E-Book de Psicologia Da Aprendizagem

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PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM

REFLEXÕES INICIAIS

O INÍCIO DE UM PERCURSO

PROFESSORA: DRA. CRISTINA PY MAIRESSE

Ao iniciarmos a disciplina de Psicologia da Aprendizagem, da Faculdade


São Francisco de Assis (Porto Alegre – RS), na modalidade EAD (ensino à
distância), no segundo semestre de 2020, pensamos em como seria a seleção
das teorias que iriam compor o presente material. Quais deveriam ser
trabalhadas? As mesmas abordadas no ensino presencial? Podemos dizer que
não foi uma tarefa fácil, pois a ideia de contemplar todas as teorias que
acreditávamos serem relevantes para a prática profissional em diferentes áreas
do conhecimento nos deixava inquietos.

Tal inquietude talvez tenha se produzido por saber que a grandiosidade


da tarefa seria da ordem do impossível. Não temos como abordar todas as
teorias sobre aprendizagem produzidas até o presente momento, bem como as
que, apesar de não serem específicas de aprendizagem, contribuem com seus
constructos para um repensar sobre a temática.

Assim, refletir sobre a construção deste material parte-se de um revisitar


os clássicos, os livros, os artigos que foram responsáveis por alicerçar a prática
profissional de uma professora de cursos de graduação e pós-graduação, em
diferentes locais, no estado do Rio Grande do Sul. Docente responsável por
conduzir diferentes disciplinas que envolviam a temática do processo de ensino
e aprendizagem dos seres humanos.

Espera-se que o presente material seja útil para que profissionais em


formação possam construir conhecimento, através de um (re)visitar as teorias.
Graduandos, principalmente em Psicologia, preocupados com o seu fazer
cotidiano, permeado por situações de aprendizagem. E, que em algum
momento de sua trajetória, tenham sido tomados pela grande questão: como
aprendemos?
A pergunta anterior nos leva a teorizar sobre o processo de ensino e
aprendizagem. Não temos como definir o que significa aprendizagem se não
pensarmos no seu processo de construção. Por ser uma pergunta complexa,
não podemos nos respaldar em um só teórico, em uma só teoria, pois
estaríamos mostrando apenas uma parcela do que foi produzido sobre o
processo da aprendizagem humana ao longo dos tempos. Temos por
obrigação, como educadores, apresentar várias teorias para os estudantes de
graduação, objetivando que eles possam realizar o próprio percurso dentro das
mesmas. Eles irão selecionar as que consideram relevantes para o exercício
profissional de cada um que busca se aprofundar na temática.

Tal tarefa não é fácil, pois exige um comprometimento pessoal no


processo como um todo, que pode ser um caminho relativamente longo, mas
que temos a certeza que vale muito a pena ser percorrido! O próprio trilhar, já
irá compor nosso repertório, principalmente quando estamos estudando uma
disciplina à distância. Nós nos reconstruiremos e construiremos conhecimento,
elaborando conceitos e fazendo escolhas, escolhas estas que influenciarão o
nosso cotidiano profissional e pessoal.

Por fim, na presente introdução, temos que ressaltar que não podemos
nos restringir a área da Psicologia, do fazer profissional do psicólogo. Sabemos
que o interesse em conhecer e entender a aprendizagem, no seu sentido
amplo, vai além do preconizado no processo de ensino e aprendizagem
escolar. A aprendizagem está presente no nosso cotidiano, nas nossas
relações interpessoais, nos diferentes espaços sociais.

A partir desta premissa, construímos o presente material calcado em


autores que abordam constructos e entendimentos sobre o processo de
aprendizagem, tendo a certeza que contribuirão no auxílio de profissionais de
diferentes áreas de atuação. Para tanto, iremos contemplar ao longo das
unidades, os conceitos principais de cada teoria, a partir de um (re) visitar
autores, pesquisadores, docentes que fazem do tema aprendizagem seu objeto
de estudo.
Unidade 1 - INTRODUZINDO A PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM

Introduzindo a Psicologia da Aprendizagem

Para a introdução da temática da Psicologia da Aprendizagem,


gostaríamos que as pessoas que nos lêem primeiramente parassem para
pensar. Criem uma situação de aprendizagem.

Posteriormente que vocês refletissem sobre sua escolha, ao fazer


algumas perguntas a si mesmo:

Quem são as pessoas envolvidas?

Qual a idade delas?

É uma só ou mais de uma?

Qual o objetivo da aprendizagem?

Qual o cenário que está acontecendo?

Qual o diálogo (caso tenha) entre as pessoas envolvidas?

Dica: alguns preferem desenhar a cena e depois responder as perguntas.


Fique a vontade para desenhar, caso ache necessário.

Após a reflexão, pensa:

Qual cena eu escolhi?

Uma que poderia ser considerada mais de um processo de ensino e


aprendizagem formal/ tradicional, com professores, alunos, quadro branco?

Ou uma diferente? Lendo um livro, ensinando uma criança a andar de


bicicleta, cozinhando, conversando e colocando o seu ponto de vista para um
par?

Vamos adiante: quem estava ensinando? Professor, pais, par da mesma


idade, um amigo, um objeto (livro)? Quem estava aprendendo? Era menor ou
maior? Mais novo ou mais velho?
Todas essas perguntas podem ajudar vocês a tentar mapear a
concepção de aprendizagem que vocês construíram ao longo da vida de cada
um. Este é o nosso objetivo com este exercício inicial!

Vamos prosseguir nas nossas reflexões e trabalhar o seguinte conceito,


o de aprendizagem. Qual o significado do termo aprendizagem para você?
Pensa se tens uma definição de aprendizagem que seria “completa”?

Podemos partir da observação de Campos (1996), que ao referir-se a


complexidade do significado de aprendizagem, salienta que surgiram muitas
tentativas por profissionais da área da psicologia de empreender na busca da
explicação de como se dá o processo de construção da aprendizagem
humana. Com isso, acabaram por criar diferentes constructos que culminaram
no aparecimento de: “diferentes conceitos e definições de aprendizagem,
conforme as diversas teorias de aprendizagem que se foram organizando, na
base dos fatos investigados (p. 28)”.

Pois é, podemos derivar de tal referência da autora, que existem


diferentes teorias e que seus criadores, os teóricos, vão tentar elucidar o
processo de aprendizagem, de acordo com a sua visão particular. Assim,
podemos deduzir que existem diferentes correntes de pensamento sobre como
se constrói a aprendizagem dos seres humanos.

Cabe ressaltar que Moreira (2003) já salientava a diversidade de


conceitos relacionados à aprendizagem. Segundo o autor, tal termo pode ser
relacionado à: “aquisição de informação ou habilidades; para outros
aprendizagem é mudança, relativamente permanente, de comportamento
devido à experiência (p.20)”.

Conceituando Teoria

A seguir, podemos pensar como definir o conceito de teoria. O que é


uma teoria?

O Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p.


260) no item dois refere que teoria é um:
Modelo explicativo de um fenômeno ou conjunto de fenômenos que
pretende estabelecer a verdade sobre esses fenômenos, determinar
sua natureza. Conjunto de hipóteses sistematicamente organizadas
que pretende, através de sua verificação, confirmação, ou correção,
explicar uma realidade determinada.

Assim, ao buscarmos integrar o conceito de teoria, com o de aprendizagem,


temos o significado de uma teoria de aprendizagem. A definição contempla o
esforço dos teóricos no intuito de sistematizar as considerações a cerca do
processo de aprendizagem, a partir do olhar particular do estudioso que se
dedicou a compreender um fenômeno específico de seu interesse. Nas
palavras de Moreira (2003, p. 12): “tenta explicar o que é aprendizagem e
porque funciona como funciona”.

A importância do estudo das teorias de aprendizagem

Para compreendermos a importância do estudo das teorias de


aprendizagem, gostaríamos de partir da seguinte situação hipotética:

Quando, em minha prática profissional eu me deparar com uma pessoa que


não entendeu o que eu quis demonstrar/ ensinar/ prescrever e percebo que ela
não está “brincando comigo”. Realmente meu paciente (ou outra pessoa de
minhas relações!) não compreendeu uma instrução simples, apesar de idade
suficiente para tal entendimento. Surge o questionamento: como devo explicar
para que a pessoa entenda?

Vamos a mais alguns exemplos: quando tento explicar para uma criança
de três anos o que significa sentir saudades, ela vai entender plenamente?
Quando meu paciente não adere ao tratamento ou abandona e não dá
nenhuma explicação... Quando eu percebo que não consigo prestar a atenção,
durante horas seguidas, em um assunto que não tenho interesse... Mas por
outro lado, quando me deparo estudando uma matéria que eu não gosto, mas
o professor/ instrutor me passa uma confiança, e eu me vejo estudando e
conhecendo aprendendo o que não aprendia antes e começa a parecer tão
fácil!
Todas as situações apresentadas anteriormente apresentam algo em
comum. Conseguem perceber? Elas nos levam a refletir sobre o processo de
construção do conhecimento, de como se dá este processo na sua imensa
complexidade. Complexidade que vamos buscar compreender juntos.

Um lembrete: aprendemos desde o nosso nascimento. Nos primeiros anos


o processo de aprendizagem é mais intenso, pois temos que adquirir um
repertório muito grande de aprendizagens, pois como salienta Campos (2013,
p.15): “a aprendizagem é, afinal, um processo fundamental da vida. Todo
indivíduo aprende e, através da aprendizagem, desenvolve os comportamentos
que o possibilitam viver”.

Não podemos nos esquecer que estamos rodeados de frutos do processo


de aprendizagem dos seres humanos: a linguagem, utilizada para a
comunicação entre as pessoas, as construções urbanas, a tecnologia de um
modo geral.

Reflexão final da unidade

A partir disso, podemos pensar que conhecer as teorias de aprendizagem


nos dará subsídios para uma compreensão global das situações que iremos
vivenciarmos cotidianamente com nossos pacientes/ clientes. Teremos
condições de avaliar as situações que se apresentarem, no nosso fazer
profissional, construindo propostas de intervenções baseadas em teorias sobre
aprendizagens. Não ficaremos tateando, buscando soluções sem ter um
embasamento teórico sobre o processo de aprendizado humano.

Assim, ao longo das próximas unidades, iremos abordar as seguintes


teorias que vem influenciando o fazer profissional em diferentes campos de
atuação, principalmente da área da saúde. São elas: o Behaviorismo, a teoria
Cognitivo-comportamental, a Gestalt e a Gestalpedagogia, o Humanismo, o
Construtivismo; o Sociointeracionismo e a Psicanálise.
Dica de Livro: CAPRA, Frijot. O Ponto de Mutação: a ciência, a verdade e a
cultura emergente. São Paulo: Cutrix, 2012.

Dica de filme: O ponto de Mutação (1990).

Referências

CAMPOS, Dinah. Psicologia da Aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1996.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

MOREIRA, Marco. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: 2003.


Unidade 2 – INTRODUÇÃO A PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM –
EXEMPLOS

A forma como concebemos a aprendizagem, nos leva a tentar, quando


precisamos ensinar alguém a fazer um procedimento, seguir uma receita ou
qualquer outra coisa, inventar uma forma própria de ensinar, para que o outro
aprenda. Agimos de acordo com o que acreditamos ser o melhor jeito,
geralmente a partir de uma concepção pré-construída, na maioria das vezes,
via senso comum, de como nos ensinaram ou de como ensinamos no nosso
dia a dia as pessoas do nosso convívio mais pessoal.

Consequentemente, nossa ação profissional, por outro lado, também


expressa a nossa concepção do aprender, mesmo que não tenhamos tal
clareza, conscientemente, nem nos detenhamos em buscar compreender o
processo de ensino e aprendizagem em todas as suas facetas. Muitas vezes,
não temos como explicar o porquê de tal tentativa de ensinar alguém não ter
dado certo, pois achávamos que seria muito fácil o entendimento de uma
explicação para a outra pessoa que recebe as instruções, sejam elas verbais
ou manuais.

Caso já tenhamos passado pela experiência do ensinar, podemos tomá-la


como de fácil compreensão, sem nos determos nas dificuldades alheias. Neste
sentido, Becker (2003, p. 11) salienta que: “o grande desafio da aprendizagem
humana reside na difícil superação das concepções fundadas em
epistemologias do senso comum, sejam elas inatistas ou empiristas”.

Vamos ver o exemplo, de como é vislumbrado o processo de aprendizagem


no ambiente escola, a partir da visão de um pesquisador que busca elucidar a
complexidade do fenômeno denominado como processo de ensino e
aprendizagem.

Os Modelos Pedagógicos
Um exemplo de como diferentes concepções do processo de ensino e
aprendizagem gera práticas diversas podem ser percebidas na pesquisa de
Becker (2003; 2004; 2012). O autor relata que, a partir dos seus estudos
podemos ter três modelos pedagógicos que abarcariam quase a totalidade das
relações que se estabelecem em sala de aula, expressando as práticas dos
educadores observados e entrevistados por ele (BECKER, 2004; 2012). São os
modelos: diretivo, não diretivo e o relacional.

Modelo Diretivo

O modelo diretivo, segundo Becker (2003, 2012) continua sendo o mais


presente nas escolas. Representando um modo de compreensão do processo
de ensino e aprendizagem, no qual o professor transmite o conhecimento e o
aluno é um mero receptáculo do mesmo. A aquisição do conhecimento está
vinculada a uma ideia reducionista da forma de se conceber o aprendizado
humano. Vasconcelos (2006, p 25) complementa, salientando que: “neste
contexto, a curiosidade é inibida, a sugestão não existe, a mesmice de técnicas
didáticas e planos de ensino, infinitamente reproduzidos ao longo do tempo,
não leva em consideração a individualidade do aprendiz”.

Neste modelo, somente seria necessário o docente ensinar que o aluno,


como consequência, aprenderia. Nas palavras de Becker (2012, p. 14): “o
professor decide o que fazer e, em geral, decide o mesmo de sempre, e o
aluno executa. O professor “ensina” e o aluno “aprende”... o professor age
assim porque acredita que o conhecimento pode ser transmitido para o aluno”.
Podemos perceber, a partir do exposto pelo autor, que o aluno é passivo no
seu processo de construção do conhecimento. Consequentemente, nas
avaliações escolares, ele irá reproduzir o que decorou. Assim, podemos nos
perguntar: será que houve realmente aprendizagem?

Duas autoras (OLIVEIRA; MADUREIRA, 2007) referem que esse modelo


pode ser considerado como tradicional, que continua sendo mantido nos
bancos escolares ao longo do tempo por ser alicerçado em uma visão unilateral
do processo de ensino e aprendizagem. Elas enfatizam a importância da visão
que a comunidade em geral tem sobre o papel do educador ao conduzir o
processo educacional, que geraria condutas de transmissão de conteúdos, pelo
docente, como sendo as mais eficazes e aceitas pela coletividade que não
reconhece o aluno como importante no processo. O professor tem o controle
de tudo que é desenvolvido no ambiente escolar. Ao aluno cabe ser passivo e
dócil, reproduzindo nas provas o conteúdo que lhe foi transmitido, sem poder
apresentar uma autoria da sua produção.

Não-diretivo

O segundo modelo referido por Becker (2004; 2012) está alicerçado na


premissa de que o aluno já nasce com o conhecimento. Não é fácil perceber
sua presença nas escolas, ela mais é tomada como uma teoria que embasaria
um não incentivo a participação ativa do educador, do que propriamente uma
prática pedagógica.

Assim, a decisão sobre como se dará o processo de ensino e


aprendizagem está nas mãos dos alunos, sendo considerados os únicos
responsáveis pelo seu aprendizado. Para o autor (BECKER, 2012, p. 17): “o
aluno já traz um saber ou uma capacidade de conhecer o que ele precisa
apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo. O
professor deve interferir o mínimo possível”.

Mas na tentativa de exemplificar tal modelo podemos pensar na Escola


da Ponte, em Portugal, a qual Alves (2003) descreve a prática docente como
quase inexistente. A ênfase está na aprendizagem dos alunos, sendo estes
responsáveis pelo seu processo de aprendizagem, bem como pela avaliação
do mesmo. Caso fôssemos até a instituição de ensino, teríamos dificuldades
para diferenciar os educadores dos educandos, pois nem visualmente é
possível perceber nitidamente a distinção entre ambos.

Modelo relacional
O terceiro modelo descrito por Becker (2003, 2004, 2012), o relacional,
preconiza um processo de ensino e aprendizagem escolar, em que todos estão
implicados para que o conhecimento seja construído. Assim, tanto o professor,
quanto o aluno são ativos na com o objeto cognoscente.

A relação pedagógica entre docentes e discentes se dá através de uma


convivência baseada nas trocas interpessoais, como Vasconcelos salienta
(2006, p. 28): “as palavras-chave para este professor são “diálogo” e
“comprometimento” (...) Juntos constroem o trabalho educacional e juntos
aprendem”.

O professor nesta perspectiva está preocupado com o fomentar a ação


do aluno, por acreditar que esta ação é fundamental para que haja uma
superação da decoreba, para uma construção significativa de aprendizagens.
Temos como representante do modelo relacional, a teoria do construtivismo de
Jean Piaget. “Para Piaget, mentor por excelência de uma epistemologia
relacional, não se pode exagerar a importância da bagagem hereditária, nem a
importância do meio social” (BECKER, 2012, p. 23).

A partir dos três modelos preconizados por Becker, podemos pensar nas
características de uma sala de aula e em como se dá o processo de ensino e
aprendizagem escolar. Podemos pensar na concepção de cada escola e de
cada educador sobre a globalidade do processo. Instituições de ensino que
estão inseridas em comunidades e acabam influenciando a forma como cada
aluno irá conceber a aprendizagem nas suas vivências na e fora do ambiente
escolar.

Atividade: Procura pensar em uma sala de aula na qual você gosta de estar e
aprender.

Qual a característica do ambiente?

Existe diálogo entre professores e alunos? Como cada um contribui para o


andamento do período de estudos? Assuntos relevantes e atuais?
Após discuta com colegas da Disciplina as características e qual o modelo que
pensas que a “tua aula” se insere. (Obs: Atividade baseada no livro de Becker,
2004)

Dica de filme: O espelho tem duas faces (1996).

Referências

ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que
pudesse existir. São Paulo: Papirus, 2003.

BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar.


Porto Alegre: Artmed, 2003.

______. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. Petrópolis:


Vozes, 2004.

______. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Penso,


2012.

OLIVEIRA, Nathália; MADUREIRA, Denise. A construção do Conhecimento na


Concepção Construtivista. UNOPAR Científica Ciências Humanas e da
Educação. V.8, n. 1, p. 81-87, jun. 2007.

VASCONCELOS, Maria Lúcia. Autoridade docente no ensino superior:


discussão e encaminhamentos. São Paulo: Xamã, 2006.
Unidade 3 - BEHAVIORISMO

Na presente unidade, abordaremos a teoria behaviorista. Entender o


behaviorismo nos faz compreender a aprendizagem como proveniente do
exterior ao sujeito cognoscente.

A aprendizagem será resultante do ambiente, no qual o indivíduo está


inserido. Moreira (2003, p. 50) salienta “a importância de considerarmos para a
análise do que foi aprendido o comportamento passível de ser observado:
Skinner não se preocupava com processos intermediários entre o E (estímulo)
e a (R) resposta”.

