominar Cápua, Cartago e
Numância, arrasaram-nas e não as perderam.93 Tencionaram dominar
a Grécia quase como os espartanos fizeram, deixando-a livre e com as
suas próprias leis,94 e não foram bem-sucedidos; viram-se obrigados a
aniquilar muitas cidades daquela província a fim de conservá-la. De
fato, não há um jeito seguro de as possuir senão as arruinando.95
Quem se torna senhor de uma cidade acostumada a viver livremente e
não a aniquila, que espere ser aniquilado por ela, porque ela sempre
terá como refúgio, durante a rebelião, a noção de liberdade e as suas
antigas leis, as quais não são esquecidas, nem com a passagem do
tempo, nem com quaisquer benefícios. Por mais que se faça e se
proveja, se os habitantes não se dispersam ou se desunem, não
esquecem aquela palavra nem aquelas leis, e, de repente, na primeira
oportunidade, recorrerão a elas, como aconteceu em Pisa após cem
anos de domínio florentino.96 Em contrapartida, quando as cidades e
as províncias estão habituadas a viverem sob o governo de um príncipe
e a sua dinastia é extinta, tanto o costume da obediência como a
ausência do antigo príncipe tornam difícil que cheguem a um acordo,
não sabem viver livres. Assim, demoram mais para pegar em armas e
com mais facilidade um príncipe pode se apossar delas e as subjugar.97
Porém, nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de
vingança; não se deixa, nem se pode deixar repousar a lembrança da
antiga liberdade. Em suma, o caminho mais seguro é devastá-las,98 ou
ir viver lá.99

capítulo vi: Sobre os principados


novos que são conquistados com
as próprias armas e de maneira
virtuosa
N inguém se maravilhe se, quando falar dos principados totalmente
novos, quanto ao príncipe ou quanto ao estado, eu aduzir
grandíssimos exemplos, pois, caminhando os homens quase sempre
pelas sendas percorridas por outros e agindo por meio de imitações,100
não lhes é possível seguir à risca os caminhos alheios, nem alcançar a
virtude de quem é emulado. Por isso, quem for prudente deverá
sempre seguir a estrada dos grandes homens e imitar aqueles que
foram ilustres, a fim de que, se a sua habilidade não for suficiente, pelo
menos chegue perto.101 E fazer como os arqueiros sensatos, que,
quando o alvo que pretendem atingir parece demasiado distante, e
conhecendo o alcance do próprio arco, miram bem acima do alvo
visado, não a fim de chegar com a sua flecha a tanta altura, mas para
poderem, com a ajuda de tão alta mira, acertar no seu alvo.102 Digo,
portanto, que nos principados totalmente novos, onde houver um
novo príncipe, encontram-se mais ou menos dificuldades para mantê-
lo, conforme mais ou menos for virtuoso o seu conquistador. Como o
fato de um particular se tornar príncipe pressupõe ou virtude ou
fortuna,103 parece que uma ou outra dessas duas coisas mitiguem
parcialmente muitas dificuldades, não obstante, aquele que menos se
valeu da fortuna se manteve por mais tempo. Mais fácil ainda é
quando o príncipe, por não ter outros estados, é obrigado a vir
pessoalmente morar ali. Mas para falar daqueles que por virtude
própria e não por fortuna se tornaram príncipes,104 digo que os mais
excelentes são Moisés, Ciro, Rômulo, Teseu e semelhantes.105 Embora
sobre Moisés não se deva explicar muito, posto que era um mero
executor das coisas que lhe eram ordenadas por Deus, também deve
ser admirado tão somente pela graça que o tornava digno de falar com
Deus.106 Mas consideremos Ciro e os outros que conquistaram ou
fundaram reinos. Vereis que são admiráveis.107 Tendo em conta as suas
ações e posturas particulares, estas não parecerão diferentes das de
Moisés, que teve tão sublime preceptor. Ao examinar as suas atitudes e
a sua vida, não se nota que tenham recebido da fortuna algo além da
ocasião, que lhes deu a matéria para que pudessem dar a ela aquela
forma que melhor lhes aprouvesse.108 Sem tal ocasião, a virtude dos
seus espíritos se teria extinguido; e, sem tal virtude, a ocasião teria sido
vã.109 Logo, era preciso que Moisés encontrasse o povo de Israel, no
Egito, escravizado e oprimido pelos egípcios, para que aqueles,
desejosos de fugir da escravidão, se dispusessem a segui-lo.110 Do
mesmo modo, convinha que Rômulo não ficasse em Alba e fosse
expulso ao nascer, a fim de que se tornasse Rei de Roma e fundador
daquela pátria.111 Era preciso que Ciro visse que os persas estavam
descontentes com o Império Medo,112 e que os medos estivessem
débeis e efeminados por causa de um longo período de paz.113 Teseu
não poderia ter demonstrado a sua virtude se não tivesse encontrado
dispersos os atenienses.114 Tais ocasiões, portanto, fizeram felizes esses
homens, e a excelente virtude deles fez com que aquela ocasião fosse
aproveitada, daí que a sua pátria se tornou nobre e felicíssima.115

Todos os que, como esses, chegam a ser príncipes por caminhos


virtuosos conquistam o principado com dificuldade, mas com
facilidade o mantêm. As dificuldades na conquista do principado
nascem em parte devido aos novos ordenamentos e costumes que
forçosamente devem ser introduzidos para fundar o seu estado de
modo seguro.116 Não se omita ainda que não há coisa mais difícil de
lidar, nem mais incerta de conseguir, nem mais perigosa de manejar
do que liderar a implementação de novos ordenamentos,117 pois se terá
por inimigos todos aqueles que se beneficiavam dos antigos
ordenamentos,118 e por frouxos apoiadores todos aqueles que tirarão
proveito dos novos.119 Essa frouxidão surge em parte pelo medo dos
adversários, que têm as leis a seu favor, e em parte pela incredulidade
humana, que leva a não crer verdadeiramente nas coisas novas até que
uma experiência clara as ateste.120 Razão pela qual toda vez que os que
são inimigos têm oportunidade de atacar, farão isso aguerridamente, e
os outros defenderão de modo tíbio: de modo que se acaba por
periclitar junto destes últimos.121 Urge, pois — e é importante frisar
bem este ponto —, averiguar se esses inovadores agem por conta
própria ou se dependem de outros; isto é, se para levar a cabo a sua
obra necessitam pedir ou se podem agir por sua própria força. No
primeiro caso, acabam sempre mal e não concluem nada;122 já quando
dependem de si mesmos e podem obrigar, então é que raras vezes
periclitam. É por isto que todos os profetas armados venceram,123 e os
desarmados foram arruinados.124 Com efeito, além do que já foi dito, a
natureza dos povos é variada, e é fácil persuadi-los a fazer alguma
coisa, mas é difícil mantê-los em tal persuasão.125 Por conseguinte,
convém estar preparado para que, quando não estiverem convencidos
mais, seja possível impor a convicção pela força.126 Moisés, Ciro, Teseu
e Rômulo não teriam sido capazes de fazer com que as suas
disposições fossem observadas por longo tempo se estivessem
desarmados, como recentemente ocorreu com o Frei Jerônimo
Savonarola, que fracassou nas suas leis novas, pois a multidão deixou
de acreditar nele, e ele não tinha meios para manter a seu lado aqueles
que haviam acreditado, nem para fazer acreditar os descrentes. Todos
esses homens enfrentam grandes dificuldades e todos os perigos estão
no seu caminho, e faz-se necessário que os superem com a ajuda da
virtude.127 Mas, uma vez superados perigos e dificuldades, tais homens
se tornam objeto de veneração, tendo acabado com aqueles que
invejavam as suas qualidades, continuam poderosos, seguros,
honrados e felizes.128 A tão elevados exemplos quero acrescentar um
exemplo menor, embora guarde certa proporção com aqueles. E
pretendo que baste para todos os outros casos similares. Falo de
Hierão de Siracusa.129 Este, de particular que era, passou a Príncipe da
Siracusa, recebendo da fortuna unicamente a oportunidade, porque,
estando os siracusanos oprimidos, elegeram-no como capitão; donde
mereceu tornar-se príncipe deles.130 Tamanha foi a sua virtude, ainda
que com privada fortuna, que se escreveu a respeito dele: Quod nihil
illi deerat ad regnandum praeter regnum131 Este dispensou a milícia
antiga e organizou uma nova;132 abandonou as velhas amizades e fez
novas; e, tendo assim conseguido amigos e soldados de confiança,
pôde sobre tal fundamento edificar todo edifício: de modo que teve
muito esforço para conquistar e pouco para manter.133

capítulo vii: Sobre principados


novos que são conquistados com
as armas e a fortuna alheias
A queles que somente por meio da fortuna se tornam príncipes,
fazem-no com pouco esforço, mas com esforço muito maior se 134

mantêm no poder.135 Não encontram obstáculos no caminho, porque


sobrevoam-no, mas todas as dificuldades nascem quando se
instalam.136 Isso acontece quando é concedido a alguém um estado ou
por dinheiro ou por doação de quem o concede, como é comum na
Grécia, nas cidades da Jônia e do Helesponto, onde Dário nomeou
príncipes para a sua própria segurança e glória,137 assim como aqueles
imperadores que, sendo particulares, por corrupção dos soldados
chegaram ao comando do império.138 Esses dependem unicamente da
fortuna e da vontade — aliás, duas coisas extremamente volúveis e
instáveis — de quem lhes concedeu o poder, e não sabem nem podem
sustentar por si mesmos tal condição:139 em primeiro lugar porque, se
não se trata de homens de grande engenho e virtude, não é razoável
que, tendo vivido sempre de forma privada,140 saibam governar; e,
depois, porque não dispõem de forças amigas e fiéis.141 Além disso, os
estados que surgem de repente, como todas as outras coisas da
natureza que nascem e crescem depressa, não gozam de raízes e apoios
adequados142 para que a primeira tempestade não os destrua;143 a
menos que, como se disse, esses príncipes repentinos sejam tão
virtuosos a ponto de saberem se preparar para conservar com presteza
o que a fortuna lhes concedeu de mão beijada, estabelecendo depois os
fundamentos que os outros estabeleceram antes de se tornarem
príncipes.144

Quanto a ambos os modos mencionados para se tornar príncipe —


por virtude ou por fortuna145 —, quero aduzir dois exemplos extraídos
de nossos dias, a saber: Francisco Sforza e César Bórgia. Francisco,
pelos devidos meios e com uma grande virtude, de particular veio a se
tornar Duque de Milão, e aquilo que com mil cuidados ele tinha
conquistado,146 com pouco trabalho foi mantido. Em contrapartida,
César Bórgia, conhecido popularmente como Duque Valentino,
conquistou o poder com a fortuna do pai, e com esta mesma o perdeu,
embora tenha empregado todos os meios e feito todas aquelas coisas
que um homem prudente e virtuoso deve fazer para se enraizar
naqueles estados em que as armas e a fortuna alheias lhe haviam
concedido.147 Como já foi dito acima, quem não estabelece os
fundamentos antes, pode fazê-lo depois por meio de uma grande
virtude,148 embora neste caso com incômodo para o arquiteto e perigo
para o edifício.149 Levando em conta, portanto, todos os progressos do
duque, percebe-se que ele estabeleceu bases sólidas para o seu futuro
poder,150 sobre as quais julgo não ser supérfluo discorrer,151 pois que eu
mesmo não saberia dar melhores conselhos a um príncipe novo do
que o exemplo das suas ações; e, se as suas providências não tiveram
sucesso, não foi por culpa sua, mas por extraordinária e extrema
malignidade da fortuna.152 Alexandre vi, desejando engrandecer seu
filho duque, encontrou inúmeras dificuldades presentes e futuras. Para
começar, não via modo de poder fazê-lo senhor de algum estado que
não pertencesse à Igreja, e era consciente de que o Duque de Milão153 e
os venezianos não permitiriam que tomasse territórios da Igreja,154
dado que Faenza e Rimini já eram protetorados venezianos. Ademais,
via estarem as armas da Itália, principalmente aquelas de que se
poderia servir, nas mãos de indivíduos que deviam temer a grandeza
papal e que por esse motivo não eram confiáveis: os Orsini, os
Colonna155 e seus cúmplices. Impunha-se, assim, perturbar aquela
conjuntura e desestabilizar tais estados, com o objetivo de dominar
com segurança parte deles.156 O que lhe foi fácil fazer, pois, por outras
razões,157 os venezianos estavam concentrados de novo em trazer os
franceses para dentro da Itália;158 a que Alexandre não somente não se
opôs, como também favoreceu com a dissolução do primeiro
casamento do Rei Luís.159 Veio então o rei à Itália com a ajuda dos
venezianos160 e o consentimento de Alexandre: assim que chegou em
Milão, o Papa recebeu do rei forças para a sua empreitada na
Romanha, a qual lhe foi consentida pelo prestígio do rei. Conquistada
a Romanha e vencidos os Colonna, o duque queria manter a conquista
e avançar ainda mais, porém duas coisas o impediam: uma delas era o
seu exército, que não lhe parecia fiel; a outra era a vontade da França.
Quer dizer, que as tropas dos Orsini que ele utilizava viessem a traí-lo
e não só o impedissem de conquistar, mas também tomassem o que já
fora conquistado, e que o rei fizesse o mesmo. Já tivera um
desentendimento com os Orsini161 quando, depois da tomada de
Faenza, atacara Bolonha e notara que combatiam a contragosto. A
respeito do rei, ficou sabendo das suas intenções quando, após o
assalto ao ducado de Urbino, lançou-se sobre a Toscana, empreitada da
qual o rei o fez desistir. Em consequência disso, o duque decidiu não
depender mais das armas e da fortuna alheias,162 e começou por
enfraquecer a influência dos Orsini e dos Colonna em Roma e
cooptando todos os seus adeptos que fossem nobres simplesmente
oferecendo-lhes grandes provisões163 e honrando-os de acordo com as
suas qualidades de mando e de governo. De modo que, em poucos
meses, toda a afeição deles por aquelas famílias se apagou e se
inflamou a afeição pelo duque.164 Depois disso, bastou-lhe esperar a
ocasião de acabar com os cabeças dos Orsini,165 tendo já dispersos
aqueles da casa Colonna — o que lhe sucedeu bem, e que ele soube
aproveitar.166 Tendo os Orsini advertido demasiado tarde que a
grandeza do duque e da Igreja representava a sua ruína, reuniram-se
em uma dieta em Magione,167 na província de Perúgia, da qual se
originou a rebelião de Urbino e os tumultos da Romanha, além de
infinitos perigos para o duque,168 superados com o auxílio dos
franceses.169 Só quando recuperou sua reputação, sem confiar na
França nem noutras forças externas, para não se arriscar, pôde
recorrer ao engano. E soube tão bem fingir a sua intenção,170 que os
Orsini, através do Senhor Paulo, reconciliaram-se com ele. De fato, o
duque se excedeu em provisões para os cativar — dinheiro, vestes,
cavalos —, até que ingenuamente eles foram a Senigália,171 sob o poder
do duque. Eliminados esses chefes, portanto, e convertidos em amigos
os partidários deles,172 o duque lançara muito bons fundamentos para
o seu poderio, já no comando da Romanha e do ducado de Urbino, e
realmente pensava ter conquistado a simpatia da Romanha e ter ganho
todos aqueles povos, por já ter começado a usufruir do benefício
deles.173

Como esta parte é digna de atenção e de ser imitada por outros, não
quero ignorá-la.174 Quando o duque tomou a Romanha e notou que ela
estava dirigida por senhores impotentes, que preferiam roubar a
corrigir os seus súditos,175 dando-lhes assim motivo de desunião ao
invés de união176 — tanto que aquela província era repleta de
latrocínios, brigas e todo tipo de injúria177 —, julgou necessário manter
as rédeas curtas a fim de que se tornasse pacífica e obediente ao braço
régio.178 Como plenipotenciário local nomeou Ramiro de Lorca,179
homem cruel e expedito.180 Em pouco tempo, este restabeleceu a paz e
a união com enorme prestígio.181 Em seguida, o duque julgou não ser
necessária tão grande autoridade e,182 temendo que se tornasse odiosa,
instaurou um tribunal civil no meio da província com um presidente
excelente,183 no qual cada cidade tinha o seu representante.184
Consciente de que o recente excesso de rigor gerou algum ódio contra
ele, para acalmar os ânimos daqueles povos e ganhar a sua simpatia,
quis mostrar que, se alguma crueldade acontecera, não era culpa
sua,185 mas da acerba natureza de seu ministro. Aproveitando o
ensejo,186 em certa manhã mandou que o cortassem em dois pedaços e
colocassem os restos mortais na Praça de Cesena, com um pedaço de
madeira e uma faca ensanguentada ao lado. A ferocidade de tal
espetáculo deixou o povo ao mesmo tempo satisfeito e assustado.187

Mas retorno ao ponto de onde partimos. Encontrando-se o duque


muito poderoso e parcialmente assegurado contra os perigos
imediatos, agora armado ao seu gosto e em boa parte livre daquelas
tropas vizinhas que o poderiam atacar, restava-lhe, se quisesse
continuar com as conquistas, conseguir o respeito do Rei da França.
Ora, este, embora tardiamente, já percebera o próprio erro, e não lhe
daria mais apoio. Por esse motivo, começou a buscar novas amizades188
e a provocar a França durante a expedição que os franceses fizeram ao
Reino de Nápoles contra os espanhóis que assediavam Gaeta.
Almejava proteger-se deles, o que seria rapidamente conseguido se
Alexandre estivesse vivo.189 Essas foram as medidas de César Bórgia
naquela conjuntura. Mas, com relação às futuras, antes de mais nada
ele deveria duvidar de que um novo sucessor do Papa não fosse seu
amigo e procurasse tirar dele aquilo que Alexandre lhe dera.190 E
cogitou assegurar-se disso de quatro modos:191 primeiro, exterminar as
dinastias que ele tinha roubado, para tirar do Papa a oportunidade de
cooptá-los;192 segundo, ganhar o favor de todos os nobres de Roma
para, com eles, pôr freios no Papa; terceiro, fazer seu o maior número
de cardeais possível; quarto, chegar a tal grau de poderio antes que o
Papa atual morresse para poder resistir por si mesmo a um primeiro
ataque. Quando da morte de Alexandre,193 dessas quatro coisas ele
tinha efetuado três, e a quarta estava quase concluída. Com efeito,
dentre os senhores espoliados, ele assassinou tantos quanto pôde, e
pouquíssimos escaparam;194 ganhara o favor dos nobres romanos;195 e
no colégio cardinalício detinha grandíssima parte. Quanto à nova
conquista, planejava se tornar Senhor da Toscana: já possuía Perúgia e
Piombino, além de ter Pisa sob a sua proteção. Como a essa altura não
era preciso mais temer os franceses, posto que eles tinham sido
expulsos do Reino de Nápoles pelos espanhóis e careciam também da
sua amizade,196 lançou-se contra Pisa. Em seguida, Luca e Siena se
renderam logo, em parte por medo, em parte por inveja dos
florentinos, que não tinham mais o que fazer. Se ele tivesse conseguido
— pois era aquele o mesmo ano da morte de Alexandre —, suas forças
e reputação teriam chegado a tal ponto, que por si mesmo se
sustentaria, sem depender mais da fortuna e das forças alheias,197 mas
somente da própria potência e virtude.198 Contudo, Alexandre morreu
depois de cinco anos que ele desembainhara a espada, deixando-o com
um único estado consolidado, o da Romanha, e com todos os outros
instáveis, assediados por dois poderosíssimos exércitos inimigos, e ele
moribundo.199 O duque tinha tanta bravura e virtude, dominava tão
bem a arte de convencer ou dissuadir os homens, e eram tão sólidos os
alicerces em pouco tempo assentados que, caso aqueles exércitos não o
tivessem enfrentado ou ele estivesse saudável, teria vencido qualquer
adversidade. A boa qualidade dos seus fundamentos era evidente: a
Romanha o esperou por mais de um mês;200 em Roma,201 apesar de
estar meio-morto, permaneceu seguro e, ainda que os Baglioni, os
Vitelli e os Orsini tenham ido para lá, não se voltaram contra ele. Se
não pôde fazer Papa quem ele preferia, pelo menos impediu que o
fosse aquele a quem não queria.202 Contudo, se na morte de Alexandre
ele estivesse saudável, tudo teria sido fácil. No dia em que Júlio ii se
tornou Papa, ele mesmo me disse que pensara no que poderia
acontecer com a morte do seu pai, e que tinha a solução para tudo,
porém, jamais pensou que, à morte do pai, estaria também ele para
morrer.203

Tendo recolhido, portanto, todas as ações do duque, eu não saberia


repreendê-lo. Antes me parece justo — como fiz — propô-lo como
modelo a todos aqueles que, por fortuna e com as armas alheias,
ascenderam ao poder.204 É que ele, magnânimo e ambicioso, não
poderia governar de outra maneira,205 e só a brevidade da vida de
Alexandre e a sua própria doença206 impediram o pleno cumprimento
dos seus desígnios. Logo, quem achar necessário no seu principado
novo207 proteger-se dos inimigos, fazer novos amigos, vencer ou pela
força ou pela fraude, ser amado ou temido pelos povos, ser acatado e
reverenciado pelos soldados, acabar com aqueles que podem ou
devem atacar, inovar com novos modos as antigas normas, ser severo e
agradável, magnânimo e liberal, destruir a milícia infiel, criar uma
nova, conservar a amizade do rei e dos príncipes de modo que que
beneficiem com as suas graças ou ataquem com respeito, não poderá
encontrar exemplos mais claros do que as ações desse homem.208
Unicamente se pode censurá-lo pela eleição de Júlio ii209 ao papado, na
qual ele escolheu mal, porque — como já disse —, não podendo
nomear Papa quem ele quisesse,210 poderia evitar que alguém fosse
eleito Papa. Não deveria nunca ter permitido que chegasse ao
pontificado um daqueles cardeais que ele tinha atacado ou alguém
que, uma vez eleito Papa, viesse a ter medo dele.211 Porque os homens
atacam ou por medo ou por ódio. Aqueles, então, que ele tinha
atacado eram, entre outros, os cardeais de San Pietro ad Vincula,
Colonna, de San Giorgio, Ascanio;212 todos os outros, caso se
tornassem Papa, viriam a temê-lo,213 exceto o de Ruão e os espanhóis
— estes, por alianças e compromissos assumidos;214 aquele, por
poderio, tendo a seu favor o Reino da França. Em suma, o duque,
antes de qualquer coisa, deveria ter tornado Papa um cardeal espanhol;
caso não conseguisse, deveria ter consentido que fosse o de Ruão, e
não o de San Pietro ad Vincula.215 Engana-se quem pensa que para as
grandes personalidades os benefícios novos fazem esquecer as injúrias
passadas.216 Errou, então, o duque nessa escolha, que foi causa da sua
ruína final.

capítulo viii: Sobre os que


chegaram ao principado por meio
de crimes
E ntretanto, já que ainda há dois modos de um particular chegar a ser
príncipe sem que isso seja atribuído exclusivamente à fortuna ou à
virtude, não convém omitir tais modos, ainda que de um deles se
possa falar mais detidamente ao falar das repúblicas.217 Trata-se da
ascensão ao principado por via criminosa e nefasta,218 ou através do
favor dos outros concidadãos que querem tornar príncipe da sua
pátria um cidadão particular.219 A respeito do primeiro modo, dois
exemplos esclarecerão: um antigo e outro moderno, sem entrar nos
méritos de cada um, pois acredito que bastem para quem precise
imitá-los.220

O siciliano Agátocles, homem não só particular, mas de condição


ínfima e abjeta, tornou-se Rei de Siracusa.221 Filho de um oleiro, ao
longo da sua vida teve sempre uma conduta celerada:222 não obstante,
fez acompanhar sua conduta celerada com tamanha virtude de ânimo
e de corpo223 que, ingressando na milícia, obteve promoções até
alcançar o grau de pretor de Siracusa.224 Nesse cargo, e tendo decidido
se tornar príncipe e manter por meio da violência e sem compromisso
algum aquilo que legitimamente lhe tinha sido concedido,225 e tendo
participado a Amílcar de Cartago,226 que guerreava na Sicília com as
suas tropas,227 o seu plano reuniu numa manhã o povo e o senado de
Siracusa como se desejasse deliberar algo concernente à república. E
com um sinal combinado de antemão fez os seus soldados
assassinarem todos os senadores e os mais ricos do povo. Então,
ocupou e manteve o principado daquela cidade sem resistência civil
alguma.228 E embora os cartagineses o tenham vencido duas vezes e, na
última delas, assediado a cidade, ele conseguiu não somente defendê-la
mas, tendo destacado parte das suas tropas para a defesa contra o
cerco, com o restante de suas forças atacou a África e em pouco tempo
libertou Siracusa do assédio e deixou os cartagineses em tal penúria,
que tiveram que chegar a um acordo com ele, contentando-se com a
posse da África e deixando a Sicília229 nas mãos de Agátocles. Quem,
pois, medite sobre as ações e a virtude desse príncipe, não verá coisa
alguma — ou pouca coisa — que se possa pôr na conta da fortuna,
dado que, como já foi dito, não por favores alheios, mas pela carreira
militar, bem-sucedida à custa de mil incômodos e perigos, ele chegou
ao principado,230 mantendo-o daí em diante por meio de decisões
corajosas e arriscadas.231 Não se pode dar o nome de virtude à matança
dos seus cidadãos, à traição aos amigos, à ausência de fé ou de piedade
ou de religião; esses são modos de ganhar poder, mas não glória.232
Porquanto, considerando a virtude de Agátocles ao encarar e debelar
os perigos, e a grandeza da sua alma ao aguentar e superar as
adversidades,233 não se encontra motivo para que ele seja tido como
inferior ao melhor dos capitães.234 Não obstante, a sua feroz crueldade
e desumanidade, somadas a inúmeras atrocidades cometidas, não
permitem que seja contado entre os homens ilustres.235 De maneira
que não é possível atribuir à fortuna ou à virtude aquilo que ele obteve
sem nenhuma das duas.236

Em nosso tempo, durante o pontificado de Alexandre vi, Oliverotto


de Fermo,237 tendo ficado órfão ainda pequeno, foi criado por um tio
materno chamado Giovanni Fogliani, e nos primeiros anos da sua
juventude ingressou na carreira militar sob o comando de Paulo
Vitelli238 para que, imbuído daquela disciplina, alcançasse alguma
patente elevada na milícia. Com a morte de Paulo, serviu sob o
comando de seu irmão, Vitellozzo e, em pouquíssimo tempo, por ser
sagaz e vigoroso, galgou o primeiro posto daquela milícia. Contudo,
achando humilhante estar aos serviços de outrem, cogitou tomar o
poder em Fermo, com a ajuda de alguns cidadãos que preferiam a
servidão à liberdade da sua pátria,239 e com a aprovação de Vitellozzo.
Com esse propósito, escreveu a Giovanni Fogliani dizendo que, por
estar há anos fora de casa, gostaria de visitá-lo, rever a cidade e
eventualmente conhecer o seu patrimônio; e, como não tinha medido
esforços para adquirir honrarias, tencionava apresentar-se envolto em
pompa e acompanhado duma centena de cavaleiros amigos e
servidores seus,240 para mostrar a seus compatriotas que não tinha
desperdiçado tempo. Solicitava, por fim, que fizesse o favor de ordenar
que os habitantes de Fermo o recebessem com honras, o que
redundaria em prestígio para ambas as partes, por ser ele quem o tinha
criado. Giovanni, portanto, não faltou para com o sobrinho, e fez com
que ele fosse recebido pelos locais com soberbas honrarias, alojando-o
em sua casa. Passados alguns dias, pronto para pôr em marcha o seu
plano hediondo, fez um convite muito solene ao seu tio e anfitrião,
Giovanni Fogliani, e a todos os principais homens de Fermo.241
Apreciadas as iguarias e todas as outras distrações típicas de tais
celebrações, Oliverotto sutilmente introduziu certos temas sérios,
concernentes à grandeza do Papa Alexandre e de seu filho César, bem
como das empreitadas deles. Mal Giovanni e os outros responderam
aos seus comentários, ele prontamente ficou em pé dizendo que essas
coisas deveriam ser tratadas num lugar mais reservado; retirou-se
então para um quarto, sendo seguido por Giovanni e os outros
convidados. Antes mesmo de se sentarem, alguns soldados saíram dos
seus esconderijos e assassinaram Giovanni e todos os outros. Após esse
massacre, Oliverotto montou no seu cavalo, devastou a cidade e
assediou o Palácio do Supremo Magistrado. Por medo, foram
obrigados a obedecer-lhe e a constituir um novo governo, do qual ele
era o príncipe.242 Matou todos os descontentes que lhe poderiam fazer
oposição,243 fortaleceu-se com novas ordens civis244 e militares,245 e
terminou o primeiro ano de principado246 tendo sob seu poder a
cidade de Fermo e sendo temido por todos os seus vizinhos.
Realmente teria sido difícil destituí-lo do poder — como ocorreu com
Agátocles — se não tivesse caído nos enganos de César Bórgia, o qual,
como já se disse, em Senigália capturou os Orsini e os Vitelli; mais
tarde capturado também ele, um ano após o parricídio,247 foi
estrangulado juntamente com Vitellozzo, o mesmo que fora seu mestre
em virtude e em atrocidades.248
Alguém poderia indagar como foi possível que Agátocles (e outros da
mesma estirpe), depois de um sem-número de traições e crueldades,
pudesse viver seguro por tão longo tempo em sua pátria e se defender
dos inimigos externos, além de que súdito algum jamais conspirou
contra ele; ao passo que muitos outros, lançando mão da crueldade,
não tenham podido conservar-se no poder nem nos incertos tempos
de guerra, nem tampouco nos tempos de paz. Penso que isto dependa
do bom ou mau uso da violência. As brutalidades bem empregadas —
se é lícito falar bem do mal249 — são aquelas feitas uma única vez250 por
necessidade de segurança,251 sem que se insista nelas,252 mas
convertendo-as em maior utilidade possível para os súditos.253 Já as
mal-empregadas no início são poucas, mas com o tempo se
multiplicam em vez de se reduzirem.254 Os adeptos do primeiro
método podem, com a colaboração de Deus e dos homens,
salvaguardar o próprio governo, como Agátocles fez. Todavia, para os
outros isto é impossível.255 Daí se deduz que, ao tomar um estado, o
golpista deve sopesar que ofensas deverá infligir e fazer isso de uma só
vez,256 para não ter que renová-las todo dia e estar apto a, sem repeti-
las, acalmar a população e agradá-la com regalias. Quem fizer de outra
forma, seja por timidez, seja por maus conselhos,257 obrigar-se-á a
estar continuamente com a espada em punho258 e não poderá jamais
contar com os seus súditos, pois as recentes e contínuas injúrias os
terão impedido de confiar nele. As injúrias, portanto, devem ser feitas
todas juntas, para que, durando menos, ofendam menos;259 já os
benefícios devem ser feitos pouco a pouco, para que sejam mais bem
apreciados.260 Um príncipe deve, acima de tudo, portar-se com os seus
súditos de modo que imprevisto algum261 — seja mau ou bom — o
desestabilize, já que nas adversidades não haverá tempo de fazer o mal
para sanar as urgências,262 e o bem que fizer de nada servirá por
parecer obrigação,263 e não digno de gratidão.
capítulo ix: Sobre o principado
civil
A bordando o outro lado da questão, quando um cidadão ascende a
príncipe de sua pátria, não por meio de crimes nem por outra
violência intolerável,264 mas sim com o favor de seus compatriotas,
chama-se a isso de principado civil (que para ser alcançado não exige
toda virtude ou toda fortuna, mas antes uma astúcia afortunada).265
Chega-se a ele ou com o favor do povo ou com o favor dos
poderosos.266 Em toda cidade encontram-se dois humores diversos: o
povo deseja não ser comandado nem oprimido pelos grandes, e estes
desejam comandar e oprimir o povo. E dessas duas tendências opostas
nasce na cidade um destes três efeitos a seguir: ou principado, ou
liberdade, ou desordem.

