Artigo Realismo em Portugal Eça de Queiroz
Artigo Realismo em Portugal Eça de Queiroz
Artigo Realismo em Portugal Eça de Queiroz
INTRODUÇÃO
Pretendemos trazer à tona, com este artigo, a rea- a civilização burguesa e o liberalismo, que tornavam possível
lidade encontrada no meio sócio-político-econômico portu- as exposições livres de idéias no campo sócio-político-econô-
guês, quando da eclosão do chamado movimento realista em mico, em busca de uma real e concreta democratização que
Portugal; sobretudo, buscando enfatizar as fases específicas representasse novas oportunidades ao povo em geral.
e caracterizantes do processo de criação literária de um dos Sendo a arte literária a transposição da visão de
maiores expoentes do Realismo Português: Eça de Queirós. mundo do autor em relação ao meio em que vive, expressa na
Não repetiremos, aqui, o que muitos críticos já fizeram – aná- realidade ficcionalizada da obra literária, não precisaria dizer
lise tão somente de fases e textos queirosianos – ao contrário, que o momento de reivindicação em todos os níveis torna-se
tentaremos mostrar, sob um prisma sociológico, a visão de perfeito para uma numerosa produção literária de crítica aos
mundo de Eça, o distanciamento que o mesmo estabelece de sistemas impostos por uma sociedade problemática.
sua pátria e de sua família, possibilitando, dessa forma, análise O homem europeu torna-se um devorador de jornais,
mais aprofundada do produto criado pelo escritor português, revistas, romances, enfim, qualquer processo escrito que
suas características, suas preocupações, bem como suas críti- o deixe a par das questões sociais, políticas e econômicas,
cas ao sistema sócio-político. Se críticos, como Óscar Lopes norteadoras de sua existência, pois passa a enxergar-se nas
e António José Saraiva, Massaud Moisés, Benjamin Abdala tramas dos textos lidos, encarna a problemática vivida pelas
Júnior e Maria Aparecida Paschoalin, dentre outros, demons- personagens no decorrer dos enredos; deixa de ser individu-
traram a vida e o conjunto da obra de Eça de Queirós, promo- alizado, os seus problemas correspondem aos problemas de
vendo inúmeras discussões acerca das temáticas trabalhadas outros membros da sociedade em que está inserido, gerando,
pelo escritor, tentando, portanto, estabelecer uma relação entre com isto, a visão de mundo coletiva, tomando-se por base a
a vida e a produção de Eça, através de uma divisão de fases teoria proposta por Lucien Goldmann.
em que determinadas obras seriam, então, enquadradas, não Nesse período, em âmbito europeu, destacam-se
nos cabe discutir a posição ou o mérito de seus estudos, mas Gustave Flaubert e Èmile Zola, críticos ao sistema e à pequena
procurar repensar algumas obras, personagens, cenários, en- burguesia, influenciadores diretos do movimento realista em
fim, os quais nos façam entender melhor a visão de mundo de Portugal e, em especial, de Eça de Queirós.
Eça. Para tanto, dividiremos este artigo em subtítulos como: Em Portugal, a realidade não corresponde ao que se
a realidade portuguesa; o movimento realista em Portugal; as encontra nos países mais desenvolvidos da Europa, pois retrata
conferências do Cassino; Eça de Queirós e a proposta realista uma quase ausência de indústrias e o índice de analfabetismo
e, por fim, considerações finais, sobretudo com o intuito de alcança um patamar alarmante de aproximadamente 80% da
melhor entender a visão de mundo e, por conseguinte, a criação população.
ficcional queirosiana. Em 1851, o movimento denominado Regeneração
implanta, em Portugal, o Liberalismo, através de um golpe
A Realidade Portuguesa de Estado, estabelecendo mudanças constantes no poder
português, dentro da monarquia constitucional; ora sobem ao
O século XIX, sobretudo em sua segunda metade, escalão máximo os conservadores, ora o assumem os progres-
representa uma das fases mais ativas, do ponto de vista intelec- sistas. Dessa forma, o modelo político português nada mais
tual e literário, da história européia. Esse momento apresenta será que uma cópia do vigente na Inglaterra.