Cabe ressaltar que o behaviorismo também pode ser denominado de


comportamentalismo, teoria estímulo-resposta, entre outras denominações.

Principais teóricos

Consideramos os principais teóricos do behaviorismo: Ivan Pavlov (1849 –


1936); John B. Watson (1878 – 1958), Edward L. Thorndike (1874 – 1949) e
Burrhus F. Skinner (1904 – 1990). Para fins didáticos, o último citado será o
mais enfocado no presente trabalho.

A fundação do behaviorismo

O marco de fundação do behaviorismo se dá através da publicação, em


1913, de um artigo escrito por Watson: “Psicologia: como o behaviorista a vê”.
(MARX e HILLIS,1978), que descrevem o período: No artigo, fica evidente a
preocupação com os aspectos objetivos e passíveis de confirmação para que a
psicologia fosse considerada uma ciência. Nas palavras de Friedman e
Schustack (2004, p.199): “Em resposta as limitações observadas no
introspeccionismo, o behaviorismo... foi estabelecido por John B. Watson, que
queria desenvolver uma ciência rigorosa e, por esse motivo, repudiou
totalmente a introspecção”. Os autores referem que Watson dizia que não
deveríamos levar em consideração os pensamentos e sentimentos, por serem
difíceis de serem quantificados, medidos, adquirindo a característica de não
poderem ser passíveis de uma leitura científica.

Complementando, Nunes e Silveira (2011) referem que Watson acreditava


que todo e qualquer comportamento humano poderiam ser ensinado, inclusive
os relacionados à emoção ou os inatos aos homens. Deveríamos fazer uma
leitura via a compreensão do estímulo eliciador e a posterior interpretação do
mesmo. Com isso, todo comportamento pode ser visto como um reflexo, já que
ele é resultante de um estímulo que o eliciou.

A partir desta visão, a aprendizagem será resultante das disposições dos


elementos externos que provocam respostas no sujeito inserido em um
contexto qualquer. Assim, podemos perceber que os aspectos internos dos
indivíduos não serão levados em consideração no processo de entendimento
da aprendizagem humana. Ries (2003, p.58), ao referir-se ao Skinner, diz que
ele corrobora com tal entendimento ao preconizar que o homem é produto das
forças do meio no qual ele vive.

Como podemos perceber, não existe, na perspectiva behaviorista sobre o


processo de aprendizagem, uma referência ao processo de introspecção
humana. Inclusive, Watson ao denominar de behaviorismo sua teoria, buscava
esclarecer para a comunidade científica sua preocupação somente com as
manifestações das ações dos sujeitos que eram passíveis de serem vistos
(MOREIRA, 2003).

Friedman e Schustack (2004, p. 220) vão nos dizer que: o mais importante
é que os behavioristas recusam-se a levar em conta conceitos “não científicos”
tais como liberdade, dignidade e auto-satisfação. Assim, a liberdade que temos
é, segundo os autores (Ibid, 2004), uma liberdade regrada pelo meio e suas
ações. Os indivíduos com isso acreditam ser livres, pois não percebem que
estão sendo monitorados. Temos como exemplo, o ensino, que busca
domesticar o nosso comportamento, através do que chamam de objetivo da
aprendizagem.
Outro exemplo pode ser vislumbrado no monitoramento da vida urbana,
através de centrais que estão monitorando nossa trajetória nas ruas, nos
prédios, nas casas. As câmeras que são instaladas pelas pessoas no intuito de
“monitorar” o viver coletivo, a partir de uma visão de manutenção da ordem,
mas que acabamos sendo vistos por todos que controlam nosso ir e vir.

Conceitos principais

Alguns conceitos do behaviorismo serão abordados a seguir, na perspectiva


de facilitar a compreensão da teoria como um todo e que acreditamos sejam
relevantes no fazer profissional em diferentes áreas de atuação. Profissionais
que precisam compreender como aprendem seus pacientes e muitas vezes
como ensiná-los a realizar uma tarefa específica.

Comportamento Operante e Comportamento Respondente

Segundo Moreira (1985, 2003), o behaviorismo define dois (2)


comportamentos humanos, o operante e o respondente. O primeiro engloba a
maior parte das ações humanas. Tudo que foi aprendido, fruto da nossa
interação com o meio, ao respondermos aos estímulos provenientes do
mesmo.

Cabe ressaltar que não temos o controle sobre a presença ou não de um


determinado comportamento, porque não temos a garantia que todos irão
responder da mesma forma. Ou se responderão a um mesmo estímulo. Um
exemplo seria uma criança chutar uma bola ao visualizá-la. Outra criança,
estando no mesmo ambiente, por sua vez, ao ver a mesma bola, pode deixá-la
no local, sem ser tomada pela vontade de chutá-la.

No comportamento respondente, nós não temos o controle sobre nossa


reação ao estímulo, pois é uma resposta reflexa, involuntária. Por exemplo, ao
colocarem uma luz perto do nosso olho, contraímos a pupila automaticamente.
Isto é, não temos o poder de não responder ao estímulo produzido pela luz no
nosso olho. Assim, como o comportamento de contrair a pupila é um reflexo,
não temos como dominar nossa ação.

Reforço positivo e reforço negativo

Segundo Ries (2003, p. 59), “o reforço para Skinner, consiste em


qualquer estímulo ou evento que aumenta a probabilidade de ocorrência de um
comportamento”, podendo ser positivo ou negativo. Qual a diferença entre os
dois tipos de reforços? No reforço positivo, temos a apresentação de um
reforçador, que aumentará ou manterá uma determinada resposta. Já no
negativo, o reforçador não é apresentado e a resposta continua sendo emitida,
podendo haver ou não um incremento da mesma, característica presente nos
dois tipos de reforços.

Como podemos perceber, tanto no reforço positivo, quanto no negativo,


haverá o aumento ou a manutenção de uma resposta dada pelo indivíduo. O
que difere o reforço positivo do negativo é a apresentação ou a retirada de um
reforçador. Reforçador aqui compreendido como um elemento que foi
condicionado a um comportamento, fazendo com que o mesmo seja emitido
com a apresentação do agente reforçador. Cabe ressaltar que um agente vai
ser reforçador, dependendo da análise da situação. Sabemos, por exemplo,
que nem todas as crianças gostam de doces. Portanto, para algumas o doce
pode servir como um reforçador, para outras não.

Temos como exemplo de reforço positivo as recompensas dadas pelos pais


e/ ou cuidadores de crianças. Eles ofertam um brinquedo ou doce, quando a
mesma emite o comportamento desejado, como ir ao médico (para muitas
crianças ir ao médico é uma situação ruim, pois ela pode ter sido condicionada
a ir sempre que está com uma dor, sofrendo). Provavelmente eles estarão
condicionando a criança dar a mesma resposta para ganhar a recompensa,
sem que ela emita o comportamento de ir ao médico para melhorar a sua
saúde.

O problema pode ser percebido, por exemplo, quando a criança não quer
mais o brinquedo ou o doce. Ela não aprendeu o comportamento desejado,
mas sim sabe que ao chorar para não ir ao médico, vai ganhar doce. Acabará
sendo condicionada a chorar, a reclamar, cada vez que precisar ir ao
consultório de um profissional da área da saúde. Pode-se verificar, portanto,
que é possível que ocorra uma mesma forma de se comportar cada vez que a
pessoa precise ir consultar em um local onde ela enxergue alguém de jaleco,
por exemplo!

Já no reforço negativo, temos o exemplo na seguinte cena escolar: “em vez


de responder impulsivamente como de costume, gritando ou jogando algo em
Lauro, Rafael se queixa à professora de que o colega está implicando com ele”
(ALFANO, SCARPATO, ESTANISLAU, 2014, p.169). Ao trocar o colega de
lugar, ficando afastado de Lauro, temos o reforço negativo, pois o colega não
pode mais implicar com ele.

Tipos de reforçadores

Para o behaviorismo, segundo Ries (2003) existem 3 (três) diferentes tipos


de reforçadores: Os primários que são os estímulos associados à satisfação
das necessidades mais básicas do ser humano, como alimentos e água. Os
secundários não eram considerados reforçadores originalmente, mas
adquiriram tal capacidade ao ser vinculado a um reforçador primário. A família,
segundo Skinner (1978, p. 378): “usa os reforçadores primários disponíveis:
alimento, água, e aquecimento, e reforçadores condicionados como atenção,
aprovação e afeição”, que segundo o autor servem para educar seus membros,
principalmente os pequenos infantes. E por fim, no terceiro tipo de reforçador,
temos os generalizados, que: “compreendem aqueles estímulos que foram
emparelhados com mais de um reforçador primário ou com algum reforçador
secundário” (RIES, 2003, p. 62).

Extinção operante
Extinguir um comportamento que foi adquirido anteriormente pode ser
realizado, na medida em que não reforçarmos mais a resposta emitida pelo
indivíduo, na apresentação de um reforçador. Estaremos com isso buscando
extinguir um comportamento que desejamos que não se emitido novamente.
Segundo Ries (2003, p. 61): “como resultado deste processo verificar-se-á que
o comportamento condicionado enfraquecerá gradativamente e, se for mantida
a extinção, voltará ao nível operante, isto é, antes de ser sido condicionado”.

Modelagem

Quando pensamos em modelagem muitos de nós associam com as


massinhas de modelar. Lembraram? Pois é, o conceito de modelagem pode
ser associado ao modelar um comportamento, como na massinha. Fazer um
molde, dar a forma que queremos que tenha. Cabe ressaltar que a modelagem
de um comportamento é utilizada para aqueles que são mais difíceis de serem
alcançados, pela sua complexidade maior. Portanto, o que será realizado é
“reforçar seletivamente aqueles comportamentos que gradativamente se
aproximam da resposta final desejada (RIES, 2003, p. 65). Com isso, teremos
mais chances de que um comportamento, o qual nós desejamos, ou um mais
próximo ao desejado seja emitido. Assim, através da emissão de
comportamentos semelhantes e ao seu reforçamento, chegaremos ao
resultado almejado.

Punição

A punição, para os behavioristas, não deveria ser utilizada, devemos é


evitá-la ao máximo. Pois, segundo Carrara (2004, p. 116):

Naturalmente, os analistas do comportamento, devem evitar o uso da


punição, quer pelos subprodutos negativos que ela gera para o
organismo, quer pelo fato de que seus efeitos tendem a ser
temporários, o mais das vezes controlados pela contingência punitiva:
quando esta cessa, o comportamento antes sob seu controle tende a,
rapidamente, voltar à condição anterior.
Como podemos perceber, não houve um aprendizado, pois geralmente será
necessária presença do agente punidor, para que um comportamento deixe de
ser emitido. Por isso, temos o fracasso de muitos processos de ensino e
aprendizagem que se baseiam no castigo. Principalmente, os utilizados pelos
pais e professores, como retirar um brinquedo, caso a criança não se comporte
como os pais querem em uma viagem ou um passeio, retirar o recreio, para as
crianças, que muitas vezes os educadores acreditam que estarão inibindo o
comportamento indesejado por eles nos seus alunos.

Para utilizarmos a punição, segundo Ries (2003), ao citar o Skinner,


podemos agir de duas formas. Uma delas se refere a expormos um estímulo
aversivo, quando um comportamento inadequado for emitido, como dar um
grito quando a criança mexer em algo que não deve mexer. A outra forma é a
supressão de um reforço positivo quando um comportamento inadequado se
fizer presente. Segundo o autor, um exemplo pode ser vislumbrado quando o
professor retira o intervalo do seu aluno, em decorrência da não apresentação
de um material solicitado anteriormente, como uma atividade que deveria ter
sido trazida pronta de casa.

Behaviorismo e Aprendizagem

A partir dos estudos de Nunes e Silveira (2011) podemos listar algumas


contribuições de Skinner para o processo de ensino e aprendizagem. Decorrem
todas de um ensino programado, expresso em uma acentuada busca por um
processo particularizado da aquisição dos conhecimentos, com o intuito de
conhecer a real necessidade daquele aluno em particular. O estudo será
fracionado em etapas, para que o discente consiga atingi-las de forma gradual,
ou por meio das disciplinas acadêmicas. O aluno por sua vez, deverá
permanecer constantemente realizando tarefas e fazendo autoavaliações em
situações específicas, tendo também um retorno do seu educador.
Complementando, Moreira (2003, p. 17) refere que o papel do professor, no
presente contexto, é o de “arranjar as contingências de reforço de modo a
possibilitar ou aumentar a probabilidade de que o aprendiz exiba o
comportamento terminal... Estão aí implícitas as ideias de aproximação
sucessivas e modelagem”.

Dica de filme: O Show de Trumann (1998)

Dica de Livro: Huxley, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo,
3003.

Dica: A comunidade Los Horcones, no México, foi idealizada a partir dos


conceitos behavioristas.

Referências

ALFANO, Angela; SCARPATO, Bruno; ESTANISLAU, Gustavo. Manejo do


Transtorno do Déficit de Atenção na Escola. In: ESTANISLAU, Gustavo;
BRESSAN, Rodrigo (Orgs.). Saúde Mental na Escola: o que os educadores
devem saber. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CARRARA, Kester. Behaviorismo, Análise do Comportamento e Educação. In:


CARRARA, Kester (Org.). Introdução à Psicologia da Educação. São Paulo:
Avercamp, 2004.

FRIEDMAN; Howard; SCHUSTACK, Miriam. Teorias da Personalidade: da


teoria clássica à pesquisa moderna. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

MARX, Melvin; HILLIS, Willian. Sistemas e teorias em psicologia. São Paulo:


Cutrix, 1978.

MOREIRA, Marco. Ensino e Aprendizagem: enfoques teóricos. São Paulo:


Moraes, 1985.

MOREIRA, Marco. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: 2003.

NUNES, Ana Ignez; SILVEIRA, Rosemary. Psicologia da Aprendizagem:


processos, teorias e contextos. Brasília: Liber Livros, 2011.
RIES, Bruno. Condicionamento Operante ou Instrumental: B.F. Skinner. In: LA
ROSA, Jorge (Org.). Psicologia e Educação: o significado do aprender. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2003

SKINNER, Burrhus. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins


Fontes, 1978.
Unidade 4 – Teoria Cognitivo-comportamental

Para o entendimento da teoria cognitivo-comportamental, criada por Aaron


Beck, iremos nos referir também à teoria comportamental, já abordada
anteriormente. A teoria comportamental, o behaviorismo, também foi
importante para o surgimento e a construção do arcabouço teórico que compõe
os constructos básicos da teoria cognitivo-comportamental.

A teoria comportamental, segundo Craighead et al. (1994 apud RANGÉ,


2001, p. 113) “ganhou espaço na década de 30 e, a partir de trabalhos
clássicos como os de Pavlov, Thorndike, Hull e Skinner, contribuiu para que a
psicologia fosse compreendida sob um enfoque científico e definida como a
ciência do comportamento”. Com isso, os aspectos internos ao sujeito
cognoscente não foram contemplados.

A terapia cognitiva, de acordo com Rangé (2001, p. 113) surgiu por volta
dos anos 60, a partir dos estudos de Aaron Beck, Richard Lazarus, Magda
Arnold e Albert Ellis.

“No início da década, enquanto estudava pacientes deprimidos, Beck


observou que, em geral, eles apresentavam um padrão negativo de
processamento cognitivo. Desses achados, Beck desenvolveu o
modelo cognitivo da depressão, seu trabalho mais conhecido, e a
proposta de levar a teste a validade dos pensamentos ou das
cognições negativas (BECK, 1976, apud RANGÉ, 2001, p. 113-114)”.

Wright e colegas (2019) complementam ao dizerem que Aaron Beck


publicou vários artigos, nos anos 60, no intuito de nos mostrar sua leitura sobre
a depressão. Os autores referem que Beck, evidenciou a correlação entre os
sintomas depressivos e estimuladores negativos que influenciavam o pensar
dos indivíduos deprimidos.

Cabe ressaltar que Knapp e Beck (2008) referem que podemos utilizar as
denominações terapia cognitiva (TC) e terapia cognitivo-comportamental
(TCC), para nos referirmos as psicoterapias que tem como fundamento o
modelo cognitivo do processamento mental. Assim, segundo os autores, o
termo TCC também é utilizado para um grupo de técnicas nas quais há uma
combinação de uma abordagem cognitiva e de um conjunto de procedimentos
comportamentais (ibid, p.S55).

Conceitos Principais

Crenças básicas

A terapia cognitiva postula que ao longo do desenvolvimento humano, as


pessoas formam um padrão de resposta a determinadas situações da vida,
denominadas de crenças básicas. A partir do estabelecimento deste padrão,
cada uma irá se posicionar frente às demandas advindas do meio, ao qual está
inserida, de forma muito similar, respondendo ao que é solicitado. Dito de outra
forma, o indivíduo compõe um repertório, uma postura padrão de
comportamento. Está associando assim, o pensamento ao modo de se
comportar frente aos estímulos do meio. Este padrão irá influenciar a forma
como percebemos a nós mesmos, a leitura que fazemos do mundo e qual será
nosso entendimento do futuro (BECK, 1976, apud RANGÉ, 2001).

Como são construídas as crenças básicas? Segundo Beck (1987, apud


BECK, 2013), no início do nosso desenvolvimento, ao realizarmos uma leitura
do mundo que nos cerca, das pessoas com as quais nos relacionamos,
estamos construindo concepções sobre a nossa forma de se comportar, de
reagir frente às demandas do meio. Estas concepções adquirem um caráter de
única possível, sem a visualização de outro padrão de resposta
comportamental, possa ser incorporada ao repertório já consolidado.

Assim, como ressaltado por Knapp e Becker (2008, p.S61) os indivíduos


não possuem a percepção de que: “pensamentos automáticos negativos
precedem sentimentos desagradáveis e inibições comportamentais, e que as
emoções são consistentes com o conteúdo dos pensamentos automáticos”.

Consequentemente, as pessoas passam uma vida reproduzindo a mesma


forma de se comportar frente às situações vivenciadas, reproduzindo padrões
de crenças básicas que foram construídas ao longo das suas vivências
particulares.

O modelo cognitivo

O processo terapêutico decorrente da terapia cognitivo-comportamental


está embasado no modelo cognitivo. O modelo cognitivo postula que ao lermos
uma realidade que se apresenta para nós, estaremos sobre a influência da
nossa percepção (BECK, 2013), configurando assim uma leitura do meio, de
acordo com o que foi percebido por nós.

Modificação de cognições negativas

Para que ocorra a modificação das cognições negativas, faz-se necessário


realizar um trabalho específico com o paciente, objetivando a que este se dê
conta das suas crenças que foram construídas ao longo da sua vida, bem
como a possibilidade de analisá-las. Analisá-las para que o indivíduo saiba
seus atributos, que influenciarão a sua forma de se comportar frente às
situações presentes cotidianamente (BECK, 2013).

