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Português

Fascículo 06
Carlos Alberto C. Minchillo
Izeti Fragata Torralvo
Marcia Maísa Pelachin
Índice

Gramática
Resumo Teórico ..................................................................................................................................1
Exercícios............................................................................................................................................5
Gabarito.............................................................................................................................................6

Literatura
Morte e vida severina, João Cabral de Melo Neto ................................................................................8
Exercícios..........................................................................................................................................12
Gabarito...........................................................................................................................................14
Gramática

Objetivos:
• reconhecer as relações semânticas (lógicas) estabelecidas por conectivos
• treinar o emprego de conectivos que estabelecem relações lógicas

Resumo Teórico

Conteúdo do resumo teórico

Conectivos e relações semânticas


1. Conceituação
2. Lista de conectivos e exemplificação de emprego

Conectivos e relações semânticas (lógicas)


Conceituação

Ao se estabelecerem, em um enunciado, relações de subordinação e coordenação1 é


comum o emprego de conectivos.
Conectivos são palavras ou expressões que estabelecem relações entre palavras e orações.
As preposições e locuções2 prepositivas são conectivos que relacionam palavras subordinando uma à
outra; as conjunções e locuções conjuntivas são conectivos que relacionam orações, subordinando ou
coordenando, e palavras, coordenando-as.
Há conectivos que estabelecem relações sintáticas, sem estabelecerem relações
semânticas (lógicas). Nesse caso, costumam ser chamados de nocionais.
Exemplo:
Não gosto de comida japonesa!

O verbo gostar pede um complemento que a ele se relaciona por meio da preposição
de. Como se trata de preposição exigida pelo verbo, ela não estabelece uma relação lógica. Compare
com:
A comida veio do Japão!

A preposição de, na frase "A comida veio do Japão!", indica uma circunstância de origem.
Portanto, estabelece uma relação lógica (semântica) entre os termos que relaciona.
Compare ainda:
Creio que a verdade aparecerá.
A verdade é tão clara que não poderá ser ignorada.

1. Ver aula 5
2. Chama-se locução ao conjunto de duas ou mais palavras que possuem uma mesma função. No caso de locuções
prepositivas, são palavras que, em conjunto, assumem a função de uma preposição, de conectar palavras com diferentes
funções (uma subordina e outra que é subordinada).
Na frase “Creio que a verdade aparecerá", a conjunção que não estabelece uma relação
semântica, apenas, relaciona a oração subordinada à principal. Na frase, ”A verdade é tão clara que
não poderá ser ignorada” relaciona a oração subordinada à principal, estabelecendo entre elas uma
relação de conseqüência e causa (relação lógica ou semântica).

Lista de conectivos e exemplificação de emprego

Preposições e conjunções são conectivos.

Preposições e locuções prepositivas

Algumas palavras sempre são preposições e, por isso, são chamadas de preposições
essenciais.

Preposições essenciais: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, per, perante,
por, sem, sob, sobre, trás.

Outras palavras, ocasionalmente, podem assumir a função de preposição. Exemplo: em


"Segundo o pai, deixou de fumar pouco tempo após a notícia da doença.", a palavra segundo assume
o papel de conectivo, de preposição.
São locuções prepositivas, expressões como: junto a, perto de, acerca de, a fim de...
No emprego das preposições é fundamental que se percebam as relações de sentido que
estabelecem. Exemplos:

Preposição Exemplo Relação semântica


A Vou a Cuba, no fim do ano. Lugar (destino)
O texto foi feito a lápis. Instrumento
Fará a cirurgia daqui a dois dias. Tempo futuro
A fazenda fica a dez quilômetros da cidade. Distância
De Adora falar de política. Assunto
Viemos da fazenda com as malas cheias. Lugar (origem)
Ganhei uma linda carteira de couro. Matéria
Com Brinca todos os dias com a irmã. Companhia
Fez com argila um vaso para a mãe. Matéria
Fez, com a mão, um sinal para que o esperasse. Modo

Conjunções e locuções conjuntivas

Conjunções e locuções conjuntivas estabelecem relações entre orações (coordenando-as


ou subordinando-as) e relações entre termos de igual função (coordenando-os, portanto).

