USF EAD U1 Língua Brasileira de Sinais
USF EAD U1 Língua Brasileira de Sinais
USF EAD U1 Língua Brasileira de Sinais
UNIDADE 1
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CONHECENDO A LÍNGUA BRASILEIRA
DE SINAIS
INTRODUÇÃO
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB) e a Política Nacio-
nal de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, os estudantes
com deficiência, síndrome ou transtorno devem ser matriculados, preferencialmente, no
ensino regular. Foi a partir dessa política que a educação inclusiva começou no Brasil,
pois ela configurou o público que seria atendido e como deveria ser organizado esse
trabalho pedagógico. Também é preciso registrar que há uma discussão a respeito da
nova “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado
ao Longo da Vida” de 2020, que ainda está em discussão, com sua aprovação pendente.
Embora a política de 2008 preconize que alunos com surdez devem ser incluídos em salas
de aula do ensino regular, o que ocorre, no cotidiano escolar, é o contrário: pois então, as
políticas contribuem ou não para a inclusão? No contexto da sala de aula, há indícios de
que discentes com surdez têm professores que desconhecem o processo de ensino e de
aprendizagem que envolve as pessoas com surdez, principalmente sua história e caracte-
rísticas próprias, que fazem toda a diferença na organização do trabalho em sala de aula.
Apesar de toda a evolução pela qual o país passou em relação ao respeito e a aceitação
de todo e qualquer ser humano, ainda hoje acontecem situações em que as pessoas
com surdez precisam se adequar aos padrões da sociedade, ou seja, à sociedade ou-
vinte. Podemos apontar que o principal aspecto que vigora é tratar-se de uma socieda-
de ouvintista, então as pessoas que não estão “de acordo” precisam buscar alternativas
para se aproximar da norma.
Muitas vezes o ouvinte não percebe o quanto depende da audição em situa-
ções cotidianas, porém quando passa a viver em um “novo mundo”, conhe-
cendo o povo surdo e vivenciando algumas experiências em que essa de-
pendência não existe, ocorre o choque cultural (PEIXOTO et al., 2018, p. 32).
Peixoto et al. (2018, p. 32) explicam que somos tão acostumados a viver no mundo baru-
lhento que nem nos damos conta da importância que isso tem para nossas vidas, assim
como não refletimos acerca da situação que pode estar vivendo a pessoa que não escuta.
EXEMPLO
Ouvimos o som da televisão enquanto lavamos a louça ou fazemos a comida, ouvimos o
rádio enquanto limpamos a casa, trabalhamos e conversamos ao mesmo tempo, podemos
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andar de bicicleta e falar com alguém que está nos acompanhando. Esses são alguns exem-
plos de ações simultâneas que nós ouvintes fazemos sem dificuldades e sem perceber que
são extremamente difíceis, ou até mesmo impossíveis para quem tem surdez.
1
Refletir e discutir sobre a aquisição da língua de sinais, tanto por crianças com surdez
quanto por crianças ouvintes, no ensino regular, é outra atitude de extrema importância,
para que futuros professores, psicólogos e outros profissionais tenham mais conhe-
cimento sobre área. E essa deve ser uma preocupação comum a toda a sociedade,
mesmo sem conviver diretamente com um surdo é importante conhecer e respeitar a
Língua de Sinais.
Nesta unidade, você vai estudar sobre: a apresentação da Libras no contexto escolar; mar-
cos legais, pedagógicos, educacionais e sociais relacionados à educação de pessoas com
surdez no Brasil; o ensino comum e o Atendimento Educacional Especializado (AEE); e a
aquisição de uma língua de sinais por crianças surdas e ouvintes no ensino regular.
Giodani (2012, p. 66) aponta a diferença como algo positivo, e não negativo, não com
o olhar da falta. Somos todos diferentes e nos constituímos por meio dessas diferen-
ças. Logo, uma pessoa usa óculos e outra não, uma pessoa é alta e outra não, uma
pessoa usa cadeira de rodas e outra não. Cada um de nós é diferente por seus gostos,
vontades e costumes, ou então por suas características físicas, intelectuais, sensoriais
ou sociais. Assim, quando olhamos a surdez por esse viés da diferença, favorecemos
a compreensão de que as pessoas com surdez se diferenciam dos ouvintes sim, talvez
pela comunicação, pelos aspectos culturais, pelo modo de agir ou simplesmente pelo
modo de ver o mundo, mas não por isso deixam de ser seres humanos.
Quanto ao conceito de cultura, Vieira e Peixoto (2018, p. 8) salientam que ela “[...] se
faz por um processo contínuo, resultado de uma interação entre os sujeitos, vemos que
a cultura de um determinado povo parte de cada um para então ser de um todo, pois
cada peça é fundamental para a sua construção”. Posto de outro modo, cada um de
nós compõe o grupo cultural do qual fazemos parte, seja ele de origem étnica, religiosa,
social, cultural ou outro.
Quando vivemos uma cultura, aprendemos os costumes e formas de viver, de pensar e agir
das pessoas que a compõem, e isso vai nos constituir como membros culturais.
A comunidade ouvinte tem seus costumes e hábitos permeados, em sua maioria, por
experiências auditivas, ao passo que a comunidade surda os tem por meio das experi-
ências visuais. Ambas se compõem de artefatos culturais muito parecidos, diferencia-
1 dos, em sua maioria, apenas pela forma de expressão e recepção das informações.
Além dessas diferenças, outra que se destaca é a língua utilizada pela comunidade. De
acordo com Giordani (2012, p. 71), “[a] comunidade de surdos se identifica essencial-
mente pela língua que usa”, língua essa que, juntamente com outros aspectos culturais,
vai auxiliar na construção da identidade surda. No caso do Brasil, usa-se a Língua Bra-
sileira de Sinais, também conhecida por Libras. Deve-se deixar claro que cada país tem
a sua língua de sinais.
