Maquiavel, Nicolau - O Príncipe (Comentado Napoleão Bonaparte)
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O PRÍNCIPE
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CAPÍTULO I
DOS PRINCIPADOS
(De Principatibus)
CAPÍTULO II
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dos antepassados e, depois, contemporizar com os acontecimentos
fortuitos, de forma que, se tal príncipe for dotado de ordinária capacidade
sempre se manterá no poder, a menos que uma extraordinária e
excessiva força dele venha a privá-lo; e, uma vez dele destituído, ainda
que temível seja o usurpador, volta a conquistá-lo.
Nós temos na Itália, como exemplo, o Duque de Ferrara que não cedeu
aos assaltos dos venezianos em 1484 nem aos do Papa Júlio em 1510,
apenas por ser antigo naquele domínio. Na verdade, o príncipe natural
tem menores razões e menos necessidade de ofender: donde se conclui
dever ser mais amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é
lógico e natural seja benquisto de todos. E na antigüidade e continuação
do exercício do poder, apagam-se as lembranças e as causas das
inovações, porque uma mudança sempre deixa lançada a base para a
ereção de outra.
CAPÍTULO III
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que fortíssimo em exércitos, tem-se necessidade do apoio dos habitantes
para penetrar numa província. Foi por essas razões que Luís XII, rei de
França, ocupou Milão rapidamente e logo depois o perdeu, para tanto
bastando inicialmente as forças de Ludovico, porque aquelas populações
que lhe haviam aberto as portas, reconhecendo o erro de seu pensar
anterior e descrentes daquele bem-estar futuro que haviam imaginado,
não mais podiam suportar os dissabores ocasionados pelo novo príncipe.
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território conquistado passa a constituir um corpo todo com o principado
antigo.
Outro remédio eficaz é instalar colônias num ou dois pontos, que sejam
como grilhões postos àquele Estado, eis que é necessário ou fazer tal ou
aí manter muita tropa. Com as colônias não se despende muito e, sem
grande custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criação
prejudica somente àqueles de quem se tomam os campos e as casas
para cedê-los aos novos habitantes, os quais constituem uma parcela
mínima do Estado conquistado. Ainda, os assim prejudicados, ficando
dispersos e pobres, não podem causar dano algum, enquanto que os
não lesados ficam à parte, amedrontados, devendo aquietar-se ao
pensamento de que não poderão errar para que a eles não ocorra o
mesmo que aconteceu àqueles que foram espoliados. Concluo dizendo
que estas colônias não são onerosas, são mais fiéis, ofendem menos e
os prejudicados não podem causar mal, tornados pobres e dispersos
como já foi dito. Por onde se depreende que os homens devem ser
acarinhados ou eliminados, pois se se vingam das pequenas ofensas,
das graves não podem fazê-lo; daí decorre que a ofensa que se faz ao
homem deve ser tal que não se possa temer vingança. Mas mantendo,
em lugar de colônias, forças militares, gasta-se muito mais, absorvida
toda a arrecadação daquele Estado na guarda aí destacada; dessa
forma, a conquista transforma-se em perda e ofende muito mais por que
danifica todo aquele país com as mudanças do alojamento do exército,
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incômodo esse que todos sentem e que transforma cada habitante em
inimigo: e são inimigos que podem causar dano ao conquistador, pois,
vencidos, ficam em sua própria casa. Sob qualquer ponto de vista essa
guarda armada é inútil, ao passo que a criação de colônias é útil.
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avizinhem, o remédio não chega a tempo, e o mal já então se tornou
incurável. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os
médicos: no princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o
decorrer do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada,
torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos
assuntos do Estado porque, conhecendo com antecedência os males
que o atingem (o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é
rápida; mas quando, por não se os ter conhecido logo, vêm eles a
crescer de modo a se tornarem do conhecimento de todos, não mais
existe remédio.
Mas voltemos à França e examinemos se ela fez alguma das coisas que
expomos, falando eu de Luís e não de Carlos porque foi daquele que, por
ter mantido mais prolongado domínio na Itália, melhor se viram os
progressos: e vereis como ele fez o contrário que se deve fazer para
conservar um Estado numa província diferente.
O Rei Luís foi conduzido à Itália pela ambição dos venezianos que, por
tal meio, quiseram ganhar o Estado da Lombardia, Não desejo censurar
o partido tomado pelo rei; porque, querendo começar a pôr um pé na
Itália e não tendo amigos nesta província, sendo-lhe, ao contrário,
fechadas todas as portas em razão do comportamento do Rei Carlos, foi
obrigado a servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-
ia resultado bem escolhido esse partido, se nos outros manejos não
tivesse cometido erro algum. Conquistada, pois, a Lombardia, o rei
readquiriu prontamente aquela reputação que Carlos perdera: Gênova
cedeu; os florentinos tornaram-se seus amigos; o marquês de Mantua, o
duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de Forli, o senhor de Faenza,
de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses, os
Pisanos e os Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se
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seus amigos. Os venezianos puderam considerar então a temeridade da
resolução que haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de
terra na Lombardia, fizeram o rei tornar-se senhor de dois terços da Itália.
Mas ele, apenas chegado a Milão, fez o contrário, dando auxilio ao papa
Alexandre para que ocupasse a Romanha. Nem percebeu que com essa
deliberação enfraquecia a si próprio, afastando os amigos e aqueles que
se lhe tinham lançado aos braços, enquanto engrandecia a Igreja
acrescentando ao poder espiritual, que lhe dá tanta autoridade, tamanha
força temporal. Cometido um primeiro erro, foi compelido a seguir
praticando outros até que, para pôr fim à ambição de Alexandre e evitar
que este se tornasse senhor da Toscana, teve de vir pessoalmente à
Itália. Não lhe bastou ter tornado grande a Igreja e perder os amigos; por
querer o reino de Nápoles, dividiu-o com o rei da Espanha; sendo
primeiro o árbitro da Itália, aí colocou um companheiro para que os
ambiciosos daquela província e os descontentes com ele mesmo
tivessem onde recorrer e, em vez de deixar naquele reino um soberano a
ele sujeito, tirou-o para, em seu lugar, colocar um outro que pudesse
expulsá-lo dali.
Tinha, pois, Luís, cometido estes cinco erros: eliminou os menos fortes;
aumentou na Itália o prestígio de um poderoso; aí colocou um
estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar no país; não instalou
colônias.
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Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto vivo ele
fosse, se não houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os territórios
aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande a Igreja nem
introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e necessário
enfraquecê-los; mas, tomados que foram aqueles partidos, nunca
deveriam consentir na ruína dos mesmos, pois, sendo poderosos, teriam
sempre mantido aquelas à distância da Lombardia, e isso porque os
venezianos jamais iriam consentir em qualquer manobra contra esse
Estado, a menos que eles se tornassem os senhores, da mesma forma
que os outros não iriam querer tomá-lo à França para dá-lo aos
venezianos, ao mesmo tempo que lhes faltava coragem para entrar em
luta com estes e com a França. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu
a Romanha a Alexandre e o Reino à Espanha para fugir a uma guerra -
respondo com as razões já anteriormente expostas de que - nunca se
deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo
porque dela não se foge mas apenas se adia para desvantagem própria.
E se alguns outros alegassem a palavra que o rei havia dado ao Papa,
qual a de realizar para ele aquela conquista em troca da dissolução de
seu casamento e do chapéu cardinalício para o arcebispo de Ruão -
respondo com o que mais adiante se dirá acerca da palavra dos
príncipes e de como se a deve respeitar.
Perdeu, pois, o Rei Luís a Lombardia por não ter respeitado nenhum dos
princípios observados por outros que dominaram províncias e quiseram
conservá-las. Não há aqui milagre algum, mas é sim muito comum e
razoável. E deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruão, quando
Valentino, assim popularmente chamado César Bórgia, filho do Papa
Alexandre, ocupava a Romanha: porque, dizendo-me o cardeal de Ruão
que os italianos não entendiam de guerra, retruquei-lhe que os franceses
não entendiam do Estado, pois que, se de tal compreendessem, não
teriam deixado que a Igreja alcançasse tanta grandeza. E por experiência
viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itália foi causada pela
França, e a ruína desta foi acarretada por aquelas.
Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem é
causa do poderio de alguém arruina-se, por que esse poder resulta ou da
astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou
poderoso.
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CAPÍTULO IV
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todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas
grande dificuldade para mantê-lo.
O contrário ocorre nos reinos como o de França, por que com facilidade
podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que
sempre se encontram descontentes e os que desejam fazer inovações.
Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e
facilitar a vitória. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta atrás de si
infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajudaram, seja com os que
oprimiste. Não é bastante extinguir a estirpe do príncipe, pois
permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das novas
revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los, perde
aquele Estado tão logo surja a oportunidade.
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os romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas
extinta a lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua
autoridade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam
eles, também, combatendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada
facção, para o seu lado, parte daquelas províncias, segundo a autoridade
que havia adquirido junto a elas; e essas províncias, por não mais existir
o sangue de seus antigos senhores, não reconheciam senão a soberania
dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ninguém se
maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o
Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros
para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não
resultou da muita ou da pouca virtude do vencedor, mas sim da
diversidade de forma do objeto da conquista.
CAPÍTULO V
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Numância, destruíram-nas e não as perderam; quiseram conservar a
Grécia quase como o fizeram os espartanos, tornando-a livre e deixando-
lhe suas próprias leis e não o conseguiram: em razão disso, para
conservá-la, foram obrigados a destruir muitas cidades daquela
província.
CAPÍTULO VI
Não se admire alguém se, na exposição que irei fazer a respeito dos
principados completamente novos de príncipe e de Estado, apontar
exemplos de grandes personagens; por que, palmilhando os homens,
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quase sempre, as estradas batidas pelos outros, procedendo nas suas
ações por imitações, não sendo possível seguir fielmente as trilhas
alheias nem alcançar a virtude do que se imita, deve um homem
prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram
grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo
possível chegar à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum
proveito; deve fazer como os arqueiros hábeis que, considerando muito
distante o ponto que desejam atingir e sabendo até onde vai a
capacidade de seu arco, fazem mira bem mais alto que o local visado,
não para alcançar com sua flecha tanta altura, mas para poder com o
auxílio de tão elevada mira atingir o seu alvo.
Para reportar-me àqueles que pela sua própria virtude e não pela sorte
se tornarem príncipes, digo que os maiores são Moisés, Ciro, Rômulo,
Teseu e outros tais. Se bem que de Moisés não se deva cogitar por ter
sido ele mero executor daquilo que lhe era ordenado por Deus, contudo
deve ser admirado somente por aquela graça que o tornava digno de
conversar com o Senhor. Mas consideremos Ciro e os outros que
conquistaram ou fundaram reinos: achareis a todos admiráveis. E se
forem consideradas suas ações e ordens particulares, estas parecerão
não discrepantes daquelas de Moisés que teve tão grande preceptor. E,
examinando as ações e a vida dos mesmos, não se vê que eles tivessem
algo de sorte senão a ocasião, que lhes forneceu meios para poder
adaptar as coisas da forma que melhor lhes aprouve; e, sem aquela
oportunidade, o seu valor pessoal ter-se-ia apagado e sem essa virtude a
ocasião teria surgido em vão.
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encontrasse os persas descontentes do império dos medas, e estes
estivessem amolecidos e efeminados pela prolongada paz. Não poderia
Teseu demonstrar sua virtude se não encontrasse os atenienses
dispersos. Essas oportunidades por tanto, fizeram esses homens felizes,
e sua excelente capacidade fez com que aquela ocasião fosse conhecida
de cada um: em conseqüência, sua pátria foi nobilitada e tornou-se
felicíssima.
Moisés, Ciro, Teseu e Rômulo não teriam conseguido fazer observar por
longo tempo as suas constituições se tivessem estado desarmados;
como ocorreu nos nossos tempos a Frei Girolamo Savonarola que
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fracassou nas suas reformas quando a multidão começou a nele não
mais acreditar, e ele não dispunha de meios para manter firmes aqueles
que haviam crido, nem para fazer com que os descrentes passassem a
crer. Por isso, têm grandes dificuldades no conduzir-se e todos os
perigos estão no seu caminho, convindo que os superem com o valor
pessoal; mas superado que os tenham, quando começam a ser
venerados, extintos aqueles que tinham inveja de sua condição, ficam
poderosos, seguros, honrados, felizes.
A tão altos exemplos, quero acrescentar um menor, mas que bem terá
alguma relação com aqueles e que julgo suficiente para todos os outros
semelhantes: é Hierão de Siracusa. Este, de particular, tornou-se
príncipe de Siracusa; também ele, da sorte somente conheceu a ocasião
porque, sendo os siracusanos oprimidos, o elegeram para seu capitão,
donde mereceu ser feito príncipe. E foi de tanta virtude, mesmo na vida
privada, que quem escreveu a seu respeito, disse:quod nihil illi deerat ad
regnandum praeter regnum.
CAPÍTULO VII
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príncipes por Dario, a fim de que as conservassem para sua segurança e
glória; como eram feitos, ainda, aqueles imperadores que, por corrupção
dos soldados, de privados alcançavam o domínio do Império.
Destes dois citados modos de vir a ser príncipe, por virtude ou por
fortuna, quero apontar dois exemplos ocorridos nos dias de nossa
memória: estes são Francisco Sforza e César Bórgia. Francisco, pelos
meios devidos e com grande virtude, de privado tornou-se duque de
Milão; e aquilo que com mil esforços tinha conquistado, com pouco
trabalho manteve. Por outro lado, César Bórgia, pelo povo chamado
Duque Valentino, adquiriu o Estado com a fortuna do pai e, juntamente
com aquela, o perdeu; isso não obstante fossem por ele utilizados todos
os meios e feito tudo aquilo que devia ser efetivado por um homem
prudente e virtuoso, para lançar raízes naqueles Estados que as armas e
a fortuna de outrem lhe tinham concedido. Porque, como se disse acima,
quem não lança os alicerces primeiro, com uma grande virtude poderá
estabelecê-los depois, ainda que se façam com aborrecimentos para o
construtor e perigo para o edifício. Se, pois, se considerarem todos os
progressos do duque, ver-se-á ter ele estabelecido grandes alicerces
para o futuro poderio, os quais não julgo supérfluo descrever, pois não
saberia que melhores preceitos do que o exemplo de suas ações poderia
indicar a um príncipe novo; e se as suas disposições não lhe
aproveitaram, não foi por culpa sua, mas sim em resultado de uma
extraordinária e extrema má sorte.
Tinha Alexandre VI, ao querer tornar grande o duque seu filho, muitas
dificuldades presentes e futuras. Primeiro, não via meio de poder fazê-lo
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senhor de algum Estado que não fosse Estado da Igreja; voltando-se
para tomar um destes, sabia que o duque de Milão e os venezianos não
lho permitiriam, porque Faenza e Rimini estavam já sob a proteção dos
venezianos. Via além disto as armas da Itália, e em especial aquelas de
que poderia servir-se, encontrarem-se nas mãos daqueles que deviam
temer a grandeza do Papa; não podia fiar-se, assim, pertencendo todas
elas aos Orsíni e Colonna e seus partidários. Era, pois, necessário que
se perturbasse aquela organização dos Estados italianos e fossem
desarticulados os pertencentes àqueles, para poder assenhorear-se
seguramente de parte dos mesmos. Isso foi-lhe fácil, eis que encontrou
os venezianos que, levados por outras causas, tinham se posto a fazer
com que os franceses retornassem à Itália, ao que não somente não se
opôs, como também tornou mais fácil com a dissolução do primeiro
matrimônio do Rei Luís. Passou, portanto, o rei à Itália com a ajuda dos
venezianos e consentimento de Alexandre: nem bem era chegado a
Milão, já o Papa dele obteve tropas para a conquista da Romanha, a qual
tornou-se possível em razão da reputação do rei. Tendo ocupado a
Romanha e batido os partidários dos Colonna, o duque, querendo manter
a conquista e avançar mais à frente, tinha duas coisas que tal lhe
impediam: uma, as suas tropas que não lhe pareciam fiéis, a outra, a
vontade da França; isto é, temia o duque que lhe falhassem as tropas
dos Orsíni, das quais se valera, não só impedindo-o de conquistar, como
também tomando-lhe o conquistado, bem como receava que o rei não
deixasse de fazer-lhe o mesmo. Dos Orsíni teve prova quando, depois da
tomada de Faenza, assaltando Bolonha, os viu irem friamente a esse
assalto; acerca do rei, conheceu sua disposição quando, tomado o
ducado de Urbino, atacou a Toscana; o rei fê-lo desistir dessa
campanha. Em conseqüência de tal, o duque deliberou não mais
depender das armas e fortuna dos outros. Inicialmente, enfraqueceu as
facções dos Orsíni e dos Colonna em Roma; para tanto, atraiu para junto
de si todos os adeptos dos mesmos, que fossem gentis-homens,
fazendo-os seus gentis-homens, dando-lhes grandes estipêndios e os
honrando. Segundo suas qualidades, com comandos e governos; de
forma que, em poucos meses, a afeição que mantinham pelas facções foi
extinta e voltou-se toda ela para o duque. Depois, esperou a ocasião de
eliminar os Orsíni, dispersos que já estavam os da casa Colonna,
ocasião que lhe surgiu bem e que ele melhor aproveitou; porque, tendo
percebido os Orsíni, tarde porém, que a grandeza do duque e da Igreja
era a sua ruína, organizaram uma conferência em Magione, no Perugino.