O trabalho do terapeuta

O terapeuta e o paciente irão trabalhar em uma parceria, na busca: “das


distorções cognitivas, que são pensamentos, pressupostos e crenças a serem
modificados” (BECK, 1976, apud RANGÉ, 2001, p. 114), objetivando, com isso
uma nova percepção, que a pessoa tem de si mesma e de como ela pode lidar
com as situações que necessita compreender e enfrentar no seu dia a dia.
Segundo Alves e colegas (2018), Beck postula que o terapeuta deve ser ativo
na condução do tratamento, ensinando o paciente a ser autônomo. Para que
isto aconteça, ambos são responsáveis e trabalham em conjunto, ativamente
para que as mudanças possam ocorrer.

Aplicações da terapia cognitivo-comportamental

A terapia cognitivo-comportamental não faz distinções quanto seu público,


referindo que todos podem se beneficiar com a mesma. Segundo Beck (2013,
p.23): “tem sido adaptada a pacientes com diferentes níveis de educação e
renda, bem como a uma variedade de culturas e idades, desde crianças
pequenas até adultos com idade mais avançada”.

Jaeger e colegas (2021) referem que a teoria cognitivo-comportamental


vem sendo utilizada como um importante referencial visualizado nos espaços
escolares. Os autores citam outros pesquisadores, ao referirem que em
“diferentes demandas escolares, tais como adaptação escolar, relações
interpessoais, educação e desenvolvimento socioemocional, problemas de
comportamento, dificuldades de aprendizagem, formação de professores, entre
outros” (JAEGER et. al., 2021, p 105).

Alves e colegas (2018) também salientam a contribuição da terapia


cognitivo-comportamental, para auxiliar nos contextos educacionais, com o
intuito de favorecer a saúde emocional de todos os envolvidos no cotidiano
escolar. Tal auxílio se daria no trato de aspectos emocionais presentes no dia a
dia das escolas, como situações conflitivas presentes nas salas de aula,
controle do humor dos sujeitos, como nos casos de ansiedade e estresse
elevados, favorecendo com isso o processo de autonomia dos alunos, de um
automonitoramento. A aprendizagem seria decorrente da ação de docentes e
discentes no processo de elaboração de formas de ensino, consequência do
chamado Empirismo Colaborativo.

Princípios
Segundo Beck (2013, p. 27) são 10 os princípios que embasam a terapia
cognitivo-comportamental. São eles:

1) A terapia é definida para cada indivíduo. Há determinados princípios que


estão por trás da terapia cognitiva para todos os pacientes: a terapia cognitiva
se baseia em uma formulação em contínuo desenvolvimento do paciente e de
seus problemas em termos cognitivos;

2) a terapia cognitiva requer uma aliança terapêutica segura;

3) a terapia cognitiva enfatiza colaboração e participação ativa;

4) a terapia cognitiva é orientada em meta e focalizada em problemas;

5) a terapia cognitiva inicialmente enfatiza o presente;

6) A terapia cognitiva é educativa, visa ensinar o paciente a ser seu próprio


terapeuta e enfatiza prevenção da recaída;

7) a terapia cognitiva visa ter um tempo limitado;

8) as sessões de terapia cognitiva são estruturadas;

9) a terapia cognitiva ensina os pacientes a identificar, avaliar e responder a


seus pensamentos e crenças disfuncionais;

10) a terapia cognitiva utiliza uma variedade de técnicas para mudar


pensamento, humor e comportamento.

Podemos depreender, a partir de uma análise mais detalhada dos


princípios descritos por Becker, o quanto é possível fazer uma correlação com
a aprendizagem no seu sentido mais amplo. Todos os princípios nos levam a
pensar em um indivíduo, mais autônomo e implicado com o seu processo de
aprendizagem, sendo este um protagonista capaz de fazer uma leitura das
suas limitações e possibilitando um novo olhar para com suas vivências
posteriores.

Assim, a importância de fazermos uma leitura mais global revela-se na


possibilidade de ao extrapolarmos os princípios terapêuticos e, com isto,
podermos pensar nas aplicabilidades dos mesmos fora do chamado “setting”
tradicional da psicologia. Estaremos auxiliando no processo de construção de
pessoas mais cônscias das suas dificuldades, bem como na forma de como
enfrentá-las, um dos objetivos pensados pela terapia cognitiva-
comportamental.

“A forma como as pessoas se sentem emocionalmente e a forma


como se comportam estão associadas a como elas interpretam e
pensam a respeito da situação. A situação em si não determina
diretamente como elas se sentem ou o que fazem; a sua resposta
emocional é mediada pela percepção da situação (BECK, 2013, p.
51)”.

Referências

ALVES, Juliana et. al. Contextualização histórica sobre as abordagens cognitivo-


comportamentais no Brasil e as possíveis interfaces com a educação e a psicologia
escolar. In: ALVES, Juliana (Org.). Abordagens Cognitivo-comportamentais
no Contexto Escolar. Novo Hamburgo: Sinopsys. 2018.

BECK, Judith. Terapia Cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto


Alegre: Artmed, 2013.

JAGER, Márcia; et. al. Abordagem cognitivo-comportamental na escola:


possibilidades de intervenção. Aletheia [online]. V. 54, n.1, p. 105-112, 2021.

KNAPP, Paulo; BECK, Aaron. Fundamentos, Modelos Conceituais, aplicações


e Pesquisa da Terapia Cognitiva. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2008.
Disponível: https://doi.org/10.1590/S1516-44462008000600002. Último acesso:
16/07/2022.

RANGÉ, Bernard e col. Psicoterapias Cognitivo-comportamentais: um


diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Porto Alegre: Artmed, 2001.

WRIGHT, Jesse et al. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: um


guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2019.
Unidade 5 – GESTALT

Origem da Gestalt

O surgimento da Gestalt se deu na Alemanha no ano de 1912.


Posteriormente, foi levada para os Estados Unidos em 1920 (CAMPOS, 1996;
NUNES E SILVEIRA, 2011). Os mais importantes fundadores são, segundo
Japiassú e Marcondes (1996), Wolfgang Kohler (1887-1967) e Kurt Koffka
(1886-1941).

Eles partiram do “phifenômeno”, como denominado por Wertheimer, isto


é, como os indivíduos percebiam o movimento (CAMPOS, 1996). Nas palavras
de Nunes e Silveira (2011, p. 24): “os gestaltistas realizaram vários
experimentos e pesquisas, objetivando descrever os fenômenos que emergiam
“espontaneamente” nas vivências cotidianas (experiência imediata) dos
indivíduos”.

Assim, podemos perceber que os teóricos buscavam levar em consideração


as percepções humanas, na compreensão do processo de leitura do meio no
qual os indivíduos estão inseridos e nos processos de aprendizagem, que
estariam, segundo os gestaltistas, indissociáveis da forma como percebemos a
totalidade dos fatos, em uma visão holística. “Aos gestaltistas desagradava à
busca dos elementos da experiência e assinalavam que a simples combinação
de elementos não é adequada para produzir as características do todo” (MARX
& HILL,1973, p. 313). Complementando, Campos (1996, p. 215) refere que
“para a gestalt, o “todo é maior que a soma de suas partes”, isto é, o que é por
nós aprendido é mais do que a soma, do que os padrões de estímulo-resposta
particulares, que ocorreram”.

Significado de Gestalt
O mais próximo da tradução que temos, na língua portuguesa, para
gestalt (Gestalten em alemão) é “dar forma, dar estrutura significante”
(GINGER E GINGER, 1995 apud NUNES E SILVEIRA, 2011, p.24).

A Percepção

A percepção é considerada o tema central da teoria. Segundo Campos


(1996, p. 210) “a vida mental não consiste numa soma de elementos simples,
existe algo mais do que a adição de partes elementares, que é a interpretação
da situação, pela percepção das relações dos elementos”, colocando com isto,
nossa percepção como fundamental na leitura e análise que fazemos dos fatos
cotidianamente. Isto se traduz no exemplo dado por Campos (Ibid, p. 210):
“uma pessoa pode ver 3 pontos em uma folha de papel e percebê-los como um
triângulo. Não há nada em cada um dos pontos que sugira isso, apenas as
relações entre os mesmos é que determina a configuração”.

É uma propensão nossa fazer uma harmonia das estruturas apresentadas.


Nunes e Silveira (2011, p. 25) referem que há “uma tendência da nossa
cognição para o alcance cada vez maior de um equilíbrio entre o todo que
percebemos e as partes daqueles objetos percebidos, e para uma organização
do campo perceptivo”, realizando uma “gestalt”.

O Campo Psicológico

Podemos pensar o campo psicológico da Gestalt, segundo Bock e colegas


(2002), usando a analogia de um imã, através das suas forças que atraem e
repelem objetos. Nossa percepção vai buscar a melhor configuração dos
elementos que estão dispostos no nosso ambiente passível de ser percebido,
ocorrendo de acordo com três princípios, que são: proximidade, semelhança e
fechamento (Ibid, 2002, p. 64).

O princípio de proximidade, o próprio nome já o explica. Temos a tendência


a agrupar os elementos próximos, para que possamos percebê-los mais
coesos, unificados. O fechamento também pode ser considerado
autoexplicativo. Quando existe uma figura que não está completa, temos a
necessidade de preencher o espaço aberto, buscando perceber, com isso, a
figura na sua completude. E o terceiro princípio, o de semelhança versa sobre
a nossa busca por aproximar os elementos semelhantes.

Figura e fundo

Heidbreder (1981, apud NUNES, 2011, p. 304) vai referir que “a percepção
que temos de um determinado objeto no mundo é de uma totalidade separada
de um fundo. Deste modo, há uma figura, que é o elemento que se evidencia,
se destaca, pois, “o fundo é apenas vazio”. Temos os casos de gravuras, nas
quais não temos a clareza do que estão representando, assim pode haver
diferentes interpretações da mesma, de acordo com a leitura que cada um faz,
não havendo certo ou errado (NUNES, 2011). Com isso, “a tendência da nossa
percepção em buscar a boa-forma permitirá a relação figura-fundo” (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 59).

Insight

O insight para a gestalt, segundo Bock e colegas (2002, p. 65) é quando


“acontece, às vezes, de estarmos olhando para uma figura que não tem sentido
para nós e, de repente, sem que tenhamos feito nenhum esforço especial para
isso, a relação figura-fundo elucida-se”.

Podemos pensar que quando uma pessoa está à frente de uma situação
qualquer e não sabe como resolvê-la, mas de repente, como que
magicamente, a resposta aparece na “sua frente”. Geralmente pode comentar
ou pensar: como resolvi tal problema? “Quando o sujeito encontra uma
situação problemática e consegue estruturá-la, isto é, formar uma gestalt, diz
que ocorreu o “insight”, ou seja, discernimento ou compreensão súbita
(CAMPOS, 1996, p. 211).
Um discípulo de Köhler, Karl Dunker (1903-1940), aplicou os estudos do
seu mestre, realizadas com os animais, e buscou aplicá-las na resolução de
dificuldades apresentadas pelos homens. Suas pesquisas foram desenvolvidas
junto a alunos de cursos superiores, a partir da apresentação de questões,
para que os estudantes resolvessem e ele pudesse fazer uma análise criteriosa
sobre os processos cognitivos que foram utilizados pelos mesmos (NUNES,
2011).

Meio Geográfico e Meio Comportamental

O meio geográfico é o ambiente, no qual estamos inseridos. O espaço


físico que nos cerca (BOCK; FURTADO, TEIXEIRA, 2002). Temos como
exemplos, a sala de aula, a praia, um quarto. Já o meio comportamental “é o
resultado da interação do indivíduo com o meio físico e implica a interpretação
desse meio através das forças que regem a percepção (Ibid, 2002, p. 63)”, é a
nossa interpretação dos fatos, realizada pela nossa mente.

A partir da nossa leitura individual sobre o meio físico, teremos o meio


comportamental. O nosso comportamento será decorrente da nossa percepção
sobre os fatos que ocorreram no ambiente que estamos inseridos. “Segundo o
conceito da gestaltpsicologia, o comportamento da pessoa é condicionado ao
campo que ela pode perceber” (BUROU; SCHERPP, 1985, p. 27). Cabe
lembrar, que o campo, para a teoria da gestalt pode ser compreendido, a partir
da totalidade dos acontecimentos, na sua especificidade (WALTER, 1977, p.15
apud BUROU; SCHERPP, 1985, p. 27).

Gestalt e a aprendizagem

A percepção, para os teóricos da gestalt, é muito realçada, assumindo um


lugar de destaque no processo de aprendizagem. Segundo Campos (1996) o
resultado é um indicador que a aprendizagem de fato aconteceu, não sendo
tomada como elemento do processo. Nas palavras de Nunes (2011, p. 30) “o
processo de realização de atividades, os tipos de erros cometidos pelos
sujeitos, as transformações operadas no plano do intelecto são mais
evidenciadas que o resultado final”. Wertheimer também buscou compreender
como se davam os processos mentais, na tentativa de elucidação de
dificuldades, relacionados à matemática. A partir disso, realizou julgamentos,
condenando a decoreba de leis e fórmulas. (ibid, 2011).

A aprendizagem consiste no estabelecimento das inter-relações que são


percebidas entre os elementos cognoscentes, quando há uma constituição do
nosso campo perceptual, através do “insight”, criando com isso, uma gestalt.
(CAMPOS, 1996). Nas palavras de Nunes (2011, p. 216): “a aprendizagem é
um processo ativo, inteligente e global. Constitui uma aquisição de “estruturas”,
de “formas”, implicando sempre discernimento, compreensão da situação”.
Consequentemente, por parte dos professores haverá uma mudança, na sua
forma de ensinar, que será mais voltada para a elaboração abrangente dos
conhecimentos, sem a sua fragmentação em conteúdos separados.

Campos (1996, p. 218) aponta que existem cinco (5): “Elementos que
facilitam a obtenção do “insight” a serem considerados no ensino”. O primeiro é
um aluno que apresenta uma capacidade intelectual maior, talvez consiga,
aprender mais rapidamente ensinamentos mais complexos. O segundo
elemento a ser levado em consideração é as experiências anteriores do
discente são importantes e podem facilitar o “insight”. O terceiro versa sobre a
obtenção do “insight, que só se efetivará, quando o essencial for organizado
para que seja observável. E por fim, o quinto elemento que ressalta a
importância do sujeito utilizar-se de diversas tentativas de elucidação de um
problema, para que ele possa ter “insight”.

Com isso, podemos evidenciar, o quanto, para a gestalt, a aprendizagem é


ativa para o sujeito cognoscente. Não existe aprendizagem sem atividade, sem
a busca ativa, pelo conhecimento, seja ele formal ou não.

Referências

BOCK, Ana Mercês; FURTADO, Odair; TEIXEIRA. Psicologias: uma


introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
BUROW, Olaf-Axel; SCHERPP, Karlheinz. Gestaltpedagogia: um caminho
para a escola e a educação. São Paulo: Summus, 1985.

CAMPOS, Dinah. Psicologia da Aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1996.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

MARX, Melvin; HILLIS, Willian. Sistemas e teorias em psicologia. São Paulo:


Cutrix, 1978.

NUNES, Ana Ignez; SILVEIRA, Rosemary. Psicologia da Aprendizagem:


processos, teorias e contextos. Brasília: Liber Livros, 2011.
Unidade 6 - GESTALTPEDAGOGIA

Exemplificando e complementando os conceitos desenvolvidos na


unidade anterior, sobre a Gestalt, temos a Gestalpdagogia. A Gestalpedagogia
sofreu influências da Psicologia da Gestalt. Para relembrar, temos as palavras
de Fagan e Shepherd (1980, p. 12) ao referirem que esta “originou-se como
uma teoria da percepção que incluía as relações mútuas entre a forma do
objeto e os processos do indivíduo que o percebe [...] O pensamento gestaltista
enfatizou os “saltos” de introvisão (insight)”. Além disso, os autores
consideravam o sujeito como participante do seu processo perceptivo.

Gestaltpedagogia

A denominação Gestaltpedagogia refere-se a uma totalidade dos


preceitos preconizados para a educação norteada pelas “teorias e práticas da
gestalt-terapia e da gestaltpsicologia”. (BUROW e SCHERPP, 1985, p. 103).
Portanto, antes de abordarmos a Gestalpedagogia, temos que conhecer,
mesmo que brevemente, a Gestalt-terapia.

A Gestalt-terapia surge nos Estados Unidos, por volta dos anos de 1960,
pelas contribuições de Frederick Salomon Perls – ou Fritz Perls (FREITAS,
2016). Nas palavras da autora:

Ao contrário da maioria das abordagens, que defendem a


neutralidade e o não envolvimento do terapeuta, a Gestalt-
terapia defende a impossibilidade dessa neutralidade e a
utilização do terapeuta e da relação construída como principal
ferramenta no processo terapêutico, principalmente por
acreditar que o sujeito se constitui nas relações, sendo a
relação terapêutica uma delas (FREITAS, 2016, p. 88).

Segundo Fagan e Shepherd (1980) todos os percalços ao processo de


aquisição de conhecimento, bem como de conduta, são originários da mesma
forma como se expressam na vida do indivíduo. Portanto, quanto mais elevada
for a nossa busca por compreender como nos esquivamos, e como nos
satisfazemos, teremos uma melhoria na nossa forma de viver ao ampliarmos
nossas experimentações e nossa conduta. Freitas (2016) salienta que o intuito
da Gestalt-terapia é fazer com que o sujeito consiga aumentar a sua leitura de
mundo, no relacionamento com todos, inclusive consigo próprio. Ele deve ser
seu autossuporte, podendo valer-se de seus recursos. Será uma pessoa
independente e capaz de tomar suas próprias decisões.

Ensino Gestaltpedagógico

Ao iniciarmos especificadamente o presente tópico do material,


gostaríamos de ressaltar a fala de Assunção e Queiroz (2018, p. 288) que
citam outros teóricos para esclarecerem a importância de uma formação global
dos profissionais de diferentes áreas que envolvem a saúde, para o trato com
seus clientes, existe: “a necessidade de focar no desenvolvimento tanto de
competências técnicas quanto relacionais, cuidar tanto da competência
interpessoal do aluno quanto do desenvolvimento das habilidades técnicas
específicas de cada profissão”.

Portanto, o objetivo principal da gestaltpedagogia centra-se no


desenvolvimento amplo das nossas aptidões, bem como das potencialidades
de cada um. Para que isso ocorra, segundo Metzer (1975 apud BUROW e
SCHERPP, 1985, p. 109) faz-se necessário levarmos em consideração três
ideias: a primeira delas consiste em fazer o infante e o adolescente acreditarem
que são pertencentes a aquela grupo/ comunidade. A segunda versa sobre a
preservação da dignidade dos mesmos, salientando que eles são tão
importantes como os demais, não havendo quaisquer distinções entre as
pessoas. A terceira ideia, de conservação da autoestima e da bravura das
crianças e jovens. Caso tanto a autoestima, quanto a bravura, tenham sido
perdidas, temos que garantir o seu retorno.

Assim, no ensino gestaltpedagógico, “a aprendizagem ocorre com a


interpretação de conteúdos psicológicos, e de matérias e didática específicas
relacionadas aos conteúdos político-sociais” (MOREIRA, FERREIRA, COSTA,
2007, p. 188-189). Essa nova forma de ensinar é relevante, pois acaba
destacando a ênfase no indivíduo cognoscente, dos preceitos e formas de
ensinar da gestaltpedagogia. Assunção e Queiroz (2018, p. 289)
complementam ao salientarem que ao partir das condições e necessidades
inerentes de cada aluno, através do “método da vivência. Começa das
necessidades dos indivíduos para desencadear um processo de crescimento
que tem como meta a modificação do indivíduo e do meio”.