Conjunções coordenativas

Estabelecem cinco tipos de relações, como se especifica nos exemplos que seguem.
Relação Principais conjunções e locuções Exemplos
conjuntivas
Adição E, nem, não só...mas também Não só está feliz, como também sorri
(aditiva) bastante.
Oposição Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, Está feliz com a carta, porém continua
(adversativa) no entanto, não obstante esperando a chegada do irmão.
Alternância Ou, ou...ou, ora...ora, quer...quer Ora chove torrencialmente, ora há uma
(alternativa) seca insuportável.
Explicação Que, pois (antes do verbo), porque, uma Faltou à aula, pois não está na sala.
(explicativa) vez que
Conclusão Pois (em geral, após o verbo), portanto, Não está na sala, portanto não está na
(conclusiva) logo, por isso sala.

Observações:
1. É comum uma conjunção assumir um valor semântico diferente do que é o usual.
Exemplo:
É rico, e pede esmolas.
A conjunção "e", no contexto, assume o valor de oposição

Fique quieto ou terá de sair.


A conjunção "ou", no contexto, assume o valor de uma condição.

2. A explicação não deve ser confundida com a causa.


Se existe uma causa, há entre as orações do período uma relação de causa e conseqüência ou
causa e efeito. Além disso, a causa deve ser um fato anterior à conseqüência.
Se existe uma explicação, pode-se considerar duas possibilidades:
• Há uma ordem (verbo no imperativo) que se quer justificar (Saia, que estou mandando.);
• Há uma afirmação sobre um fato que se justifica por uma observação posterior ao fato
(Carla saiu, pois as portas e janelas da casa estão fechadas.).

Conjunções subordinativas

Há dois tipos: integrantes (que relacionam orações subordinadas adverbiais à principal) e


outras, às vezes chamadas de adverbiais (que relacionam orações subordinadas adverbiais à principal).
As integrantes são as palavras "que" e "se". A essa última acrescenta-se um valor de
dúvida. Compare:
Jorge disse que saiu.
Jorge não sabe se sairá.
As conjunções subordinativas adverbiais estabelecem nove relações lógicas (semânticas),
como se exemplifica a seguir.
Relação Principais conjunções e locuções Exemplos
conjuntivas
Causa (causal) Porque, uma vez que, já que, visto que Resfriou-se porque insiste em ficar
descalço.
Conseqüência (tão, tanto, tal, na oração principal) que, Está tão resfriado que mal pode falar.
(consecutiva) de modo que
Condição Se, caso, desde que Caso tenha dúvidas, consulte o plantão
(condicional) de atendimento aos alunos.
Concessão Embora, ainda que Ainda que se mostre feliz, meu pai anda
(concessiva) muito preocupado.
Comparação Como, (tanto, na oração principal) É tão jovem quanto a filha!
(comparativa) quanto
Conformidade Como, conforme, segundo Conforme disse o jornalista, o
(conformativa) empresário não quis responder às
perguntas.
Tempo Quando, assim que, antes que, desde Quando cheguei à escola, soube do
(temporal) que, depois que, mal ocorrido.
Finalidade A fim de que, para que, porque (seguido Estude para que tudo saia bem na prova.
(final) de verbo no subjuntivo)
Proporção À proporção que, à medida que, quanto À medida que nos aproximamos da
(proporcional) menos, quanto mais praia, o cheiro do mar invade nossos
pulmões.

Observações:
1. Uma mesma conjunção pode assumir diferentes valores, em função do contexto. Exemplos:
Desde que o conheço, não sinto mais solidão.
Você pode sair, desde que cumpra com suas obrigações.
Em "Desde que o conheço, não sinto mais solidão" e "Você pode sair, desde que cumpra com suas
obrigações", ocorre a locução conjuntiva "desde que". No primeiro caso, ela estabelece uma relação
de tempo; no segundo, de condição.

2. Quando se estabelece uma relação de comparação, é comum que um verbo esteja oculto.
Exemplo
Canta como uma soprano!
Fica implícito o verbo cantar, na segunda oração3.

3. Se a oração estabelece com a anterior uma relação de conseqüência, é comum a presença de um


intensificador, como "tão", "tanto", "tal", na primeira oração.
Exemplo:
É tão descuidado, que vive aos tombos pela casa.

