Capitulo 5

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Sentei-me à mesa para o jantar, me servi de caldo de cordeiro com cenouras e pão de

cevada.
– Primeiro dia seguindo a nova rotina, o que achou querida? – perguntou meu pai.
– Não fui muito bem na aula de etiquetas, mas o treinamento me surpreendeu, acabei
gostando mais do que esperava.
– Soubemos por Lorde Arvid que você se saiu bem no primeiro dia de treino, eu e seu pai
estamos felizes.
Ouvir algo assim vindo da minha mãe, por mais simples que seja, é extremamente raro, o
que me fez sorrir.
– A propósito – continuou ela, molhando um pequeno pedaço de pão no caldo – os convites
estão quase prontos, irei finalizá-los quando terminarmos o jantar. Amanhã, assim que
amanhecer, serão enviados.
Para qualquer outra pessoa isso soaria como uma simples informação, mas para mim, soou
como uma advertência do pouco tempo que me resta até o Despertar.
A refeição seguiu agradável e com pouco diálogo, levando a minha mente a planejar tudo
para mais tarde.
E assim, com tudo arquitetado na minha cabeça, quando retornei ao quarto, vi que já era
hora de colocar tudo em prática.
Comecei pelas roupas. Fui até o grande baú de madeira que ficava aos pés da cama, no
fundo havia uma calça de couro, uma blusa leve, um corselete e uma manta com capuz.
Depois de vestida, calcei um par de botas que iam até a altura dos joelhos.
Me abaixei em uma das laterais da cama e com a mão direita comecei a procurar embaixo,
após só achar poeira e teias de aranha por um tempo, minha mão foi de encontro com a
lâmina fria e afiada da adaga que comprei no vilarejo em um dos festivais da feira, e com
cuidado a encaixei na cintura. Normalmente saía sem ela, mas hoje a situação era
diferente, não sabia o que esperar, levar algo para me proteger era o caminho mais seguro.
Fui até a sacada do meu quarto, no céu vi que tinha poucas nuvens e faltava meio palmo
para a lua atingir o ápice, estava na hora de ir.
Aproveitei a troca de turnos dos guardas para sair do castelo, mas não pude arriscar ir ao
estábulo pegar Noite, tive que ir a pé.
Com meu traje completamente preto, foi fácil me esconder e passar pelos arredores até ter
acesso a estrada principal, por qual tantas vezes andei, às vezes triste, outras vezes alegre,
algumas vezes seca, muitas vezes encharcada.
Enquanto caminhava pensei várias vezes em voltar, não sabia o que me aguardava, nem
quem era aquele homem, mas afastei esses pensamentos da minha cabeça antes que
desistisse da ideia e desse meia volta.
Depois de uma longa caminhada, avistei o arco de pedras irregulares e cinzentas da
entrada do vilarejo, desta vez, em companhia de uma figura encapuzada e um cavalo de
pelagem castanha.
– Devo admitir que a julguei mal, estava em dúvida se você realmente viria.
– A curiosidade é o meu pior defeito. – falei, me aproximando.
– Para arriscar tudo encontrando-se com um estranho no meio da noite, sem dúvidas é o
seu pior defeito – ele retirou uma maçã do bolso e ofereceu ao animal – Não está com
medo?
– Nem um pouco. – isso não era nem de perto a verdade, porém, ele não precisava saber.
– Pelo visto, seu senso de perigo não funciona bem.
– Se alguém deve temer algo aqui, esse alguém é você.
– A quem quer enganar Diana? Já circula em todos os reinos a notícia de que seu poder
acabou de despertar – seu tom de voz não exibia a menor das preocupações – Além do
mais, que perigo o gelo pode oferecer ao fogo?
Quando ouvi essas palavras, as peças se encaixaram na minha cabeça. Ele era de Fireleaf,
esse simples fato trazia todo o sentido para coisas que eu não conseguia achar respostas,
como o calor que surgia seguido da sua presença e a facilidade com que vinha aqui no
reino.
Refleti um pouco mais.
– Estamos em certa desvantagem aqui, você sabe o que sou e, acima de tudo, quem eu