* Artigo propiciado pela pesquisa institucional estabelecida no decorrer do ano letivo de 2002, na Universidade Paranaense, lotada no IPEAC, como conseqüên-
cia da aprovação do Projeto de Pesquisa Intitulado A Relíquia e o Crime do Padre Amaro: uma visão crítica do clero português, sob protocolo n º 001361.
** Docente do departamento de Letras da UNIPAR
o fito de pôr em discussão franca os problemas e gime denominado Regeneração, que se impunha à sociedade
as questões de ordem ideológica que então interes-
savam a gente culta da Europa e da América do portuguesa.
Norte. Para tanto, alugam o Cassino Lisbonense,
uma espécie de café-concerto onde se reúne a bo-
êmia áurea do tempo para ouvir o can-can e ouvir As Conferências do Cassino
cançonetas picantes. (Moisés, 1984:196) A primeira conferência, O Espírito das Conferências,
proferida por Antero de Quental, em 22 de maio de 1871,
Antero de Quental fez com que o grupo passasse a tentava mostrar ao público presente no Cassino – dentre eles
ter uma sistematização em suas leituras e produções literárias, deputados, escritores e funcionários públicos – que Portugal se
definindo os verdadeiros interesses e determinando uma fi- encontrava apartado dos grandes acontecimentos intelectuais
nalidade construtiva para o Cenáculo. Assim, Antero assume europeus. A idéia exposta por Quental foi, em termos, aceita
a posição de mentor do grupo. pelo público; porém, houve quem divergisse das mesmas:
As Conferências Lisbonenses apresentavam ao pú-
blico uma série de objetivos extremamente ambiciosos para Ontem no salão do Cassino começaram as célebres
a época sócio-política vivenciada pelo povo português. O conferências democráticas. Qual é o seu fim? Es-
programa que anunciava as Conferências Lisbonenses trazia palhar as doutrinas que têm produzido em França
à tona, de forma bastante clara, alguns objetivos traçados pelo as desgraças que têm horrorizado o mundo.Uma
Cenáculo, que, por sua vez, norteava-se pelo ideal realista dúzia de indivíduos desvairados pelas teorias do
europeu, tomando-se por base o cientificismo, com o intuito de filosofismo liberal ou possuídos desta ambição
determinar mudanças bruscas na sociedade portuguesa. Dentre insofrida que só nas perturbações sociais vê ensejo
tais objetivos encontravam-se, por exemplo, no programa que para sair da obscuridade são os pregadores desta
anunciava as Conferências: missão desorganizadora que, há muito, outros
iguais, por diversos modos, têm empreendido com
Abrir uma tribuna onde tenham voz as idéias e os tra- um tal ou qual sucesso, desmoralizando e insub-
balhos que caracterizam esse movimento do século, ordinando uma pequena parte da população das
preocupando-nos sobretudo com a transformação nossas cidades. (Mônica, 2001: 111)
social, moral e apolítica dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo- Nota-se, no trecho extraído do periódico católico
Dom Miguel
o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a e miguelista A Nação, uma forte oposição ao que Antero de
humanidade civilizada; Procurar adquirir a con- Quental havia proferido na primeira conferência, sobretudo na
sciência dos fatos que nos rodeiam na Europa; tentativa de mostrar ao público leitor o que ocorria em França
Agitar na opinião pública as grandes questões da Fi- de sua época. Tal oposição aos ideais conferencistas só fazia
losofia e da Ciência moderna; Estudar as condições lotar o Cassino em próxima apresentação pública.