Em complemento, Harrisson (2011, p. 54) frisa que “[...] a língua brasileira de sinais e a
língua americana de sinais (American Sign Language – ASL) têm como influência comum
a língua francesa de sinais”. Em outras palavras, os sinais usados no Brasil e nos EUA se
aproximam muito dos sinais franceses, mas apenas são parecidos, e não iguais.
Com o movimento da inclusão social e educacional, muitos aprendizes com surdez pas-
saram a fazer parte da escola regular, sendo necessário fazer algumas adaptações. Uma
das adaptações que mais se destaca diz respeito à língua utilizada por esse grupo, a
língua de sinais, que deveria fazer parte do currículo de todas as escolas brasileiras por
ser reconhecida como forma de expressão das pessoas com surdez (MACHADO, 2006).
IMPORTANTE
Inicialmente, é basilar compreender que há uma diferença entre surdez e deficiência audi-
tiva, de acordo com a quantidade de decibéis de audição que a pessoa tem. Isso influencia
na forma de se comunicar e de viver no mundo, pois muitas pessoas com deficiência auditiva
não fazem uso da língua de sinais, pois escutam um pouco e desenvolvem a leitura labial. Do
mesmo modo, algumas pessoas com surdez também não usam a língua de sinais para se
comunicar, pois também utilizam a leitura labial ou outras formas de comunicação. Logo, de-
pendendo da perspectiva, podemos ter dois pontos de vista a respeito da deficiência auditiva
e da surdez. Do ponto de vista orgânico, são sinônimos utilizados para se referir a qualquer
tipo de perda auditiva em grau leve, moderado, severo ou profundo, em um ou ambos os
ouvidos. Da perspectiva histórica e cultural, enfatiza-se diferentes modos de vivenciar as
diferenças de audição.
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Essas experiências, mediadas por formas alternativas de comunicação simbólica, en-
contram na língua de sinais seu principal meio de concretização. Também, entende-se
ser uma realidade heterogênea e multifacetada, sendo que cada pessoa é única e cons-
truirá sua identidade a partir das suas experiências sociais e culturais. Dessa forma, 1
compreende-se que as pessoas com surdez têm direito a ter uma educação bilíngue,
É importante levar em consideração que o fato de ter uma deficiência auditiva não signifi-
ca que a pessoa vai fazer uso da língua de sinais, que vai vivenciar a cultura surda e nem
ter uma identidade surda. Tudo vai depender da forma como ela se percebe no mundo,
como ela se reconhece enquanto ser humano. A respeito das causas para a deficiência
auditiva, podemos dividi-las em três tipos, tal como explanada no Quadro abaixo.
Quadro 01. Causas da surdez
CAUSAS
` Virose, rubéola, sarampo, toxoplasmose, citomegalovírus (doenças infectocontagiosas).
` Consanguinidade.
` Exposição à radiação.
` Sofrimento fetal
Anóxia
Fórceps
` Sífilis, herpes
` Pré-maturidade, pós-maturidade
` Sarampo, caxumba e meningites
` Medicações tóxicas
` Traumatismos cranianos
Fonte: elaborado pela autora.
Conhecer essas causas não vai orientar a organização do trabalho pedagógico do pro-
fessor, porém, possibilita o entendimento do que pode ter mais comprometimentos ou
não em razão da causa da sua deficiência, fazendo assim com que o professor possa
1 buscar melhores estratégias de ensino e talvez ir por outros caminhos, mesmo que não
a língua de sinais.
Como destacado anteriormente, nem todas as pessoas com surdez/deficiência vão utili-
zar a língua de sinais para se comunicar. Essa “escolha” tem relação com o modo como
essas pessoas se percebem: com deficiência auditiva, usando aparelho e buscando por
meio da leitura labial sua forma de comunicação; ou então as com surdez que fazem
uso da Libras como forma de comunicação.
É essencial refletir também sobre as pessoas que possuem outras deficiências ou co-
morbidades associadas. No caso de uma deficiência física, por exemplo, essa pessoa
pode precisar de uma adaptação dos sinais, talvez por não conseguir realizar os movi-
mentos da forma “correta” por limitações do seu corpo. Em todos os casos são neces-
sários alguns cuidados por parte do professor.
EXEMPLO
No caso da pessoa que usa a leitura labial, o discente precisa estar sentado bem na frente
da sala, o professor precisa falar sempre deixando que o discente possa ver seus lábios, tam-
bém usar muito os recursos visuais em suas aulas. Já com a pessoa que usa Libras, o docen-
te também vai precisar de muitos materiais visuais, de um intérprete ou que ele mesmo saiba
sinalizar. Enquanto que, caso haja um discente que tenha deficiências ou comorbidades as-
sociadas, faz-se necessário reorganizar os sinais de uma maneira que ele possa realizá-la.
As pessoas com surdez já passaram por diferentes momentos ao longo dos tempos, e,
aos poucos, estão construindo e conquistando o seu espaço na sociedade, porém essa
não é uma tarefa fácil. Exige dedicação, paciência e muita persistência. Porém, também
exige que as pessoas ouvintes se coloquem no lugar delas, desenvolvendo a empatia
e o respeito ao próximo. Toda pessoa tem direito a aprender, mas é fundamental ter
alguém que ensine, e esse papel precisa ser desempenhado pela sociedade.
São as diversas condições sociais, econômicas, culturais, tecnológicas que
interferem na constituição de cada indivíduo. A partir de suas interações e
das condições que possibilitam essas interações, cada sujeito internaliza
formas específicas de se relacionar com os outros, com o meio e com ele
próprio (KRAEMER, 2012, p. 84).
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SAIBA MAIS
O processo de ensino-aprendizagem dos aprendizes com surdez é, sobretudo, um desafio
para os professores de escolares regulares, que devem agir por meio das orientações para 1
a educação inclusiva.