sou. Por outro lado, não sei quem você é. Isso não é justo.
– Onde estão os meus modos? – disse ele sorrindo – Edden, herdeiro do Trono do Fogo, ao
seu dispor. – completou, fazendo uma reverência sutil.
– Agora, a pergunta que não quer calar: por que me chamou aqui?
– Não é óbvio? Para tratarmos de negócios.
– Que tipo de negócios? – perguntei curiosa.
– Trocas de favores, para ser mais exato.
Soltei uma risada inesperada e pensei por um instante.
– Supondo que eu aceite, o que eu teria que oferecer?
Ele sorriu, e com os olhos brilhando, abaixou o capuz, revelando seu cabelo preto
levemente bagunçado.
– Não posso dizer isso agora, mas posso lhe dizer o que oferecerei.
– Já tenho tudo o que preciso e até mesmo o que não preciso. O que mais eu poderia
querer? – virei-me e comecei a caminhar.
– Conhecimento! – sua voz saiu segura e confiante, como se minha vida fosse um livro
aberto.
Parei abruptamente com o som da palavra certeira.
– Sobre o que precisamente? – tentei soar desinteressada, mas falhei miseravelmente.
– Sobre nossos ancestrais, nossos antepassados, os cinco reinos e tudo o que mais você
queira saber.
Dei meia volta, e me aproximando, o vi com a mão estendida.
– Está feito?
– Está feito! – concordei, apertando sua mão.
Aceitei a proposta sem pensar duas vezes.
Desde jovem, minha vida continha um buraco, que só podia ser preenchido com
conhecimento. Quando criança, esperava todas as noites antes de dormir que minha mãe
me contasse histórias sobre nosso povo, obviamente, as histórias nunca foram contadas,
nem o vazio, preenchido.
– Onde está sua montaria Diana? A deixou mais a frente?
– Vim a pé. – respondi sem rodeios.
Edden ficou um pouco confuso e me encarou em silêncio por um tempo, antes de dizer:
– Te levo.
– Agradeço, mas não quero que sinta pena de mim ao ponto de me fazer um favor. Eu…
– Quem disse que é um favor? Quem disse que é de graça?
– Já bati minha cota de tratos por hoje.
– Não se preocupe, vamos. – disse, trazendo o cavalo até a minha frente – Quer ajuda para
subir?
– Não, não se preocupe. Consigo subir sem problemas.
Posicionei o pé na pedaleira, apoiei minhas mãos no dorso do cavalo, peguei impulso e
subi. Edden subiu em seguida. A sela não era muito espaçosa, mas acabou servindo.
A volta para o castelo foi regada pelo silêncio, exceto pelo leve trote do cavalo contra a
terra, que movia suas patas e cascos em movimentos cronologicamente perfeitos.
Quando chegamos em um trecho arborizado do caminho, a tranquilidade foi dispersa
rapidamente. Uma cobra verde passava lentamente cruzando a estrada, arrastando sua
barriga gélida e lisa pelo chão. Assim que percebeu o réptil, o cavalo se negou a ir adiante,
começou a dar pequenos pulos, relinchando e se virando bruscamente de um lado para o
outro, agitado.
Edden agilmente passou seu braço por mim, envolveu minha cintura e me puxou para mais
perto, acabando completamente com o mísero espaço que existia entre nós na sela. Seu
outro braço segurava fortemente a rédea, diminuindo a intensidade dos movimentos do
animal, que só se acalmou completamente quando a serpente sumiu entre as árvores.
– Você está bem? Como se sente?
Estava um pouco tonta e assustada, mas apesar disso, respondi:
– Estou bem, não há razão para se preocupar.
– Que bom – falou, e pude sentir a proximidade do seu rosto pela intensa respiração
fazendo cócegas na minha pele quando um suave beijo estalou atrás da minha orelha,
enviando pequenos calafrios por todo o meu corpo.
– Por…por que fez isso? – consegui perguntar.
– Eu te disse que não te traria de graça. Apenas cobrei meu pagamento.
Permaneci em silêncio o resto do caminho, quando desci do cavalo, nem mesmo agradeci a
Edden com palavras pelo seu gesto, apenas acenei com a cabeça e parti por entre os
arbustos.