Objetivos educacionais

Os objetivos educacionais da gestaltpedagogia são decorrentes da


gestalt-terapia e da psicologia humanista (BUROW; SCHERPP, 1985, p.107),
que são eles:

1) O autoencontro,
2) A autorrealização/ autossatisfação;
3) A recuperação de partes perdidas e reprimidas da pessoa;
4) O crescimento pessoal;
5) O desenvolvimento do potencial humano como um todo;
6) A Autorresponsabilidade,
7) O estímulo da consciência;
8) A concentração sobre o aqui e agora.

Podemos perceber que todos têm em comum a ideia de fazer o


indivíduo que busca aprender, ativo e cônscio de suas responsabilidades
perante o processo como um todo. Para alcançarmos os objetivos, muitas
vezes, será necessário um resgate da dignidade e do valor de cada sujeito
envolvido. Tarefa que não parece ser fácil, quando a pessoa está com sua
autoestima abalada. Assunção e Queiroz (2018, p. 289) contribuem, ao
salientarem que, “um dos aspectos que difere a Gestaltpedagogia de outros
meios pedagógicos é que ela leva em conta o aspecto emocional no processo
de aprendizagem, estimulando o aluno como um organismo integral”.

A partir disso, a Gestaltpedagogia, faz críticas ao ensino preconizado


nas instituições escolares, quase que na sua totalidade, pois não valorizam o
sujeito cognoscente na sua globalidade, construindo outro modo de ensinar.
Faremos um resumo do material apresentado por Goodman (apud BUROW e
SCHERPP, 1985). O autor vai dizer que as aprendizagens precisam ser
verdadeiras e não artificiais. Não pode haver uma separação entre as
instituições de ensino e a comunidade. O processo de ensino e aprendizagem
precisa ser espontâneo, como acontece na Escola Summerhill.

Adultos e jovens devem conviver normalmente. Outra ideia levantada


seria que as instituições de ensino públicas fossem menores, com no máximo
de 50 alunos, que tenham a possibilidade de vislumbrarem uma escola real,
com aprendizagens significativas, criativas, sem moldes ou pré-estabelecidas
pelos adultos, com muitos estímulos, ao invés de seleção. Com a presença de
movimento físico, trabalhando com as dificuldades que aparecerem
cotidianamente. Não haveria separação das matérias, que seriam
desenvolvidas em um todo, sem horários rígidos, separando os saberes. Para
tanto, os professores também devem ser verdadeiros e estarem por inteiro no
processo, como facilitadores.

Métodos Gestálticos na escola

Os métodos da gestalt, nas instituições de ensino, têm por intuito auxiliar


o desenvolvimento pleno dos envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem. Para tanto, citamos alguns deles, a título de exemplos, como a
técnica da cadeira vazia.

A técnica da cadeira vazia foi desenvolvida por Fritz Perls


como meio de trazer uma maior consciência e clareza para o
trabalho terapêutico. É também empregada para trazer
situações inacabadas para o aqui e agora... A cadeira vazia é
uma técnica que ajuda a converter situações passadas, não
resolvidas, numa experiência presente, focalizada
(OAKLANDER, 1980, p. 174).

Podemos ainda trabalhar com viagens-fantasia e com os sonhos, bem


como, com as tarefas de casa. Teremos que levar em consideração que “os
princípios e métodos são utilizados tanto para que se realizem os objetivos da
gestalterapia, quanto para uma melhor e mais efetiva realização de tradicionais
objetivos de aprendizado e ensino como ler, fazer contas, escrever, etc.”
(PHILLIPS, 1978, apud BUROW; SCHERPP, 1985).

Dica: Para maiores informações sobre a Escola Summerhill, ver: NEILL,


A. S. Liberdade sem medo. São Paulo: FENAME, 1976.

Referências

ASSUNÇÃO, Graciana; QUEIROZ, Elizabeth. Gestalpedagogia e Relação


Dialógica: contribuições para a formação de profissionais da saúde. Rev.
Abordagem Gestalt. [online], vol. 24, n.3, p. 287-297, 2018.

BUROW, Olaf-Axel; SCHERPP, Karlheinz. Gestaltpedagogia: um caminho


para a escola e a educação. São Paulo: Summus, 1985.

FAGAN, Joen; SHEPHERD, Irma (Orgs.). Gestalt-terapia: Teoria, técnicas e


aplicações. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

FREITAS, Julia. A relação terapeuta-cliente na abordagem gestáltica. IGT


rede [online], vol.13, n.24, pp. 85-104, 2016.

MOREIRA, Juliana; FERREIRA, Ludymila; COSTA, Virginia.Descrição de uma


vivência de ensino orientada pela gestaltpedagogia. Rev. Abordagem
Gestalt. [online], vol.13, n.2, pp. 187-194, 2007.

OAKLANDER, Violet. Descobrindo Crianças: a abordagem gestáltica com


crianças e adolescentes. São Paulo: Summus, 1980.
Unidade 7 – HUMANISMO

O humanismo e suas contribuições para a psicologia da aprendizagem será


abordado, a partir do estudo da teoria de Carl Rogers.

Humanismo

Antes de abordarmos o humanismo, temos que descrever, mesmo que


brevemente, a vida de Carl Rogers, um representante que influenciou vários
setores da sociedade.

Um breve resumo pode ser vislumbrado nas palavras de Moreira (2003, p.


139): “Rogers nasceu em Chicago em 1902. Em 1924, graduou-se em História
pela Universidade de Chicago, e em 1931, doutorou-se em Psicologia
Educacional no “Teachers´s College da Universidade de Columbia, em Nova
Iorque”. Mas, o autor ressalta que Rogers dedicou sua vida a área clínica, ao
aconselhamento e ao estudo dos seres humanos.

Após esta breve introdução da vida de Rogers, vamos abordar o


humanismo. Segundo Nunes e Silveira (2011, p. 44) “o termo humanismo, em
seu sentido histórico, refere-se a um movimento de cisão com os valores
medievais, evidenciado no período do Renascimento”. As autoras salientam
que nesta perspectiva, os homens foram colocados em um lugar de destaque
no mundo, podendo optar, agir e mudar a realidade que os cerca. Rogers pode
ser considerado um representante do humanismo, para a psicologia como um
todo, bem como para a psicologia da aprendizagem.

Principais conceitos

Cliente
Rogers, ao longo de sua obra, muda a forma de nominar o paciente. Este
passa a ser chamado por ele de cliente. Nye (1975, apud MOREIRA, 2003) vai
salientar que tal mudança foi efetuada no intuito de tirar a noção de doente da
pessoa que iria buscar atendimento psicológico. Além disso, há uma tentativa
de destacar uma maior colaboração do cliente, sendo este último também
responsável nas relações que irão se estabelecer entre ele e seu terapeuta.

Assim, temos que a teoria de Rogers é denominada de Teoria Centrada na


Pessoa ou não-diretiva, “porque nela, como em toda teoria humanista, o
homem é o centro das especulações e não há direção de fora para a resolução
dos problemas – que estão dentro da pessoa (FERREIRA, 2003, p. 151).

Experiências das pessoas

A teoria de Rogers “é basicamente fenomenológica, isto é, Rogers dá


grande importância as experiências das pessoas, a seus sentimentos e valores
e a tudo o que pode ser pela expressão “vida interior” (HALL; LINDZEY, 1984,
p. 57). Milhollan e Forisha (1978) já destacavam, na abordagem rogeriana, a
importância dada ao homem como detentor do controle sobre suas ações,
sendo livre para decidir seus atos frente as escolhas que deveria fazer.

Eu

Um dos conceitos considerados fundamental na teoria de Rogers é o de


eu (MARX, HILLIX, 1973, p. 528). Os autores enfatizam a importância dada por
Rogers que a terapia desenvolvida por ele: “é coerente com a sua convicção de
que o paciente tem uma estrutura do eu que ele próprio deve mudar para que
ocorra uma melhora”.

Com isso, é salientado o poder de autonomia dos sujeitos, sendo estes


responsáveis por viverem de acordo com suas escolhas, bem como incumbido
de realizar as mudanças que sejam necessárias, a partir da postulação da
existência de “um mecanismo de autorregulação no desenvolvimento”
(NUNES; SILVEIRA, 2011, p. 45). Nas palavras de Terres e colegas (2014, p.
14), Rogers passava ensinamentos “simples, mas com profundas implicações,
como a ideia de que todos os indivíduos são dotados de uma tendência
inerente ao crescimento e à atualização”.

O Campo de Experiência

Cada pessoa possui um campo de experiência próprio (campo


fenomenal), composto por “tudo o que se passa no organismo em qualquer
momento, e que está potencialmente disponível à consciência” (ROGERS,
1959, p. 161, apud FADIMAN; FRAGER, 2002, p. 226). São aspectos que não
percebemos claramente, a não ser que nós nos detivéssemos na busca de
tornarmos os estímulos que nos chegam conscientes. Cabe ressaltar, que é
possível ou não serem representantes fiéis da realidade. Hall e Lindzey (1984)
salientam que o comportamento resultante está relacionado com a leitura da
“realidade subjetiva” e não das estimulações externas ao sujeito.

Fadiman e Frager (1986) complementam ao referirem que nossa


capacidade de concentração é direcionada para as vivências pessoais, sua
particularidade e não nos aspectos que são comuns a todos.
Consequentemente existe uma limitação decorrente dos aspectos emocionais,
bem como dos orgânicos. Normalmente, segundo os autores, somos
capturados a identificar situações perigosas, bem como as consideradas
prazerosas ou confiáveis.

Self

Para Hall e Lindzey (1984) o conceito de self pode ser considerado um dos
mais relevantes da teoria rogeriana. “O self ou autoconceito é a visão que uma
pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações
presentes e expectativas futuras” (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 226-227). Nas
palavras de Rogers (1959, apud HALL; LINDZEY, 1984, p. 62): a Gestalt
conceitual organizada e consistente, composta de percepções das
características do “eu”, de percepções das relações deste ‘eu’ com os outros e
com vários aspectos da vida, e dos valores atribuídos a estas percepções.

Self Ideal

Podemos considerar o self ideal, como “aquilo que a pessoa gostaria de


ser” (HALL, LINDZEY, 1984, p. 62). Para exemplificar, Fadiman e Frager
(1986) nos fazem um relato de um estudante que não estava conseguindo
levar sua graduação adiante. Suas exigências, para consigo mesmo, eram tão
elevadas que ele preferia ter que abandonar o curso, do que se defrontar com
a possibilidade de não ser o melhor. O fato de ter tirado uma nota baixa,
desencadeou o enfrentamento frente a sua “performance”, no momento, e o
olhar que tinha sobre si próprio. Tal diferença o levou a tentar, fora dos meios
acadêmicos a procurar um emprego que ele fosse considerado era difícil de ser
de não ser o receio de não ser mais considerado o melhor de qualquer jeito.
Posteriormente, ao ser encontrado, até admitia que ele não precisasse ser o
melhor, mas que continuava com problemas ao se deparar com situações que
pudessem levá-lo a se sentir um derrotado.

Tendência para a autorrealização

Segundo Rogers, o ser humano tem uma tendência a evoluir, aumentar


suas capacidades. Ele é capaz de definir objetivos para seu desenvolvimento,
reforçando, com isso, o seu self (FADIMAN; FRAGER, 1986). Hall e Lindzey
(1984) salientam que existe uma escolha do indivíduo para ir em direção de
características do meio que impulsionam o sujeito para a sua realização, bem
como a sua completude.

Congruência e incongruência
Congruência pode ser descrita como uma fidedignidade entre o que a
pessoa verbaliza e as suas percepções sobre as experiências vivenciadas.
Assim, “um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você
está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em seu campo) e a
tomada de consciência (o que você está percebendo) são todas semelhantes.
Suas observações e as de um observador externo seriam consistentes”
(FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 229).

Já na incongruência, a pessoa não consegue realizar uma leitura mais


fidedigna da realidade, havendo assim, uma diferença entre o que percebemos
e o que é vivenciado por cada um de nós. Segundo Lindzey e Hall (1984, p.
62): “a incongruência entre o self, e o organismo faz com que os indivíduos se
sintam ameaçados ou ansiosos. Comportam-se defensivamente e seu
pensamento se torna restrito e rígido”. Com isso, podemos tomar estas
pessoas como falsas, que não estariam falando a verdade, enfim, como
desonestas (FADIMAN; FRAGER, 1986).

Outras características são apresentadas por Silva e colegas (2013) ao


mostrarem as contradições entre o que é falado e o comportamento manifesto
da pessoa incongruente, quando ela está apresenta, por exemplo, expressões
faciais rígidas, mostrando brabeza, com mãos fechadas e falando alto, mas
que dizem que não estão sentindo raiva. Complementando, Friedman e
Schustack (2004) citam que Rogers referia que “ansiedade existencial” e as
dificuldades internas aparecem, quando criamos padrões de comportamento na
busca por atender as demandas dos outros. Portanto, temos que ter cuidado
com nossos pré-julgamentos e julgamentos sobre as condutas e falas dos
outros, sendo estas nossos clientes (pacientes), ou não. Evitaremos com isso,
a realização de análises superficiais e estaremos levando em consideração
suas experiências passadas e respeitando suas histórias de vida.

Obstáculos ao crescimento
Os percalços que ocorrem durante o crescimento de uma pessoa são
originários da vida infantil da mesma e, são considerados por Rogers, como
pertencentes ao desenvolvimento normal de cada um de nós (FADIMAN;
FRAGER, 1986). Friedman e Schustack (2004, p. 485) ressaltam que:

a emoção negativa originava-se da falta de atenção positiva na


vida do indivíduo durante a infância, em particular, dos pais.
Rogers enfatizou a necessidade do indivíduo, de atenção
positiva incondicional, quanto a aceitação e o amor de outras
pessoas, especialmente o da mãe. A criança cujos pais
estipulam condições para lhe dispensar atenção positiva (...) é
propensa a ser ansiosa.

Fadiman e Frager (1986) ressaltam que a partir do momento que um


infante percebe e reconhece o seu self, acaba por precisar de afeição. Como
ele ainda não consegue discernir com clareza um comportamento em particular
da sua globalidade, acaba generalizando as demonstrações positivas como se
fosse um todo. O contrário também é verificado, pois quando é censurado por
um ato considerado inadequado pelos outros, sente uma desaprovação que
também é tomada na sua totalidade. Segundo Ferreira (2003, p. 151): para a
realização pessoal é preciso atitude de valor próprio, estima e consideração
positiva de si mesmo. Então o indivíduo será mais compreensivo com os outros
e os aceitará melhor como pessoas diferentes e chegará à “vida plena”.

Relacionamentos interpessoais

Para Fadiman e Frager (1986), Rogers valorizou em sua teoria os


relacionamentos interpessoais. Ressaltam que as primeiras trocas com o outro
podem ser congruentes e contribuírem para o crescimento ou terem uma
ênfase valorativa. Mas complementam ao salientarem o autor tinha a idéia de
que: “a interação com o outro capacita um indivíduo a descobrir, encobrir,
experienciar ou encontrar seu self real de forma direta. Nossa personalidade
torna-se visível a nós através do relacionamento com os outros (Ibid, p. 232).

Terapia não-diretiva ou centrada na pessoa


A importância de abordamos aqui a terapia não-diretiva ou centrada na
pessoa, se dá pela sua relevância nas contribuições para a aprendizagem
humana.

Rogers valorizava muito o encontro terapêutico, como promovedor de


aprendizagens significativas, as quais poderiam ser experienciadas na relação
do cliente com o seu terapeuta. Nas palavras de Melo e colegas, quando se
referem a Rogers e a relação terapêutica (2015, p. 7) salientam que: “um dos
aspectos fundamentais de uma boa relação terapêutica é que o paciente
perceba a consulta psicológica como uma experiência única que o impulsiona
ao crescimento”, com um enfoque na pessoa do cliente e não na sua conflitiva
pessoal. Marx e Hillis (1973) ressaltam que o cliente se sente aceito
verdadeiramente pelo terapeuta, pois ele não emite juízos de qualquer
natureza.

O ensino escolar

O ensino escolar para Rogers, segundo Moreira (2003) deve ser através
da uma aprendizagem facilitada, a partir dos seguintes princípios, decorrentes
da terapia centrada no cliente, que são em número de 10, mas que será por
nós resumidos, tendo em vista suas características mais relevantes para o
presente momento, até porque já foram explorados na unidade anterior,
quando abordamos a gestaltpedagogia. As características reforçam a
importância da responsabilidade e atividade do aluno no seu processo de
aprendizagem, que deve ser preferencialmente através de atos sendo
significativa para o aluno e que, consequentemente, desperte o interesse em
novos conhecimentos. O aluno não terá receio de buscar aprender, quando
não se sentir ameaçado pelo ambiente.

Vamos apresentar a seguir os princípios números nove e dez na sua


integra, pois acreditamos que contribuem e complementam o entendimento dos
anteriores:
9º) a independência, a criatividade e a autoconfiança são
todas facilitadas, quando a autocrítica e a autoavaliação são
básicas e a avaliação feita por outros é de importância
secundária; 10º) a aprendizagem socialmente mais útil, no
mundo moderno, é a do próprio processo de aprender, uma
contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si
mesmo, do processo de mudança.

Referências

HALL, Calvin; LINDZEY, Gardner. Teorias da personalidade. São Paulo:


EPU, 1984.

FADIMAN, James; FRAGER, Robert. Personalidade e crescimento pessoal.


Porto Alegre: Artmed, 2004.

FERREIRA, Berta. A aprendizagem na perspectiva humanista. In: La Rosa,


Jorge. (Org.). Psicologia e educação: o significado do aprender. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003.

FRIEDMAN; Howard; SCHUSTACK, Miriam. Teorias da Personalidade: da


teoria clássica à pesquisa moderna. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

MARX, Melvin; HILLIS, Willian. Sistemas e teorias em psicologia. São Paulo:


Cutrix, 1978.

MELO, Anna; LIMA, Rayanne; MOREIRA, Virginia. Construção da noção de


experiência ao longo do pensamento de Carl Rogers. Rev. NUFEN, Belém , v.
7, n. 1, p. 4-31, 2015.

MILHOLLAN, Frank; FORISHA, Bill. Skinner X Rogers: maneiras contrastantes


de encarar a educação. São Paulo: Summus, 1978.

MOREIRA, Marco. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: 2003.

NUNES, Ana Ignez; SILVEIRA, Rosemary. Psicologia da Aprendizagem:


processos, teorias e contextos. Brasília: Liber Livros, 2011.