Dessa reunião nasceram a rebelião de Urbino, os tumultos da Romanha
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e infinitos perigos para o duque, o qual a todos superou com o auxílio
dos franceses.
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ter-se armado a seu modo e ter em boa parte dissolvido aquelas tropas
que, próximas, poderiam molestá-lo, restava-lhe, querendo prosseguir
com as conquistas, o temor ao rei de França, porque sabia como tal
proceder não seria suportado pelo mesmo que, tarde, havia se
apercebido de seu erro. Começou, por isso, a procurar novas amizades e
a tergiversar com a França na incursão que os franceses fizeram no
reino de Nápoles, contra os espanhóis que assediavam Gaeta. A sua
intenção era garantir-se contra eles, o que ter-lhe-ia surtido pronto efeito
se Alexandre tivesse continuado vivo.
Como não mais precisasse ter respeito à França (que o desmerecera por
estarem já os franceses despojados do Reino pelos espanhóis, de forma
que cada um deles necessitava comprar a sua amizade), saltaria sobre
Pisa. Depois disso, Lucca e Ciena cederiam prontamente, parte por
inveja dos florentinos, parte por medo; os florentinos não teriam remédio:
o que, se tivesse acontecido (deveria ocorrer no mesmo ano em que
Alexandre morreu), conferir-lhe-ia tantas forças e tanta reputação que ele
ter-se-ia mantido por si mesmo, não mais dependendo da fortuna e das
forças dos outros, mas sim de sua própria potência e virtude. Mas
Alexandre morreu cinco anos depois que ele começara a desembainhar
a espada. Deixou-o apenas com o Estado da Romanha consolidado, com
todos os outros no ar, em meio a dois fortíssimos exércitos inimigos e
doente de morte.
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Havia no duque tanta bravura indômita e tanta virtude, conhecia tão bem
como se conquistam ou se perdem os homens e talmente sólidos eram
os alicerces que assim em tão pouco tempo havia lançado, que, se não
tivesse tido aqueles exércitos sobre si, ou se estivesse são, teria vencido
qualquer dificuldade. E que os seus alicerces fossem bons, viu-se: por
que a Romanha esperou-o mais de um mês; em Roma, ainda que
apenas meio vivo, esteve em segurança e, se bem os Baglioni, Vitelli e
Orsíni viessem a Roma, nada puderam fazer contra ele; se não pode
fazer papa quem queria, pelo menos evitou que o fosse quem ele não
queria. Mas, se por ocasião da morte de Alexandre ele tivesse estado
são, tudo lhe teria sido fácil. Disse-me ele, no dia em que foi eleito Júlio
que havia cogitado de tudo aquilo que podia acontecer morrendo o pai e
para tudo encontrara remédio, mas jamais havia pensado, além da morte
de seu pai, que ele mesmo, também, pudesse estar para morrer.
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Ruão e não o de San Piero ad Vincula. E quem acreditar que nas
grandes personagens os novos benefícios façam esquecer as velhas
injúrias, engana-se. Errou, pois, o duque nessa eleição, tornando-se ele
mesmo a causa de sua ruína final.
CAPÍTULO VIII
Mas, porque pode-se tornar príncipe ainda por dois modos que não
podem ser atribuídos totalmente à fortuna ou à virtude, não me parece
acertado pô-los de parte, ainda que de um deles se possa mais
amplamente cogitar em falando das repúblicas. Estes são, ou quando por
qualquer meio criminoso e nefário se ascende ao principado, ou quando
um cidadão privado torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de seus
concidadãos. E, falando do primeiro modo, apontarei dois exemplos, um
antigo e outro atual, sem entrar, contudo, no mérito desta parte, pois
penso seja suficiente, a quem de tal necessitar, apenas imitá-los.
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contra o cerco, com o restante assaltou a África e em breve tempo
libertou Siracusa do sítio levando os cartagineses a extrema dificuldade:
tiveram de com ele estabelecer acordo e contentar-se com as
possessões da África, deixando a Sicília para Agátocles.
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Não deixou Giovanni de despender esforços em favor de seu sobrinho:
tendo feito com que os moradores de Fermo o recebessem com
honrarias, alojou-o em suas casas. Aí, passados alguns dias e pronto
para ordenar secretamente aquilo que era necessário à sua futura
perfídia, Oliverotto promoveu soleníssimo banquete para o qual convidou
Giovanni Fogliani e todos os principais homens de Fermo. Consumadas
que foram as iguarias e após todos os demais entretenimentos usuais
em semelhantes ocasiões, Oliverotto, com habilidade, abordou certos
assuntos graves, falando da grandeza do Papa Alexandre, de seu filho
César e dos empreendimentos dos mesmos. Tendo Giovanni e os
demais respondido a tais considerações, ele, repentinamente, ergueu-se
dizendo ser aquilo assunto para falar-se em lugar mais secreto,
retirando-se para um cômodo onde Giovanni e todos os outros foram ter
com ele. Nem ainda tinham se assentado, de lugares ocultos saíram
soldados que mataram Giovanni e a todos os demais.
Poderia alguém ficar em dúvida sobre a razão por que Agátocles e algum
outro a ele semelhante, após tantas traições e crueldades, puderam viver
longamente, sem perigo, dentro de sua pátria e, ainda, defender-se dos
inimigos externos sem que os seus concidadãos contra eles tivessem
conspirado, tanto mais notando-se que muitos outros não conseguiram
manter o Estado, mediante a crueldade, nos tempos pacíficos e, muito
menos, nos duvidosos tempos de guerra. Penso que isto resulte das
crueldades serem mal ou bem usadas. Bem usadas pode-se dizer serem
aquelas (se do mal for lícito falar bem) que se fazem instantaneamente
pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas não se insiste mas sim se
as transforma no máximo possível de utilidade para os súditos; mal
usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com o decorrer do
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tempo aumentam ao invés de se extinguirem. Aqueles que observam o
primeiro modo de agir, podem remediar sua situação com apoio de Deus
e dos homens, como ocorreu com Agátocles; aos outros torna-se
impossível a continuidade no poder.
CAPÍTULO IX
DO PRINCIPADO CIVIL
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O principado é constituído ou pelo povo ou pelos grandes, conforme uma
ou outra destas partes tenha oportunidade: vendo os grandes não lhes
ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre
eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar expansão ao
seu apetite; o povo, também, vendo não poder resistir aos poderosos,
volta a estima a um cidadão e o faz príncipe para estar defendido com a
autoridade do mesmo. O que chega ao principado com a ajuda dos
grandes se mantém com mais dificuldade daquele que ascende ao posto
com o apoio do povo, pois se encontra príncipe com muitos ao redor a
lhe parecerem seus iguais e, por isso, não pode nem governar nem
manobrar como entender.