3. Chama-se zeugma à omissão de termo já expresso.


Exercícios

01. Assinale a alternativa em que a preposição por estabelece relação idêntica à que se encontra em:
A televisão o esnoba. É por ser o mais inteligente dos atores brasileiros que não encontra
trabalho.
a. O amor de Millôr Fernandes por seu poodle Igor o levou a escrever um artigo memorável.
b. Odeio a guerra. Sou inteiramente pela paz.
c. Se fossem franceses, esses artistas seriam reverenciados por toda a nação.
d. Por ser perfeccionista, meu marido sempre arruma brigas com os colegas de trabalho.
e. Nosso país foi colonizado por portugueses. Mas não se pode negar a influência de muitas outras
nações.

02. Leia com atenção o anúncio que segue.

Diário de Pernambuco. 02 / 08 / 98.

Assinale a alternativa que apresenta uma reescritura que mantém as relações lógicas
presentes entre as orações da frase principal do anúncio.
a. Mesmo que você pense que o que vem da China não o atinge, precisa ter umas aulas de
economia.
b. Uma vez que você pense que o que vem da China não o atinge, precisa ter umas aulas de
economia.
c. Caso você pense que o que vem da China não o atinge, precisa ter umas aulas de economia.
d. Para que você pense que o que vem da China não o atinge, precisa ter umas aulas de
economia.
e. À medida que você pensa que o que vem da China não o atinge, precisa ter umas aulas de
economia.

03. Assinale a alternativa em que a palavra ou expressão destacada é um conectivo que estabelece uma
relação de soma, de adição.
a. " ¾ Olhe, mulher, hoje é dia de Natal. Eu nem me lembrava."
Rubem Braga

b. "Não alcançava adormecer, estranhava os clapes das ondas, o clapejo brando; e pensava e nem
pensava.”
Guimarães Rosa

c. "Nem bem começou a falar, Eudócia arrumou a mala e partiu no primeiro trem."
Dalton Trevisan
d. "Eu gosto de dançar, ela não gosta; eu gosto dos homens (bonitos, jovens, fortes), ela gosta do
marido que nem é casado com ela e ninguém sabe onde anda (...)"
Rubem Fonseca

e. "Não posso viver sem você, quero ficar perto de você, (...) você não precisa falar comigo, nem
olhar para mim."
Rubem Fonseca

04. Texto:
Caminho livre para a fera
As onças-pintadas costumam encher de medo a vida dos fazendeiros do Pantanal e dos
ribeirinhos da Amazônia, as duas regiões brasileiras onde suas aparições são mais comuns. Mesmo
assim, os biólogos Leandro Silveira e Anah Tereza Jácomo, que trabalham para a ONG
preservacionista Pró-Carnívoros, resolveram seguir passo-a-passo – literalmente – as onças que vivem
no Parque Nacional das Emas, uma reserva de cerrado no sudoeste de Goiás. Depois de adormecer os
bichos com armas anestésicas, a equipe da Pró-Carnívoros marcou um animal adulto e dois filhotes
com coleiras sinalizadoras. "São os primeiros mamíferos terrestres brasileiros monitorados por satélite",
diz Leandro. O trabalho começou em 1994 e a dupla já conseguiu dados preciosos sobre o
comportamento da espécie. Eles rastrearam o adulto até 40 quilômetros além dos limites do parque e
notaram que ele avança sempre por caminhos de vegetação nativa, margeando o rio Corrente em
busca de outras áreas de cerrado. A demarcação informal desse "corredor" preservado embargou
provisoriamente as obras da barragem de Itumirim, uma hidrelética que, se construída, irá alagar um
trecho do rio Corrente até perto a junção dos rios Formoso e Jacuba (...). Com a inundação, as onças
ficariam isoladas, impedidas de viajar em busca de alimento e, principalmente, parceiros para a
reprodução. (...)"