O principado origina-se do povo ou dos poderosos, conforme uma


ou outra parte tenha oportunidade para tanto. Se os poderosos notam
que não podem conter o povo,267 começam a conferir reputação a um
deles268 até torná-lo príncipe,269 para, à sombra dele, saciarem os seus
próprios apetites. Em contrapartida, o povo, vendo que não pode fazer
oposição aos grandes, fomenta a reputação de um dos seus e o faz
príncipe, para ser defendido com a autoridade deste.270 Aquele que
sobe ao principado com a ajuda dos grandes se mantém com mais
dificuldade do que aquele que o faz com a ajuda do povo,271 porque se
encontra rodeado de muitos que se sabem iguais a ele,272 impedindo-o
de comandá-los e governá-los do seu jeito. No entanto, quem chega ao
principado com o favor popular,273 ali se encontra sozinho, e tem em
volta ou ninguém ou pouquíssimos que não estejam dispostos a
obedecer.274 Além disso, não é possível com honestidade satisfazer os
poderosos sem prejudicar os outros,275 mas ao povo sim, posto que os
anseios do povo são mais honestos do que os dos poderosos, querendo
estes oprimir e aquele não ser oprimido. Sem contar que um príncipe
jamais poderá se proteger de um povo hostil, por ser numeroso
demais; já dos grandes ele poderá se defender, por serem eles poucos.
O pior que um povo hostil pode fazer a um príncipe é abandoná-lo.
Porém, ele deve não apenas temer ser abandonado pelos grandes,
quando hostis, como também ser perseguido. Sendo eles mais
perspicazes e astutos, têm sempre mais tempo para se safarem e
conquistarem o agrado daquele que esperam que vença.276 Deve ainda
o príncipe viver sempre com aquele mesmo povo, embora possa muito
bem prescindir daqueles mesmos poderosos, fazer novos e desfazê-los
de um dia para o outro, tirar-lhes e dar-lhes reputação como lhe
aprouver.277

Para melhor esclarecer este ponto, digo que os grandes podem ser
considerados sobretudo de duas maneiras: ou agem de tal forma que
se vinculam em tudo à tua fortuna, ou não. Aqueles que a ela se
vinculam e não são corruptos278 merecem honra e apreço; aqueles que
não se vinculam a ela serão examinados de dois modos: ou fazem isso
por pusilanimidade e carência natural de coragem; então vos deveis
servir dos que forem bons conselheiros, que vos honrarão na
prosperidade e não serão perigo algum nas adversidades.279 Todavia,
quando não se vinculam por solércia e ambição,280 é sinal de que
pensam mais em si do que em vós, e destes o príncipe deve se precaver
e temê-los como se fossem inimigos declarados, pois sempre tentarão
arruiná-lo nas adversidades.281

Quem se tornar príncipe mediante o favor do povo deve, portanto,


manter-se seu amigo, o que será fácil: basta não o oprimir. Entretanto,
quem vier a ser príncipe contra o povo e com o favor dos poderosos,
deve antes de mais nada procurar ter a aprovação popular, o que será
fácil: basta protegê-lo.282 De fato, os homens, quando recebem o bem
de quem esperavam receber o mal, vinculam-se mais ao seu benfeitor
e tornam-se instantaneamente mais benévolos com ele do que se ele
tivesse alcançado o principado com o favor deles.283 De muitos modos
o príncipe pode granjear tal simpatia; porém, como variam demais de
caso a caso, não é possível formular uma regra geral, motivo pelo qual
deixaremos de lado esta questão. Limitar-me-ei a dizer que é
necessário para um príncipe ter o povo ao seu lado;284 do contrário,
não terá saída nas adversidades.285 Nábis, príncipe dos espartanos,
resistiu ao assédio de toda a Grécia e de um exército romano
vitoriosíssimo, defendeu contra eles a sua pátria e o seu poder,
bastando-lhe somente o apoio de poucos quando sobreveio o perigo;
só que isto não teria sido suficiente se o povo lhe fosse hostil.286 Que
ninguém conteste esta minha opinião com aquele gasto provérbio:
“Quem constrói sobre o povo constrói sobre o lodo”.287 Este adágio só é
válido quando um cidadão particular se apoia no povo achando que
este o salvará quando ele se vir oprimido pelos inimigos e pelos
magistrados. Neste caso, acabará com frequência enganado, como em
Roma com os Gracos e em Florença com Giorgio Scali.288 Quando, ao
contrário, ele, além de manter a aprovação popular, estiver também
apto para comandar e for um homem seguro, que não se atemorize nas
adversidades nem falhe nas outras medidas, mas sim mantenha todos
animados com a sua coragem e as suas determinações, nunca será
traído pelo povo e constatará ter assentado bons fundamentos.289

Tais principados costumam estar em perigo quando da ordem civil


passam para o poder absoluto, porquanto os seus príncipes ou
governam por si mesmos ou por meio dos magistrados. Neste último
caso, a situação é mais frágil e perigosa, por estar o soberano
inteiramente nas mãos dos cidadãos que foram elevados à
magistratura, os quais, principalmente nos momentos adversos,
podem tomar-lhe com grande facilidade o poder, seja fazendo-lhe
oposi ção, seja não lhe obedecendo.290 Envolto em perigos, o príncipe
não tem tempo de assumir a autoridade absoluta, dado que os
cidadãos e súditos, habituados a receberem ordens dos magistrados,
não estarão dispostos a obedecer-lhe291 em tais emergências. Em
contextos incertos, sempre lhe faltarão pessoas nas quais possa
confiar.292 Esse príncipe, então, não pode apoiar-se naquilo que vê em
tempos tranquilos, quando os cidadãos precisam do estado, porque aí
todos vêm em seu auxílio, todos prometem e, estando a morte longe,293
cada um se dispõe a morrer por ele. Já nos contratempos, quando o
estado precisa dos cidadãos, então encontram-se poucos. Essa
experiência é tão perigosa que só pode ser feita uma única vez.294
Assim, um príncipe sábio deve pensar em um jeito de fazer com que
os seus cidadãos precisem do estado e dele sempre e em todo
momento:295 só assim lhe serão fiéis sempre.

capítulo x: Sobre o modo de


medir as forças de qualquer
principado
A oestabelecer
examinar as propriedades desses principados, convém
uma ulterior distinção, a saber: se um príncipe tem
296

tanto poder que se precisasse poderia se defender sozinho, ou se tem


sempre que recorrer à proteção alheia.297 Esclareçamos bem este ponto.
Incluo no primeiro grupo aqueles que, por abundância de homens ou
de dinheiro, são capazes de formar um bom exército e fazer frente a
qualquer um que possa vir atacá-los.298 E incluo no segundo grupo
aqueles que, em lugar de enfrentar o inimigo num campo de batalha,
precisam se refugiar dentro das próprias muralhas e defendê-las.299 A
respeito dos primeiros algo já foi dito, e complementaremos mais
adiante com o que for preciso. Quanto aos segundos, não se pode fazer
mais do que incentivar esses príncipes a fortificarem e munirem a
própria cidade, e a ignorarem o restante do território.300 Quem tiver a
cidade bem fortificada, e com relação aos outros procedimentos para
com os súditos tenha governado como acima se recomendou e como
abaixo se recomendará, será atacado sempre com grande receio. De
fato, os homens sempre detestam as empreitadas dificultosas, e
tampouco se pode encontrar facilidade ao atacar alguém que controle
uma cidade bem-organizada e não seja odiado pelo povo.301

As cidades da Alemanha302 são libérrimas, têm pequenas dimensões e


obedecem ao imperador quando querem, sem nutrir temor a ele nem a
nenhum outro poderoso vizinho. Estão de tal modo fortificadas, que
todos pensam que dominá-las seria trabalhoso e difícil.303 Têm fossos e
muralhas adequados, artilharia suficiente e depósitos públicos de
bebida, comida e combustível para um ano; ademais, para manter a
plebe alimentada sem prejuízo do tesouro público, dispõem
continuamente de empregos para oferecer à plebe a fim de que se
mantenha por um ano envolvida em obras que são o nervo e a vida da
cidade, e que abastecem essa mesma plebe. Admiram também os
exercícios militares, e se empenham arduamente em mantê-los.304

Um príncipe, portanto, que controle uma cidade forte e não seja


odiado não pode ser atacado; e ainda que o fosse, quem o atacasse
desistiria com vergonha, porque as coisas deste mundo são tão
variáveis, que seria impossível manter os exércitos por um ano ociosos
sitiando uma cidade.305 Alguém objetará: se o povo tiver posses fora
das muralhas e as vir pegando fogo, não terá paciência, e o longo
assédio somado aos interesses próprios o fará esquecer o príncipe.
Contudo, eu responderia que um príncipe poderoso e corajoso
superará sempre essas dificuldades, ora estimulando a esperança dos
súditos de que o mal não se prolongará demais, ora acentuando o
temor pela crueldade do inimigo, ora protegendo-se com destreza
daqueles que lhe parecessem ousados demais.306 Sem contar que seria
mais razoável que o inimigo ateasse fogo e arruinasse as terras assim
que chegasse, quando os ânimos dos homens ainda estão fervorosos e
propensos à defesa. Razão pela qual o príncipe deve recear cada vez
menos, à medida que os ânimos forem se acalmando, os danos já
tiverem sido feitos, os males recebidos e nada mais tenha conserto. É
este o momento em que mais se unem ao seu príncipe, pensando que
ele lhes deve mais pelo fato das suas casas estarem queimadas e as suas
posses arruinadas em sua defesa.307 A natureza dos homens é tal que
eles se sentem vinculados tanto pelos benefícios que fazem, quanto por
aqueles que recebem. Daí que, considerando todo o conjunto, não
resulte difícil a um príncipe prudente manter firmes as disposições dos
seus cidadãos antes e durante o assédio, sempre que não lhes falte o
necessário para que possam viver e se defender.308

capítulo xi: Sobre os principados


eclesiásticos
A gora só nos resta tratar dos principados eclesiásticos. Nestes, todas
as dificuldades encontram-se antes que sejam possuídos, porque
são conquistados ou por virtude ou por fortuna, mas para se
conservarem não é preciso nem uma nem outra coisa. As anteriores
leis religiosas que os sustentam são tão sólidas e de tal natureza que
permitem aos seus príncipes se manterem no poder seja qual for o
modo como procedam ou vivam.309 Estes são os únicos príncipes que
têm estados e não os defendem; têm súditos e não os governam. Os
seus estados, embora indefesos, não são tomados; e os súditos, por não
serem governados, não se importam com eles, nem pensam, nem
podem se alienar deles. São, portanto, estes os únicos principados
seguros e felizes. Porém, sendo regidos por razões superiores,
inalcançáveis pela mente humana, deixarei de falar disso, já que, sendo
instituídos e mantidos por Deus,310 seria coisa de gente presunçosa e
temerária discorrer sobre tais estados. Não obstante, se alguém me
inquirisse o motivo pelo qual a Igreja chegou a tamanho poderio
temporal — embora antes de Alexandre os poderosos italianos, e não
só aqueles que se chamavam poderosos, mas também qualquer barão
ou senhor, ainda que pequeno, desprezarem-na no âmbito temporal
—, a ponto de que um Rei da França tremesse diante dela e fosse por
ela expulso da Itália, além dela ter arruinado os venezianos: coisa que,
ainda que seja conhecida, não me parece supérfluo reduzi-la em boa
parte à memória.311

Antes que Carlos, Rei da França, invadisse a Itália, esta província


estava sob o domínio do Papa, dos venezianos, do Rei de Nápoles, do
Duque de Milão e dos florentinos. Esses potentados deviam ter duas
principais preocupações: que um estrangeiro não entrasse na Itália
com as suas tropas; que nenhum deles expandisse os seus domínios.
Os mais preocupantes eram o Papa e os venezianos. Para conter os
venezianos, era preciso que todos os outros se unissem, como
aconteceu na defesa de Ferrara.312 E para conter o Papa, serviam-se dos
Barões de Roma, os quais, divididos em duas facções — os Orsini e os
Colonna —, envolviam-se em contínuo litígio, com armas em mãos
diante do pontífice, e assim mantinham o pontificado fraco e
enfermo.313 Ainda que surgisse às vezes um Papa valente, como Sisto,
nem a fortuna nem a sabedoria eram suficientes para livrá-lo de tais
incômodos. A brevidade das suas vidas era a razão disso: nos dez anos
que em média duravam os pontificados, dificilmente se conseguia
neutralizar umas das facções. Se, por exemplo, um deles tivesse quase
destruído os Colonna, aparecia outro inimigo dos Orsini que os fazia
ressurgir, e não havia tempo de acabar com os Orsini. Isso fazia com
que as forças temporais do Papa fossem pouco estimadas na Itália.314
Veio então Alexandre vi, o qual, dentre todos os pontífices que já
existiram, mostrou o quanto um Papa, com o dinheiro e as forças,
podia se impor,315 e fez, com o auxílio do Duque Valentino e a ocasião
da passagem dos franceses, todas aquelas coisas que expus acima sobre
as ações do duque. Se bem que a sua intenção não fosse engrandecer a
Igreja, mas sim o duque, ainda assim as suas ações acabaram por
engrandecer a Igreja, a qual, depois da morte dele e do duque, herdou
os seus esforços. Sucedeu-lhe o Papa Júlio ii, e encontrou uma Igreja
forte, dona de toda a Romanha, desvencilhada dos Barões de Roma e,
graças à dedicação de Alexandre, livre daquelas facções.316 Encontrou
também o caminho aberto para acumular dinheiro como nunca antes
de Alexandre. Tudo isso Júlio não só aproveitou, mas aumentou:
planejou anexar Bolonha, dar fim aos venezianos e expulsar os
franceses da Itália;317 todas essas empreitadas foram bem-sucedidas, e
com mais louvor ainda por ter feito crescer a Igreja, e não alguém em
particular. Conservou também os partidários dos Orsini e dos
Colonna nos limites em que os encontrara;318 apesar de haver entre
eles algum líder potencialmente problemático, duas coisas os
obstaculizaram: a grandeza da Igreja, que os intimidava; a ausência de
cardeais seus,319 que são fontes de tumultos entre os grupos. Nunca
estarão quietas essas facções enquanto tiverem cardeais próprios,
porque estes alimentam — em Roma e fora — as divisões, e esses
barões são forçados a se defenderem; dessa maneira, da ambição dos
prelados nascem as discórdias e os tumultos entre os barões.320 Enfim,
a santidade do Papa Leão x recebeu um pontificado poderosíssimo:
espera-se que, se aqueles o enalteceram com as armas, este com a
bondade e as suas infinitas outras virtudes o tornará grandíssimo e
venerável.

capítulo xii: Sobre quantos são


os gêneros de milícias e sobre as
milícias mercenárias
T endo já abordado detalhadamente todas as qualidades daqueles
principados que no início me propus analisar, e consideradas
parcialmente as causas de uns terem prosperado e outros não, e ainda
tendo mostrado como muitos procuram conquistá-los e conservá-los,
resta-me agora discorrer genericamente sobre os ataques e as defesas
que em cada um desses casos podem ser empregados. Acima dissemos
que um príncipe deve dispor de bons fundamentos; caso contrário,
certamente ruirá. Os principais fundamentos que todos os estados —
sejam eles novos, antigos ou mistos — têm são as boas leis e os bons
exércitos: e, posto que não pode haver boas leis onde não há bons
exércitos, e que onde há bons exércitos é convém que haja boas leis,
pouparei a discussão acerca das leis e tratarei dos exércitos.321 Pois
bem, os exércitos com os quais um príncipe defende o seu estado
podem ser próprios, mercenários, auxiliares ou mistos. Os
mercenários e os auxiliares são inúteis e perigosos;322 se alguém detém
um estado fundado sobre exércitos mercenários, nunca ficará estável
nem seguro, porque são desunidos, ambiciosos, indisciplinados,
infiéis; valentes com os amigos, e vis com os inimigos; sem temor de
Deus nem confiança nos homens; quanto mais se adia o combate, mais
se adia a derrota; na paz se é roubado por eles e na guerra pelos
inimigos. A razão disso é que não têm outro intuito nem outra
motivação que os mantenha na batalha do que um pequeno salário, o
qual não é suficiente para fazer com que se disponham a morrer por ti.
Almejam ser bons soldados teus enquanto não fizeres guerra; contudo,
quando a guerra sobrevém, eles fogem ou se dispersam.323 Não deveria
ser custoso convencer disso, já que a atual ruína da Itália deriva
exclusivamente de ter dependido por muitos anos de exércitos
mercenários. Conquanto fossem corajosos e tenham trazido certo
progresso, na hora da invasão estrangeira mostraram quem eram. Daí
que Carlos, Rei da França, pôde tomar a Itália sem truculências,324 e
quem dizia que a causa disso eram os nossos pecados, dizia a
verdade;325 mas não eram aqueles que imaginava, mas esses que
descrevi; por serem pecados dos príncipes, também eles sofreram as
penas.326

Quero demonstrar melhor o despropósito de tais exércitos. Os


capitães mercenários podem ser homens excelentes ou não; caso
sejam, não podeis confiar neles, pois sempre visarão a própria
grandeza ou vos oprimir,327 pois vós sois o chefe deles; ou então
oprimirão outros sem a vossa permissão; e caso o capitão mercenário
não seja virtuoso,328 ele trará a vossa ruína. Se alguém objetar
sustentando que qualquer um que tivesse armas nas mãos faria isso,
sendo mercenário ou não, eu replicaria dizendo que as armas estão a
serviço ou dum príncipe ou duma república. O príncipe deve assumir
pessoalmente o ofício de capitão;329 já a república deve encarregar
disso um dos seus cidadãos, e substituí-lo se eventualmente o
encarregado não mostrar ser um homem intrépido. Se o for, deve
contê-lo com as leis para que não exceda as suas incumbências.330 Por
experiência, nota-se que unicamente os príncipes e as repúblicas com
exércitos próprios fazem progressos enormes, ao passo que os
exércitos mercenários não causam senão danos.331 Mais dificilmente
obedece a um cidadão seu uma república armada com exércitos
próprios332 do que uma armada com exércitos estrangeiros. Roma e
Esparta se mantiveram armadas e livres por muitos séculos; os suíços
armadíssimos e libérrimos. Em contrapartida, um exemplo antigo de
exércitos mercenários é o dos cartagineses, que foram oprimidos pelos
seus soldados mercenários após a primeira guerra com os romanos,
embora os chefes fossem cidadãos cartagineses. Após a morte de
Epaminondas, Filipe da Macedônia foi elevado pelos tebanos ao cargo
de capitão, e tirou deles a liberdade depois de obter a vitória. Com a
morte do Duque Filipe, os milaneses contrataram Francesco Sforza
para combater contra os venezianos; uma vez superados os inimigos
em Caravaggio, ele se juntou aos venezianos para oprimir os seus
patrões milaneses.333 Então, o pai de Sforza,334 sendo soldado da
Rainha Joana ii de Nápoles, deixou-a repentinamente desarmada: daí
que ela, para não perder o reino, viu-se obrigada a jogar-se nos braços
do Rei de Aragão.335 Se anteriormente os venezianos e os florentinos
dilataram o seu império com esses exércitos — sem que os seus
capitães tivessem usurpado o estado,336 mas sim mantendo-se fiéis à
defesa deste —, concluo que os florentinos, neste caso, foram
agraciados pela sorte, pois dentre capitães virtuosos que poderiam
ameaçar tomar o poder, alguns não venceram,337 outros sofreram
oposição,338 outros ainda tinham a sua ambição alhures.339 Um dos que
não venceram foi Giovanni Aucut,340 do qual não se pôde conhecer a
fidelidade justamente por não ter vencido; de qualquer forma, todos
reconhecerão que, se tivesse vencido, teria os florentinos nas suas
mãos. Sforza sofreu sempre a oposição dos partidários de Braccio,341 e
ambos se vigiavam mutuamente:342 Francesco343 voltou sua ambição
para a Lombardia; Braccio dirigiu-se contra a Igreja e o Reino de
Nápoles. Mas avancemos para eventos mais recentes.344 Os florentinos
elevaram a Capitão Paulo Vitelli, um homem sumamente prudente e
que de privada fortuna alcançou enorme reputação. Caso tivesse
tomado Pisa, seria patente a conveniência de os florentinos
continuarem ao seu lado, porque, se tivesse passado ao serviço dos
seus rivais, a situação seria irremediável, e, se o tivessem mantido no
cargo, teriam que lhe obedecer.345 A respeito dos venezianos, tendo em
conta o seu progresso, nota-se que agiram de modo seguro e glorioso,
enquanto conduziram a guerra por si próprios e a mantiveram no mar,
procedendo virtuosissimamente com os nobres e a plebe armada;346 no
entanto, quando começaram a lutar em terra firme, perderam essa
virtude e seguiram os costumes da Itália. No princípio do seu avanço
por terra, pelo fato de não terem muito estado, mas sim grande
reputação, não tinham muito motivo para temer os seus capitães;
entretanto, à medida que ampliaram seus domínios sob o comando de
Carmagnola,347 comprovaram o seu erro. Pois vendo-o virtuosíssimo,
tendo há pouco derrotado o Duque de Milão, e sabendo como o seu
ardor na guerra havia esfriado, julgaram que com ele não seria mais
possível vencer,348 porque ele mesmo não queria; tampouco podiam
dispensá-lo, para não perderem aquilo que haviam conquistado; daí
que, por precaução, foram obrigados a matá-lo.349 Tiveram, em
seguida, como Capitães Bartolomeu de Bérgamo, Roberto de São
Severino, o Conde de Pitigliano e outros,350 que inspiravam mais medo
da derrota do que esperança de vitória, como logo aconteceu em Vailà,
onde num só dia perderam tudo aquilo que durante oitocentos anos
com fadiga haviam conquistado.351 Desses exércitos advêm apenas as
conquistas lentas, tardias e frágeis, além das perdas repentinas e
inexplicáveis. Após ter comentado esses exemplos da Itália, que foi por
muitos anos governada por exércitos mercenários, dirijo-me agora a
examinar de uma perspectiva mais abrangente, para que, conhecidos a
origem e os desdobramentos desses casos, seja possível melhor corrigi-
los.352

É do conhecimento de todos que, nestes últimos tempos, assim que o


império353 começou a ser expulso da Itália354 e o Papa adquiriu maior
reputação temporal, este país se dividiu em diversos estados,355 pois
muitas das grandes cidades tomaram armas contra os seus nobres —
antes favorecidos pelo imperador —, que as mantinham oprimidas. A
Igreja as favoreceu para obter maior reputação temporal;356 com efeito,
em muitas delas um de seus cidadãos se tornou príncipe.357 Destarte, a
Itália, quase caindo nas mãos da Igreja e de umas poucas repúblicas,358
viu-se dominada por padres e outros cidadãos não afeitos às armas, e
por isto teve que contratar estrangeiros. O primeiro que deu reputação
a essa milícia foi Albérico de Cunio,359 da Romanha. Da sua escola
provieram, entre outros, Braccio e Sforza, que no seu tempo foram
Senhores da Itália. Depois destes, vieram todos os outros que até os
nossos tempos comandaram tais exércitos.360 E o resultado de tanta
virtude foi a Itália ser invadida por Carlos, depredada por Luís,
oprimida por Fernando e vituperada pelos suíços.361 A ordem que eles
seguiram foi, primeiro, dar reputação a si próprios e tirá-la às
infantarias.362 Fizeram-no porque, não possuindo estado e vivendo à
base de milícia, os poucos infantes não lhes davam reputação, e não
poderiam sustentar muitos. Por causa disso, limitaram-se aos
cavaleiros, que em quantidade suportável eram sustentados e
honrados. As coisas chegaram a tal ponto que, num exército de vinte
mil soldados, não se encontravam sequer dois mil de infantaria.363
Tinham, além disso, empregado todos os meios para aliviar a si e aos
seus soldados do cansaço e do medo, sem se matarem nas brigas, mas
tomando prisioneiros sem fiança.364 De noite os soldados acampados
em tendas não atacavam os das terras, e estes tampouco àqueles; não
faziam ao redor do acampamento paliçadas nem fossos; não
acampavam durante o inverno. Todas essas coisas eram permitidas nas
suas ordens militares, e lhes serviam para evitar, como se disse, o
cansaço e os perigos;365 e assim conduziram a Itália à escravidão e ao
vitupério.366

capítulo xiii: Sobre os exércitos


auxiliares, mistos e próprios
O schamado
exércitos auxiliares, também inúteis, são aqueles de um poderoso
para vir vos defender, como recentemente fez o Papa
367

Júlio. Tendo visto que em Ferrara as suas tropas mercenárias


fracassaram, recorreu ele às auxiliares; e combinou com Fernando, Rei
da Espanha, que viesse ajudá-lo com a sua gente e os seus exércitos.
Tais exércitos podem ser úteis e bons para eles mesmos,368 mas são
prejudiciais para aquele que os chama, porque se perdem, ficais
desfeito; se vencem, aprisionam-vos.369 Embora a História Antiga
esteja repleta desses exemplos,370 quero me concentrar no recente caso
do Papa Júlio ii. A decisão que ele tomou não poderia ser mais
absurda: para conseguir Ferrara, colocar-se inteiramente nas mãos
dum estrangeiro. Mas a sua grande sorte fez surgir um terceiro
elemento, de modo que não colhesse o fruto de sua má escolha:371
tendo sido derrotados os seus exércitos auxiliares em Ravena, os
suíços, para a surpresa de todos, expulsaram os vencedores, e o Papa
acabou livre da prisão dos inimigos, que fugiram, e também da prisão
dos seus auxiliares, que não ficaram com a vitória.372 Os florentinos,
totalmente desarmados, conduziram dez mil franceses a Pisa para
tomá-la, e essa decisão lhes acarretou mais perigo do que jamais
sofreram em qualquer outro momento. O imperador de
Constantinopla, ao opor-se aos seus vizinhos, enviou dez mil turcos à
Grécia; após a guerra, eles não quiseram ir embora,373 e assim começou
a servidão da Grécia aos infiéis.374 Portanto, quem não quiser vencer375
que se valha desses exércitos; por estarem todos unidos e obedecerem
a outrem, são muito mais perigosos do que os mercenários, e com eles
a ruína é certa; enquanto os mercenários, quando vencem, necessitam
mais tempo e melhor oportunidade para vos atacar, por não formarem
um conjunto unitário e terem sido recrutados e pagos por vós. Nestes,
ainda que nomeeis um chefe, este não adquirirá autoridade de modo
tão rápido que vos possa atacar. Em suma, nos exércitos mercenários,
o mais perigoso é a covardia, e nos auxiliares, a virtude.376

Assim, um príncipe sábio sempre evita esses exércitos e prefere os


próprios; mais vale perder com os próprios do que vencer com os
alheios, pois não é uma verdadeira vitória aquela conquistada com
exércitos alheios. Não hesitarei377 em citar César Bórgia e as suas ações.
Esse duque entrou na Romanha com os exércitos auxiliares, guiando
gente francesa com a qual tomou Ímola e Forlì.378 Contudo, achando
que tais exércitos não eram confiáveis, lançou mão dos mercenários,
pensando que não havia perigo, e contratou os Orsini e os Vitelli. Com
o tempo, ao lidar com estes, notou que eram igualmente duvidosos,
infiéis e perigosos, decidiu, então, dispensá-los e recorrer aos exércitos
próprios.379 Pode-se facilmente perceber a diferença entre um exército
e outro, considerando a variação na reputação do duque quando tinha
somente os franceses e quando tinha os Orsini e os Vitelli, em
comparação com quando dispunha de soldados próprios sob seu
comando direto: a sua reputação cresceu sem parar, e nunca foi mais
estimado do que quando todos souberam que ele possuía a totalidade
dos seus exércitos. Eu não gostaria de me afastar dos exemplos
italianos atuais, mas tampouco quero ignorar Hierão de Siracusa, já
mencionado anteriormente.380 Este, como já se disse, foi eleito chefe
dos exércitos pelos siracusanos e notou imediatamente que aquela
milícia mercenária não era útil por ter comandantes como os nossos
italianos. Achando que não poderia nem a manter nem a dispensar,
mandou cortar a todos daquela milícia em pedaços381 e em seguida
lutou com as suas próprias milícias, e não com as alheias.382 A esse
propósito, quero recordar uma figura do Antigo Testamento.383 Ao ver
que Davi se oferecia para ir enfrentar o provocador filisteu Golias, para
incentivá-lo, Saul emprestou a Davi as suas próprias armas, mas este,
ao prová-las, rejeitou-as dizendo que com elas não poderia se mexer
bem, e preferiu combater o inimigo com a sua funda e a sua espada.
Enfim, as armas alheias ou caem das mãos, ou pesam nos ombros, ou
restringem os movimentos. Carlos vii, pai do Rei Luís xi, tendo com a
sua fortuna e a sua virtude libertado a França dos ingleses, conheceu
essa necessidade de se armar com exércitos próprios,384 e ordenou no
seu reino a criação de cavalarias e infantarias. Mais tarde, o Rei Luís,
seu filho, extinguiu as infantarias e começou a contratar suíços:385 esse
erro, seguido de outros, foi, como se constata agora, origem de perigos
para aquele reino. Já que, conferindo prestígio aos suíços, ele
humilhou as próprias tropas, pois extinguiu as infantarias e submeteu
as suas cavalarias aos comandos alheios. Como estava acostumado a
guerrear ao lado dos suíços, achava impossível vencer sem eles.386 A
partir daí os franceses não puderam mais vencer os suíços, e sem eles
não arriscavam enfrentar outros. De forma que os exércitos da França
ficaram mistos — parte mercenária e parte própria —, em geral muito
melhores do que os simplesmente auxiliares ou simplesmente
mercenários, mas muito inferiores aos próprios.387 Baste o exemplo
aduzido, porquanto o reino da França seria inexpugnável se as
medidas de Carlos tivessem sido ampliadas ou preservadas.388 No
entanto, a falta de prudência dos homens dá início a algo inicialmente
agradável, mas com um veneno oculto, como o que falei acima sobre a
tísica.

