LinguaDeSinais TO Volume1-2 PDF

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Organização

Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba


Gomes de Miranda

Revisão
Judite Fernandes Nunes Rodrigues, Silvia Fernandes Nunes Ramalho,
Bruno Gonçalves Carneiro e Carlos Roberto Ludwig

Editoração
Carlos Roberto Ludwig

Ficha Catalográfica
__________________________________________________________
C257l Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I.
Carneiro, Bruno Gonçalves; Leão, Renato Jefferson Bezerra; Miranda,
Roselba Gomes de (Orgs.). North Charleston: Amazon Digital Services
Inc./KDP, 2019.

140 p. 15,24 x 22,86 cm

ISBN-13: 978-1090792747

1. Língua Brasileira de Sinais. 2. Diferença surda. 3. Comunidade Surda.


4. Educação de Surdos. I. Título.

CDU: 81’221.24
__________________________________________________________

Conselho Editorial
Dr. Alexandre Melo de Sousa – UFAC
Dr. André Nogueira Xavier – UFPR
Dr. Felipe de Almeida Coura – UFT
Dr. Hildomar José de Lima – UFG
Dr. Karylleila dos Santos Andrade – UFT
Dr. Mônica Veloso Borges – UFG
Dr. Neila Nunes de Souza – UFT
Dr. Rodrigo Mesquita – UFG
Copyright © 2019 Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão &
Roselba Gomes de Miranda (Orgs.)

All rights reserved.

ISBN-13: 978-1090792747
LÍNGUA DE SINAIS, IDENTIDADES E
CULTURA SURDA NO TOCANTINS
VOLUME I

Bruno Gonçalves Carneiro


Renato Jefferson Bezerra Leão
Roselba Gomes de Miranda
(Organizadores)
SUMÁRIO
Apresentação i

1 Experiência de vida na surdo cegueira 1


Lia Claudia Coelho

2 Um território surdo na Universidade Federal do Tocantins: o lugar 13


como espaço vivido
Bruno Gonçalves Carneiro
José Divino Mendes de Souza
Delismar Palmeira Costa
Carlos Roberto Ludwig

3 O surdo como sujeito de linguagem: uma análise psicanalítica das 33


práticas escolares para pessoas com surdez na região sudeste do
Tocantins
Márcia Cristina Barreto Fernandes de Abreu
Rosileny Santos
Vanessa Alves Porto
Venery Ferreira da Cunha

4 Levantamento de sinais-termos pela escola 47


Bruno Gonçalves Carneiro
Geano Gustavo Geofre Paz
Roselba Gomes de Miranda

5 Divulgação científica a partir da elaboração de vídeos em libras 73


Paloma Aline Terris

6 Os desafios para o surdo no ambiente de trabalho 91


Renato Jefferson Bezerra Leão
Mariana Ferreira Albuquerque

7 O intérprete de libras no Tocantins: um olhar sobre sua atuação no 103


contexto jurídico
Alini Cardoso de Albuquerque Alves

8 Por uma política linguística em escrita de sinais no Tocantins 113


Renato Jefferson Bezerra Leão

Sobre os autores 137


AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos autores deste livro, que gentilmente contribuíram com


esta publicação, aos pareceristas e revisores, pelo trabalho cuidadoso e aos
professores Carlos Roberto Ludwig e Judite Fernandes Nunes Rodrigues,
pelo incentivo para a realização deste trabalho.
APRESENTAÇÃO
A comunidade surda brasileira vivencia conquistas importantes na
legislação nacional e na implementação de políticas públicas, cuja regência
caminha rumo à possibilidade dos surdos exercerem sua cidadania a partir
da língua de sinais, das identidades e da cultura surda. O direito de ser surdo
perpassa pelo direito de significar em sua diferença.
A diferença surda, então, passa a ser encarada como uma maneira
legítima de estabelecer relações sociais. Não inferior, apenas diferente, assim
como qualquer outra diferença humana. Essa perspectiva ganha
empoderamento de forma a garantir produção de saberem e a organização
de produtos e serviços, sempre a partir dessa maneira de se posicionar.
A trajetória de lutas do movimento surdo nacional, nos últimos anos, a
favor da libras e de uma educação bilíngue que atenda aos anseios dos
surdos brasileiros, reflete em todo país, ainda que de modo diverso e
desigual. Desta forma, vemos também a articulação de comunidades surdas
em nível regional, em prol e em consequência dessas conquistas,
organizando-se a favor de suas comunidades de fala. É o que observamos
no estado do Tocantins.
Em relação à comunidade surda tocantinense, as ações promovidas
por esta comunidade são diversas, em muitas cidades, visando valorizar o
encontro surdo-surdo e enaltecer a língua de sinais. Algumas dessas ações
são consideradas eventos sociolinguísticos porque buscam romper a lógica
da permanência e da homogeneização.
O contexto pede mudanças e a resistência ao que está posto acontece a
partir de uma resistência epistemológica que ganha força com o
reconhecimento das diferenças. E nesta demanda, a diferença surda assume
grande responsabilidade em legitimar e evidenciar os saberes produzidos
pelas experiências das pessoas. As experiências são muitas e inesgotáveis.
Mais uma vez, os saberes surdos, alicerçados na cultura surda, estão
disponíveis e clamam por novas posições.
Este livro, intitulado Língua de sinais, Identidades e Cultura
Surda no Tocantins – Volume I, surge desse contexto. Nossa proposta é
dar visibilidade a alguns atores, surdos e ouvintes, que têm aberto espaços e
produzido conhecimento sobre a diferença surda, a partir de suas áreas de
atuação. Muitas coisas estão acontecendo no Tocantins. As experiências em
torno da diferença surda precisam ser registradas e ganhar circulação.
Os capítulos que compõem o livro trazem reflexões sobre minorias na
comunidade surda, educação, cultura e trabalho. E em todos eles, os autores
fundamentam suas discussões na diferença surda. Convidamos todos para
transitar por essas páginas.
Os organizadores.

i
1 EXPERIÊNCIA DE VIDA NA SURDO-CEGUEIRA
Lia Claudia Coelho

Neste capítulo eu narro um pouco da minha experiência de vida na


surdo-cegueira. Eu sou surda, usuária da língua brasileira de sinais (libras) e
tenho baixa visão. Nas páginas que seguem, conto minha trajetória de vida
pessoal, escolar, profissional e acadêmica, expondo os desafios e as redes de
apoio que colaboraram para me tornar a pessoa que sou atualmente.
Enquanto brasileira, sou constituída a partir da língua brasileira de sinais e
da língua portuguesa, línguas que são fundamentais para o alicerce de minha
cultura e identidades. Eu tenho uma experiência de vida única, mas
certamente, alguns traços dessa experiência são compartilhados por tantas
outras pessoas surdo-cegas, mundo afora.
De acordo com Cader-Nascimento e Costa (2005), a surdo-cegueira é
o comprometimento, em diferentes graus, dos sentidos receptores à
distância: a audição e a visão. A combinação desses comprometimentos
acarreta sérios desafios de comunicação, mobilidade, informação e,
consequentemente, na necessidade de estimulação e de atendimentos
educacionais específicos. Grosso modo, para que uma pessoa seja
diagnosticada como surdo-cega, é necessário que ela não tenha visão
suficiente para compensar a perda auditiva ou não tenha audição suficiente
para compensar a perda visual.
Os distintos graus de surdez e as inúmeras possibilidades de
deficiência visual, quando associados, geram quadros específicos de
comportamento, principalmente no que se refere à aquisição de linguagem.
Há (i) surdo-cegos congênitos, (ii) cegos que perderam a audição
posteriormente e também (iii) surdos que perderam a visão posteriormente.
Tudo isso, atrelado ao período de surgimento desses comprometimentos, se

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

pré ou pós-linguístico (período esperado para aquisição de língua, seja uma


língua de sinais ou uma língua oral), vão influenciar no sistema de
comunicação adquirido e utilizado pela pessoa surdo-cega.
Quando faltam os sentidos de percepção à distância, o tato assume o
papel de sentido guia no desenvolvimento da comunicação da pessoa
surdo-cega com o ambiente. O tato é complementado pelos sentidos
remanescentes, na exploração e no estabelecimento de contatos com o
mundo exterior. Assim, uma pessoa surdo-cega elege um sistema linguístico
a partir desses sentidos remanescentes e/ou dos resíduos auditivos e visuais,
descobrindo como manter trocas significativas com o ambiente físico e
humano.
Ainda de acordo com as autoras, não há um padrão de
comportamento linguístico único na surdo-cegueira. O fenômeno de
linguagem é específico à singularidade de cada pessoa, a depender da via de
acesso de informações em que a pessoa sente mais confortável, para assim
se constituir enquanto sujeito simbólico e manter as trocas significativas e
necessárias à sua sobrevivência.
Alguns sistemas de comunicação utilizados por pessoas surdo-cegas
são (i) língua de sinais tátil, (ii) sistema braile, (iii) sistema braile digital, (iv)
escrita ampliada, (v) escrita alfabética na palma da mão e (vi) tadoma.
Importante ressaltar que é a pessoa surdo-cega que vai eleger o sistema de
comunicação que irá fundamentar sua prática simbólica (CADER-
NASCIMENTO; COSTA, 2005).
Pretendo, portanto, narrar um pouco da minha trajetória de vida e
levantar reflexões sobre alguns episódios importantes relacionados à minha
prática simbólica. Olhar para trás, transitar por minha história e me
recolocar diante de minhas línguas e da minha diferença, é um exercício
interessante que me proporciona grande satisfação.
As identidades surdas são múltiplas (PERLIN, 2005). As experiências
de vida das pessoas surdas na esfera do cotidiano, principalmente em torno
da linguagem, nos fazem pertencentes a uma cultura: a cultura surda. E
compartilhar um pouco de nossas histórias, de alguma forma, disponibiliza
maior conhecimento sobre a nossa diferença. Nas palavras de Perlin (2014,
p. 224), “captar o narrar é fazer-nos presentes, a fim de que outros não
falem por nós”. Aliás, a diferença surda é um maravilhoso universo da
natureza humana.

Minha infância e a interação em família

Eu nasci no município de Monte do Carmo, estado do Tocantins, na


zona rural, em 1978. Eu sou a quarta, num total de cinco filhas. Todas as
minhas irmãs são ouvintes. Eu sou a única surda da família. Eu fui
diagnosticada como surda aos 02 anos de idade, mas somente em 2008, aos

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

30 anos, conheci a causa da surdez - síndrome de Usher, tipo I. A síndrome


de Usher é uma doença congênita, de origem genética e, provavelmente, eu
a tenho pelo grau de parentesco dos meus pais. Meu pai e minha mãe são
primos de primeiro grau. Minha irmã caçula foi diagnosticada com TEA
(Transtorno do Espectro Autista) severo e, portanto, apresenta grandes
dificuldades para se comunicar e nas interações sociais.
Na época do meu primeiro diagnóstico de surdez, aos 02 anos de
idade, meus pais ficaram muito angustiados, sem saber o que fazer.
Morávamos na zona rural e eles não tinham nem experiência, nem
conhecimento sobre o assunto. Meu pai me levou à Brasília para consultar
com outros médicos sobre o que poderia ser feito. Ele soube que a surdez
era irreversível e que eles (meus pais) tinham que se adaptar a ela. E assim
aconteceu. Em família, nunca me senti isolada por ser surda. Considero que
tive uma infância rica.
Lembro-me que eu e minhas irmãs tínhamos uma forma específica de
comunicação. Durante a minha infância, na interação em família, sempre fui
muito ágil nas brincadeiras e muito perceptiva. Brincávamos muito de
"assassino e detetive", “pega-pega”, “quebra-cabeça” e banhávamos no
riacho próximo a nossa casa. Aliás, eu adorava estar no riacho. E todas as
atividades que fazíamos lá eram bem-vindas. Minha brincadeira preferida
era brincar de “pega-pega” na água.
Minhas irmãs sempre gesticulavam quando conversavam comigo. Em
interação com elas, também havia uso da língua portuguesa através da
escrita. Neste caso, elas também gesticulavam o significado das palavras,
para que eu entendesse os enunciados do português. Eu me sentia muito
confortável com minha família. Dessa forma, entendia o que acontecia com
a comunidade ouvinte.
Sem saber ao certo, eu estava posicionada em uma região de fronteira.
Eu estava numa posição quase que híbrida, entre dois mundos, apesar de
não conseguir descrever, nesta época, o que era o lado de cá e o que era o
lado de lá. Em um complexo universo de linguagem, eu não sabia definir de
onde eu vinha nem de onde os outros falavam. Mas, de alguma forma, sabia
que estava em um ambiente de negociação para produção de sentidos.
Não me lembro bem de me perceber surda durante a infância. Mas
houve um episódio interessante que talvez seja considerado o marco de
reconhecimento da minha diferença surda. Eu vi uma imagem que me
chamou muito a atenção. Era a imagem do alfabeto manual da língua de
sinais britânica, no livro de inglês de minha irmã ou de minha prima (já não
me recordo mais). Eu fiquei profundamente encantada com aquilo. Lembro
de ter treinado muito, sozinha: apenas eu, o movimento de minhas mãos e
meu olhar curioso para cada detalhe. Eu aprendi todas as configurações de
mão numa rapidez impressionante e divulguei para os demais membros de
minha família. Ensinei para minha mãe, para minhas irmãs e para meus

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

primos. Assim eles saberiam soletrar qualquer palavra quando conversassem


comigo. Como estava em uma região de fronteira, acreditava que esta era
uma forma dos outros virem até mim. Uma espécie de contrapartida do
outro. Foi uma euforia sem tamanho. Senti como se aquilo me pertencesse
e essa descoberta me trouxe grande satisfação. Este foi um episódio muito
significativo para mim, durante a minha infância. Lembro como se fosse
hoje. E lembro também de todo o alfabeto manual da língua de sinais
britânica. Fui conhecer o alfabeto manual da libras e a libras como um todo,
apenas quando adulta.
A figura 1, a seguir, ilustra o alfabeto manual da língua de sinais
britânica que, diga-se de passagem, é muito diferente do alfabeto manual da
libras.

Figura 1 – Alfabeto Manual da língua de sinais britânica


Fonte: Imagem disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=diH4lSmabu4>. Acessado em 02 de
setembro de 2018.

Quando eu estava em idade para ser alfabetizada, meus pais souberam


que em Carolina – MA, onde meus avós moravam, havia uma escola
especializada em alfabetização. Nesta escola, fui alfabetizada em língua
portuguesa.