National Geographic. Brasil. Vol. 1, n.o 4. Agosto de 2000

Assinale a alternativa que identifica corretamente as relações semânticas estabelecidas


pelas palavras e expressões destacadas.
a. oposição – tempo – lugar – condição – causa
b. condição – tempo – adição – dúvida – modo
c. condição – condição – adição – oposição – modo
d. oposição – condição – lugar – oposição – meio
e. comparação – tempo – lugar – dúvida – meio

05. Leia com atenção o anúncio da marca Topper extraído do jornal A Gazeta Esportiva, 28 / 08 / 00.
"Diga o que deve mudar no futebol brasileiro e concorra a um kit Topper"
Se a frase começasse com "Concorra a um kit Topper", a alternativa que apresenta o
melhor conectivo para o restante da frase seria:
a. porque
b. ainda que
c. visto que
d. caso
e. à medida que
Gabarito

01. Alternativa d.
Na frase inicial e na alternativa "d", a preposição por estabelece uma relação de causa.
Nas outras alternativas, a preposição indica, respectivamente:
a. alvo;
b. propensão (=a favor de);
c. agente;
e. Agente.

02. Alternativa c.
Na frase do anúncio e na alternativa "c", o conectivo estabelece uma relação de condição.
Nas outras alternativas, a relação é, respectivamente, de:
a. concessão;
b. causa;
d. finalidade;
e. Proporção.

03. Alternativa e.
Nas outras alternativas, a palavra destacada funciona como:
a. advérbio de negação;
b. advérbio de negação;
c. conectivo que estabelece relação de tempo (com o valor de mal, assim que);
d. advérbio de negação (observe-se a construção enfática)

04. Alternativa a.
"Mesmo assim" significa "apesar disso", indicando uma oposição, uma concessão. "Depois
de" é uma locução que expressa tempo a partir do qual algo é determinado. "Além de", na frase, indica
uma circunstância de lugar. "Se" é conjunção subordinativa condicional. "Com ", no contexto, introduz
uma locução adverbial de causa.

05. Alternativa d.
Iniciando a frase como "Concorra a um kit da Topper", o restante da frase estabeleceria
uma condição, que pode ser estabelecida pela conjunção "caso". Os outros conectivos estabelecem,
respectivamente, relação de: "a", causa; "b", concessão; "c", causa e "e", proporção.
Literatura

Morte e vida severina, João Cabral de Melo Neto

A realidade expressa na concretude da palavra


João Cabral reserva para si um espaço inteiramente próprio e original dentre os poetas de
45. A particularidade da sua obra manifesta-se sobretudo pela linguagem precisa, econômica, que é
responsável por uma poesia de apelo cerebral, intelectual. Não se encontra em João Cabral a
confissão, o enlevo ou mesmo o encantamento musical que caracterizam o lirismo nacional.1 Os
versos de João Cabral solicitam a consciência desperta, o compromisso da leitura atenta e oferecem
em troca a imagem luminosamente clara da vida que se desnuda exatamente como ela é.2
Essa ausência de véus sobre a realidade e o interesse por temas da vida nordestina
aproximam João Cabral de Graciliano Ramos3 que, em seus romances, também combina o uso da
palavra "dura", de sentido concreto, densa e rigorosa à reflexão sobre a condição humana.
Em Morte e vida severina, uma das obras mais conhecidas de João Cabral, a inspiração
vem do conhecimento da realidade pernambucana4 e a propensão natural do poeta por pintar
nitidamente imagens do real está presente nas cenas que contam a história de Severino retirante.

"Coisas de não: fome, sede, privação"

Morte e vida severina é um poema dramático que reafirma o compromisso do autor com
a verdade de um Brasil distante do poder, maltratado pela seca, condenado à miséria que se renova
em cada Severino que nasce.
Por ser um auto,5 incluir assuntos do folclore pernambucano6 e revitalizar a temática
comum aos romances regionalistas, Morte e vida severina é um exemplo particular de poema
dramático que mescla a antiga tradição, consagrada desde o período colonial, às expressões mais
genuínas da cultura popular do local, sem ser popularesco7.