Por conseguinte, aquele que em um principado não conhece os males


quando surgem não é verdadeiramente sábio, e tal conhecimento é
dado a poucos.389 A causa da primeira queda do Império Romano
esteve na contratação dos godos; a partir dali, as forças do Império
Romano começaram a minguar,390 e toda aquela virtude do império
passava para eles. Concluo, pois, que, sem exércitos próprios, nenhum
principado está seguro;391 mais ainda, está sujeito ao acaso, por carecer
de virtude que o defenda nas adversidades. Os sábios sempre disseram
e pontificaram: Quod nihil sit tam infirmum aut instabile quam fama
potentiae non sua vi nixa.392 Os exércitos próprios são aqueles
compostos por súditos ou cidadãos ou vossos servos: todos os outros
são mercenários ou auxiliares.393 E será fácil dar com o melhor modo394
de dirigir os exércitos próprios, tendo em conta as quatro posturas
supracitadas por mim, e notando como Filipe, pai de Alexandre
Magno, e muitas outras repúblicas e principados se armaram e
organizaram. A essas posturas eu me remeto inteiramente.395

capítulo xiv: Os deveres de um


príncipe acerca dos exércitos
U mnempríncipe não deve ter outro objetivo nem outro pensamento,
cultivar outra arte que não seja a da guerra, com as regras e a
disciplina que ela implica;396 essa é a única arte que se espera de quem
comanda. É tal a virtude de símile arte, que não somente mantém
aqueles que nasceram prínci pes, mas também frequentemente faz
ascender os homens comuns a esse grau.397 Inversamente, nota-se que,
quando os príncipes se dedicaram mais às delicadezas do que às
armas, perderam os seus estados.398 A razão primária disto é
precisamente negligenciar essa arte. Francesco Sforza, por estar bem
armado, de homem comum se tornou Duque de Milão;399 seus
descendentes, para se afastarem das confusões militares, de duques se
tornaram homens comuns.400 Dentre os outros males derivados de
estares desarmado, está o de seres desprezado,401 que é uma das
infâmias das quais o príncipe se deve resguardar, conforme abaixo se
dirá. Pois entre um armado e um desarmado não há proporção
alguma: não é razoável que quem está armado obedeça de bom grado
a quem está desarmado,402 nem que o desarmado esteja seguro entre
servidores armados.403 Se num caso há desprezo, e no outro suspeita,
então a cooperação é impossível.404 Por isso, um príncipe que não
entenda de milícias, além dos outros inconvenientes referidos, não
pode ser estimado por seus soldados nem tampouco confiar neles.405

Com efeito, é decisivo nunca desviar o pensamento das práticas da


guerra. E isto pode ser feito de dois modos: com as obras ou com a
mente. Quanto às obras, além de manter bem disciplinadas e treinadas
as suas tropas, convém estar continuamente em caçadas para assim
habituar o corpo aos desconfortos e aproveitar para conhecer a
natureza das localidades, aprender como aparecem os montes, como
embocam os vales, como jazem as planícies, e entender a natureza dos
rios e dos pântanos, pondo imensa dedicação em tais ações.406 Esse
aprendizado é útil por dois motivos. Em primeiro lugar, conhece-se o
próprio território, o que permite uma melhor defesa deste; depois, por
meio do aprendizado e da frequentação dessas localidades, com
facilidade se compreende qualquer outra localidade que seja preciso
explorar, pois as colinas, os vales, as planícies, os rios, os pântanos que
estão, por exemplo, na Toscana, nutrem para com os das outras
províncias certa semelhança, de maneira que, a partir de uma
província se pode facilmente compreender outras.407 Ao príncipe que
carece de tais competências faltará a primeira característica
imprescindível em um capitão, uma vez que ela ensina a achar o
inimigo, a tomar os alojamentos, a conduzir os exércitos, a organizar
as jornadas, a dominar os lugares mais vantajosos.408

Filopêmenes, Príncipe dos Aqueus, dentre outros elogios que recebeu


dos escritores, está o de que, em tempos de paz, não pensava em outra
coisa senão nos modos de fazer a guerra;409 e quando estava no campo
com os amigos, amiúde parava e refletia: “Se os inimigos estivessem
naquele monte, e nós aqui com o nosso exército, qual dos dois teria
vantagem? Mantendo a formação, como se poderia ir até eles?410 Se
quiséssemos bater em retirada, como faríamos? Se eles batessem em
retirada, como os seguiríamos?”. E lhes apresentava, caminhando,
todas as situações em que um exército poderia se encontrar; escutava a
opinião deles, dava a sua e a sustentava com argumentos. Por causa
dessas contínuas reflexões, quando guiava os exércitos, nunca surgiam
imprevistos para os quais ele não tivesse uma solução.411

Com relação ao exercício da mente, o príncipe deve ler as histórias412


e nelas considerar as atitudes dos homens ilustres, examinar como
estes se comportaram nas guerras, estudar os motivos de suas vitórias
e de suas derrotas, para poder evitar estas e imitar aquelas. E
principalmente agir como certos homens ilustres do passado, que se
dispuseram a imitar aqueles que, antes deles, foram louvados e
glorificados, mantendo sempre na memória os gestos e as ações
deles,413 como se diz que Alexandre Magno imitava Aquiles, César
imitava Alexandre, Cipião imitava Ciro. Todo aquele que lê a vida de
Ciro escrita por Xenofonte reconhece mais tarde na vida de Cipião o
quanto aquela imitação lhe trouxe glória por ter se conformado na
castidade, afabilidade, clemência e generosidade àquilo que Xenofonte
escreveu sobre Ciro.414 Essas orientações devem ser seguidas por um
príncipe sábio sem nunca permanecer ocioso em tempos de paz, mas
sim com empenho acumular recursos para poder se remediar nas
adversidades, no intuito de, quando a sorte mudar, estar preparado
para lhe resistir.

capítulo xv: Sobre aquelas


coisas pelas quais os homens, e
especialmente os príncipes, são
louvados ou vituperados
R esta agora verificar quais deverão ser as posturas e as atitudes de
um príncipe tanto para com os seus súditos quanto para com os
seus amigos. E, como sei que muitos escreveram sobre isso, receio que,
tratando disso, também eu seja considerado presunçoso por divergir
das opiniões alheias, sobretudo ao discutir tal assunto.415 Contudo,
sendo a minha intenção escrever algo útil a quem puder entender,
pareceu-me mais conveniente almejar a verdade efetiva da coisa,416 em
vez da sua imaginação.417 Muitos imaginaram repúblicas e principados
que nunca foram vistos nem existiram de verdade.418 De fato, a
distância entre como se vive e como se deveria viver é tão grande que
quem deixa o que está fazendo por aquilo que deveria estar fazendo
contribui mais para a própria ruína do que para a própria preservação.
Um homem, pois, que quiser sempre agir de acordo com a bondade
terminará arruinado em meio a tantos que não são bons.419 Por isso, é
necessário que um príncipe que queira se manter no poder aprenda a
ser capaz de não ser bom, e a usar tal capacidade conforme a
necessidade.420

Desse modo, deixando de lado as coisas imaginadas a respeito dum


príncipe, e abordando aquelas que são verdadeiras, digo que todos os
homens relevantes — e sobretudo os príncipes, por estarem num posto
mais elevado — apresentam algumas destas qualidades que lhes
acarretam reprovação ou louvor. Isto é, uns são considerados liberais,
outros sovinas;421 uns generosos, outros gatunos; uns cruéis, outros
piedosos; um é inconfidente, outro é fiel; um é efeminado e
pusilânime, outro é feroz e animoso; um é humilde, outro é soberbo;
um é lascivo, outro é casto; um é íntegro, outro é astuto; um é
intransigente, outro é transigente; um é sério, outro é leviano; um é
religioso, outro é incrédulo, e assim por diante.422 Eu sei que todos
reconhecerão que seria laudabilíssimo um príncipe ter as qualidades
supracitadas que são tidas como boas;423 mas, já que não se pode as ter
nem as observar totalmente, uma vez que a condição humana não é
tal, é preciso que ele seja tão prudente que saiba fugir da infâmia
daquelas coisas que poriam em risco o seu poder, bem como, na
medida do possível, daquelas que comprometeriam o seu governo.424
Não sendo possível, pode-se ignorar isso e deixar passar.425 O mesmo
vale para a fama de incorrer em certos vícios sem os quais dificilmente
poderia se conservar no poder; com efeito, tendo em conta todo o
referido, parecerá virtude algo que o conduzirá à ruína, e vício algo
que o conduzirá à segurança e ao bem-estar.

capítulo xvi: Sobre a


liberalidade e a parcimônia
C omeçando, pois, pelas primeiras qualidades supracitadas, digo que
seria bom passar por liberal: não obstante, a liberalidade,
empregada de modo que vos traga tal fama, prejudica-vos, porque,
usada virtuosamente e como se deve usá-la, não será reconhecida426 e
não impedirá que vos atribuam a infâmia do seu contrário. Com efeito,
querendo manter entre os homens a fama de liberal, é preciso não
prescindir de manifestação de suntuosidade alguma; de maneira que
sempre um príncipe que agir assim gastará nessas operações toda a sua
economia, e precisará no final, caso quiser manter a fama de liberal,
sobrecarregar extraordinariamente a população com impostos e fazer
todo o possível para arrecadar dinheiro. Essa postura o tornará odioso
para os súditos427 e desprezível para todos, tornando-se pobre. Em
consequência, por ter prejudicado muitos para premiar poucos com a
sua liberalidade, sentirá o efeito na primeira adversidade428 e correrá
perigo no primeiro infortúnio que lhe sobrevier.429 Quando se der
conta da situação e quiser voltar atrás, cairá imediatamente na infâmia
de ser sovina.430 Portanto, não podendo usar a virtude do liberal sem
se prejudicar, de modo que ela seja conhecida, o príncipe deve, se for
prudente, não se importar de ser considerado sovina: conforme passe
o tempo, será considerado sempre mais liberal, ao verem que com a
sua parcimônia as suas receitas lhe bastam, que pode se defender de
quem o ataca, e que pode empreender projetos sem onerar o povo.431
Destarte, aparentará ser liberal com todos aqueles de quem ele nada
tira, que são infinitos, e sovina com todos aqueles a quem ele nada dá,
que são poucos.432 Nos nossos tempos, nós não vimos fazerem grandes
coisas senão aqueles que passaram por sovinas; os outros
desapareceram. O Papa Júlio ii, tendo-se servido do título de liberal
para alcançar o papado,433 não tencionou mantê-lo depois, para poder
fazer guerra ao Rei da França. E fez muitas guerras sem criar impostos
extraordinários aos seus súditos, posto que as despesas supérfluas434
foram compensadas pela sua prolongada parcimônia. O atual Rei da
Espanha,435 se fosse considerado liberal, não teria feito nem vencido
tantas empreitadas.436

Portanto, um príncipe deve se importar pouco — para não ter que


roubar os seus súditos, para poder se defender, para não ficar pobre e
desprezível, para não ser forçado a se tornar gatuno — em ganhar a
fama de sovina, pois este é um daqueles vícios que lhe permitem
reinar.437 Se alguém dissesse: “César com a liberalidade chegou ao
império,438 e muitos outros, por terem sido e serem tidos como
liberais, ascenderam a postos altíssimos”,439 eu responderia dizendo
que ou tu és príncipe feito, ou estás em via de conquistar o poder. No
primeiro caso, essa liberalidade é danosa;440 no segundo, é necessário
ser tido como liberal. César era um dos que aspiravam galgar ao
principado de Roma, mas, se depois de ter conseguido e mantido ele
não tivesse diminuído as suas despesas, teria destruído o seu império.
Se alguém redarguir que muitos foram os príncipes que com os seus
exércitos empreenderam grandes feitos e foram tidos como
liberalíssimos, eu respondo dizendo que ou o príncipe gasta do seu
patrimônio ou dos seus súditos, ou do patrimônio alheio. No primeiro
caso, deve ser parcimonioso; nos outros dois, não deve poupar gesto
de liberalidade algum.441 Para o príncipe que comanda os exércitos,
nutre-se de butins, saques e recompensas, e maneja o bem alheio, é
necessária essa liberalidade; do contrário, não seria obedecido pelos
soldados.442 Com aquilo que não é vosso nem dos teus súditos podeis
ser mais generoso doador, como foi Ciro, César e Alexandre,443 porque
gastar o que é alheio não vos diminui a reputação, mas, ao contrário,
aumenta-a;444 unicamente gastar o que é próprio te é nocivo. E não há
nada que consuma tanto a si mesmo quanto a liberalidade: no
momento em que a usais, perdeis a faculdade de usá-la, e vos tornais
pobre e desprezível,445 ou, para escapar da pobreza, vos tornais gatuno
e odioso.446 Dentre todas as coisas das quais um príncipe se deve
preservar está a de ser desprezível e odioso, e a liberalidade vos conduz
tanto a uma quanto à outra. Portanto, é mais sábio ser considerado
sovina, o que acarreta uma infâmia sem ódio, do que, querendo ser
liberal, ser compelido a incorrer na fama de ser gatuno, o que acarreta
uma infâmia com ódio.447

capítulo xvii: Sobre a crueldade


e a piedade: se é melhor ser
amado do que temido, ou antes
temido que amado
D irigindo-nos às outras qualidades mencionadas, digo que todo
príncipe deve desejar ser tido como piedoso, e não como cruel;
não obstante, deve estar atento para não usar mal essa piedade.448
César Bórgia era considerado cruel; contudo, essa sua crueldade
consertou a Romanha, uniu-a e a trouxe para a paz e a fidelidade.449
Numa reflexão detida, notar-se-á que ele foi muito mais piedoso do
que o povo florentino, que, a fim de evitar a fama de cruel, deixou
Pistoia ser destruída450 . Deve, pois, um príncipe não se importar com
a infâmia de ser cruel, por estarem os seus súditos unidos e fiéis:451
com pouquíssimas ações exemplares ele se mostrará mais piedoso do
que aqueles que, por excesso de piedade, permitem que as desordens
aflorem, levando a assassinatos e roubos: esses costumam prejudicar a
totalidade, enquanto as execuções oriundas do príncipe prejudicam
somente pessoas isoladas.452 Dentre todos os príncipes, o príncipe
novo é o que menos consegue evitar a fama de cruel,453 por estarem os
novos estados cheios de perigos. O próprio Virgílio454 diz pela boca de
Dido: Res dura, et regni novitas me talia cogunt moliri, et late fines
custode tueri.455 No entanto, deve ter cautela no pensar e no agir, sem
se deixar dominar pelo medo, e proceder de modo equilibrado com
prudência e clemência, e que a excessiva confiança não o torne incauto
nem a excessiva desconfiança o torne intolerável.456

Daí nasce uma controvérsia: se é melhor ser amado do que temido,


ou o contrário.457 Responde-se que se gostaria de ser ambas as coisas,
mas, como é difícil conciliá-las, é muito mais seguro ser temido do que
amado, quando se deve escolher uma das duas.458 Com efeito, dos
homens geralmente se pode dizer que são ingratos, volúveis, fingidos,
covardes, ávidos de ganância;459 enquanto lhes fazeis o bem, são todos
vossos, arriscam o próprio sangue por vós, os bens, a vida, os filhos,460
como acima se disse, quando a necessidade está longe; contudo, nos
apuros, eles se revoltam. E o príncipe que se apoiou inteiramente nas
suas palavras,461 encontrando-se desprovido de outros recursos,
arruína-se. De fato, as amizades obtidas com favores, e não com
grandeza e nobreza de espírito,462 são merecidas, mas desaparecem e
de nada servem nalguns momentos. Os homens têm menos receio de
ofender quem se fez amar do que quem se fez temer, porquanto o
amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, por serem
perversos os homens, em qualquer ocasião que lhes convier o
romperão; em contrapartida, o temor é mantido pelo medo da
punição que nunca falha.463 Entretanto, o príncipe deve inspirar temor
de modo que, se não for amado, pelo menos evite o ódio,464 já que
pode muito bem ser ao mesmo tempo temido e não odiado; isso
acontecerá sempre que se abstiver dos bens dos seus cidadãos e dos
seus súditos, bem como das mulheres deles;465 quando se fizer forçoso
proceder contra a vida de alguém, faze-o quando houver justificativa
adequada e causa manifesta;466 acima de tudo, porém, abstém-te dos
bens alheios,467 dado que os homens esquecem antes a morte do pai do
que a perda do patrimônio.468 Além do mais, nunca faltam motivos
para se apossar do bem alheio, e aquele que começa a viver do roubo
sempre encontra pretextos para tomar o que é alheio;469 ao passo que,
para atentar contra a vida, os motivos são mais raros e faltam mais
amiúde.470

Porém, quando o príncipe está com os exércitos e dispõe duma


multidão de soldados, então é preciso que não se importe nada com a
fama de cruel, pois sem ela não se conserva jamais um exército unido e
disposto ao combate.471 Entre as admiráveis ações de Aníbal está a
seguinte: tendo conduzido um exército grandíssimo, formado por
homens de inúmeras procedências, a guerrear em terras
estrangeiras,472 não lhe surgiu dissensão alguma, nem entre eles nem
contra o príncipe,473 tanto na contrariedade como na bonança. Isso
não pode advir senão da desumana crueldade que, junto das suas
numerosas virtudes, tornou-o sempre venerável e terrível diante dos
seus soldados; sem ela, para ter aquele efeito, as suas outras virtudes
não lhe teriam bastado.474 Os historiadores pouco sensatos, por um
lado, admiram esse seu feito, e, por outro, condenam a principal causa
deste.475 Que seja verdadeiro que as suas outras virtudes não seriam
suficientes pode-se confirmar em Cipião, homem excepcionalíssimo
não somente em seu tempo, mas em toda a memória das coisas
conhecidas,476 cujos exércitos se rebelaram na Espanha. Isso não
proveio senão da sua excessiva piedade, que redundou em mais
permissões aos seus soldados do que convém à disciplina militar.477
Isto lhe valeu censuras no senado por parte de Fábio Máximo, que o
acusou de corromper a milícia romana. Por ser de natureza indulgente,
Cipião não se vingou nem corrigiu a insolência do responsável pela
destruição dos lócrios, que era um enviado seu. De fato, no senado,
alguém quis desculpá-lo afirmando que ele era um desses muitos
homens mais capazes de não errar do que de corrigir os erros
alheios.478 Essa natureza teria com o tempo corroído a fama e a glória
de Cipião, se ele tivesse perseverado assim no governo; mas, vivendo
sob o governo do senado, essa sua qualidade danosa não somente se
ocultou, mas lhe conferiu glória.479

Portanto, voltando à questão de ser temido ou amado, concluo que,


uma vez que os homens amam conforme a sua vontade, e temem
conforme a vontade do príncipe, um príncipe sábio deve se apoiar no
que é seu,480 não no que é alheio,481 engenhando para escapar do ódio,
como foi dito.

capítulo xviii: De que modo os


príncipes devem manter as
promessas
T odos compreendem que é louvável que um príncipe cumpra as
482

suas promessas e viva com integridade, e não com astúcia;483 não


obstante, comprova-se por experiência, em nossos tempos, que
realizaram grandes feitos484 os príncipes que fizeram pouco caso das
próprias promessas e que souberam astutamente confundir as mentes
dos homens,485 e no final superaram aqueles que tinham se apoiado na
lealdade.486

Deveis, por conseguinte, saber que duas são as maneiras de combater:


uma é com as leis, outra é com a força. A primeira é própria do
homem, a segunda dos animais; todavia, como a primeira muitas vezes
não basta, convém recorrer à segunda.487 Desse modo, um príncipe
deve saber bem usar tanto uma quanto a outra. Esse assunto foi
ensinado aos príncipes veladamente pelos antigos escritores, ao
narrarem como Aquiles e muitos outros príncipes da Antiguidade
foram confiados aos cuidados do centauro Quíron para que os
guardasse sob a sua custódia.488 Ter como preceptor um ser metade
animal e metade homem não significa senão que o príncipe precisa
saber lançar mão de ambas as naturezas; uma não subsiste sem a outra.
Sendo necessário a um príncipe saber bem usar a natureza animal,
deve imitar a raposa e o leão, pois o leão não evita as armadilhas, e a
raposa não se defende dos lobos.489 Precisa, então, ser raposa, para
conhecer as armadilhas, e leão, para afugentar os lobos. Aqueles que
simplesmente adotam o leão, não conhecem o assunto.490 Por isto, um
senhor prudente não pode nem deve cumprir sua promessa quando tal
observância lhe trouxer prejuízo e não existirem mais os motivos que
fizeram com que prometesse.491 Se fossem todos bons os homens, tal
preceito não seria bom;492 contudo, já que são perversos e não
cumprirão a sua palavra para convosco, não deveis também observá-la
para com eles.493 Jamais faltaram ao príncipe algumas razões legítimas
para disfarçar a inobservância.494 Disto se poderiam dar infinitos
exemplos modernos, e demonstrar quantas alianças e quantas
promessas foram revogadas e anuladas pela infidelidade dos
príncipes;495 e quem melhor soube agir como a raposa saiu-se melhor.
Faz-se necessário, contudo, disfarçar bem essa natureza e ser um
grande fingidor e dissimulador;496 são tão simplórios os homens, e tão
obedientes às necessidades imediatas, que quem engana encontrará
sempre quem se deixe enganar.497
Dos exemplos recentes, não quero deixar de mencionar um em
específico. Alexandre vi nunca fez, nunca pensou algo diferente de
enganar os homens, e sempre achou vítima para isso.498 Nunca houve
quem tivesse maior eficácia em asseverar e com maiores juramentos
afirmar uma coisa e que a cumprisse menos; mesmo assim, os seus
embustes sempre se seguiram ad votum,499 porque conhecia bem esse
aspecto do mundo.500 Assim, não é necessário que um príncipe tenha
todas as mencionadas qualidades, mas sim é necessário parecer tê-las.
Aliás, ousarei dizer que, tendo-as e cumprindo-as sempre, são
prejudiciais, enquanto parecendo tê-las, são úteis;501 é o caso do
piedoso, fiel, clemente, íntegro, religioso, e até tudo isso ao mesmo
tempo,502 contanto que, em caso de necessidade, possas e saibas tornar-
te o inverso. Deve-se entender o seguinte: um príncipe, e mais ainda
um príncipe novo, não pode cumprir todas aquelas coisas pelas quais
os homens são considerados bons, sendo com frequência necessário,
para conservar o poder, agir contra a fé, contra a caridade, contra a
humanidade, contra a religião.503 E por isso é preciso que ele tenha um
espírito disposto a voltar-se para onde os ventos e as variações da sorte
lhe comandarem, e, como dito acima, não se afastar do bem, se
possível,504 mas saber praticar o mal, quando necessário.

Deve, pois, um príncipe ter grande cuidado para que de sua boca não
saia jamais uma palavra que não seja plena das cinco mencionadas
qualidades, e que, quando o virem e o ouvirem, pareça cheio de
piedade, cheio de fé, cheio de integridade, cheio de religião.505 Nada é
mais necessário simular do que esta última qualidade.506 Os homens
em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, porque todos
podem ver, mas poucos podem sentir. Todos veem o que vós
aparentais, mas poucos tocam aquilo que sois;507 e estes poucos não
ousam contrariar a opinião da maioria, que conta com a majestade do
Estado para os defender.508 Nas ações de todos os homens, e
principalmente nas dos príncipes, onde não há juiz a quem apelar, o
que conta é o resultado final. Eis, pois, o que um príncipe deve fazer
para vencer e manter o poder: os meios sempre serão considerados
honrosos e dignos de elogio,509 porque o povo se agarra às aparências e
aos eventos externos, e no mundo só há povo, já que os poucos não
têm vez quando a maioria tem onde se apoiar.510 Certo príncipe dos
dias atuais — que não convém nomear511 — não prega nada além de
paz e fé, sendo inimicíssimo de ambas; se tivesse seguido as próprias
pregações, já teria perdido tanto a reputação quanto o poder.

capítulo xix: Como evitar ser


desprezado e odiado
T endo já tratado das qualidades mais importantes dentre as citadas
anteriormente, agora quero abordar brevemente e de modo geral o
fato de que o príncipe, como acima se disse parcialmente, deve se
esquivar daquelas coisas que o tornam odioso e desprezível;512 toda vez
que se afastar disso, terá feito a sua parte e não encontrará perigo
algum nas outras infâmias.513 Torna-o odioso, sobretudo, como eu
disse, ser gatuno e usurpador dos bens e das mulheres dos seus
súditos, coisa da qual deve se abster;514 sempre que à totalidade dos
homens não se tirar nem bens nem honra, viverão contentes, e só
faltará combater a ambição dos poucos, a qual de muitos modos e com
facilidade515 pode ser controlada. Torna-o desprezível ser tido como
volúvel, frívolo, efeminado, pusilânime, indeciso; disso um príncipe
deve fugir como se fosse um escolho, e empenhar-se para que em suas
ações se reconheça grandeza, animosidade, gravidade, fortaleza,516 e,
quanto aos assuntos privados dos súditos, deve exigir que sua sentença
seja irrevogável,517 e manter-se nessa opinião para que ninguém pense
em o enganar ou ludibriar.518
O príncipe que dá tal impressão é bastante estimado,519 e contra quem
é bem estimado dificilmente se conspira e dificilmente se ataca alguém
assim, posto que é reputado como excelente e reverenciado pelos seus.
Porque um príncipe deve ter dois receios: um interno, por conta dos
seus súditos; outro externo, por conta dos potentados estrangeiros.
Deste, ele pode se defender com boas tropas e bons amigos; e sempre,
se dispuser de boas tropas, terá bons amigos.520 Sempre permanecerão
estáveis as coisas internas quando estiverem estáveis as externas,
contanto que não estejam perturbadas por alguma conspiração;521 e
mesmo que a situação externa seja perigosa, se ele estiver preparado e
fizer o que eu recomendei — desde que não desista —,522 sempre
aguentará qualquer investida, como mencionei no caso de Nábis, o
espartano. Porém, com relação aos súditos, quando externamente as
coisas estiverem calmas, deve-se zelar para que não conspirem
secretamente, e disto o príncipe só se guarda se evitar ser odiado ou
desprezado, e mantendo a população satisfeita consigo — o que é
necessário conseguir, como se falou longamente acima.523 Um dos mais
poderosos recursos de que um príncipe dispõe contra as conspirações
é o de não ser odiado pela maioria, uma vez que o conspirador sempre
espera satisfazer a população com a morte do príncipe;524 contudo,
quando perceber que, na verdade, agindo assim a ofenderia, desistirá
de tal propósito. Realmente, incontáveis são as dificuldades dos
conspiradores,525 e pela experiência se nota que houve muitas
conspirações, mas poucas tiveram sucesso, porquanto quem conspira
não pode estar sozinho, nem pode admitir aliados senão entre aqueles
que acredite estarem insatisfeitos;526 assim que revelais ao insatisfeito
os teus planos,527 estais lhe dando matéria para estar satisfeito, já que
vos denunciando terá ele grandes recompensas; de maneira que,
sopesando o proveito seguro de uma opção,528 e os perigosos e
duvidosos riscos da outra,529 o aliado só se manterá fiel se for
excepcional amigo vosso ou se for ferrenho inimigo do príncipe. Em
poucas palavras, digo que da parte do conspirador não há senão medo,
inveja e suspeita de castigo, coisas que o fazem titubear, mas da parte
do príncipe estão a majestade do principado, as leis, as ajudas dos
amigos e do estado para sua defesa.530 Some-se a isso a benevolência
popular e será impossível que alguém seja tão temerário a ponto
conspirar.531 Pois, ordinariamente, um conspirador deve temer antes da
execução do mal, mas neste caso deve temer também depois, por ter o
povo como inimigo532 após o golpe, sem poder por isso esperar
proteção alguma.

