Estados Ibericos

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[Artigos inéditos]
Os Estados Ibéricos e a Questão da Transição em Portugal
The Iberian States and the Question of Transition in Portugal

Raquel Varela¹
¹ Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal. E-mail:
[email protected]. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6121-1379.

Artigo recebido em 3/10/2022 e aceito em 28/10/2022.

Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição
4.0 Internacional

Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 15, N. 2, 2024, p.1-19


Copyright © 2022 Raquel Varela
https://doi.org/10.1590/2179-8966/2022/70534 | ISSN: 2179-8966 | e70534
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Resumo
Os Estados Ibéricos iniciaram a expansão ultramarina europeia – como empreendimento
europeu – na viragem do século XV para o XVI, e nos séculos XVII e XVIII assumem os
contornos da transição à modernidade, marcada por um desenho que remonta à luta
contra o islão, que marcou a formação da contemporaneidade e da transição do Antigo
Regime ao período capitalista no sul da Europa, com impacto no mundo (desde logo na
relação com a Inglaterra, motor dos capitalismo), numa visão integrada global: modos de
produção, comércio à escala global, regimes políticos, afinal, qual a marca da transição à
modernidade no sul da Europa? E como ela se dá em Portugal?
Palavras-chave: Despotismo; Capitalismo; Transição; Modernidade; Estados Ibéricos.

Abstract
The Iberian States began the European overseas expansion – as a European enterprise –
at the turn of the 15th to the 16th century, and in the 17th and 18th centuries, assuming
the contours of the transition to modernity, marked by a design that dates back to the
fight against Islam, which marked the formation of contemporaneity and the transition
from the Ancien Régime to the capitalist period in southern Europe, with an impact on
the world (from the outset in the relationship with England, the engine of capitalism), in
an integrated global vision: modes of production, trade on a global scale, political regimes,
finally, what is the mark of the transition to modernity in southern Europe? And how is it
in Portugal?
Keywords: Despotism; Capitalism; Transition; Modernity; Iberian States.

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Os Estados Ibéricos e a Questão da Transição1

Segundo Perry Anderson, historiador, há três coordenadas históricas que são os primeiros
embriões de um novo tipo de história da humanidade, a qual o autor irá denominar
“espectro da autodeterminação”: uma forma historicamente inédita de agência humana,
que envolve amplos projetos societários de autotransformação histórica global. Esse novo
tipo de agência humana - consciente de si – que surge depois das maiores revoluções dos
séculos XIX e XX, teve «antevisões antecipatórias» nas formas históricas da: i) expansão
marítima, ii) heterodoxia religiosa e iii) utopia literária, segundo Anderson (Anderson,
2018).
A história de Portugal está ligada intrinsecamente de um lado a Espanha e do
outro a Inglaterra, mas no período pré-capitalista (até 1820 ou 1850) está mais vinculada
a Espanha do que a Inglaterra - ao ponto de no século XVI chegarem a constituir um Estado
Único (1580-1640). Portugal, junto com a Espanha, iniciou a expansão ultramarina
europeia. Para compreender a formação da contemporaneidade e da transição do Antigo
Regime ao período capitalista, contemporâneo, e a existência de um modo de
acumulação assente em duas classes fundamentais – burguesia e trabalhadores - é
preciso perceber que Estado português e espanhol não surgem da superação de
particularismos feudais, como foi o caso da Inglaterra, França e outros países europeus.
Surgem da luta contra o império islâmico (a “reconquista” na mitologia nacionalista”), um
Império tributário. O estancamento da economia Islâmica faz com que a sua presença na
Península Ibérica seja parasitária, extratora de impostos, e aí se dão as conquistas e o
nascimento do Estado (ainda não, inicialmente, moderno,) português e espanhol.
A outra característica é que Espanha e Portugal são o instrumento de um
empreendimento europeu internacional, de toda a Europa! não de Portugal e Espanha
exclusivamente, que é a expansão marítima. Há uma economia europeia a desenvolver-
se, e para a resgatar, os instrumentos históricos foram dois Estados: Espanha e Portugal.
Foram, porém, instrumentos de uma economia europeia – Colombo era genovês. Não é
um acaso. Tratava-se de encontrar rotas alternativas às do Mediterrânio. Os esforços da
expansão foram em grande medida impulsionados pelos financiadores das repúblicas

1 Devo um agradecimento especial, no debate sobre os Estados Ibéricos e a transição à longa


entrevista/conversa (março de 2022), que aqui transcrevo (nem sempre literalmente, por isso abdiquei das
aspas) e com autorização do entrevistado, ao meu colega e amigo Osvaldo Coggiola. Não sendo eu uma
estudiosa do período moderno as suas reflexões permitiram a síntese que aqui é feita. Este artigo é parte da
tese de mestrado de Raquel Varela em didática da história.
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italianas, entre eles os banqueiros florentinos. Entre os financeiros destas expedições,