da transformação política, econômica e religiosa da O objetivo, portanto, da primeira conferência era,
sociedade portuguesa.(Lopes,1982: 870). sem dúvida, expor ao público intelectualizado português
aqui entra Eça de Queiroz. transformação religiosa uma idéia mais concreta do que seria, na verdade, o ciclo de
Logo, o que se buscava nada mais era que mudan- conferências, priorizando a idéia de que Portugal deveria sair
decadência cultural em relação aos outros países europeus
ças radicais no seio da sociedade portuguesa e, para que do ostracismo em que se encontrava.
tais mudanças acontecessem, haveria necessidade de que o A segunda conferência, também de autoria de Antero,
meio intelectualizado português atingisse as classes menos por muitos considerada a mais famosa, Causas da Decadência
privilegiadas, mantidas num processo de alienação pelo re- dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, foi pro-
ferida no dia 27 de maio. Em sua segunda exposição Antero
de Quental estabelece três motivos fundamentais que levaram correspondia às ações diárias de religiosos. Tais críticas serão
a Península Ibérica ao início do processo de decadência sócio- evidenciadas fortemente em obras de Eça de Queirós, como
política: o Concílio de Trento, o absolutismo e as conquistas. O Crime do Padre Amaro e Relíquia, sobretudo.
Não há dúvidas quanto ao fato de que a quarta confe-
O atraso de Portugal em comparação a outros países europeus
rência tenha sido de fundamental importância para o Realismo
era visível. a revolta da igreja contra os protestantes que tentava se firmar em solo português. A 12 de junho6, Eça
de Queirós, ainda desconhecido do público intelectual lusitano,
A imprensa católica passou a apoiar, sem medir
proferiu A Literatura Nova ou O Realismo Como Nova Ex-
esforços, o governo português. Folhetins como A Nação e O pressão da Arte. É, sem dúvida, o momento máximo de crítica
ao que se produziu na literatura setecentista e romântica em
Bem Público declararam abertamente por trás da conferência
território português. Eça fez questão de mencionar o caráter
de Quental existia o ideal comunista. social da literatura e seu valor como agente de transformações,
acima de tudo quando sua atuação se dá sobre uma sociedade
A terceira conferência se deu a 05 de junho. Augusto
obsoleta.
Soromenho proferiu Literatura Portuguesa, na qual fazia uma Para Eça, havia extrema necessidade de demonstrar
ao público o quanto a arte realista se fazia diferente e superiora
análise detalhada da produção literária em Portugal, propondo
às demais artes, sobretudo por retratar o homem em seu meio,
a criação de uma nova literatura, que se fizesse e se mostrasse com seus problemas verdadeiros e reais, ideal não aceito por
literatos românticos.
efetivamente nacional. Aproveitando o ensejo, produziu ar-
raigada crítica ao processo de criação literária setecentista e
O Romantismo era a apoteose do sentimento; o
romântico.
Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do
Acerca da decadência literária portuguesa, afirma
homem. É a arte que nos pinta a nossos olhos
Massaud Moisés:
– para nos conhecermos, para que saibamos se
o catolicismo não é o mesmo que o cristianismo
somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que
(...) a decadência da Literatura Portuguesa por fal-
houver de mau na sociedade. Pessoa, (apud Abdala
ta de originalidade e gosto, evidente na poesia, no
Jr., 1982: 102).
romance, no drama e na crítica que então se faziam
em Portugal. Para remédio da situação, aponta
O que previa aquele que se tornaria o maior nome da
o Cristianismo entendido como essencialmente
literatura realista em Portugal era exatamente o surgimento
diverso do Catolicismo. (Moisés, 1984: 198)
Eça vai criticar justamente o catolicismo
de uma nova arte, que retratasse com fidedignidade o povo
português e todas as relações de opressão vividas por ele,
Todos os envolvidos diretamente com os ideais das
povo, na sua incansável busca de sobrevivência. Dessa forma,
Conferências Democráticas pensavam a Literatura Portuguesa
a conferência queirosiana trazia à tona a defesa, devidamente
como um processo extremamente decadente. Ao mesmo tempo
fundada, da arte realista como processo de fotografação, senão
em que tal decadência era mostrada ao público, acusava-se
completamente verdadeira, ao menos verossímil.