Sobre esse assunto se poderiam citar inúmeros exemplos,533 mas me


dou por satisfeito com apenas um, ocorrido nos tempos de nossos
pais. Aníbal Bentivoglio, avô do atual Aníbal, que era Príncipe de
Bolonha, sofreu uma conspiração dos Canneschi e foi assassinado,
sendo Giovanni o seu único herdeiro, ainda criança; logo depois do
homicídio, o povo se sublevou e aniquilou todos os Canneschi. Isso se
deveu à benevolência popular da qual a casa dos Bentivoglio gozava
naqueles tempos, a qual era tanta que, não restando em Bolonha
nenhum descendente que pudesse suceder a Aníbal na regência do
Estado, e havendo indício de que em Florença vivia um Bentivoglio até
então considerado filho de um carpinteiro, dirigiram-se os bolonheses
a Florença e lhe concederam o governo da sua cidade, que foi
governada por ele até que Giovanni tivesse idade suficiente para
assumir o governo.534

Concluo, portanto, que um príncipe deve dar pouco relevo às


conspirações quando tiver o povo a seu favor;535 porém, quando este
for seu inimigo e lhe nutrir ódio, deve temer tudo e todos.536 Com
efeito, os estados bem administrados e os príncipes sábios se
dedicaram com toda a diligência a não desagradarem os grandes537 e a
satisfazerem a população, mantendo-a contente,538 posto que esta é
uma das atitudes mais importantes para um príncipe. Dentre os reinos
bem geridos e conduzidos nos nossos tempos está o da França. Nele se
encontram várias instituições boas, das quais dependem a liberdade e
a segurança do rei, e dentre as quais a primeira é o parlamento com a
sua autoridade.539 Quem organizou esse reino, ciente da ambição e da
insolência dos poderosos e achando necessário controlá-los com
rédeas curtas, não ignora, por outro lado, o ódio universal contra os
grandes, fundado no medo, e tenciona protegê-los, mas sem deixar
tudo isso a cargo exclusivo do rei; a fim de aliviar o atrito que poderia
ter com os grandes ao favorecer os populares,540 e com os populares
por favorecer os grandes, instituiu um terceiro poder, que fosse quem
— sem sobrecarregar o rei — contivesse os poderosos e favorecesse os
menores. Essa medida não poderia ser melhor nem mais prudente,
nem ocasionar mais segurança para o rei e o seu reino. Daí se pode
extrair outro princípio: que os príncipes devem delegar as ações
incômodas a outrem, deixando as agradáveis para si.541 Novamente
concluo que o príncipe deve estimar os grandes, sem contudo ser
odiado pelo povo.

Pareceria, talvez, a muitos, considerando a vida e a morte de algum


imperador romano, que há exemplos que contrariam esta minha
opinião, de pessoas que viveram sempre dignamente e mostrando
grande virtude de espírito e que acabaram perdendo o poder, ou
mesmo que foram mortos por sua gente, que contra eles conspiraram.
Em resposta, pois, a tais objeções, exporei as qualidades de alguns
imperadores, frisando os motivos da sua ruína, em conformidade com
o que aduzi acima; em paralelo, trarei elementos notáveis acerca dos
fatos daqueles tempos.542 É suficiente recordar todos aqueles
imperadores que se sucederam no império desde Marco, o filósofo, até
Maximino, a saber: Marco, seu filho Cômodo, Pertinax, Juliano,
Severo, seu filho Antonino Caracala, Macrino, Heliogábalo, Alexandre
e Maximino. A primeira coisa a se ressaltar é que, se nos outros
principados basta combater a ambição dos grandes e a insolência dos
populares, os imperadores romanos tinham uma terceira dificuldade,
isto é, ter que suportar a crueldade e a cobiça dos soldados. Isso era tão
difícil543 que foi o motivo de ruína para muitos, por ser complicado
satisfazer tanto os soldados quanto o povo; este, com efeito, amava a
tranquilidade, e por conseguinte amava os príncipes modestos,544 ao
passo que aqueles amavam o príncipe que tivesse espírito guerreiro,
além de insolente, cruel e gatuno, para que, agindo assim com os
povos, eles pudessem duplicar o próprio salário e saciar a própria
cobiça e crueldade.545 Daí resultou que aqueles imperadores, por
natureza ou por educação546 desprovidos de uma grande autoridade —
que poderia refrear ambas as tendências —, sempre fracassavam. A
maior parte deles, especialmente os que chegavam ao principado com
pouca experiência, tão logo ficavam sabendo dessas duas dificuldades,
priorizavam satisfazer os soldados,547 desprezando as ofensas ao povo.
Era necessário tomar essa decisão, porque, quando não podem escapar
ao ódio de alguém,548 os príncipes devem primeiramente se esforçar
para não serem odiados por todos; caso isso não seja possível, devem
procurar de qualquer maneira549 evitar o ódio dos grupos mais
poderosos.550 Por essa razão, aqueles imperadores que, pouco
experientes, precisavam de favores extraordinários, priorizavam os
soldados em detrimento da população; o que poderia, contudo, ser útil
ou não, de acordo com a capacidade do príncipe de manter a sua
reputação perante eles.551 Pelas razões expostas, aconteceu que Marco,
Pertinax e Alexandre, sendo todos de vida modesta, amantes da
justiça, inimigos da crueldade, humanos e benignos,552 tiveram todos
um triste fim — com exceção de Marco, que viveu e morreu coberto de
honra, já que chegou ao império por iure hereditario e, por isto, não
dependia nem dos soldados, nem do povo.553 Além do mais, devido às
muitas virtudes que o tornavam venerável, teve sempre, enquanto
viveu, ambas essas forças sob controle, e não foi jamais odiado nem
desprezado.554 Já Pertinax foi feito imperador contra a vontade dos
soldados, que estavam acostumados a viver licenciosamente sob o
comando de Cômodo e que não conseguiam aguentar aquela vida
honesta555 imposta por Pertinax.556 Daí que atraiu sobre si o ódio, e a
esse ódio se acrescentou o desprezo por sua velhice,557 causando-lhe a
ruína logo no início da sua administração. Neste ponto, deve-se
destacar que o ódio se adquire seja mediante as boas obras, seja
mediante as más; de modo que, como eu disse anteriormente, o
príncipe que quiser se manter no poder se verá frequentemente
forçado a não ser bom,558 porque, quando qualquer dos grupos dos
quais pensais dependerdes559 para vos manterdes no poder — povo,
soldados ou poderosos — for corrupto, convém-vos que o agradeis
naquilo que ele demandar, e então as boas obras vos serão inimigas.560
Mas vejamos Alexandre, homem de tanta bondade que, dentre os
elogios que lhe são tecidos, está o de que, ao longo dos catorze anos
em que guiou o império, jamais ordenou a execução de homem algum
sem julgamento prévio. Apesar disso, por ser considerado efeminado561
e homem que se deixa governar pela mãe,562 caiu em desprezo e foi
vítima da conspiração de seu exército, que o assassinou.

Em contrapartida, quanto às qualidades de Cômodo, Severo,


Antonino Caracala e Maximino, percebereis que foram crudelíssimos
e gatuníssimos: para agradar os soldados, não desperdiçaram
oportunidade alguma de prejudicar o povo. E todos, salvo Severo,
tiveram triste fim. Efetivamente, Severo gozava de tanta virtude que,
conservando o apoio dos soldados, embora o povo fosse oprimido por
ele, conseguia reinar pacificamente,563 porque aquelas suas virtudes o
tornavam tão admirável diante dos soldados e do povo, que este
último ficava de certo modo atônito e estupefato,564 enquanto aqueles
ficavam reverentes e satisfeitos.565 Pelo fato de suas ações terem sido
elevadas, em relação ao que é comum a príncipe novo, quero mostrar
sucintamente o quão bem ele se soube espelhar na raposa e no leão,
cujas naturezas, conforme eu disse acima, devem ser imitadas pelo
príncipe.566 Ao conhecer a indolência do imperador Juliano, Severo
convenceu o seu exército — do qual fora Capitão na Eslavônia567 — a
se dirigir para Roma a fim de vingar a morte de Pertinax, que tinha
sido morto pelos soldados pretorianos.568 Sob esse pretexto, sem
mostrar que aspirava ao império, moveu o exército em direção a Roma
e chegou à Itália antes mesmo que se soubesse da sua partida.569
Quando lá chegou, o senado, frágil pelo temor, elegeu-o imperador570 e
condenou Juliano571 à morte. Após isto, restavam a Severo dois
empecilhos se quisesse se apoderar de todo o estado: um na Ásia, onde
Nigro, o chefe dos exércitos asiáticos, autoproclamara-se imperador; e
outro no Ocidente, onde Albino também aspirava ao império.572
Julgando perigoso declarar inimizade a ambos, deliberou assaltar
Nigro e enganar Albino,573 a quem escreveu dizendo que, tendo sido
eleito imperador pelo Senado, gostaria de compartilhar com ele essa
dignidade, concedendo-lhe o título de César com a aprovação do
Senado para tal parceria;574 e Albino tomou essas coisas como
verdadeiras. No entanto, depois de Severo ter vencido e matado Nigro,
com a conjuntura oriental acalmada, retornou a Roma e apelou ao
Senado afirmando que Albino, ingrato pelos benefícios que lhe foram
concedidos, tinha tentado dolosamente matá-lo, motivo pelo qual
urgia punir a sua ingratidão. Em seguida, foi enfrentá-lo na França e
lhe tirou o poder e a vida.575

Logo, quem examinar atentamente as ações de Severo o achará


ferocíssimo como um leão576 e astutíssimo como uma raposa, e
comprovará que ele era temido e reverenciado por todos, sem ser
odiado pelos exércitos, e não se surpreenderá com o fato de que ele,
homem pouco experiente, pôde concentrar tanto poder; na verdade, a
sua grandíssima reputação577 foi o que o defendeu sempre contra o
ódio que o povo poderia ter sentido por causa dos seus roubos. Seu
filho Antonino, por sua vez, foi também ele um homem dotado de
excelentíssimas qualidades, que o tornavam maravilhoso aos olhos do
povo e grato aos dos soldados; como era militar, muito resistente a
qualquer esforço, avesso aos alimentos delicados e a qualquer
frouxidão, atraía a simpatia de todos os exércitos.578 Não obstante, a
sua ferocidade e crueldade foram tão grandes e inauditas, pelos
incontáveis homicídios por meio dos quais dizimou grande parte do
povo de Roma e todo aquele de Alexandria, que se tornou odiosíssimo
a todo o mundo,579 inspirando medo inclusive naqueles que o
circundavam, até que foi assassinado por um centurião em meio ao
seu exército. Note-se que essas mortes, oriundas de um espírito
obstinado, são inevitáveis para um príncipe, uma vez que todos os que
não temerem morrer poderão atacá-lo; contudo, não vale a pena
preocupar-se com isso, já que são raríssimos esses casos.580 Deve
unicamente evitar infligir graves danos a algum dos que lhe são úteis581
e que estão perto dele no serviço ao principado, coisa que Antonino
não fez, ao matar vergonhosamente um irmão do mencionado
centurião, além de ameaçá-lo todo dia; apesar disso, mantinha-o em
sua guarda pessoal, o que era uma posição temerária582 e propensa ao
fracasso, como realmente aconteceu.

Mas passemos a Cômodo,583 para quem era muito fácil manter o


império, por tê-lo iure hereditario, enquanto filho de Marco. Seria
suficiente que seguisse as pegadas do pai, e tanto os soldados como o
povo estariam satisfeitos; todavia, sendo de espírito cruel e bestial, por
ansiar roubar o povo, começou a afagar os exércitos e a torná-los laxos;
por outro lado, desprezando a própria dignidade, descia amiúde às
arenas para lutar com os gladiadores, além de praticar outros atos vis e
indignos da majestade imperial, o que lhe procurou o desprezo dos
soldados. Odiado por uns e desprezado por outros, sofreu conspiração
e foi morto.584 Cabe-nos narrar agora as características de Maximino.
Foi um homem sumamente belicoso, e, estando as milícias
descontentes com as frouxidões de Alexandre — do qual tratei
anteriormente —, morto este, elegeram aquele como imperador. Ele,
porém, não se manteve por muito tempo no poder, dado que duas
coisas o fizeram odioso e desprezível:585 ser de origem humilde,586
tendo apascentado ovelhas na Trácia — fato conhecidíssimo por todos
e responsável por um grande rebaixamento aos olhos de qualquer um
—; ter adiado a viagem a Roma para tomar posse da sede imperial,
dando assim lugar à impressão de ser crudelíssimo, pelas várias
crueldades que praticou por meio dos seus prefeitos em Roma e
noutros lugares do império.587 Tanto que, com a comoção generalizada
e a indignação pela vileza do seu sangue, sem contar o ódio pelo pavor
da sua ferocidade, houve rebelião, primeiro na África e depois no
senado com todo o povo romano, e toda a Itália se voltou contra ele.588
À tal rebelião se juntou o seu próprio exército, o qual, assediando
Aquileia e com dificuldades para expugná-la, cansado da sua
crueldade e temendo-o menos por vê-lo rodeado de inimigos,
assassinou-o.

Não pretendo tratar de Heliogábalo nem de Macrino nem de Juliano,


os quais, por terem sido totalmente desprezíveis, logo se arruinaram;
mas passarei à conclusão deste discurso. Digo que os príncipes de
nossos tempos não apresentam tal dificuldade de terem que agradar a
qualquer custo os soldados589 durante os seus governos; embora devam
lhes ter em certa consideração, isto se resolve facilmente, já que
nenhum desses príncipes tem exércitos vinculados aos governos e à
administração das províncias,590 como o eram os do Império Romano.
Se então era necessário satisfazer mais os soldados do que o povo,
porque os soldados eram mais poderosos do que o povo, agora, no
entanto, é forçoso a todo príncipe — exceto o turco e o sultão591 —
satisfazer mais o povo do que os soldados, posto que o povo é mais
poderoso do que os soldados.592 Abro exceção ao turco por ter ele
sempre em torno a si doze mil soldados de infantaria e quinze mil
cavaleiros, dos quais dependem a segurança e a fortaleza do seu
reino;593 assim, convém que, antes de mais nada, ele os mantenha
amigos. Similar é o Reino do Sultão, onde tudo está nas mãos dos
soldados: convém que também ele, ignorando o povo,594 mantenha os
soldados como amigos.595 Reparai que esse estado do Sultão é diferente
de todos os outros principados, sendo semelhante ao pontificado
cristão, que não se pode qualificar de principado hereditário nem de
principado novo,596 porque não são os filhos do príncipe velho os
herdeiros e futuros senhores, mas sim aquele que for eleito597 àquele
posto pelos que têm autoridade. E, sendo antigo esse modelo, não
pode ser chamado de principado novo, visto que nele não estão
presentes algumas das dificuldades próprias dos novos; embora o
príncipe seja novo, os ordenamentos daquele estado são velhos e
adaptados para acolhê-lo como se ele fosse um senhor hereditário.598

Mas voltemos ao nosso assunto. Digo que quem quer que considere a
discussão acima verá que ou o ódio ou o desprezo foram o motivo da
ruína dos referidos imperadores, e entenderá ainda a razão de parte
deles ter agido de um modo e parte de outro, contrário, e mesmo
assim entre todos eles houve bem-sucedidos e fracassados. Com efeito,
para Pertinax e Alexandre, que eram príncipes novos,599 foi inútil e
prejudicial quererem imitar Marco, que era príncipe iure hereditario,
assim como para Caracala, Cômodo e Maximino foi pernicioso imitar
Severo, por não terem tido virtude suficiente para seguir os passos
dele. Portanto, um príncipe novo, num principado novo, não pode
imitar as ações de Marco, assim como não é forçoso seguir as pegadas
de Severo;600 deve sim tomar de Severo aqueles aspectos que, para
fundar o seu estado, forem necessários, e de Marco aqueles que forem
convenientes e honrosos para conservar um estado já estável e firme.601

capítulo xx: Se as fortalezas e


muitas outras coisas feitas pelos
príncipes cotidianamente são
úteis ou não
C ertos príncipes, a fim de manterem com segurança o estado,
desarmaram os seus súditos; alguns outros mantiveram divididos
os territórios dominados; outros ainda fomentaram inimizades contra
si mesmos; outros procuraram conquistar aqueles que se mostraram
suspeitos no início do seu governo; outros edificaram fortalezas;
outros, por fim, as arruinaram e destruíram.602 Se bem que todas essas
coisas não permitam estabelecer uma regra geral, sem se debruçar
sobre os particulares daqueles estados onde se deveriam tomar
semelhantes decisões, mesmo assim falarei em termos gerais, que o
assunto admite.603
Jamais aconteceu, pois, de um príncipe novo desarmar os seus
súditos; ao contrário, quando os encontrava desarmados, sempre os
armava,604 pois desse modo as armas se tornam tuas, e se tornam fiéis
os que antes te eram suspeitos, e os que eram fiéis continuam a sê-lo, e
de súditos se tornam vossos partidários. Como não se podem armar
todos os súditos, quando se beneficiem os que vós armastes, com os
outros pode-se ter mais segurança,605 já que a diferença de tratamento,
reconhecida por eles, há de os deixar mais em dívida para convosco;
esses outros vos desculparão, pensando ser lógico terem mais
privilégios os que têm mais perigos e mais obrigações. Porém, quando
os desarmais, começais a ofendê-los, mostrais que desconfiais deles,
seja por vileza ou por infidelidade,606 e tanto uma como a outra medida
gerará ódio contra vós. Como não podeis estar desarmados, convém
que recorrais à milícia mercenária, que é conforme se disse acima;607
ainda que fosse boa, não o poderia ser tanto que vos defendesse dos
inimigos poderosos e dos súditos suspeitos.608 Enfim, como eu disse,
um príncipe novo, num principado novo, sempre precisou de armas.609
De exemplos disso a história está cheia. Contudo, quando um príncipe
conquista um estado novo que, como membro, se junte ao seu antigo,
então é preciso desarmar aquele estado, salvo aqueles que durante a
conquista foram seus partidários;610 e mesmo estes, com o tempo e as
oportunidades, é preciso torná-los frouxos e efeminados,611 e que vos
organizeis de modo que todas as armas de vosso estado estejam com
os vossos próprios soldados, que no vosso antigo estado vivem perto
de ti.612

Os nossos antepassados, principalmente aqueles considerados sábios,


costumavam dizer que era necessário conservar Pistoia pelas facções e
Pisa pelas fortalezas, e por isto fomentavam as divisões em alguns
territórios sob o seu domínio, para os subjugar mais facilmente. Isso
devia funcionar naqueles tempos em que a Itália estava de certo modo
equilibrada, mas não penso que se possa dar hoje esse mesmo preceito,
pois não acredito que as divisões tenham feito nunca bem algum;613
pelo contrário, é forçoso que, quando o inimigo se aproxima, as
cidades divididas se percam primeiro, visto que sempre a parte mais
fraca há de aderir às forças externas, e a outra não poderá resistir
sozinha. Os venezianos, movidos — imagino — pelos motivos citados,
estimulavam as seitas guelfas e gibelinas614 em suas cidades súditas;
embora nunca tivessem chegado ao derramamento de sangue, ainda
assim nutriam divergências, a fim de que, ocupados os cidadãos com
as suas diferenças, não se unissem contra eles.615 O que — como se viu
— não resultou em proveito deles, uma vez que, tendo sido derrotados
em Vailà, de repente uma daquelas facções se sublevou e lhes tomou
todo o poder. Indicam, pois, tais métodos a fraqueza do príncipe:616 em
um principado vigoroso, nunca se permitirão semelhantes divisões,
porquanto trazem vantagem somente em tempos de paz,
possibilitando um manejo mais fácil dos súditos;617 porém, na hora da
guerra, esse mecanismo mostra toda a sua falácia.

Sem dúvida, os príncipes se tornam grandes quando superam as


dificuldades e as oposições que lhes são feitas;618 já quando o acaso —
sobretudo quando quer engrandecer um príncipe novo, que é quem
tem maior necessidade de adquirir reputação do que um hereditário
— faz surgirem inimigos para que os enfrentem e tenham a
oportunidade de superá-los, eles podem subir pela escada que os seus
inimigos lhes trouxeram,619 e assim chegarem mais alto. Por essa razão,
muitos sustentam que um príncipe sábio deve, quando tiver a ocasião,
nutrir com astúcia alguma inimizade, para que, quando vencida,
alcance ele maior grandeza.620 Os príncipes, e especialmente os que são
novos, têm encontrado mais fidelidade e mais utilidade naqueles
homens que no início do seu estado foram considerados suspeitos, do
que naqueles que no início eram confiáveis.621 Pandolfo Petrucci,
Príncipe de Siena, regia o seu estado mais com aqueles que foram
suspeitos do que com os outros. Mas disso não se pode falar em
termos absolutos, pois varia segundo a situação.622 Direi unicamente
que aqueles homens que no início dum principado eram inimigos —
que pela sua condição precisem de apoio para se manterem —,623
sempre o príncipe com grandíssima facilidade poderá ganhá-los;
inclusive, serão ainda mais forçados a servi-lo fielmente na medida em
que perceberem que devem apagar com as obras a má impressão que
tinham causado.624 Assim, o príncipe tirará mais vantagens desses do
que daqueles que, servindo-o com segurança demais,625 descuidam das
coisas dele. Dada a relevância do assunto, não quero deixar de recordar
aos príncipes que tomaram um estado há pouco tempo mediante os
favores dos habitantes locais, que ponderem bem quais razões
moveram os que o favoreceram; se não tiver sido por afeição natural
pelo príncipe, mas apenas porque não estavam contentes com aquele
estado, só com muito esforço e empenho será possível mantê-los como
amigos, em virtude de nunca poder contentá-los.626 Pensando bem no
motivo disso, a partir dos exemplos fornecidos pelos casos antigos e
modernos, notará ser muito mais fácil ganhar a amizade dos homens
que se contentavam com o governo anterior, embora sejam seus
inimigos,627 do que daqueles que, por estarem descontentes,628
tornaram-se seus amigos e o auxiliaram na conquista.629

Para manter mais seguramente o próprio estado, é costume entre os


príncipes edificarem fortalezas que sirvam como contenção e barreira
àqueles que almejem os atacar,630 e de refúgio seguro em caso de uma
investida inesperada.631 Louvo tal método por ser usado ab antiquo,
embora em nossa época Niccolò Vitelli tenha desmontado duas
fortalezas em Città di Castello para controlar a cidade. Guido Ubaldo,
Duque de Urbino, retornando aos domínios dos quais tinha sido
expulso por César Bórgia, demoliu até as fundações todas as fortalezas
daquela província, acreditando que sem elas seria mais difícil perder
aquele estado.632 Os Bentivoglio, voltando a Bolonha, se serviram dos
mesmos expedientes.633 São, portanto, as fortalezas úteis ou não
dependendo das circunstâncias; se, por um lado, vos ajudam, por
outro, vos atrapalham. Sobre isto, pode-se dizer o seguinte: o príncipe
que tiver mais medo do seu povo do que dos estrangeiros deve
construir fortalezas,634 mas se tiver mais medo dos estrangeiros do que
do seu povo as deve dispensar. À casa dos Sforza o Castelo de Milão —
construído por Francesco Sforza — trouxe e trará mais problemas do
que qualquer outra desordem daquele estado. De qualquer forma, a
melhor fortaleza que existe é não ser odiado pelo povo,635 posto que,
embora tenhais fortalezas, se o povo vos odeia, elas não vos hão de
salvar,636 pois nunca faltarão ao povo rebelde estrangeiros que o
socorram.637 Nos nossos tempos, não se vê que elas tenham sido
proveitosas a príncipe algum, com exceção da Condessa de Forlì
quando da morte do seu marido, o conde Jerônimo; graças à fortaleza,
ela pôde escapar do ímpeto popular e esperar o socorro de Milão até
recuperar o estado;638 só que naqueles tempos o estrangeiro ainda não
podia socorrer o povo.639 Contudo, em seguida, de pouco lhe valeram
as fortalezas, quando César Bórgia a atacou e o povo se tornou
inimigo, unindo-se aos estrangeiros.640 Portanto, tanto naquele
momento como antes teria sido mais seguro para ela não ser odiada
pelo povo do que ter as fortalezas. Em vista de tudo isso, pois, louvarei
seja quem construir fortalezas, seja quem não o fizer, e condenarei
quem quer que, confiando nas fortalezas, desprezar o fato de ser
odiado pelo povo.641

capítulo xxi: O que convém ao


príncipe para que seja estimado
N ada faz tanto estimar um príncipe do que as grandes campanhas e
dar de si exemplos chamativos. Temos em nossos dias Fernando
642

de Aragão, atual Rei da Espanha, que quase pode ser considerado um


príncipe novo,643 porque de rei fraco se tornou, por fama e por glória, o
primeiro rei dos cristãos;644 se considerardes as suas ações, vereis que
foram todas grandíssimas e algumas até extraordinárias.645 Ele, no
início de seu reinado, atacou Granada,646 e essa campanha foi o
fundamento do seu estado. Começou agindo moderadamente e sem
dar a impressão de encontrar resistência; manteve ocupadas com isso
as atenções dos Barões de Castela, os quais, preocupados com a guerra,
não cogitavam novidades, enquanto ele adquiria reputação e império
sobre eles, sem que o percebessem.647 Com o dinheiro da Igreja e do
povo, pôde sustentar os exércitos e dar respaldo, durante aquela longa
guerra, à sua milícia, que depois lhe trouxe honra.648 Além disso, a fim
de poder empreender maiores campanhas, servindo-se sempre da
religião, dedicou-se a uma piedosa crueldade, perseguindo e
expulsando do seu reino os marranos;649 não pode haver exemplo mais
infame e singular. Sob esse mesmo manto de religiosidade atacou a
África, invadiu a Itália e mais recentemente assaltou a França, e assim
sempre fez e urdiu grandes coisas, que continuamente surpreendem e
impressionam os ânimos dos súditos e dos conquistados em tais
ocasiões.650 Essas suas ações se sucederam de modo concatenado,651
sem jamais dar, entre uma e outra, espaço para os homens de poder
terem a possibilidade de tranquilamente agir contra ele.652 Vale muito a
pena também a um príncipe dar de si exemplos chamativos acerca do
governo interno653 — semelhantes àqueles que se narram de Bernabò
de Milão654 —, quando se apresentar a ocasião de alguém fazer algo
extraordinário, para o bem ou para o mal, na vida civil, e tomá-lo para
premiá-lo655 ou puni-lo,656 de modo que se fale bastante disso. Acima
de tudo,657 um príncipe deve se empenhar para, em cada ação sua, dar
a impressão de ser um homem grande e excelente.