E, para melhor esclarecer esta parte, digo que os grandes devem ser
considerados em dois grupos principais: ou procedem por forma a se
obrigarem totalmente à tua fortuna, ou não. Os que se obrigam e não são
rapaces, devem ser considerados e amados. Os que não se obrigam
devem ser encarados de dois modos: se fazem isso por pusilanimidade
ou por natural defeito de espírito, deverás servir-te deles, máxime que
são bons conselheiros, porque na prosperidade isso te honrará e na
adversidade não precisarás temê-los. Mas quando eles, ardilosamente,
não se obrigam por ambição, é sinal que pensam mais em si próprios do
que em ti: desses deve o príncipe guardar-se temendo-os como se
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fossem inimigos declarados, porque sempre, na adversidade, ajudarão a
arruiná-lo.
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súditos, acostumados a receber as ordens dos magistrados, não estão,
naquelas conjunturas, para obedecer às suas determinações, havendo
sempre, ainda, nos tempos duvidosos, carência de pessoas nas quais
ele possa confiar. Tal príncipe não pode fundar-se naquilo que observa
nas épocas de paz, quando os cidadãos precisam do Estado, porque
então todos correm, todos prometem e cada um quer morrer por ele
enquanto a morte está longe; mas na adversidade, no momento em que
o Estado tem necessidade dos cidadãos, então poucos são encontrados.
E tanto mais é perigosa esta experiência, quanto não se a pode fazer
senão uma vez. Contudo, um príncipe hábil deve pensar na maneira pela
qual possa fazer com que os seus cidadãos sempre e em qualquer
circunstância tenham necessidade do Estado e dele mesmo, e estes,
então, sempre lhe serão fiéis.
CAPÍTULO X
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inimigos dos empreendimentos onde vejam dificuldades, e não se pode
encontrar facilidade para atacar quem tenha sua cidade forte e não seja
odiado pelo povo.
Um príncipe, pois, que tenha uma cidade forte e não se faça odiar, não
pode ser atacado e, existindo alguém que o assaltasse, retirar-se-ia com
vergonha, eis que as coisas do mundo são assim tão variadas que é
quase impossível alguém pudesse ficar com os exércitos ociosos por um
ano, a assediá-lo. A quem replicasse que, tendo as suas propriedades
fora da cidade e vendo-as a arder, o povo não terá paciência e o longo
assédio e a piedade de si mesmo o farão esquecer o príncipe, eu
responderia que um príncipe poderoso e afoito superará sempre aquelas
dificuldades, ora dando aos súditos esperança de que o mal não será
longo, ora incutindo temor da crueldade do inimigo, ora assegurando-se
com destreza daqueles que lhe pareçam muito temerários. Além disso, é
razoável que o inimigo deva queimar o país apenas chegado, nos
tempos em que o ânimo dos homens está ainda ardente e voluntarioso
na defesa; por isso, o príncipe deve ter pouca dúvida porque, depois de
alguns dias, quando os ânimos estão mais frios, os danos já foram
causados, os males já foram sofridos e não há mais remédio; então, os
súditos vêm se unir ainda mais ao semi príncipe, parecendo-lhes que
este lhes deva obrigação, uma vez que suas casas foram incendiadas e
suas propriedades arruinadas para a defesa do mesmo. E a natureza dos
homens é aquela de obrigar-se tanto pelos benefícios que são feitos
como por aqueles que se recebem. Donde, em se considerando tudo
bem, não será difícil a um príncipe prudente conservar firmes, antes e
depois do cerco, os ânimos de seus cidadãos, desde que não faltem
víveres nem meios de defesa.
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CAPÍTULO XI
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animoso, como foi Xisto, nem a sua fortuna nem o seu saber puderam
livrá-lo desses inconvenientes. A brevidade da vida dos pontífices era a
causa dessa situação, porque, nos dez anos que, em média, vivia um
Papa, somente com muita dificuldade podia ele enfraquecer uma das
facções; se, por exemplo, um deles tivesse quase extinguindo os
collonessi surgia um outro, inimigo dos Orsíni, que os fazia ressurgir sem
que tivesse tempo de liquidar os Orsíni. Isto tornava o poder temporal do
Papa pouco considerado na Itália.
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CAPÍTULO XII
Para persuadir de tais coisas não me é necessária muita fadiga, eis que
a atual ruína da Itália não foi causada por outro fator senão o de ter, por
espaço de muitos anos, repousado sobre as armas mercenárias. Elas já
fizeram algo em favor de alguns e pareciam galhardas nas lutas entre si;
mas, quando surgiu o estrangeiro, mostraram-lhe o que eram. Por isso
foi possível a Carlos, rei de França, tomar a Itália com o giz; e quem
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disse que a causa disso foram os nossos pecados, dizia a verdade, se
bem que esses pecados não fossem aqueles que ele julgava, mas sim
esses que eu narrei, e como eram pecados de príncipes, estes sofreram
o castigo.
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outros voltaram sua ambição para paragens diversas. Quem não venceu
foi Giovanni Aucut, por isso mesmo não se podendo conhecer de sua
fidelidade, mas todos estarão concordes que, tivesse vencido, os
florentinos estariam à sua mercê. Sforza sempre teve os Braccio contra
si, vigiando-se uns aos outros. Francisco voltou sua ambição para a
Lombardia, Braccio contra a Igreja e o reino de Nápoles. Mas, vejamos o
que ocorreu há pouco tempo. Os florentinos fizeram Paulo Vitelli seu
capitão, homem de muita prudência e que, de vida privada, havia
alcançado mui grande reputação. Se ele conquistasse Pisa, não haveria
quem negasse convir aos florentinos estar sob suas ordens, mesmo
porque, se ele tivesse ficado como soldado de seus inimigos, não teriam
remédio e, tendo-o ao seu lado, deveriam obedecer-lhe.
Deveis, pois, saber como, logo que nestes últimos anos o império
começou a ser repelido da Itália e o Papa passou a ter reputação no
poder temporal, a Itália dividiu-se em vários Estados. Na verdade, muitas
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das maiores cidades tomaram das armas contra seus nobres, os quais,
antes favorecidos pelo imperador, as mantinham oprimidas, e a Igreja,
para obter reputação em seu poder temporal, as favorecia em tal; de
muitas outras, os seus cidadãos se tornaram príncipes.
Daí resultar que, tendo a Itália quase toda, chegado a cair nas mãos da
Igreja e de algumas repúblicas, não estando aqueles padres e aqueles
outros cidadãos habituados ao uso das armas, começaram a aliciar
mercenários estrangeiros. O primeiro que deu fama a essa milícia foi
Alberico da Conio, natural da Romanha, sendo que de sua escola de
armas vieram, dentre outros, Braccio e Sforza, nos seus dias os árbitros
da Itália. Depois destes vieram todos os outros que até nossos tempos
têm chefiado essas tropas, e o fim do valor das mesmas foi que a Itália
viu-se percorrida por Carlos, saqueada por Luís, violentada por Fernando
e desonrada pelos suíços.
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CAPÍTULO XIII
As tropas auxiliares, que são as outras forças inúteis, são aquelas que se
apresentam quando chamas um poderoso para que, com seus exércitos,
te venha ajudar e defender, como fez em tempos recentes o Papa Júlio
que, tendo visto na campanha de Ferrara a triste figura de suas tropas
mercenárias, voltou-se para as auxiliares e entrou em acordo com
Fernando, rei da Espanha, no sentido de que este, com sua gente e
armas, viesse ajudá-lo. Estas tropas auxiliares podem ser úteis e boas
para si mesmas, mas, para quem as chame, são quase sempre danosas,
eis que perdendo ficas liquidado, vencendo ficas seu prisioneiro.
Assim, aquele que queira não poder vencer, valha-se destas tropas muito
mais perigosas do que as mercenárias, eis que com estas a ruína é
certa, dado que são todas unidas, todas voltadas à obediência a outrem.
As mercenárias, para te prejudicarem após a vitória, contrariamente ao
que ocorre com as mistas, precisam de mais tempo e maior
oportunidade, não só por não constituírem um todo, como também por
terem sido organizadas e pagas por ti; ainda, um terceiro que nelas
tornes chefe, não pode desde logo assumir tanta autoridade que te cause
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dano. Enfim, enquanto nas tropas mercenárias o mais perigoso é a
covardia, nas auxiliares é o valor.