o Estado pelo sistema educacional falido em Portugal; e,
ao entrar no campo sócio-político, acabavam por criticar
Apoiando-se nas idéias de Proudhon, prega a
abertamente o Catolicismo, pelo afastamento dos aspectos
revolução que se vinha operando na política, na
teóricos e práticos, ou seja, o que se pregava nas igrejas não
ciência e na vida social. Para tanto, havia que
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Há controvérsias quanto à data exata da Conferência proferida por Eça de Queirós – A Nova Literatura ou O Realismo como Nova Expressão da Arte.
Para Massaud Moisés (1984: 198), em Literatura Portuguesa, afirma ter ocorrido a conferência a 06 de junho. José de Nicola (1990: 141), por sua vez,
em Literatura Portuguesa – da Idade Média a Fernando Pessoa, é categórico em dizer que a conferência se deu a 12 de junho. Beatriz Berrini (2000: 21),
organizadora de Literatura e Arte: uma antologia, de Eça de Queirós, confirma a data de 12 de junho como a noite em que Eça proferiu sua palestra nas
Conferências Democráticas do Cassino.
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Para António José SARAIVA e Oscar LOPES (1982: 872), houve, entre a conferência proferida por Adolfo Coelho e a proibição das mesmas, uma palestra
de Augusto Soromenho, que versava sobre A Moderna Literatura, exaltando o processo de criação literária desenvolvido pelos românticos, sobretudo por
Chateaubriand, fugindo totalmente do ideal estabelecido pelo Cenáculo: defender e promover uma arte nova, que retratasse o povo e o território português
com fidedignidade, sem, com isso, estabelecer exaltações ou ufanismos.
passar a ser estabelecido a partir das Conferências do Cassino, guesa voltasse a trilhar o caminho do desenvolvimento social e
com o surgimento da Nova Arte, foi realmente muito pouco, ou
cultural, como todos os demais países do continente europeu;
seja, reduziu-se às divagações de Augusto Soromenho quando
da análise genérica da Literatura Portuguesa e sua decadência no entanto, para que o povo português conseguisse alcançar
a olhos nus, e à tentativa de expor uma verdadeira ideologia
tal patamar, na visão do escritor, seria de real necessidade que
realista, quando da exposição de Eça de Queirós. No restan-
te, pregavam-se, abertamente, mudanças sociais, políticos e esse mesmo povo gritasse contra o sistema, sobretudo político,
econômicos, os quais poderiam tirar Portugal do ostracismo
corrompido em sua totalidade.
em que se havia colocado desde as grandes conquistas, tanto
num plano cultural, quanto social. Alcançava, portanto, a segunda fase de criação
literária, a que exigia a fotografação fidedigna da realidade
Eça de Queirós e a Proposta Realista
sócio-política portuguesa. Nela, o autor passou a se preocupar
O período realista, em Portugal, apresenta Eça de
excessivamente com a ruptura dos dogmas morais, promovida
Queirós como expoente de maior expressividade, norteado,
pelos próprios religiosos cristãos encontrados no interior da
sobretudo, pelas propostas cientificistas de Comte e Taine
Igreja Católica em território português – tematizando um mo-
– positivismo e determinismo – acopladas à influência que o
delo de crítica ao sistema clerical, localizado no decorrer da
autor sofre de Heine, Michelet e Victor Hugo, que determinam,
trama ficcional expressa em O crime do Padre Amaro (1875)
numa primeira fase queirosiana, a criação de textos ligados ao
e Relíquia (1887).
modelo romântico de crítica social. A primeira fase da carreira
Num mesmo patamar, podemos verificar um Eça
de Eça de Queirós principia com artigos e crônicas publicados
disposto a retratar a falência da instituição familiar – O Primo
entre 1866 e 1867 na Gazeta de Portugal e postumamente
Basílio (1878), Os Maias (1888); ou simplesmente criticando
reunidos no volume intitulado Prosas Bárbaras, culminando
a sociedade burguesa, idealizada na hipocrisia humana – veri-
com a publicação do primeiro ro0mance queirosiano de cunho
ficável em praticamente todas as suas produções literárias.