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Um pouco sobre minha vida escolar

Entrei em uma escola pública na cidade de Carolina, no Maranhão, aos


07 (sete) anos de idade. A professora criou um método para me ensinar
português, separado dos demais alunos considerados “normais” da sala.
Como estratégia, a professora oralizava as letras do alfabeto para que eu
pudesse fazer leitura labial. Eu ficava bem pertinho dela e passava a imitar,
mesmo não ouvindo nenhum som. Eu tentava sentir ao invés de ouvir a
voz da professora e copiava atentamente as letras, as palavras e as frases que
ia percebendo. E assim, gradativamente, eu fui aprendendo a língua
portuguesa. Eu nunca ouvi nem fui oralizada, mas sempre fui motivada a ler
e a escrever em português, no cotidiano. De alguma forma, essa língua me
atraía e acredito que, por isso, consegui ser alfabetizada de imediato.
Nesta época, eu e duas irmãs nos mudamos para Carolina. Nós
tínhamos mais familiares na cidade. Lembro dos meus tios me levarem para
a escola. Aliás, tenho boas recordações da cidade e desta época de
escolarização. Sempre tive professores carinhosos, atenciosos e pacientes
com a minha diferença. Considero também que fui uma aluna dedicada aos
estudos, em Carolina – MA. O processo de aprendizagem exige uma relação
de confiança entre os envolvidos. O mesmo acolhimento que tinha em casa
também se manifestou na escola. Dessa forma, a surdez nunca foi um peso
para mim.
Depois de alguns anos, me mudei para Porto Nacional – TO. Nesta
época, fiquei alguns anos sem estudar. Só consegui entrar novamente na
escola quando minha família se fixou na cidade e por haver uma escola bem
próxima. Estudei em duas escolas públicas de Porto Nacional, na Escola
Estadual Marechal Artur da Costa e Silva e no Centro de Ensino Médio
Professor Florêncio Aires da Silva, do final do Ensino Fundamental ao
Ensino Médio. Eu era a única surda, desde a infância até a adolescência e
nunca tive intérprete em sala de aula. Os meus colegas de turma sabiam que
eu era surda e me ajudavam nas aulas, nos trabalhos em grupo e nas demais
atividades das disciplinas. Em sala, comunicávamos através de gestos e do
português escrito. Eles eram os meus “intérpretes” e gesticulavam muitas
coisas do cotidiano escolar. Só aí eu entendia o que circulava em sala de
aula. Eu era considerada a colega mais quieta da turma.
Neste período escolar, já não era tão ativa com as brincadeiras. Eu me
lembro de ter muita dificuldade com esportes. As aulas de educação física
não eram tranquilas para mim. Minha maior dificuldade era jogar vôlei
porque minha visão já não era tão boa. Comecei a usar os óculos aos 07
anos por causa da miopia.
Os professores ensinaram “normalmente” (mesma metodologia
utilizada para os demais alunos), sem qualquer especificidade em relação à
minha pessoa. Mas, minha interação com eles e com os alunos ouvintes

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

acontecia de maneira satisfatória, por conta do meu domínio em língua


portuguesa. Sempre estive muito atenta aos livros.
Apesar de não ter acesso a intérpretes de libras, sempre tive uma rede
de apoio, tanto na escola quanto em casa. Nas escolas em que estudei tive
colegas próximos que, por uma relação empática, me ajudavam a
compreender o que se passava, as atividades e demais ocorrências. Os
professores também sempre separavam um tempinho para me atender.
Lembro de professores fazerem esquemas no quadro, na tentativa de me
explicar os conteúdos. Alguns escreviam de maneira firme, para que eu
pudesse enxergar e, assim, eu registrava os informes. Em casa, meu grande
alicerce foram minhas irmãs.
Novamente, a relação de confiança que estabeleci com os demais
atores do ambiente escolar foi fundamental para meu processo de
aprendizado. A empatia proporcionou a emergência de uma rede de apoio
que fez com que eu transitasse de forma efetiva nessa região de fronteira.
Essa relação empática não foi apenas na escola, mas com as pessoas com
que convivi. Os gestos e o português escrito estavam disponíveis nesta
posição de fronteira. Transitei em dois mundos sem deixar de ser eu
mesma. Eu me posicionava entre duas línguas.
Em casa, tínhamos a assinatura de uma revista de reportagens de
periodicidade semanal. Era uma fonte de leitura agradável para mim. As
imagens da revista me ajudavam a entender o contexto das reportagens. Eu
lembro que lia com bastante frequência e isso me ajudou no aprendizado do
português. Aliás, considero que eu circulava bem na comunidade ouvinte e
na língua portuguesa. Hoje, recordo-me das aulas de português e literatura.
Lembro de trabalhos e atividades envolvendo a obra Os Sertões, do autor
Euclides da Cunha, e de fazermos teatro dessa obra. Essa foi uma atividade
que gostei bastante. Meus colegas se comunicavam gesticulando e
escrevendo em pedaços de papel. Acredito que eles não sabiam o que era a
libras, na época.
Lembro com carinho dos meus amigos de escola, principalmente
daqueles que fizeram parte dessa rede de apoio, dos quais tenho o contato
de dois até hoje. As redes sociais contribuem nesse sentido. Uma delas é
Cristiane Aguiar, ouvinte, que me acompanhava tanto na ida quanto na
volta da escola. E recentemente, na Universidade Federal do Tocantins
(UFT), em Porto Nacional, eu me encontrei com Nazareth, também
ouvinte, que foi minha colega de turma na escola CEM Professor Florêncio
Aires. Atualmente ela estuda no curso de Letras na UFT e recorda de alguns
sinais que aprendeu na época de escola. Inclusive me disse que cursou a
disciplina de libras na graduação e que teve facilidade, devido ao que havia
aprendido comigo.
Em relação ao meu contato com a libras, somente a conheci no ano de
2000, aos 22 anos de idade, através de uma surda que foi à minha casa com

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

uma cartilha do alfabeto manual para vender. Foi a primeira vez que tive
contato com um surdo. Ela se chama Cristiane Dias, uma pessoa
maravilhosa que morou em Porto Nacional. Atualmente ela mora em
Santarém – PA. Foi através dela que eu aprendi a libras. Ela me ensinou
desde o básico. Aliás, lembro-me de ter aprendido libras muito rápido. Ela
me visitava com muita frequência e chegamos a fazer algumas viagens
juntas para fora do Tocantins. Foi também através dela que tive contato
com outros amigos surdos. Encontrávamo-nos em festas, seminários,
eventos e em outros pontos de encontro. Após esse contato, passei a
conversar muito em língua de sinais e procurei estudar sobre a libras através
da internet. Minha aquisição aconteceu por meio de contato com meus
pares e de estudos individuais. Nunca tive curso formal de libras. Considero
que esse encontro foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. A partir
dele, me tornei usuária de libras. A língua de sinais que utilizara até então,
foi a base simbólica, de modalidade gestual, que definiu a minha diferença e
serviu de base para apropriação da libras de maneira rápida.
O contato surdo-surdo é um fenômeno importante para que nós
surdos encontremos a nossa diferença. A sensação de completude e de
pertencimento, quando estamos com nossos pares surdos e com a língua de
sinais, é indescritível. Nas palavras de Perlin (2012, p. vii), “como é bom ser
surda, ser diferente!”. A diferença é inerente ao ser humano e a diferença
surda proporciona visão de mundo e interpretação da realidade únicas, por
meio da qual nós nos posicionamos e estabelecemos nossas relações sociais.
Por fim, nós surdos temos uma perspectiva diferenciada.

O ato de ser surdo é fascinante, uma fascinante forma


de ser. Como dizer da sensação de completude que
experimentamos como o uso da língua de sinais, com
a proximidade de nossas identidades, a abertura de
nossa cultura, a cativante atração que temos pela
nossa diferença, o uso constante da leitura, o ser
leitores por experiência? (...) Ser surdo, então, é
pulsar, questionar, pensar, escolher, sempre no
paradigma da nossa diferença (PERLIN, 2012, v).

Até então, eu não tinha meu sinal em libras. Eu criei meu próprio
sinal, que logo foi validado pelos meus amigos surdos. Meu sinal faz
referencia ao uso de óculos, desde a infância. Ele é articulado com a mão
dominante configurada em “L” mas com o dedo indicador um pouco
curvado, palma da mão voltada para medial, tocando a região lateral do
rosto, próximo ao olho, com contato repetido. A figura 2, a seguir, é uma
imagem minha, articulando meu sinal.

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Figura 2 – Meu sinal “Lia”


Fonte: imagem de acervo pessoal

Hoje penso como teria sido minha trajetória de vida se eu tivesse


acesso à língua de sinais ainda na infância. Certamente eu teria habilidades
fantásticas por conta da libras, o que teria favorecido minha vida de relação
e minha percepção de mundo. A língua de sinais é o alicerce de nossa
diferença. A partir dela, saímos da margem, assumimos nossas vidas,
contemplamos nossas identidades e ocupamos nossos espaços de
transformação. Com a língua de sinais, não há deficiência e não há modelo
a ser seguido. Temos à disposição múltiplas subjetividades, oriundas da
diferença surda, para que, assim, possamos nos constituir sem medo.
Depois de alguns anos, meu comprometimento visual ficou agravado.
Eu perdi a visão periférica aos 30 anos de idade. Desde então, não consigo
enxergar o que se passa aos lados. Lembro de um episódio em casa, em
que derrubei copos e pratos porque não os havia visto. E estavam logo ao
lado. Fui diagnosticada com síndrome de Usher tipo 1 (surdez profundo de
nascença e cegueira noturna), devido a genética familiar. A partir desse
diagnóstico, sou considerada uma pessoa surdo-cega.

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Relações no ambiente de trabalho

Conforme mencionado anteriormente, durante minha vida escolar e


familiar, sempre contei com uma forte rede de apoio. Dessa forma, nunca
me senti sozinha. A rede de apoio em casa ainda continua e foi a grande
motivadora para que eu realizasse o concurso de servidores efetivos da
Universidade do Tocantins (Unitins).
Após finalizar o ensino médio, tive bastante ajuda de minha irmã para
me preparar para este concurso. Concorri a uma vaga destinada para
pessoas com deficiência. Fui aprovada e tomei posse em 2008, na cidade de
Palmas – TO, para o cargo de assistente administrativo.
Durante o período que atuei na instituição, estive lotada no setor de
protocolo, no prédio da reitoria. Minha rotina era fazer registro de
documentos tais como atas, memorandos, avisos, recebimentos de
matrículas e documentos pessoais de alunos dos cursos à distância. Minha
rotina não envolvia uso de telefone ou interação muito longa com outras
pessoas. Trabalhei na instituição um pouco mais de quatro anos. E durante
esse período não tive intérpretes em reuniões ou em qualquer outra
atividade coletiva da instituição. A interação com os colegas de trabalho, no
dia a dia, acontecia por meio da libras, através de alguns sinais que ensinava
e também através do português escrito.
O comprometimento de minha visão se agravou com os anos. E um
dia fui atropelada a caminho do trabalho. Após esse acidente, retornei ao
oftalmologista, em Palmas, quanto tive o diagnóstico de surdo-cegueira. Na
época, o médico explicou ainda que a perda da visão é progressiva. Logo
depois, eu tive uma perda muito grave, razão porque precisei ser afastada
do trabalho. Desde então eu preciso de acompanhante para deslocamento.
Eu não posso mais andar sozinha, principalmente fora de casa. Fui
aposentada por invalidez e deixei de trabalhar na Unitins.

O curso de Letras Libras na UFT

Em 2014 fui informada por minha amiga Mariângela Menezes sobre a


criação do curso de Letras Libras na UFT em Porto Nacional. Eu fiz o
processo seletivo de vestibular em 2015 e fui aprovada para ingressar nesta
turma.
Com isso, eu faço parte da primeira turma do curso de Letras Libras
da UFT. Minha turma é composta por alunos surdos e ouvintes. Iniciamos
o curso com 12 (doze) alunos surdos na turma. Ao longo de minha
formação, me senti contemplada: conheci e refleti sobre a cultura surda e
sobre as identidades surdas no decorrer dos períodos. Isso me inseriu ainda
mais na comunidade surda, pois pude ter acesso ao conhecimento a partir
da minha diferença. Digo que estudar no Letras Libras abriu portas para

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

novos conhecimentos. Além disso, aprendi a me enxergar de maneira ainda


mais linda.
Durante toda a minha vida escolar, eu nunca tive colegas surdos. E ter
colegas surdos, como estou tendo na faculdade, é algo diferente. Ao todo,
no Campus de Porto Nacional, somos aproximadamente 40 (quarenta)
estudantes surdos, considerando graduação e pós-graduação. Posso
considerar que saí de uma identidade ouvinte para entrar em uma
identidade surda, porque hoje estou inteiramente integrada à diferença
surda. Sou integrante ativa da comunidade surda tocantinense e também da
comunidade surda brasileira. Aprendi muito sobre a minha língua, a libras,
em contato com meus pares surdos. A língua portuguesa assim como a
libras me constituem. Mas hoje eu me posiciono a partir da libras. Com
tranquilidade, digo que vivo a partir da língua de sinais e vivo para a
comunidade surda.
Aprendo muito com os professores e colegas em sala de aula. No
Letras Libras, foi a primeira vez também que tive professores surdos. Eles
são professores ótimos e hábeis em libras. Uma grande referência para nós,
alunos surdos. É preciso ter mais professores surdos, tanto no Letras
Libras, quanto nas escolas, para que os mesmos sejam referência linguístico
cultural para os alunos surdos. É preciso um esforço para que os alunos
surdos encontrem a diferença surda e se reconheçam surdos, o quanto
antes. A língua de sinais é o grande alicerce para a pessoa surda se
posicionar no mundo. Por isso a importância do ensino de libras nas
escolas.
Por conta da minha baixa visão, eu sou uma aluna surda que demanda
algumas especificidades. Em sala de aula, preciso sentar em uma localização
mais próxima do professor, pois tenho apenas a visão central. Não tenho
mais a visão periférica. Dessa forma, preciso me posicionar de forma que o
professor fique no meu campo de visão, para que eu perceba a sua
sinalização. As provas e atividades, quando estão em português escrito,
também precisam ser ampliadas. Neste caso, o tamanho da fonte precisa
ser, no mínimo, 14 ou 16.
Os colegas surdos e ouvintes me tratam muito bem, porque sabem que
eu sou surdo-cega e, com isso, tenho minhas especificidades atendidas em
sala de aula. Assim como na escola, também tenho uma rede de apoio na
universidade. Quando preciso fazer algum deslocamento de longa distância,
alguém sempre se voluntaria. Sempre estão atentos para que eu não tropece
nos corredores e degraus da faculdade. Da mesma forma, ajudam-me a
posicionar minha carteira na frente do professor, em sala de aula.
Meu maior prazer é a linguística. Conhecer sobre a linguística das
línguas de sinais é algo que me fascina. Minha disciplina preferida, até o
momento, foi a Morfossintaxe de Libras, em que pudemos contrastar
alguns fenômenos da libras e da língua portuguesa. Assim, eu pude

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

reconhecer alguns elementos gramaticais estudados em minha época de


escola. Atualmente, estou fazendo uma pesquisa sobre os morfemas presos
na libras, para meu trabalho de conclusão de curso. Meu objetivo é verificar
o processo de criação de sinais-termo, através do uso produtivo de
morfemas presos. Acredito que seja uma discussão interessante sobre a
gramática da libras. Os alunos surdos das escolas precisam conhecer sobre a
gramática de sua língua. Nesse sentido, precisamos disponibilizar cada vez
mais conhecimento sobre sua organização gramatical.
O curso de Letras Libras também tem me proporcionado a experiência
de ser palestrante. Tive a oportunidade de falar na Câmara Municipal de
Vereadores da cidade de Paranã – TO, no ano de 2017, com uma palestra
intitulada “Setembro Azul”. Esta atividade fazia parte da Prática como
Componente Curricular, da graduação. Ministrei a mesma palestra em
Palmas – TO, na Justiça Federal do Tocantins. Não imaginava que pudesse
causar tamanha repercussão, decorrente de minha explanação, entre os
participantes da referida palestra. Direciono minha fala aos direitos dos
surdos. Também ministrei palestra sobre “Os desafios na surdo-cegueira”
na UFT de Porto Nacional, em 2018.
Eu gosto de ministrar palestras. É uma maneira muito oportuna de
apresentar a diferença surda e disponibilizar conhecimento sobre a
diversidade humana. Pretendo conhecer e ministrar mais palestras sobre
surdo-cegueira. Quero que as pessoas conheçam sobre a minha diferença.