Carlos VII, pai de Luís XI, tendo com sua fortuna e sua virtude libertado a
França dos ingleses, conheceu essa necessidade de armar-se com
forças próprias, e organizou em seu reino, por forma regular, as armas
de cavalaria e de infantaria. Mais tarde, o Rei Luís, seu filho, extinguiu a
infantaria e começou a aliciar os suíços, erro esse que, seguido de
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outros, tornou-se, como realmente agora se vê, a razão dos perigos
daquele reino, Na verdade, dando reputação aos suíços, Luis aviltou
todas as suas tropas, já que extinguiu as forças de infantaria e
subordinou sua cavalaria às milícias de outrem, e a esta, acostumada a
militar com os suíços, pareceu não ser possível vencer sem eles. Daí
decorre que não bastam os franceses contra os suíços e, sem os suíços,
não tentam a luta contra os outros. Os exércitos de França, pois, têm
sido mistos, parte de mercenários e parte de tropas próprias, forças
essas que, juntas, são muitos melhores que as simples auxiliares ou as
meramente mercenárias e muito inferiores ao exército próprio. Basta o
exemplo citado, pois o reino de França seria invencível, se a organização
militar de Carlos tivesse sido desenvolvida ou conservada. Mas a pouca
prudência dos homens muitas vezes começa uma coisa que lhe parece
boa, sem se aperceber do veneno que ela encobre, como já disse acima
a respeito das febres éticas.
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CAPÍTULO XIV
Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento,
nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua
organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a
quem comanda. E é ela de tanta virtude, que não só mantém aqueles
que nasceram príncipes, como também muitas vezes faz os homens de
condição privada subirem àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando
os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o
seu Estado. A primeira causa que te faz perder o governo é negligenciar
dessa arte, enquanto que a razão que te permite conquistá-lo é o ser
professo da mesma.
Francisco Sforza, por estar armado, de cidadão privado que era, tornou-
se duque de Milão; os filhos, para fugir às fadigas das armas, de duques
passaram a simples cidadãos privados. Em verdade, entre outros males
que te acarreta o estares desarmado, ele te torna vil, o que constitui uma
daquelas infâmias de que o príncipe se deve guardar, como abaixo será
exposto. Realmente, entre um príncipe armado e um desarmado, não
existe proporção alguma, e não é razoável que quem esteja armado
obedeça com gosto ao que seja desprovido de armas, nem que o
desarmado se sinta seguro entre servidores armados, eis que, existindo
desdém de parte de um e suspeita do lado do outro, não é possível ajam
bem, estando juntos. Ainda, um príncipe que não entende de tropas,
além dos outros prejuízos referidos, sofre aquele de não poder ser
estimado pelos seus soldados e nem poder neles confiar.
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conhecer o próprio país e pode-se melhor identificar as defesas que ele
oferece; depois, em decorrência do conhecimento e prática daqueles
sítios, com facilidade poderá entender qualquer outra região que venha a
ter de observar, eis que as colinas, os vales, as planícies, os rios e os
pântanos que existem, por exemplo, na Toscana, têm certa semelhança
com os das outras províncias, de forma que, do conhecimento do terreno
de uma província, se pode passar facilmente ao de outras. O príncipe
que seja falto dessa perícia, está desprovido do elemento principal de
que necessita um capitão, pois ela ensina a encontrar o inimigo,
estabelecer os acampamentos, conduzir os exércitos, ordenar as
jornadas, fazer incursões pelas terras com vantagem sobre o inimigo.
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a fim de que, quando mudar a fortuna, se encontre preparado para
resistir.
CAPÍTULO XV
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alguns cruéis, alguns piedosos; um fedífrago, o outro fiel; um efeminado
e pusilânime, o outro feroz e animoso; um humano, o outro soberbo; um
lascivo, o outro casto; um simples, o outro astuto; um duro, o outro fácil;
um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e assim por
diante.
CAPÍTULO XVI
DA LIBERALIDADE E DA PARCIMÔNIA
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começará a torná-lo odioso perante o povo e, empobrecendo-o, fá-lo-á
pouco estimado de todos; de forma que, tendo ofendido a muitos e
premiado a poucos com essa sua liberalidade, sente mais intensamente
qualquer revés inicial e periclita face ao primeiro perigo. Percebendo isso
e querendo recuar, o príncipe incorre desde logo na má fama de
miserável.
Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não precisar roubar seus
súditos, para poder defender-se, para não ficar pobre e desprezado, para
não ser forçado a tornar-se rapace, não se importando de incorrer na
fama de miserável, porque esse é um daqueles defeitos que o fazem
reinar. E se alguém dissesse que César alcançou o Império pela
liberalidade, sem contar muitos outros que têm sido ou são considerados
liberais e atingiram altíssimos postos, eu responderia: ou tu já és príncipe
ou estás em via de o ser. No primeiro caso, essa liberalidade é
prejudicial, no segundo é bem necessário ser considerado liberal; e
César era um daqueles que queriam ascender ao principado de Roma,
mas se, depois que o alcançou, tivesse vivido e não tivesse usado
comedimento nas despesas, teria destruído o Império. E se alguém
replicasse que houve muitos príncipes, tidos como extremamente
liberais, que realizaram grandes feitos com seus exércitos, responderia:
ou o príncipe gasta do seu, ou de seus súditos, ou de outrem; no primeiro
caso, deve ser parcimonioso; nos outros, não deve deixar de praticar
nenhuma liberalidade.
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E aquele príncipe que vai com os exércitos, que se mantém de
rapinagem, de saques e de resgates, maneja bens de outros, tem
necessidade dessa liberalidade porque, do contrário, não será seguido
pelos soldados. E, daquilo que não é teu nem de súditos teus, podes ser
o mais generoso doador, como o foram Ciro, César e Alexandre, eis que
o despender aquilo que é dos outros não te tira reputação, ao contrário, a
aumenta; somente o gastar o teu é que te prejudica. E não há coisa que
tanto se destrua a si mesma como a liberalidade, pois, enquanto tu a
usas, perdes a faculdade de utilizá-la, tornando-te pobre e desprezado
ou, para fugir à pobreza, rapace e odioso. Dentre todas as coisas de que
um príncipe se deve guardar está o ser desprezado e odiado, e a
liberalidade te conduz a uma e a outra dessas coisas. Portanto, é mais
sabedoria ter a fama de miserável, que dá origem a uma infâmia sem
ódio, do que, por querer o conceito de liberal, ver-se na necessidade de
incorrer no julgamento de rapace, que cria uma má fama com ódio.
CAPÍTULO XVII
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novo que se torna impossível fugir à pecha de cruel, visto serem os
Estados novos cheios de perigos. Diz Virgílio, pela boca de Dido:
O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por
si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e
humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto
e a demasiada desconfiança o faça intolerável.
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Mas quando o príncipe está à frente de seus exércitos e tem sob seu
comando uma multidão de soldados, então é de todo necessário não se
importar com a fama de cruel, eis que, sem ela, jamais se conservará
exército unido e disposto a alguma empresa. Dentre as admiráveis ações
de Aníbal, menciona-se esta: tendo um exército imenso, constituído de
homens de inúmeras raças, conduzido a batalhar em terras alheias,
nunca surgiu qualquer dissensão entre eles ou contra o príncipe, tanto na
má como na boa fortuna. Isso não pode resultar de outra coisa senão
daquela sua desumana crueldade que, aliada às suas infinitas virtudes, o
tornou sempre venerado e terrível no conceito de seus soldados; sem
aquela crueldade, as virtudes não lhe teriam bastado para surtir tal efeito
e, todavia, escritores nisto pouco ponderados, admiram, de um lado,
essa sua atuação e, de outro, condenam a principal causa da mesma.
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CAPÍTULO XVIII
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mais perfeição, soube agir como a raposa, saiu-se melhor. Mas é
necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e
dissimulador: tão simples são os homens e de tal forma cedem às
necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará
quem se deixe enganar.
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manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos
louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos
resultados, e no mundo não existe senão o vulgo; os poucos não podem
existir quando os muitos têm onde se apoiar. Algum príncipe dos tempos
atuais, que não convém nomear, não prega senão a paz e fé, mas de
uma e outra é ferrenho inimigo; uma e outra, se ele as tivesse praticado,
ter-lhe-iam por mais de uma vez tolhido a reputação ou o Estado.