totalmente realista-naturalista: O Crime do Padre Amaro,
Cansado de gritar contra um sistema que permanece-
datado de 1875.
ria corrupto e falido, fosse em relação aos aspectos sócio-po-
Toda esta fase pode ser vista criticamente como uma
líticos, desestrutura familiar ou ruptura dos dogmas religiosos
pré-produção realista do autor, pois estará repleta de indecisões
e morais, quando das críticas ao clero português, Eça adentra
e procura de respostas para seus questionamentos acerca do
a uma terceira fase – segundo Óscar Lopes e Antônio José
processo literário e dos aspectos sócio-políticos que o norte-
Saraiva – na qual analisa suas personagens com otimismo,
avam. Pertencem a esta fase, além de As Prosas Bárbaras, O
voltando-se para o lado bom da humanidade. A bem da ver-
Mistério da Estrada de Sintra e As Farpas, jornal de cunho
dade, o autor descreve personagens em profunda mutação, ou
satírico, dirigido por Ramalho Ortigão, que, mais tarde, seriam
seja, seres humanos que se afastam do capitalismo opressor
reunidas num volume denominado Uma Campanha Alegre.
das grandes cidades para encontrarem a felicidade plena e
Com As Farpas, Eça assume com total furor o que
verdadeira nas quintas. Com este modelo de processo de
preceituara em sua conferência no Cassino Lisbonense, ou
criação literária e, por que não dizer, de modo diferenciado de
seja, passa a criar crônicas altamente críticas sobre assuntos
observar a vida em Portugal, Eça apresenta ao público leitor A
discutidos na sociedade portuguesa onde se via inserido.
Correspondência de Fradique Mendes (1900), A Ilustre Casa
Na verdade, As Farpas nada seriam que críticas ao sistema
de Ramires (1900) e A Cidade e as Serras (1901), portanto
social português, promovidas por Eça, conforme a sua visão
publicada postumamente.
de mundo, ou seja, o autor apresenta a sociedade decadente
portuguesa, subjuga a arte padronizada na época. Dessa forma,
A situação social já não é tão determinante da ação
localiza-se, aqui, um Eça extremamente agressivo, irônico, por
das personagens, como ocorria na fase anterior.
vezes satírico, no afã de alcançar as mudanças que acreditava
As relações entre as personagens e a realidade são
serem de fundamental importância para que a sociedade portu-
simplificadas, e as soluções dos conflitos dependem Tomando-se por base todos os aspectos analisados
mais de seus aspectos subjetivos do que da situação – sobretudo a realidade social e política portuguesa do século
social. (Abdala Jr., 1982: 113) XIX, o surgimento ideológico da tendência realista em solo
português, as conferências do Cassino Lisbonense de 1871,
O aspecto lembrado pr Abdala Jr. pode ser mais bem o processo de criação queirosiano, inserido na proposta
facilmente observado no desenrolar da trama de A Cidade e da estética realista – podemos alcançar a verdadeira e real
as Serras, na qual encontramos um Eça de Queirós propondo importância de Eça de Queirós para o surgimento, a afirmação
uma solução reacionária para Portugal, a partir do momento e a evolução do Realismo em Portugal.
em que faz o elogio da ruralidade, do atraso português diante Tendo sua arte dividida em três momentos distintos
da realidade dos países mais desenvolvidos europeus. Dessa de criação, o maior expoente realista português, indiscutivel-
forma, pode ser encontrada, no decorrer da narrativa, uma mente, trilhou um caminho que, desde os primeiros passos, ao
questão extremamente atual: a sátira ao culto da tecnologia prenunciar a estética realista portuguesa, até alcançar a matu-
e do maquinismo. ridade de seus escritos, Eça jamais se distanciou daquilo que,
Já para Abdala Jr (1982: 114), a narrativa representa conforme sua visão de mundo – social, política, econômica e
uma volta às raízes sociais, determinando um reformismo de religiosa – deveria ser discutido, trazido à tona, denunciado
ordem intelectual de forma amainada. O grande empreendedor e, sobretudo, solucionado da decadência e estagnação do
capitalista volta-se para o campo. Tal pensamento considera- território português.