Algumas considerações

A surdez nunca me despertou a sensação de perda. Parece que sempre


estive “em casa”. Minha vida sempre foi organizada a partir da minha
diferença e sempre tive uma rede de apoio que legitimou minha forma de
me posicionar no mundo. O contato com a língua de sinais tornou minha
diferença ainda mais linda e fez com que eu aprimorasse ainda mais as
minhas relações na linguagem e pela linguagem.
A língua brasileira de sinais e a língua portuguesa são línguas que me
constituem. É por meio delas que estabeleço as práticas simbólicas que
constroem as minhas identidades. Sou surda-cega e sigo a partir da minha
diferença.
A perda da visão, gradativa e progressiva, também não me causa a
sensação de perda. Conforme mencionei, tenho uma rede de apoio que me
permite enfrentar com otimismo os desafios. O futuro é incerto, mas cheio
de boas expectativas.

11
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Referências bibliográficas

CADER-NASCIMENTO, Fátima Ali Abdalah Abdel; COSTA, Maria da


Piedade Resende. Descobrindo a surdocegueira. Educação e
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Marta Rejane Proença. (Orgs). Educação de surdos em debate. Curitiba:
Editora da UTFPR, 2014. p. 223-232.

12
2 UM TERRITÓRIO SURDO NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TOCANTINS: O LUGAR COMO
ESPAÇO VIVIDO
Bruno Gonçalves Carneiro
José Divino Mendes de Souza
Delismar Palmeira Costa
Carlos Roberto Ludwig

Neste capítulo buscamos compreender o lugar como espaço vivido


pelos surdos, no curso de licenciatura em Letras Libras da Universidade
Federal do Tocantins (UFT) e de que forma eles se apropriam dos espaços
na universidade. Na oportunidade, apresentamos o sinal de UFT, de cada
um dos sete Campus e a motivação desses topônimos, fazendo uma relação
com a percepção do ambiente físico imediato consubstanciado com a praxe
humana. Para tanto, realizamos entrevistas com alunos surdos para
discutirmos sobre o processo de apropriação e nomeação desses espaços.
As entrevistas aconteceram em libras e contou com a participação de 3
alunos surdos, selecionados aleatoriamente, desde que fossem alunos do
curso de Letras Libras há mais de 1 ano.
Dessa forma, discutimos como a categoria lugar faz parte do cotidiano
dos estudantes surdos na UFT e o papel da libras nesse processo. O
questionamento que nos norteia é: como está sendo construído um
território surdo na UFT?
De acordo com Santos (2013, 2014), o espaço geográfico caracteriza-
se pela totalidade indissolúvel dos sistemas de objetos e sistemas de ações
que, todavia, está condicionado às particularidades de cada lugar. O
território nada mais é do que o espaço usado.

13
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

O lugar como espaço vivido

Em dias atuais, a ação humana se consolida em quase todas as partes


do globo, seja através de intervenções diretas, seja por meio de intenções de
apropriação. Assim, o homem pôde, ao longo da história, atuar em
diferentes pontos da superfície terrestre e, desse modo, desenvolver suas
atividades.
Costa e Lopes (2017) explicam que o desenvolvimento das civilizações
não teria sido possível sem uma relação profunda do homem com o meio
que o circunda. Em certa época, o nomadismo não propiciava aos grupos a
capacidade de produzir o espaço e de se constituir enquanto uma sociedade
mais complexa. O ser humano teve que se fixar em áreas permanentes e se
tornar sedentário, metamorfoseando-se com a natureza.
Baseados em Santos (2014), os autores explicam que a ligação da
humanidade com a natureza acontece por meio de suas necessidades e
anseios, que se especificam ao longo do tempo. O homem é um ser dotado
de inteligência e, por isso, se distingue na natureza. O trabalho é um dos
elementos diferenciadores, já que o ser humano é único por ser capaz de
refletir sobre suas ações. Ressaltam ainda que as atividades humanas são
consideradas conscientes e visionárias, pois servem de base para
aperfeiçoamentos e conclusões.
Dessa forma, o modo de atuar dos seres humanos se coloca como o
grande embasamento da simbiose existente entre o homem e a natureza.
Aliás, “a ação é o próprio homem. Só o homem tem ação, porque só ele
tem objetivo, finalidade. A natureza não tem ação porque ela é cega, não
tem futuro” (SANTOS, 2014, p. 82). A natureza possui uma inércia da qual
as atuações antrópicas permitem a ruptura. A intencionalidade dessas ações
tecnifica o meio e, consequentemente, produz o espaço geográfico, já que a
configuração espacial é por assim dizer um dado técnico (SANTOS, 2014).
E assim, através de novas arrumações impostas ao meio ambiente, o
homem vai se firmando nos lugares.
A natureza natural precisa de adaptações para que seja eficiente no
suprimento das necessidades do homem. Essas interferências se dão de
maneira coletiva, uma vez que a individualidade não traria nenhum quadro
evolutivo na sociedade, pois seriam ações fechadas. Assim, “o fato de o
homem viver da natureza tem um sentido biológico, mas, principalmente,
social” (BERNARDES; FERREIRA, 2005, p. 19).
Nesse contexto temos uma ação racional que modifica não somente o
homem e nem somente a natureza, mas ambos. As necessidades humanas
têm um peso significativo nesse processo de troca de energias. Segundo
Santos (2013), tais intervenções dão novas configurações aos lugares e com
o passar do tempo os instrumentos vão deixando de ser extensões do

14
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

homem para serem extensões da própria natureza.


Nesse processo de antropização da natureza, a língua do grupo
também modifica e caracteriza os espaços. De acordo com Pinheiro (2012),
o processo de organização de grupos em espaços geográficos faz surgir
também uma nova identidade cultural e linguística. Isso faz parte da
identidade do lugar e constitui as identidades de uma nação. É possível,
inclusive, a elaboração de uma cartografia da variação e da diversidade
linguística, no intuito de representar com clareza a dinamicidade das
relações sociais e linguística sobre o espaço.
Portanto, há uma relação entre língua e espaço. Uma coletividade se
constitui a partir das línguas. A língua é também um elemento primordial
para a sensação de pertencimento a um determinado lugar. O território é a
natureza trabalhada por excelência e lugar é o espaço de experiências
positivas.

A emergência de um espaço surdo na UFT

A Universidade Federal do Tocantins é uma instituição recente,


instituída pela Lei 10.032 de 23 de outubro de 2000. Embora tenha sido
instituída em 2000, suas atividades iniciaram a partir de maio de 2003, com
a posse dos primeiros servidores efetivos e a transferência dos cursos de
graduação da Universidade do Tocantins (Unitins), mantida pelo estado do
Tocantins, para a UFT.
Com uma estrutura multicampus, a UFT atua em sete localidades do
estado, nas cidades de Araguaína, Arraias, Gurupi, Miracema, Palmas, Porto
Nacional e Tocantinópolis. Atualmente, a UFT é considerada a terceira
instituição pública de ensino superior da Região Norte do Brasil em relação
à produção de conhecimento1.
O curso de Letras Libras da UFT funciona no Campus de Porto
Nacional, na cidade de Porto Nacional – TO. A habilitação do curso é
licenciatura e, por isso, objetiva formar professores de libras para atuação
no ensino fundamental e médio. O processo de criação do curso aconteceu
em 2013, com elaboração de seu Projeto Político de Curso (PPC) e em
2015 (1º semestre), teve início a sua primeira turma.
De acordo com seu PPC (CONSEPE, 2014), o curso oferta 30 (trinta)
vagas anuais, sendo 18 (dezoito) vagas destinadas a pessoas surdas e 12
(doze) vagas a pessoas não surdas (ouvintes), conforme preconiza o
Decreto Nº 5626 de 22 de dezembro de 2005, que dá prioridade aos surdos
em cursos de formação de professores de libras. A forma de ingresso no
curso é através de vestibular cujo certame envolve questões sobre libras,

1
Dado publicado em O Guia do Estudante (2016).

15
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

cultura surda e legislação envolvendo a comunidade surda brasileira, além


da prova de redação. A prova de libras é elaborada em libras e projetada em
vídeo. Conforme os editais de ingresso no curso dos anos de 2015 a 2019, o
processo seletivo exige do candidato compreensão mínima da libras. No
caso de candidatos surdos, a prova de redação é corrigida por banca
específica e a correção considera a relação de segunda língua que os surdos
brasileiros possuem com a língua portuguesa. Durante a aplicação das
provas do processo seletivo, candidatos surdos e candidatos ouvintes são
alocados em salas separadas, a fim de que a organização do certame possa
atender a especificidade linguística e cultural dos candidatos. Fiscais surdos
e fiscais ouvintes sinalizadores estão presentes na logística de aplicação das
provas.
Na oportunidade, também mencionamos o processo seletivo do
Programa de Pós-graduação em Letras, no Campus de Porto Nacional. O
Programa possui uma linha de pesquisa intitulada Língua Brasileira de
Sinais, o processo seletivo apresenta bibliografia específica para esta linha,
os candidatos surdos tem acesso às provas em libras (vídeos), há a
possibilidade de responderem às questões em libras (vídeos) e de fazerem
um prova de suficiência em língua portuguesa como língua estrangeira.
Em relação ao quadro docente, o curso de Letras Libras é composto
por 17 (dezessete) professores, sendo 9 (nove) professores surdos e 8 (oito)
professores ouvintes. Nos demais Campus da UFT, há outros 4 (quatro)
professores surdos, totalizando 13 (treze) professores surdos em toda a
universidade, envolvidos com atividades de ensino, pesquisa e extensão. A
UFT está entre as universidades com maior quantitativo de professores
surdos no Brasil2.
Importante ressaltarmos que, no curso de Letras Libras, a libras é
considerada língua de instrução. Além disso, a quantidade de professores e
alunos surdos favorece a emergência de uma rede de interação em libras
bastante satisfatória.
Os laboratórios, a sala de intérpretes, o estúdio de gravação e a sala
coletiva, vinculados ao curso de Letras Libras, estão alocados em um
mesmo bloco, no Campus da UFT/ Porto Nacional. Esses espaços foram
concebidos para estarem fisicamente próximos, de forma a favorecer o
contato surdo-surdo e a circulação da libras de maneira robusta e
consistente. Da mesma forma, as salas em que acontecem as aulas do curso
de Letras Libras também estão fisicamente próximas, de forma a atender o
mesmo princípio de favorecer a circulação da libras e fortalecer a cultura
surda.

2
Dado apresentado por Reis (2017) no Sign8 – International Conference of Sign
Language Users, realizado em Florianópolis – SC.

16
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

As figuras 1 e 2, a seguir, são um mapa do Campus da UFT/ Porto


Nacional e uma imagem do Bloco VIII, respectivamente. Este espaço
(Bloco VIII) é identificado como um território surdo, por ser um espaço, na
UFT, em que a libras circula com maior intensidade.

Figura 1 – Mapa da UFT, Campus de Porto Nacional


Fonte: Souza (2017)

Figura 2 – Bloco VIII da UFT, Campus de Porto Nacional

17
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Fonte: Souza (2017)

O espaço do cotidiano dos surdos, do curso de Letras Libras, está


onde a língua de sinais, as identidades e a cultura surda são vistas e
vivenciadas de forma mais intensa. Ali, as experiências surdas estão
presentes e, naquele espaço, a libras é língua de prestígio. A experiência de
conviver neste espaço, a partir da diferença surda, é única.
De acordo com Dalcin (2006), a maioria dos surdos são filhos de pais
ouvintes, ou seja, crescem em um ambiente em que se utiliza uma língua
oral. Essa realidade traz uma série de desafios e restrições em relação à
aquisição de língua. Crianças surdas, neste cenário, não são expostas a uma
língua propriamente dita, com toda sua estrutura e usada nos mais diversos
contextos de uso. Além disso, na interação em casa, os membros da família
e os demais familiares (ouvintes) pouco conversam com o familiar surdo.
Isso faz com que as crianças, em casa, sejam pouco estimuladas em nível de
linguagem e, consequentemente, tenham pouco conhecimento de mundo,
quando comparadas com crianças ouvintes de mesma faixa etária. As
barreiras de comunicação não param por aí. Aliás, muitos ouvintes ignoram
a intensidade e a duração com que as barreiras linguísticas se impõem na
vida das pessoas surdas.
Provavelmente por esses motivos, nos deparamos com situações de
permanência de alunos surdos no Campus, mesmo em dias em que não há
atividades de ensino porque “aqui eu encontro outros surdos”, segundo um
dos entrevistados. De acordo com Perlin (2014), as diásporas surdas estão
em busca de sua alteridade. A surdez enquanto falta não tem mais lugar.
Todos estão movidos por uma sede de encontro, daí a necessidade de
situações que possibilitem o pulsar das identidades surdas. E o ambiente do
curso de Letras Libras é um espaço oportuno para isso. Dessa forma,
acreditamos que a língua de sinais, as identidades e a cultura surda ocupam
o espaço e constituem um território na Universidade Federal do Tocantins.
Neste lugar, as experiências das pessoas surdas assumem o comando.
Mais uma vez, é a língua de sinais que vai caracterizar o espaço para
surdos. Ainda de acordo com Perlin (2014), a partir da libras, as relações
são incontestavelmente sólidas. Todas as ações, reflexões e mediações se
tornam efetivas. Com trocas significativas entre pares, os surdos se
fortalecem e estabelecem uma relação segura com o mundo. São nestes
locais, nos espaços surdos, que a cultura e as identidades surdas encontram
uma situação de prestígio, onde o encontro surdo-surdo emerge de maneira
espontânea, espaço em que a língua de sinais é o principal meio de
comunicação e interação. Dessa forma, consideramos que a dinâmica e os
princípios que norteiam as atividades do curso de Letras Libras, com
prestígio à libras e às experiências das pessoas surdas, permitem o acesso, a
permanência e a participação de surdos na UFT.

18
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

O uso da libras faz com que o lugar se torne um ambiente agradável.


Os entrevistados surdos reconhecem a libras como língua de prestígio,
sendo utilizada também entre ouvintes mesmo não havendo surdos por
perto. Este é o lugar em que não há barreiras de comunicação, não há
deficiência. Assim, o lugar de funcionamento do curso de Letras Libras se
torna um lugar de pertencimento.
O espaço ocupado pelos surdos, dentro da UFT, é atrelado a questões
afetivas. Os alunos surdos entrevistados para este trabalho mencionam que
isso acontece pela presença de referências surdas e pela circulação intensa
de informações em libras. O ambiente também é agradável para os
ouvintes, pois podem se aproximar da língua de sinais e do universo surdo,
a partir da perspectiva da diferença. Além disso, é um local em que o
conhecimento é produzido em uma epistemologia surda. A seguir,
recortamos trechos de alguns dos depoimentos.

“Eu acho o curso de Letras Libras muito bom porque, neste ambiente, eu encontro
surdos e ouvintes que sabem falar em libras. Outra coisa importante no curso é que há
muitos professores surdos e isso enriquece muito nossa cultura. Há também muitas
conversas em libras e isso é muito bom. Espero sair apto para poder trabalhar nas
escolas” (Trecho do depoimento A).