CAPÍTULO XIX
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potentados estrangeiros. Destes se defende com boas armas e bons
amigos; e sempre que tenha boas armas terá bons amigos. A situação
interna, desde que ainda não perturbada por uma conspiração, estará
segura sempre que esteja estabilizada a externa; mesmo quando esta se
agite, se o príncipe organizou-se e viveu como eu já disse, desde que
não desanime, resistirá a qualquer impacto, como salientei ter feito o
espartano Nábis.
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restando de sua família senão messer Giovanni que era ainda criança de
colo, logo após esse homicídio o povo levantou-se e matou todos os
canneschi. Isso resultou da benquerença popular que a casa de
Bentivoglio desfrutava naqueles tempos, benquerença essa tão grande
que, não restando em Bolonha qualquer membro dessa família em
condições de poder governar o Estado após a morte de Anibal e
constando haver em Florença um descendente dos Bentivoglio que se
julgava até então filho de um artífice, os bolonheses foram até essa
cidade e lhe confiaram o governo daquela comunidade, a qual foi por ele
dirigida até que messer Giovanni atingisse a idade conveniente para
governar.
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mortos pelos seus que contra eles conspiraram. Querendo, portanto,
responder a estas objeções, falarei das qualidades de alguns
imperadores, mostrando as causas de sua ruína, não discrepantes
daquilo que foi por mim aduzido, ao mesmo tempo, porei em
consideração aqueles fatos que são notáveis para quem lê as ações
daqueles tempos. Considero suficiente citar todos os imperadores que se
sucederam no poder, desde Marco o filósofo até Maximino, os quais
foram Marco, seu filho Cômodo, Pertinax, Juliano, Severo, seu filho
Antonino Caracala, Macrino, Heliogábalo, Alexandre e Maximino.
Tais fatos fizeram com que aqueles imperadores que, por natureza ou
por engenho, não desfrutavam uma grande reputação de forma a poder
manter freados um e outros, sempre se arruinassem; a maioria deles,
principalmente aqueles que como homens novos chegavam ao
principado, conhecida a dificuldade que resultava desses dois
sentimentos diversos, propendiam para satisfazer aos soldados, pouco
se preocupando com o fato de por tal forma ofender o povo. Esse partido
era necessário: porque, não podendo o príncipe deixar de ser odiado por
alguém, deve primeiro buscar não ser odiado por qualquer classe social;
mas, quando não pode conseguir isto, deve empenhar-se em, por todos
os meios, evitar o ódio daquelas classes que são mais poderosas. Por
isso, aqueles imperadores que, por serem novos, tinham necessidade de
favores extraordinários, aderiam antes aos soldados que ao povo, o que,
não obstante, se lhes tornava útil ou não, conforme soubessem ou não
conservar-se reputados entre eles.
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hereditário não tendo de agradecê-lo nem aos soldados nem ao povo;
depois, sendo dotado de muitas virtudes que o faziam venerando, teve
sempre, enquanto viveu, uma ordem e outra dentro de seus limites, não
sendo jamais odiado ou desprezado. Mas Pertinax, tornado imperador
contra a vontade dos soldados que, acostumados a viver
licenciosamente sob Cômodo, não puderam suportar aquela vida
honesta a que o imperador queria reduzi-los; por isso, tendo Pertinax
criado ódio contra si e a este ódio acrescido o desprezo por ser já velho,
arruinou-se logo no início de sua administração.
Deve-se notar aqui que o ódio se adquire tanto pelas boas como pelas
más ações: como já disse acima, querendo um príncipe conservar o
Estado, freqüentemente é forçado a não ser bom, pois quando aquele
elemento mais forte, povo, soldados ou grandes, de que julgas necessitar
para manter-te, é corrompido, convém que sigas o seu desejo para
satisfazê-lo; então, as boas obras tornam-se tuas inimigas. Mas
passemos a Alexandre, o qual foi de tanta bondade que, entre outros
louvores que lhe são endereçados, existe este de que, em quatorze anos
que conservou o poder, não foi executada qualquer pessoa sem
julgamento; contudo, sendo considerado efeminado e homem que se
deixava governar pela mãe, tornou-se desprezado, o exército conspirou e
ele foi morto.
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conhecida sua partida. Estando em Roma, o Senado, por temor, elegeu-
o imperador, sendo morto Juliano. A seguir, restavam a Severo duas
dificuldades para se assenhorear de todo o Estado: uma na Ásia, onde
Pescênio Nigro, chefe dos exércitos asiáticos, se fizera aclamar
imperador; a outra no Poente, onde estava Albino que, por sua vez,
também aspirava ao Império. Porque julgasse perigoso revelar-se inimigo
de ambos, deliberou atacar Nigro e enganar Albino a quem escreveu
que, tendo sido pelo Senado eleito imperador, desejava com ele
compartilhar aquela dignidade; enviou-lhe o título de César e, por
deliberação do Senado, tornou-o seu colega. Albino aceitou tais coisas
como verdadeiras; mas, depois que venceu e matou Nigro, pacificados
os negócios orientais e retornado a Roma, Severo queixou-se ao Senado
de que Albino, pouco reconhecido dos benefícios dele recebidos, tinha
dolosamente procurado matá-lo, razão pela qual via necessidade de ir
punir sua ingratidão. Depois, foi ao seu encontro na França e lhe tolheu o
governo e a vida.
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própria guarda; era resolução temerária e capaz de destruí-lo, como
aconteceu.
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soldados do que ao povo, isso decorria de que os soldados podiam mais
que aquele; agora é necessário a todos os príncipes, exceto ao Turco e
ao Sultão satisfazer mais ao povo que aos militares, porque aquele pode
mais que estes.
Faço exceção do Turco em razão de ter ele sempre, em torno de si, doze
mil infantes e quinze mil soldados de cavalaria, dos quais dependem a
segurança e o poderio do seu reino; e é necessário que, postergada
qualquer outra consideração, esse senhor os conserve amigos. E deveis
notar que este Estado do Sultão é diverso de todos os outros
principados: ele é semelhante ao pontificado cristão, a que não se pode
chamar nem principado hereditário nem principado novo, posto que não
são filhos do príncipe velho que herdam e se tornam senhores, mas sim
aquele eleito para o posto pelos que têm autoridade. E, sendo esta uma
instituição antiga, não se pode chamar de principado novo, dado que
nela não existem algumas das dificuldades que se encontram nos novos:
se bem o príncipe seja novo, as instituições desse Estado são velhas e
ordenadas a recebê-lo como se fosse seu senhor hereditário.
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CAPÍTULO XX
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tornados amolecidos e efeminados, procedendo-se de modo que as
armas fiquem somente em poder de teus próprios soldados, daqueles
que, no Estado antigo, estavam junto de ti.
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confidentes. Pandolfo Petrucci, príncipe de Siena, dirigia o seu Estado
mais com aqueles que lhe foram suspeitos do que com os que não o
foram. Mas deste assunto não é possível falar em caráter genérico, pois
o mesmo varia segundo cada caso. Somente direi isto: os homens que
no início de um principado haviam sido inimigos, sendo de condição que
para manter-se precisam de apoio, o príncipe poderá sempre com
grande facilidade vir a conquistá-los; e eles tanto mais são forçados a
servi-lo com lealdade, quanto reconheçam ser-lhes necessário cancelar
com obras aquela má opinião que, a seu respeito, se fazia. Assim, o
príncipe deles obtém sempre maior utilidade do que daqueles que,
servindo-o com excessiva segurança, descuram de seus interesses.
Tem sido costume dos príncipes, para poder manter seu Estado mais
seguramente, edificar fortalezas que sejam a brida e o freio postos aos
que desejassem enfrentá-los, bem como um refúgio seguro contra um
ataque de surpresa. Eu louvo esse proceder, porque usado desde
tempos remotos; não obstante messer Nicoló Vitelli, nos tempos atuais,
destruiu duas fortalezas na Cidade de Castelo para, assim, conservar o
Estado. Guido Ubaldo, Duque de Urbino, tendo retornado ao seu domínio
de que havia sido expulso por César Bórgia, destruiu desde os alicerces
todas as fortalezas daquela província, por entender que sem aquelas
seria mais difícil perder novamente seu Estado. Os Bentivoglio,
retornados a Bolonha, usaram igual expediente. Portanto, as fortalezas
são úteis ou não, segundo os tempos; se te fazem bem por um lado,
prejudicam-te por outro. Pode-se explicar esta afirmativa pela forma a
seguir exposta.