estavam os judeus, que tiveram um papel essencial - e a expulsão destes de Portugal só
adensou estas redes comerciais mundiais. Como assinala António Andrade “Mas são
também esses mesmos homens que assumem um papel decisivo e incontornável na
diáspora sefardita, organizando e financiando redes de apoio a emigração dos seus
conterrâneos menos favorecidos. Nessa primeira metade de Quinhentos foram lançadas
as solidas raízes de uma estrutura alargada de base comercial, cultural e religiosa, assente
em redes familiares, cujos membros se encontravam dispersos pelas grandes praças
comerciais europeias. “ (Andrade, 2006:66).
Os Estados ibéricos têm peculiaridades, mas no caso do Estado Espanhol, que se
constitui em 1492, sobre a base da conquista (a chamada “reconquista”, relato mítico já
que o que conquistaram os árabes não foram territórios unificados no Estado português
ou espanhol, que não existiam) que “expulsa” os mouros. Hoje sabe-se que essa expulsão
teve um carácter não só de guerra, mas também de incorporação (Torres, 1992), como
tem destacado nos seus estudos Cláudio Torres. O Império islâmico, quando se dá a
conquista, estaria em completa decadência, fracassava em transformar-se (personagem
central do mundo intelectual da altura, Ibn Kaldun (Fromherz, 2010), pensador tunisino,
considerado, segundo Coggiola algo como o primeiro pensador “materialista histórico“),
aplica então categorias centrais na análise dos fatores dessa decadência - que tem a ver
com produção, urbanização, etc. como bases para entender a história (Lacoste, 1984).
O Estado Espanhol é mais semelhante ao despotismo asiático do que ao Estado
europeu absolutista de matriz europeia, cujo exemplo típico seria o Estado Absolutista
francês. Os Estados ibéricos seriam, como explica o historiador Osvaldo Coggiola, na
verdade uma forma intermediária entre o Estado Russo (despotismo asiático, que
sobrevive até ao século XX) e o absolutismo francês2. Segundo Perry Anderson o fracasso
de centralização (judicial, fiscal) da Espanha foi compensado pela descoberta do novo
Mundo: “[...] isso significava que o absolutismo na Espanha poderia ainda, por muito
tempo, prescindir da lenta unificação fiscal e administrativa que constituía uma condição
prévia para o absolutismo de outros países: a obstinada recalcitrância de Aragão era

2 No caso do Estado Espanhol assinala-se como característica especifica a mesta, criação de gado de carácter
transumante que dá ao Estado Espanhol características particulares no por causa da base produtiva– não se
pode assemelhar o feudalismo espanhol ao caso francês, ao feudalismo que abrange desde os Pireneus até à
Europa oriental. A propriedade feudal da mesta não é comparável à propriedade como existia na França,
Inglaterra etc.
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compensada pela complacência do Peru” (Anderson, 1998:69). Dever-se-ia dizer antes da


burguesia catalã, parte do Reino de Aragão. E Portugal, insere-se nesta conceptualização?
Como Norte do Sul e Sul do Norte, mas também Leste/Oeste qual o lugar de Portugal
nesta transição e como ela configurou Portugal?
O despotismo é um conceito ligado ao que Karl Marx chamou modo de produção
asiático. O Estado constitui-se em tempos em que a produção mercantil ainda era escassa
com o intuito de centralizar um conjunto de unidades produtivas que não praticam
produção mercantil (casos típicos são a Índia e a China3), é escassa essa produção. A ideia
de Marx, polémica, é a ideia de unificação de unidades, marginalmente mercantis4, para
extrair excedente necessário às obras públicas de grande envergadura (Civilização do Nilo,
Yang Tse), grandes obras realizadas em torno de grandes bacias hidrográficas. Unificam,
compulsoriamente - o que Samir Amin chamou-lhe “Estado tributário”, um estado
baseado nos tributos (Coggiola, 2017, Amin, 1973). A ideia central é que a sequência
escravidão, feudalismo, capitalismo é exclusiva da Europa ocidental. O resto do planeta,
e Portugal também, pelo menos em parte, teria passado por outro tipo de transições. A
crítica ao eurocentrismo é aqui fundamental, bem como às visões nacionalistas da história
que não incorporam o sistema-mundo.
Coggiola partilha desta visão - na Europa, através do império carolíngio (séc IX) -
tentou-se construir um “Estado tributário” que fracassou e a expressão desse fracasso é
a própria existência do feudalismo. E esta característica única na Europa - que consiste na
pulverização de poder político e económico, manifestada na existência do feudo -, é que
surge a particularidade europeia de unificar esses feudos, como não acontece nos
impérios orientais5. Na Ásia e na África, no Oriente, e no Sul não há atomização do poder
económico e político devido à existência de grandes impérios, o que impede (na verdade,
torna muito mais lenta), a transição para uma economia mercantil. Por outro lado, isso é
acelerado na Europa devido à existência de feudalismo, que a cerca altura sufoca as forças
produtivas e se transforma num obstáculo. Porque a economia mercantil se desenvolvia,
e para superar esse enforcamento, surge o Estado absolutista que é um Estado de
transição – esse desenvolvimento é único na história. É a peculiaridade europeia segundo
Amin.

3 Na China há também um debate em relação a isto já que a China inventou o papel-moeda, sinónimo de uma
produção mercantil mais avançada.
4 Entrevista da autora com o historiador Osvaldo Coggiola, Março de 2022
5 Nem nos americanos, mas aqui a sua evolução foi interrompida pela conquista - foram destruídos.