Até mesmo escolas e instituições que oferecem cursos na área e se dizem prepara-
das para atender a diferença, na verdade, não estão. Poderiam ser relatadas diversas
histórias de surdos em relação a esses espaços, mas é importante ao menos destacar
que ao mesmo tempo em que estamos evoluindo com novas descobertas e novas tec-
nologias, estamos deixando de lado o mais importante: o ser humano que precisa da
proximidade, do contato visual, do olho no olho para receber e expressar informações,
sentimentos, emoções ou desejos. Nesse sentido, são criados aplicativos que visam
o desenvolvimento tecnológico da comunicação, mas seus criadores e, por vezes, a
sociedade em geral se esquecem que a comunicação precisa ser feita entre pessoas, e
não com aparelhos (PAIVA et al., 2018).
O uso da língua de sinais parte do pressuposto da interação visual, isto é, os sinais são
produzidos e recebidos de forma visual ou tátil, no caso de quem não ouve e também
não enxerga, conhecidos como pessoas com surdocegueira. Por vezes, o ouvinte não
se dá conta de aspectos simples na comunicação, mas que fazem toda a diferença para
a pessoa com surdez. Por exemplo, a forma de sinalizar, a composição da frase e dos
falantes no espaço, a vestimenta e acessórios utilizados durante a comunicação.
Além da sinalização, a Libras possui uma forma de ser escrita, o sistema SignWriting.
Segundo Paixão e Alves (2018, p. 52), “[n]o Brasil, o sistema de escrita SignWriting
surgiu em 1996, porém, disputa espaço com mais dois sistemas criados aqui mesmo”.
A escrita de sinais segue os preceitos da língua de sinais. Esse sistema ainda é pouco
utilizado dentro da comunidade surda, visto sua complexidade, pois se faz necessário
desenhar o sinal com toda sua composição: configuração de mão, ponto de articulação,
movimento, expressão facial e corporal.
Expressão
Orientação da facial
palma da mão
Configuração
de mão
Movimento
Ponto de
articulação
Fonte: Barros (2020, p. 12).
Podemos compreender, assim, que a língua de sinais (no caso do Brasil a Libras),
constitui-se enquanto língua visuoespacial, que possui uma gramática própria, segue
cinco parâmetros que formam o sinal (as palavras) e tem um vocabulário que por vezes
é difícil de se traduzir para uma língua oral.
Seria legítimo pensar que é uma língua que surge espontaneamente quando
a pessoa nasce com uma perda auditiva, mas seria uma ideia errônea. Na
verdade, o termo “natural” designa a característica das línguas orais e sina-
lizadas utilizadas pelos seres humanos em suas diversas interações sociais,
e se diferencia do que se chama de “linguagem formal”, isto é, linguagens
construídas pelo ser humano, como as linguagens de programação de com-
putador ou a linguagem matemática (HARRISSON, 2013, p. 55).
Costuma-se assumir que a língua de sinais é uma língua natural. Dessa forma, a ideia
que vem junto é a de que a pessoa com surdez já nasce sabendo-a. Mas deve-se
atentar à necessidade de ensinar e trabalhar com a língua de sinais com a pessoa com
surdez em todas as faixas etárias de sua vida, assim como o ouvinte estuda e aprende
as regras do português durante toda a sua vida escolar.
A aquisição da Libras ocorre igual a das línguas orais: o ouvinte não precisa ir para a escola
para aprender a falar o português, mas sim para aprender suas regras e formas de uso.
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A fim de compreender um pouco mais sobre a organização da língua de sinais precisa-
mos pensar na língua oral. Ela acontece de forma sequencial no tempo.
As línguas de sinais, por outro lado, são produzidas por movimentos das mãos,
do corpo e expressões faciais em um espaço à frente do corpo, chamado de 1
espaço de sinalização. A pessoa “recebe” a sinalização pela visão, razão pela
Podemos afirmar que a educação de surdos teve início com o Abade Charles Michel de
L’Epée, por volta de 1750 na França. A partir dele, a língua de sinais francesa começou a
ganhar forma e a se constituir como uma comunicação utilizada pelas pessoas com sur-
dez. Inicialmente, foram atendidas mais ou menos 75 pessoas que passaram a aprender
a língua de sinais, por meio do método manual, com L’Epée (GOLDFELD, 2002).
5 anos mais tarde, ainda na França, a escolarização das pessoas com surdez teve iní-
cio com a fundação da primeira escola para pessoas com surdez. Começou de forma
gratuita e assim continuou até 1791, quando se transformou no Instituto Nacional de
Surdos-Mudos de Paris (hoje Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris).
Em 1778, na Alemanha, foi criada a primeira instituição de pessoas com surdez do pastor
Samuel Heinicke em Leipzig. Tinha-se como base fundamental para o ensino a Oralidade,
que logo será explicada. Já o Congresso Internacional de Educação de “Surdos”, no ano
de 1880 em Milão, na Itália, focou muito na deficiência auditiva (WITCHS, 2014).
SAIBA MAIS
Conhecer a Língua Brasileira de Sinais é mais do que entender como essa língua funciona e
se estrutura; precisa-se conhecer um pouco como se deu a história da educação de pessoas
com surdez no Brasil. Dessa forma, é válido ler o artigo “História da educação dos surdos
no Brasil”, de Nerli Nonato Ribeiro Mor e Ricardo Ernani Sander, no qual apresentam uma
importante reflexão sobre o tema.
1
Para ler o artigo na íntegra, visite: http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2015/
trabalhos/co_04/94.pdf. Acesso em: 16 ago. 2021.
A educação de pessoas com surdez passou, ao longo da sua trajetória, por algumas
fases: oralismo, comunicação total e bilinguismo.