“A interação entre surdos e ouvintes acontece em libras. O que eu encontro aqui, eu


não encontro de forma tão intensa, em outros lugares. Quanto aos professores, é muito
bom estudar com professores surdos, porque eles falam a minha língua. Eu não tenho
dificuldade. Isso não acontece quando tenho aula com professor ouvinte, que não sabe
libras e precisa de intérprete. Estou no quinto período e espero me formar o mais rápido
para ensinar minha língua a outros surdos e ouvintes” (Trecho do depoimento B).

“É muito gratificante ver a interação entre surdos e ouvintes e ir percebendo que


pessoas que não sabiam libras, aos poucos vão se desenvolvendo na língua. Eu tenho
aprendido muito com os professores; principalmente com os professores surdos, porque eles
falam a minha língua. Não dependemos de intérpretes, quando há professores surdos e
considero que isso facilita o aprendizado” (Trecho do depoimento C).

De acordo com Santos (2013), utilização do espaço pelo povo cria o


território. O que começa como espaço indiferenciado, transforma-se em
lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. No caso
dos surdos na UFT, isso acontece a partir da libras que vai garantir a
participação de pessoas surdas na dinâmica da universidade.

A nomeação dos espaços na UFT

O ato de nomear é inerente ao ser humano e a nomeação dos espaços,

19
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

da Universidade Federal do Tocantins, evidencia ainda mais sua ocupação


pelos surdos e que estes lugares fazem parte do cotidiano dos surdos.
Nesta seção, apresentamos os sinais de UFT e de seus 7 (sete) Campus
em libras. Apresentamos também a motivação desses sinais, a partir das
entrevistas realizadas. Neste sentido, pretendemos conhecer como a visão
de mundo da comunidade surda se manifesta nestes topônimos. De acordo
com Carneiro (2016), a experiência corporal parece exercer grande
influência na nomeação de lugares. Segundo o autor,

[u]ma estratégia usada para a criação de novos sinais é


considerar características físicas do referente, como
imagem local (características do imóvel/disposição da
construção) ou símbolo/ logotipo do
empreendimento/ da instituição. Notamos a
influência de características do referente (input visual
concebido pela comunidade surda sobre tais
referentes) como um recurso para a ampliação lexical
da libras (CARNEIRO, 2016, p. 115).

A Figura 3, a seguir, ilustra os sete Campus da Universidade Federal do


Tocantins e seus respectivos sinais em SignWriting.

20
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Figura 3 – Mapa dos Campus da UFT e seu respectivo sinal em SingWriting


Fonte: Mapa elaborado pelo geógrafo Pericles Lima (SOUZA, 2017).

O sinal de Universidade Federal do Tocantins foi criado em 2008 pela


professora Roselba Gomes de Miranda, em um evento sobre inclusão no
Campus da UFT na cidade Araguaína-TO. O sinal é icônico e remete ao
logotipo da instituição à época. A mão não dominante é configurada em T e
a mão dominante faz um movimento a contornar a imagem de uma folha
de árvore, na letra T, semelhante ao logotipo. As figuras 4 e 5, a seguir,
ilustram o sinal de UFT e o logotipo mencionado3.


3
Agradecemos à professora Roselba Miranda pela elaboração das imagens.

21
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Figura 4 - Sinal de UFT – Geral


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

Figura 5 - Logotipo da UFT


Fonte: < https://seeklogo.com/vector-logo/246271/uft>. Acessado em 01
de setembro de 2018.

Os sinais dos Campus da UFT são derivados do sinal UFT- Geral. A


mão não dominante, configurada em T, funciona como morfema base para
a criação dos outros sinais. De acordo com Faria-Nascimento (2013), a mão
não dominante funcionando como morfema base é muito produtivo na
criação de sinais-termos em libras.
O sinal de UFT – Campus de Araguaína é formado pela mão não
dominante configurada em T, fazendo referência à UFT, enquanto a mão
dominante está aberta, com palma da mão voltada para trás e movimento
fazendo referência às gramas do pátio principal da Unidade Cimba do
Campus da UFT de Araguaína. Dessa forma, a motivação para criação deste
topônimo é a paisagem do Campus. As figuras 6 e 7, a seguir, ilustram o
sinal de UFT – Campus de Araguaína e o pátio mencionado.

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Figura 6 - UFT – Campus de Araguaína


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

Figura 7 – UFT – Campus de Araguaína (unidade Cimba)


Fonte: https://www.google.com.br/search?q=uft+araguaina&source
Acessado em 01 de setembro de 2018.

O sinal da UFT de Arraias é uma mescla do sinal de UFT com o sinal


da cidade de Arraias. A motivação do topônimo ARRAIAS é a geografia da
cidade. A cidade de Arraias é localizada no sudeste do estado e cercada por
relevos. O centro histórico se encontra em uma área mais baixa, em relação
aos relevos que o cerca. Sendo assim, o sinal de UFT- Campus de Arraias
apresenta a mão não dominante em T e a mão dominante aberta, côncavo,
com palma voltada para cima e movimento que remete a uma depressão. As
figuras 8 e 9, a seguir, ilustram o sinal de UFT – Campus de Arraias e a
imagem do centro da cidade.

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Figura 8 – UFT – Campus de Arraias


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

Figura 9 – cidade de Arraias - TO


Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=arraias+tocantins>.
Acessado em 01 de setembro de 2018.

O sinal da UFT de Gurupi parece ser motivado pela grafia em língua


portuguesa. De acordo com Souza-Júnior (2012), sinais motivados pela
grafia da língua portuguesa seriam grafotopônimos. A mão não dominante

24
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

continua em T, enquanto a mão dominante é configurada em U e


movimenta-se em torno da mão não dominante. A figura 10, a seguir,
ilustra o sinal de UFT – Campus de Gurupi.

Figura 10 – UFT – Campus de Gurupi


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

O sinal do Campus de Miracema parece ser motivado por


característica da cidade, que faz referência à construção localizada no
canteiro central da Avenida Tocantins, em Miracema do Tocantins. A
construção assemelha-se a um portal, confirme ilustra a Figura 11, a seguir.
Para a articulação do sinal, a mão não dominante está em T, assim
como nos demais sinais, enquanto a mão dominante está aberta, dedos
aduzidos, palma voltada para medial e movimento de forma que a base da
mão toca a região inferior da mão não dominante e, em seguida, a ponta
dos dedos da mão dominante toca a região superior da mão não dominante.
A figura 12, também a seguir, ilustra o sinal de UFT – Campus de
Miracema.

25
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Figura 11 – Avenida Tocantins em Miracema do Tocantins


Fonte: < https://www.tripmondo.com/brazil/tocantins/miracema-do-
tocantins/miracema-do-tocantins/> Acessado em 18 de março de 2019.


Figura 12 – UFT – Campus de Miracema
Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

O sinal de UFT – Campus de Palmas é formado pela mão não


dominante configurada em T, enquanto a mão dominante está aberta,
palma da mão voltada para baixo e movimento circular fazendo referência a
um lago. O Campus da UFT de Palmas está localizado às margens do lago
formado pelo represamento das águas do Rio Tocantins. Dessa forma, a
motivação para criação deste topônimo é a paisagem do Campus. As figuras

26
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

13 e 14, a seguir, ilustram o sinal de UFT – Campus de Palmas e a imagem


do Campus.

Figura 13 – UFT – Campus de Palmas


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

Figura 14 – UFT – Campus de Palmas


Fonte: < https://gazetadocerrado.com.br/2018/05/27/universidades-
alteram-aulas-campus-da-uft-estao-com-ponto-facultativo/> Acessado em
01 de setembro de 2018.

O Campus da UFT de Porto Nacional possui um grande número de


árvores nativas do cerrado, dentre elas cajuzeiros. O sinal de UFT –
Campus de Porto Nacional é motivado pela paisagem do Campus e é uma
mescla do sinal de UFT com o sinal de CAJU. A mão não dominante está
configurada em T, enquanto a mão dominante está configurada semelhante
à configuração de mão no sinal de CAJU. Neste caso, a mão dominante faz

27
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

contato e movimento como em CAJU, mas o ponto de articulação é a mão


não dominante (configurada em T). A figura 15, a seguir, ilustra o sinal da
UFT – Campus de Porto Nacional.

Figura 15 – UFT – Campus de Miracema


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

O sinal de UFT – Campus de Tocantinópolis também é motivado por


características do Campus e oriundo da mescla do sinal de UFT com o sinal
de ÁRVORE. A mão não dominante está configurada em T, enquanto a
mão dominante está configurada de forma a remeter à copa de uma árvore.
A mão dominante movimenta-se semelhante ao sinal ÁRVORE, fazendo
contato com a mão não dominante. O Campus da UFT de Tocantinópolis,
Unidade no Bairro Céu Azul, possui uma árvore com copa grande. A figura
15, a seguir, ilustra o sinal da UFT – Campus de Tocantinópolis.

Figura 16 – UFT – Campus de Tocantinópolis


Fonte: imagem produzida para elaboração deste capítulo

28
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

A seguir, a Tabela 1 sintetiza a motivação do sinal de UFT e de cada


um dos Campus. Ao total são 8 (oito) sinais.

Sinais relacionados à UFT Motivação


UFT – Geral Logotipo da UFT
UFT – Campus de Araguaína Características do Campus
UFT – Campus de Arraias Características da Cidade
UFT – Gurupi Grafia do nome
UFT – Miracema Características da Cidade
UFT – Palmas Características do Campus
UFT – Porto Nacional Características do Campus
UFT – Tocantinópolis Características do Campus

Tabela 1 – Motivação os sinais de UFT e seus Campus


Fonte: tabela produzida para elaboração deste capítulo.

Considerações finais

A Universidade Federal do Tocantins, especificamente o curso de


Letras Libras, tem se organizado para o acesso, permanência e participação
de surdos na universidade. Isso tem proporcionado a criação de um espaço
surdo.
Dessa forma, os surdos têm se apropriado da universidade, criando
também um território surdo. Este lugar é caracterizado pelo uso intenso da
língua de sinais e pela presença de pessoas surdas e ouvintes sinalizadores.
Isso faz com que a diferença surda seja prestigiada e as experiências das
pessoas surdas estejam à frente, na produção de conhecimento.
A apropriação da UFT pelos surdos também é percebida na criação de
sinais para a universidade e para os sete Campus que a compõem. Estes
sinais evidenciam que a universidade faz parte do cotidiano dos surdos. Os
sinais da UFT e seus Campus são motivados por características do Campus,
características da cidade, características do logotipo e pela grafia do nome
da cidade sede, em língua portuguesa. A motivação por características do
referente parece prevalecer. Observamos, conforme pontuado por Carneiro
(2016), a influência da experiência corporal, principalmente do input visual
em relação ao referente, na criação destes sinais.
Sugerimos a necessidade de estudos para compreendermos ainda mais
a relação entre língua, diferença e apropriação de espaços, principalmente
em instituições de ensino. A educação é considerada um direito que permite
ao cidadão acessar outros direitos. Sugerimos também estudos para a
descrição do processo de criação destes sinais. Há processos morfológicos

29
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

elaborados na libras, mas ainda pouco discutidos. Um olhar sobre esse


fenômeno, em específico, pode ser uma contribuição oportuna para a
linguística da libras.

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31
32
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

3 O SURDO COMO SUJEITO DE LINGUAGEM:


UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA DAS PRÁTICAS
ESCOLARES PARA PESSOAS COM SURDEZ NA
REGIÃO SUDESTE DO TOCANTINS
Márcia Cristina Barreto Fernandes de Abreu
Rosileny Santos
Vanessa Alves Porto
Venery Ferreira da Cunha

O presente capítulo trata de um estudo acerca das práticas escolares no


ensino fundamental, para alunos com surdez. Por práticas escolares,
entende-se todas as atividades desenvolvidas pelos professores no cotidiano
da escola, tanto para os alunos surdos quanto para os ouvintes, em aulas
regulares dos conteúdos específicos, a saber, atividades de leitura, escrita,
resolução de problemas e avaliações. Nesse cenário, o que deveria
caracterizar a diferença do atendimento do aluno surdo, em relação ao
aluno ouvinte, é a oferta de língua brasileira de sinais (libras) como primeira
língua, com o contrato de professores proficientes em libras, bem como a
mediação feita pelo intérprete educacional durante a realização das aulas.
O estudo defende a concepção de que a constituição dos alunos
surdos, pela linguagem, é marcada pelo Outro. Tal concepção propõe uma
dupla inscrição do sujeito surdo, no processo comunicativo: primeiro ele
deve ser falado para, em segundo, se constituir como falante. Em vista
disso, foi eleito como foco da análise os resultados das práticas pedagógicas
para o aluno surdo, no âmbito de escolas de ensino fundamental. A
construção do corpus de pesquisa foi concretizada na descrição e análise de
estudos realizados entre os anos 2016-2017, em escolas de três municípios

33
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

da região sudeste do estado do Tocantins: Arraias, Paranã e Combinado.


Procuramos problematizar como a pessoa surda se constitui aluno em
contextos educacionais de inclusão. As questões de pesquisa que nortearam
a investigação são: 1) Como a pessoa surda experimenta/ vivencia as
práticas escolares? 2) Existe de fato uma educação bilíngue nas escolas de
ensino fundamental em que os alunos surdos estudam? 3) Como se
caracteriza a implementação da educação bilíngue na escola?
Dessa forma, nosso objetivo é discutir a proposta de educação no que
tange às práticas escolares constitutivas de uma educação para surdos em
algumas escolas do sudeste do Tocantins. Ao longo do texto, defendemos a
tese do surdo como sujeito de linguagem, utilizando como referência teórica
a Psicanálise Lacaniana, bem como investigamos as características da
educação para alunos surdos, no ensino fundamental, em três escolas da
região sudeste do Tocantins.