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Há um debate sobre se o Estado Absolutista é uma transição entre o feudalismo


e o capitalismo. A questão pode-se resumir assim, o que é o Estado absolutista, é mais
um Estado pós feudal ou protocapitalista? É um estado de um feudalismo em
decomposição ou é um Estado que já prepara as bases do capitalismo? Não há uma
resposta clara, há um debate que foi feito na década de 60 do século XX (Wood, 2001)6,
suscitado por um livro de Robert Brenner sobre as origens agrárias do capitalismo inglês
(Wood7) – a revolução agrária como anterior à revolução industrial e pré-condição para a
revolução industrial e para o capitalismo. O Estado inglês unifica mais de 60 000 feudos,
nada semelhante aconteceu em Portugal ou Espanha - desde logo tal número de feudos
não existia.
As características do caso espanhol e português são dadas pelo facto de que um
Estado nacional surge como parte de um processo de conquista territorial por parte de
uma monarquia centralizada contra os árabes. Muito distinto da França ou da Inglaterra,
Alemanha. Dá um papel central na Península Ibérica ao que seria o próprio Estado
Nacional, que adquire características derivadas dessa empresa guerreira, militar. A
importância de ser um Estado de características militaristas é que o Estado absorve
grande parte do excedente produtivo, que não é reinvestido na produção. Perry Anderson
considera que isto é uma das características – não a única – do Estado islâmico, que
impede a transição da civilização da área Islâmica para o capitalismo. A outra dimensão,
segundo Coggiola, é exatamente esta para os estados ibéricos - a conquista, Não existia
um Portugal pré reconquista. A transição poder-se-ia ter dado através de economias
dominadas pelos islâmicos iniciando uma modernização capitalista, mas isso não
acontece. Porque não acontece? (Anderson, 1966). É uma pergunta ainda sem uma
resposta, um debate em aberto entre historiadores.
Para Ellen Wood, autora cimeira neste debate – o qual como veremos pode
iluminar o debate sobre a transição em Portugal entre os séculos XVII e XVIII -, o
capitalismo não resulta da explosão das forças produtivas, libertada das grilhetas feudais
(forças produtivas que já lá estariam apenas à espera de ser libertadas, para autores que
defendem que a existência de cidades, burgos, e comércio, só precisava do fim do
feudalismo para se “libertar”) mas da revolução agrária na Inglaterra, que resultou numa

6 Ellen Wood “A origem agrária do capitalismo” In: A Origem do Capitalismo, Rio de Janeiro, Zahar, 2001
7 Figuras destacadas no debate: Brenner, Robert (1976), John Hatcher (1978). Le Roy Ladurie, Emmanuel
(1978). Hilton, RH (1978); Cooper, JP (1978); Brenner; Robert (1982).
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vontade política de transformação. E que o capitalismo nos outros países seria realizado
a partir da Inglaterra, depois desta transformação/reconversão económica. A partir do
momento em que a Inglaterra se torna capitalista ela arrasta os outros países para o
capitalismo (Wood, 2001).
Para Ellen Wood o capitalismo surge por indução externa, depois da revolução agrária
inglesa, nos outros países - porque as condições para o mercado mundial são dadas antes
pela expansão de Portugal, Espanha e Holanda. Aqui F. Braudell, G. Arrighi, I. Wallerstein
e Magalhães Godinho – o representante cimeiro desta corrente historiográfica em
Portugal (Godinho, 2019) - entram com uma tese distinta, a de que os centros da
economia mundo aqui criam as condições para o mercado mundial. Para Ellen Wood as
visões mercantilistas do capitalismo obliteram a sua especificidade histórica, falam da
origem sem delimitar uma origem do capitalismo:
“Quase sem exceção, os relatos sobre a origem do capitalismo são
fundamentalmente circulares: presumem a existência prévia do capitalismo para explicar
o seu aparecimento. No intuito de explicar o impulso de maximização do lucro que é
característico do capitalismo, pressupõem a existência de uma racionalidade universal
maximizadora do lucro; para explicar o impulso capitalista de aumentar a produtividade
do trabalho através de recursos técnicos, pressupõem um progresso contínuo e quase
natural do aprimoramento tecnológico na produtividade do trabalho. Essas explicações
paralogísticas têm sua origem na economia política clássica e nas concepções iluministas
de progresso [...]. Na maioria das descrições do capitalismo e de sua origem, na verdade
não há origem. O capitalismo parece estar sempre lá, em algum lugar, precisando apenas
ser libertado de suas correntes – dos grilhões do feudalismo, por exemplo – para poder
crescer e amadurecer. Caracteristicamente, esses grilhões são políticos: os poderes
senhoriais parasitários ou as restrições de um Estado autocrático. Às vezes, são culturais
ou ideológicos – a religião errada, quem sabe. Essas restrições limita[ria]m a livre
movimentação dos agentes econômicos, a livre expressão da racionalidade econômica
[...]. Esse pressuposto costuma ser tipicamente associado a um outro: o de que a história
é um processo quase natural de desenvolvimento tecnológico. De um modo ou de outro,
o capitalismo aparece, mais ou menos naturalmente, onde e quando os mercados em
expansão e o desenvolvimento tecnológico atingem o nível certo [...]. O efeito dessas
explicações é enfatizar a continuidade entre as sociedades não-capitalistas e capitalistas,
e negar ou disfarçar a especificidade do capitalismo “ (Wood, 2011:13-14).