A intenção, nessa perspectiva, é tornar a pessoa com surdez mais próxima do ouvinte,
desenvolvendo habilidades que não são tão simples, uma vez que ela não escuta e,
assim, não recebe o retorno auditivo que precisaria para “falar”. Além do estímulo au-
ditivo feito com o uso de aparelhos auditivos e do implante coclear, idealiza-se que a
pessoa venha a desenvolver a fala para assim se comunicar com as demais pessoas
sem problemas ou dificuldades.
Outro período diz respeito à comunicação total. Nessa perspectiva, para além da lín-
gua oral, são necessários outros recursos que favorecem a comunicação da pessoa
com surdez. Ela surgiu na década de 1970, e foi uma alternativa ao oralismo. Faz uso
de todos os meios que possam facilitar a comunicação: fala, leitura labial, alfabeto ma-
nual, língua de sinais, desenho e escrita. Tem como objetivo auxiliar a compreensão da
língua falada, razão pela qual é vista, por muitos, mais como uma extensão do oralismo
do que como oposição ao mesmo.
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A filosofia da comunicação total tem como principal preocupação os proces-
sos comunicativos entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes. Esta filo-
sofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança
surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não
devem ser deixados de lado em prol do aprendizado exclusivo da língua oral. 1
Por este motivo, essa filosofia defende a utilização de recursos espaço-vi-
so-manuais como facilitadores da comunicação (GOLDFELD, 2002, p. 38)
L1 – Língua de L2 – Língua
sinais portuguesa
Essa visão “[...] tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngue, ou seja,
deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natu-
ral dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país” (GOLDFELD, 2002,
p. 42). É no bilinguismo que a identidade e a cultura surda ganham cada vez mais força,
pois entende-se a pessoa a partir das suas escolhas, não só de língua, mas no jeito de
ser e viver.
Paixão e Alves (2018, p. 48) explanam que “[a] visão de que a comunidade surda é uma
minoria linguística é muito importante porque interfere no modo de lidar com a surdez,
sobretudo na educação e no modo de interagir com o surdo”. Hoje, no Brasil, ainda se
pode dizer que são poucos os ouvintes usuários da Libras, embora tenham sido criados
diversos cursos envolvendo o aprendizado dessa língua.
na área também são indícios de uma preocupação por parte de, ao menos, uma pequena
parcela da população.
1
Em complemento, Paixão e Alves (2018) ainda abordam o aspecto positivo da difusão
da língua de sinais e, consequentemente, de espaços ocupados por pessoas com sur-
dez, que antes eram destinados apenas a ouvintes. Hoje, por exemplo, ouve-se falar de
pessoas com surdez na faculdade, no mestrado e no doutorado, inclusive no mercado
de trabalho ocupando cargos de mais destaque, não só em funções de baixa remune-
ração, como acontecia.
Conviver com seus pares, com aqueles que compartilham da mesma forma de pensar,
que usam a mesma língua, que têm costumes muito parecidos é o que pode empoderar
a pessoa com surdez. Isso lhe dá status de integrante e participante de uma comunida-
de, da sociedade, e não apenas ser mais um, alguém que compartilha de um mesmo
espaço e segue todas as regras e convenções de pessoas que não compreendem seu
jeito de ser e agir (THOMA, 2012).
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permanecer com os seus acaba por frequentar apenas escolas especiais de surdos,
clubes ou associações onde a sua língua é respeitada e tem o status de língua materna.
Essa discussão sobre a melhor escola que deveria ser frequentada pelos estudantes 1
com surdez é algo que está muito em pauta nos dias atuais. Isso porque existem os
defensores da escola inclusiva que apresentam os benefícios de estar nesse espaço.
SAIBA MAIS
Para quem tem interesse em aprofundar seus conhecimentos a respeito da Libras enquanto
instrumento de aprendizagem escolar, recomendamos a leitura do artigo de Andrea Guim-
arães de Carvalho e Renata Rodrigues de Oliveira García intitulado “Contexto escolar e o
ensino para surdos: a Libras como instrumento de educação e de identidade”. Disponível
em: https://www.revistas.ufg.br/revsinal/article/view/58737/34015. Acesso em: 16 ago. 2021
Ainda em relação aos aspectos sociais, “[o] próprio conceito de deficiência é um con-
ceito culturalmente formado. As crianças surdas não se sentem diferentes, a não ser de
um modo mediado, secundário, como resultado de suas experiências sociais” (GOLD-
FELD, 2002, p. 82). Posto de outro modo, é a partir das vivências socioculturais de cada
indivíduo que a diferença pode ou não ser percebida de forma mais intensa. À vista
disso, a comunidade surda se organiza em espaços onde diferentes aspectos da cultura
estão em evidência: festas, teatro, encontros e demais situações.
As comunidades surdas brasileiras criaram as associações com o objetivo
de reunir os surdos para se encontrarem e conversarem sobre diferentes
assuntos com fim social, político e esportivo. Nesses espaços, os surdos
encontram seus parceiros, casam e têm filhos. Essa grande família que se
une a partir de traços identitários, tais como ser surdo e usar a língua de
sinais, estabelece espaços que acolhe os surdos e consolida relações de
pertencimento (QUADROS, 2017, p. 23).
Entretanto, até o momento, não temos a língua de sinais enquanto forma de comunica-
ção de todos os espaços culturais e sociais, por exemplo, cinema, teatro, supermerca-
do, feira, área da saúde, escolas, clubes e outros tantos espaços em que as pessoas
costumam circular. Sendo assim, a pessoa com surdez precisa buscar formas para se
comunicar com as pessoas nesses espaços ou nem frequentar, pois a sua língua, na
maioria das vezes, não é utilizada por quem está lá.