1. A poesia lírica brasileira caracteriza-se especialmente pelo caráter melódico da linguagem e pelo extravasamento
emocional. São exemplos Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Cruz e Sousa, assim como os
modernistas Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e vários outros.
2. João Cabral manifesta propensão natural para a criação de imagens claras, plasticamente definidas. O poeta confessa ser
essa de fato uma necessidade: "Eu quero apenas dar a ver com a minha poesia. Você não vê um poema meu que seja
pura reflexão. Minha poesia é tópica, porque sempre o poema é sobre um assunto, que eu procuro dar a ver da maneira
mais viva possível."
3. Quer pela temática da seca, das injustiças sociais perpetuadas por um sistema econômico opressor, quer pela capacidade
de síntese, Morte e vida severina lembra Vidas secas, de Graciliano Ramos.
4. O próprio poeta afirma, em 1981, numa entrevista à revista "Manchete": "...todos os meus temas, os temas tratados na
minha poesia, são nordestinos, motivos tirados de lá. Eu faço questão de valorizar a minha origem. E luto para que as
suas diferenças em relação aos demais lugares jamais desapareçam. (...) Eu não reconheço nenhum brasileiro. Você
conhece? Eu conheço, sim, um pernambucano, um paulista, um carioca."
5. Auto é uma composição para teatro, organizada por cenas sucessivas, que desenvolvem um só assunto, em um só ato. É
uma forma cultivada na Península Ibérica, durante a Idade Média. Muitos dos autos tinham objetivo didático-religioso e
comumente constituíam representações natalinas de Presépios.
6. O poeta conta que pesquisou histórias do folclore pernambucano num livro de Pereira da Costa, estudioso do início do
século. De lá transpôs a cena do nascimento da criança, as homenagens feitas ao recém-nascido e as profecias das
ciganas.
7. Não há em Morte e vida severina registros de modismos ou trejeitos da fala sertaneja, o que poderia resultar em visão
estereotipada, caricatural, ao sabor do popularesco.
Ainda que criada para teatro e pressupondo portanto recursos de encenação, Morte e
vida severina se sustenta especialmente na palavra, no ritmo de cadência popular8 e na força dos
monólogos e diálogos. Nessa fala sonora, rigorosa e econômica,9 os versos do poeta criam um
espetáculo que emociona não pelo sentimentalismo fácil,10 mas pela capacidade de comunicar a
verdade da vida definida pelas "coisas de não", isto é, pela miséria e privação.
O título da obra é representativo dessa capacidade de síntese e de força de
comunicação. O adjetivo "severina", criado a partir do nome "Severino"11, condensa o sentido de
"severo", "rude", "áspero", que é transferido do nome do qual se originou. Com economia de palavras,
o poeta esclarece como é a morte e a vida de todos que são iguais a Severino, o protagonista da peça.

"Certos poemas não podem ser lidos em voz baixa, em silêncio..."12

É assim, em voz alta e límpida que Severino retirante revela para o público o seu destino
tão igual a outros tantos Severinos, que migram para o litoral em busca de menos privação.
Nas 18 cenas do auto, narra-se em meio a esperanças e decepções a viagem desse sertanejo que teima
em viver. Desde a primeira fala, Severino manifesta o desejo de distinguir-se, de perceber-se como um
indivíduo, mas frustra-se, pois se reconhece idêntico a todos os de igual sina.

"Somos muitos Severninos


iguais em tudo na vida
morremos de morte igual,
mesma morte severina"

O retirante inicia a viagem e, para não se perder, orienta-se pelas margens do rio
Capibaribe que, como Severino, vai em direção a Recife. Desde os primeiros passos, Severino se
depara com a morte: dois homens conduzem um lavrador assassinado por ter ousado expandir o seu
miserável roçado. Nesse contato, amargamente se revela a irônica idéia de que a morte é mais
sedutora do que a vida:

"Mais sorte tem o defunto,


irmãos das almas,
pois já não fará na volta
a caminhada"

Mais adiante, Severino ouve rezadeiras aconselharem um defunto a escapar do encontro


com o demônio: "Dize que levas somente / coisas de não: / fome, sede, privação." Esses versos
especialmente destacam a vida tão minguada do sertanejo que, ao menos, pode ter o alento de
espantar interesses do demônio.