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Wood destaca que para haver capitalismo não basta haver mercado, que existe
noutras sociedades e de forma distinta; nem Estado; nem dinheiro (o papel-moeda já
existia noutras sociedades), nem trabalho, que sempre existiu na história. Para haver
capitalismo, que é um específico modo de produção – histórico, não sempre existente –
é preciso que o mercado dite as regras ao conjunto da sociedade.
“O capitalismo é um sistema em que os bens e serviços, inclusive as necessidades
mais básicas da vida, são produzidos para fins de troca lucrativa; em que até a capacidade
humana de trabalho é uma mercadoria à venda no mercado; e em que, como todos os
agentes económicos dependem do mercado, os requisitos da competição e da
maximização do lucro são as regras fundamentais da vida. Por causa dessas regras, ele é
um sistema singularmente voltado para o desenvolvimento das forças produtivas e o
aumento da produtividade do trabalho através de recursos técnicos. Acima de tudo, é um
sistema em que o grosso do trabalho da sociedade é feito por trabalhadores sem posses,
obrigados a vender sua mão-de-obra por um salário, a fim de obter acesso aos meios de
subsistência. No processo de atender às necessidades e desejos da sociedade, os
trabalhadores também geram lucros para os que compram sua força de trabalho. Na
verdade, a produção de bens e serviços está subordinada à produção do capital e do lucro
capitalista. O objetivo básico do sistema capitalista, em outras palavras, é a produção e a
auto-expansão do capital [por meio da exploração massiva dos trabalhadores]” (Wood,
2001:12).
A questão é muito pertinente para a Alemanha, na Itália, na França: o capitalismo
surge como consequência de uma indução externa, ou seja, a concorrência do capitalismo
inglês, ou a partir das suas transformações internas?
Para a história de Portugal esta pergunta, que está em aberto, é fundamental, quais são
as origens do capitalismo português, internas, externas ou uma combinação desigual de
ambas? Quando estudamos o século XVIII respondemos a esta questão, parcialmente,
isto é, ao lugar do mercantilismo, do comércio mundial, e de Portugal no sistema
internacional de Estados.
Voltando ao debate de Samir Amin: teríamos de um lado os Estados Tributários,
e do outro os Estados feudais europeus. O feudalismo é uma peculiaridade europeia, e
que essa peculiaridade foi o que possibilitou (debate em aberto) o nascimento do estado
absolutista. Que foi o marco político da transição para o mercado nacional (e depois para
o mercado mundial), e, portanto, para o capitalismo. Onde ficaria a Península Ibérica,

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assumindo que podemos englobar ambos – Portugal e Espanha - na mesma análise? Se


assumimos que são uma espécie de transição entre o modo de produção asiático e o
absolutismo ocidental, ou seja, são Estados de transição entre o império islâmico
(tributário) e a Europa ocidental que conseguiu evitar ser conquistada pelos islâmicos,
temos uma combinação desigual oriental e ocidental, que vigoraria nestes Estados
Ibéricos e que conformou o seu desenvolvimento contemporâneo.
Esmiucemos mais estes elementos. Nos estados despóticos a única forma de
transição é a partir do Estado, não se espera uma transição por uma forma de revolução
democrática e popular (como os modelos inglês, americano e francês), porque o
despotismo cumpre uma função necessária, sem a qual a base económica desses Estados
se decompõe. Da produção comunitária na mesta espanhola ou nas comunidades rurais
na Índia não surgem forças capazes de questionar o Estado e o modo de produção
existente, pelo contrário tendem a reproduzir essa base produtiva. É escassamente
comercial. O caso ibérico – Pombal, no reinado de Dom José, ou Jovellanos, e as reformas
iluministas bourbónicas – seria distinto da Índia, porque teria havido a criação de
instituições, pré-capitalistas – em suma, uma modernização dentro do próprio Estado.
Marx estudou este caso para a Índia, a base da produção comunitária era a
centralização do Estado para realizar grandes obras que permitiam essa mesma produção,
por isso Marx via como um factor revolucionário o investimento inglês porque este
investimento inglês iria produzir um mercado nacional – comboios, indústria, etc. E, esse
mercado nacional criado pela Inglaterra involuntariamente - porque se tratava de criar
condições para exportar algodão para Inglaterra -, esse mercado criaria as bases para um
mercado nacional indiano e uma revolução burguesa na Índia. Qual o paralelo, na
comparação (diferenças e semelhanças) que podemos fazer para Portugal? A monarquia
absolutista espanhola apareceria como uma delegação de poderes dos senhores
regionais, delegação voluntária por parte dos senhores (criadores de gado). Se na Espanha
a mesta teve esse papel, qual a base social – produção, forma de propriedade – de apoio
à coroa portuguesa na forma que tomou? Não foi o investimento português, sob o
reinado de Dom José e direção de Marquês de Pombal, um investimento que, assumindo
um discurso de modernidade apostado nas manufaturas e no protecionismo nacional,
como assinala Kenneth Maxwell ao lembrar que Pombal criticava a “perniciosa
transferência de ouro do país para a Grã-Bretanha” (Maxwell, 2001:22), dava monopólio