De acordo com Quadros (2017, p. 33), a língua de sinais é considerada uma língua de
herança. Isso significa que ela é uma língua que “[...] é passada de geração de surdos
da comunidade (não necessariamente dentro do núcleo familiar) que é uma língua usa-
da por comunidades brasileiras dos grandes centros urbanos em um país”. Em outras
palavras, a língua de sinais precisa ser aprendida para ser ensinada, e vice-versa.
Essa lei passou a vigorar a partir do Decreto 5.626/2005, que indica que a Libras:
Discorre sobre as
Aborda a inclusão da
questões referentes ao
LIBRAS enquanto
acesso de educação
disciplina curricular
e saúde
Decreto 5.626/05
Aborda sobre a
Trata da formação do
formação do tradutor e
professor e do instrutor
intérprete de LIBRAS e
de LIBRAS
língua portuguesa
Apresenta diversos
aspectos sobre o uso
e difusão da LIBRAS e
do português para que
as pessoas com surdez
tenham acesso
à educação
18
Segundo apontam Paixão e Alves (2018, p. 49), no Brasil, existe “[...] um mito de que a
Libras é a segunda língua oficial desse país”, mas isso não é verdadeiro pelo fato que
os documentos e registros oficiais do país são todos feitos apenas na língua portugue-
sa. Portanto, a única língua realmente oficial do país é o português e a língua de sinais 1
fica sendo reconhecida como a língua da comunidade surda somente.
Existem muitas escolas brasileiras com as salas de recursos, entretanto, nem todas
possuem professores que possam atuar nesses espaços. Em alguns casos, os profes-
sores atuam nas salas, mas não possuem a formação necessária para usar os recursos
ou então atender aos estudantes da forma ideal. Há professores que trabalham com dis-
centes com surdez, mas que não sabem Libras, outros que trabalham com estudantes
com deficiência visual, mas não conhecem os recursos disponíveis e nem sabem como
lidar. Enfim, vivemos diferentes situações a respeito desses espaços tão importantes
disponíveis e nas escolas que nem sempre são usados de forma correta e proveitosa.
A partir disso, compreende-se que o estudante com surdez faz parte desse público a ser
atendido pelo profissional do AEE. É fundamental frisar a relevância do trabalho multidisci-
plinar e integrado, com plena participação da família para o bom desempenho dos planos
de atendimento especializados/individuais. Cada um deles tem sua finalidade e importância
dentro da organização de vida escolar do aprendiz com surdez, não só pensando na escola,
mas também nos diferentes espaços onde ele circula e que fazem parte do seu dia a dia.
Precisamos ter em mente que nem todo aprendiz com surdez tem somente a surdez, pois
é comum que se pense que “oferecer a língua de sinais” basta. Ou então, quando recebe-
mos um estudante com deficiência visual, apenas proporcionar o braille lhe dará todas as
condições necessárias para se desenvolver.
Muitos estudantes com condições diferentes de audição e visão, podem apresentar uma ou
mais deficiências associadas à sua condição, sendo necessário organizar o trabalho de uma
forma diferente. Nesses casos, é vital pensar em recursos e possibilidades de aprendizagem
para além do uso da língua de sinais. Portanto, o trabalho do professor do AEE se faz fun-
damental e a elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI) se torna indispensável.
SAIBA MAIS
Todo educador precisa conhecer e saber das leis e normativas que regem a área da edu-
cação especial. Faz-se necessário saber o que está previsto nesses documentos para as-
sim podermos “lutar” por melhores condições e pelos direitos das pessoas que necessitam.
Dessa forma, tanto a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva quanto a Resolução nº4 de 2009 são ótimas dicas de material extra de leitura.
Disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf e http://portal.
mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf. Acesso em: 16 ago. 2021.
Espera-se que o professor do AEE organize o seu trabalho de uma forma que possa
oferecer diferentes possibilidades ao discente. Com frequência, costuma-se trabalhar
com um Plano de Atendimento Educacional Especializado, conhecido também como
Plano Educacional Individualizado (PEI). Esse plano é considerado uma proposta de
organização curricular que norteia a mediação pedagógica do professor, servindo,
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assim, como um registro ou mapeamento daquilo que o já alcançou e daquilo que
ainda precisa ser alcançado.
` Qual a deficiência que o discente possui? Como ela pode afetar seu desenvolvimento?
` O possui uma vida independente? Como ela se relaciona com outras pessoas?
Saber tais informações pessoais é importante e pode, com a elaboração do PEI, impac-
tar seu desenvolvimento. Assim, podemos pensar em quatro etapas para a construção
do PEI, conforme apresentado abaixo.
Pode ser relevante ter mais pessoas participando da elaboração do PEI, para além do
professor da sala regular e do professor do AEE, como ter a participação da família e
dos demais profissionais que o atendem, pois, essas pessoas participam ativamente do
ambiente educativo e conferem, consequentemente, respeito, segurança e afetividade
ao estudante. Isso porque ele não frequenta apenas a escola, já que a grande maioria
1 desses passos também podem ser desenvolvidos nos outros espaços de sua vivência.
Na primeira etapa, então, a família ocupa papel principal, pois são as pessoas que
passam a maior parte do tempo com a criança, jovem ou adolescente, possuindo assim
muitas informações pertinentes.
Nas etapas dois e três, além da família e da escola, pode ser interessante contar com
a presença de outros profissionais que o atendem, por exemplo, psicóloga, fonoaudió-
loga, terapeuta ocupacional, psiquiatra e outros profissionais. Cada um deles desem-
penha uma função no desenvolvimento do estudante, o que pode ser complementado
pela escola e vice e versa; o trabalho em rede proporciona um maior desenvolvimento
ao estudante com surdez. Tanto no estabelecimento de metas, quanto na elaboração do
cronograma, é preciso levar em consideração os avanços que o estudante já alcançou,
muitas vezes antes mesmo de ter ingressado na escola.