SILVA, Edilson; MORAIS, Jéssica; BARBOSA, Ierecê. As implicações da


teoria de Carls Ranson Rogers para a educação em ciências. Revista
Amazônica de Ensino de Ciências. Manaus, v. 6, n. 10, p.63-72, jan./ jun.,
2013.
TERRES, Thabata; BORIS, Georges; MOREIRA, Virginia. O conceito de
tendência atualizante na prática clínica contemporânea de psicoterapeutas
humanistas. Revista abordagem gestalt. Goiânia, v. 20, n. 1, p. 13-20, jun.
2014.
Unidade 8 – CONSTRUTIVISMO – Jean Piaget - Parte 1

O construtivismo será abordado por nós, a partir da obra de Jean Piaget.


Iniciaremos pela cronologia, para posteriormente, na presente unidade e na
unidade seguinte, apresentarmos seus conceitos principais, bem como suas
contribuições para a aprendizagem.

“Jean Piaget (1896-1980) nasceu em Neuchâtel, na Suíça (NUNES;


SILVEIRA, 2011, p. 85). Campos, (1996, p. 253) refere que Piaget, desde muito
cedo, já gostava de desenvolver pesquisas, geralmente na área da biologia,
“doutorando-se em ciências naturais em 1918”. Assim, desde a adolescência,
Piaget já nos revelava sua inclinação para a pesquisa, em produzir
conhecimento, a partir do seu interesse nos detalhes, sem se conformar com o
já estabelecido cientificamente (CAMPOS, 1996; DELVAL, 2002). Campos
(1996, p. 253) complementa referindo que “durante a adolescência e juventude
Piaget dedicou-se a leituras nas áreas de filosofia, religião, biologia, sociologia
e psicologia” e que seus pensamentos deste período de sua vida, seriam
posteriormente desenvolvidos, ao longo de sua obra.

Por sua capacidade em classificar, decorrente da sua formação em ciências


biológicas, Piaget foi convidado a trabalhar no laboratório de Psicologia, com
Alfred Binet, o precursor dos testes de inteligência. Com isso, Piaget começou
a se interessar pela construção da inteligência humana, tomada por ele como a
principal forma de nos adaptarmos ao meio ao qual estamos inseridos
(FRANCO, 1998), temática esta que tomou conta da sua vida profissional, ao
buscar compreender como nós aprendemos. Becker (2003, p. 15) reforça, ao
complementar que “Piaget, por sua vez, elabora a ideia de construção do
conhecimento com total consciência, com uma riqueza de detalhes jamais vista
e com uma rara combatividade”.

A partir dos primeiros contatos com os testes de inteligência e


tendo despertado sua curiosidade científica para a pesquisa
dos processos cognitivos, passou a observar o
desenvolvimento dos seus próprios filhos. Em muitas obras são
frequentes as citações de Jacqueline, Laurent e Lucienne
(RAPPAPORT, 2003, p. 53).
A obra de Piaget é muito ampla: “tem mais de 50 livros e monografias, além
de centenas de artigos publicados (...) escreveu nos seguintes campos:
Biologia, Filosofia, Psicologia, Lógica, Sociologia, Teologia e História da
Ciência, além de Física e Matemática” (RAPPAPORT, 2003, p. 51).

Epistemologia genética

No dicionário básico de filosofia, Japiassú e Marcondes (1996, p. 85), associam


a epistemologia genética de Piaget, a forma de pensar anglo-saxônica: “no
pensamento anglo-saxão, epistemologia é sinônimo de teoria do conhecimento
(ou gnoseologia), sendo mais conhecida pelo nome de “philosophy of science”.
Franco (1998) refere que a obra de Piaget foi um trabalho epistemológico,
decorrente da sua formação em biologia e seu percurso pela psicologia.

Construtivismo

Como podemos definir o construtivismo? Qual seu significado? O


construtivismo refere-se a uma concepção de conhecimento não pronto, que
deve ser construído na relação entre o sujeito cognoscente e o objeto
(definições de sujeito e objeto serão trabalhadas por nós posteriormente). O
construtivismo apresenta uma gama de alternativas, que podem acontecer ou
não, englobando as trocas entre a pessoa e o seu meio, mas também a
comunidade a qual está inserido (FRANCO, 1998; BECKER, 2012). Abarca as
construções simbólicas e as inter-relações entre as mesmas, “e se constitui por
força de sua ação, e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária
ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há
psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento” ( BECKER, 2012, p.
113).

Rappaport (2003) já referia que para Piaget, as pessoas, sejam elas


pequenas ou adultas, estão em um movimento contínuo de trocas e que ele
buscava compreender os processos mentais que elas utilizavam ao longo do
seu desenvolvimento, com o intuito principal de compreender o mundo.

Construtivismo é, portanto; uma ideia, ou melhor, uma teoria,


um modo de ser do conhecimento ou um movimento do
pensamento que emerge do avanço das ciências e da filosofia
dos últimos séculos. Uma teoria que nos permite interpretar o
mundo em que vivemos, além de nos situar como sujeitos
neste mundo. No caso da epistemologia genética de Piaget, o
mundo do conhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento
(BECKER, 2012, p. 113).

Cabe ressaltarmos, que não podemos considerar o construtivismo como


ação ou uma metodologia pedagógica. Mas sim, como muito mais amplo,
contribuindo para o entendimento de diferentes aspectos da construção do
conhecimento humano (FRANCO, 1998; BECKER, 2012). Segundo Becker
(2012, p.113): (...) “é sim, uma teoria que permite (re) interpretar todas essas
coisas, jogando-nos para dentro do movimento da história – das culturas, das
sociedades, da humanidade e do universo”.

Conhecimento

Piaget, segundo Delval (2002) e Becker (2012) não considerava o


conhecimento como uma réplica da realidade, como era preconizado pelo
empirismo, nem tampouco como o inatismo, oriundo do desempenho pessoal
de cada um. Mas, sim fruto da ação do indivíduo e sua bagagem hereditária,
com o ambiente, modificando o mesmo. Surge daí a denominação de
construtivismo.

Segundo o inatismo, já ao nascer teríamos todas as estruturas


cognitivas para lidar com as necessidades presentes no nosso dia a dia
(BECKER, 2003). Franco (1998, p. 12) salienta que Piaget formulou uma
terceira forma de pensarmos como se dá o processo de conhecimento, como
fruto da relação da pessoa com o seu objeto, não estando nem em um, nem
em outro. “É na medida que o sujeito interage (e portanto age sobre e sofre
ação do objeto) que ele vai produzindo sua capacidade de conhecer e vai
produzindo também o próprio conhecimento”.

Sujeito

A definição de sujeito, para Piaget, é muito complexa. Não podemos fazer


uma separação entre sujeito cognitivo, do psicológico e da própria pessoa. “Ao
contrário, o sujeito psicológico é a condição de possibilidade do sujeito
cognitivo, assim como o sujeito biológico é a condição de possibilidade do
sujeito psicológico” (BECKER, 2012, p. 50). Assim, segundo Becker (2003,
2012) não está se referindo a três pessoas diferentes, mas sim da mesma
pessoa, em aspectos diferentes, que separamos para poder compreender
melhor didaticamente, levando-se em consideração suas diferentes dimensões.

Objeto

Objeto, para o construtivismo, pode ser compreendido como o ambiente


físico que se está inserido, bem como as relações entre as pessoas de uma
comunidade, englobando as produções dos homens na sua totalidade
(BECKER, 2012). Ressaltamos, portanto, que não é um objeto físico, mas sim
tudo que não pode ser considerado sujeito.

Visão Interacionista

Piaget acreditava que para podermos compreender o processo mnêmico do


ser humano, não bastava escutar como ele se expressava na sua infância,
através de perguntas dirigidas. A criança precisava agir sobre o objeto de
conhecimento e, ao acompanharmos sua manipulação sobre o mesmo, indagá-
la sobre sua conduta, “as quais suas respostas pudessem referir-se - pode
fornecer somente um quadro incompleto da estrutura cognitiva e de seu
desenvolvimento (RAPPAPORT, 2003, p. 53).

Função do desenvolvimento

A função do desenvolvimento será: “produzir estruturas lógicas que


permitam ao indivíduo atuar sobre o mundo de formas cada vez mais flexíveis
e complexas” (Ibid, 2003, p. 53). Na busca de compreender o meio que a
cerca, o infante vai adquirindo novas formas de conhecer, passando de uma
manipulação para formas mais complexas, na medida em que vai se
desenvolvendo (abordaremos na próxima unidade os estágios do
desenvolvimento para Piaget). Complementando, Becker (2003) salienta, que
todos os seres humanos nascem com as ferramentas necessárias para o seu
desenvolvimento, que podem ou não serem desenvolvidas e expressarem-se
de diferentes maneiras.

Referências

BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar.


Porto Alegre: Artmed, 2003.

______. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Penso,


2012.

CAMPOS, Dinah. Psicologia da Aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1996.

DELVAL, Juan. Crescer e Pensar: a construção do conhecimento na escola.


Porto Alegre: Artmed, 2002.

FRANCO, Sérgio. O construtivismo e a Educação. Porto Alegre: mediação,


1998.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
NUNES, Ana Ignez; SILVEIRA, Rosemary. Psicologia da Aprendizagem:
processos, teorias e contextos. Brasília: Liber Livros, 2011.

RAPAPPORT, Clara. Modelo Piagetiano. In: RAPPAPORT, Clara, FIORI,


Wagner; DAVIS, Cláudia. Teorias do Desenvolvimento: conceitos
fundamentais. São Paulo: EPU, 2003.
Unidade 9 – CONSTRUTIVISMO – Parte 2

Na unidade anterior abordamos a vida e algumas noções importantes


para a compreensão da teoria de Jean Piaget. Na presente unidade, na parte 2
do material, nós desenvolveremos os conceitos principais, na tentativa de
auxiliar no processo de construção do conhecimento de cada um de vocês.

Conceitos fundamentais

Adaptação

O sujeito, na busca de conhecer o meio que o cerca, vai se adaptando


ao mesmo, de forma mais eficaz. Para que ocorra tal interação o indivíduo
lança mão das habilidades já adquiridas e vai desenvolvendo novas (FRANCO,
1998; RAPPAPORT, 2003; BECKER, 2012; 2003). Para que ocorra a
adaptação, Piaget referia que se fazem necessários o uso de dois processos
que são interdependentes: a assimilação e a acomodação (RAPPAPORT,
2003; BECKER, 2012). Piaget (1987, p.17) vai resumir dizendo que “a
adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação”. No que
consistem tais processos? É o que veremos a seguir.

Assimilação

A assimilação, de acordo com Nunes e Silveira (2011), ao citarem


Piaget, pode ser definida como o agir da pessoa sobre o objeto. Ela pode tomar
para si ou não as características do mesmo, juntando aos esquemas mentais
que a pessoa já tinha anteriormente.

De acordo com Piaget e Inhelder (2003, p. 13),


toda ligação nova se integra num esquematismo ou numa
estrutura anterior: a atividade integradora do sujeito deve ser,
então, considerada tão importante quanto as ligações inerentes
aos estímulos exteriores, pois o sujeito só se torna sensível a
estes últimos na medida em que são assimiláveis às estruturas
já construídas, que eles modificarão e enriquecerão em função
das novas assimilações.

Resumidamente, Piaget (1987, p. 17) complementa referindo que “a


inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo
e qualquer dado da experiência”. Podemos, para exemplificar, ao pensarmos
em uma criança aprendendo a descascar uma maçã. Ao interagir a primeira
vez com o objeto, a maçã, a criança vai tentar usar o repertório que ela já tinha
incorporado, de como descascar outra fruta qualquer, uma banana. Ao tentar
descascar a maçã, provavelmente vai entrar em conflito, pois não conseguirá
descascar apenas usando os dedos na tentativa de puxar a casca da fruta com
a mão. Ela vai precisar fazer outras ações, como pegar uma faca para
descascar. Esta nova ação poderá ser incorporada ao repertório que ela já tem
construído anteriormente.

Acomodação

Continuemos com o exemplo da maçã. Para que a criança consiga


descascar a maçã, ela via precisar fazer um “reajuste nos esquemas de ação
devidos aos novos conhecimentos incorporados pelas ações do sujeito” (RIES,
2003, p.104). Ela vai precisar, portanto, acomodar, reajustar suas ações para
realizar a tarefa de descascar a maçã.

Rangel (1999) ressalta que a acomodação irá acontecer somente


quando houver uma readaptação de um esquema anterior. Caso a pessoa não
tenha o interesse ou o seu esquema não operou na conflitiva apresentada,
ocasionando a permanência da forma de pensar antiga, não teremos
acomodação.
Cabe lembrarmos que a cada conflitiva cognitiva com o meio externo,
estaremos utilizando os dois processos, a assimilação e a acomodação. Eles
são interdependentes e só são separados para nossa compreensão dos
processos (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999).

Esquema

Citamos o esquema anteriormente, cabe agora defini-lo para a teoria


piagetiana. Segundo Piaget e Inhelder (2003, p. 13): “um esquema é a
estrutura ou organização das ações. As quais se transferem ou generalizam ao
momento da repetição da ação, em circunstâncias semelhantes ou análogas”.
Os esquemas são interligados, formando uma completude de elementos que
diferem entre si (PIAGET, 1987).

Podemos observar dois tipos de esquema, o simples e o complexo.


Rappaport (2003) refere que o primeiro é resultado a qualquer desafio, como
chupar o dedo. Já o complexo compreende a noção que possuímos sobre
alguma coisa. Um exemplo pode ser o conceito de mãe, que vai ser definido
por cada um de nós, a partir das nossas interações com o meio.

Equilibração

O conceito de equilibração é bastante complexo, mas vamos tentar


explicar brevemente. Como se dá o processo de equilibração? O nosso
organismo passa, frente a cada aprendizagem, por um desequilíbrio, até
conseguirmos solucionar o problema que o gerou. Assim, vamos tentando nos
equilibrar novamente, nas sucessivas tentativas de resolver o conflito que está
nos desestabilizando. Nas palavras de Piaget (2003, p.49): “Equilíbrio por
autorregulações que permitem remediar as incoerências momentâneas,
resolver os problemas e superar as crises ou os desequilíbrios por uma
elaboração constante de novas estruturas”. Vemos, portanto, o quanto é
importante a ação do sujeito sobre os objetos de conhecimento, na busca por
resolver os desequilíbrios provocados no sujeito.

Estágios do Desenvolvimento

Os estágios do desenvolvimento por muitas pessoas leigas, que não


conhecem a totalidade de sua obra, são considerados a mais importante
contribuição de Piaget. Mas segundo Delval e Kohen (2003) ao focarmos
somente nos estágios, estaremos centralizando nossa leitura em uma parcela
das suas contribuições para entendermos como construímos conhecimento.

Assim, mesmo fazendo tal ressalva, torna-se importante descrevermos


os estágios propostos para compreendermos as fases que passamos no
processo de construção da inteligência humana. Assim, cada nova fase
apresenta particularidades que vão transformando-se na busca por um melhor
arranjo, “um equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma
equilibração sempre mais completa e de uma interiorização progressiva”
(RAPPAPORT, 2003, p. 65). Nunes e Silveira (2011) salientam que as
mudanças serão da ordem da cognição, bem como do emocional, e que
partem da ação do infante e das vivências que serão disponibilizadas pelo
meio.

Período Sensório-motor (0 -2 anos)

Para abordamos o estágio sensório-motor, vamos iniciar por um relato


de Piaget (1987) sobre as primeiras horas de vida dos filhos, no qual ele
descreve que Lucienne e Laurent sugaram os dedos, logo após o nascimento.
Partindo de um reflexo de sucção no vácuo, quando acidentalmente os dedos
deles tocaram a boca, iniciaram o sugar dos seus dedos. Em outro estudo
(PIAGET, 2003, p. 18) refere que “no recém-nascido a vida mental se reduz ao
exercício de aparelhos reflexos, isto é, as coordenações sensoriais e motoras
de fundo hereditário que correspondem a tendências instintivas, como a
nutrição.”

Piaget e Inhelder (2003) salientam que a denominação de sensório-


motor está vinculada a uma ausência da simbolização, sendo uma inteligência
prática, motora. O bebê começa a interagir com o mundo que o cerca, muito
restrito no início de vida, podendo ordenar os estímulos provenientes do meio.
Rappaport (2003) destaca que não existe, no momento inicial, a distinção entre
o bebê e o seu entorno. A inteligência pode ser considerada como a
capacidade da criança em conseguir distinguir o que é dela, do seu próprio
organismo e o que pertence ao ambiente.

Por volta dos nove, doze meses o bebê adquire rudimentarmente a


noção de objeto permanente. O que significa esta noção para o
desenvolvimento infantil? Significa que o infante tem a capacidade de recordar
dos objetos do meio, mesmo que este não esteja no seu campo de visão e
tenha sido escondido atrás de um anteparo (PIAGET, 1987; FRANCO, 1998;
PIAGET; INHELDER, 2003). Com isto, a noção de causalidade começa a ser
construída. “O sistema de objetos permanentes e de seus deslocamentos, por
outro lado, não pode dissociar-se de uma estruturação causal, pois o próprio do
objeto é ser origem, sede ou resultado de ações diversas” formando, a partir
das suas inter-relações, a causalidade propriamente dita (PIAGET; INHELDER,
2003, 22).

A noção de objeto permanente, segundo Franco (1998, p. 28) é


imprescindível estar estabelecida, para considerarmos que a possibilidade do
pensamento pode vir a ser construída pela criança. Ele refere que: “É aqui, que
se dá, de fato, o nascimento da inteligência”.

Período Pré-operatório (2 -7 anos)


O período pré-operatório caracteriza-se por termos uma criança que está
com a sua linguagem em plena atividade. Ela já consegue apresentar
esquemas mais complexos, simbólicos. Assim, a brincadeira de faz-de-conta
está presente, a criança pode nomear os objetos que deseja, sem a
necessidade da presença física dos mesmos no seu campo de visão. É o
período também das explicações animísticas, dadas pelas crianças, quando
referem atributos das pessoas para objetos inanimados, como as bonecas, que
vão descansar por estarem com sono. E explicações artificialistas, quando ela
atribui “causas humanas, aos fenômenos naturais, exemplo disso é dizer que
os rios foram feitos por um homem” (RAPPAPORT, 2003, p. 69).

Franco (1998) refere, inclusive, que o presente período começa quando


a função simbólica foi construída na criança. Piaget e Inhelder (2003, p. 51) vão
referir que:

“por meio de “um “significante” diferenciado e que só serve


para essa representação: linguagem, imagem mental, gesto
simbólico, etc. (...) é preferível empregar com eles a expressão
“função semiótica” para designar os funcionamentos fundados
no conjunto dos significantes diferenciados”.

No presente período podemos observar uma criança egocêntrica, mas


não no sentido pejorativo da palavra. Mas sim, um infante que ainda não tem
condições de utilizar um pensamento que pode começar a partir da perspectiva
do outro. Segundo Franco (1998, p. 31) pode ser chamado de “egocentrismo
cognitivo, e não moral”, quando a criança não tem ainda a habilidade de poder
lidar com diferentes posições sobre um assunto qualquer. Com isto, a visão do
mundo só pode partir da sua própria realidade, do seu entorno próximo. Seu
comportamento ainda está centralizado nas ações e suas opiniões sobre os
assuntos estão atreladas ao discernimento imediato do que é vislumbrado
(RAPPAPORT, 2003).