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de facto a capitais estrangeiros, com privilégios, subsídios e a criação, por Alvará Régio,
como referimos, das Reais Fábricas?
Pombal seria, para usar uma expressão da historiografia inglesa, uma tentativa
vinda de cima de transformação. O seu traço mais distintivo teria sido a tentativa de criar
um Estado moderno, com instituições fiscais (Erário Régio), policiais (Intendência Geral
da Polícia da Corte e do Reino) que centralizassem o poder no Estado, abafando a
pulverização de poderes, garantindo domínio económico. Que se dá ao mesmo tempo
que persegue os jesuítas, que fugiam ao controlo do Estado, a Inquisição – um “Estado”
paralelo -, daí também a abolição cristãos-novos cristãos-velhos (dava uma machadada
no poder da Igreja, enquanto libertava mercadores de origem judaica para incentivar a
formação comercial). Segundo Borges Coelho, a criação de companhias monopolistas
prejudicava o pequeno comércio e ameaçava o lucro das companhias religiosas que
estavam no Brasil: “No Brasil colonial os jesuítas não queriam abdicar do poder civil, do
comércio e da produção de matérias-primas para o mercado”. Além disso era a “milícia
do papa”, “um dos seus pecados capitais consistia na subordinação direta ao papal cujo
poder temporal os governos, mesmo mal iluminados, contestavam” (Coelho, 2022:202-
204). De salientar aqui também a perspetiva da área de estudo da história global – a
criação de companhias monopolistas e a luta contra o papado são movimentos
internacionais, e Pombal vai fazê-lo num quadro de acirrada disputa colonial,
nomeadamente dos holandeses no Brasil.
A Expansão Ibérica não é, porém, idêntica, Portugal chegará ao mundo inteiro,
Ásia, África, América, enquanto Espanha está no norte de África e na América. O mito de
“vocação marítima” do país – um país tão pequeno para se desenvolver tinha que ir para
o mar, destemido – é idealista. Na verdade, a expansão marítima resulta de um
empreendimento global, e isto vai ser determinante para explicar o desenvolvimento da
burguesia portuguesa na modernidade. Esta explicação é também de certa forma dada
para o caso holandês, estabelecendo um paralelo - são dois países, de reduzidas
dimensões, que se expandem mundialmente (em colónias e enclaves comerciais), como
se o carácter territorial de reduzidas dimensões de ambos os países tivessem
impulsionado a sua expansão mundial (Schneider, 2017). Não se pode ignorar que a
guerra pelo nordeste açucareiro, foi combatida entre portugueses e holandeses, mas era,
pelo peso do açúcar no mercado mundial, uma guerra de alcance internacional8.

8 Entrevista da autora com o historiador Osvaldo Coggiola, Março de 2022.


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Fica, porém, uma questão: Estes países são escolhidos por causa de serem unificados ou
são unificados por causa disso?
Um facto que sem dúvida contribui é a localização geográfica e ausência de
rivalidades. Portugal e Espanha, em primeiro lugar, em relação à Inglaterra, França,
Alemanha, Itália têm desde logo a peculiaridade do seu carácter peninsular, e separado
pela muralha, quase inexpugnável, dos Pirenéus. Que os protegia, relativamente, dos
grandes conflitos europeus. Com um carácter bi-oceânico – Mediterrâneo e Atlântico. A
ideia de se instalar rotas de amplo percurso para a China e a Índia driblando o domínio
sarraceno/árabe do Mediterrâneo foi fundamental. Este facto é de uma enorme
relevância – as línguas ibéricas são as primeiras com uma gramática codificada, e Camões
e Cervantes seriam os primeiros autores de literatura universal.
Nos séculos XV e XVI Portugal (e Espanha) são pioneiros numa fase nova de
expansão do comércio mundial. Comércio pressupõe troca entre o produtor o
consumidor. O comerciante não visa o consumo em si, mas a aquisição de valores de troca
(dinheiro) que o comércio permite. A Península Ibérica, que na orla do Mediterrâneo é
constituída em geral por terras montanhosas e pobres, em que as chuvas fortes de
inverno levam o solo, deixando a nu a “rocha dura e estéril”, os longos verões quentes, o
paludismo e os conflitos que nascem da escassez levam a que a “fertilidade destas regiões
é uma frágil obra do homem e não um dom permanente da Natureza” (Ribeiro, 2011:47-
49) – vive agora o esgotamento da florescente civilização árabe. Aqui dá-se a re
(conquista) cristã.
“A colonização europeia das Américas, realizada inicialmente pelos países
ibéricos, esteve precedida neles por uma crise de grande envergadura. Em 1348, a Peste
Negra dizimara as populações urbanas e rurais portuguesas. Em 1375, dom Fernando
regulamentou através da Lei das Sesmarias a distribuição de terras abandonadas entre os
privilegiados do Reino. As concessões eram livres de ônus, fora a obrigação de explorá-las
em prazo determinado. Derrotados e expulsos os árabes da península, no final do século
XV, as potencias ibéricas organizaram ou financiaram as expedições e viagens
interoceânicas, realizadas por marinheiros ibéricos ou por marinheiros estrangeiros a
serviço dos Estados peninsulares (como o genovês Cristóvão Colombo). “ (Coggiola, 2017:
207).
Estima-se que a “pestelença grande” tenha diminuído a população de 1 milhão e
meio de habitantes para 1 milhão. Muitos na perspetiva da morte doavam, para