8. Predomina em Morte e vida severina o verso redondilho maior ou heptassílabo, originado na literatura medieval
portuguesa e considerado o verso de melodia mais popular.
9. A linguagem de João Cabral de Melo Neto, de modo semelhante à de Graciliano Ramos, caracteriza-se pelo poder de
síntese e precisão.
10. A expressão seca, densa, incisiva denuncia sem disfarces a realidade nordestina.
11. Estabelece-se aqui um permanente retorno aos mesmos sentidos: o substantivo próprio originou-se do adjetivo "severo" e
carrega, portanto, o sentido de "rude", "rígido", "áspero", como se o nome próprio fosse a materialização da noção que o
adjetivo lhe empresta. A criação do adjetivo “severina” ressalta uma qualificação de maior concretude, pois é como se
refletisse o que é intrínseco ao substantivo (ser) de que se derivou e que, por sua vez, já tem em si o sentido de “severo”,
“rude”, “rígido”, “áspero”.
12. Declaração de João Cabral.
O retirante, cansado da viagem, resolve interromper a caminhada e pedir emprego a uma
mulher que se encontrava em uma janela. Oferece-se para cultivar a terra, mas é aconselhado pela
mulher a desistir de trabalhos que geram produção, pois naquelas paragens só a morte prospera.
Assim, somente rezadeiras, encomendadores de defuntos, médicos, coveiros encontram o que fazer.

"Como aqui a morte é tanta,


só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar"

Embora desanimado, Severino continua a viagem. Chega à Zona da Mata, encanta-se


com a beleza branda da terra fértil, mas rapidamente entende que ali também não será acolhido.
Assiste a um enterro de mais um lavrador e se dá conta de que só há trégua para o árduo destino na
cova rasa e estreita a que o trabalhador tem direito nos vastos latifúndios.

"— Esta cova em que estás,


com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio."
"É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo"

Severino resiste ao acúmulo de tantas desilusões e apressa-se para chegar a Recife. Na


capital, exausto da viagem, o sertanejo senta-se ao lado do muro de um cemitério para descansar um
pouco e acidentalmente escuta a conversa de dois coveiros que manifestam o desejo de que os
retirantes se lancem no rio, reduzindo assim a quantidade de sepultamentos gratuitos no cemitério
dos pobres. Severino, desesperançado, compreende a inutilidade da sua busca e pensa em matar-se,
lançando-se de uma das pontes do Capiberibe. A dramaticidade desta cena advém principalmente da
resistência abalada de Severino que se sente inclinado a ceder à morte, companheira fiel de toda a
jornada.

" E chegando, aprendo que,


nessa viagem que eu fazia,
sem saber desde o Sertão
meu próprio enterro eu seguia
(...)
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia"

Prestes a se atirar nas águas volumosas do rio e entregar-se à "mortalha macia e líqüida",
Severino encontra José, mestre carpinteiro, um morador do mocambo, a quem Severino faz uma série
de perguntas. Ao discurso de fracasso do protagonista são contrapostas as falas sensatas de mestre
José, que valoriza a vida e tenta convencer o retirante a desistir do suicídio. Inesperadamente, uma
mulher interrompe a conversa dos dois homens e noticia o nascimento do filho do mestre. Celebra-se
a nova vida com cantos de louvor e profecias. Nestas cenas finais, forma-se um Presépio: a criança
frágil e miserável já luta pela vida e é acarinhada pela população ribeirinha que, como os Reis Magos,
lhe presenteia13.Oferecem o que se pode colher na natureza. São abacaxis, roletes de cana, jacas,
mangas, ostras, siris, peixes para uma vida franzina, "severina" para a qual duas ciganas prevêem um
triste destino: uma delas vê a criança como um futuro pescador, enlameado no mangue; a outra o
vislumbra, como operário, tomado pela graxa das fábricas.

" Vejo-o, uns anos mais tarde,


na ilha do Maruim
vestido negro de lama
voltar de pescar siris"
"Não o vejo dentro de mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina"

O nascimento da criança é interpretado por mestre José como resposta negativa ao


desejo de Severino suicidar-se; por isso, o mestre enaltece o valor da vida, tomando como exemplo a
luta precoce que aquela criança frágil empreende. O clima de comemoração contagia a todos e
curiosamente o poema se encerra sem a resposta do protagonista, que parece assistir a tudo
atentamente, no entanto, não mais se manifesta.