Período das operações concretas (7 a 11-12 anos)

Piaget (2003) ao abordar o período que compreende dos sete aos 12 anos,
referindo que existe uma diferença nítida em relação ao período anterior. Caso
entrássemos em uma sala de aula que aceitasse a conversa entre os alunos e
a aprendizagem fosse colaborativa, veríamos crianças com uma capacidade de
concentração maior, quando ela está só, trabalhando individualmente. Mas
também observaríamos, no grande grupo, a contribuição de cada um para o
desenvolvimento grupal, aspecto que não era encontrado anteriormente,
quando elas não conseguiam ainda fazer trabalhos em grupo, apesar de
estarem muito mais próximas umas das outras no seu brincar.

Os jogos, no presente período, adquirem uma função especial. São


importantes, pois propiciam a internalização das regras sociais, as normas
construídas pela coletividade, que são fundamentais serem apropriadas pelo
sujeito cognoscente. Piaget e Inhelder (2003, p. 88) salientam que:

A descentração necessária para chegar à constituição das


operações não se baseará mais, simplesmente, num universo
físico, ainda que este já seja notavelmente mais complexo do
que o do universo sensório-motor, senão também, e de
maneira indissociável, num universo interindividual ou social.
(...) e esse aspecto cooperativo constitui condição sine qua non
da objetividade da coerência interna (equilíbrio) e da
universalidade das estruturas operatórias.

Assim, podemos perceber um gradual aumento do pensamento calcado


pela razão com uma leitura mais próxima da realidade exterior a criança. Uma
postura mais realista, que vai se colocando em lugar do mundo fantasioso que
era preponderante até momento (RAPPAPORT, 2003).

As operações mentais adquirem a capacidade de serem reversíveis. A


capacidade de julgar pode ser calcada no pensamento, não dependendo mais
da percepção imediata, intuitiva, como era anteriormente. (PIAGET, 2003;
RAPPAPORT, 2003).

Período das operações formais (12 anos em diante)


O período das operações finais pode ser considerado, para o
desenvolvimento, como o último. Significando, portanto, que a pessoa
conseguiu chegar a sua forma final de equilíbrio. Ela já tem a capacidade fazer
operações cognitivas alicerçadas em um pensamento lógico e abstrato
(FRANCO, 1998). Rangel (1999, p. 46) vai referir que: “durante a
adolescência e na idade adulta o pensamento se descontextualiza
e pode operar sobre proposições enunciadas a título de hipóteses. Pode
pensar o mundo como o universo dos possíveis”.

Assim, o sujeito consegue manter o diálogo com os demais e, através


das conversas com seus pares e com os demais integrantes da sociedade, vai
consolidando seus próprios padrões de conduta moral. Ele vai confrontando
com os modelos que tinha como balizador de seus comportamentos,
anteriormente, oriundos de sua família, com os valores que vai observando e
tendo contato (RAPPAPORT, 2003).

Implicações para a aprendizagem

Pensamos que uma das contribuições essenciais de Piaget para a


aprendizagem se refere que, para conseguirmos aprender precisamos agir
sobre os objetos. Nas palavras de Becker (2003, p. 13): “aprende-se porque se
age para conseguir algo e, em um segundo momento, para se apropriar dos
mecanismos dessa ação primeira”. Assim, a noção de que aprendemos porque
alguém nos ensina está equivocada. Portanto, não se faz mais necessário um
professor que transmite o conhecimento que ele tem para seu aluno.

O educador vai ser aquele que irá proporcionar desafios que irão
desestruturar as certezas pré-existentes do sujeito cognoscente, fazendo com
que ele saia em busca de um reequilíbrio (LERNER, 2003). Não é
apresentando o conteúdo, verbalmente, pelo professor que o outro vai adquirir
conhecimento. “Se no plano do desenvolvimento não forem construídas
estruturas capazes de assimilações de conteúdos, progressivamente
complexos, a aprendizagem estagna; não consegue avançar” (BECKER, 2012,
p. 33). Rangel (2002) também contribui para este ponto ao assinalar que a
principal responsabilidade do adulto é estar ao lado do infante ou do
adolescente, fazendo com que eles sejam desafiados, em diferentes áreas do
conhecimento humano, para que possam se desenvolver integralmente.

O erro, na perspectiva construtivista, não deve ser abordado no intuito


de correção. “Não há processo de conhecimento sem erro... é parte constitutiva
da gênese e do desenvolvimento cognitivo” (BECKER, 2012, p. 80). Assim,
podemos perceber que o erro deve ser tomado como um algo que deve ser
corrigido, modificado, mas sim como um indicador do caminho que devemos
seguir. Ele nos dará pistas das dificuldades que estão perpassando aquele
processo em particular e quais os passos que devemos dar, como educadores,
no intuito de auxiliar para que o sujeito.

Referências

BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar.


Porto Alegre: Artmed, 2003.

______. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Penso,


2012.

DELVAL, Juan; KOHEN, Raquel. Construtivismo. In: SEBARROJA, Jaume et.


al. Pedagogias do Século XX . Porto Alegre: Artmed, 2003.

FLAVELL; John; MILLER, Patrícia; MILLER, Scott. Desenvolvimento


Cognitivo. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FRANCO, Sérgio. O construtivismo e a Educação. Porto Alegre: mediação,


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falsa oposição. In: CASTORINA, José et al. Piaget – Vygotsky: novas
contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 2003.
NUNES, Ana Ignez; SILVEIRA, Rosemary. Psicologia da Aprendizagem:
processos, teorias e contextos. Brasília: Liber Livros, 2011.

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RANGEL, Annamaria. Psicologia da Educação. Apostila de curso. 1999.

RANGEL, Annamaria. Construtivismo: apontando falsas verdades. Porto


Alegre: Mediação, 2002.

RAPAPPORT, Clara. Modelo Piagetiano. In: RAPPAPORT, Clara, FIORI,


Wagner; DAVIS, Cláudia. Teorias do Desenvolvimento: conceitos
fundamentais. São Paulo: EPU, 2003.

RIES, Bruno. A Aprendizagem sob um enfoque cognitivista: Jean Piaget. In: LA


ROSA, Jorge (Org.). Psicologia e Educação: o significado do aprender. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2003
Unidade 10 - Sociointeracionismo - Vygotsky

O sociointeracionismo será abordado por nós a partir das contribuições


de Lev Semenovich Vygotsky, ou simplesmente, Vygotsky. Para tanto
iniciaremos com a cronologia, para posteriormente apresentar as contribuições
para a área da aprendizagem.

Cronologia

Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896, em Orsha, uma pequena


cidade provinciana na Bielo-Rússia. Sua família era judia e proporcionou para
Vygotsky um ambiente rico para que ele pudesse estudar. Até os seus 15 anos
foi educado por professores que iam até sua residência com o intuito de
ensiná-lo, não havendo restrições econômicas para tal fim (FREITAS, 1998;
REGO, 2003). Bortolanza e Ringel (2016) salientam a importância de Vygotsky
ter tido uma família que tinha um apreço pela cultura ter sido fundamental para
sua escolarização inicial, pois ele frequentava a biblioteca familiar na busca por
se instruir.

Vygotsky em um período de 10 anos, entre 1924 até 1934, realizou


estudos em diferentes áreas de conhecimento: psicologia, educação e
linguagem (FREITAS, 1998). “O interesse em compreender o desenvolvimento
psicológico do ser humano e, particularmente, as anormalidades físicas e
mentais, levou Vygotsky a fazer cursos na Faculdade de Medicina” (REGO,
2003, p. 22), nas cidades de Moscou e Kharkov. No ano de 1920 sua saúde
começa a apresentar problemas maiores, com o agravante do surgimento da
tuberculose. Quatro anos depois consegue recuperar-se e desposa Rosa
Smekhova e com ela tem suas duas filhas (SANTOS, 2003). Morreu no dia 11
de junho de 1934, em decorrência da tuberculose, doença que o acompanhou
por 14 anos (FREITAS, 1998; MOREIRA, 2003; REGO, 2003).
Abordagem Sociointeracionista

A teoria sociointeracionista criada pelo Vygotsky tem o intuito, segundo


Rego (2003, p.21) ao citar o próprio Vygotsky (1984, p.21) de “caracterizar os
aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de
como essas características se formaram ao longo da história humana e de
como se desenvolveram durante a vida de um indivíduo”.

Vygotsky, como o próprio nome da abordagem refere, vai enfatizar que a


aprendizagem é decorrente da nossa inserção no coletivo. Castorina (2003, p.
11) salienta que: “em Vygotsky, a interação social e o instrumento linguístico
são decisivos para compreender o desenvolvimento cognitivo”.

Teses básicas

A obra de Vygotsky, segundo Rego (2003) é composta por cinco (5)


teses que regem a teoria construída pelo autor. A primeira delas vai enfatizar a
importância das trocas existentes entre o sujeito e o ambiente, pois é através
da interação entre os dois, na busca de satisfazer suas faltas mais
elementares, que o homem vai transformando-se. A segunda tese, decorrente
da anterior, aborda a construção das funções psíquicas dos seres humanos
como atreladas ao meio, seja este cultural ou social, tirando o caráter
hereditário do mesmo, que podem ser modificadas ou não de acordo com as
vivências. Quanto a isto, Freitas (1998, p. 19) refere que: “a construção social
do conhecimento, onde a cognição é vista como um produto social alcançado
pela interação” é de suma importância para o autor.

A terceira tese versa sobre a relevância de um alicerce biológico, o


nosso cérebro, que cada um de nós apresenta desde o nascimento, não sendo
determinado, mas sim com capacidade para desenvolver-se psiquicamente. A
quarta vai tratar da mediação que deve acontecer quando estamos interagindo
com o meio, através da linguagem (mais enfatizada) e dos signos que foram
construídos ao longo do desenvolvimento dos seres humanos, formando a
base cultural das sociedades. E por fim, a quinta tese que vai salientar que a
nossa “análise psicológica deve ser capaz de conservar as características
básicas dos processos psicológicos, exclusivamente humanos” (REGO, 2003,
p.43), diferenciando-nos assim dos outros animais, que não conseguem
desenvolver uma linguagem complexa como a nossa, por exemplo.

Abordagem Genética

A abordagem de Vygotsky é considerada genética, pois têm o objetivo


principal buscar “compreender a gênese, isto é, a origem e o desenvolvimento
dos processos psicológicos” (OLIVEIRA, 2003, p. 55), que vai ser pensada em
quatro (4) níveis diferentes. O primeiro, o filogenético pode ser vislumbrado ao
considerarmos a história da evolução da nossa espécie, a partir da sua origem.
O segundo, o microgenético vai buscar compreender os processos coletivos,
ao longo dos tempos. O nível ontogenético, vai entender o desenvolvimento de
cada um de nós, a sua particularidade. Segundo Coll e Solé (1996, p. 288)
“para Vygotsky, a educação é uma das fontes mais importantes do
desenvolvimento ontogenético nos membros da espécie humana”. E por fim, o
nível microgenético, que são as evoluções de aspectos particulares
psicológicos de cada um de nós (OLIVEIRA, 2003).

Zona de Desenvolvimento Real (ZDR)

A zona de desenvolvimento real pode ser compreendida como os


comportamentos ou funções que a pessoa já domina, consegue executar
sozinha, sem o auxílio de um mediador, alguém que a auxilie na tarefa (REGO,
2003; SANTOS, 2003). O sujeito já domina, já aprendeu como abrir uma porta,
por exemplo. Quando criança precisou a ajuda de um adulto, ou outra criança
com mais experiência, para conquistar tal comportamento.
Zona de Desenvolvimento Proximal ou Potencial (ZDP)

O Conceito de zona de desenvolvimento proximal é um dos conceitos


mais difundidos de Vygotsky. Corresponde ao espaço/ lacuna entre tudo que a
pessoa consegue fazer com autonomia (ZDR), para o que ela precisa ainda de
um mediador para realizar, não conseguindo executar sozinha (COLL; SOLÉ,
1996; REGO, 2003; SANTOS, 2003). Um exemplo seria a aprendizagem da
leitura e escrita. A criança ou o adulto já conhece algumas palavras, mas ainda
não sabe articular para fazer a leitura sistemática das palavras.

Segundo Coll e Solé (1996, p. 289) a contribuição da educação se dá


quando os professores podem fornecer auxílio no decorrer da execução das
tarefas escolares, o que irá favorecer o processo de desenvolvimento humano,
“quando consegue arrastar a criança através da zona de desenvolvimento
próximo, convertendo em desenvolvimento real”.

Funções Psicológicas Superiores

Vygotsky foi um estudioso das funções psicológicas superiores, próprias


dos seres humanos. “Tais como a capacidade de planejamento, memória
voluntária, imaginação, etc” (...) porque referem-se a mecanismos intencionais,
ações conscientemente controladas, processos voluntários” (REGO, 2003, p.
38). Elas fornecem autonomia, quando o sujeito está em contato com o meio.
Neste momento, Vygotsky também enfatiza a interação com o ambiente, ao
salientar que faz-se necessário o a mediação dos agentes representantes do
arcabouço cultural (COLL, SOLÉ, 1996). E, partindo a importância da cultura,
Alvarez e Río (1996) vão salientar que as funções Psicológicas superiores são
decorrentes do desenvolvimento cultural, sem considerar os aspectos
orgânicos.
Mundo Social e os signos

A criança, a partir do seu nascimento é inserida na sociedade e iniciará


seu agir, a partir do contato “com uma classe especial de ferramenta: os signos
(instrumento semiótico). Estes não afetam diretamente os objetos, mas podem
fazer referência aos mesmos” (RANGEL, 1999, p. 52). A partir dos atos
simples, serão adquiridas condutas simbólicas, que auxiliarão a sua
aprendizagem. Um exemplo pode ser o ato de indicar, que assume sua
capacidade de referir-se a um objeto, quando a criança inicialmente, sem
querer, vai pegar um brinquedo e ao apontar, sem direcionar realmente a um
objeto, mas é tomado pelo seu cuidador como direcionado ao brinquedo. A
criança pode construir a conduta de apontar para um objeto que deseja e quer
que lhe alcancem.

Vygotsky, segundo Alvarez e Río (1996), parte de um modelo


simplificado, no qual o homem é capaz de dominar o estímulo e a resposta. Ele
não ficará sob o domínio do meio e pode construir um conjunto de elementos
interligados, mais elaborados. Em decorrência da análise e da superação
desse protótipo, Vygotsky apresentou o perfil das funções psicológicas
humanas: elas podem romper com o determinismo do ambiente. Para tanto
utilizaremos os instrumentos psicológicos através da mediação, com a
consequente mudança da nossa própria conduta, da nossa própria forma de
pensar. Temos como exemplo o fato de recordarmos de algo que precisamos
realizar a partir da anotação em uma agenda, no qual temos diferentes
possibilidades a partir do ato de anotar.

Linguagem

A linguagem é considerada, para Vygotsky, como um instrumento


psicológico que tem muita relevância, pois através da mesma que conseguimos
nos comunicar de forma aceita socialmente, através do sistema de signos que
a constitui (ISAIA, 1998; MOREIRA, 2003). Para Rego (2003, p. 53) “a
linguagem é um sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos,
elaborado no curso da história social, que organiza os signos em estruturas
complexas e desempenha um papel imprescindível na formação das
características psicológicas humanas”.

Mediação Social

A mediação social é fundamental para o processo de aprendizagem


humana, segundo Vygotsky, como já abordamos anteriormente, na presente
unidade. Mas cabe ressaltar que é através da mediação, que Vygotsky aponta
que o infante toma de empréstimo o referencial dos outros. “(...) que
suplementam e conformam paulatinamente sua visão de mundo e constróem
pouco a pouco sua mente, que será assim, durante muito tempo, uma mente
social que funciona em seu exterior e com apoios instrumentais e sociais
externos” (RANGEL, 1999, p. 55). Assim, enfatizamos a importância que o
autor dá para a relação com os pares e com os adultos. Os adultos emprestam
sua consciência, para que a criança possa utilizá-la de empréstimo
favorecendo a construção do seu próprio sistema de referências a cerca dos
comportamentos que deve ter no decurso de sua vida.

Interiorização

É a partir do contato com o mundo externo que vamos construindo


nosso mundo interno. Cabe considerarmos que a assimilação precisa ser
gradual, dentro das capacidades da criança, pois caso contrário ela não terá
como se apropriar do conhecimento, já que ainda não tem condições para tal
(ALVAREZ; RÍO, 1996).
A operação de interiorização precisa acontecer em etapas, do mais
simples para o mais complexo. Foi definida por Galperin (1978 apud ALVAREZ;
RÍO, 1996, p. 86), como: ““interiorização por etapas” e nela se facilita a
passagem da atividade externa à mental, graças ao escalonamento da
proporção de interiorização”, com um balanceamento dos aspectos do interior
do sujeito, com o seu ambiente. São cinco pontos básicos ou tarefas escolares
que precisam ser realizados. A primeira delas versa sobre a elaboração
anterior da atividade a ser feita. A segunda refere-se ao domínio do agir sobre
os alvos de conhecimento. A terceira tarefa escolar salienta a necessidade de
traduzirmos nosso agir em uma verbalização audível. A quarta é a transposição
do agir para o plano mental e por fim, o quinto ponto faz referência à plena
solidificação atividade mental. Isaia (1998, p. 24) salienta que o processo de
internalização vai “permitindo que compreendamos o desenvolvimento como
um movimento de fora para dentro”.

Atividade diretora das diferentes etapas do desenvolvimento

Vygosky vai dar ênfase na atividade diretora de cada período do


desenvolvimento humano distribuídos em cinco etapas. “estas etapas
caracterizam-se pela construção de novas formações nos processos de
mediação social-instrumental, que marcam as crises de crescimento sócio-
cultural na criança, presentes em cada uma dessas fases” (ALVAREZ; RÍO,
1996, p. 91). Souza (1998) refere que a compreensão do processo de
desenvolvimento dos homens, na perspectiva vygotskiana deve estar vinculada
a uma leitura global do processo histórico, contemplando o contexto e as
implicações das transformações históricas que ocorreram no período.

Na primeira etapa (infância: 2 meses a 1 ano), segundo Elkonin (apud


ALVAREZ, RÍO; 1996, p. 91), o processo de interlocução com os adultos que
deve acontecer sem intermediários é a tarefa mais importante, pois são
promovedoras de “neoformações psicológicas centrais no primeiro ano de
vida”. Já na segunda etapa (meninice precoce: 1-3 anos), há uma ênfase no
processo de contato manual com os objetos. Com isso, o infante vai se
apropriando dos recursos sociais disponíveis, através da manipulação
(assimilação), trazendo as referências do que foi adquirido na etapa anterior.
Na terceira etapa (idade pré-escolar: 3-7 anos) surge o jogo, como atividade
diretora principal, sendo responsável por introduzir na criança as condutas e
regras da sociedade ao qual está inserida, balizando seu comportamento
social. Para Rangel, (1999) o acesso ao arcabouço social será promovedor de
uma readaptação da capacidade de se comunicar, bem como da utilização dos
utensílios desenvolvidos pelos homens.