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“salvação” os bens à igreja (Coelho, 2022: 274-275). Peste, fomes, alta mortalidade e
mobilidade levam à redução da população e mobilidade desta, com os trabalhadores
assoldados a exigir salários mais altos, o que origina da parte da Coroa legislação
disciplinadora dos trabalhadores. À semelhança do que aconteceu em Inglaterra com as
Ordinance Labourers de Eduardo II. Em Portugal D. Afonso IV estabeleceu que novos
proprietários de terras, herdeiros dos mortos da peste sobretudo, fossem obrigados ao
trabalho e tabelou os salários (Coelho, 2022: 274-275). Porém, a crise demográfica e o
aumento dos salários vieram para ficar com a escassez de trabalhadores. Como recorda o
escritor modernista John dos Passos, filho de emigrantes portugueses da Madeira nos
EUA, “A área cultivada em Portugal era pequena e comprimida entre o mar e as
montanhas, mas a população também era pouca. Visto que o apelo da vida de marinheiro
atrai um número cada vez maior de jovens das zonas rurais, a Coroa começava a
empenhar-se no que viria a ser uma batalha interminável e infrutífera para que fossem
produzidos alimentos suficientes para alimentar a população”(dos Passos, 2017). O mar
foi a saída. Nasce aqui o primeiro império global da história (Page, 2002), o português,
com possessões na África, América do Sul, Ásia e Oceânia.
Orlando Ribeiro, geógrafo português, recorda que o Mediterrâneo teve uma
unificação política que foi feita sobre base continental e não marítima, o império romano
repousa nas estradas e cidades interiores. Portugal foge a esta regra, mas só depois,
escreve o geógrafo, de ter resolvido, de forma sustentada a questão da posição da terra
e do conhecimento das rotas (Ribeiro, 2011). Para isso foi fundamental o investimento
privado (das colónias italianas, de sefarditas ou cristãos-novos), e a revolução de 1383
como acontecimento cimeiro do ponto de vista da unidade territorial. É aqui que a batalha
de Aljubarrota (1385) contra Espanha é parte essencial da construção da nação como
“comunidade imaginada” (Anderson, 2008), um fenómeno – a nação portuguesa - que
será de facto edificado só no século XIX e XX, a contrario dos mitos fundadores que ainda
hoje perduram (“uma nação com 900 anos”). A terra domina, o mar liga, o poder é
territorial (Ribeiro, 2011:50-51).

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Do Ouro do Brasil à “Viradeira”

A monarquia hispânica, no quadro de disputas interimperialistas, sente-se acossada pela


Inglaterra e a Holanda. O reflexo disso em Portugal é o aumento da carga fiscal, o ataque
da Holanda e da Inglaterra às possessões ultramarinas, e que Portugal considerava suas,
agora sob domínio filipino, a intensificação do recrutamento português para as guerras
espanholas, tudo isto leva a que alguns sectores questionem no território português a
União Ibérica. Como assinala Borges Coelho, “De 1580 a 1640 Portugal viveu atrelado ao
carro dos Filipes e ao seu projeto de domínio europeu que passava pelo restabelecimento
da autoridade católica apostólica romana” (2022:24).
Neste quadro, uma conspiração levada a cabo em Portugal contra o domínio do
império espanhol levanta-se e proclama D. João IV como rei, a 1 de Dezembro de 1640.
Portugal recupera a independência política, e autonomia fiscal, mas a Espanha vai
enfrentar a dinastia dos Bragança numa série de batalhas da Guerra da Restauração. E
Portugal, para consolidar a independência política face a Espanha aproximar-se-á mais da
Inglaterra, de quem se torna paulatinamente mais dependente. O nacionalismo que cria
o país também imagina eufemismos para a política de Estados – a “mais velha aliança”
entre Portugal e Inglaterra é estruturalmente uma relação de dependência, que na
segunda metade do século XVII resulta de facto na cedência de Bombaim, encetando
assim o domínio inglês na Índia.
Em 1668 assina-se o Tratado de Lisboa, pondo fim à guerra entre Portugal e a monarquia
hispânica. Mas nas colónias, o enfrentamento durará mais duas décadas. Neste conflito
Portugal consegue consolidar o seu domínio no Brasil e África, mas perde-o no Oriente,
onde os holandeses e ingleses tornar-se-ão dominantes. Juntar-se-á a este período, de
grave crise económica e financeira por estas razões, ainda a concorrência das plantações
de açúcar do Caribe e os ataques de piratas e corsários.
Neste contexto – em que as finanças da coroa são abaladas pela perda das taxas
(cobradas no comércio colonial) – a crise instala-se. Surgem então uma série de propostas
de cunho mercantilista e a tentativa de instalar manufaturas no território nacional.
Destacar-se-á neste processo figuras como Duarte Ribeiro de Macedo e o 3º Conde da
Ericeira, D. Luís de Meneses, que desenham um projeto assente na introdução de
métodos de fabrico com formação/importações de artesãos estrangeiros: reorganizar
sectores como o vidro, têxtil, com carácter monopolista (por alvarás reais, aprovam-se