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Os dias passaram-se rapidamente, como se o tempo fosse um velho inimigo, que de


alguma forma descobrira os meus segredos, os meus medos e as minhas incertezas, e
usando seus infinitos minutos, quisesse destruir meu finito destino.
Tarde após tarde treinava com Londe Arvid, e tarde após tarde voltava exausta. Os
exercícios tinham se tornado mais complexos nos últimos dias e me levavam ao limite. As
aulas com Lady Rita eram uma tortura, uma mistura de pompa com chatice.
Sair do castelo já não me parecia tão atrativo, mas sim cansativo, transformando-se em
uma atividade menos corriqueira. Também não obtive mais notícias de Edden, desde nosso
último encontro noturno na entrada da vila.
Com apenas um dia faltando para o Despertar, minha mãe se encontrava uma pilha de
nervos, pois para sua infelicidade, todos os reinos tinham confirmado presença na
celebração, com exceção de um, que ainda não havia enviado sua resposta , o reino do ar.
Terminado o desjejum, fui rapidamente arrastada pela minha mãe para a feira que estava
acontecendo no vilarejo. Inúmeras barracas com tendas estavam armadas e as pessoas se
movimentavam de um lado para o outro com suas cestas abarrotadas. Passamos primeiro
em uma floricultura para encomendar uma grande quantidade de agapantos azuis e lírios
brancos para o dia do evento. Em seguida, visitamos algumas tendas de tapeçarias e
tecidos, foram tantos itens comprados que tive que ajudar o cocheiro a levar tudo para a
carruagem. Passamos por tantos lugares e compramos tantas coisas, que me sentei perto
da fonte que ficava no centro do vilarejo para descansar um pouco, enquanto minha mãe
entrava em uma pequena loja de velas acompanhada do cocheiro.
Passando o olho pela multidão, reconheci uma pessoa. Seus grandes olhos azuis pareciam
assustados, seus cabelos em trança estavam bagunçados e ela parecia ainda menor no
meio de todo aquele alvoroço.
– Cat, aqui! – gritei, acenando.
Quando me avistou, seu sorriso parecia não caber no rosto e seus pés se puseram a correr.
O abraço que me deu foi repentino e inesperado, mas eu gostei daquilo, e retribui o gesto.
– Alteza! Pensei que não a veria mais.
– Ultimamente ando muito atarefada. Com o Despertar se aproximando, não me resta muito
tempo para passear. – segurei suas mãos – Gostaria de comer algum docinho comigo? É
meu pedido de desculpas.
Cat aceitou a oferta rapidamente e fomos atrás de algo açucarado e apetitoso. Depois de
passarmos em várias barracas, paramos em uma que vendia bergamotas caramelizadas
com especiarias.
Voltamos pra fonte conversando e lambendo os dedos:
– Está animada para o Despertar alteza?
Pensei um instante, antes de falar a verdade.
– Bom, a realidade é que estou com medo de não me sair bem.
– Ah – disse a garotinha um pouco desanimada, mas recobrando a felicidade novamente –
Terá muita comida? Qual momento é servido o jantar?
– Assim que terminar a minha demonstração e os votos forem finalizados, terá uma pausa
de dez minutos para montar a mesa e começar o jantar. – sorri – E terá muita comida sim,
gostaria que você pudesse ir.
Olhei na direção da loja de velas e vi que minha mãe saía de lá com o cocheiro e um
funcionário, carregando grandes caixas.
– Cat tenho que ir. Por favor se cuide, assim que eu puder, venho ver você novamente.
Disse isso e apressei o passo até a carruagem, para que minha mãe não soubesse onde eu
estava e não olhasse na direção da fonte.
Voltamos para o castelo esmagadas por objetos, compartilhando o espaço interno da
carruagem com tapetes, castiçais, caixas e sabe-se lá mais o que. O resto dos adquiridos
estavam amarrados na parte de trás do transporte. O aperto no lado de dentro era tamanho,
que nem mesmo com as janelinhas abertas o calor diminuía e comecei a transpirar.
Cheguei ensopada de suor e com fios de cabelo grudados no rosto. Nem coloquei os pés
completamente para fora da carruagem quando Anny surgiu agoniada e estabanada, me
instruindo a tomar um banho e provar o vestido para o evento, que já estava pronto e tinha
chegado fazia poucos minutos.
Mesmo depois de gastar quase toda a noite no quarto com Anny e minha mãe testando
calçados e penteados em mim, não conseguia pregar os olhos e resolvi descer para comer
algo na cozinha. Passando por um dos corredores, algo me chamou a atenção, avistei um
envelope cinza ainda lacrado com um selo branco que estava em cima de uma mesinha.
Passei os olhos no envelope procurando remetente e destinatário, mas não havia nada, por
outro lado, os relevos no selo formavam uma linda nuvem de vento. Rompi o selo e li a
carta que estava dentro do envelope.
Boa noite.
Venho informar que não haverá ninguém presente no Despertar que seja digno da minha
ilustre presença, mas que, em um ato de misericórdia, concederei essa honra a todos!
Lian, Rei do Trono do Ar, Senhor dos Ventos.

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