Também é estimado um príncipe quando ele é verdadeiro amigo e


verdadeiro inimigo, isto é, quando sem receio algum toma o partido
de algum em relação a algum outro.658 Tal atitude é sempre mais útil
do que permanecer neutro,659 pois se dois poderosos vizinhos vossos
entram em guerra, ou eles são de tal modo que, vencendo um deles,
deveis temer o vencedor, ou não.660 Em qualquer desses dois casos,
sempre vos será mais vantajoso tomardes partido e entrardes na
guerra, dado que, no primeiro caso, se não vos posicionais, sereis
sempre presa de quem vence,661 com deleite e satisfação daquele que
foi vencido,662 e não tendes argumento nem coisa alguma que vos
defenda nem ninguém que vos acolha. Quem vence não quer amigos
duvidosos e que não ajudem nas adversidades; e quem perde não vos
acolhe por não terdes querido com armas em mãos acudir em sua
ajuda.663 Chamado à Grécia pelos etólios para expulsar os romanos
dali, Antíoco664 mandou embaixadores aos aqueus, que eram amigos
dos romanos, para animá-los a estarem neutros; os romanos, por sua
vez, os persuadiam a tomar as armas para ajudá-los. Esse assunto
acabou sendo deliberado no concílio dos aqueus, onde o legado de
Antíoco os convencia a permanecerem neutros, ao que o legado
romano respondeu: “O que estes [os embaixadores de Antíoco] dizem
sobre não entrardes na guerra é totalmente alheio aos vossos
interesses:665 sem graça e sem dignidade, sereis o prêmio do
vencedor”.666 De fato, sempre ocorrerá que aquele que não é amigo vos
recomendará a neutralidade, e aquele que é vosso amigo pedirá que
vos posicione com as armas. Os príncipes indecisos, para escapar dos
perigos presentes, geralmente optam pela via da neutralidade, e na
maioria das vezes fracassam.667 Contudo, quando o príncipe
corajosamente se posiciona a favor duma das partes, se aquele a quem
vos aderistes vence, embora seja poderoso e fiqueis à sua mercê, ele
contraiu uma dívida convosco e vos deve um favor; e os homens não
são nunca tão desonestos e ingratos a ponto de, depois de tudo, vos
oprimirem.668 Além de que as vitórias não são nunca tão definitivas a
ponto do vencedor poder negligenciar qualquer compromisso, e
principalmente com a justiça.669 Se, porém, aquele a quem vos
aderistes per de, sereis acolhido por ele, e enquanto puder ele há de vos
ajudar, e sereis para ele companheiro de um destino que pode se
reverter.670 No segundo caso, quando os que combatem entre si são de
tal qualidade que nada deveis temer, mais prudente ainda é tomar
partido, pois assim contribuireis para a ruína de um com a ajuda de
quem deveria salvá-lo, se fosse sábio;671 e se vencer, ficará à vossa
mercê,672 sendo impossível que, com a vossa ajuda, não vença. Note-se
aqui que um príncipe deve estar atento para jamais se aliar a alguém
mais poderoso do que ele para atacar um terceiro, a menos que a
necessidade o obrigue, como acima foi dito;673 porquanto, vencendo,
sereis o seu prisioneiro, e os príncipes devem fazer de tudo para não
estarem à mercê de outrem.674 Os venezianos se associaram à França
contra o Duque de Milão, e podiam ter evitado tal associação; e disto
resultou a sua ruína.675 Já quando não pode ser evitada, como
aconteceu com os florentinos quando o Papa e a Espanha enviaram os
exércitos para atacar a Lombardia, então o príncipe deve se aliar pelos
motivos expostos anteriormente. Que nenhum estado considere
seguros os partidos que tomar;676 antes, considere todos duvidosos,
porque se encontra na ordem natural das coisas que nunca se escapa
de um inconveniente sem se cair em outro,677 e a prudência consiste
em saber discernir as qualidades dos inconvenientes e tomar o menor
mal como bem.

Deve também um príncipe se mostrar amante das virtudes e honrar


os excelentes numa arte.678 Sem contar que deve animar os seus
cidadãos a exercerem sossegadamente os seus respectivos ofícios, no
comércio, na agricultura e em qualquer outro ramo de atividade, e que
não tenham receio de incrementar as suas posses por medo de que
lhes sejam expropriadas, nem de abrirem um negócio por medo dos
impostos.679 Ao invés disso, deve preparar prêmios para quem quiser
realizar essas coisas ou pensar em ampliar a sua cidade ou o seu estado
de algum modo.680 Por último, nos períodos convenientes, deve
manter a população ocupada com as festas e os espetáculos;681 e, como
cada cidade se divide em corporações e bairros,682 deve levar em conta
as comunidades,683 reunir-se com elas de vez em quando, dar exemplos
de humanidade e prodigalidade,684 conservando intacta a majestade da
sua dignidade, pois isso nunca deve faltar em nada.685
capítulo xxii: Sobre os
secretários que os príncipes têm
junto de si
N ãoministros,
é de pouca importância para um príncipe a escolha de seus
os quais são bons ou não de acordo com a prudência do
príncipe.686 A primeira opinião que formamos sobre a inteligência
dum senhor é observar os homens que o circundam;687 quando são
competentes e fiéis,688 o senhor pode sempre ser considerado sábio,
porque soube reconhecê-los competentes e mantê-los fiéis.689 Mas
quando assim não for, sempre se pode fazer um mau juízo de tal
senhor, pois o primeiro erro cometido foi nessa escolha.690 Não havia
quem soubesse que Antônio de Venafro691 era ministro de Pandolfo
Petrucci, Príncipe de Siena, e não considerasse Pandolfo como homem
valentíssimo por tê-lo como seu ministro.692 Como existem três níveis
de inteligência — um de quem tem ideias próprias,693 outro de quem
entende as ideias alheias,694 e um terceiro de quem nem tem ideias
próprias nem entende as alheias,695 sendo o primeiro excelentíssimo, o
segundo excelente, e o terceiro inútil —, convinha por necessidade
que,696 se Pandolfo não estava no primeiro nível, estivesse pelo menos
no segundo; pois, quando se tem a capacidade de averiguar o bem ou
o mal do que outro faz ou diz,697 apesar de por si mesmo não inventar
nada, reconhecem-se as boas e as más ações do ministro, e exaltam-se
as primeiras enquanto se corrigem as segundas; assim, o ministro não
poderá pretender o enganar, e se manterá bom.

No entanto, para que um príncipe possa conhecer o ministro, há um


método que nunca falha: quando virdes o ministro pensar mais em si
do que em vós, e que em todas as suas ações só visa o próprio
interesse, um sujeito assim jamais será bom ministro, nunca podereis
confiar nele.698 Quem tem o estado de outrem nas mãos não deve
pensar nunca em si mesmo, mas sempre no príncipe,699 sem o
importunar com assuntos que não lhe dizem respeito.700 Por outro
lado, o príncipe, para manter o ministro bom, deve pensar nele, honrá-
lo, enriquecê-lo,701 comprometer-se com ele,702 compartilhar com ele as
honras e os cargos, de maneira que veja que não pode estar sem o
príncipe, e que as muitas honras não o façam ambicionar mais honras
ainda, as muitas riquezas não o façam ambicionar mais riquezas ainda,
e os muitos cargos façam com que tema mudanças. Quando, então, os
ministros e seus príncipes assim procedem, podem confiar um no
outro;703 quando não, o fim sempre será prejudicial para ambos.704

capítulo xxiii: De que modo se


deve evitar os aduladores
N ãopríncipes
quero omitir um ponto importante, um erro do qual os
dificilmente saberão se defender se não são mui
prudentes ou se não escolhem bem. Refiro-me aos aduladores, que
enchem as cortes,705 pois os homens se comprazem tanto com as
próprias coisas — chegando até a se iludirem —, que só com
dificuldade conseguem se defender dessa peste; e caso queiram fazer
isso, correrão o risco de serem desprezados.706 Com efeito, não há
outro modo de se proteger das adulações, além de fazer com que os
homens entendam que não vos ofendem em vos dizer a verdade;707
porém, quando todos podem vos dizer a verdade,708 falta-vos a
reverência. Portanto, um príncipe prudente deve usar uma terceira
saída, escolhendo em seu estado homens sábios, e só a estes deve dar
permissão para lhe dizerem a verdade, e somente sobre o que ele
perguntar, não sobre outros assuntos; mas deve questioná-los a
respeito de tudo e ouvir as suas opiniões, para em seguida deliberar
sozinho e a seu modo;709 ouvidas essas opiniões, deve comportar-se
com cada um deles de modo que percebam que, quanto mais
abertamente falarem, mais ele os estimará; fora desses poucos, não
queira ouvir mais ninguém,710 insista na decisão tomada711 e seja
obstinado em suas resoluções.712 Quem não agir assim, ou sucumbirá
nas mãos dos aduladores, ou será inconstante pela variação dos
pareceres;713 e disso se seguirá que há de ser pouco estimado. A esse
respeito, quero citar um exemplo recente. O Frei Lucas, homem de
Maximiliano, atual imperador, falando de Sua Majestade, disse não se
aconselhar com ninguém e nunca fazer as coisas do seu próprio
modo;714 isso porque ele fazia o oposto do acima recomendado. De
fato, o imperador é um homem reservado, não comunica a ninguém
os seus desígnios, nem recebe conselhos, mas, como ao pôr em prática
as suas decisões elas se revelam e se tornam conhecidas, os mais
próximos começam a contestá-lo,715 e ele, por ser mole, as abandona.716
Por causa disso, o que ele faz num dia é destruído no outro, e não se
entende nunca o que ele quer nem o que planeja fazer, tornando-se
impossível confiarem suas deliberações.717

Em suma, um príncipe deve se aconselhar sempre, mas somente


quando ele quiser,718 não quando outros quiserem; aliás, deve
desencorajar que o aconselhem sobre qualquer tema sem terem sido
consultados; porém, ele deve sim ser um grande perguntador, além de
paciente ouvidor da verdade sobre os assuntos perguntados,719 a ponto
de se mostrar irritado se notar que alguém por algum motivo lhe
oculta algo.720 Enganam-se rotundamente todos aqueles que supõem
que determinado príncipe aparentemente prudente é assim, não por
natureza, mas pelos bons conselhos dos que o circundam.721 Eis uma
regra geral que não falha nunca: um príncipe que não for sábio por si
mesmo não pode ser bem aconselhado, a menos que tenha a sorte de
depender dum único homem que seja prudentíssimo e que o oriente
em tudo.722 Em tal caso, até poderia sê-lo, mas duraria pouco, pois um
conselheiro assim em breve tempo lhe tiraria o estado; contudo,
aconselhando-se com mais de um, o príncipe que não for sábio723
nunca chegará a um consenso, será incapaz de harmonizá-los sozinho;
cada conselheiro pensará nos próprios interesses, e ele não saberá nem
corrigi-los, nem entendê-los.724 Isto é inevitável, visto que os homens
sempre vos parecerão perversos se por alguma necessidade não se
tornarem bons.725 Disso se conclui que os bons conselhos, venham de
onde vierem, precisam nascer da prudência do príncipe, e não a
prudência do príncipe nascer dos bons conselhos.726

capítulo xxiv: Por que razão os


príncipes da Itália perderam os
seus estados?727
A so ideias mencionadas, observadas prudentemente, fazem com que
príncipe novo pareça antigo, e o tornam imediatamente mais
seguro e mais firme no estado do que se estivesse no poder há muito
tempo.728 É que um príncipe novo é muito mais observado nas suas
ações do que um hereditário; e, quando tais ações são reconhecidas
como virtuosas, cativam muito mais os homens e muito mais os
impelem do que a antiga linhagem.729 Atraem-nos, pois, muito mais as
coisas presentes do que as passadas,730 e quando encontram nas
presentes o bem, contentam-se com isso e não buscam mais; inclusive
farão de tudo para defendê-lo,731 enquanto nos outros assuntos o
príncipe não prejudicar a si mesmo.732 Assim, verá duplicada a sua
glória por ter dado início a um principado novo, ter cuidado dele e tê-
lo fortalecido com boas leis, boas armas e bons exemplos733 — do
mesmo modo que tem a sua vergonha duplicada aquele que, tendo
nascido príncipe, perdeu o principado por falta de prudência.734

Tendo em conta aqueles senhores que na Itália perderam o poder nos


nossos tempos, como o Rei de Nápoles, o Duque de Milão e outros,
percebe-se que todos compartilham um mesmo defeito quanto às
armas, pelos motivos acima discutidos; depois, entre eles haverá quem
foi inimigo do povo,735 ou, embora tenha sido amigo do povo, não
soube se proteger dos poderosos.736 Porque, sem tais erros, não se
perdem estados de tanta fibra, capazes de pôr um exército em
guerra.737 Filipe da Macedônia — não o pai de Alexandre, mas aquele
que foi vencido por Tito Quíncio — tinha pouco poder, com respeito à
grandeza dos romanos e dos gregos que o atacaram; não obstante, por
ser um militar que sabia distrair o povo e se proteger dos poderosos,
aguentou por mais anos a guerra contra aqueles;738 e, se no final
perdeu o domínio de alguma cidade, ainda assim conservou o reino.739

Por conseguinte, que esses nossos príncipes que estiveram por muitos
anos nos seus principados não acusem o acaso por terem perdido seus
reinos,740 mas sim a sua própria negligência. Em tempos de paz nunca
pensaram em implementar mudanças — o que é um erro comum nos
homens: não prever a tempestade durante a bonança —;741 depois,
quando sobrevieram tempos adversos, pensaram em fugir em vez de
se defenderem,742 esperando que o povo, cansado da insolência dos
vencedores, os chamasse de volta.743 Quando não há outras saídas, essa
é boa, embora seja muito ruim não ter outras soluções; não vale a pena
deixar-se cair por acreditar que alguém há de vos segurar. Isso ou não
acontece ou, se acontece, não ocorre estando vós seguro, por ser uma
defesa frágil e não depender de vós.744 Só são boas, confiáveis e
duradouras as defesas que dependerem de vós e da vossa virtude.745
capítulo xxv: Quanto a fortuna
pode influenciar nas coisas
humanas, e como resistir a ela
N ãodo ignoro que muitos tiveram e têm a convicção de que as coisas
mundo são governadas pelo acaso e por Deus, sem que os
homens com a sua prudência possam alterá-las; ou melhor, sem que
tenham poder algum sobre elas;746 nesse sentido, poderiam achar que
não vale a pena se preocupar por essas coisas, mas sim deixar-se guiar
pela sorte. Essa opinião tem ganhado adeptos em nossos tempos pelas
grandes mudanças verificadas nas coisas diariamente,747 fora de
qualquer alcance humano. Pensando nisso alguma vez, inclinei-me
parcialmente para esse lado. No entanto, para que o nosso livre-
arbítrio não seja anulado, penso que se possa afirmar que a fortuna
decide metade das nossas ações, e que ela mesma deixa a outra metade
ou quase isso para nós governarmos.748 Comparo-a a um desses rios
devastadores que, quando se enfurecem,749 alagam as planícies,
derrubam as árvores e os edifícios, arrastam terra de um lugar para o
outro: todos saem de sua frente, todos cedem ao seu ímpeto, sem
poder contê-lo minimamente. Por serem desse feitio, não resta aos
homens senão, em tempos tranquilos, providenciar diques e
barreiras750 para que, nas cheias, ou escoem por um canal, ou seu
ímpeto seja atenuado e produzam menos estragos e perdas.751 Algo
parecido acontece com a fortuna,752 que demonstra a sua potência
onde não há virtude robusta para fazer-lhe frente,753 e dirige a sua fúria
para onde sabe que não foram postos diques nem barreiras para detê-
la. Se considerardes a Itália, que é o palco dessas mudanças e aquela
que lhes deu o primeiro impulso, vereis que ela é um terreno sem
dique nem barreira alguma, porque, se estivesse resguardada pela
conveniente virtude,754 como a Alemanha, a Espanha e a França, ou
essa inundação755 não teria causado as grandes mudanças que se
verificaram,756 ou não teria sequer acontecido.757 E suponho que isso
baste quanto a opor-se à fortuna de modo geral.758

Mas, limitando-me mais aos particulares, chamo a atenção para o


príncipe que hoje se vê celebrando e amanhã naufragando sem que
tenha mudado natureza ou qualidade alguma;759 acho que isso provém,
antes de tudo, do que longamente expus anteriormente, isto é, que o
príncipe que se apoia totalmente na sorte fracassa na medida em que
esta variar.760 Penso ainda que será bem-sucedido quem adequar o seu
modo de agir à qualidade dos tempos, assim como será fracassado
quem destoar dos tempos com o seu modo de agir.761 Com efeito,
veem-se os homens, em busca de glórias e riquezas, procederem
diversamente nas coisas que levam aos seus objetivos: um com cautela,
outro com ímpeto; um com violência, outro com astúcia; um com
paciência, outro com o seu contrário; e cada um desses pode chegar à
sua meta.762 Veem-se ainda, entre dois homens cautelosos, um alcançar
o seu objetivo, e outro não, como também dois terem sucesso
utilizando dois métodos diferentes, sendo um deles cauteloso e outro
impetuoso. Isso não deriva senão da qualidade dos tempos, que se
adequam ou não à atitude deles.763 Por isso eu dizia que dois
comportando-se diferentemente atingem o mesmo efeito, e entre dois
que se comportam igualmente, um triunfa e outro falha. Também
depende disto a variação do bem: se um príncipe se conduz com
cautela e paciência, e os tempos e as coisas se configuram para que o
seu governo seja bom, então triunfará; mas se os tempos e as coisas se
alteram, vem a ruína, pois não muda o seu modo de proceder. Não se
encontra homem tão prudente que saiba se adaptar a isso, seja porque
não pode se desviar daquilo a que a natureza inclina,764 seja ainda
porque, tendo sempre prosperado caminhando numa via, não pode
convencer a si mesmo a se afastar dela.765 De fato, o homem cauteloso,
quando se vê instigado a usar o ímpeto, não sabe fazê-lo766 e naufraga;
ainda que mudasse de natureza de acordo com os tempos e as coisas,767
não mudaria a fortuna. O Papa Júlio ii sempre agiu impetuosamente
em suas decisões,768 e encontrou os tempos e as coisas tão conformes a
esse seu modo de agir, que sempre chegou a bom fim. Considerai a
primeira campanha que empreendeu em Bolonha, quando Giovanni
Bentivoglio ainda estava vivo. Os venezianos estavam descontentes, o
Rei da Espanha também, e com a França ele negociava essa
empreitada. Mesmo assim, com a sua ferocidade e o seu ímpeto, ele foi
pessoalmente àquela expedição,769 cuja audácia chocou e paralisou a
Espanha e os venezianos,770 estes por medo, aquela pelo desejo que
tinha de recuperar todo o Reino de Nápoles; sem contar que arrastou
consigo o Rei da França, que, vendo aquele rei agitado e querendo a
sua aliança para submeter os venezianos,771 julgou não lhe poder negar
os seus exércitos sem o ofender abertamente. Então Júlio realizou com
a sua atuação impetuosa aquilo que pontífice algum, com toda a
prudência humana, jamais realizara.772 Porquanto, se ele tivesse
esperado para partir de Roma só quando as conclusões estivessem
acertadas e todas as coisas ordenadas, como qualquer outro pontífice773
teria feito, jamais teria conseguido, já que o Rei da França teria
apresentado mil desculpas, e os outros teriam semeado mil temores.774
Prefiro deixar de lado as suas outras ações, todas semelhantes e todas
bem-sucedidas; a brevidade da vida775 não lhe permitiu experimentar o
contrário, posto que, se sobreviessem tempos que demandassem agir
com cautela, a sua ruína seria certa, pois não teria nunca desviado da
postura a que a sua natureza o inclinava.776 Concluo, portanto, que, ao
variar a sorte e estarem os homens obstinados em seus
comportamentos, estes serão felizes quando ambos concordarem, e
infelizes quando discordarem. Tenho para mim que é melhor ser
impetuoso do que cauteloso,777 uma vez que a sorte é mulher, sendo
necessário dominá-la e forçá-la para mantê-la sob controle. Nota-se
que ela se deixa mais vencer por estes do que por aqueles que agem
friamente, embora, como mulher que é, seja sempre amiga dos
jovens778 por serem menos cautelosos e mais ferozes, e com mais
audácia a comandarem.
capítulo xxvi: Exortação a
tomar a Itália e libertá-la das
mãos dos bárbaros779
T endo em vista tudo o que foi exposto até agora, e pensando comigo
mesmo se na Itália, atualmente, as circunstâncias são propícias
para a chegada dum novo príncipe, bem como se havia oportunidade
de que um homem prudente e virtuoso introduzisse uma forma de
trazer honra para ele e bem para a totalidade dos italianos,780 parece-
me que tantas coisas concorrem em benefício de um novo príncipe,
que eu nem sei que outro momento seria mais propício para isso.781 Se,
como eu disse, era necessário que, para comprovar a virtude de
Moisés, o povo de Israel fosse escravo no Egito; para conhecer a
grandeza de espírito de Ciro, que os persas fossem oprimidos pelos
medos; e para a excelência de Teseu, que os atenienses estivessem
dispersos; assim, no presente, para comprovar a virtude dum espírito
italiano, seria necessário que a Itália se reduzisse ao que hoje é, e que
se visse mais escrava do que os hebreus, mais serva do que os persas,
mais dispersa do que os atenienses, sem líder, sem ordem, vencida,
espoliada, dilacerada, varrida e suportando todo tipo de derrota.782
Apesar de que tenha surgido algum caso promissor, deixando pensar
que fosse um enviado de Deus para a sua redenção,783 no entanto, viu-
se depois que, no momento chave das suas ações, foi rejeitado pela
sorte. Assim, moribunda, a Itália fica à espera de quem puder sanar as
suas feridas e pôr fim aos saqueios da Lombardia, aos tributos do
Reino de Nápoles e da Toscana, e a cure das suas chagas já há muito
tempo gangrenadas.784 Vê-se como ela pede a Deus que lhe envie
alguém que a redima dessas crueldades e insolências bárbaras.785 Vê-se
também que está toda pronta e disposta a seguir uma bandeira,
contanto que haja quem a empunhe. Mas não se vê atualmente em
quem ela possa mais esperar do que na vossa ilustre Casa,786 que, com
a sua sorte e virtude, predileta de Deus e da Igreja, da qual agora é
príncipe, pode se tornar líder dessa redenção.787 O que não seria muito
difícil, tendo em conta as ações e a vida dos que acabei de
mencionar.788 Embora esses homens sejam excepcionais e
maravilhosos,789 ainda assim foram homens,790 cada um deles teve
menos oportunidade do que a atual, porque a gesta deles não foi mais
justa do que esta nem mais fácil, nem Deus lhes foi mais amigo do que
a vós. Aqui há grande justiça: Iustum enim est bellum quibus
necessarium, et pia arma ubi nulla nisi in armis spes est.791 Aqui há
grandíssima disposição, e não pode haver grande dificuldade792 onde
há grande disposição, desde que se sigam as orientações daqueles que
propus como exemplo. Além do mais, aqui se veem feitos
extraordinários, sem precedentes, operados por Deus: o mar é aberto,
uma nuvem indicou o caminho, da pedra jorrou água, choveu maná:793
tudo concorreu para a vossa grandeza. O restante vós deveis fazer:794
Deus não quer fazer tudo para não nos tirar o livre-arbítrio e aquela
parte da glória que nos cabe.795 Não é de surpreender se algum dos
italianos mencionados não pôde fazer aquilo que se espera da vossa
ilustre Casa, nem se, em tantas revoluções e operações de guerra na
Itália, pareça cada vez mais que neste país a virtude militar se
extinguiu. Isto deriva do fato de que as suas antigas instituições não
eram boas, e não houve ninguém que tenha sabido estabelecer
novas.796 Nada confere tanta honra a um homem novo no ambiente do
que as novas leis e as novas instituições estabelecidas por ele:797 tais
coisas, quando são bem consolidadas e têm grandeza própria, o
tornam reverenciado e admirável;798 ora, na Itália não falta matéria à
qual dar forma.799 Aqui há grande virtude nos membros, contanto que
não falte nos líderes. Espelhai-vos nos duelos e nos confrontos entre
poucos: os italianos são superiores nas forças, na destreza, no
engenho;800 contudo, quando se trata de exércitos, eles desaparecem.
Tudo advém da fraqueza dos líderes, pois aqueles que sabem não são
obedecidos, e todos acham que sabem, não havendo quem até agora
tenha sabido se destacar tanto na virtude como na sorte, de modo que
os outros cedam.801 Daí que em tanto tempo, em tantas guerras
empreendidas nos últimos vinte anos, quando se trata dum exército
composto só por italianos,802 o resultado foi sempre negativo. Disso
são testemunhas Taro, e depois Alexandria, Cápua, Gênova, Vailà,
Bolonha, Mestre.803

Se a vossa ilustre casa quiser, pois, imitar esses excelentes homens que
redimiram as suas províncias, antes de qualquer coisa, é necessário,
como verdadeiro fundamento de toda empreitada, ter exércitos
próprios, porque não se pode ter soldados melhores, mais fiéis ou mais
verdadeiros do que os que são próprios. Se individualmente já são
bons, todos juntos se tornarão ainda melhores quando se virem
comandados por seu príncipe, que os honrará e acolherá.804 É
necessário, portanto, preparar esses exércitos para poder, com a
virtude itálica, defenderem-se dos estrangeiros.805 Mesmo que a
infantaria suíça e a espanhola sejam consideradas terríveis, não
obstante ambas terem defeitos, motivo pelo qual uma terceira
modalidade poderia não somente fazer frente a elas, como também ter
a esperança de superá-las.806 Com efeito, os espanhóis não sabem se
defender das cavalarias, e os suíços têm medo dos infantes quando
estes os acometem, no campo de batalha, com ímpeto igual ao seu. De
fato, a experiência demonstrou e demonstrará que os espanhóis não
podem resistir à cavalaria francesa, e os suíços sucumbem ante a
infantaria espanhola.807 Embora deste último não tenha havido prova
cabal alguma, houve, contudo, uma primeira amostra na campanha de
Ravena, quando as infantarias espanholas se confrontaram com as
tropas alemãs, que seguem a mesma mo dalidade dos suíços; nisso, os
espanhóis, com a agilidade do corpo e a ajuda dos seus broquéis,
penetraram por debaixo das lanças adversárias e tinham a certeza de
derrotá-los, sem que os alemães tivessem como evitar; se não fosse a
cavalaria para os deter, teriam arrasado tudo. Que se possa, pois,
conhecidos os defeitos de ambas essas infantarias, constituir uma nova
que resista às cavalarias e não tenha medo dos infantes: isto será feito
com a criação de novas armas e a inovação nas modalidades.808 Estas
são coisas que, quando renovadas, dão reputação e grandeza a um
príncipe novo.809

Não se deve, enfim, deixar passar esta ocasião, a fim de que a Itália,
depois de tanto tempo, conheça o seu redentor.810 Nem posso exprimir
com que amor ele seria recebido em todas aquelas províncias que
sofreram por essas aluviões externas; com que sede de vingança, com
que obstinada fé, com que piedade, com que lágrimas. Que portas se
fechariam diante dele? Que povos lhe negariam obediência? Que
inveja se oporia a ele? Que italiano lhe negaria obséquio? A todos
cheira mal este domínio bárbaro.811 Assuma, pois, a vossa ilustre Casa
este assunto com o mesmo ânimo e com a mesma esperança com que
se assumem as façanhas justas, para que, sob a sua insígnia, esta pátria
seja nobilitada,812 e sob os seus auspícios se realize o que foi dito por
Petrarca:813
Virtù contro a furore
Prenderà l’arme; e fia el combatter corto:
Ché l’antico valore
Nelli italici cor non è ancor morto.814
Notas de Rodapé
1 Tal será o meu, se Deus me der vida para tanto (general).

2 Só há isto de bom, pouco importa o que digam; mas é-me necessário cantar no mesmo
tom que eles, até nova ordem (general).

3 Hei de obviar a isto, tornando-me o decano dos outros soberanos da Europa (general).

4 Veremos isto. O que me favorece é que não o tomei dele, mas de um terceiro, que não era
mais que uma confusão de republicanismo. O elemento odioso da usurpação não recai sobre
mim. Os formuladores de frases pagos por mim já o persuadiram disso: ele só destronou a
anarquia. Meus direitos ao trono da França não foram mal estabelecidos no romance de
Lemont... Quanto ao trono da Itália, terei uma dissertação de Montga... É disto que precisam os
italianos que se fazem de pensadores. Um romance era suficiente para os franceses. A arraia
miúda, que não lê, terá as homilias dos bispos e dos curas que eu nomeei; mais ainda o meu
catecismo aprovado pelo legado papal. Ela não resistirá a essa magia. Nada falta aí, uma vez que
o papa sagrou minha fronte imperial. Sob este aspecto, devo parecer ainda mais inamovível que
qualquer um dos Bourbons (imperador).

5 Embora a concepção de certa unidade peninsular, incluindo também algumas das ilhas
próximas, remonte à Antiguidade, a Itália, como país unificado, é uma realidade política
construída entre 1861 e 1871, isto é, muito posterior à publicação de O príncipe — nt.

6 Quantas pedras de espera eles me deixam! Todos os meus ainda estão aí, e seria preciso
que não restasse mais nenhum para que eu perdesse toda a esperança. Eu aí reencontrarei
minhas águias, meus n, meus bustos, minhas estátuas, e talvez até mesmo a carruagem imperial
da minha sagração. Tudo isso fala sem cessar a meu favor aos olhos do povo, e traz a eles a
minha lembrança (em Elba).

7 Como será o meu domínio sobre o Piemonte, a Toscana, Roma etc. (cônsul).

8 Pouco me importa, o sucesso o justifica (cônsul).

9 Que patifes! Eles me fazem sentir cruelmente esta verdade. Se eu não conseguisse me livrar
da tirania deles, eles me sacrificariam (imperador).

10 Os austro-russos não me teriam tomado, se eu lá tivesse permanecido em 1798 (cônsul).

11 Eu ao menos não tinha frustrado as esperanças dos que me abriram as portas em 1796
(cônsul).
12 Foi a isto que me dediquei ao retomar este país em 1800. Perguntai ao príncipe Charles se
me saí bem. Eles não entendem nada disto; e as coisas me transcorrem como eu desejava
(imperador).