Na quarta etapa, pode ser necessário recorrer novamente à equipe, para que haja a
continuidade no trabalho; assim, deve-se fazer uma avaliação do que foi atingido, daquilo
que ainda precisa ser trabalhado e como será alcançado. Esse trabalho em rede é que
faz a diferença nas metas alcançadas, pois cada participante possui informações e co-
nhecimentos acerca da sua área, e, quando contribui com a equipe, favorece o discente.
IMPORTANTE
O PEI deve ser planejado para um ano e, por ser projetado a fim de atender as necessidades
de um discente, deve-se considerar suas dificuldades e suas potencialidades, é único, indi-
vidual. Outro aspecto a ser averiguado são as conquistas do ano anterior (no caso da con-
tinuidade escolar, aquilo que já foi alcançado de um ano para o outro).
O referido plano, embora muito conhecido como PEI, não possui uma nomenclatura
única, nem ao menos um único modelo. Mello (2019) apresenta algumas possibilidades
que encontrou em sua pesquisa de doutorado, a saber:
PEI – Plano Educacional Individualizado: Sassaki (1999), Tannús-Valadão
(2010, 2013), Glat, Vianna e Redig (2012), Pletsch e Glat (2013); PDEI – Pla-
no de Desenvolvimento Educacional Individualizado: Pletsch e Glat (2012);
PDI – Plano de Desenvolvimento Individual: Poker et al. (2013); PEI – Pla-
nejamento Educacional Individualizado: Tannús-Valadão e Mendes (2014),
Campos (2016) (MELLO, 2019, p. 81, grifos do autor).
Essa observação se justifica pelo fato de que, dependendo da escola, da rede, do mu-
nicípio ou do estado, a nomenclatura e o modelo podem ser diferentes, mas todos
eles têm o mesmo objetivo: organizar uma proposta curricular a ser executada com o
estudante. Costa e Schmidt (2019, p. 104) acrescentam que, no conceito do PEI, suas
diversas nomenclaturas “[...] envolvem os termos instrumento, recurso, registro, mapa,
estratégia, ferramenta, documento ou processo”. Embora haja muitas possibilidades,
todos possuem uma orientação comum: todos precisam de autorização dos responsá-
veis para que ele seja elaborado e colocado em prática.
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Como os discentes, às vezes, precisam de outros suportes, para além da surdez para
dar conta de aprender e se desenvolver, faz-se fundamental o conhecimento das cau-
sas da surdez, conforme apresentado anteriormente, pois dependendo da causa, outros
comprometimentos podem existir. O PEI, de acordo Pereira (2014), pode ser tido como 1
um recurso que visa facilitar o acesso ao currículo regular; deve-se, assim, no momento
QUESTÃO DESCRIÇÃO
Priorizar as habilidades e conceitos do currículo geral que são mais relevantes para
O que ensinar?
o estudante, diante de suas necessidades.
Descobrir formatos de instruções mais relevantes às necessidades do discente,
Como ensinar? identificar quais estratégias, métodos e materiais alternativos devem ser usados
para ajuda-lo a desenvolver habilidades básicas ainda não adquiridas.
Pensar em contextos físicos que podem aumentar a participação do estudante,
Em quais otimizando seu aprendizado. Isso implica em variar os arranjos do contexto físico/
condições? instrucional, proporcionando oportunidades para trabalhar em isolamento e/ou em
grupo; flexibilizar o prazo de cumprimento das atividades
Compreender que o investimento nos estudantes gera avanços que podem ser
sutis e processuais. Para reconhece-los é preciso se desvincular do imediatismo
Por que ensinar?
e buscar estratégias colaborativas que possam atingir os objetivos traçados pela
escola, família e profissionais.
Fonte: adaptado de Pereira (2014, p. 52)
Cada uma dessas perguntas: o que ensinar, como ensinar, em que condições e
por que ensinar vai ajudar o professor e a equipe envolvida a pensar o que realmente
pode auxiliar o estudante. Também, o PEI vai ajudar o professor e demais envolvidos a
realmente conhecer o discente com quem estão trabalhando, quais os recursos e estra-
tégias que vão proporcionar um maior desenvolvimento, sempre respeitando o tempo e
as necessidades de cada um.
Escola:
Estudante: Ano/série:
Equipe de elaboração Período de elaboração:
ÁREAS DE HABILIDADE INTELIGÊNCIAS/METAS METODOLOGIA AVALIAÇÃO
E RECURSOS
Facilidade que o estudante DIDÁTICOS Registro de situações
apresenta para compreender o significativas no
conteúdo que será oferecido desenvolvimento do
discente
1. Habilidades
acadêmicas
(leitura, escrita,
1 soletração, matemática,
línguas)
2. Habilidades da
vida diária
(Vestuário, aparência,
organização de pertences
pessoais, lidar com
dinheiro, locomoção)
3. Habilidades motoras/
atividade física
(Coordenação olho-mão,
equilíbrio, natação, jogar
bola, andar de bicicleta)
4. Habilidades sociais
(Atitudes, comportamentos)
5. Habilidades de
recreação e lazer
(Jogos, esportes,
passeios)
6. Habilidades
pré-profissionais e
profissionais
(Seguir instruções,
uso de ferramentas,
organização do local das
atividades)
Fonte: adaptação do modelo de Romeu Kazumi Sassaki, 1999. The Individual Education Program (IEP), manual compilado
pela Northern California Coalition for Parent Training and Information (NCC), [s. d.]
O Quadro acima apresenta um modelo de PEI que pode ser usado no contexto escolar.
Qual é o sentido de ter um PEI, um Plano Educacional Individualizado que acontece
apenas com um profissional, uma vez por semana, de uma determinada maneira? Esse
questionamento deve estar presente nas discussões a respeito do tema, pois se o do-
cumento tem esse objetivo, ele acaba não sendo tão útil ao desenvolvimento escolar.