Perspectiva socioantropológica da surdez

Nos trabalhos de Skliar (1998), Quadros (2003) e Sá (2006), encontra-


se a concepção denominada “visão socioantropológica da surdez”. Segundo
esse conceito, os surdos constituem um grupo minoritário de pessoas que
se agrupam para discutir e opinar sobre suas vidas, pelo fato de serem seres
visuais. A língua de sinais permite a comunicação e a interpretação de suas
histórias e culturas. Prova disso é como as comunidades surdas
conseguiram, mesmo com a proibição do uso das línguas de sinais durante
o domínio da proposta oralista, uma forma de organização que permitiu o
desenvolvimento e a ampliação das línguas de sinais no mundo inteiro.
Nessa direção, a surdez é entendida como uma diferença cultural e
linguística, que abrange significação política, de modo a ser construída
histórica e socialmente. A visão socioantropológica da surdez tem em Skliar
(1998) um de seus principais difusores. Nela, o autor apresenta uma
ideologia diferente da visão clínica, abordando o paradigma social, cultural e
antropológico da surdez e aprofundando os conceitos de “bilíngue” e
“bicultural”. Nessa concepção, a criança surda precisa adquirir primeiro a
língua de sinais de seu país – no caso do Brasil, a libras – e, por meio dela,
desenvolver a sua capacidade da linguagem e do pensamento, como suporte
para acessar uma segunda língua, no caso, a língua portuguesa.
Assim, uma pessoa surda é alguém que vivencia o mundo a partir da
diferença surda. Há um déficit de audição que impede o surdo de adquirir,
naturalmente, a língua oral-auditiva usada pela comunidade majoritária
(ouvinte). Os surdos constroem sua identidade assentada principalmente na
diferença (surda) e, para isso, utilizam de estratégias cognitivas e de
manifestações comportamentais e culturais visuais diferentes das pessoas
que ouvem (BISOL; SPERB, 2010). As pessoas surdas formam um grupo

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

minoritário que vem lutando para que sua cultura seja reconhecida e
legitimada, no contexto social, como legítima.
Segundo Sá (2006), a cultura surda se expressa por meio da linguagem,
dos juízos de valor, das artes e das motivações, gerando a ordem do grupo
com seus códigos próprios, suas formas de organização e de solidariedade.
Uma concepção de cultura surda constitui-se na mediação simbólica, que
possibilita a vida em comum das pessoas surdas, sendo a defesa de sua
existência relacionada aos códigos próprios dos surdos. Portanto, a
aquisição de uma língua, no caso a língua de sinais, é de extrema
importância para que ocorra o desenvolvimento de identidades surdas.
Os surdos buscam em espaços de discussão e movimentação, um lugar
de onde possam minimizar os efeitos negativos das relações sociais entre
eles e os ouvintes. A história mostra uma relação de hegemonia do ouvinte
nas questões destinadas à população surda. Os seres humanos, como seres
sociais que são, são submetidos à ação ideológica mesmo antes de seu
nascimento. Nas sociedades modernas capitalistas, essa primeira abordagem
é feita por intermédio dos membros da família nuclear e pela escola. As
informações sobre o lugar social a ser ocupado por homens e mulheres, por
adultos e crianças, por surdos e ouvintes são ditadas ao sujeito pelas
escolhas e expectativas da família e da escola. Enfim, o que se pretende é
uma participação efetiva da população surda na organização de um lugar
social para o surdo no mundo.
A criança ouvinte, desde seu nascimento, é exposta à língua oral e,
dessa forma, é fornecida para ela a oportunidade de adquirir uma língua
naturalmente, a qual irá lhe permitir realizar trocas comunicativas, vivenciar
situações de seu meio e, assim, constituir sua linguagem. Para a criança
surda, deveria ser dada a mesma oportunidade. Assim, um dos objetivos da
escola seria proporcionar formas de estabelecer a competência em
linguagem expressiva e receptiva o mais cedo possível (PETEAN;
BORGES, 2002). A pessoa surda necessita desse lugar onde possa se
constituir, enquanto sujeito. A constituição do surdo no mundo, não se
diferencia da constituição do ouvinte, porém apresenta uma singularidade,
no que se refere às características das línguas de sinais, que permeiam o
processo de instituição do surdo como sujeito discursivo/ falante.
Com base nesses pressupostos, os pesquisadores Stokoe (1960) e
Quadros & Karnopp (2004) estudaram a estrutura da língua de sinais
americana e brasileira, respectivamente, analisando as partes constituintes
dos sinais. Concluíram que essas línguas atendiam aos critérios linguísticos
de uma língua, no que se refere ao léxico, à sintaxe e à capacidade de gerar
uma quantidade infinita de sentenças. Sendo assim, as línguas de sinais
compartilham uma série de características que permitem atribuir-lhes o
caráter de uma língua. Portanto, as línguas de sinais são consideradas
sistemas linguísticos legítimos. Os estudos de Sá (2006), Strobel (2009) e

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Quadros & Cruz (2011) mostraram ainda que as línguas de sinais são
adquiridas pelos surdos com rapidez, possibilitando o acesso a uma língua
que permite uma comunicação eficiente e completa, tal como aquela
desenvolvida por sujeitos ouvintes. Isso também permitiria ao surdo um
desenvolvimento cognitivo e social muito mais adequado, compatível com
sua faixa etária. Na visão socioantropológica, a surdez é vista como uma
diferença cultural e linguística. Na direção da surdez como uma diferença
linguística, serão apresentadas algumas concepções da psicanálise freudo-
lacaniana que apoiam a constituição do sujeito na linguagem.

A Psicanálise e os surdos como sujeitos de linguagem

A psicanálise, por meio das contribuições de Sigmund Freud (1856-


1939) e Jacques Lacan (1901-1981), trouxe uma nova forma de se
compreender os seres humanos. Ela revelou a importância da sexualidade,
do inconsciente e da linguagem no processo de constituição dos sujeitos.
Assim, para a psicanálise, o sujeito do inconsciente se constitui na e pela
linguagem. Sob essa perspectiva, a linguagem não é mero instrumento de
comunicação, mas a trama literal que faz o sujeito.
Os autores Roudinesco e Plon (1998) e Teixeira (2005), em
consonância com Lacan (2010), apresentam a concepção de representação
formulada aos três grandes registros: imaginário, simbólico e real. O
imaginário é um registro psíquico correspondente ao ego (eu) do indivíduo;
está ligado ao nascimento do eu. O indivíduo busca no Outro (pessoas,
amor, imagem, objeto) uma sensação de completude, de unidade. O registro
do simbólico está ligado ao registro da castração; viabiliza que a constituição
do imaginário possa ser posta em palavras. É o lugar fundamental da
linguagem, que insiste na nomeação e na relação de um significante com os
outros significantes e permite a relação do sujeito com o grande Outro. O
real é o registro psíquico, que não deve ser confundido com a noção
corrente de realidade. O real é o impossível, aquilo que não pode ser
simbolizado. O real é aquilo que, mesmo existindo como constitutivo de
um objeto, escapa à simbolização.
Ainda na defesa de que a constituição da pessoa surda é permeada pela
linguagem, serão apresentados alguns conceitos da psicanálise que versam
sobre o processo de constituição do sujeito, incluindo o sujeito surdo, a
saber: alienação, metáfora paterna, separação, identificação e transferência e
transmissão.
Na alienação, segundo Lacan (2008), o lugar do Outro nasce pela ação
da linguagem e é ocupado pela mãe, a qual oferece à criança significantes
por meio da fala. Sendo assim, o sujeito se submete a um, entre os vários
significantes que lhe são oferecidos pela função materna. O sentido emerge
no campo do Outro, e o ser é eclipsado numa grande parte de seu campo

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

em virtude da própria função do significante. O sujeito advém como um


efeito de articulação S1 (significante unário, que surge no campo do outro/
significante mestre – todo saber que não se sabe) – S2 (sujeito enquanto
significante binário/ campo do significante − rede articulada de
significantes). O sujeito se identifica como traço significante aportado pelo
Outro materno. O acontecido na alienação pode-se denominar captura: o
sujeito é capturado pelo significante. O sujeito está assujeitado à primazia
do significante (LACAN, 2008). O sujeito, como efeito de linguagem,
advém da formação do inconsciente, formado por significantes, elementos
simbólicos relacionados aos afetos que não podem ser direcionados a um
significado imediato, não pode ser racionalizado. O inconsciente só pode
ser sabido por meio de suas revelações no discurso (OLIVEIRA; SILVA,
2013). Como a dimensão simbólica, a linguagem preexiste ao sujeito, o
nascimento do sujeito é marcado por uma inscrição simbólica. Na
alienação, há falta do sujeito, vinculada ao significante afanísico que obtura
o que o significante pode dar de “ser” ao sujeito. Uma falta recuperada com
a falta do sujeito como objeto para o Outro. As duas faltas são: a falta do
outro e aquela produzida pela perda de “ser” intrínseca à alienação, com
que o sujeito joga, experimentando a reação do Outro a sua ausência
(LACAN, 2008).
Cabe aqui uma discussão acerca da libras não ser considerada língua
materna da grande maioria dos surdos, pois a língua materna se caracteriza
por ser a que constitui o sujeito, psiquicamente, a partir de uma inscrição
simbólica. Uma família ouvinte, não proficiente em libras, caso de 90%
(noventa por cento) das famílias com filhos surdos, não pode oferecer as
condições necessárias para que o referido processo se estabeleça na pessoa
com surdez.
A metáfora paterna é um processo que instaura o discurso do
inconsciente, faz a mediação da lei, responsável pelo funcionamento da
sociedade e permite à criança o acesso à ordem simbólica, ou seja, às regras
e à estrutura da sociedade. Esse processo introduz o sujeito na ordem da
cultura, da civilização e o ensina a substituir o real da existência (desejo de
ser para a mãe), por um símbolo e uma lei (o pai e a família). O que se
denomina metáfora paterna é uma operação significante: o significante do
desejo da mãe é recalcado em benefício de um significante novo: o nome
do pai. O pai (função paterna) é investido de uma função de pai simbólico,
isto é, o Outro que impõe à criança a castração simbólica. A metáfora
paterna permite a criança advir como sujeito em uma estrutura de divisão
psíquica irreversível para o sujeito. Esse é o estatuto do sujeito lacaniano,
indefinidamente clivado por força do funcionamento da cadeia significante.
A linguagem simboliza, metaforicamente, o primeiro objeto de desejo que
se tornou perdido (objeto “a”), também conhecido como significante
primordial. Sendo assim, a linguagem é usada para significar algo que está

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

além do que é enunciado pelo sujeito, e o desejo entra em movimento


metonímico, o que causa um permanente deslocamento, sendo impossível
de ser satisfeito. A metáfora paterna oferece ao sujeito a condição de
desejante.
Na separação (LACAN, 2008), o sujeito encontra o ponto fraco do
casal primitivo da articulação significante no que ela é de essência alienante.
No intervalo entre esses dois significantes, surge o desejo oferecido ao
balizamento do sujeito na experiência do discurso do Outro. É no ponto
em que o desejo está além do que o Outro diz que se configura o sentido, é
no ponto em que o desejo é desconhecido, nesse ponto de falta, que se
constitui o desejo do sujeito. O conceito de separação está representado
pela intersecção entre os elementos que pertencem aos dois conjuntos, o
lugar onde se juntariam o sujeito e o Outro, o ser e o sentido. A intersecção
resulta do recobrimento de duas faltas. Uma falta é aquela que o sujeito
encontra no Outro e que é próprio da estrutura significante; é o fato de, nos
intervalos do discurso do Outro, cortando os significantes, deslizar o
desejo, o que faz o sujeito apreender algo do desejo do Outro. A outra falta
é trazida pelo sujeito, que responde a essa captura com a falta anterior de
seu próprio desaparecimento (o desaparecimento corresponde à afânise, ao
se submeter ao sentido dado pelo Outro).
Na separação, o sujeito irrompe na cadeia significante e se destaca do
objeto “a”. Essa operação de separação permite que o sujeito encontre um
espaço entre os significantes, nos quais irá se constituir o seu desejo. Sendo
o seu desejo desconhecido, o sujeito retoma, então, ao ponto inicial, que é a
falta como tal. Isso aponta para a compreensão de que alienação e
separação não são “fases” estáticas, e mostra a oscilação permanente que
verifica uma alternância sempre renovada entre a alienação e a separação. A
separação promove algum acesso, ainda que limitado, à liberdade
(BRUDER; BRAUER, 2007).
O processo de identificação (FREUD, 1921) é concebido como a mais
remota expressão de um laço emocional com outra pessoa. Ela desempenha
um papel na história primitiva do complexo de Édipo. A identificação, em
primeira instância, constitui a forma original de laço emocional com um
objeto. Em segunda instância, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo
para a vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio de
introjeção do objeto do ego. E, em terceira instância, pode surgir com
qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma
outra pessoa que não é objeto de instinto sexual. Quanto mais importante
essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa
identificação parcial, podendo representar, assim, o início de um novo laço.
A identificação é, na verdade, uma construção ambivalente desde o início,
podendo, nas relações entre as pessoas, tornar-se expressão de ternura com
tanta facilidade quanto um desejo de afastamento de alguém (FREUD,

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

1921), conforme veremos na transferência e transmissão.


No processo da transferência, o sujeito suposto saber aparece e
articula o sujeito (representado por um significante) para outro significante
(outro/par), ficando o Outro, entendido como o tesouro dos significantes.
Laurent (2002) destaca três aspectos fundamentais na transmissão
conceituada pela psicanálise. O primeiro refere-se à importância dos
conteúdos que se pretende transmitir no processo de formação,
descartando, assim, as respostas mais imediatas que enfatizam o impossível
do ato de educar e ensinar. O segundo enfatiza a necessidade de privilegiar
o inconsciente por meio de uma leitura viva, e não como uma leitura morta
- o inconsciente estruturado pela singularidade de cada sujeito, privilegiando
o específico da relação. E, em terceiro, a importância de o sujeito tecer um
laço social com o mundo, para que aquilo que se apresenta como
intencionalidade educativa acabasse se transformando em ato, fornecendo
criatividade para enfrentar as situações.
Nessa perspectiva, uma educação para o sujeito precisa ser pensada
como um processo educativo voltado para o aluno, em que o importante é
privilegiar a singularidade de cada um, com base em seu contexto de vida,
isto é, levando em consideração a especificidade do inconsciente de cada
sujeito. No caso da pessoa com surdez o desenvolvimento da sua
subjetividade está relacionado diretamente com o tipo de experiência que
teve com a linguagem. Na comunicação por meio da libras, os surdos
podem se tornar sujeitos e incorporar o vazio, visto que a presença de um
significante implica a ausência dos demais. Cada sujeito, até mesmo o
sujeito surdo, é fisgado, capturado na linguagem e também na
descontinuidade do sistema significante. Isso não se dá da mesma maneira
para todos os sujeitos, mas afeta de modo intensivo os sentidos que
produzimos sobre nós mesmos, o mundo a nossa volta, nossas escolhas.
Segundo Pêcheux (1988), a constituição do significante realiza-se no
contato-convivência com os pequenos outros, representantes do grande
Outro (cultura). Para haver sujeito, e para haver inconsciente, é preciso
passar pelos significantes desses primeiros outros (pares), os quais,
ocupando o lugar do Outro, transmitem as leis do simbólico. Isso implica
que os meus significantes, os significantes que considero como “meus”,
estão constituídos e afetados pelo Outro: para emergir como sujeito,
falamos afetados pelo Outro (nesse sentido, a alteridade está em mim). O
tornar-se sujeito está atravessado pela materialidade significante do outro.
Para a psicanálise, o inconsciente é social. O sujeito surdo emergiria do
ponto de articulação entre o seu fantasma e o discurso social. Tendo isso
em conta, e concebendo que para além da família, as ações desenvolvidas
na escola são aspectos relevantes na imersão da criança surda na linguagem,
tornando-a capaz de produzir discurso. Ou seja, tornando-a capaz de
dirigir-se ao outro, formando, assim, um laço social. Nada mais oportuno

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

que considerar o espaço escolar na construção/ constituição do sujeito com


surdez.

Uma análise psicanalítica das práticas escolares para pessoas com


surdez na região sudeste do Tocantins.