A quarta etapa (idade escolar: 7-13 anos) a ênfase recai sobre o


“estudo, em que a captação abstrata e descontextualizada da informação se
constitui como a forma central de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo”
(ALVAREZ; RÍO; 1996, p. 91). E por fim, na quinta etapa (13-17 anos:
adolescência) teremos uma atividade diretora calcada nas trocas interpessoais
e as dificuldades sociais serão o escopo das suas trocas com os demais
integrantes do meio. Cabe ressaltar que as trocas existentes também serão
tomadas como objetos de discussão entre os adolescentes (RANGEL, 1999).

Implicações para a aprendizagem

Segundo Mello (2004, p. 140) a teoria de Vygotsky enfatiza que “o papel


da educação é garantir a criação de aptidões que são inicialmente externas aos
indivíduos e que estão dadas como possibilidades nos objetos materiais e
intelectuais da cultura”. Para que isto ocorra faz-se importante que seja
facilitado o acesso dos jovens ao já construído pela sociedade, que perpassa
as gerações.

Vygotsky não faz distinções entre as pessoas que são consideradas


educadoras. Podendo ser os pais, os docentes, um colega ou amigo com mais
experiência. Portanto, para Vygotsky não devemos centralizar a aprendizagem
em uma única figura, nem a supremacia da mesma sobre os demais agentes
educacionais (SANTOS, 2003; MELLO, 2004).
Assim, podemos perceber o quanto a pessoa é ativa no seu processo de
aprendizagem. As instituições educacionais são muito valorizadas. Pois, o
ensino escolar era enfatizado por Vygotsky como um facilitador ao acesso aos
conhecimentos construídos pela sociedade. “Daí porque o ensino envolve a
mediação do professor, isto é, ele através de instrumentos semióticos, realiza a
intermediação entre os conhecimentos científicos já produzidos pela sociedade
e os esforços dos alunos em incorporá-los” (ISAIA, 1998).

Referências

ALVAREZ, Amelia; RÍO, Pablo. Educação e desenvolvimento: a teoria de


Vygotsky e a zona d desenvolvimento próximo. In: COLL, César; PALACIOS,
Jesús; MARCHESI, Alvaro (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e
educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1996.

BORTOLANZA, Ana; RINGEL, Fernando. Vygotsky e as origens da teoria


histórico-cultural: estudo teórico. Educativa, Goiânia, v. 19, n. 1, p. 1020-1042,
set./ dez, 2016.

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Debate. São Paulo: Ática, 2003.

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ensino e aprendizagem. In: COLL, César; PALACIOS, Jesús; MARCHESI,
Alvaro (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da
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psico-epistemológica da educação. In: FREITAS, Maria. Vygotsky – um
século depois. Juiz de Fora: EDUFJF, 1998. p. 21-34.

MELLO, Suely. A Escola de Vygotsky. In: CARRARA, K. (Org.) Introdução à


psicologia da educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004

MOREIRA, Marco. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: 2003.

OLIVEIRA, Marta. Pensar a Educação: contribuições de Vygotsky. In:


CASTORINA, José. et al. Piaget – Vigostsky: Novas Contribuições para o
Debate. São Paulo: Ática, 2003.
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REGO, Teresa. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação.


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SANTOS, Bettina. Vygotsky e a teoria histórico-cultural. In: LA ROSA, Jorge.


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EDIPUCRS, 2003. P. 121-148.

SOUZA, Solange. A psicologia do desenvolvimento e as contribuições de Lev


Vygotsky. In: FREITAS, Maria. Vygotsky – um século depois. Juiz de Fora:
EDUFJF, 1998. p. 35-46.
Unidade 11 – PSICANÁLISE - Parte 1

Na presente unidade será abordada uma parte da teoria psicanalítica, a


partir dos conceitos de seu fundador, Sigmund Freud. Para tanto, iniciaremos
com a cronologia, de forma resumida, pois não cabe aqui um extenso relato
sobre sua vida e obra, já que existem muitas biografias que contemplam com
mais profundidade a trajetória pai da psicanálise.

Cronologia de Freud

O nascimento de Freud ocorreu no dia 06 de maio de 1856 na Morávia.


A vida de Freud é permeada por acontecimentos que preconizavam que ele
seria uma pessoa com reconhecimento e fama, o que levou sua família a
investir na sua formação. Fruto de uma família de origem judaica viveu a maior
parte de sua vida em Viena, cidade a qual teve que abandonar pela ascensão
do nazismo, indo para Londres, onde morreu no dia 23 de setembro de 1939
(KUPFER, 2002; SHIRAHIGE; HIGA, 2004). Uma curiosidade é ressaltada por
Mannoni (1994): Freud, quando tinha 22 anos troca seu prenome de
Sigismund, para Sigmund.

No ano de 1873, Freud ingressa no curso de Medicina, em Viena. Ele


tinha o interesse na Neurologia, mais especificamente em compreender as
chamadas doenças nervosas e buscava aprofundar-se no estudo das mesmas.
Gostava realmente era de pesquisar, mas devido as suas dificuldades
financeiras, acabou ingressando na clínica médica. “Seus pressupostos
básicos surgiram não só dos estudos em Neurologia como também de sua
preocupação terapêutica com os doentes mentais” (SHIRAHIGE; HIGA, 2004,
p. 14).

Mannoni (1994) complementa referindo que foi a partir do seu


conhecimento em neurologia que Freud ingressa na atividade clínica, no ano
de 1882, mas que, no ano seguinte, por sentir-se insatisfeito com o seu
trabalho começa a frequentar o serviço de psiquiatria de Meynert. Em 1885,
Freud vai para Paris estudar com Charcot os fenômenos histéricos e os
resultados da sugestão hipnótica. Segundo Shirahige e Higa (2004) o que
chamou a atenção de Freud, ao frequentar o curso de Charcot, foi o fato que
os pacientes, mesmo não estando mais sobre os efeitos da hipnose,
realizavam as orientações dadas pelo hipnotizador. Com isto, acabava se
refutando os aspectos físicos ou neurológicos que impediam determinadas
condutas dos pacientes e que se expressavam por sintomas diversos, como
vômitos, paralisias, convulsões, entre outros. Assim, “Freud concluiu que não
apenas os conteúdos conscientes influenciavam o comportamento humano,
mas também os inconscientes (SHIRAHIGE; HIGA, 2004, p. 15)”. Portanto, as
conclusões do Freud sobre seus estudos, na época, acabaram por alicerçar a
teoria que viria a construir posteriormente.

Complementando, Nasio (1999) salienta que Freud parte do


conhecimento de si mesmo, da sua história de vida para construir uma teoria,
que buscava identificar a origem dos comportamentos cotidianos dos outros. A
partir de uma minuciosa busca por conhecer os fenômenos psíquicos em si
mesmo, ele teorizou sobre a construção da vida psíquica de cada um de nós.
Ele buscava, inicialmente, analisar na sua história o que vislumbrava acontecer
na vida dos seus pacientes. Freud não tinha medo de se conhecer
intimamente, procurava conhecer os aspectos mais obscuros da vida psíquica
dos seres humanos.

Inconsciente

Um dos constructos fundamentais que embasam a obra freudiana é o de


inconsciente. Segundo Roudinesco (2019), poderíamos fazer a analogia com
um iceberg que apresenta uma parte visível para quem está olhando sobre as
águas e outra submersa, que não se consegue, normalmente, enxergar, está
escondida. Nas palavras da autora:

as duas partes são diferentes: aquela invisível é mais


importante do que a visível, e também mais perigosa,
porque permanece encoberta. É isto o inconsciente: a parte
submersa da montanha branca, composta de vários níveis,
com trincheiras, passarelas e labirintos. Podemos compará-
la a uma casa flutuante cujos contornos não conseguimos
definir, mas cuja presença sentimos (ROUDINESCO, 2019,
p. 11-12).

A partir da noção da existência de inconsciente, Kupfer (2002) e Nasio


(1999) referem que acaba a nossa capacidade de gerenciar nossos atos e
nossas palavras, pois não temos o domínio sobre eles. O inconsciente, então
mostra que por mais que nos esforcemos para dominar nossas ações
cotidianas, nossas falas, não temos o controle sobre elas. Nas palavras de
Nasio (1999, p. 33): “esses atos podem ser condutas corriqueiras, como por
exemplo, os atos falhos, os esquecimentos, os sonhos, ou mesmo o
aparecimento repentino desta ou daquela ideia”.

Assim, se não temos o controle, como vamos garantir nosso


comportamento, nosso dizer, que muitas vezes acreditamos requerer uma
precisão, para que o outro o compreenda, sem a possibilidade de equívocos?
Pois é, não temos como dar garantias.

Podemos concluir que também não podemos garantir qual o uso e qual
interpretação que as pessoas farão com o nosso dizer, pois elas também têm
um inconsciente que não é controlável e que exerce sua força constantemente.
Kupfer (2002, p. 96-97) reforça que “em qualquer atividade humana, o
imponderável, o imprevisto, o que se desvanece, o que nos escapa” precisa ser
considerado, quando acreditamos na existência de um inconsciente.

Sintoma

O conceito de sintoma, para a psicanálise, é diferente do utilizado no


nosso dia a dia, quando vamos ao médico, por exemplo, e queremos acabar
com a doença, com aquele sintoma que nos aflige. Ocariz (2003) ressalta que
a construção de Freud sobre o significado de um sintoma, justamente delimita
o início da psicanálise e a desvinculação com a psiquiatria. A autora
complementa: “o sintoma implica uma dimensão subjetiva... Esta dimensão
subjetiva é problemática porque surgem o equívoco, o engano, a simulação e a
mentira. A psicanálise lida com todas essas variáveis (2003, p. 15)”.
Jorge (2019) refere que Lacan buscou explicar e comprovar que Freud
concebia o sintoma como uma linguagem. Para a psicanálise, é “determinado
simbolicamente, o sintoma, no sentido lato do termo, é o resultante que
expressa um conflito psíquico ao modo de uma formação de compromisso
entre o desejo e as defesas (JORGE, 2019, p. 68)”. Podemos pensar que, para
a psicanálise, um sintoma revela uma conflitiva, mesmo que inconsciente para
quem sofre, mas que revela algo do seu criador.

Pulsão

O conceito de pulsão na teoria psicanalítica, segundo Laplanche e


Pontalis (1998, p. 394) refere-se a um “processo dinâmico que consiste numa
pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo
tender para um objetivo”. Freud, em 1905, nos Três Ensaios de Uma Teoria
Sexual introduz o termo, ainda sem prestar o esclarecimento se devemos
considerar a pulsão como sendo originária do nosso psiquismo ou não
(GARCIA-ROZA, 2008).

Em certas passagens Freud fala em “pulsão” dando a entender


que o termo designa estímulos constantes provenientes do
próprio corpo (à diferença dos estímulos externos que não são
constantes), e outras vezes emprega o termo “pulsão” para
designar o “representante psíquico” (die psychische
Repräsentanz) desses estímulos, e neste caso a pulsão seria
psíquica (GARCIA-ROZA, 2008, p.82).

Cabe salientar que Freud não localiza a pulsão como sendo de origem
orgânica ou psíquica, mas sim situada entre os dois (CHEMAMA, 1998;
GARCIA-ROZA, 2008; BIRMAN, 2018). GARCIA-ROZA (2008, p. 82) vai dizer
que: “no mesmo parágrafo em que introduz a ideia de “representante psíquico”,
declara, num acréscimo feito em 1915, que a pulsão é um conceito que se situa
na fronteira entre o anímico e o corporal” e Birman (2018) salienta que tal
referência implica em considerar a pulsão na fronteira entre um e outro.

Para finalizarmos a conceituação de pulsão, ressaltamos que Freud


refere-se a pulsões, isto mesmo, no plural. Podemos dizer que existem pulsões
de vida e as de morte (CHEMAMA, 1998; GARCIA-ROZA, 2008; BIRMAN,
2018), expressando uma dualidade. Garcia-Roza (2004) refere que no trabalho
de Freud intitulado Além do Princípio de Prazer, datado de 1920, que foi
definida a pulsão de morte, em que o caráter dual se torna permanente: “as
pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação são unificadas sob o nome
de pulsões de vida, cuja energia é a libido, e contrapostas à pulsão de morte,
cuja energia é a destrutividade” (GARCIA-ROZA, 2008, p. 37). Para finalizar
Kupfer (2002) que a pulsão de morte busca levar o sujeito para a inatividade,
sem a necessidade de manter a pessoa viva e nem em perpetuar a espécie
humana, como ocorreria quando estamos sem vida, mortos.

Instâncias Psíquicas

Vamos falar sobre o aparelho psíquico e as instâncias psíquicas que o


compõe. Elas são três: o Id (isso), o ego (eu) e o superego (supereu).
Iniciaremos pelo Id. Nas palavras de Freud (2015):

Chegamos ao conhecimento desse aparelho psíquico por meio


do estudo do desenvolvimento individual do ser humano.
Chamamos de isso a mais antiga dessas províncias ou
instâncias psíquicas. Seu conteúdo é tudo aquilo que é
herdado, trazido com o nascimento, estabelecido
constitucionalmente; sobretudo, portanto, os impulsos que
provêm da organização física, impulsos que aqui encontram
uma primeira expressão psíquica cujas formas nos são
desconhecidas (FREUD, 2015, p. 48).

Laplanche e Pontalis (1999) reforçam que o termo foi descrito por Freud
no seu trabalho intitulado o Ego e o Id, datado de 1923 e que podemos
considerá-lo de duas formas: econômico e dinâmico. A primeira consideraria o
id como um depósito inaugural da força psíquica dos seres humanos e a
segunda forma como a instância que entra em atritos com as outras duas
instâncias psíquicas.

Agora falaremos sobre o ego. Freud (2015) vai referir que o Ego surge a
partir de uma diferenciação do id que este ao ter contato com o mundo externo,
no advento do nosso nascimento, acaba por se constituir. “O eu dispõe dos
movimentos voluntários. Ele tem a tarefa de autoconservação; cumpre-a para
fora (...) cumpre-a para dentro em relação ao isso obtendo o domínio sobre as
exigências dos impulsos (FREUD, 2015, p. 48).

Para a psicanálise, segundo Nasio (1999) o Ego (eu) não se refere a


uma pessoa, mas sim a uma das instâncias psíquicas que apresenta algumas
características: ser constituída de concepções predominantemente
inconscientes, mas que apresentam também aspectos pré-conscientes e
conscientes. Outra característica seria que ele estaria situado na fronteira entre
o interior, representado pelo id, e o ambiente exterior aos sujeitos. Uma terceira
característica seria uma forte capacidade para perceber as demandas internas
ou externas, juntando e organizando as pulsões provenientes do interior do
organismo com o meio ambiente, o externo ao sujeito. Sua origem é do Id
(isso), como se uma parte tivesse se desprendido dele. Seu crescimento sofre
influência das repetidas similaridades com os diferentes objetos pulsionais que
o id está objetivando, sejam estes de cunho sexual ou que foram construídos.
“E enfim uma relação exclusiva com o corpo, na medida em que o eu se define
como a projeção mental da superfície do corpo próprio, mais exatamente como
a projeção mental dos contornos do nosso corpo” (NASIO, 1999, p. 78).

A terceira instância psíquica é o superego. Nas palavras de Freud


(2015):

Como precipitado do longo período de infância durante o


qual o ser humano em desenvolvimento vive na
dependência de seus pais, forma-se no seu eu uma
instância especial em que essa influência parental tem
continuidade. Ela recebeu o nome de supereu. Na medida
em que esse supereu se separa do eu ou a ele se
contrapõe, ele é um terceiro poder que o eu tem de levar em
conta.Na influência parental não agem apenas a índole
pessoal dos pais, mas também a tradição familiar, racial e
popular por eles reproduzida, bem como as exigências do
respectivo meio social por eles representadas.Da mesma
forma, no curso do desenvolvimento individual o supereu
acolhe contribuições da parte de posteriores continuadores
e substitutos dos pais, como educadores, modelos públicos
e ideias respeitados na sociedade (FREUD, 2015, p. 50-51).

Podemos perceber, ao realizar a leitura das ideias de Freud, o quanto


recebemos influências, para a construção da nossa forma de pensar e agir de
pessoas que nos cercam. Elas podem ser oriundas do ambiente familiar ou do
ambiente social que começamos a frequentar, muitas vezes na nossa tenra
infância e que vão então contribuir para nossa forma de nos comportar em
relação as demandas provenientes do mundo.

Fases do desenvolvimento

Antes de falarmos das fases do desenvolvimento, para a psicanálise,


temos que definir o termo libido. Segundo Laplanche e Pontalis (1999, p. 265-
266) designaremos por esse termo a “energia postulada por Freud como
substrato das transformações da pulsão sexual quanto ao objeto
(deslocamentos dos investimentos), quanto a meta (sublimação por exemplo) e
quanto a fonte da excitação sexual (diversidade das zonas erógenas)”.

Ao longo do nosso desenvolvimento a libido erotiza determinados órgãos


do corpo humano, que caracterizará assim uma fase de desenvolvimento
(RAPPAPORT, FIORI, DAVIS, 2003), que são em número de quatro (4): a oral,
a anal, a fálica e a genital. Falaremos também da latência, que não é
considerada uma fase de desenvolvimento, mas que acreditamos ser
importante ser abordada por sua relevância para a compreensão do processo
como um todo.

Iniciaremos pela fase oral, que compreende o primeiro e o segundo ano de vida
do bebê. Freud (2015) vai referir que no início da vida dos seres humanos a
boca é a zona erógena que dará prazer ao bebê. “No sugar da criança, em que
ela insiste com obstinação, mostra-se muito cedo uma necessidade de
satisfação que (...) aspira pelo ganho de prazer independentemente da nutrição
e que por isso pode e deve ser chamada de sexual” (FREUD, 2015, p.64).

A fase anal, que ocorre no 2º ano de vida da criança até por volta dos
três anos e meio, quem assume como zona erógena é o ânus (SHIRAHIGE,
HIGA, 2004). Segundo Freud (2015) a gratificação é oriunda do expulsar e
controlar as fezes. Nas palavras de Laplanche e Pontalis (1999, p. 185): “a
relação de objeto está impregnada de significações ligadas à função de
defecação (expulsão-retenção) e o valor simbólico das fezes”.
A seguir, temos a fase fálica, que ocorre por volta dos três ou quatro
anos de idade da criança. Aqui, os órgãos genitais assumem como zona que
dá prazer a criança, sendo considerado o foco de descobertas pelo infante.
“Denomina-se fase fálica porque o pênis (=falo) é o principal objeto de
interesse da criança de ambos os sexos. Na menina, o clitóris é o
correspondente feminino de pênis” (SHIRAHIGE, HIGA, 2004, p. 28).
Laplanche e Pontalis (1999) vão referir que na fase fálica a uma junção das
pulsões parciais, que acabam por perder a prioridade para os órgãos genitais.

Posteriormente, temos o período de latência, que é caracterizado por um


‘adormecimento’ da libido. Assim, a criança após o intenso período passado na
fase fálica, com a vivência do Complexo de Édipo, que será descrito
posteriormente, vive uma calmaria. Shirahige e Higa (2004, p. 34)
complementam, citando Freud, diz que ocorre certa “estabilidade, mas
fundamental para a aquisição de habilidade, valores e papéis culturalmente
aceitos”. Chemama (1995) vai dizer que este momento, que ocorre dos cinco
anos da criança até antes da adolescência as vivências sexuais da criança
sofrem os efeitos do recalcamento.