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leis de incentivo ao mercado nacional (leis pragmáticas) e atribuíram-se taxas


alfandegárias a produtos concorrentes.
Isto vai gerar descontentamento da parte da Inglaterra, que já antes do Tratado de
Methuen tinha no Tratado de Westminster de 1654 condições privilegiadas no mercado
para os têxteis ingleses e muitos portugueses estariam contra estas medidas porque
foram incapazes de inverter a balança comercial, que continuou negativa, muitos ficaram
excluídos dos monopólios (a Covilhã e Portalegre serão algumas das regiões que terão
ganho com estas políticas que fixaram população).
Todo este quadro vai ser invertido por duas razões fundamentais: a descoberta
de ouro e diamantes no Brasil, a partir do final do século XVII (1695) e pelo Tratado de
Methuen (1703).
O Tratado de Methuen foi assinado entre Ana de Inglaterra e D. Pedro II. E
permitia a introdução em Portugal, com condições de taxação favoráveis a Inglaterra, dos
têxteis ingleses – o que terá como consequência um abrandamento e diminuição do
incentivo às manufaturas portuguesas. A contrapartida – que deixa Portugal numa
situação de fragilidade económica, que decorria como vimos da fragilidade político-militar
– era que os vinhos portugueses entravam em Inglaterra pagando apenas 1/3 do imposto
pago pelos franceses, o que vai ter como consequência um aumento do poder dos
proprietários ligados a produção de vinho no Douro e Madeira, e à diminuição da
produção de trigo e cereais, aumentando assim a importação de trigo – tudo isto vai
agravar a balança comercial portuguesa.
A “febre do ouro” do Brasil começa com as minas de ouro, primeiro em Minas
Gerais, pela mão dos bandeirantes, depois para Goiás e Mato Grosso, e acaba em pouco
tempo com o défice da balança comercial; o ouro permite uma maior centralização do
poder no reinado joanino (1707-1750), visível também em grandes obras, como o
aqueduto das águas livres, o Convento de Mafra, nas obras de arte sacra - repousa aqui
esse simbolismo de poder imenso, ao mesmo tempo que a dependência aumentava as
compras a Inglaterra e reforçava a libra estrelinha. O ouro vai pagar o esforço militar na
defesa contra as disputas coloniais – será o Conde de Lippe já no reinado de Dom José a
reorganizar o exército na metrópole e no império (deixando, por exemplo, forte da Graça
em Elvas, como uma das mais notáveis fortalezas abaluartadas do mundo).

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Não estando a riqueza assente no desenvolvimento de indústrias, a febre do ouro


tornava Portugal mais independente, ao mesmo que tempo que a dependência se
adensava. Se na Europa Portugal procura o reconhecimento anterior a 1580:
“A grande prioridade, porém, foi sempre o Brasil, a defesa das suas rotas e a
definição e proteção das suas fronteiras. Embora os feitos no Oriente fossem celebrados
com inultrapassáveis encómios (...) a verdade é que desde 1736 (...) que a presença
portuguesa na India entrara numa fase de irreversível declínio. Pelo contrário, o Brasil
registava um momento de grande prosperidade económica e apreciável crescimento
demográfico e nele se ancorando em larga medida, o equilíbrio financeiro da monarquia.
Como afirmava o velho Duque de Cadaval em 1715, “do Brasil depende hoje
absolutamente muita parte da conservação de Portugal”” (Monteiro, 1998:414).
No final do reinado de D. João V fica visível o início do esgotamento do ouro, pelo
declínio das jazidas. Por outro lado, a concorrência no mercado mundial, mercado agora
plenamente criado, era irreversível, mesmo com as cíclicas medidas protecionistas.
Marquês de Pombal vai, em resposta, encetar uma série de políticas de teor mercantilista
e protecionista, e centralizadoras do Estado. Cria as companhias monopolistas,
protegendo o comércio colonial, concedendo privilégios nobiliárquicos à alta burguesia,
procurando assim captar investimento; numa política de coerção e consenso controla a
nobreza com repressão (Távoras) ou distribuindo de tenças, mas sobretudo questiona o
pequeno feudo e o pequeno comércio; cria a Junta do Comércio e a Aula de Comércio,
procurando formar e apoiar o desenvolvimento comercial; e impõe e regula as
companhias de caráter monopolista, que eliminam em consequência os concorrentes
mais frágeis, no caso: a vinha no Alto Douro, pesca no Algarve, e pesca da baleia. O Erário
Régio (reserva de moedas), de 1761, vai tornar mais eficiente a coleta de impostos; e a
atuação de Pina Manique como superintendente geral dos contrabandos – com o alegado
objetivo de controlar os burlões e trapaceiros - garante a eliminação da concorrência dos
pequenos produtores/pescadores autónomos. A partir de 1770 cria um plano da indústria
manufatureira em que cria fábricas, e importa trabalhadores de fora, especializados,
(Carvalho, 1992) e concede privilégios, subsídios e incentivos fiscais aos capitais
estrangeiros ou nacionais que queiram nelas investir, além de alvarás de cunho
monopolista que referimos, como é o caso famoso da Real Fábrica de Vidros da Marinha
Grande. Paralelamente atua no campo educativo, com a perseguição aos jesuítas e
constituir mote para uma reforma do ensino, e sobretudo para lhes retirar o controlo