Para analisar as práticas escolares para surdos na perspectiva


psicanalítica nas escolas da região sudeste do Tocantins, tomamos como
referência três estudos realizados por acadêmicas concluintes do curso de
Pedagogia, que elegerem a temática educação de surdos em suas pesquisas.
Pretendemos, na sequência, descrever sucintamente cada um dos estudos,
abordando os seus objetivos, suas metodologias e os resultados alcançados.
A primeira pesquisa, realizada em 2016-2017, pela acadêmica Venery
Ferreira da Cunha, teve como tema “Escolarização do aluno surdo na rede
estadual de ensino na cidade de Arraias-TO” e como objetivo estudar as
características do atendimento do aluno surdo na Escola Estadual Silva
Dourado de Arraias – TO, na qual havia uma aluna surda matriculada.
Como caminho metodológico foi utilizado uma abordagem qualitativa de
pesquisa com a utilização de entrevista, na coleta de dados. Participaram das
entrevistas duas professoras e duas coordenadoras pedagógicas. O estudo
possibilitou a percepção de que tanto os professores regentes, quanto os
alunos ouvintes e, principalmente, a aluna surda, demonstraram interesse
em aprender língua brasileira de sinais. Porém, a profissional que atua como
intérprete e também como professora de apoio da aluna surda, não possui
proficiência em libras. O seu conhecimento sobre a língua é limitado. Vale
ressaltar que, na época da pesquisa, não foram oferecidos cursos de libras
no município de Arraias. Os alunos ouvintes da instituição, os professores,
os funcionários da escola e a família, que convivem com a única aluna surda
matriculada na instituição de ensino, no sétimo ano do ensino fundamental,
também não possuem domínio da libras. A comunicação é efetuada por
sinais não convencionais (gestos que se configuram como sinais caseiros). A
instituição pesquisada reconhece que o sistema público ainda não oferece a
formação e a capacitação necessária para o atendimento da criança com
surdez e ressalta que há falta de investimentos por parte do governo,
principalmente, em cursos de capacitação para professores.
Analisando as características do estudo, fica evidente a dificuldade de
acesso à língua de sinais pela pessoa com surdez. A família ouvinte não
consegue oferecer a entrada na língua para o surdo, situação que agrava
com o atendimento escolar do aluno. A instituição escolar pesquisada não
está organizada e, evidentemente, pouco preparada para oferecer o acesso à
libras. Sendo assim o aluno fica impossibilitado de ingressar no universo da
linguagem, trazendo sérios impedimentos ao seu desempenho nas
atividades escolares e na sua aprendizagem dos saberes escolares.

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

A segunda pesquisa, também realizada em 2016-2017, pela acadêmica


Vanessa Alves Porto, acerca da temática “A inclusão escolar de uma aluna
surda na escola do município de Paranã- TO”, realizada na Escola
Municipal Rainha da Paz, zona rural do município de Paranã- TO. O
objetivo do estudo foi analisar as características do processo de ensino e
aprendizagem de uma aluna surda. O percurso metodológico foi pautado
em uma abordagem qualitativa de pesquisa com a utilização de observação
semiestruturada, de entrevista com a mãe da aluna e de aplicação de
questionários com dois professores. A principal participante da pesquisa é a
estudante surda que, por questões éticas será mencionada pelo nome fictício
de “Drica”. A estudante tem nove anos, cursa o quarto ano do ensino
fundamental e adquiriu a surdez com quatro anos de idade, após um quadro
de meningite.
Os professores relatam que a aluna é muito participativa nas aulas e
acompanha os conteúdos, juntamente com os demais colegas. A relação
com os colegas é boa. Uma vez na semana, ela tem atendimento
especializado na cidade de Paranã, na Escola Estadual Euclides Bezerra
Gerais, na qual recebe um suporte especifico em libras, com uma
professora que tem um conhecimento básico da língua.
Refletindo sobre o estudo, nota-se a dificuldade de acesso à língua de
sinais pela pessoa com surdez, nessa escola em Paranã. A família ouvinte
também não consegue oferecer a entrada na língua para o surdo, mas sabe a
importância da criança ter acesso à libras, tanto que não mede esforços para
oferecer o transporte da zona rural, até a zona urbana de Paranã, local onde
a aluna recebe instrução referente à língua de sinais. No caso de Drica, a
surdez se estabeleceu depois da aquisição da linguagem oral, fato que parece
ter favorecido a sua participação mais ativa nas práticas escolares e um
melhor desempenho na aprendizagem dos conteúdos ministrados em sala
de aula. Porém, essa situação não minimiza os efeitos negativos da não
oferta de libras no contexto escolar.
A terceira pesquisa, realizada no ano de 2017, pela acadêmica Rosileny
Santos, é intitulada “O processo de ensino e aprendizagem e a inclusão de
alunos surdos na Escola Estadual Augusta Vaz dos Santos Teixeira”, na
cidade de Combinado – TO, e tem como objetivo discutir os métodos e
estratégias de ensino utilizados nas aulas a um estudante surdo que está
cursando o 7º ano do ensino fundamental. Com aporte metodológico na
abordagem qualitativa, a pesquisa utiliza como instrumentos a observação
de um aluno surdo e aplicação de questionário em professoras que o
atendem, uma na sala de aula e outra no atendimento educacional
especializado (AEE).
Segundo a professora do AEE, a escola não possui intérprete e nem
instrutor de libras. A referida profissional conhece um pouco de libras e
ensina o que sabe para o aluno participante. Diz ainda, o que dificulta o

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

processo de ensino aprendizagem e a inclusão de alunos surdos é a falta de


recursos. Se houvesse mais investimento, as instituições de ensino estariam
mais adaptadas para receber os alunos surdos, teriam mais profissionais
qualificados, como professores de libras, intérpretes de libras e mais
materiais didáticos e pedagógicos.
O estudo, como os anteriormente descritos, demonstra a fragilidade da
oferta de libras para os alunos surdos nas escolas da região sudeste do
Tocantins. Um aspecto relevante é o fato dos profissionais mencionarem a
falta de políticas públicas e de investimento financeiro, como entraves da
efetivação das melhorias das práticas escolares desenvolvidas com os alunos
surdos. Enfatizando, a formação de professores de libras e intérpretes de
libras, necessários no processo educativo das pessoas surdas, é urgente.

Algumas considerações

As pesquisas permitiram o conhecimento das características do


atendimento ao aluno surdo em três diferentes municípios da região sudeste
do Tocantins. Trouxe informações referentes às famílias ouvintes que têm
filhos surdos, que também encontram dificuldades em oferecer para o
surdo uma qualidade de vivência social, principalmente no que se refere ao
acesso à libras como primeira língua. Como ouvintes, sem conhecimento de
libras, as famílias ficam impedidas de ofertar a língua de sinais como uma
alternativa para a entrada do surdo no mundo da linguagem. Nesse sentido,
o não adentrar no mundo da linguagem para os surdos, resulta em sérios
comprometimentos em relação à sua inserção, como alunos na escola, bem
como na possibilidade de acesso aos conhecimentos transmitidos nas
práticas escolares.
A escola também demonstra fragilidade no que tange à aprendizagem da
libras. As instituições escolares não corresponderam à necessidade de
atendimento específico da pessoa com surdez e pelo fato de não terem
acesso a uma língua, os alunos ficam impedidos de acessar o conhecimento
veiculado na escola. De maneira geral, o que se percebe é que o lugar social
do surdo, na família e na escola, é algo que precisa ser construído na região
sudeste do Tocantins.
O atendimento escolar do aluno surdo apresenta ainda diversos
problemas. No entanto, durante a realização da pesquisa, percebemos que a
condição do aluno surdo, na escola, vem melhorando, no que tange ao
acesso aos conteúdos escolares, ficando evidente que a possibilidade de ele
aprender e desenvolver seu potencial cognitivo existe, principalmente pela
oferta de interpretação de libras/ português. A experiência escolar para os
alunos surdos ainda é uma vivência difícil, por enquanto, parece distante de
se tornar uma prática inclusiva.
Os conflitos se configuram, ainda, na família (ouvinte), na dificuldade de

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

estabelecimento de comunicação. A escola também é um local conflituoso,


pois as tensões geradas entre o discurso e a prática acabam por gerar a
dificuldade de construção de um ambiente acolhedor e propício ao
aprendizado da pessoa com surdez, seja ela criança, adolescente ou mesmo
adulta. As contradições estão presentes na própria constituição do aluno
surdo enquanto ser de linguagem. As relações entre surdos e ouvintes na
sociedade, incluindo a família e a escola, ainda carregam a marca da
exclusão como um processo cultural.
Observamos a importância do acesso à libras como uma possibilidade
da constituição da pessoa surda, enquanto sujeitos. Faz-se necessário que o
indivíduo se inscreva na linguagem, que habite num sistema de linguagem,
para tornar-se sujeito do que diz e ser habitado pelo inconsciente. A
constituição de alunos surdos passa pela necessidade de acesso a uma
língua, para que a sua comunicação possa ser desenvolvida e ampliada. Os
surdos são sujeitos de relações sociais que se estabelecem, prioritariamente,
na linguagem. A entrada na linguagem permite ao surdo a constituição de
sua subjetividade e, em consequência, oferece a possibilidade de acesso aos
conteúdos veiculados pela escola. Entrar na linguagem é condição para
estabelecer laço social. O que de mais importante se transmite na espécie
humana, para além do caráter genético, são os significantes. E, para a
transmissão dos significantes, há que haver um investimento no sujeito
surdo, que o introduza na ordem da cultura e da educação.

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45
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

46
4 LEVANTAMENTO DE SINAIS-TERMOS PELA
ESCOLA
Bruno Gonçalves Carneiro
Geano Gustavo Geofre Paz
Roselba Gomes de Miranda

Neste capítulo apresentamos o levantamento de alguns sinais-termos em


libras, utilizados no ensino de química em uma escola no Tocantins. O
Brasil hoje possui uma demanda legal extensa que prevê, a curto prazo, a
implementação de um ensino bilíngue para surdos, a saber o Plano
Nacional de Educação (Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014), o Plano
Estadual de Educação do Tocantins (Lei Estadual nº 2.977 de 08 de julho
de 2015), o Plano Municipal de Educação de Araguaína (Lei Municipal nº
2.957 de 24 de junho de 2015), o Plano Municipal de Educação de Gurupi
(Lei Municipal nº 26 de junho de 2015), o Plano Municipal de Educação de
Palmas (Lei Municipal nº 2.238 de 19 de janeiro de 2016), o Plano
Municipal de Educação de Paraíso do Tocantins (Lei Municipal nº 1.804 de
23 de junho de 2015) e o Plano Municipal de Educação de Porto Nacional
(Lei Municipal nº 2.248 de 24 de junho de 2015). Nesse sentido, é urgente
discutirmos sobre a formação de professores, a elaboração de material
didático, a implementação de ações pela escola, bem como a organização de
glossários de termos científicos em libras, para subsidiar a organização de
uma educação bilíngue para surdos.
Na oportunidade, apresentamos as estratégias de levantamento destes
sinais e discutimos a importância do registro, arquivo e uso de termos
científicos em libras, nas escolas. A coleta de dados aconteceu em uma
escola inclusiva da cidade de Araguaína-TO e contou com uma equipe de
trabalho composta por um professor de química, um intérprete de libras,

47
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

uma professora surda de libras e alunos surdos da instituição.


De acordo com Schermer (2012), (i) o reconhecimento das línguas de
sinais, (ii) a implementação de uma educação bilíngue para surdos e (iii) o
aumento contínuo de serviços de tradução e interpretação em língua de
sinais criaram uma necessidade de padronizar sinais para vários contextos,
como por exemplo, sinais-termos vinculados aos conteúdos escolares.
A organização de uma educação pensada a partir da libras apresenta uma
série de desafios. Além de garantir que crianças surdas tenham acesso à
libras o quanto antes,4 garantir a presença de profissionais qualificados nas
escolas, dentre outras ações, um planejamento linguístico também deve
munir a língua de itens terminológicos apropriados, de maneira a atender a
demanda da libras como língua de instrução. Sabemos que a libras,
enquanto língua brasileira, está circulando em espaços dos mais diversos e
isso exige levantamento, criação e padronização de sinais-termos de maneira
responsável e consistente. Acreditamos que este trabalho é uma
contribuição nesse sentido.
Na literatura, já dispomos de iniciativas de criação de sinais-termos em
diferentes áreas do conhecimento (BARROS, 2012, CARDOSO, 2017,
FELTEN, 2016, SANTOS, 2017, SOUSA, 2015), bem como propostas de
organização de glossários de termos técnicos em libras (OLIVEIRA;
STUMPF, 2013, OLIVEIRA; WEININGER, 2013, STUMPF;
OLIVEIRA; MIRANDA, 2015). Porém, essas discussões ainda pouco
acontecem no ambiente escolar, no sentido de fazer um levantamento de
alguns sinais-termos já em circulação.

A diferença surda e a escola

Ao longo da história, algumas políticas públicas educacionais para


surdos foram organizadas a partir de uma visão de surdez enquanto falta.
Hoje encontrarmos discussões a considerar uma epistemologia surda na
produção de conhecimento. Essa mudança de perspectiva é fruto de
conquistas sociais, que culminaram na legitimação da diferença surda.
Sobre a surdez enquanto falta, muitos ainda definem o surdo
referenciando-o naquele que ouve (o ouvinte). As representações sociais


4 De acordo com Quadros (2016), as crianças surdas têm diferentes experiências

em relação à aquisição da língua de sinais e, na maioria dos casos, estão expostas a


formas degradadas da língua. Assim, um programa de ações dentro de um
planejamento linguístico, envolvendo a língua de sinais, deve prevê a aquisição da
língua de sinais nacional gramatical, completa e lexicalmente enriquecida, nos
estágios iniciais de desenvolvimento da linguagem; principalmente nos casos de
crianças surdas com pais ouvintes.

48
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

sobre a surdez em que o surdo é enxergado de um ponto de vista clínico-


patológico, a partir da falta, são denominadas de ouvintismo (SKLIAR,
2005). O surdo, nesta perspectiva, é apreendido como se possuísse um
corpo danificado, o que coloca o não surdo sempre numa posição de
superioridade. A partir disso, processos elaborados de normalização
marcam a relação hegemônica de ouvintes sobre surdos e da língua
portuguesa sobre a língua de sinais brasileira.
Segundo Rezende (2012), a surdez enquanto doença ganha força com a
teoria da eugenia. Essa teoria se baseia no aperfeiçoamento das qualidades
raciais, físicas, psíquicas e morais humanas, na busca de uma sociedade
perfeita. Neste ideal, a pessoa surda não tem espaço. De acordo com a
autora,

[f]oi nesse campo da medicina que se inventou a


surdez como deficiência, que se produziram discursos
e saberes sobre os surdos como deficientes e
necessitados e que inventaram técnicas de correção.
Técnicas de correção inventadas. Discursos científicos
inventados. Saberes e práticas discursivas inventadas.
Discursos fabricados sobre a normalização surda
(REZENDE, 2012, p. 35).

Essa perspectiva de surdez, enquanto patologia, também ganhou espaço


nas instituições de ensino, influenciando consideravelmente as políticas
educacionais envolvendo a pessoa surda. O auge desse paradigma foi a
proibição do uso das línguas de sinais nas escolas a partir de 1880, no
Congresso de Milão, “alegando que a mesma destruía a habilidade de
oralização dos sujeitos surdos” (STROBEL, 2008, p.90). Diante da
proibição, com resquícios ainda nos dias atuais, as línguas de sinais e a
diferença surda foram desconsideradas na organização de ensino para
surdos. Isso, certamente, relegou as línguas de sinais a contextos informais e
familiares, impedindo que se desenvolvessem em vários aspectos, dentre
eles o terminológico. Como consequência, pode haver uma escassez no
vocabulário terminológico de muitas línguas de sinais, em comparação com
as línguas orais da comunidade ouvinte5 (SCHERMER, 2012).
Acontece que a diferença faz parte do comportamento humano. Por
sermos seres humanos, somos sujeitos culturais: produzimos cultura e


5
O fato de uma língua não possuir itens terminológicos para determinadas áreas de
conhecimento não significa que esteja limitada para discutir os conceitos atrelados a
tais itens.