13 Isto não acontecerá mais (cônsul).

14 Sei mais do que Maquiavel a respeito disso (cônsul). Quanto a estes meios, eles não
parecem apenas ter dúvidas, mas recebem conselhos contrários: tanto melhor (em Elba).

15 Mesmo que estivessem, eu bem saberia dominá-los (general).

16 Não negligenciarei este ponto em toda a parte onde eu estabelecer meu reinado (general).

17 A Bélgica, que não o está senão há pouco tempo, fornece disto, graças a mim, um bom
exemplo (cônsul).

18 Hão de auxiliá-lo (general).

19 Tolice de Maquiavel. Podia ele conhecer tão bem como eu todo o poder da força? Hei de
dar-lhe logo uma lição contrária em seu próprio país, na Toscana, bem como em Piemonte, em
Parma, Roma etc. (imperador).

20 Hei de obter o mesmo resultado sem essas precauções de fraqueza (imperador).

21 Outra tolice! A força! (imperador).

22 Hei de obviar isto por meio de vice-reis, ou por reis que não serão mais que meus
delegados: eles nada farão sem minhas ordens. Sem o que, serão destituídos (imperador).

23 É preciso, de fato, que eles enriqueçam, se, a propósito, me servirem à minha maneira
(cônsul).

24 Que temam, e isto me é o suficiente (imperador).

25 Impossível em relação a mim. O terror do meu nome aí valerá a minha presença.

26 Ad abundantiam juris, faz-se uma coisa e outra (cônsul).

27 A observação é bastante boa. Dela poderei tirar proveito (cônsul).

28 Eis aí como os quero (cônsul).

29 Executarei tudo isso no Piemonte, ao uni-lo à França. Aí disporei, para as minhas


colônias, desses bens já confiscados antes de mim, aos quais já se conveio chamar nacionais
(general).

30 Não vejo cometê-las senão leves contra os meus, por espírito de afabilidade: eles nem por
isso deixarão de se vingar, em meu benefício. Porventura se conhece o abc da arte de reinar
quando se ignora que, ao desagradar por pouco, é como se desagradasse por muito? (em Elba).
31 Não observei suficientemente bem esta regra; mas eles armam aqueles a quem ofendem, e
esses ofendidos me pertencem (em Elba).

32 A fim de que haja sobras, impomos mais contribuições (cônsul).

33 Não os temo de maneira alguma quando os forço a permanecer aí. Eles não sairão, pelo
menos não para se unirem contra mim (cônsul).

34 Não há meio melhor para tal do que despossuí-los e se apoderar de seus despojos.
Modena, Piacenza, Veneza, Roma e Florença proporcionarão novos (cônsul).

35 É lá que aguardarei a Áustria, na Lombardia (general).

36 Os que podem ser chamados à Lombardia não são romanos (general).

37 Eis o belo auxílio que a Áustria encontrará contra mim nas fracas potências da Itália atual
(general).

38 Ganhá-los! Não hei de me dar ao trabalho; eles serão compelidos por minha força a
formarem um bloco comigo, sobretudo em meu plano de Confederação do Reno (imperador).

39 Bom para consultar para meus projetos na Itália e na Alemanha (general).

40 Temos o cuidado de aí denegri-los (cônsul).

41 E por que não todos os outros? (cônsul).

42 Isso não era o bastante: os filhos de Rômulo tinham ainda a necessidade da minha escola
(imperador).

43 O autor se refere à chamada Guerra Etólia (191–189 a.C.), em que se aliaram a República
Romana, a Liga Aqueia e o Reino da Macedônia contra a Liga Etólia e a Atamânia. Estes
últimos convidaram Antíoco iii, o Grande, do Império Selêucida, para ajudá-los, mesmo assim
foram derrotados e forçados a pagarem uma substanciosa indenização a Roma — nt.

44 É o que fizeram de melhor (cônsul).

45 Maquiavel tinha o espírito enfermo ao escrever isto; ou havia acabado de ver seu médico
(imperador).

46 Importante máxima, da qual devo fazer uma das principais regras de minha conduta
guerreira e política (general).

47 São uns covardes; e se conselheiros dessa têmpera se me apresentarem, eu os [...] (cônsul).

48 É necessário saber dominar ambos (general).

49 Eu aí prescreverei o uso da língua francesa, a começar pelo Piemonte, que é a província


mais próxima da França. Não há nada mais eficaz para introduzir os costumes de um povo
entre estrangeiros do que entre eles acreditar sua língua (general).
50 Era-me bem mais fácil subornar os genoveses, que, por especulação financeira, abriram-
me as portas da Itália (general).

51 Eu já soube conseguir a mesma vantagem; e certamente não cometerei os mesmos erros


(general).

52 Os lombardos, a quem eu simulei que daria a Valtellina, o Bérgamo, Mântua, Bréscia etc.,
ao inocular-lhes a mania republicana, já me prestaram o mesmo serviço. Uma vez senhor de
seu território, logo dominarei o resto da Itália (general).

53 Não terei necessidade deles para obter esta vantagem (general).

54 Erro gigantesco (general).

55 É absolutamente necessário que eu embote os dois gumes da sua espada, Luís xii não era
mais que um idiota (general).

56 Também hei de fazê-lo, mas a partilha que dele farei não me tirará a supremacia: meu
bom José jamais me disputará (imperador).

57 Como será o que eu aí colocarei (imperador).

58 Sendo forçado a daí retirar meu José, não deixo de ter receios quanto ao sucessor que hei
de lhe dar (imperador).

59 Nada faltará às minhas (general).

60 Faremos surgir uma (general).

61 Este não seria um erro, se ele não tivesse cometido os outros (general).

62 Seu erro foi não ter calculado bem seu tempo para isso (general).

63 O raciocínio é suficientemente bom para aquele tempo (imperador).

64 Ao primeiro descontentamento, declare-se a guerra: essa prontidão de resolução, uma vez


conhecida, torna vossos inimigos circunspectos (general).

65 É aqui que reside a maior arte da política; e meu parecer é que jamais podemos levá-la
suficientemente longe (general).

66 Porventura era preciso mais do que isso para que Roma anatematizasse Maquiavel?
(general).

67 Hão de me pagar caro por isso (imperador).

68 Coisa que jamais hei de fazer (general).

69 Os inimigos parecem não ter dúvidas quanto a isso (general).

70 Ele se manteve contido pelo poder do simples nome de Alexandre (general).


71 Carlos Magno se mostrou mais prudente do que o havia sido este insensato do Alexandre,
que quis que seus sucessores celebras sem seus funerais com armas na mão (imperador).

72 Velharia feudal, que receio ser obrigado a ressuscitar, se meus generais persistirem
insistindo nisso (imperador).

73 Excelente! Farei de tudo para conquistá-lo (imperador).

74 Departamentos administrativos do Império Otomano — nt.

75 Os caprichos dos imperadores são sempre respeitáveis. Eles têm suas razões para cultivá-
los (imperador).

76 Eu ao menos não tenho aí esses embaraços; mas tenho outros quase equivalentes
(imperador).

77 Imaginemos meios extraordinários, pois é absolutamente necessário que o império do


oriente se reúna ao do ocidente (imperador).

78 Oxalá estivesse eu em situação semelhante na França (cônsul).

79 Minhas forças e meu nome (imperador).

80 Como não posso fazer mudar de lugar simultaneamente a Turquia e a França


(imperador).

81 Hei de quebrar-lhes os braços ou mandar-lhes o crânio pelos ares (cônsul).

82 Percebo-o em demasia (imperador).

83 Havíamos começado tão bem em 1793 (imperador).

84 Isso é inteiramente verdadeiro (imperador).

85 Mas Dário não era páreo para Alexandre, como [...] (cônsul).

86 Tomei providências quanto a isso, e ainda tomarei outras (imperador).

87 Conto com a mesma vantagem, no que me diz respeito (imperador).

88 Referência à guerra civil entre Júlio César e Pompeu, em 49 a.C., após o primeiro cruzar o
Rio Rubicão, no Norte da atual Itália, em direção a Roma — nt.

89 Pirro (318–272 a.C.), Rei do Epiro e da Macedônia, ambos na atual Grécia, ficou famoso
por ter sido um dos principais opositores do regime romano — nt.

90 Isto de nada vale no século em que estamos (general).

91 Em Milão, uma comissão executiva de três empenhados; como o meu triunvirato


diretorial de Gênova (cônsul).
92 Após a Guerra do Peloponeso (431–404 a.C.), Esparta instaurou um governo oligárquico
em Atenas, a chamada Tirania dos Trinta, que ficou no poder por apenas oito meses — nt.

93 Cápua, na atual Itália, foi destruída em 211 a.C.; Cartago, onde hoje é a Tunísia, em 146
a.C.; e a Numância, na Península Ibérica, em 133 a.C. — nt.

94 Mau princípio; a sequência é o que há de melhor (general).

95 Mas isto pode ser feito ao pé da letra, de muitas maneiras, sem destruí-los, mas mudando
suas constituições (general).

96 Genebra poderia me dar algum receio; mas nada tenho a temer dos venezianos e dos
genoveses (cônsul).

97 Genebra poderia me dar algum receio; mas nada tenho a temer dos venezianos e dos
genoveses (cônsul).

98 Neutralizar e revolucionar são o suficiente (general).

99 Isso não é mais necessário quando as revolucionamos, e, ao dizer-lhes que continuam


livres, nós as mantemos firmemente sob nossa dependência (general).

100 Poderei de fato ocasionalmente te fazer mentir (general).

101 Admitamos que seja assim (general).

102 Mostrarei que, fingindo mirar mais baixo, podemos aí chegar da mesma maneira
(general).

103 O valor é mais necessário que a fortuna; ele dá origem a ela (general).

104 Isso diz respeito a mim (general).

105 Moisés, provavelmente no século xiii a.C., guiou o povo hebreu para fora da escravidão
no Egito até os umbrais da terra de Canaã, atual Israel, enfrentando no caminho diversos povos
do deserto. Já Ciro, Rei da Pérsia no século vi a.C., anexou reinos e fundou o Império
Aquemênida. Rômulo, por sua vez, segundo se relata, no século viii a.C. teria fundado a cidade
de Roma. Por fim, Teseu teria sido o lendário fundador e primeiro Rei de Atenas. A
equiparação histórica desses quatro personagens não deixa de ser intrigante, dada a significativa
discrepância que existe entre eles com relação à plausibilidade dos testemunhos documentais —
nt.

106 Não tenho aspirações tão altas; e dispenso isto (general).

107 Eu hei de aumentar esse catálogo (general).

108 Não preciso de nada mais do que isto; ela há de vir; estejamos prontos a capturá-la
(general).

109 O valor antes de tudo (general).


110 Esta é a condição e a situação atual dos franceses (general).

111 Minha loba benevolente estava em Brienne. Rômulo, havemos de te apagar! (general).

112 Os “medos” foram um antigo povo iraniano que na primeira metade do primeiro
milênio a.C. habitou na parte centro-sul do planalto iraniano, ao Sul do Mar Cáspio, até a
ascensão dos persas — nt.

113 Bobagem (general).

114 Pobre herói! (general).

115 Porventura a sua dose de sabedoria seria suficiente hoje em dia? (general).

116 Com um pouco de astúcia, conseguimos (cônsul).

117 Não sabemos, portanto, ter às nossas ordens bonecos legislativos? (general).

118 Saberei paralisar a sua atividade (general).

119 O velhote não sabia como providenciamos defensores ardentes, que fazem os outros
baixarem as armas (general).

120 Isto acontece apenas nos povos um tanto prudentes, e que ainda conservam alguma
liberdade (cônsul).

121 Estou protegido de tudo isso (cônsul).

122 Que bela descoberta! Orar! Quem poderia ser tão covarde para fazer tamanha
demonstração de fraqueza? (general).

123 Os oráculos então se tornam infalíveis (general).

124 Nada mais natural (general).

125 Eles hoje em dia me julgam, sobretudo após o atestado do Papa, um devoto restaurador
da religião, um enviado do céu (cônsul).

126 Terei sempre meios para isso (cônsul).

127 Isso não me embaraça (general).

128 Este último ponto ainda não me é muito claro; devo contentar-me com os outros três
(imperador).

129 Ele jamais saiu de minha cabeça, desde os estudos da minha infância. Ele pertencia à
minha vizinhança; e possivelmente sejamos da mesma família (general).

130 Com um pouco de ajuda, sem dúvida. Eis-me como ele (cônsul).
131 “Que nada lhe faltava para reinar a não ser um reino”, paráfrase que o autor faz da frase
do historiador Justiniano presente em Epitoma historiarum Philippicarum (xxiii, 4.15): prorsus
ut nihil ei regium deesse praeter regnum videretur — nt.

132 Minha mãe com frequência disse sobre mim a mesma coisa; eu a amo por causa de suas
previsões (imperador).

133 Isto é de bom presságio (imperador).

134 Como imbecis que se deixam levar e nada sabem fazer por si mesmos (general).

135 Isto é impossível (em Elba).

136 Tudo deve ser obstáculo para gente assim (em Elba).

137 Os aliados não tiveram outro objetivo senão este (em Elba).

138 Alude aos imperadores romanos, dos quais falará no capítulo xix — nt.

139 Há muitos outros nessa mesma situação (em Elba).

140 Como simples particular e longe dos estados onde se é exaltado: é a mesma coisa (em
Elba).

141 É aí que eu os espero (em Elba).

142 Por mais ilustre que tenha sido seu destino ao nascer, quando ele vive vinte e três anos
na vida privada, como em família, longe de um povo cujo caráter foi quase totalmente mudado,
e quando é em seguida repentinamente transportado sobre as asas da fortuna, e por mãos
estrangeiras, para aí reinar, então encontrará um estado novo do tipo dos que Maquiavel aqui
menciona. Os antigos prestígios morais convencionais aí foram já por muito tempo
interrompidos, e só existem de maneira nominal (em Elba).

143 Este oráculo é mais seguro que o de Calcas (em Elba).

144 Eu já havia feito os meus, antes de aí chegar (em Elba).

145 É o meu caso e o deles (em Elba).

146 A quem me assemelho mais? Excelente presságio! (cônsul).

147 Frequentemente bem, ocasionalmente mal (general).

148 Para reinar, bem entendido. Os outros não são mais que brilhantes tolices (em Elba).

149 Sobretudo quando o fazem apenas às apalpadelas, com timidez (em Elba).

150 Melhor do que eu? Difícil (general).

151 Eu bem gostaria que não o tivesses dito a mais ninguém além de mim; mas os outros
não sabem ler-te, o que dá no mesmo (general).
152 Tenho de que me queixar. Mas eu a corrigirei (em Elba).

153 Ludovico Sforza (1451–1508) ocupou esse cargo de 1494 a 1499 — nt.

154 Porventura conseguirei tirar-me de um embaraço maior do mesmo gênero para atribuir
reinos a meu José, a meu Jerônimo [...]? Para Luís, será o caso se restar algum do qual eu não
saiba o que fazer (cônsul). Eu bem tinha razão de hesitar quanto a este. Mas o ingrato, o
covarde, o traidor Joaquim! [...] Ele há de reparar seus erros (em Elba).

155 Os Orsini e os Colonna foram duas proeminentes e ativas famílias nobres italianas
durante a Idade Média e o Renascimento. Eles são famosos por seu envolvimento em política,
rivalidades com outras famílias e influência significativa nos assuntos do estado Papal e de
Roma — ne.

156 A parte deles! É demasiadamente pouco para mim (imperador).

157 Eu soube fazer nascer outras, mais dignas de mim, de meu século e mais convenientes a
mim (imperador).

158 O Alexandre de tiara não me reprovaria mais que o Alexandre de elmo (imperador).

159 A experiência que já fiz, ao ceder o ducado de Urbino para conseguir a assinatura da
Concordata me provou que, em Roma como alhures, hoje em dia como outrora, uma mão lava
a outra; e isto promete (cônsul).

160 Os genoveses me abriram a Itália com a insensata esperança de que suas imensas rendas
sobre a França seriam pagas sem redução: quid non cogit auri sacra fames [a que não coage a
maldita cobiça pelo ouro]. Eles ao menos terão sempre a minha benevolência, de preferência
aos outros italianos (cônsul).

161 Custou-me caro não ter tido a mesma desconfiança para com meus protegidos e aliados
da Alemanha (em Elba).

162 Porque não pude proceder de outro modo! (em Elba).

163 Minhas colunas são os realistas; meus Orsinis são os jacobinos; e meus nobres serão os
chefes de ambos os grupos (general).

164 Eu já havia começado tudo isso em parte, mesmo antes de chegar ao consulado, no qual
me considero feliz por ter logo completado essas importantes operações (imperador).

165 Eu a encontrei no senatus-consultum da “máquina infernal” de nivoso, e em meu


complô de Arena e de Topino, na Ópera (cônsul).

166 Essas duas coisas não puderam ser aperfeiçoadas na mesma época, mas o foram desde
então (imperador).

167 A conjuração de Magione, ou “Dieta de Magione”, ocorreu em 1502 no castelo dos


cavaleiros de Malta em Magione e ali orquestrou um complô contra César Bórgia — nt.
168 Vi tipos assim... Pichegru, Mallet. Deles triunfei sem precisar de estrangeiros
(imperador).

169 Eu o fiz sem precisar de ninguém (imperador).

170 Quid nescit dissimulare, nescit regnare [quem não sabe dissimular, não sabe reinar];
Luís xi não sabia o bastante. Ele deveria dizer: qui nescit fallere nescit regnare [quem não sabe
enganar não sabe reinar] (imperador).

171 O que restava de mais temível contra mim entre os meus Colonna e meus Orsini não
teve melhor sorte (imperador).

172 Julgo ter feito suficientemente bem ambas as coisas (imperador).

173 Porventura em vinte anos a França conheceu a ordem de que desfruta hoje e que
somente meu braço pôde restabelecer? (imperador).

174 Ela é mil vezes mais útil aos povos que odiosa a alguns tolos frasistas (imperador).

175 Como artífices de repúblicas francesas (cônsul).

176 Como na França republicana (cônsul).

177 Exatamente como na França, antes que eu aí reinasse (cônsul).

178 Acaso não foi isto que eu fiz? Era necessário um governo firme e rude para reprimir a
anarquia (imperador).

179 Líder militar espanhol a serviço de César Bórgia — nt.

180 F... tu serás meu Orco (cônsul).

181 Eu não tinha necessidade de ti para isto (imperador).

182 Eis aí porque suprimi teu ministério, e coloquei-te no beco sem saída do meu senado
(cônsul).

183 Antonio Maria Ciocchi del Monte (1461–1533) foi cardeal e tio do futuro Papa Júlio iii
— nt.

184 Criar uma comissão senatorial da liberdade individual, que, no entanto, só fará o que eu
quiser (imperador).

185 Ninguém é mais destinado do que ele, pela própria opinião pública, a se tornar o meu
bode emissário (imperador).

186 Meu sangue ferve por só poder retirar-lhe as graças, sem fazê-lo paralítico (imperador).

187 Bons tempos em que se podia aplicar esse tipo de punição, que ele bem mereceria!
(imperador).
188 Bem, muito bem feito (cônsul).

189 Esses malditos “ses” me deixam impaciente (cônsul).

190 É preciso prever esses acidentes (cônsul).

191 Perfeitamente bem achados (cônsul).

192 Não deixes de fazê-lo quando puderes; e toma providências para podê-lo (cônsul).

193 Francisco ii (imperador).

194 Ainda não estou tão avançado quanto ele (imperador).

195 Eu ainda só pude efetuar metade desta manobra. Si vuol tempo (imperador).

196 Uma vez que levei todos os príncipes da Alemanha a este ponto, pensemos em meu
grande projeto do Norte. As mesmas coisas acontecerão, com resultados que nenhum
conquistador jamais conheceu (imperador).

197 Livre de toda condição semelhante, chegarei bem mais longe (imperador).

198 Não se deve conhecer outra dependência (imperador).

199 Tanto pior para ele: é preciso saber jamais estar doente, e tornar-se invulnerável em
todas as coisas (imperador).

200 Como a França me esperou depois dos meus desastres de Moscou (em Elba).

201 Por mais moribundo que estivesse, politicamente falando, em Smolensk, eu nada tive a
temer da parte dos meus (em Elba).

202 Isto não me foi difícil: a mera notícia do meu desembarque em Fréjus eliminou as
escolhas que me teriam sido contrárias (cônsul).

203 No final das contas, falando de maneira ordinária, mais vale jamais pensar nisso quando
se quer reinar gloriosamente. Esse pensamento teria congelado os meus mais ousados projetos
(imperador).

204 São bem ignorantes os escritorezinhos que disseram que ele o havia proposto a todos os
príncipes, mesmo aos que não estão, e não podem estar, no mesmo caso. Em toda a Europa,
não conheço ninguém além de mim a quem esse modelo possa ser adequado (imperador).

205 O que eu fiz de análogo era a minha situação que tornava uma necessidade, e, por
conseguinte, um dever (em Elba).

206 Meus reveses decorrem unicamente de causas análogas, sobre as quais meu gênio não
tinha poder algum (em Elba).

207 Aí está tudo de que necessito (general).


208 Eu sou — espero — um exemplo não apenas mais recente, mas ainda mais perfeito e
mais sublime (imperador).

209 Cabeça debilitada por sua doença (imperador).

210 Eu tê-lo-ia logo deposto, se fosse escolhido contra o meu bel-prazer (cônsul).

211 Todos, excetuando-se o que foi escolhido, sabiam ou previam que deviam temer-me
(cônsul).

212 Foi-se o tempo em que se podia temer o ressentimento deles (imperador).

213 Meu nome basta para os fazer tremer, e farei trazê-los como ovelhas ao pé do meu trono
(cônsul).

214 Que belo motivo para contar com essa gente! Maquiavel também tinha boa-fé em
excesso (imperador).

215 O autor combina a referência à igreja da qual cada cardeal era titular, com o sobrenome
do dito cardeal. “San Pietro ad Vincula” era a igreja titular de Giuliano della Rovere, futuro
Papa Júlio ii; com “Colonna” ele alude ao Cardeal Giovanni Colonna; “San Giorgio” era a sede
de Raffaele Riario; e “Ascanio” era Ascânio Sforza. Para mais adiante: o então Cardeal de Ruão
era Georges d’Amboise — nt.

216 Eles parecem esquecer quando sua paixão o quer, mas não confiemos nisso (imperador).

217 Dispenso-o (general).

218 A expressão é duramente condenatória. Que importa o caminho, contanto que


cheguemos? Maquiavel cometeu um grande erro ao bancar o moralista numa matéria como
essa (general).

219 É possível sempre causar esta aparência (general).

220 Discrição de moralista, muito fora de lugar em negócios de estado (general).

221 Este, meu vizinho, como Hierão, e mais próximo no tempo do que ele, estará ainda mais
certamente na genealogia dos meus ascendentes (general).

222 A constância nesta matéria é o indício mais seguro de um caráter determinado e ousado
(general).

223 Sobretudo a alma: eis o essencial (general).

224 Chegarei aí (general).

225 Que me concedam o consulado por dez anos, e logo farei que me concedam de maneira
vitalícia; e veremos! (general).
226 Amílcar Barca (270–228 a.C.) foi um general cartaginês que, na Primeira Guerra Púnica
(247 a.C.), tomou a Sicília das mãos de Roma — nt.

227 Não preciso de um auxílio desse tipo: todavia, preciso de outros; mas eles são fáceis de
se obter (general).

228 Ver meu 18 Brumário e seus efeitos! Ele teve a vantagem de uma maneira mais ampla,
sem nenhum destes crimes (cônsul).

229 Eu obtive bem mais. Agátocles não é mais que um anão perto de mim (imperador).

230 Foi pelo mesmo preço que eu a adquiri (imperador).

231 Já fiz minhas experiências nesta matéria (imperador).

232 Tudo isso são preconceitos de crianças! A glória sempre acompanha o sucesso, pouco
importa como ele venha (imperador).

233 Porventura ele os superou de maneira melhor do que eu? (imperador).

234 Dignai-vos de me excetuar (imperador).

235 Mais moral! O bom Maquiavel não tinha audácia (imperador).

236 Eu tive a meu favor o concurso de ambos (imperador).

237 Que astuto personagem! Ele me suscitou excelentes ideias, desde a minha infância
(general).

238 Vaubois, tu foste o meu Vitelli. Sei ter gratidão, a propósito (general).

239 Reflexão de republicano (general).

240 Que maroto! Há em toda essa história de Oliverotto uma série de coisas de que saberei
tirar proveito conforme às circunstâncias (general).

241 Isso se assemelhava um pouco ao grande banquete da igreja de Saint-Sulpice que fiz os
deputados me oferecerem, quando retornei da Itália, depois de Frutidor, mas a pera ainda não
estava madura (cônsul).

242 Eu aperfeiçoei essa manobra suficientemente bem no 18 Brumário, e sobretudo no dia


seguinte, em Saint Cloud (cônsul).

243 A mim bastava, por ora, assustá-los, dispersá-los e colocá-los em fuga. Era preciso
sustentar o que eu mandara dizer solenemente a Barras, a saber, que eu não gostava de sangue
(cônsul).

244 Que terminem logo a elaboração desse Código Civil, ao qual desejo dar meu nome!
(cônsul).
245 Isso dependia inteiramente de mim; e eu o obviei de forma cômoda, e progressivamente
(cônsul).

246 Tolo, que deixa arrebatarem-lhe a vida junto com a soberania! (em Elba).

247 Por esta palavra de censura, Maquiavel finge transformar tudo isso em um crime. Pobre
homem! (cônsul).

248 A boa gente dirá que Oliverotto bem o mereceu, e que Bórgia foi instrumento de uma
punição justa. Fico, no entanto, aborrecido por Oliverotto; isso não me seria de bom presságio,
caso houvesse no mundo um outro César Bórgia além de mim mesmo (cônsul).

249 Este tipo de afirmação, provinda de Maquiavel, é indício de que ele não relativiza o valor
do bem e do mal. Ao contrário, reconhece-os e os afirma, embora não tenha escrúpulos em
fazer um mal para alcançar um bem, o que, por sua vez, corrobora a sua perspectiva moral
segundo a qual os fins justificam os meios — nt.

250 Se tivessem começado por aí, como Charles ii e tantos outros, minha causa estaria
perdida. Todos esperavam por isso; e ninguém o teria culpado. Em pouco tempo, o povo não
pensaria mais no caso, e teria me esquecido (em Elba).

251 Felizmente, isso é o que menos os preocupa (em Elba).

252 Se insistirem por muito tempo nesta operação, irão na contramão de seus interesses.
Quando a lembrança da ação que deve ser punida caduca, aquele que a punir não parecerá ser
mais que um homem de caráter cruel, pois todos terão como que esquecido o que tornaria a
punição justa (em Elba).

253 Isso era fácil (em Elba).

254 Esse método, o único que resta aos ministros, só pode ser-me favorável (em Elba).

255 Veremos logo uma nova prova disso (em Elba).

256 A consequência é justa, e o preceito é obrigatório (em Elba).

257 Ambas as causas de ruína estão ao seu lado; a segunda está quase toda à minha
disposição (em Elba).

258 Quando lho permitem (em Elba).

259 Os que, tendo começado demasiadamente tarde, começam timidamente a tentar praticá-
los sobre os mais fracos, fazem que os fortes bradem e se revoltem: aproveitemo-nos [desta
observação] (em Elba).

260 Quando os distribuímos a mãos cheias, muitos indignos os apanham; e os outros quase
não manifestam gratidão (em Elba).

261 E para que não pareçamos estar girando sobre um eixo! (em Elba).
262 Eles farão a experiência (em Elba).

263 Por mais que se prometa e até mesmo se dê, isto de nada servirá, porque o povo
permanece naturalmente sem vigor em prol de quem cai por falta de clarividência e de
longanimidade (em Elba).

264 É isto que desejo; mas é algo difícil (general).

265 Este meio, no entanto, não está fora do meu poder; ele já me serviu de maneira bastante
afortunada (general).

266 Trataremos de unir ao menos a aparência de ambos (general).

267 Esta é a situação atual do partido diretorial; façamos que ele sirva para aumentar minha
consideração junto do povo (general).

268 Eles serão induzidos a isso (general).

269 Aceito o presságio (general).

270 Nós o faremos trabalhar neste sentido, a fim de que, por um motivo inteiramente
oposto, ele tenda ao mesmo objetivo dos diretoriais (general).

271 Fingirei ter aí chegado somente por ele e para ele (general).

272 Essa gente sempre me embaraçou cruelmente (em Elba).

273 Não tive sucesso em fazer crer que eu me incluía nesse caso. Tratarei de parecê-lo mais
quando retornar (em Elba).

274 Eu, no entanto, os havia levado até esse ponto (em Elba).

275 Os meus eram insaciáveis. Esses homens de revolução jamais têm dinheiro o suficiente.
Eles só a fizeram para enriquecer; e sua cobiça cresce com seus desfrutes. Se se adiantam ao
partido que vai triunfar, e se o servem, é para obter seus favores. Eles em seguida derrubarão
aquele que elevaram, quando esgotar suas dádivas para com eles. Querendo sempre receber,
eles esmagarão também este, quando tiver deixado de dar-lhes o que querem, a fim de terem
um que lhos dê. Haverá sempre o maior dos perigos em se servir desses influenciadores. Mas,
como dispensá-los? Sobretudo eu, que não tenho outro apoio! Ah! Se eu tivesse o título de
sucessão ao trono, esses homens não poderiam nem me trair, nem me prejudicar (em Elba).