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O príncipe que tiver mais temor de seu povo do que dos estrangeiros,
deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos
estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las. O castelo de Milão,
edificado por Francisco Sforza, fez e fará mais guerra à casa dos Sforza
do que qualquer outra desordem naquele Estado. Por isso, a melhor
fortaleza que possa existir é o não ser odiado pelo povo: mesmo que
tenham fortificações elas de nada valem se o povo te odeia, eis que a
este, quando tome das armas, nunca faltam estrangeiros que o
socorram. Nos nossos tempos vê-se que as fortalezas não têm sido
proveitosas a príncipe algum, senão à Condessa de Forli quando foi
morto o Conde Girolamo, seu esposo, eis que a mesma, refugiando-se
numa fortificação, pode fugir ao ímpeto popular, esperar pelo socorro de
Milão e recuperar o Estado; ademais, as circunstâncias eram tais que o
estrangeiro não podia socorrer o povo. Depois, também para ela pouco
valeram as fortalezas quando César Bórgia a atacou e o povo, seu
inimigo, aliou-se ao estrangeiro. Portanto, teria sido mais seguro para
ela, quer então, quer antes, não ser odiada pelo povo do que possuir
fortalezas. Consideradas assim todas estas questões, louvarei tanto os
que fizerem como os que não fizerem as fortalezas e censurarei aquele
que, fiando-se nas fortificações, venha a subestimar o fato de ser odiado
pelo povo.
CAPÍTULO XXI
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cogitavam de inovações e ele, por esse meio, adquiria reputação e
autoridade sobre os mesmos sem que de tal se apercebessem. Pode
manter exércitos com dinheiro da Igreja e do povo e, com tão longa
campanha, estabeleceu a organização de sua milícia que, depois, tanto o
honrou. Além disto, para poder encetar maiores empreendimentos,
servindo-se sempre da religião, dedicou-se a uma piedosa crueldade
expulsando e livrando seu reino dos marranos, ação de que não pode
haver exemplo mais miserável nem mais raro. Sob essa mesma capa,
atacou a África, fez a campanha da Itália e, ultimamente, assaltou a
França; assim, sempre fez e urdiu grandes empreendimentos, os quais
em todo o tempo mantiveram suspensos e admirados os ânimos dos
súditos, ocupados em esperar o êxito dessas guerras. Essas suas ações
nasceram umas das outras, pelo que, entre elas, não houve tempo para
que os homens pudessem agir contra ele.
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representante romano respondeu: Quod autem isti dicunt non
interponendi vos bello, nihil magis alienum rebus vestris est; sine gratia,
sine dignitate, praemium victoris eritis.
Além disso, as vitórias nunca são tão brilhantes que o vencedor não deva
ter qualquer consideração, principalmente para com o que é justo. Mas,
se aquele a quem aderes perder, serás amparado por ele e, enquanto
puder, ajudar-te-á e ficarás associado a uma fortuna que poderá
ressurgir. No segundo caso, quando aqueles que lutam são de classe
que não devas temer o vencedor, ainda maior prudência é aderir, pois
causas a ruína de um com a ajuda de quem deveria salvá-lo, se fosse
sábio; vencendo, fica à tua mercê, e é impossível não vença com o teu
auxílio.
Note-se aqui que um príncipe deve ter a cautela de jamais fazer aliança
com um mais poderoso que ele para atacar os outros, senão quando a
necessidade o compelir, como se disse acima, porque, vencendo, torna-
se seu prisioneiro; e os príncipes devem fugir o quanto possam de ficar à
discrição dos outros. Os venezianos aliaram-se à França contra o duque
de Milão, podendo ter evitado essa aliança de que resultou a sua ruína.
Mas, quando não se pode evitá-la (como aconteceu aos florentinos
quando o Papa e a Espanha levaram seus exércitos a atacar a
Lombardia), então deverá o príncipe aderir pelas razões acima expostas.
Nem julgue algum Estado poder adotar sempre partidos seguros,
devendo antes pensar ser obrigado a tomar, freqüentemente, partidos
duvidosos; vê-se na ordem das coisas que nunca se procura fugir a um
inconveniente sem incorrer em outro e a prudência consiste em saber
conhecer a natureza desses inconvenientes e tomar como bom o menos
prejudicial.
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Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das virtudes, dando
oportunidade aos homens virtuosos e honrando os melhores numa arte.
Ao mesmo tempo, deve animar os seus cidadãos a exercer
pacificamente as suas atividades no comércio, na agricultura e em
qualquer outra ocupação, de forma que o agricultor não tema ornar as
suas propriedades por receio de que as mesmas lhe sejam tomadas,
enquanto o comerciante não deixe de exercer o seu comércio por medo
das taxas; deve, além disso, instituir prêmios para os que quiserem
realizar tais coisas e os que pensarem em por qualquer forma
engrandecer a sua cidade ou o seu Estado. Ademais, deve, nas épocas
convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque
toda cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais,
deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se com eles
algumas vezes, dar de si prova de humanidade e munificência, mantendo
sempre firme, não obstante, a majestade de sua dignidade, eis que esta
não deve faltar em coisa alguma.
CAPÍTULO XXII
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necessariamente, no segundo; porque, toda vez que alguém tem a
capacidade de conhecer o bem e o mal que uma pessoa faça ou diga,
mesmo que por si não tenha capacidade para solucionar os problemas,
discerne as más e as boas obras do ministro, exalta estas e corrige
aquelas, e o ministro não pode esperar enganá-lo, pelo que se conserva
bom.
CAPÍTULO XXIII
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ofendem dizendo a verdade; mas, quando todos podem dizer-te a
verdade, passam a faltar-te com a reverência.
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que não seja sábio, não terá nunca os conselhos uniformes e não saberá
por si mesmo harmonizá-los. Cada conselheiro pensará por si e ele não
saberá corrigi-los nem inteirar-se do assunto. E não é possível encontrar
conselheiros diferentes, porque os homens sempre serão maus se por
uma necessidade não forem tornados bons. Consequentemente se
conclui que os bons conselhos, venham de onde vierem, devem nascer
da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe resultar dos
bons conselhos.
CAPÍTULO XXIV
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comparação com a grandeza dos romanos e da Grécia que o assaltaram;
não obstante, por ser homem de espírito militar, que sabia ter o povo
como amigo e garantir-se contra os grandes, sustentou por muitos anos
a guerra contra aqueles; e se, afinal, perdeu o domínio de algumas
cidades, restou-lhe todavia o reino.
CAPÍTULO XXV
Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do
mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os
homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma
alguma; por isso poder-se-ia pensar não convir insistir muito nas coisas,
mas deixar-se governar pela sorte. Esta opinião tornou-se mais aceita
nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e
que se observa todos os dias, independente de qualquer conjetura
humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte inclinei-me em favor
dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto,
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julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas
ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.
Comparo-a a um desses rios torrenciais que, quando se encolerizam,
alagam as planícies, destróem as árvores e os edifícios, carregam terra
de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu
ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte. E, se bem assim ocorra,
isso não impedia que os homens, quando a época era de calma,
tomassem providências com anteparos e diques, de modo que,
crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto
não fosse tão desenfreado nem tão danoso.
Isso decorre de ver-se que os homens, naquilo que os conduz ao fim que
cada um tem por objetivo, isto é, glórias e riquezas, procedem por formas
diversas: um com cautela, o outro com ímpeto, um com violência, o outro
com astúcia, um com paciência e o outro por forma contrária; e cada um,
por esses diversos meios, pode alcançar o objetivo.
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adaptam ou não ao proceder dos mesmos. Daí decorre aquilo que eu
disse, isto é, que dois indivíduos agindo por formas diversas podem
alcançar o mesmo efeito, ao passo que de dois que operem igualmente,
um alcança o seu fim e o outro não.
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contrário, dado que se tivessem sobrevindo tempos em que se tornasse
necessário agir com cautelas, surgiria a sua ruína, pois jamais ele teria
desviado daquele modo de proceder a que a natureza o inclinava.