O PEI deve ser elaborado e executado nessa parceria, estabelecendo uma sintonia
entre o professor da sala comum e o professor da educação especial (MELLO, 2019).
Quando esse trabalho se organiza de forma articulada e colaborativa, as chances de
dar certo e se obter bons resultados ampliam muito.
Ainda há, contudo, muitos professores que pensam que para o discente com surdez
apenas é necessário oferecer o intérprete de Libras ou então o ensino de língua para
que ele dê conta de acompanhar o andamento das aulas. Em alguns casos sim, pode
ser que seja preciso somente isso, mas em muitas situações apenas essa tomada de
atitude não é suficiente para favorecer o seu desenvolvimento.
24
De acordo com Pereira (2014, p. 53), “[a] elaboração de um PEI pode ser uma oportu-
nidade importante para exercer um trabalho colaborativo entre professores, pais, estu-
dantes, funcionários e especialistas”, uma vez que ele não deve ser desenvolvido ape-
nas no espaço da sala de recursos ou então pelo professor do AEE, mas sim em todos 1
os espaços no quais o discente frequenta. O PEI vai oferecer informações de diversas
Conhecer as leis e normativas que regem o AEE pode garantir que o acesso e perma-
nência do estudante na escola aconteça de maneira correta e com todos os profissio-
nais necessários. Elaborar um PEI centrado no discente, em que ele seja o principal
ator do processo e seguindo as quatro etapas apresentadas para a construção desse
documento é necessário e fundamental.
Ter claro quais áreas serão trabalhadas, quais as metas a serem alcançadas, qual a
metodologia e os recursos didáticos a serem utilizados e como será feita a avaliação
faz com que o trabalho do professor e demais profissionais tenha um caminho a ser
percorrido e que todos tenham os mesmos objetivos a serem alcançados.
No caso dos estudantes com surdez, o primeiro passo do ensino comum e do AEE
acaba sendo o ensino da língua de sinais, pois muitos estudantes chegam sem esse
conhecimento prévio. “O ambiente mais adequado para que o surdo adquira inicialmen-
te a sua língua natural é o meio familiar. Entretanto, em ambiente não natural também
ocorre a aquisição de língua de sinais” (PAIXÃO; ALVES, 2018, p. 51). Assim, muitas
vezes a escola se torna o espaço onde o estudante com surdez vai aprender a língua
oficialmente, e o grande problema é quando isso acontece tardiamente, a partir dos 6
anos de idade com o início do ensino fundamental, por exemplo.
Quando o aprendiz com surdez chega à escola sem o domínio da língua de sinais, ele
precisa aprender a língua enquanto está se alfabetizando em português. É nesse momen-
to que costumam acontecer os problemas e atrasos de aprendizagem, pois o professor
em sala de aula não poderá apenas se preocupar em ensinar os conteúdos indicados
para aquele ano escolar, mas precisará paralelamente ensinar a língua a esse estudante.
Dessa forma, o trabalho do ensino comum e do AEE precisa estar em sintonia para que o
estudante não seja ainda mais prejudicado (PAIXÃO; ALVES, 2018).
Refletir sobre os conhecimentos que o aprendiz já possui é importante para que o pro-
fessor tenha conhecimento de que ter um discente com surdez em sua sala de aula
com a presença de um intérprete não significa que ele dará sua aula para todos os
1 estudantes da mesma forma; talvez o estudante com surdez precise de mais atividades
que também o auxiliem no aprendizado da língua para além do conteúdo escolar.
“Uma grande mudança dentro da escola seria a de que as crianças ouvintes também
aprendessem a Libras; os [discentes] ouvintes podem aprender a Língua de Sinais”
(STUMPF, 2008, p. 29). Esse é o maior sonho e objetivo de quem atua na área da sur-
dez: todas as pessoas, e professores, surdos e ouvintes aprenderem a língua de sinais
e se comunicarem sem ser necessário contar com a mediação de outra pessoa, no
caso, o intérprete. Não que esse profissional deixaria de ser importante, mas existiriam
situações em que não seria preciso ter o tempo todo alguém fazendo a tradução para
que houvesse a interação entre esses dois grupos.
A língua de sinais não é só da comunidade surda, mas é de todos. Quando isso aconte-
cer na escola regular, poderemos dizer que ela se tornou bilíngue e que respeita todos
que estão nesse espaço.
26
Paixão e Alves (2018) mencionam que a Libras se torna um importante instrumento de
interação para o desenvolvimento humano, sendo necessário dispor de diferentes es-
paços nos quais ela possa ser adquirida e aperfeiçoada pela criança. O primeiro lugar
para esse desenvolvimento seria a família, conforme já foi apontado. Porém, sabe-se 1
que a maioria das crianças com surdez nascem em famílias de pais ouvintes que não
Muitas crianças chegam à escola com essa forma de comunicação inicial: uso de sinais
caseiros (como são chamados os sinais combinados dentro do ambiente familiar), ou
então com o uso de gestos e mímica. Nesses casos, esses recursos precisam ser aper-
feiçoados e transformados numa comunicação formal, que é o que a Libras oferece.
O profissional da educação precisa estar atento a tudo o que acontece em sala de aula,
observar, anotar e refletir são ações básicas de qualquer professor, mas quando se tra-
balha com crianças que necessitam de mais recursos isso se torna fundamental. A partir
dos erros e acertos, é possível refletir e planejar quais seriam os passos necessários
para um maior avanço e desenvolvimento do sujeito.
EXEMPLO
No processo de ensino e de aprendizagem sobre o sistema solar, o professor poderia utilizar,
além de sua explicação falada, vídeos, imagens e até mesmo uma representação por meio
de maquete desse sistema solar, com sua composição espacial, suas especificidades. Isso
fará com que todos os estudantes abstraiam e compreendam o conceito de forma mais ráp-
ida e concreta.