se como o mais plausível, levando-se em consideração o fato Eça lutou desde a sua conferência proferida no Cas-
de que Jacinto aplica parte de sua riqueza em maquinário e sino Lisbonense em 1871 por mudanças, por transformações
melhorias em sua propriedade rural, como podemos verificar radicais da sociedade portuguesa, seja através das crônicas
no dizer do próprio teórico: publicadas nAs Farpas, na primeira fase, seja através da
criação de personagens como Luiza e Basílio, em O Primo
Não temos mais o ceticismo irônico dos romances Basílio; Teodorico e Tia Patrocínio, em Relíquia; ou através
naturalistas, nem mesmo a insatisfação melancó- da idealização do que corresponderia, no decorrer de toda a
lica das narrativas de primeira fase. Ao invés do criação queirosiana, a nosso ver, à mais forte crítica ao sistema
pessimismo problemático, afirma-se o otimismo clerical português, sobretudo com a criação de personagens
fácil, que deixaria satisfeito qualquer político como Amaro Vieira, Amélia, D. Joaneira, Cônego Dias e
da monarquia constitucional portuguesa, que o Carlota, em O Crime do Padre Amaro; bem como em Os
escritor anteriormente tanto criticara. (Abdala Maias, quando da exposição do amor incestuoso, e por isso
Jr., 1982: 114) impossível, entre dois irmãos, provocado pela desestrutura
familiar, uma das propostas temáticas do escritor português,
Assim sendo, podemos aceitar a idéia, diferentemente das culminando com a sua segunda fase, a extremamente realista.
demais produções literárias queirosianas, em que o autor
critica as instituições sociais, não só em A Cidade e as Ser- Quando alcança a terceira fase, sobretudo com a criação de
ras, mas em toda e qualquer produção de sua última fase, de A Cidade e as Serras, o escritor, então, afasta-se das críticas
que um Eça pessimista, contrário à corrupção, ao desrespeito
governamental, à decadência portuguesa e à estagnação de abusivas contrárias a todo o tipo de sistema – familiar, cleri-
um processo cultural, cede lugar a outro Eça otimista em cal, governamental – assumindo uma posição mais amena, o
relação às personagens humanas por ele criadas, passíveis de
mudanças ideológicas. Aqui, nota-se que as mudanças ideo- que aparenta, em regra um cansaço por parte do escritor de
lógicas existentes no âmago de suas personagens de terceira gritar contra as opressões, os descasos, o atraso da sociedade
fase correspondem às mutações sofridas pelo próprio autor já
cansado de lutar contra um sistema falido e corrupto. portuguesa, tematizando acerca da consciência humana, da
possibilidade de o homem amadurecer idéias, não tendo que,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
por obrigatoriedade, permanecer preso aos mesmos ideais. Tudo isso nos leva a crer que o próprio autor, depois de defender
acirradamente os ideais realistas, criticando abertamente a sociedade portuguesa, da qual muito pouco participou – por suas
andanças como diplomata – volta-se para essa mesma sociedade com olhos saudosos, como se estivesse assumindo um retorno
ao meio do qual saiu no auge de sua produção realista.
Assim sendo, Eça de Queirós, na verdade, enquanto produtor de segunda fase, mostra-se, sem dúvida, o maior
expoente de toda a estética realista desenvolvida em território português, em primeiro plano, por ter afrontado o alto escalão
da poderosa igreja católica, num segundo plano, não em importância, por ter usado sua pena como forma de exigir mudanças
sociais, políticas e econômicas num momento de intensa repressão promovida pelo sistema político português.
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