49
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

agimos por meio dela. E por isso, somos múltiplos, plurais e discordantes
por natureza. A sociedade é heterogênea, diversa e dinâmica. Dessa forma,
é ingênuo pensarmos a sociedade e suas relações como algo estático,
permanente e homogêneo, sem movimentação. Reconhecer a dinamicidade
social, a diferença dos sujeitos e a diversidade de contextos, consiste em
considerar a maior riqueza do ser humano (FERNANDES, 2006).

Todos os sujeitos são diferentes uns dos outros,


apesar de fazerem parte de um conjunto humano com
inúmeras semelhanças e, especialmente, da premência
da igualdade de condições. Diferença não significa
inferioridade e desqualificação; ao contrário, é
condição para a riqueza de expressões humanas. Faz-
se necessário que as condições de acesso ao mundo
sejam iguais para todos. Isso inverteria a histórica
“necessidade” de que as pessoas pudessem ser iguais
umas às outras (FERNANDES, 2006, p. 11).

De acordo com Rosa (2012), identidade se refere à subjetividade e se


constitui pelo contato entre o mundo interno (indivíduo) e o mundo
externo (social) que, por sua vez, gera marcas singulares na formação do
indivíduo e contribui na construção de valores em uma cultura. Esse
processo se associa às experiências históricas do indivíduo e da comunidade
em que habita pois, é a subjetividade que fundamenta a relação com o
outro. E a diferença dos indivíduos predispõe a uma variedade de
identidades decorrentes de trocas sociais e escolhas pessoais.
Sendo assim, a surdez enquanto diferença é uma manifestação legítima
do comportamento humano. Os surdos são sujeitos que vivem a partir da
diferença surda, longe do paradigma da deficiência. Ao contrário do que a
maioria das pessoas pensa, os surdos não se constituem a partir da perda.
Os surdos, assim como qualquer grupo social humano, são plurais,
múltiplos e discordantes; partilham uma experiência a partir da diferença
surda, por meio da qual fazem significação de mundo (PERLIN, 2005).

Ser surdo é uma questão de vida. Não se trata de uma


deficiência, mas de uma experiência na perspectiva de
um mundo totalmente visual em companhia de um
público leitor, de surdos por excelência. Desta
experiência visual surge a cultura surda representada
pela língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de se
expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes,
na política, no contemporâneo como surdo, no
conhecimento científico e acadêmico (PERLIN;
REIS, 2012, p. 40).

50
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

A legislação brasileira reconhece a diferença surda e garante uma


organização de ensino a partir dessa perspectiva. A Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, em seu artigo 59, preconiza que os sistemas de
ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e
organização específicos para o atendimento de alunos que apresentam
alguma especificidade. Consoante com essa lei, o Decreto nº 5626 de 2005,
a Lei nº 13.005 de 2014 e a Lei nº 13146 de 2015 garantem uma educação
bilíngue para surdos, em língua de sinais. Desta forma, a escola deve
implementar ações de ensino com o intuito de atender as especificidades
linguísticas e culturais de alunos surdos. Dentre as ações mencionamos (i) a
oferta de um ensino em libras, (ii) o ensino de libras, (iii) o ensino de língua
portuguesa como segunda língua, (iv) tradução das avaliações para a libras,
(v) interpretação simultânea das aulas, quando ministradas em língua
portuguesa, (vi) resposta de provas e atividades em libras, (vii) curso de
libras para a comunidade escolar, (viii) organização de glossários, (ix)
promoção de contato entre alunos surdos e adultos surdos de referência e
(x) circulação de aspectos culturais da comunidade surda na escola.
Lodi e Lacerda (2009) ressaltam que a construção de conhecimento e a
significação de mundo acontecem pela troca de artefatos simbólicos, dentre
eles a língua. Com o uso e a difusão da língua de sinais no ambiente escolar,
maior será a emergência de uma interação sinalizada, proporcionando a
produção e a circulação de saberes em libras numa dimensão cada mais
satisfatória.
Os saberes surdos, alicerçados na diferença surda, estão disponíveis e
clamam por novas posições, principalmente no repensar a educação para
surdos. A escola deve ser um local para que o aluno surdo encontre sua
diferença e aprenda a partir dela. Afinal, os alunos surdos precisam
aprender em sua alteridade. Isso pressupõe mudanças de concepção e de
práticas (CARNEIRO; LUDWIG, 2018).

A criação de um glossário em libras na escola

Pensar em políticas envolvendo minorias linguísticas, como é o caso dos


surdos, requer atenção e planejamento na perspectiva da diferença. A libras
é uma língua brasileira e por isso deve circular e assumir seu papel que lhe é
de direito, em diferentes instituições, enquanto língua da comunidade surda.
Conforme mencionado, a legislação brasileira garante uma educação
bilíngue para surdos, em libras como primeira língua e em português como
segunda língua (na modalidade escrita), em escolas bilíngues, classes
bilíngues e escolas inclusivas. A implementação dessa prática envolve
produtos e serviços, de forma a atender a especificidade linguística e
cultural dos surdos. Dentre eles, o levantamento, registro, arquivo e uso de

51
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

termos científicos em libras.


O Relatório do Grupo de Trabalho designado pelas Portarias
nº1.060/2013 e nº91/2013, que contém subsídios para a Política Linguística
de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa
(MEC 2014, p. 20), menciona como uma de suas metas

[c]riar uma base de dados lexical-terminológica


nacional eletrônica e paramétrica para que ali sejam
registrados os sinais-termos normalizados da libras e
do português. Essa base de dados deverá contemplar
também em campos específicos os sinais-termos
variantes (sinais regionais) e as variantes do português.
É uma base para o registro de vocabulários científicos
e técnicos em libras (MEC, 2014, p. 20).

A criação de glossários (também chamados de sinalários) objetiva


manter um banco de dados sobre termos científicos em libras, disponíveis a
toda a comunidade e de fácil acesso. A proposta é que esse banco de dados
possa ser alimentado de forma sistemática, organizada e específica, de
acordo com determinada área de conhecimento. Isso pressupõe o
envolvimento e colaboração de instituições de ensino, incluindo as escolas,
com impactos positivos. A exemplo, o sinalário do curso de letras libras da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem se mostrado
importante, tanto como ação educativa quanto para a expansão deste
campo de conhecimento (OLIVEIRA; STUMPF, 2013, OLIVEIRA;
WEININGER, 2013, STUMPF; OLIVEIRA; MIRANDA, 2015). De
acordo com Oliveira e Stumpf (2012, p. 224),

[a] construção deste sinalário tem se mostrado


enriquecedora para ampliação do léxico de libras, de
forma responsável e comprometida. Isso se evidencia
com as frequentes solicitações de intérpretes em todo
país que desejam ter acesso a este material, também
estudantes surdos, pesquisadores e até mesmo
instituições que desejam oferecer cursos semelhantes
e ter acesso ao conhecimento desenvolvido pela
equipe UFSC para avançar ainda mais nas conquistas
da área (OLIVEIRA; STUMPF, 2012, p. 224).

Em 2017, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira) promoveu o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) em libras. Os candidatos surdos tiveram acesso às questões
do certame em língua de sinais brasileira, previamente traduzidas. Uma

52
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

iniciativa importante por ser o Enem um instrumento de verificação de


conhecimento para ingresso no ensino superior brasileiro. Essa iniciativa
certamente exigiu da equipe de tradução, uma discussão robusta em relação
aos sinais-termos a serem utilizados na versão em libras, considerando o
Enem um exame de larga escala. A seguir, a Figura 1 ilustra algumas
questões do Enem 2017, na versão em libras.

Figura 1 – Enem 2017 em libras


Fonte: site do Inep. Disponível em < http://portal.inep.gov.br/artigo/-
/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-divulga-videoprova-em-
libras-do-enem-2017/21206> Acessado em 30 de agosto de 2018.

Uma estratégia necessária adotada pela equipe responsável pela tradução


do Enem 2017 foi o uso de legenda em português, talvez no sentido de
minimizar possíveis incompreensões na língua alvo, devido a falta de
padronização, não apenas de sinais-termos, mas de nomes de personagens
históricos. As figuras 2 e 3, a seguir, ilustram essa estratégia.

53
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Figura 2 – Sinal de Che Guevara (Enem 2017)


Fonte: site do Inep. Disponível em < http://portal.inep.gov.br/artigo/-
/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-divulga-videoprova-em-
libras-do-enem-2017/21206> Acessado em 30 de agosto de 2018.

Figura 3 – Sinal de Getúlio Vargas (Enem 2017)


Fonte: site do Inep. Disponível em < http://portal.inep.gov.br/artigo/-
/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-divulga-videoprova-em-
libras-do-enem-2017/21206> Acessado em 30 de agosto de 2018.

Conforme mencionado anteriormente, um programa de planejamento


linguístico também envolvem ações relacionadas à padronização e
modernização lexical. A exemplo, Schermer (2012) descreve uma série de
ações relacionadas a projetos que buscavam uma padronização do léxico
básico da língua de sinais da Holanda (NGT), para ser usada nas escolas.
Esta iniciativa, executada entre os anos de 1999 a 2002, foi uma exigência

54
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

do governo holandês como um pré-requisito para o reconhecimento legal


da NGT. Como resultado dos projetos, 5000 sinais foram padronizados e
disponibilizados em 2002. Desde então, essas ações continuaram com o
objetivo de fazer um inventário e divulgar um léxico mais amplo da NGT.
Atualmente, o banco de dados da NGT contém 16.000 sinais, em que
contempla sinais-termos utilizados na saúde, na justiça e em disciplinas
escolares.
O autor ressalta que o estabelecimento de um sinal padrão, por si só,
não é suficiente para padronizar um léxico. Algumas atividades são
desenvolvidas para promover a padronização, tais como (i) workshops para
a comunidade surda e profissionais da educação, (ii) distribuição de DVD-
ROMs com os sinais padrão, (iii) manutenção de dicionários online, que
também contém as variantes regionais, (vi) interpretação em canais de
televisão usando os sinais padrão e (v) um currículo da NGT que também
contempla esses sinais.
Dessa forma, uma base de dados com sinais-termos em libras pode
contribuir positivamente para o atendimento à demanda crescente de
padronização, na tradução de vídeos institucionais para libras e para o
empoderamento da língua em outras ações educacionais, enfraquecendo a
ideologia do monolinguismo em língua portuguesa. Mas, “ainda são
relativamente poucas as iniciativas de elaboração de repertórios para áreas
de especialidades” (OLIVEIRA; STUMPF, 2013, p. 221).
A produção e a disponibilização de vídeos em libras contribuem ainda
para o acesso e a permanência de pessoas surdas no ensino superior, visto
que, frequentemente, os alunos se deparam com termos técnicos em língua
portuguesa que (ainda) não possuem correspondentes na libras. Isso
também acontece na escola. Além disso, “a ampliação lexical, bem como a
constituição de sinalários registrados em vídeo por diversos grupos de
pesquisa do país são ações que garantem a preservação da libras e revelam
uma prática comum em grupos minoritários” (STUMPF; OLIVEIRA;
MIRANDA, 2015, p. 173).
Oliveira e Stumpf (2013) e Stumpf, Oliveira e Miranda (2015)
apresentam um esboço de organização do sinalário da UFSC. Segundo os
autores, a partir do levantamento de termos em língua portuguesa, acontece
a produção de vídeos para compor um banco de dados, disponível para
acesso. O banco de dados consiste de seguinte estrutura: (i) soletração da
palavra, (ii) sinal (a ser utilizado durante a tradução de materiais do
português escrito para a libras), (iii) definição do conceito (explicação do
termo), (iv) exemplos e (v) variações regionais. Caso não haja um sinal para
o termo em português, seja por ainda não dispor de um neologismo ou não
ter disponível uma proposta de empréstimo de outras línguas de sinais, o
termo do sinalário possui a estrutura: soletração da palavra, explicação do
termo e exemplos.

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Há também propostas de organização de dicionários e sinalários com


entradas a partir de parâmetros das unidades terminológicas em libras.
Assim, o usuário tem a possibilidade de busca a partir da libras. Diante de
diferentes propostas, o primeiro filtro parece ser a configuração das mãos
(ESTELITA, 2009, OLIVEIRA; STUMPF, 2013, OLIVEIRA;
WEININGER, 2013, STUMPF; OLIVEIRA; MIRANDA, 2015).
Acreditamos que a escola é uma instituição fundamental na organização
de sinalários. Por isso, apresentamos uma estratégia de levantamento e
registro de sinais-termos da disciplina de química. Os resultados que
apresentamos é uma iniciativa que pode contribuir na criação de uma base
de dados comum de termos científicos em libras para as escolas no estado
do Tocantins.
Inicialmente realizamos o levantamento de termos a partir de um livro
didático, de acordo com a recorrência dos itens ao longo da obra. Esse
levantamento inicial foi conduzido pelo professor de química. Tomamos
como referência o livro didático do 9º ano intitulado Ciências Naturais:
Aprendendo com o cotidiano (CANTO, 2012). Optamos por esta obra por
ser utilizada na escola, ser adotado por outras escolas da região e
representar o primeiro contato do estudante com as definições básicas desta
disciplina, ainda no ensino fundamental. A figura 4, a seguir, ilustra o livro
didático utilizado neste trabalho.

Figura 4 – Capa do livro Ciências Naturais: aprendendo com o


cotidiano
Fonte: Canto (2012).

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Nesta etapa de levantamento, seguimos também as sugestões dadas pelo


próprio livro. No decorrer da obra, o autor apresenta termos específicos da
disciplina de química que devem ser incorporados ao repertório de uso dos
estudantes. A figura 5 a seguir, ilustra a caixa de diálogos do livro, em que o
autor frisa alguns termos da área. Nesta etapa, foram levantados 34 termos
em língua portuguesa.

Figura 5 – Termos presentes na caixa de diálogo do livro didático


(Química)
Fonte: CANTO (2012), páginas 143 e 177.

Posteriormente, houve três reuniões entre o professor de química, um


intérprete de libras, uma professora surda de libras e alunos surdos da
instituição, para o levantamento desses itens em libras. Nesta escola, uma
das atribuições da professora de libras e do intérprete de libras era a busca
de termos técnicos científicos em libras, bem como criação de novos sinais
de diferentes disciplinas do ensino fundamental. O levantamento deste
reportório é uma demanda importante para a interpretação das aulas,
tradução de provas (vídeos) e produção de material didático em libras
(vídeos).
Dessa forma, foi feito o levantamento de sinais da disciplina de química
já utilizados na escola, bem como a criação de novos sinais. Durante as
discussões, em muitos momentos, o professor de química explicava o
conceito do termo e mostrava figuras ilustrativas para que, quando
necessário, fosse apresentada uma proposta de sinal. Nesse sentido,
observamos a motivação e o caráter icônico dos novos sinais. Ressaltamos
que reuniões desta natureza devem ser sistemáticas e institucionalizadas,
fazendo parte das ações políticas da escola afim de garantir à libras o
mesmo status na produção de conhecimento que o português.
As reuniões aconteceram ao longo do primeiro semestre de 2013, ano
em que a instituição de ensino recebeu novos alunos surdos, passando de

57
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

um para seis alunos. A reuniões aconteceram em alguma “janela” entre as


aulas, em momentos em que havia a disponibilidade de todos.
O registro aconteceu através da produção de vídeos, seguindo os
princípios de organização de sinalários apresentados por Oliveira e Stumpf
(2013) e Stumpf, Oliveira e Miranda (2015). Durante as filmagens, seguimos
as orientações da Revista Brasileira de Vídeos Registros em Libras, no que
se refere à produção de artigos científicos em libras (vídeos).
Todo o produto era repassado para os alunos como material didático. A
escola não dispunha de um acervo online para armazenamento dos vídeos.
Outra limitação, na época, era a inexistência de um profissional na
instituição para gravação, edição, armazenamento, manutenção e
alimentação de um banco de dados vinculado à escola. Mais uma vez, a
organização de sinalários se justifica pela possibilidade de arquivo e maior
visibilidade de sinais-termos.