A vida presidida pela morte

Em sua viagem, Severino e o espectador vão descobrindo que não há saída para o
nordestino miserável. No sertão, é castigado pelo clima árido, pela violência que rege as relações entre
latifundiários e lavradores, pela impossibilidade de cultivar a terra; na zona da mata, percebe que a
terra produtiva está em poder de poucos. Na cidade, a riqueza de uma elite que vive e se enterra com
luxo, a indiferença dos habitantes da capital, as miseráveis condições dos trabalhadores do mangue e
das fábricas perpetuam a mesma sina de privações.
Ainda que nas cenas finais se cantem louvores para o recém-nascido e se reafirme a
crença na novidade que a vida sempre carrega, não se firmam grandes esperanças para o mundo dos
Severinos. A criança franzina, prematura, raquítica traz a fibra de todos aqueles que só conhecem a
vida presidida pela ameaça da morte; o recém-nascido, teimosamente, insiste em viver e por isso é
mais uma "vida severina".14

13. Os presentes são ofertados por moradores de diversos bairros miseráveis de Recife. Como avisou Manuel Bandeira, sem a
informação de que “Jaqueira“, “Cajueiro“, “Passarinho“, “Peixinhos“ são localidades ribeirinhas do Capiberibe, os versos
de João Cabral seriam surrealistas.
14. Leia o que diz João Cabral sobre o final de Morte e vida severina: “Algumas pessoas encontram em Morte e vida severina
uma mensagem de vida, de esperança, outras não. Eu, propositalmente, deixei o final ambíguo. Apesar de ser
confessadamente pessimista, neste caso não quis tirar qualquer tipo de conclusão”.
Exercícios

Teste seus conhecimentos sobre Morte e vida severina de João Cabral de Melo Neto

01. Leia as afirmações a respeito do título Morte e vida severina e do subtítulo “Auto de natal
pernambucano”.

I. O termo "severina" é derivado do nome próprio "Severino", que, no contexto, remete a uma
generalização: todos os sertanejos nordestinos têm as mesmas tristes condições de vida.
II. A expressão "morte e vida" pode ser relacionada à peregrinação de Severino, que foge da morte
iminente no sertão e encontra a mesma vida sofrida no litoral.
III. O subtítulo indica que a obra inspira-se em formas dramáticas medievais ibéricas assim como
anuncia o seu caráter religioso, próprio dos autos natalinos

Assinale a alternativa verdadeira.


a. São corretas as afirmações I, II e III;
b. São corretas somente as afirmações I e II;
c. São corretas somente as afirmações I e III;
d. São corretas somente as afirmações II e III;
e. É correta somente a afirmação I.

Os versos a seguir referem-se ao teste 02.


"Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia."

02. Leia as afirmações a respeito dos versos transcritos.


I. Para indicar a profunda identificação do sertanejo com o espaço em que vive, o poeta emprega
imagens surrealistas, como "serra magra e ossuda".
II. A impossibilidade de definir-se como um indivíduo ressalta o grau de zoomorfização a que está
condenado Severino retirante.
III. O fato de Severino não reconhecer em si traços particulares, individuais, colabora para a sugestão
de que é um personagem alegórico, representante de uma camada da população nordestina.

Assinale a alternativa verdadeira.


a. São corretas as afirmações I, II e III;
b. São corretas somente as afirmações I e II;
c. São corretas somente as afirmações I e III;
d. É correta somente a afirmação II.
e. É correta somente a afirmação III.
Leia o trecho para responder ao teste 03.
" - Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se advinha.
(...)
- De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.
(...)
- Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
- Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
- Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
- Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.
- E belo porque com o novo
todo o velho contagia."

03. Assinale a alternativa incorreta a respeito do trecho transcrito.


a. O trecho se refere ao final do poema Morte e vida severina, quando ocorre o nascimento do filho
de Mestre José.
b. A formosura da criança é relacionada não a seu aspecto físico, mas à força da vida que se reafirma
em condições adversas.
c. O recém-nascido é louvado de modo messiânico, pois se reconhece nele a capacidade de alterar no
futuro a condição dos pobres severinos.
d. Na descrição da criança recém-nascida, destacam-se atributos positivos, como a beleza e a alegria,
que são relacionados à esperança que uma nova vida sempre traz.
e. O verso "é tão belo como um sim" constitui um reconhecimento de aspectos positivos, o que
contrasta com a vida dos severinos, caracterizada pela privação, pelas "coisas de não".