276 Como não previ que esses ambiciosos, sempre prontos para se anteciparem aos ventos
da fortuna, me abandonariam e me trairiam até mesmo quando eu estivesse na adversidade?
Eles farão o mesmo a meu favor, contra meu inimigo, se me virem em boas condições, mas
prontos para me traírem novamente, se eu balançar. Por que não pude formar grandes homens
com homens novos? (em Elba).

277 Isto não me é de modo algum fácil de fazer, pelo menos tanto quanto eu gostaria e
deveria fazê-lo; tentei-o em relação a... e F... e, em função disso, tornaram-se ainda mais
perigosos. O primeiro me traiu; o segundo, de quem necessito, permanece em atitude ambígua;
mas hei de ganhá-lo de uma forma ou de outra (em Elba).

278 Não tenho quase nenhum desse tipo (imperador).

279 Não passo por semelhante mal (imperador).

280 Assim é a maior parte dos meus (imperador).

281 Eu não havia percebido muito bem essa verdade; os acontecimentos fizeram-na
penetrar-me com dureza. Porventura poderei dela tirar proveito no futuro? (em Elba).

282 Cuidarei de fazê-lo acreditar nisso (general).

283 No entanto, tenho a necessidade de contribuições robustas e de numerosos conscritos


(cônsul).

284 Este era o meu ponto fraco (em Elba).

285 Fizeram-mo cruelmente sentir (em Elba).

286 Aliado a Filipe v da Macedônia, Nábis, Rei de Esparta entre 207 e 192 a.C., enfrentou a
Liga Aqueia, formada por gregos e romanos — nt.

287 Sim e sim, quando o povo absolutamente não é mais do que lama (em Elba).

288 Tibério Graco foi eleito tribuno da plebe durante a república romana em 133 a.C. e no
ano seguinte, tentando a sua reeleição, foi espancado até a morte por inimigos nas ruas de
Roma. Dez anos depois, em 122 a.C., seu irmão Caio foi eleito para o mesmo cargo e nele ficou
também por apenas um ano, quando o senado o pressionou, levando-o talvez ao suicídio em
121 a.C. Algumas medidas assistencialistas implementadas por Caio Graco ficaram
posteriormente conhecidas como “pão e circo”. Ambos se tornaram símbolos da defesa dos
mais pobres contra o furor assassino dos patrícios e senadores. Já Giorgio Scali foi um rico
cidadão florentino, querido pelo povo, que assumiu o poder depois do chamado Tumulto dos
Ciompi (1378), de motivações econômico-políticas. Em pouco tempo o seu prestígio se
desgastou com o povo e todos o abandonaram, até que em 1382 foi preso e decapitado — nt.

289 De tudo isso só me faltou o benefício de ser amado pelo povo; e, no entanto [...]. Mas
fazer-se amado na situação em que eu me encontrava, com as necessidades que eu tinha, era
bem difícil (em Elba).

290 Veremos como isto se dá (em Elba).

291 Conto com isso (em Elba).

292 Onde os encontrará? (em Elba).

293 Eis aí o que não intuem nesses protestos de amizade e nessas comunicações que os
tranquilizam: eles não sabem, portanto, como isto se dá! (em Elba).
294 Se eles se saíssem bem uma primeira vez, eu me vingaria, com vantagem, quando
pudesse fazê-lo, ou mandar que outro o fizesse (em Elba).

295 Nunca se pensa bastante nesta verdade (em Elba).

296 Como a França, com os alistamentos, as requisições etc. (general).

297 Isto de nada vale (general).

298 Com mais forte razão quando podem atacar, e fazer tremerem todos os outros (general).

299 Que coisa triste! Não a desejaria de modo algum (general).

300 Isso não me diz respeito (cônsul).

301 No entanto, estive nessa situação; mas aproveitarei a primeira ocasião que se apresentar
para fazer uma fortificação em minha capital, sem que adivinhem o verdadeiro motivo (em
Elba).

302 Assim como no caso da Itália, o que posteriormente veio se chamar de Alemanha é uma
realidade política elaborada entre 1866 e 1871, embora alguns desses povos já nutrissem certa
irmandade por conta da língua, tradição e cultura comuns ou muito similares — nt.

303 Isto era adequado para tempos passados; e aqui não se trata de agressores franceses
(general).

304 De que serviram essas precauções contra o nosso ardor na Alemanha e na Suíça?
(cônsul).

305 Eu não fico durante um ano rondando, sem nada fazer, sob os muros de outrem
(cônsul).

306 O melhor meio, até mesmo o único, é contê-los a todos igualmente por meio de um
grande terror; oprimi-os, e não se revoltarão, e não ousarão nem respirar (imperador).

307 Que isto seja ou não seja assim, pouco me importa. Não tenho essa necessidade
(imperador).

308 Com o que se defender. Eis aí o essencial (imperador).

309 Ah! Se eu pudesse, na França, fazer de mim mesmo Augusto e Pontífice Supremo da
religião! (general).

310 Esta ironia bem merecia todos os raios espirituais do poder temporal do Vaticano
(general).

311 Compreendes mal os interesses de tua reputação; a corte de Roma não te perdoará essa
história indiscreta (general).
312 Em 1482, os venezianos tentaram conquistar Ferrara, mas foram impedidos pela
coalizão formada pelo Papa Sisto iv, o Rei de Nápoles, o Duque de Milão e os florentinos — nt.

313 Observações judiciosas... Por meditar (general).

314 Também faço pouco caso delas (general).

315 A seu tempo e em seu país (general).

316 Eu bem gostaria de poder fazer o mesmo na França (imperador).

317 Eis o que se chama agir como um grande homem! (general).

318 É a única coisa que me é conveniente fazer na França (cônsul).

319 Eu não faria mal em ter vários cardeais que a mim devessem seus barretes vermelhos
(cônsul).

320 Eu hei de fazê-la servir aos sucessos da minha (cônsul).

321 Por que então esse visionário do Montesquieu falou de Maquiavel em seu capítulo dos
Legisladores? (cônsul).

322 Quando não temos mais tropas nossas, ou quando os merce nários e auxiliares são em
número maior que elas: isto é evidente (general).

323 Excetuo, no entanto, os suíços (em Elba).

324 O original traz a frase “tomar a Itália com o giz (ou gesso)”, atribuída ao Papa Alexandre
vi, no sentido de “sem ter que ser bruto”, “comodamente” — nt.

325 Possível alusão ao polêmico Frei Jerônimo Savonarola (1452– 1498) — nt.

326 No tempo do bom homem, toda falta, seja política, seja moral, era chamada pecado: ele
não era mais indulgente quanto às faltas dos homens de estado do que os jansenistas o são
quanto aos pecados do povo (general).

327 Exércitos formados por um predecessor inimigo, e que tendes ao vosso serviço
unicamente porque os pagais, só estão a vosso serviço como exércitos mercenários (em Elba).

328 Porventura os têm entre seus partidários? (em Elba).

329 Sei disso; eles deveriam sabê-lo; mas, porventura pode ele fazê-lo? (em Elba).

330 Não existe decreto ou ordem que possa contrariá-lo; não é para ele que se faz a lei, é ele
que a dá (general).

331 Esperai por isso, quando não tiverdes mais do que mercenários (em Elba).

332 Mas, por fim, ela pode cair (general).


333 Podemos fazer o mesmo com tropas que ganham soldo somente do Estado. Trata-se de
conferir-lhes o espírito que possuem as tropas mercenárias; e isso é fácil quando temos o
orçamento militar à nossa disposição, e quando dele fazemos nosso próprio orçamento, por
contribuições que arrecadamos ou que fazemos nele ingressar. A facilidade se torna maior
quando estamos com nossos exércitos em países distantes, onde estes não podem receber outra
influência senão a de seu general. Que ele tire proveito disso (general).

334 Muzio Attendolo Sforza era chefe do exército da Rainha Joana ii — nt.

335 Seja quais forem os braços em que nos atiremos, mesmo que realizem nosso desejo
principal, hão de fazer-nos, no total, mais mal do que bem (em Elba).

336 Quase não recebe outro nome senão o de homem honrado esse Bartolomeu Colleoni,
que teve tantos recursos para se tornar rei de Veneza, e que não quis sê-lo. Que tolice cometeu,
ao morrer, quan do aconselhou os venezianos a jamais deixar a outros tanto poder militar
quanto deixaram a ele mesmo! (general).

337 É por aí que definitivamente se deve começar (general).

338 Veremos na sequência se os há invencíveis (general).

339 É importante perceber o lado que promete mais (general).

340 O mercenário inglês John Hawkwood (1320–1394) — nt.

341 Os exércitos de Andrea Braccio da Montone (1368–1424) enfrentaram os de Sforza em


diversas ocasiões — nt.

342 Era preciso saber destruí-los (general).

343 Sublime! É o melhor dos modelos (general).

344 Porque não pudeste seguir-me! (cônsul).

345 O diretório murmurará e decretará o quanto quiser: continuarei sendo o que sou; e, de
fato, será necessário que meu exército me obedeça (general).

346 Grande vantagem dos alistamentos (cônsul).

347 Francesco Bussone (1380–1432) foi Conde de Carmagnola — nt.

348 Eu teria percebido isso bem antes (imperador).

349 É de fato o mais seguro: devia tê-lo feito mais do que efetivamente o fiz. Duas vezes não
foram o suficiente; tenho tudo por temer por não tê-lo feito ao menos três vezes (imperador).

350 Bartolomeu de Bérgamo (1400–1475) serviu os venezianos, depois Filippo Maria


Visconti (último Duque de Milão), e depois novamente os venezianos. Roberto de São Severino
(1418–1487) guiou os venezianos na desastrosa batalha de 1482 contra Ferrara. O Conde de
Pitigliano, isto é, Nicolau Orsini (1442–1510) capitaneou os venezianos na infeliz Guerra de
Vailà, em 1509 — nt.

351 Tanto pior para eles: e verão ainda muitos outros casos (general).

352 Digressão supérflua para mim (general).

353 O Sacro Império Romano-Germânico — nt.

354 Eu aí restabelecerei o império (general).

355 A divisão desaparecerá (general).

356 Gregório vii foi sobretudo bem hábil nesta matéria (general).

357 Colocar em ação, somente eu, e somente em meu proveito, esses três recursos
simultaneamente (general).

358 Tudo isso mudará (cônsul).

359 Também chamado de Albérico de Barbiano (1349−1409), foi Conde de Cunio — nt.

360 Patéticos chefes de bandidos covardes (general).

361 Faço os outros tremerem, depois de ter feito sozinho tanto quanto esses três reis juntos:
e isso contra tropas bem mais formidáveis (cônsul).

362 Miserável! Patético! (general).

363 Falta de bom senso. E ainda por cima são elogiados! (general).

364 Covardia! Incompetência! Apunhalar, cortar, fazer em pedaços, esmagar, fulminar etc.
(general).

365 E é preciso fazer o contrário, tanto quanto possível, para ter boas tropas (general).

366 Isso necessariamente devia acontecer (general).

367 Inúteis! É demais. Imaginar um meio de conferir-lhes o sentimento de incorporação às


nossas próprias tropas, pelo estratagema de uma confederação, ou da agregação ao grande
império (cônsul).

368 Isso me basta (cônsul).

369 Meu sistema de aliança deve prevenir esses dois inconvenientes (cônsul).

370 Eu devia confirmá-la, quando, na verdade, estava destiná-lo a fazê-la mentir (em Elba).

371 Essas terceiras causas não fizeram senão girar no mau sentido a minha boa fortuna (em
Elba).
372 Isto é ser bem afortunado, e vencer como Papa (general).

373 Faremos o mesmo na Itália, onde só entramos expulsando os coligados (general).

374 Nisto a Itália teve mais sorte (imperador).

375 Tolo! Porventura pode haver outros dessa força? (general).

376 Sublime, e de uma grande profundidade! (imperador).

377 Ora! Por que hesitarias tu? Porque não estimavas seu caráter moral, e porque era odioso
a muitos tolos. Mas que valor tem isso em política? (general).

378 O que é que não se toma com essas tropas? Mas porventura se o conserva tão
facilmente? (general).

379 Sempre essas, antes de todas as outras (general).

380 Maquiavel está a me cortejar ao voltar a esse herói da minha genealogia (general).

381 Feliz por tê-lo podido; e mais feliz ainda por tê-lo feito (imperador).

382 Jamais se deve parecer dever a mais mínima parcela da própria glória e do próprio poder
a outro que não a si mesmo (general).

383 A escolha desse exemplo é uma tolice (general).

384 São-lhes necessários tempo e funestas experiências para compreender o que lhes é
indispensável (em Elba).

385 Imbecil! Mas, eventualmente não. Todo o seu conselho estava em sua cabeça; ele via a
França como um prado que podia ceifar todo ano, e tão rente quanto quisesse. Ele também teve
seu homem de Saint-Jean d’Angély, e se portou muito bem no caso de Odet (cônsul).

386 Que diferença! Não há um único dos meus soldados que não pense poder vencer por si
só (imperador).

387 Em grandíssima parte (general).

388 Ela o é, porque lhe dei outras ainda bem melhores (imperador).

389 Mesmo nesse século de tão grandes luzes... (em Elba).

390 Julguei da mesma maneira, na primeira vez que li, ainda menino, a história dessa
decadência (general).

391 Os vossos não são vossos, mas meus (em Elba).

392 “Que nada é tão incerto ou instável quanto a fama do poder não fundado nas suas
próprias forças” (Tácito, Anais xiii, 19) — nt.
393 Eles de fato não possuem outros, isso desde que os que eles de fato possuem estejam a
favor deles (em Elba).

394 Não para eles, ou, pelo menos, não tão cedo (em Elba).

395 Está bem; mas é possível ainda mais acertadamente se referir a mim (cônsul).

396 Dizem que tomarei a pluma para escrever minhas memórias! Eu?! Escrever?! Acaso me
consideram um tolo? Já é demais que meu irmão Luciano componha versos. Divertir-se com
puerilidades desse tipo equivale a renunciar a reinar (em Elba).

397 Demonstrei uma coisa e a outra (imperador).

398 É inevitável (em Elba).

399 E eu então!... (em Elba).

400 Como eles, logo (em Elba).

401 A espada e as dragonas não o impedem, quando ele não tem nada além disso
(imperador).

402 Acaso não o percebeis? (em Elba).

403 E eles julgam que o estão (em Elba).

404 Mesmo que eu não me intrometesse nisso (em Elba).

405 Maquiavel! Que segredo lhes revelas! Mas eles não te leem, e jamais te leram (em Elba).

406 Tirei proveito dos teus conselhos (imperador).

407 Acrescentai a isto boas cartas topográficas (general).

408 Porventura tirei bom proveito dos teus conselhos? (general).

409 Nela penso mesmo quando durmo, se eu dormir eventualmente (general).

410 Quantas vezes não fiz o mesmo, desde minha juventude (imperador).

411 Jamais os prevemos todos; mas improvisamos o remédio, custe o que custar (general).

412 Ai do estadista que não as lê! (em Elba).

413 Por que não tomar mais do que um, quando se quer ser maior do que todos? Carlos
Magno me foi conveniente; mas César, Átila e Tamerlão não são de desprezar (general).

414 Observação tola (general).

415 Primeira observação que fazer para bem compreender Maquiavel (cônsul).
416 Em tudo, ver as coisas como elas são (cônsul).

417 Os de Platão, na prática, não valem mais do que os de Jean-Jacques (cônsul).

418 É somente de acordo com estas que os sonhadores da moral e da filosofia julgam os
estadistas (cônsul).

419 Embora nem todos sejam maus, os que o são possuem recursos e uma atividade que faz
com que todos pareçam sê-lo. Frequentemente os mais perversos são os que, perto de ti, fingem
ser os melhores (imperador).

420 Digam o que disserem, o essencial é se manter e conservar a boa ordem em um estado
(cônsul).

421 Usando um termo toscano, porque avaro na nossa língua é ainda aquele que deseja
possuir por rapina, enquanto sovina nós chamamos quem se abstém demais de usar do que é
seu — nt.

422 Escolhei, se puderdes (general).

423 Sim, como Luís xvi; mas acaba-se por perder seu reino e sua cabeça (imperador).

424 Conselho de moralista (imperador).

425 Quanto a estes, zombo do “que hão de dizer?” (imperador).

426 Isto também é excessivamente evangélico. De que serve ser liberal, se não o formos por
interesse e por vaidade? (cônsul).

427 Eis-me aí um tanto; mas recuperarei a estima por meio de fulgurantes façanhas
(imperador).

428 Irei buscar dinheiro no estrangeiro (imperador).

429 Ave de mau agouro: nisto terás te enganado (imperador).

430 Eu me inquietaria pouco com isso (imperador).

431 Mente tacanha! (imperador).

432 Que bom homem! (imperador).

433 A palavra “liberal”, metafisicamente considerada, me serviu quase tão bem. As


expressões “ideias liberais” e “sentimentos liberais”, que, pelo menos não causam ruína, e
encantam os ideólogos, são, no entanto, de minha invenção! Esse talismã, inventado por mim,
jamais servirá outra causa além da minha, e pleiteará sempre em favor do meu reinado, mesmo
nas mãos dos que me destronaram (em Elba).

434 Ideia mesquinha (imperador).


435 Fernando, o Católico (1452–1516), responsável, junto à sua esposa Isabel, por grandes
conquistas para a Espanha, como a expulsão final dos muçulmanos que ainda ocupavam parte
da Península Ibérica e o envio de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo em 1492 — nt.

436 Tolice (imperador).

437 Não é com este que mais contarei (cônsul).

438 Meus generais sabem o que lhes dei antes, e para que chegasse ao ponto de conferir-lhes
ducados e bastões de marechal (imperador).

439 Tu hás de me julgar (cônsul).

440 Eu o fui em atos e palavras. Quantos tolos não seduzimos com os falsos diamantes das
ideias liberais! (cônsul).

441 Quem o fez melhor do que eu? (imperador).

442 Eis aí o segredo da licença que conferi para os saques e as pilhagens. Eu lhes dava tudo o
que podiam apanhar, daí seu imutável apego a mim (em Elba).

443 E eu (imperador).

444 Que serve para aumentar a outra (imperador).

445 Quando não se sabe encontrar outros meios para reabastecê-la (imperador).

446 Isso me preocupa muito pouco (imperador).

447 Pouco me importa, no final das contas. Terei sempre a estima, o amor dos soldados [...] e
meus senadores, e meus prefeitos etc. (imperador).

448 É isso o que acontece sempre que alguém chega com uma grande pretensão à glória da
clemência (em Elba).

449 Não cesseis de bradar-lhes que esse Bórgia era um monstro do qual se deve desviar os
olhos; não cesseis de fazê-lo, a fim de que dele não aprendam o que desconcertaria meus planos
(em Elba).

450 Entre 1501 e 1502 eclodiu em Pistoia um sangrento conflito entre duas facções: os
Panciatichi e os Cancellieri, que Florença não pôde ou não quis evitar — nt.

451 Evita com cuidado dizê-lo a eles; a propósito, eles não parecem dispostos a te
compreender (em Elba).

452 Necessito de que todos fiquem ofendidos, mesmo que seja pela impunidade dos meus
(em Elba).

453 Eles são novos; o estado é novo para eles; e não querem ser nada senão clementes (em
Elba).
454 Mas, felizmente, Virgílio não é o poeta mais amado (em Elba).

455 “Fatos penosos e a novidade que é este reino tais medidas me forçam a tomar e a pôr
guarda longe de minhas fronteiras”. (Virgílio, Eneida, trad. Carlos Ascenso André. Campinas,
sp: Sétimo Selo, 2023, p. 49) — ne.

456 Isto é fácil de ser dito (cônsul).

457 Esta não é uma questão para mim (cônsul).

458 Para mim só é necessário um (cônsul).

459 Queriam enganar os príncipes, os que diziam que todos os homens são bons (cônsul).

460 Conta com isto (em Elba).

461 Que bom bilhete tem La Châtre! (em Elba).

462 Mas é preciso saber em que ela deve consistir em um príncipe de um estado tão difícil
(em Elba).

463 É preciso que este os persiga incessantemente (cônsul).

464 Eles creem exatamente o contrário (em Elba).

465 Isso é também restringir demais as prerrogativas dos príncipes (cônsul).

466 Nós os fabricamos, quando não os há reais. Tenho para os meus golpes de estado
homens mais doutos que Gabriel Naudé (cônsul).

467 Este foi o único giro pérfido provocado pela carta promulgada por meus inimigos (em
Elba).

468 Observação profunda, que me havia escapado (em Elba).

469 Essa facilidade de encontrar pretextos é um dos benefícios do meu poder (cônsul).

470 Que ignorante! Não sabia ele que nós as suscitamos (cônsul).

471 Comecei por aí, para fazer marchar à Itália o exército à frente do qual fui posto em 1796
(general).

472 O meu não apresentava menos elementos de discórdia e de rebelião quando o fiz entrar
na Itália (general).

473 O mesmo pode ser dito do meu (general).

474 Indubitável (general).

475 Eis aí como sempre nos julgam (general).


476 Admiração excessivamente tola (general).

477 Só devemos conferi-la quando aí encontrarmos proveito (general).

478 O segundo vale mais que o primeiro (general).

479 Agradável glória! (general).

480 É sempre o mais seguro (cônsul).

481 A não ser que isso dê muito trabalho e crie grandes embaraços (cônsul).

482 Vale dizer, o vulgo (general).

483 Maquiavel, admirando a esse ponto a boa-fé, a franqueza e a probidade, não parece mais
um estadista (general).

484 São os grandes exemplos que o forçam a raciocinar de acordo com meu desejo de dar
outros semelhantes (general).

485 Arte que ainda podemos aperfeiçoar (general).

486 Os tolos estão aqui neste mundo para favorecer nossos pequenos prazeres (general).

487 É a melhor, pois aqui tratamos unicamente de animais brutos (cônsul).

488 Explicação que ninguém soubera dar antes de Maquiavel (general).

489 Tudo isso é perfeitamente verdadeiro na aplicação que Maquiavel faz à política (general).

490 O modelo, no entanto, é belo (general).

491 Não há outra decisão que tomar (general).

492 Retratação respeitável de moralista (general).

493 Par pari refertur [igual com igual se paga] (general).

494 Tenho homens engenhosos para isso (imperador).

495 Em geral, há aí, mesmo para os súditos, mais vantagem do que, de outra parte, escândalo
(imperador).

496 Os mais hábeis não conseguirão me superar. O Papa poderá dar notícia disso (cônsul).

497 Menti audaciosamente; o mundo é composto de tolos; em meio à multidão, sempre


essencialmente crédula, contaremos pouquíssimas pessoas que duvidarão; e estas não ousarão
manifestá-lo (cônsul).

498 Elas não faltam (cônsul).


499 Isto é, segundo a sua escolha — nt.

500 Homem altivo! Se não honrou a tiara, ao menos ampliou bas tante os seus estados; e a
Santa Sé lhe deve grandes prestações. A hora da contrapartida soou (imperador).

501 Os imbecis que julgaram que este conselho se destinava a todos não sabem a enorme
diferença que há entre o príncipe e os súditos (imperador).

502 Nos dias de hoje, bem mais vale parecer honesto do que sê-lo com efeito (imperador).

503 Supondo que ele tenha uma (cônsul).

504 Maquiavel é severo (cônsul).

505 É ainda exigir em demasia. A coisa não é fácil, e fazemos o que podemos (cônsul).

506 Bom para o seu tempo (cônsul).

507 Ah! Mesmo que o compreendessem [...] (cônsul).

508 É com isso que eu conto (imperador).

509 Triunfai sempre, não importa como; e tereis sempre razão (imperador).

510 A fatal, e mil vezes fatal retirada de Moscou (em Elba).

511 Trata-se do rei espanhol Fernando de Aragão, o Católico — nt.

512 Não tenho que temer o desprezo. Fiz coisas demasiadamente grandiosas: admirar-me-ão
mesmo a contragosto. Quanto ao ódio, colocarei vigorosos contrapesos (cônsul).

513 É disso que preciso (cônsul).

514 Est modus in rebus [há uma justa medida nas coisas] (cônsul).

515 Não tão facilmente (imperador).

516 Esforçar-se! Impossível, quando não começamos por fazê-lo (em Elba).

517 Essencial para eliminar toda esperança de perdão aos conspiradores; sem o que, tu
perecerás (cônsul).

518 Temos bem mais que o pensamento: temos a esperança e a facilidade, juntamente com a
certeza do sucesso (em Elba).

519 Há sempre bárbaros que não o estimam (em Elba).

520 Dei belas provas disso: meu casamento foi a maior (imperador).

521 Aniquilei as que se apresentaram (imperador).


522 Manterei os meus em rédea curta (cônsul).

523 Bobagem (imperador).

524 Não é isto que se percebe quanto a mim (cônsul).

525 Tu me tranquilizas (cônsul).

526 Lançamos em seus braços um traidor; e depois, damos um golpe de estado (cônsul).

527 Sobretudo se o comprei de antemão (cônsul).

528 Ele pode contar com uma boa recompensa (cônsul).

529 Tudo por temer de uma parte, e tudo por ganhar da outra (cônsul).

530 Meus protetores nesta matéria chegaram ao mais alto grau de eficácia (imperador).

531 Restam sempre mal-intencionados em grande número: mas, vigiemo-los! (imperador).

532 O povo! Acaso não é ele ingrato, e não se volta sempre para o lado daquele que vence,
sobretudo quando este o deslumbra? (imperador).

533 O espírito amolecido do nosso século não permite mais que eles se renovem (cônsul).

534 Se fossem capazes de ir a Viena fazer uma coisa assim! Uma vez que não vieram me
procurar: eamus et nos [vamos nós também] (em Elba).

535 Maquiavel esquece aqui que disse que os homens são maus (imperador).

536 O sono foge para longe de mim (imperador).

537 Mas os grandes que fui forçado a criar ficam furiosos quando deixo por um momento de
sufocá-los de bens (imperador).

538 Só posso acalmar esses esfomeados provocando descontentamento entre o povo


(imperador).

539 Tens razão em te admirares; mas era preciso destruí-lo para chegar à destruição do
trono dos Bourbons, sem a qual, no final das contas, o meu não poderia se elevar. Darei a mim
mesmo a mesma instituição, o mais cedo que eu puder (imperador).

540 Admirável! (imperador).

541 No estado atual, são-lhe remetidas todas as coisas de rigor; e seus ministros reservam
para si todas as graças miúdas: às mil maravilhas (em Elba).

542 Que são lidas excessivamente como romances (cônsul).

543 Sei perfeitamente bem disso (imperador).


544 Meu embaraço é extremo; e não é a mim que se deve imputar minha ambição guerreira,
mas aos meus soldados, aos meus generais, que dela me fazem um artigo de primeira
necessidade. Eles matar-me-iam se eu os deixasse mais de dois anos sem o atrativo de uma
guerra (imperador).

545 Eles me forçam a isto pelos mesmos motivos. Os soldados são sempre os mesmos,
quando deles dependemos (imperador).

546 Consegui fazer ambas as coisas; mas ainda não o suficiente (imperador).

547 Não devo dissimulá-lo: ainda me encontro na mesma situação, sob todos os aspectos
(imperador).

548 Eis uma grande verdade (imperador).

549 Eis aí minha desculpa aos olhos da posteridade (imperador).

550 É sempre o exército, quando é tão numeroso quanto o meu (imperador).

551 Fazer tudo para tanto: vejo-me forçado a isso (imperador).

552 Virtudes fora de lugar nesse caso. Somos dignos de pena quando não sabemos substituí-
las por virtudes políticas da circunstância (imperador).

553 Isto devia ser assim; e eu tê-lo-ia previsto (imperador).

554 Se me fosse concedido renascer para suceder a meu filho, eu serei adorado (imperador).

555 Eles não puderam se dispensar disso (em Elba).

556 É inevitável (em Elba).

557 Isso não diz respeito a mim (em Elba).

558 E eles não sabem deixar de sê-lo (em Elba).

559 É bem isso que querem fazer; mas vão pelo mau caminho e desconhecem a força de seu
partido (em Elba).

560 Isso não pode deixar de lhes acontecer (em Elba).

561 Não podemos evitar essa reputação, quando tudo o que temos é bondade (em Elba).

562 É bem pior, quando passamos a ser governados por ministros ineptos ou antipatizados
(em Elba).

563 Modelo sublime, que jamais cessei de contemplar (imperador).

564 Em mim não admiraram mais que as grandes coisas que fiz, todavia, unicamente por
eles (imperador).
565 O respeito e a admiração fazem que se contenham como se o fossem (imperador).

566 Disto estive sempre convencido (imperador).

567 Na região da atual Croácia — nt.

568 Eu quis imitar esse episódio em Frutidor (1797), quando disse aos meus soldados da
Itália que o corpo legislativo havia assassinado a liberdade na França; mas para aí não os pude
conduzir, nem eu mesmo ir. O golpe malogrado dessa vez não o foi em seguida (imperador).

569 Aqui se reconhece meu retorno do Egito (imperador).

570 Fui nomeado chefe de todas as tropas reunidas em Paris e nos arredores, e, atualmente,
árbitro dos dois conselhos (imperador).