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económico no Brasil; extingue a distinção entre cristãos-novos e cristãos velhos e impõe


a abolição da escavadura na metrópole. Ao mesmo tempo Marquês de Pombal incentivou
a criação de pequenas fábricas em Lisboa e Porto de chapéus, algodão, papel, loiças,
metalurgia, refinação de açúcar. Entre as grandes destacam-se a Real Fábrica de Lanifícios
de Portalegre, que, pensa-se, empregava já 1348 pessoas em 1779; a Real Fábrica de
Louças no Rato, que se tornou num espaço central de formação técnica. A Real Fábrica de
Sedas (fundada ainda no período joanino) tinha 3500 trabalhadores. Com o Marquês
chegaram, recorda Cândida Proença, máquinas e engenheiros mecânicos (Proença,
2021:464-465).
“Em 1751 (cronologicamente o primeiro caso relacionado com o assunto em
causa) chega a Lisboa o francês Pierre Dangé, tintureiro, que andara pelas índias em busca
do segredo de certa tintura carmesim, que afirmava ter descoberto. Pro põe-se, se o seu
trabalho agradar, mandar vir um grupo de operários de França e instalar entre nós uma
fábrica de fiação e tecelagem de algodão (®). Em 1752 Diogo de Mendonça Corte-Real
escreve, de Lisboa, a Galvão de Lacerda, em Paris: «SMg.d* he servido que vs* busque
em Leaõ hum bom desenhador e hum bom Tintureiro p* a Fabrica de Lisboa, e que
achando-os capazes os ajuste». E termina: «SMg.d* manda recomendar a vs. m.t° esta
deligencia». Oito meses decorri dos, e referindo-se ao tintureiro que ainda não se
conseguira contratar, oficiava-se de Lisboa: «estamos esperando com bastante
impaciência, porque a Fábrica não tem nenhum». Só em Outubro de 53 o tintureiro
procurado chegou a Lisboa e desejou que se construísse uma Casa da Tinturaria, segundo
desenho seu, após o que mostraria as suas capacidades. O desejo foi imediatamente
satisfeito. O mestre tintureiro chamava-se Louis La Chapelle e, devido às excelentes
informações que se obtiveram a seu respeito, fez-se-lhe o contrato por dezasseis anos, o
que cumpriu com pleno agrado, acabando por ser um dos directores da Real Fábrica das
Sedas. Morreu em Lisboa em 1770 (*). “ (Carvalho, 1992:97).
Nestes tempos ganhavam o nome de indústrias ou “artes fabris” todas as
actividades produtivas não agrícolas, atividade dominante. As manufaturas eram na sua
maioria de pequena dimensão, ou mesmo domiciliares e por vezes na fábrica dá-se
apenas o acabamento final – parte deste processo manter-se-á mesmo no século XIX e
século XX (Varela, 2015). Artes era o nome das manufaturas, de onde deriva a palavra
artesão e artífice.

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A Viradeira é o período de reação anti pombalina que se dá quando D. Maria I é acalmada


em 1777. No fim da vida o Marquês foi condenado ao exílio interno, rejeitado pelos seus
pares. Mas a sua política, do qual grande parte das elites dirigentes foram entusiastas
(desde logo porque favorecia a concentração de riqueza), tivera desde cedo forte
resistência popular, que adquiriu um carácter de revolta. E a sua repressão de uma
brutalidade implacável. Os taberneiros, acusados de adulterar o vinho, eram as vítimas
do monopólio e revoltaram-se no Porto, assaltando a casa do provedor da Companhia
Geral da Agricultura e das Vinhas do Alto Douro, que tinha o privilégio da venda a retalho
exclusivo na cidade do Porto:
“Este, alvoroçado, veio para a rua no dia 23 de Fevereiro de 1757, gritando “Morra
a Companhia!”, invadindo a sede da companhia do Porto e destruindo-lhe a
documentação (...) Pombal desabou sobre os amotinados com uma diligência e um fervor
até então desconhecidos – enforcamentos, prisões, degredos, chicotadas públicas,
confiscações, palmatoadas públicas a rapazes que acompanhavam as manifestações,
multas” (Real, 2006:65).
Para o filósofo Miguel Real, Pombal representa a política vanguardista e
absolutista, uma ruptura que vai dramatizar e encenar um país isolado da cultura e
educação europeias e com manufaturas insipientes, que contribuíam para uma crónica
dependência. Pombal é por isso o homem que vai tornar a imagem da decadência no
“operador mental mais constante e mais influente da cultura portuguesa
contemporânea!” (Real, 2006:9). A consequência mais importante terá sido, para o
filósofo e ensaísta, o super domínio do Estado sobre a sociedade portuguesa, deixando
marcas até à ditadura e à adesão à CEE (Real, 2006, 13). Se Borges de Macedo considera
que a política centralizadora já vinha de D. João V, Real vê aqui um salto de qualidade –
“de fortemente interveniente, tornou-se totalmente interveniente”. (Real, 2006:75).
“O marquês de Pombal não pretendia acabar com a nobreza, mas educá-la e
submetê-la às leis do Estado absoluto. E sentiu-se muito honrada em ser elevado a conde
e depois a marquês. Pelo seu lado, os homens de negócio e a nobreza de toga também
não enjeitavam os títulos e as velhas rendas. Mas no casamento de conveniência entre a
nobreza e os homens do capital, a política seguida inclinava fortemente a balança para os
homens do negócio. Aproximavam-se dias de grande confronto” (Coelho, 2022:18).

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Sobre a autora

Raquel Varela
Professora na FCSH- Universidade Nova de Lisboa, Historiadora e Investigadora,
investigadora integrada do HTC (CEF-FCSH-UNL), e investigadora do Centro de Estudos
Globais do Trabalho (UA). Autora e editora de mais de 3 dezenas de livros de história
global do trabalho, história de Portugal e da Europa, entre eles Breve História da Europa
(Bertrand, 2018).

A autora é a única responsável pela redação do artigo.

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