04. Sobre Morte e vida severina é possível afirmar que:


a. Por retomar temas relacionados à seca, à fome e a miséria nordestinas, a obra se filia ao 2.o tempo
modernista.
b. O fato de Severino não ver reduzida a sua miséria em Recife reforça a tese de que a condição do
sertanejo é determinada por um sistema social injusto e não somente pelo clima árido, hostil à vida
humana.
c. A obra divulga a idéia de que a migração interna brasileira é resultado da necessidade, imposta pelo
Capitalismo, de mão-de-obra nas capitais.
d. Destaca-se na obra a fala sertaneja, com o que ela revela de particular e exótico.
e. Na história de Severino, o poeta manifesta a sua visão pessimista em relação à possibilidade de o
homem livrar-se das forças determinadas pelo meio geográfico.
05. Em Morte e vida severina, há trechos de verdadeiro humor negro, pois o autor se vale da ironia para
ressaltar a condição trágica dos nordestinos pobres. Assinale a alternativa em que se verifica esse
recurso.

a. "Também lá na minha terra


de terra mesmo pouco há;
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar."

b. "Decerto a gente
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida."

c. "Esta covas em que estás


com palmos medida
é a conta menor
que tiraste em vida."

d. "O que me fez retirar


não foi a grande cobiça
o que apenas busquei
foi defender minha vida."

e. "Será de terra
tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida."

Gabarito

01. Alternativa b.
O poema de João Cabral, por ser um auto, retoma a tradição dramática medieval ibérica,
que foi incorporada às festas populares pernambucanas, desde o século XVI. No entanto, o caráter
religioso, comum na antiga literatura, não se verifica em Morte e vida severina. Ainda que se possa
relacionar as cenas finais às cenas do Presépio católico, o que se ressalta é o poder da vida, que se
reafirma em um ambiente de miséria, de sofrimento, e a denúncia de grave injustiça social. A
mensagem da obra é mais social que religiosa.

02. Alternativa e.
A expressão "serra magra e ossuda" assim como o nome próprio "Costela" traduzem a
íntima relação entre o homem e o meio, como se um refletisse incondicionalmente o outro. Essa
imagens destacam o que há de deformação, brutalidade e miséria na paisagem e podem ser
associadas ao Expressionismo.
A impossibilidade de reconhecer-se como um indivíduo acentua a condição de
depauperado e a idéia de Severino representar todos os sertanejos nordestinos. Não se verificam,
como em Vidas secas, de Graciliano Ramos, associações do protagonista com comportamentos de
animais.
03. Alternativa c.
O recém-nascido é louvado pela força da vida que se inaugura e não se depositam nele
esperanças messiânicas. Não se espera que seja um libertador dos nordestinos pobres, que aponte
caminhos para injustiças sociais e nem mesmo que ele possa se livrar da condição miserável em que
nasceu.

04. Alternativa b.
O interesse por temas relacionados à vida nordestina aproxima Morte e vida severina da
literatura do 2.o tempo modernista, no entanto, o poema é publicado em 1956 e se filia à geração
pós-modernista.
A obra trata da miséria dos nordestinos pobres e interpreta esse problema social como
resultado não só das condições climáticas desfavoráveis da caatinga, mas também da economia rural,
baseada no latifúndio e do sistema capitalista, vigente nas cidades. O fato de Severino migrar para o
litoral não é relacionado à necessidade de mão-de-obra na capital; na verdade, o sertanejo migra, pois
desesperadamente busca sobreviver.

05. Alternativa e.
Afirma-se que a terra servirá de camisa para o lavrador com a intenção de sugerir a idéia
de que a proteção só vem quando o trabalhador não mais necessita dela; a cova, portanto, seria o
acolhimento para um homem sempre abandonado, esquecido durante a vida. Assim, a sugestão é
irônica, já que afirma o contrário do que se quer expressar. Por associar ironia e tragédia, o humor do
trecho pode ser considerado “humor negro”.

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