571 Meu Didier era apenas o meu Diretório: bastava dissolvê-lo para aniquilá-lo
(imperador).

572 Meu Niger não foi mais que Barras, e meu Albino não foi mais que Sieyès; eles não eram
formidáveis. Nenhum deles agia por sua própria conta; e eu percebia que divergiam em seus
objetivos. O primeiro desejava restabelecer o Rei; o segundo, entronizar o eleitor de Brunswick.
Mas eu queria outra coisa; e Sétimo, em meu lugar, não teria agido melhor do que eu
(imperador).

573 Não me era necessário mais que afastar meu Niger; e tornou-se-me fácil enganar meu
Albino (imperador).

574 Foi assim que fiz Sieyès ser nomeado meu colega na comissão consular; Roger-Ducos,
que aí também admiti, não podia ser mais que uma máquina de contrapeso à minha disposição
(imperador).

575 Não precisei de tão grandes manobras para me livrar de Sieyès. Mais astuto que ele,
consegui facilmente meu objetivo em meu comitê do 22 frimário, onde eu mesmo arranjei a
constituição que me fez primeiro cônsul, e lançou meus dois colegas no beco sem saída
senatorial (imperador).

576 Não me censurarão por não tê-lo sido, de forma alguma, nessa conjuntura (imperador).

577 A minha não poderia ser maior nessa circunstância; e hei de mantê-la (imperador).

578 Eu não negligenciei, na ocasião, este meio de adquirir o amor deles (imperador).

579 Inconveniente (imperador).

580 Eles jamais ocorrem quando o príncipe se impõe por um grande caráter e uma grande
firmeza (imperador).

581 Quando os ofendemos, é necessário absolutamente afastá-los, trocá-los, exilá-los, de


maneira honrosa ou não (imperador).
582 Dizei: tolo, estúpido, desnorteado (imperador).

583 Digno de pena; não merece que eu detenha sequer por um instante o meu olhar sobre
ele (imperador).

584 Isso foi de justiça. Não era possível ser mais indigno de reinar do que ele (imperador).

585 Ser desprezado é o pior de todos os males (imperador).

586 Há sempre um meio de dissimular este ponto (imperador).

587 Por que não as desaprova depois, fazendo-os serem castigados? (imperador).

588 Isso é merecido, quando se deixa as coisas chegarem a esse ponto (imperador).

589 Ela efetivamente não me incomoda (imperador).

590 Mudar com frequência as guarnições (imperador).

591 Este último título faz referência ao soberano do Egito — nt.

592 Meu interesse pretende que entre uns e outros se mantenha uma certa balança, que eu
possa fazer pender ora para um lado, ora para o outro (cônsul).

593 Minha guarda imperial pode, se necessário, exercer em meu favor a função de janízaros
(imperador).

594 Quer nos preocupemos quer não: é preciso possuir uma forte guarda com a qual se
possa contar, mesmo que haja deserções entre as outras tropas excessivamente apegadas ao
povo (imperador).

595 Devo fazer isso (imperador).

596 A comparação é curiosa e ousada, mas verdadeira aos olhos de todo observador político
(imperador).

597 Os cardeais efetivamente elegem o soberano temporal em Roma, como os magnatas do


Egito elegem seu sultão (imperador).

598 Chegar a sê-lo assim é o mais excelente lote da roda da fortuna (imperador).

599 Há coisas boas em cada um desses modelos: é preciso saber escolher. Apenas os tolos só
conseguem se apegar a um, e imitá-lo em tudo (imperador).

600 Quem será capaz de seguir as minhas? (imperador).

601 Perfeitamente concluído; mas ainda não posso me afastar dos procedimentos de Severo
(imperador).

602 O mesmo príncipe pode ser obrigado a fazer todas essas coisas ao longo do seu reinado,
de acordo com o tempo e as circunstâncias (imperador).
603 Fala, e eu me encarrego das consequências práticas (imperador).

604 Assim agiram os habilidosos artífices da revolução. Tornando-se Príncipes da França,


pela transformação que fizeram dos estados gerais em assembleia nacional, eles armaram
instantaneamente o povo inteiro para criar para si um exército em benefício próprio. Por que as
guardas urbanas e comunais conservaram individualmente esse título que não lhes convém
mais hoje em dia? Porventura é a nação inteira que cada uma delas guarda? É necessário que o
percam, mas gradativamente. Elas não são mais, e não devem ser mais, que guardas urbanas ou
burguesas: assim exigem a boa ordem e o bom senso (imperador).

605 Os grandes artífices da revolução popular não querem realmente armar senão o povo.
Os poucos nobres que deixaram se introduzir em sua guarda nacional não os assustavam. Eles
bem sabiam que não tardariam a eliminá-los. E o povo, julgando-se o único favorecido, ficou
inteiramente do lado deles (imperador).

606 Como hão de sair dessa situação difícil, pois há muitos guardas nacionais que não lhes
são favoráveis? (em Elba).

607 Não há mais tropas desse tipo (em Elba).

608 Duvido que os aliados que estão na França possam impedir isso. E, aliás, eles logo irão
embora (em Elba).

609 Impossível neste momento para eles; e isso seria urgente. Mas conservam a minha, para
a qual eu sou tudo (em Elba).

610 Tive essa atenção na Itália (cônsul).

611 Eu os vi com prazer enjoarem do serviço; e eu bem sabia que, passado o primeiro de
fevereiro, haviam de se cansar dele (cônsul).

612 Para guardar os países conquistados, não enviar senão regimentos de cuja fidelidade eu
esteja seguro (cônsul).

613 Não devemos levar esse raciocínio ao pé da letra, pois, no tempo de Maquiavel, os
cidadãos eram soldados em caso de ataque à sua cidade. Hoje em dia, não é mais com os
cidadãos que se conta para a defesa de uma cidade atacada, mas com as boas tropas nela
colocadas. Penso, portanto, como os antigos políticos florentinos, que é bom fomentar alguns
partidos nas cidades e nas províncias, para ocupá-las, quando são de caráter inquieto,
naturalmente se nenhum deles se dirigir contra mim (cônsul).

614 Especialmente na República Florentina, esses dois grupos dividiam o espectro político e
ideológico nos séculos xii–xiv. Os guelfos apoiavam o domínio papal na região, enquanto os
gibelinos defendiam o poder do Sacro Império Romano-Germânico — nt.

615 Estratagema que frequentemente me foi conveniente. Eu lhes lanço algumas pequenas
sementes de discórdias particulares quando quero desviá-los de se ocupar dos negócios do
estado, ou quando preparo secretamente alguma grande medida administrativa (imperador).
616 Talvez também, eventualmente, prudência e habilidade (imperador).

617 Em tempo de guerra, é preciso diverti-los de outra maneira, para contê-los (imperador).

618 Seria possível superá-las mais do que eu? (imperador).

619 Quantas escadas me forneceram! Porventura me aproveitei bem delas? (imperador).

620 Maquiavel deve estar contente com o proveito que tirei deste conselho (imperador).

621 Isso pode ser verdade para outros, mas não para mim (imperador).

622 Em boa hora (imperador).

623 Como ganhei certos nobres que, por ambição ou mediocridade de fortuna, necessitavam
de posições; e os emigrados aos quais reabri a França e devolvi seus bens... (imperador).

624 Que não fizeram eles para isso em relação a mim? (imperador).

625 É preciso saber tumultuar essa segurança quando suspeitamos que estão relaxando; e
mesmo quando não temos motivo para suspeitá-lo, alguns gracejos intempestivos têm sempre
um bom efeito (imperador).

626 Eles só me quiseram para que eu os afogasse de bens; e, como são insaciáveis, desejariam
assim mesmo um outro príncipe que me substituísse, a fim de serem também por ele
cumulados de bens. A alma deles é um tonel das Danaides, e sua ambição é o abutre de
Prometeu (imperador).

627 Tais como os realistas moderados (imperador).

628 Por ambição frustrada (imperador).

629 Observação de grande profundidade e uma grande verdade (imperador).

630 Assim foram construídos a Bastilha, sob Carlos o Sábio, para garantir o respeito de
Paris; e o Castelo Trombeta de Bordeaux, sob Carlos vii, para fazer o mesmo com os
bordeleses. Não percamos isso de vista (imperador).

631 Na primeira ocasião favorável, construirei uma para mim nas eminências de
Montmartre, para manter os parisienses no respeito. Ah, se eu a tivesse quando eles
covardemente se entregaram aos Aliados! O Castelo Trombeta encerrará os traidores da Garona
(em Elba).

632 Destruir todas as da Itália, excetuando as de Mântua e de Alexandria, as quais fortificarei


o máximo que me for possível (general).

633 Guido Ubaldo, expulso de Urbino em 1502, só pôde voltar no ano seguinte, após a
morte do Papa Alexandre vi, em agosto de 1503. Entre algumas instabilidades, a família
Bentivoglio governou Bolonha de 1401 a 1506, quando os exércitos papais, durante o
pontificado de Júlio ii, conquistaram a cidade — nt.
634 Quando tememos tanto uns quanto os outros, é definitivamente necessário tê-las, e tê-
las por toda a parte onde tememos (em Elba).

635 Mas dez que vos odeiem vos fazem com frequência um mal superior ao bem que vos
fazem cem amigos (em Elba).

636 Não acredito nisso (em Elba).

637 Então, como então. Hoje, veremos (em Elba).

638 Isso basta como apologia das fortalezas (em Elba).

639 Ela não tinha um exército como o meu (em Elba).

640 De fato, acredito nisso, se ela não tivesse nada além disso para se defender (em Elba).

641 Podes louvar-me de antemão (em Elba).

642 Foi por meio delas que eu me elevei; é unicamente por elas que posso me sustentar. Se
eu não fizesse outras novas que ultrapassassem as precedentes, eu decairia (imperador).

643 Há-os de mais de uma espécie (imperador).

644 Eu hei de sê-lo (imperador).

645 Não mais que as minhas (imperador).

646 Fazer outro tanto com a Espanha (cônsul).

647 Minhas circunstâncias diferiam muito das suas em meu empreendimento na Espanha
para que eu tivesse em meu caso semelhantes sucessos. Ademais, posso dispensá-los
(imperador).

648 Fernando foi mais feliz que eu, ou teve ocasiões mais favoráveis. Fazer agir meu irmão (e
que irmão!) não é porventura como se eu mesmo agisse? (imperador).

649 Minha devoção da Concordata só pôde me autorizar a expulsar os sacerdotes que


sempre se mostraram, e ainda se mostrarão, avessos ao cumprimento das promessas e dos
juramentos. Eu só precisava de gente maleável, bem jesuítica. De tempos em tempos, hei de
importunar seus Pais na Fé; Fesche os protegerá, e eles hão de fazê-lo Papa (cônsul).

650 Manter meus povos sempre impressionados, dando-lhes sempre assunto para falar de
meus sucessos, ou de minhas perspectivas ampliadas pelo gênio da ambição: isso só pode ser-
me grandemente útil (cônsul).

651 Foi a isto que me apliquei, sobretudo nos meus tratados de paz, fazendo sempre neles se
inserir alguma cláusula adequada para suscitar o pretexto de uma nova guerra próxima
(imperador).
652 Este é também um dos meus objetivos na sucessão precipitada dos meus
empreendimentos (imperador).

653 Mas é bem necessário que essas coisas deslumbrem por sua pompa, e não sejam
inteiramente desprovidas de uma certa aparência de utilidade pública (imperador).

654 Bernabò de Milão (1321/1323–1385), também chamado de Bernabò Visconti, foi, junto
com o seu irmão Galeazzo, responsável por estender os domínios da família na Lombardia.
Lidou com mão forte contra as investidas papais, bem como contra a peste que assolou a região
durante o seu período de senhoria. Por fim, foi deposto e morto pelo seu próprio sobrinho,
Gian Galeazzo Visconti — nt.

655 A instituição dos meus prêmios decenais (imperador).

656 Não podemos inventar mais nada nesta matéria (imperador).

657 Eu te compreendo, e me conformo aos teus conselhos (imperador).

658 Salvo fazer depois a contrapartida (cônsul).

659 Indício da maior fraqueza de armas e de caráter (cônsul).

660 Não faço outro tipo de guerra (imperador).

661 Foi assim que os neutros das coalizões precedentes se tornaram minhas presas
(imperador).

662 Disposições de que sempre tiro proveito às suas custas (imperador).

663 Observação boa para outros, e especialmente para aqueles que jamais tiveram bom-
senso o suficiente para fazê-la (imperador).

664 O mesmo citado no capítulo iii — nt.

665 Assim farei falarem os príncipes da Alemanha, quando eu vier a tratar de minha grande
expedição à Rússia. Farei os outros marcharem sem isso (imperador).

666 Quod autem isti dicunt non interponendi vos bello, nihil magis alienum rebus vestris
est; sine gratia, sine dignitate, praemium victoris eritis, frase de Tito Quíncio Flaminino, então
legado romano na Grécia — nt.

667 Eles se mostraram fracos, e, por isso mesmo, podiam considerar-se perdidos
(imperador).

668 Os homens de outrora valiam, portanto, mais do que os de hoje em dia, quando tais
considerações não se aplicam, nem se fazem? Nosso século das luzes dilatou maravilhosamente
a esfera da ciência política (imperador).

669 Cada um o compreende à sua maneira (imperador).


670 Bom para os príncipes de pouca importância (imperador).

671 A Rússia não percebeu isso quando abandonou a Áustria às minhas armas; verei melhor
quando se tratar de agir contra a Rússia. A Áustria e a Prússia, mesmo interessadas em sua
conservação, podem ser por mim arrastadas contra ela (imperador).

672 Todas elas chegarão a isso (imperador).

673 Farei essa necessidade aumentar para elas (imperador).

674 Não é necessário que possam evitá-lo (imperador).

675 Exemplo bem pobre! (imperador).

676 Podemos contar com nossa boa fortuna (cônsul).

677 Sempre os há mais numerosos ou mais graves uns que os outros (cônsul).

678 Multiplicar as patentes de invenção (cônsul).

679 Os impostos jamais assustam a cobiça mercantil (cônsul).

680 Acaso alguém já multiplicou esses meios tanto quanto eu? (imperador).

681 As festas e os espetáculos da Igreja não podiam me servir. A supressão deles é


compensada de maneira bem mais vantajosa para mim pela pompa das minhas festas civis
(imperador).

682 É demasiadamente popular (cônsul).

683 É mais que suficiente se exibir em reuniões teatrais (cônsul).

684 É preciso aí ter sobriedade (cônsul).

685 Isso é uma grande verdade, independentemente da atenção que receba (imperador).

686 Mas essa prudência deve também se acomodar às circunstâncias. Há algumas em que o
mais difamado se torna o mais recomendável (cônsul).

687 Que pensariam de mim se eu tomasse como ministros e conselheiros amigos declarados
dos Bourbons, condecorados com suas cruzes de São Luís, cobertos de benefícios daquele que
eu substituí e que aspirava a me suplantar? (imperador).

688 Posso encontrar tudo isso num homem difamado, bem mais do que naquele cuja
reputação floresce como bálsamo (cônsul).

689 Eis aí o que é difícil: eles aí encontrarão sua ruína (em Elba).

690 Não sabemos evitá-lo quando não conhecemos os homens, e quando nos deixamos
dirigir por outros nas escolhas que fazemos (em Elba).
691 Nascido em 1459, foi catedrático de Direito em Siena, Bolonha e Florença, e depois
conselheiro e primeiro-ministro de Petrucci — nt.

692 Observai suas escolhas, e julgai (em Elba).

693 É a isto que mais me apego (cônsul).

694 Não dispenso esse tipo de homens, mas sempre quando aparentam uma grande
superioridade de espírito (cônsul).

695 São estúpidos e tolos. Maquiavel se esqueceu dos espíritos sistemáticos e obstinados com
seus sistemas (cônsul).

696 Os quartos se perdem, julgando com orgulho estarem a fazer o que há de melhor (em
Elba).

697 José tem ao menos esse tipo de inteligência (imperador).

698 Fazer o máximo possível para que ele não possa pensar em seus interesses senão se
ocupando dos teus (cônsul).

699 Jamais: isso é bem severo; mas, se ele pensa mais em si do que em mim, é o que verei
logo; e via, via (cônsul).

700 Como sabem dissimular seus interesses sob os do meu reinado! (imperador).

701 Quando não são como os meus, gente que perdeu toda a vergonha. Resta mais
probidade no meu reino da Itália (imperador).

702 Hipócritas! Eles aprenderam hoje em dia a se fazerem importantes em todos os regimes,
mesmo nos mais díspares e mais contrários (em Elba).

703 Bom para outra época, ou para outro lugar diferente da França (imperador).

704 Quem imaginaria que eu seria a vítima? Hei de repará-lo (em Elba).

705 Eles são necessários; o príncipe precisa de seus incensos; mas ele não se pode deixar
embriagar, o que é difícil (imperador).

706 Se não me louvassem com exagero, o povo julgaria que estou abaixo de um homem
vulgar (imperador).

707 Concordo com isso: mas porventura quererão dizer-me? (imperador).

708 Já é muito permiti-lo a dois ou três (imperador).

709 Não deixei de fazê-lo, e estou me saindo muito bem (imperador).

710 Proibamos a estes mesmos que abram a boca, caso não sejam perguntados (imperador).

711 É demais (cônsul).


712 Este sou eu (imperador).

713 Acrescente-se a força das circunstâncias atuais, que lhe tornam esses dois perigos ainda
mais inevitáveis, e vereis o objetivo ao qual arrastam os aduladores (em Elba).

714 Ele teve boas ideias, sobretudo quando quis ser colega e igual do Papa, mesmo em
matéria de religião, e quando, tendo isso em vista, assumiu o título de Pontifex maximus; mas
ele não tinha a minha força de caráter. Ele se contentou em dizer que “se ele fosse Deus, e se
tivesse dois filhos, o primeiro seria Deus e o segundo seria rei da França”. Para mim não há se.
Sendo onipotente na Europa, farei que meu filho, se permanecer sendo o único, possua
exclusivamente a soberania da Santa Sé, juntamente com a do Império (imperador).

715 Ai de quem o imaginasse! (imperador).

716 Cabeça fraca, com uma bela imaginação (imperador).

717 Só somos secundados quando as pessoas por quem desejamos sê-lo sabem que somos
imutáveis (imperador).

718 Isso está arranjado: eles não os darão sem antes terem consultado o meu humor e
adivinhado a minha opinião (imperador).

719 Eu soube fazê-los perder em definitivo a vontade de fazê-lo (imperador).

720 Maquiavel faz exigências excessivas. Sei melhor que ele o que convém à minha situação
(imperador).

721 A opinião está firmada. Todos sabem que posso dizer como Luís xi: “Meu conselho está
dentro da minha cabeça” (imperador).

722 Sede um Luís xiii hoje em dia; e logo vereis que Armando fará como Pepino
(imperador).

723 Não devemos, nesse caso, nos sobrecarregar com o peso de um cetro (imperador).

724 Isso se verifica (em Elba).

725 Verdade incontestável, que basta para que os ministros e cortesãos afastem o príncipe de
toda leitura de Maquiavel (em Elba).

726 Onde está a cabeça reinante capaz disso? Em uma pequena ilha do Mediterrâneo (em
Elba).

727 O mais curioso dos capítulos (em Elba).

728 Fiz essa experiência (imperador).

729 O apego que me demonstram a maior parte dos seus nobres me prova que eles
praticamente os esqueceram (imperador).
730 Sobretudo quando são emigrados a quem devolvemos seus bens, ou nobrezinhos pobres
a quem tornamos ricos; e os próprios ricos me são gratos por tê-los colocado em condição de
aumentar sua fortuna (imperador).

731 Estou a fazer esta feliz experiência (imperador).

732 Eles me censurarão por este erro para justificarem o fato de me terem virado as costas
(em Elba).

733 Nenhuma dessas glórias me falta (imperador).

734 Isso não me diz respeito (em Elba).

735 Ter somente uma parte como inimiga deve bastar (em Elba).

736 Isto lhe é impossível com aqueles que conservou junto de si (em Elba).

737 Sim, mas se eu puder dispor deles (em Elba).

738 Hei de colocar-me em melhor postura para com a coalizão, caso ela se renove (em Elba).

739 Mesmo que eu corroborasse a cessão já feita dos países que eu havia conquistado, e
mesmo que me mantivesse dentro dos limites recentemente fixados, serei sempre o imperador
dos franceses (em Elba).

740 Eles não podem se queixar de não terem sido favorecidos por ela (em Elba).

741 Vede como isso se verifica. Todos os que os cercam se pavoneiam em seus desfrutes, e
temeriam fazer má digestão se abrissem caminho para qualquer inquietação. Eu até mesmo
aposto que, se me vissem novamente, não quereriam crer na possibilidade do meu retorno. A
disposição natural deles se presta às mil maravilhas aos meus estratagemas narcóticos (em
Elba).

742 Não terão mais espaço para fazê-lo (em Elba).

743 Hei de mostrar-me como um príncipe moderado, sábio, humano (em Elba).

744 Porventura terão eles outra? É possível que os abandonem, ao verem minha valentia; e, a
propósito, hei de precaver-me de maneira ativa (em Elba).

745 Nunca jamais contei senão com estas; e hei de tê-las (em Elba).

746 Sistema dos preguiçosos, ou dos fracos. Com gênio e atividade, dominamos a mais
adversa fortuna (em Elba).

747 Porventura tinha ele visto um maior número deles, e maiores, do que os que eu suscitei,
e que ainda posso produzir? (em Elba).

748 Santo Agostinho não dissertou melhor sobre o livre-arbítrio. O meu domou a Europa e a
Natureza (imperador).
749 Esta fortuna é a minha: é eu mesmo (imperador).

750 Não lhes dei nem tempo, nem facilidade para fazê-lo (imperador).

751 Minha fortuna não é do tipo que se pode reduzir assim (imperador).

752 Como seria a dos meus inimigos (imperador).

753 Ela me encontrará sempre pronto a esmagá-la com o peso da minha (imperador).

754 Ela há de sê-lo (general).

755 Possível referência à invasão estrangeira na Itália — nt.

756 Verá muitos outros (general).

757 Se aí nos visses hoje, e se conheces meus planos! (general).

758 Apesar da tua discrição, adivinhei o que pensavas, e disto tira rei proveito (general).

759 Pobres formalistas! (cônsul).

760 É necessário saber segui-la em suas variações, sem jamais se apoiar inteiramente sobre
ela, e isto aparentando estar seguro de seus favores (cônsul).

761 Jamais a afabilidade esteve em maior discordância com sua situação (em Elba).

762 Quando não age de maneira despropositada, seguindo sempre o seu modo natural
(cônsul).

763 Variar de acordo com a necessidade das circunstâncias, sem nada perder da própria
energia, é o que há de mais difícil, e que mais exige um grande caráter. Em pouco tempo, ver-
se-á a grandeza e a flexibilidade do meu (em Elba).

764 É algo difícil, mas hei de consegui-lo (em Elba).

765 Um homem ser bom ao reinar porque o era antes de reinar, e para reinar, é o mais
ruinoso de todos os sistemas (em Elba).

766 Espero fazê-lo com a mais perfeita segurança: é inevitável (em Elba).

767 Absolutamente impossível (em Elba).

768 Bem felizmente para mim, não há mais papas como este, que lançou no Tibre as chaves
de São Pedro, a fim de se servir unicamente da espada de São Paulo (general).

769 Eu segui essa tática, não como ele, por uma tendência maquinal, mas por cálculo, e
sempre de maneira adequada (imperador).

770 Se, após o meu retorno, os aliados pensarem em pegar novamente em armas, será
necessário que eu produza entre eles o mesmo efeito (em Elba).
771 Imaginar então algo de semelhante em relação aos aliados, seguindo a marcha da
política deles (em Elba).

772 Frequentemente imprudências são necessárias; mas elas devem ser calculadas (em Elba).

773 Quantos reis, mesmo não sacerdotes, não agem com essa lenta e tola prudência! (em
Elba).

774 Se eu não prevenir tudo isso, autorizarei que me julguem indigno de reinar (em Elba).

775 No entanto, é prodigioso seguir, durante dez anos e com sucesso, o mesmo método.
Maquiavel deveria ter dito que Júlio sabia adormecer com tratados de paz a Potência que ele
queria surpreender (cônsul).

776 Quando sempre tivemos êxito com esse tipo de procedimento, e quando eles são
análogos ao nosso caráter, parece-me que temos razões suficientes o bastante para seguir na
mesma linha, todavia com uma pitada de hipócrita moderação diplomática (imperador).

777 Bem observado: as experiências que fiz quanto a esse ponto não permitem mais a menor
hesitação a esse respeito (em Elba).

778 Ela mo provou tantas vezes! Mas, se eu fosse menos jovem, não mais contaria com seus
favores. Apressemo-nos: na competição, ela não pode se decidir senão a meu favor (em Elba).

779 Maquiavel falava como romano, e eram sobretudo os franceses que ele tinha em vista.
Inversamente, os bárbaros que, com eles, devo expulsar da Itália são as casas da Áustria e da
Espanha, o Papa etc. (general).

780 Plano magnífico, cuja execução me era reservada. Começando com italianos amolecidos
como são os de hoje em dia, eu não teria conseguido; mas, sendo eu mesmo italiano, posso
fazê-lo com franceses, de quem os italianos aprenderão, sob minhas ordens, a substituí-los
depois na prática de atos de valor marcial (general).

781 O tempo presente é com certeza bem mais propício, uma vez que a repercussão da
revolução francesa na Itália aí já produziu uma comoção de reviravolta política, bem como a
fermentação dos espíritos (general).

782 Colocá-la na mesma situação para em seguida reerguê-la sob um cetro único (general).

783 Tanto quanto eu? Não (general).

784 Eis-me aqui: mas, para salvá-la — todavia, em meu proveito —, é necessário, antes de
tudo, inserir ferro e fogo em suas chagas (general).

785 É com estes mesmos bárbaros que eu hei de atender-te (general).

786 Sim, se eu dela fizesse parte então (cônsul).

787 Iniciá-la, sim; consumá-la, não. Ela é incapaz de fazer mais do que o que fez (general).
788 Mas é necessário ter a força deles para bem imitá-los (general).

789 Lourenço não era assim (general).

790 Mau raciocínio; há homens e homens (general).

791 “É justa a guerra necessária, e piedosas as armas onde não há esperança senão nelas” —
nt.

792 Há algo de verdade em tudo isso; mas o que aí vejo de mais claro é o ardor extremo de
Maquiavel em prol dessa operação (general).

793 Outros tantos milagres que se renovaram a meu favor, de maneira bem mais real que a
favor de Lourenço de Médici (general).

794 Ele há de sê-lo (cônsul).

795 Vemos que Maquiavel queria ter sua parte nisso; eu lhe concedo, pois ele bem me serviu
(imperador).

796 Com as minhas já tão gloriosamente postas à prova na França, e que eles também hão de
ter, todo sucesso é infalível (cônsul).

797 Minha tática é invenção minha; e todos os potentados da Europa se curvaram diante
dela (imperador).

798 As minhas receberam de toda a Europa esta dupla homenagem (imperador).

799 Animador, e muito verdadeiro (general).

800 E eu também sou italiano! Meus rivais são exclusivamente franceses (general).

801 Foi dado unicamente ao século xviii produzir este homem até então impossível de
encontrar (general).

802 Ele só me servirá bem depois de um amálgama preliminar com o exército francês
(general).

803 Quase todas essas batalhas foram contra os franceses: Taro (1496), Alexandria (1499),
Cápua (1501, quando os franceses se aliaram aos espanhóis), Gênova (1507), Vailà (1509) e
Bolonha (1511). O caso de Mestre (1513) uniu o imperador germânico, a Espanha, Milão e o
Papa, contra os venezianos — nt.

804 Que não farei eu quando tiver, como príncipe particular de ambos, um exército italiano
juntamente com um francês! (general).

805 Ele fala apenas em se defender dos estrangeiros; eu quero também conquistá-los, e deles
fazer meus súditos (general).
806 Costume digno de pena, que a pólvora de canhão lançou no esquecimento. Esses
pretensos mestres da arte militar não eram mais que crianças (general).

807 Isso também deve ser assim hoje em dia; hei de arranjar-me adequadamente, quando
chegar o momento (general).

808 Tudo isso está feito (general).

809 Minha tática, cujo segredo eles ainda não conhecem, me proporcionará em medida
muito maior do que seria factível para Lourenço (general).

810 Ela enfim o reconheceu em mim (imperador).

811 Eu vi todas essas previsões realizadas em meu favor. Tudo, até a Cidade Eterna, se
glorifica por se encontrar sob meu Império (imperador).

812 Ela há de sê-lo ainda mais, se puder sê-lo sem perigo para mim (imperador).

813 “Armas contra furor / virtude tomará; e a luta é breve / que o antigo valor / no coração
de Itália não prescreve” (As rimas de Petrarca, trad. Vasco Graça Moura. Lisboa: Bertrand,
2003, p. 383). Versos extraídos do Cancioneiro, parte i, cxxviii, canção xvi, versos 93–96 —
nt.

814 Ela hoje revive quase que inteiramente, graças a mim; todavia, não permitamos que se
reúnam em um só corpo nacional, a menos que eu queira esmagar a França, a Alemanha, a
Europa inteira (imperador).

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