Shirahige e Higa (2004) ressaltam que, segundo a psicanálise,


normalmente no final da fase fálica, os alicerces da personalidade de cada um
de nós está constituída. Assim, podemos perceber o quanto o início da vida, os
anos iniciais de uma pessoa são fundamentais e irão influenciar toda a vida
posterior dela.

E por fim, mas não menos importante temos a fase genital.

Ao perguntarem a Freud, em sua velhice (...) como definiria um


homem adulto normal, ele respondeu apenas que o homem
normal era aquele que é capaz de “amar e trabalhar”. Alcançar
a fase genital constitui, para a psicanálise, atingir o pleno
desenvolvimento do adulto normal (RAPPAPORT, FIORI,
DAVIS, 2003, p. 33).

O que caracterizaria a fase genital? Segundo Shirahige e Higa (2004)


esta fase do desenvolvimento inicia na adolescência, etapa que vai se
caracterizar pelas possibilidades de um vínculo afetivo ser construído.
Anteriormente, a libido estava centrada nas zonas erógenas localizadas no
corpo da criança. Agora, pode voltar-se para o outro, em uma possibilidade de
estabelecer trocas afetivas, a busca por descobrir qual a sua vocação
profissional e construir uma família estão em foco na fase genital. Chemama
(1995) refere que ocorrerá uma ação conjunta das pulsões parciais, que serão
regidas, a partir da adolescência, pela zona genital que assume importância
fundamental.

Complexo de Édipo

Para finalizarmos a presente unidade, trabalharemos o Complexo de


Édipo, que ocorre na fase fálica do desenvolvimento. Cabe fazermos uma
ressalva, salientando que é um processo diferente que ocorre no menino e na
menina.

Freud (2015) refere que ambos apresentam uma atividade intelectual


bastante elevada que estaria centrada na busca pelo conhecimento sobre a
sexualidade, sendo que o pênis, no início é para meninos e meninas como o
único órgão existente para ambos os sexos. Aqui inicia a diferença que
caracteriza o processo.

O menino entra na fase edípica, começa a atividade manual


com o pênis enquanto tem fantasias com alguma atividade
sexual envolvendo esse órgão e a mãe, até que, devido a
ação conjunta de uma ameaça de castração e da visão da
ausência de pênis na mulher, experimenta o maior trauma
de sua vida, que dá início ao período de latência com todas
as suas consequências. A menina, depois da tentativa
frustrada de imitar o menino, experimenta o reconhecimento
de sua falta de pênis – ou melhor, da inferioridade do seu
clitóris – com consequências duradouras para o
desenvolvimento do seu caráter (...) (FREUD, 2015, p. 66).

Rappaport, Fiori e Davis (2003) salientam que todo o processo é


inconsciente. É no campo da fantasia que se desenvolve toda a conflitiva
edipiana. Garcia-Roza (2008) salienta que Freud, ao redigir uma
correspondência para Fliess no ano de 1897, referia-se a um episódio infantil
que faria parte da vida de todos, mas que ele acreditava inicialmente ser da
sua vivência exclusivamente: apresentar sentimentos amorosos endereçados a
figura materna e, concomitantemente, a raiva que era dirigida ao pai.

Finalizamos aqui a unidade 11. Na seguinte iremos abordar mais alguns


conceitos da psicanálise que são importantes para a compreensão do material
como um todo.

Referências

BIRMAN, Joel. As Pulsões e seus Destinos: do corporal ao psíquico. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

CHEMAMA, Roland. Dicionário de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 1995.

FREUD, Sigmund. Compêndio de Psicanálise. Porto Alegre: L&PM, 2015.

GARCIA-ROZA, Luiz. Introdução a Metapsicologia Freudiana: volume 3 –


artigos de metapsicologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

JORGE, Marco. Fundamentos da Psicanálise: de Freud a Lacan, volume 1 –


as bases conceituais.Rio de Janeiro: Zahar, 2019.

KUPFER, Maria Cristina. Freud e a Educação: o mestre do impossível. Recife:


Scipione, 2002.

LAPLANCHE; Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário de Psicanálise.


São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MANNONI, Octave. Freud: uma biografia ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 1994.

NASIO, Juan-David. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

OCARIZ, Maria Cristina. O Sintoma e a Clínica Psicanalítica: o curável e o


que não tem cura. São Paulo: Via Lettera Editora e Livraria, 2003.
ROUDINESCO, Élisabeth. O inconsciente explicado ao meu neto. São
Paulo: Editora UNESP, 2019.

RAPAPPORT, Clara. Modelo Piagetiano. In: RAPPAPORT, Clara, FIORI,


Wagner; DAVIS, Cláudia. Teorias do Desenvolvimento: conceitos
fundamentais. São Paulo: EPU, 2003.

SHIRAHIGE; HIGA. Elena; HIGA, Marília. A Contribuição da Psicanálise à


Educação. In: CARRARA, Kester (Org.). Introdução à Psicologia da
Educação. São Paulo: Avercamp, 2004.
Unidade 12 – PSICANÁLISE – Parte 2

Na presente unidade do nosso material, abordaremos outros conceitos que


são importantes para compreendermos as articulações entre a teoria
psicanalítica e a aprendizagem. Para tanto, iniciaremos com os mecanismos de
defesa e no final faremos algumas associações que acreditamos serem
pertinentes para a construção do arcabouço teórico de cada um de vocês, que
poderão também buscar estabelecer suas próprias articulações.

Mecanismos de defesa

Iniciaremos pelos mecanismos de defesa. Eles são processos utilizados


pelo ego para a sua defesa contra os sentimentos de angústia (CHEMAMA,
1995; LAPLANCHE; PONTALIS, 1999; RAPPAPORT; FIORI; DAVIS; 2003;
SHIRAHIGE; HIGA, 2004; CAMPOS, 2018). Chemama (1995, p. 38) refere que
os mecanismos de defesa são observados nas diferentes estruturas: “a
conversão somática na histeria; o isolamento, a anulação retroativa e as
formações reativas na neurose obsessiva; a transposição do afeto na fobia; a
projeção na paranóia”.

Cabe ressaltar que são processos inconscientes. Isto é o ego não tem a
consciência que utiliza determinados mecanismos de defesa para se proteger
das ameaças que o assolam. Rappaport e colegas (2003) salientam que eles
são observados nos escritos de Freud, mas quem se dedica a explicá-los mais
detalhadamente é sua filha, Ana Freud, no livro intitulado “O Ego e os
Mecanismos de Defesa”.

Vamos apresentar alguns deles para vocês. Iniciaremos pelo mecanismo de


defesa intitulado de repressão.
Repressão. No mecanismo da repressão temos o afastamento da nossa
percepção consciente de algo que vai nos causar um mal-estar (CHEMAMA,
1995; SHIRAHIGE, HIGA, 2004).

Negação–negamos aspectos que nos causariam mágoas. Rappaport e


colegas (2003) citam como exemplo o hábito de fumar, que por mais que o
fumante saiba dos prejuízos a sua saúde, como a possível ocorrência de
doenças pulmonares, ele continua com o seu hábito. Nas palavras de
Kaufmann (1996, p. 356): “o sujeito nega qualquer articulação entre si mesmo e
um conteúdo que ele exprime”.

Projeção– No mecanismo da projeção o indivíduo coloca em outra pessoa,


projeta, pulsões e aspectos que geram ansiedade em si (FRIEDMAN,
SCHUSTACK, 2004; SHIRAHIGE, HIGA, 2004, p. 25). Rappaport e colegas
(2003) citam o exemplo de uma genitora que não consegue proteger a sua
prole e que, com isso, gera dificuldades nas crianças e acaba por depositar a
responsabilidade na docente que não seria competente o suficiente para
ensinar adequadamente os alunos, no caso seus filhos.

Racionalização – No mecanismo de defesa denominado racionalização,


afastamos da consciência a conflitiva que nos gera sofrimento e tentamos
justificar nosso comportamento, dando muitas explicações. São explicações
que muitas vezes não convencem quem as recebe (RAPPAPORT, FIORI,
DAVIS, 2003; FRIEDMAN, SCHUSTACK, 2004).

Formação reativa – No mecanismo denominado formação reativa, segundo


Shirahige e Higa (2004, p. 25) “expressam-se sentimentos opostos ao
sentimento que produz ansiedade (...) o amor pode substituir o ódio, a gentileza
pode substituir a crueldade. Observamos aquela pessoa que odeia demais uma
outra, mas na verdade a ama, mas não pode admitir. Rappaport e colegas
(2003) ressaltam que atitudes extremamente conservadoras podem ser uma
forma de se proteger contra as ameaças oriundas da sua consciência moral,
pois poderiam acabar rendendo-se a atitudes e comportamentos não aceitas
por si.
Regressão – No mecanismo de defesa denominado de regressão, o sujeito
volta para momentos anterior do seu desenvolvimento, em comparação ao que
estão na atualidade. Isto acontece, quando estão atravessando algum
momento de conflito (RAPPAPORT, FIORI, DAVIS, 2003; FRIEDMAN,
SCHUSTACK, 2004; SHIRAHIGE, HIGA, 2004). Nas palavras de Rappaport e
colegas (2003, p.32): “é voltar a níveis anteriores de desenvolvimento, que em
geral se caracterizam por respostas menos maduras, diante de uma frustração
evolutiva”. Exemplos do nosso cotidiano podem ser vislumbrados quando, uma
criança, ao nascer o irmão, volta a fazer xixi na cama, ou chupar o dedo,
comportamentos que não eram mais observados anteriormente. Friedman e
Schustack (2004) complementam ao observarem que a regressão é mais
observada em infantes.

Deslocamento – O mecanismo de defesa denominado de deslocamento pode


ser vislumbrado, por exemplo, quando um adulto briga com outro, mas na
verdade, a raiva que sente é do chefe. O ato ou o sentimento deveria ser
dirigido para o superior, mas é direcionado para outra pessoa, como seu
subordinado (RAPPAPORT, FIORI, DAVIS, 2003; FRIEDMAN, SCHUSTACK,
2004; SHIRAHIGE, HIGA, 2004). Friedman e Schustack (2004) lembram o
caso do Pequeno Hans de Freud, que tinha o temor de ser machucado pelo
cavalo, mas que a emoção originária estava atrelada ao seu progenitor, que
era considerado pelo menino um homem forte e muito grande.

Sublimação– Segundo Rappaport e colegas (2003) a sublimação é o


mecanismo de defesa considerado mais avançado entre todos os outros já
apresentados anteriormente. “Certos impulsos inconscientes são desviados de
seus objetos primitivos para fins socialmente úteis e integram-se a
personalidade (SHIRAHIGE, HIGA, 2004, p. 27)”. Podemos citar como
exemplo, os médicos cirurgiões, que podem estar utilizando seus sentimentos
agressivos para auxiliar quem precisa de uma cirurgia (RAPPAPORT, FIORI,
DAVIS, 2003). Kupfer (2002) cita Freud para falar sobre a origem da
sublimação.

Vamos por partes: sublimar. Para Freud, as investigações


sexuais são reprimidas. E não é a Educação a maior
responsável por isso. As crianças deixam de lado a questão
sexual por uma necessidade própria e inerente à sua
constituição. Não porque lhes dizem que é "feio", mas
porque precisam renunciar a um saber sobre a sexualidade.
Precisam nada saber sobre isso. E porque não podem mais
saber sobre a sexualidade, procedem (não de modo
consciente, é claro) a um deslocamento dos interesses
sexuais para os não-sexuais. Desviam, por assim dizer, a
energia aí concentrada para objetos não-sexuais. Mas não
podem deixar de perguntar, pois a força de pulsão continua
estimulando essas crianças. Perguntam então sobre outras
coisas para poder continuar pensando sobre as questões
fundamentais (KUPFER, 2002, p. 82).

Com a explicação da sublimação, finalizamos os mecanismos de defesa. A


seguir, falaremos de dois conceitos importantes na teoria psicanalítica, que é a
transferência e o desejo de saber, para posteriormente, referirmos as
implicações para a aprendizagem da teoria psicanalítica.

Transferência

O conceito de transferência será abordado por nós a partir das


considerações do próprio “pai” da psicanálise. É um conceito que nos auxilia no
entendimento das relações que estabelecimentos com os outros. Freud (2015)
diz que o paciente ao se referir ao médico: “vê nele um retorno – uma
reencarnação – de uma pessoa importante de sua infância, de seu passado, e
por isso transfere a ele sentimentos e reações que certamente diziam respeito
a esse modelo (FREUD, 2015, p. 107-108)”. Nas palavras de Kupfer (2002,
p.88), ao referir-se a Freud, complementa: “toda uma série de acontecimentos
psíquicos ganha vida novamente, agora não mais como passado, mas como
relação atual com a pessoa do médico”.

Devemos ter claro, que a transferência é da ordem do inconsciente


(ROUDINESCO; PLON, 1998; LAPLANCHE; PONTALIS, 1999; KUPFER,
2002). Assim, não temos o domínio sobre o quais sentimentos e
comportamentos que vamos transferir na nossa relação com o outro. Além
disso, Kupfer (ibid) salienta que não é só na relação médico e paciente, que
Freud observou a transferência, mas em todas as relações humanas e em
qualquer período do nosso desenvolvimento. Freud (2015) salienta que a
transferência pode apresentar comportamentos/ afetos ambíguos, incluindo aí
os amorosos e os de hostilidade.
Desejo de saber

Para explicarmos o conceito de desejo de saber vamos recorrer aos


primórdios do desenvolvimento infantil. Kupfer (2002) e Buchvitz (2016)
referem que quando as crianças começam a querer conhecer o mundo que a
cerca, sua curiosidade é de origem sexual.

Acontece que esse lugar sexual é situado, a princípio, em


relação aos pais. Mais do que isso, em relação àquilo que
os pais esperam que ele seja. Em relação ao desejo dos
pais. O "de onde viemos" equivale a "qual é a minha origem
em relação ao desejo de vocês?; por que me puseram no
mundo, para atender a quais expectativas e esperando que
eu me torne o quê?" (para onde vamos?). De novo, o Édipo
está presente (KUPFER, 2002, p. 81).

Segundo Buchvitz (2016) a busca pelo conhecimento da origem dos


seres e a compreensão da diferença entre homens e mulheres é que são os
temas que povoam a curiosidade infantil. Assim, nasce o desejo de saber.
Kupfer (2002) reforça ao complementar, referindo que no final do Complexo de
Édipo, a curiosidade de cunho sexual deve ser reprimida. “Toda? Não. Parte
dela “sublima-se" em "pulsão" de saber, associada a "pulsões de domínio" e a
"pulsões de ver"” (KUPFER, 2002, p. 81).

Podemos perceber, após o exposto acima, o quanto o nosso desejo de


conhecer o mundo, está atrelado as primeiras descobertas realizadas na nossa
tenra infância. Curiosidade de cunho sexual que acaba se dirigindo para a
aprendizagem formal.

Implicações para a Aprendizagem

Muitas são as contribuições da psicanálise para compreendermos o


processo de aprendizagem humana. No presente material vamos apresentar
algumas.

Mariotto (2017) salienta o quanto para o criador da psicanálise a


educação é uma transmissão entre gerações e que está presente no nosso
cotidiano. “Partindo da suposição de que a relação pedagógica está implícita
na relação humana, a educação se desenvolve muito mais pelo laço que se
estabelece do que pelo conhecimento adquirido que expressamos ao outro”
(MARIOTTO, 2017, p. 37). Palavras importantes da autora, pois revelam a
importância do vínculo afetivo que deve estar presente nas relações que se
estabelecem entre quem ensina e quem está no papel de aprendente, a partir
dos conhecimentos psicanalíticos. Freud (1914) no seu trabalho intitulado
“Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” apresenta o que Mariotto,
refere no seu artigo: a importância da personalidade dos nossos mestres, que
influenciam muito mais nossa aprendizagem, do que o conteúdo ensinado.

Complementando, Shirahige e Higa (2004) referem que uma nova forma


de se enxergar o aluno é descortinada com o advento da associação entre
psicanálise e a educação. “Um ser que tem subjetividade e desejo, um ser
cujas manifestações, muitas vezes de difícil aceitação, têm seus significados,
da mesma forma que seus sintomas de não aprender (SHIRAHIGE, HIGA,
2004, p. 27).

Devemos lembrar que para a psicanálise, o sintoma apresenta uma


história. Uma história que fala justamente do processo singular de cada um.
Podemos ter o mesmo sintoma, mas que a origem está na particularidade de
cada caso. Não temos soluções mágicas que servem para todos. Portanto, ao
atenderem os pacientes ou as pessoas, levem em consideração que não
somos todos iguais.

As aprendizagens foram construídas de forma diversa, alicerçadas nas


relações estabelecidas entre diferentes sujeitos. “Podemos dizer que na
relação professor-aluno, a transferência se produz quando o desejo de saber
do aluno se aferra a um elemento particular, que é a pessoa do professor”
(KUPFER, 2002, p. 90-91). Assim, temos que levar em consideração o conceito
de transferência nas relações que se constroem, nos mais diferentes
ambientes em que seja necessária a aprendizagem humana.

A noção de inconsciente também deve ser levada em consideração. Não


somos donos do nosso dizer, nem dos nossos comportamentos. Não podemos
simplesmente deixar de nos comportar dessa ou daquela forma, porque nossos
pais, professores ou instrutores assim o desejam! Lembrem da psicanálise
quando não entenderem algo que parece ser de fácil resolução.

Referências

BUCHVITZ, Paulo. Psicanálise Infantil: O desejo de saber da criança, 2016


(e-book).

CAMPOS, Rui. O Conceito de Mecanismos de Defesa e a sua Avaliação:


Alguns Contributos. Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación –
e Avaliação Psicológica. RIDEP, nº 50, Vol.1, p. 149-161, 2019.

CHEMAMA, Roland. Dicionário de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 1995.

FREUD, Sigmund. Algumas Reflexões sobre a Psicologia do Escolar. Vol.


13. Rio de Janeiro: Imago, 2014.

FRIEDMAN; Howard; SCHUSTACK, Miriam. Teorias da Personalidade: da


teoria clássica à pesquisa moderna. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

KUPFER, Maria Cristina. Freud e a Educação: o mestre do impossível. Recife:


Scipione, 2002.

KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o legado de


Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

LAPLANCHE; Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário de Psicanálise.


São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MARIOTTO, Rosa. Algumas Contribuições da Psicanálise à Educação a partir


dos Conceitos de Transferência e Discurso. Educar em Revista, Curitiba,
Brasil, n. 64, p. 35-48, abr./jun. 2017.

RAPAPPORT, Clara. Modelo Piagetiano. In: RAPPAPORT, Clara, FIORI,


Wagner; DAVIS, Cláudia. Teorias do Desenvolvimento: conceitos
fundamentais. São Paulo: EPU, 2003
SHIRAHIGE; HIGA. Elena; HIGA, Marília. A Contribuição da Psicanálise à
Educação. In: CARRARA, Kester (Org.). Introdução à Psicologia da
Educação. São Paulo: Avercamp, 2004.

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