Uma sugestão de trabalho que pode ser realizada em sala de aula com estudantes
com surdez e ouvintes, visando o aprendizado da língua de sinais, é o método de “ex-
periência”. O Método de Experiência vem como um recurso pedagógico, utilizado por
professores na aquisição da linguagem da criança com surdez, principalmente na fase
da Educação Infantil, mas que pode ser utilizado em outras etapas de aprendizagem.
Ele proporciona um ambiente estimulador por meio de pequenas práticas do cotidiano
da criança, como fazer um leite com chocolate, contar uma história ou uma atividade
inusitada que ocorre com ela.
É durante essas práticas, programadas ou não, que também a criança aos poucos
adquire a linguagem por meio de modelos linguísticos da sua língua materna, a Libras.
Podemos destacar como exemplos de experiências:
` Bolo de cenoura;
` Brincadeira;
` História;
` Passeio.
28
` Envolver a família nesse processo através da participação efetiva das crianças nas
atividades da escola.
1
Segue, no Quadro, um exemplo de “agendão”:
Retomando a experiência, ela deve ser realizada juntamente com a criança, de prefe-
rência ela própria é quem deve organizar os ingredientes e preparar a receita, no caso
de uma atividade culinária, por exemplo. Em seguida, é organizado um cartaz ou uma
folha com o registro dessa experiência.
Também deve ser feita uma cópia para que a criança possa levar para casa e organizar
o seu livro de receitas. Ou então seu livro de histórias, se for feito o registro de um pas-
seio, uma história ou uma brincadeira. Nesse registro, além do português escrito que
auxilia na alfabetização, deve-se usar o registro em sinais, para que quando o estudan-
te revisitar o material ele possa lembrar dos sinais que aprendeu.
EXEMPLO
A família é responsável por comprar e organizar os ingredientes. Porém, é fundamental que a
criança participe de todos os momentos, pois é nesse momento que ela irá compreender que
um alimento precisa ser comprado em um estabelecimento para ser utilizado. Pois, até esse
momento, ela acredita que o alimento surge na cozinha, surge no armário. Então ela precisa
participar de tudo, desde a compra dos ingredientes.
Um segundo passo fundamental para a receita é o registro, pois é a partir dele que a criança
terá na sua memória como foi feita a receita. O professor, juntamente com a criança, organi-
za, se possível, a utilização dos rótulos, de todos os ingredientes. Caso não consiga usar o
1 rótulo pode ser um desenho feito de próprio punho; também ao lado da receita e do desenho,
se possível, colocar o sinal da língua de sinais. Dessa receita é importante que seja feita uma
cópia, para que cada criança coloque no seu caderno de receitas, assim elas vão experien-
ciar um aprendizado diferente.
Esse material vai facilitar não só o aprendizado dos estudantes com surdez e ouvintes,
mas seus familiares também, pois vai para casa e pode servir de base para conversas
e momentos de trocas, quando o aprendiz ensina seus pais sua língua e a língua de
seus colegas.
Trabalhar com o ensino de uma língua não é somente ensinar vocabulário, ou seja,
palavras, no caso das línguas orais, ou sinais, no caso das línguas de sinais. A língua é
mais do que isso, precisa-se mergulhar e compreender aspectos culturais e socais que
compõem essa língua. Logo, deve-se atentar ao fato de que “[o] ensino de uma língua
envolve a conexão entre língua e cultura, a compreensão de um sistema complexo de
ideias, valores e costumes.” (GESSER, 2012, p.15-16, grifo nosso).
Ao trabalhar com o ensino de Libras, precisamos ter em mente também que existem
diferentes estilos de aprendizagens e que nem todas as pessoas seguem os mesmos
estilos. À vista disso, Gesser (2012) considera que tais estilos envolvem a visão, audi-
ção e cinestesia, e cada pessoa tem pelo menos um estilo que mais se destaca. É, por-
tanto, fundamental identificar qual é o melhor meio de se proporcionar mais situações
de aprendizagens, tal como estilos de aprendizagem.
Quadro 05. Estilo de aprendizagem
30
ESTILO FOCO DESCRIÇÃO EM LIBRAS...
Auditivo Ouvir e falar Engloba a transferência de ... pode ser relevante no
informação, por meio da escuta desenvolvimento do aprendiz
(a palavra falada ou outros sons de sinais se concebermos a 1
e ruídos). recepção e produção da Libras
na sua “oralidade visual”.
Além desses estilos apresentados acima, podemos frisar outros estilos de aprendiza-
gem, como: concreto, analítico, comunicativo e autoritariamente orientado. Cada um
deles possui suas características particulares e se tornam fundamentais para serem
compreendidos (GESSER, 2012). Aliadas aos estilos temos as estratégias de aprendi-
zagens, que são os modos como o professor organiza e aplica sua aula, favorecendo
ou não o desenvolvimento dos seus estudantes.
Quadro 06. Aspectos que devem ser levados em consideração no momento de ensino do vocabulário
em Libras
CONCLUSÃO
Nesta unidade, discutimos sobre a Libras no contexto escolar, sobre os aspectos culturais
e sociais que definem um grupo, no caso, a comunidade surda com seus costumes e a
formação da identidade surda. Destacamos a importância da Libras como um dos princi-
pais artefatos culturais dessa comunidade, mas que nem todas as pessoas com surdez
vão se identificar enquanto sujeitos surdos, membros da comunidade surda e usuários
da língua de sinais. As possíveis causas da falta de audição podem ou não trazer outros
comprometimentos que podem influenciar no aprendizado da pessoa com surdez.
E finalizamos com a discussão sobre a aquisição de uma língua de sinais por crianças
surdas e ouvintes no ensino regular, quais seriam os benefícios de ambos os grupos
terem a possibilidade de se desenvolver nessa língua o mais cedo possível.
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