CAPÍTULO XXVI
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chefe, sem ordem, batida, espoliada, lacerada, invadida, e tivesse
suportado ruína de toda sorte.
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e nos combates individuais o quanto os italianos são superiores na força,
na destreza ou no engenho. Mas, quando se passa para os exércitos,
não comparecem. E tudo resulta da fraqueza dos chefes, porque aqueles
que sabem não são obedecidos, e todos julgam saber, não tendo surgido
até agora alguém que tenha sabido se sobressair pela virtude ou pela
fortuna de forma a que os outros cedam. Daí decorre que, em tanto
tempo, em tantas guerras feitas nos últimos vinte anos, sempre que se
formou um exército inteiramente italiano o mesmo deu mau exemplo, do
que dão prova Taro, depois Alexandria, Cápua, Gênova, Vailá, Bolonha,
Mestri.
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Não se deve, pois, deixar passar esta ocasião, a fim de que a Itália
conheça, depois de tanto tempo, um seu redentor. Nem posso exprimir
com que amor ele seria recebido em todas aquelas províncias que têm
sofrido por essas invasões estrangeiras, com que sede de vingança, com
que obstinada fé, com que piedade, com que lágrimas. Quais portas se
lhe fechariam? Quais povos lhe negariam obediência? Qual inveja se lhe
oporia? Qual italiano lhe negaria o seu favor? A todos repugna este
bárbaro domínio. Tome, portanto, a vossa ilustre casa esta incumbência
com aquele ânimo e com aquela esperança com que se abraçam as
causas justas, a fim de que, sob sua insígnia, esta pátria seja nobilitada e
sob seus auspícios se verifique aquele dito de Petrarca:
Romae,
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contentíssimo ao ver quão ordenada e calmamente exerceis essa função
pública, e eu vos concito a continuar assim, porque quem deixa as suas
comodidades pelas comodidades dos outros, perde as suas e destes não
recebe gratidão. Desde que a fortuna quer dispor todas as coisas, é
preciso deixá-la fazer, ficar quieto e não lhe criar embaraço, esperando
que o tempo lhe permita fazer alguma coisa pelos homens; então, será
bem suportardes maiores fadigas, zelar melhor das coisas, e a mim
convirá partir da vilas e dizer: eis-me aqui. Não posso, portanto,
desejando render-vos iguais graças, dizer nesta minha carta outra coisa
que não aquilo que seja a minha vida, e se julgardes tal que valha trocá-
la com a vossa, ficarei contente em mudá-la.
Aqui estou, na vila; depois que ocorreram aqueles meus últimos casos,
não estive, somando todos, vinte dias em Florença. Até aqui tenho
apanhado tordos à mão. Levantava-me antes do amanhecer, preparava
a armadilha, ia-me além com um feixe de gaiolas ao ombro, que até
parecia o Getas quando o mesmo voltava do porto com os livros de
Anfitrião; apanhava no mínimo dois e no máximo seis tordos. E, assim,
passei todo o mês de setembro. Depois esse passatempo, ainda que
desprezível e estranho, veio a faltar com desgosto meu. Dir-vos-ei qual a
minha vida agora. Levanto-me de manhã com o sol e vou a um meu
bosque que mandei cortar, onde fico duas horas a examinar o trabalho
do dia anterior e a passar o tempo com aqueles cortadores que estão
sempre às voltas com algum aborrecimento entre si ou com os vizinhos.
Acerca deste bosque eu teria a dizer-vos mil belas coisas que me
aconteceram, bem como de Frosino de Panzano e dos outros que
queriam desta lenha. Frosino, principalmente, mandou buscar certa
quantidade sem dizer-me nada e, na ocasião do pagamento, queria reter
dez liras que disse ter ganho de mim, há quatro anos, num jogo de cricca
em casa de Antônio Guicciardini. Comecei a fazer o diabo: queria acusar
o carroceiro, que fora ali mandado por ele, como ladrão. Enfim Giovanni
Machiaveili interveio e nos pôs de acordo. Batista Guicciardini, Filippo
Ginori, Tommaso dei Bene e alguns outros cidadãos, quando aqueles
maus ventos sopravam, cada um me adquiriu uma ruma de lenha.
Prometi a todos e mandei uma a Tommaso, a qual chegou a Florença
pela metade, porque, para empilhá-la, ali estavam ele, a mulher, as
criadas e os filhos, os quais pareciam o Gabburra quando na quinta-feira,
com seus rapazes, abate um boi. De modo que, visto em quem eu
depositava o meu ganho, disse aos outros que não tinha mais lenha;
todos se encolerizaram e agastaram comigo, especialmente Batista, que
inclui esta entre as demais desgraças de Prato.
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Saindo do bosque, vou a uma fonte e, daqui, ao meu viveiro de tordos.
Levo um livro comigo, ou Dante ou Petrarca, ou um desses poetas
menores, Tíbulo, Ovidio e semelhantes; leio aquelas suas amorosas
paixões, e aqueles seus amores lembram-me os meus; deleito-me algum
tempo nestes pensamentos. Depois, vou pela estrada até à hospedaria;
falo com os que passam, pergunto notícias das suas cidades, ouço
muitas coisas e noto vários gostos e fantasias dos homens. Enquanto
isso, chega a hora do almoço, quando com a minha família como aqueles
alimentos que esta pobre vila e este pequeno patrimônio comportam.
Terminado o almoço, retorno à hospedaria; aqui, geralmente, estão o
estalajadeiro, um açougueiro, um moleiro e dois padeiros. Com estes eu
me rebaixo o dia todo jogando cricca, trichtach, e, depois, daí nas cem
mil contendas e infinitos acintes com palavras injuriosas; a maioria das
vezes se disputa uma insignificância e, contudo, somos ouvidos gritar por
São Casciano. Assim, envolvido entre estes piolhos, cubro o cérebro de
bolor e desabafo a malignidade de minha sorte, ficando contente se me
encontrásseis nesta estrada para ver se essa malignidade se
envergonha.
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que me retém por ora são certos negócios que dentro de seis semanas
terei ultimado. O que me deixa ficar em dúvida é que estão ai aqueles
Soderini, aos quais eu seria forçado, estando aí, a visitar e a falar.
Receio que ao meu retorno, pensando apear em casa, viesse a
desmontar no Bargiello, eis que, se bem este Estado" tenha mui sólidas
bases e grande segurança, ele é novo e, por isso, cheio de suspeitas;
nem faltam sabidos que, para aparecer, como Pagolo Bertini, meteriam
outros na prisão e deixariam a meu cargo os aborrecimentos. Peço-vos
me tranqüilizeis deste receio e, depois, dentro do tempo mencionado, irei
visitar-vos de qualquer modo.
Discuti com Filippo sobre esse meu opúsculo, se convinha dá-lo ou não
e, sendo acertado dá-lo, se era mais conveniente que eu o levasse ou
que o mandasse. Não me fazia dá-lo o receio de que Juliano não o lesse
e que esse Ardinghelli se honrasse com esse meu último trabalho. Por
outro lado, dá-lo satisfaria a necessidade que me oprime, porque estou
em ruína e não posso permanecer assim por muito tempo, sem que me
torne desprezível por pobreza, isso além do desejo que teria de que
esses senhores Medici passassem a utilizar-me, se tivesse de começar a
fazer-me rolar uma pedra; porque, se depois não conseguisse ganhar o
seu favor, lamentar-me-ia de mim mesmo, eis que, quando fosse lido o
opúsculo, ver-se-ia que os quinze anos que estive no estudo da arte do
Estado, não os dormi nem brinquei, devendo todo homem achar
agradável servir-se de alguém que, a custas de outros, fosse cheio de
experiência. E da minha fidelidade não se deveria duvidar porque, tendo
sempre observado a lealdade, não devo aprender agora a rompê-la;
quem foi fiel e bom durante quarenta e três anos, que eu os tenho, não
deve poder mudar sua natureza; da minha lealdade e bondade é
testemunho a minha pobreza.
Desejaria, pois, que vós ainda me escrevêsseis aquilo que sobre este
assunto vos pareça. A vós me recomendo. Seja feliz.
10 de Dezembro de 1513
NICOLÓ MACHIAVELLI
Florença.
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