Sinais-termos de química utilizados na escola

O levantamento de sinais-termos em libras da área de química permitiu a


reunião de 34 (trinta e quatro) itens lexicais. No anexo deste capítulo,
apresentamos a imagem dos vídeos criados, de forma a remeter o leitor aos
sinais do acervo e sua forma de articulação. Inserimos alguns símbolos
gráficos como uma forma de ilustrar o movimento dos articuladores
manuais. As imagens estão precedidas do termo equivalente em língua
portuguesa.
Dos sinais reunidos, 27 (vinte e sete) já estavam em uso e 7 (sete) foram
criados. Os sinais criados foram DECANTAÇÃO, FILTRAÇÃO,
DESTILAÇÃO, relacionados aos processos de separação de mistura,
LIGAÇÃO-COVALENTE, LIGAÇÃO-IÔNICA, relacionados a ligação
molecular, EQUAÇÃO e REAÇÃO-QUÍMICA. Os sinais criados
passaram a ser usados nas atividades de tradução e interpretação da escola.
Em alguns dos sinais que já estavam em uso, percebemos o processo de
extensão semântica como uma estratégia de ampliação lexical. Neste caso,
uma velha forma fonológica recebeu um novo significado, como nos sinais
ELÉTRON, PRÓTON e NÊUTRON. Outros sinais são inovações, como
em ÁTOMO e ELETROSFERA.
Há sinais-termos variantes em algumas das formas aqui listadas, como
nos sinais de LÍQUIDO e SOLVENTE, em que o sinal ÁGUA também
era utilizado como sinônimo, em alguns contextos de interpretação.

58
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Considerações finais

Este capítulo apresentou as estratégias de levantamento de termos


científicos em libras, em uma escola de Araguaína-TO e discutiu a
importância do registro e arquivo de sinais-termos pela comunidade escolar,
para fins de organização de sinalários, padronização de sinais, tradução,
interpretação e produção de material didático em libras (vídeos).
Esse tipo de ação é relevante em uma proposta de educação bilíngue
para surdos. E acreditamos que as ações de levantamento e registro de
sinais-termos em libras devem ser sistemáticas e acontecer na escola.
Neste trabalho, apresentamos o inventário de 34 (trinta e quatro) sinais-
termos da área de química. Estes sinais identificados podem ser
considerados locais, utilizados apenas na instituição de ensino pesquisada. É
preciso fazer um levantamento de sinais-termos em outras instituições de
ensino, tanto na cidade de Araguaína quanto em outras cidades do estado.
Mais uma vez, ressaltamos a importância dessas ações para fomentar a
criação de um banco de dados de termos científicos em libras no estado do
Tocantins, de fácil acesso aos profissionais das escolas.

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

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61
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

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Estadual de Educação do Tocantins - PEE/TO (2015-2025), e adota outras
providências.

62
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

ANEXO – Sinais-termos da área de Química

SÓLIDO

LÍQUIDO

GASOSO

MATÉRIA

63
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

MASSA

VOLUME

DENSIDADE

SUBSTÂNCIAS

64
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

MISTURA
HETEROGÊNEA

MISTURA
HOMOGÊNEA

TABELA
PERIÓDICA

ÁTOMO

65
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

MOLÉCULAS

BALANCEAMENTO

ELÉTRON

PRÓTON

66
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

NÊUTRON

NÚCLEO

ELETROSFERA

ISÓTOPOS

67
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

LIGAÇÃO
IÔNICA

LIGAÇÃO
COVALENTE

FÓRMULA
ESTRUTURAL

68
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

REAÇÃO
QUÍMICA

EQUAÇÃO

PRODUTO

69
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

REAGENTE

SOLUÇÃO

SOLVENTE

70
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

SOLUTO

SÍMBOLO

DECANTAÇÃO

FILTRAÇÃO

71
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

DESTILAÇÃO

72
5 DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA A PARTIR DA
ELABORAÇÃO DE VÍDEOS EM LIBRAS
Paloma Aline Terris

As reflexões deste capítulo são baseadas em experiências durante


minha formação acadêmica em Química, na Universidade Federal do
Tocantins (UFT), Campus de Araguaína. Eu sou ouvinte e durante meu
curso de licenciatura, tive a oportunidade de participar do PIBID
(Programa Institucional de Iniciação à Docência) fomentado pelo órgão
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior,
cujas vertentes buscam direcionar o licenciando ao enfrentamento dos mais
diversos desafios que permeiam o fazer pedagógico. Palco de muitas
discussões e reflexões sobre a função social do professor, entre outras
vertentes da prática docente, este programa pôde despertar em mim o
primeiro olhar para a necessidade de materiais didáticos em libras, quando
assisti de perto, o desafio que colegas da educação enfrentavam ao dar aulas
para uma aluna surda em uma sala de aula onde os demais alunos eram
ouvintes.
Ainda na Graduação, cursei a disciplina de Língua Brasileira de Sinais
como componente da grade curricular do Curso de Licenciatura em
Química. Neste curso, novas discussões colocaram em evidência a
necessidade de se pensar uma educação capaz de abordar a linguagem da
Química em libras, uma vez que a hegemonia da língua portuguesa em sala
de aula acaba por tornar o ensino excludente aos alunos surdos.
Novas disciplinas fomentaram ainda mais o assunto, o que me instigou
um olhar criterioso sobre a (in)diferença e a (in)visibilidade do outro, me
fazendo repensar o comportamento da sociedade perante a diversidade. A
escola é palco das diferenças e contemplar essa heterogeneidade é um

73
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

desafio para os profissionais da educação.


Mergulhei, então, em uma reflexão acerca da minha vivência em busca
de pessoas surdas com quem, em algum momento, tive oportunidades de
contato. E encontrei o Gabriel, um amigo da igreja. Percebi que o meu
olhar até aquele momento havia o tornado invisível, ainda que
inconscientemente, pois mesmo vendo-o regularmente, nosso contato
nunca passara de um simples “oi”. Eu nunca havia me esforçado para que
houvesse uma comunicação mais intensa ou trocas de experiências mais
profundas, por não saber falar em libras.
Refleti sobre quantos “Gabrieis” existem em sala de aula. Eu, ouvinte,
nunca experimentei o desfio de conviver em uma sociedade que não
compreendesse a minha língua. Eu nunca conheci o dilema de estudar em
escolas em que minha língua não circulasse livremente. Não, eu não havia
me deparado com essa realidade e por isso, não havia enxergado o quanto a
língua nos constitui.
Uma vez que os olhos me foram abertos para essa realidade, a ausência
de indignação deu vazão a uma sensação, no mínimo, incômoda. Novos
questionamentos surgiram acerca do tipo de educadora que eu gostaria de
ser e como fazer para que a minha função social de professora, pudesse
contribuir para a melhoria da qualidade de ensino.
A oportunidade de contribuir para uma educação em libras chegou
junto com a disciplina de Laboratório de Produção de Material Didático e
nela surgiu a ideia de produzir vídeos em libras sobre curiosidades
científicas para que, assim, os alunos surdos pudessem ter mais informações
à disposição. Demos início ao projeto intitulado Libras Com(s)Ciência, a
partir de materiais de baixo custo e fácil acesso (câmera de celular e edições
simples de vídeo). Minha proposta era mostrar que o educador pode
produzir materiais didáticos, partindo de ferramentas simples.
Sendo assim, este capítulo apresenta os processos de criação, edição e
divulgação de vídeos em libras sobre curiosidades científicas, bem como as
possibilidades de uso deste material no contexto escolar. Ressaltamos a
relevância deste projeto em contribuir para o acesso de alunos surdos ao
conhecimento científico em libras.

Cultura surda, escola e o ensino de Química

A libras é uma língua brasileira e está para os surdos assim como o


português está para os ouvintes. É uma língua natural que emerge da
necessidade humana de interação e envolvimento com o mundo. Surgiu da
interação entre surdo-surdo e possui propriedades linguísticas assim como
outras línguas humanas.
Importante ressaltar que o surdo é “um sujeito que constrói diferenças
culturais necessárias à sobrevivência no mundo contemporâneo, a partir de

74
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

suas perspectivas diferenciadas, bem como o ambiente linguístico do qual


compartilham” (PERLIN; REIS, 2012, p.30). Ou seja, os surdos se
constituem a partir da diferença surda, longe da ideia de deficiência.
Nessa perspectiva, entende-se a cultura surda como uma forma singular
de construir a realidade histórica, política e social, como uma maneira
diferente de interpretar o mundo e atuar sobre o mesmo. De acordo com
Quadros (2003, p. 86),

[e]ssa cultura é multifacetada, mas apresenta


características que são específicas, ela é visual, ela
traduz-se de forma visual. As formas de organizar o
pensamento e a linguagem transcendem as formas
ouvintes. Elas são de outra ordem, uma ordem com
base visual e por isso têm características que podem
ser ininteligíveis aos ouvintes. Ela se manifesta
mediante a coletividade que se constitui a partir dos
próprios surdos (QUADROS, 2003, p. 86).

A forma com que os surdos concebem o mundo e interagem


sobre ele é diferente. Essa diferença não pode ser desconsiderada pois está
diretamente relacionada ao aprendizado e à construção do conhecimento
por parte dos alunos surdos na escola. Nesta mesma direção, Felipe (1997,
p. 45) aponta que

[a] escola ou o ensino específico para uma criança


surda não é privilégio, é direito linguístico, é poder dar
condições para esta criança adquirir a língua de sinais
brasileira, aprender a língua portuguesa e receber os
conhecimentos de modo criativo e crítico,
possibilitando que esta criança se torne, não uma
repetidora, mas uma pessoa bilíngue (FELIPE, 1997,
p. 45).

Por isso, a inserção de alunos surdos em escolas inclusivas é desafiadora


pois não existe, em sala de aula, uma mesma língua compartilhada com os
demais atores deste cenário; condição indispensável para que os surdos
possam dar sentidos às aulas. Até mesmo o material didático, que o aluno
tem contato, não está em sua língua (BOTELHO, 2002). Neste sentido, é
importante pensarmos maneiras de promover uma educação capaz de
transitar entre as diferenças e produzir conteúdos que contemplem a
especificidade dos alunos surdos.
A Educação Química é uma área relacionada com diferentes campos do
saber e assume vários compromissos, dentre eles, contribuir para o
desenvolvimento de uma cidadania planetária. De acordo com Santos
(2006), uma perspectiva de ensino para exercício da cidadania planetária

75
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

busca formar uma sociedade comprometida com a melhoria da qualidade


de vida do planeta. Nossa sociedade é científica, tecnológica e deve estar
fundamentada em valores humanos, que preservem a vida. Nesta
perspectiva, vários autores enfatizam a importância do ensino de Química
na escola, de forma que sejamos capazes de interpretar as transformações
químicas no dia-a-dia, entender os avanços tecnológicos e compreender os
problemas ambientais contemporâneos (CHASSOT, 1995; SANTOS;
SCHNETZlER, 1996; MACHADO; MORTIMER, 2007).
No que se refere a promover essa leitura de mundo, espera-se que o
professor possa dar sentidos aos fenômenos da natureza de forma
investigativa e criativa. Mas, o aprendizado científico de alunos surdos ainda
acontece de forma precária, principalmente quando o ensino se baseia
exclusivamente na língua portuguesa como língua de instrução (SOUSA;
SILVEIRA, 2011; BENITE; CASTRO; BENITE, 2013). Somando-se a
isso, há uma escassez de termos técnicos em libras na área de Química. Em
muitos casos, sinais distintos são criados para o mesmo conceito em
diferentes regiões (SALDANHA, 2011; SOUZA; SILVEIRA, 2011).
Como, então, contribuir para que aulas de Química possam produzir
significados aos alunos surdos? Acreditamos que a divulgação científica em
libras é uma estratégia oportuna para despertar o olhar do aluno surdo para
as transformações químicas, de forma a fustigar seu gosto pela ciência e
facilitar o aprendizagem.
Além disso, a divulgação científica pode ser considerada uma
ferramenta de ensino para o exercício da cidadania. O aumento das
possibilidades de acesso ao conhecimento científico dá condições para que
o sujeito se situe nestes contextos, desenvolva argumentos por meio de
conhecimento adquirido e, consequentemente, diminua as desigualdades
sociais, justamente porque o sujeito passa a compreender o seu entorno
social (CHASSOT, 1995; HERNANDO, 1997; MOREIRA, 2006;
CARNEIRO, 2009; GOMES, 2012).
De acordo com Gomes (2012), a divulgação científica acontece
através da relação entre conhecimento científico, conhecimento escolar e
conhecimento cotidiano, conforme ilustra a Figura 1.

76
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Figura 1 – Relação entre divulgação científica e o conhecimento cotidiano,


escolar e científico.
Fonte: Gomes (2012)

Na esfera educacional, essa relação é promovida pela figura do


professor. Quando isso acontece, o aluno enxerga a ciência como parte do
seu dia-a-dia e passa a ter significados sociais. Afinal, o conhecimento
científico é fruto do desenvolvimento humano, num processo histórico e
cultural e, por isso, deve ser divulgado à sociedade.

[...] os cientistas precisam criar vínculos, estabelecer


relações, formar grupos de interesses comuns
traduzindo fielmente as relações sociais que
determinam aqueles a quem é interessante interessar e
aqueles que podem ajudar a fazer a diferença. Desse
modo é que as ciências se organizam como um
empreendimento cultural, e, portanto, social e
humano (LOPES, 2007, p. 192).

Dessa forma, os meios de divulgação científica precisam buscar


alternativas para propagar conhecimento também em língua de sinais. Uma
vez que os surdos constroem sua leitura de mundo de forma visual, incluí-
los no estudo da Química requer a elaboração de materiais baseados na
cultura surda.
Porém, Quadros (2003) aponta certa resistência por parte dos
profissionais da educação, no que diz respeito à discussão de assuntos que
envolvem ciência e tecnologia em língua de sinais. Segundo a autora, “os
profissionais não acreditam que através da língua de sinais seja, de fato,
possível discutir os avanços científicos e tecnológicos que cabe a escola
trabalhar” (p.97). A tentativa de ensino apenas em português escrito e a
primazia do português (língua majoritária) sobre a libras (língua minoritária)

77
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

demarca mais uma forma de subalternização da cultura surda pela cultura


ouvinte, bem como uma violação dos direitos dos alunos surdos terem
acesso ao conhecimento em sua língua.
Atividades que exploram visual, como o uso de imagens,
experimentos, recursos tecnológicos, vídeos legendados, jogos didáticos
adaptados são ferramentas que podem auxiliar o professor na divulgação
científica para alunos surdos. Porém é importante salientar que o uso dessas
ferramentas deve ser conciliado com a presença da língua de sinais nas
abordagens teóricas. Nesta direção, Campelo (2007) afirma que o uso da
libras, combinada a diversos recursos visuais no contexto escolar, é
fundamental para os surdos.
Assim, a elaboração de materiais didáticos específicos para o ensino de
Química a surdos abre caminhos para novas frentes de pesquisa, a fim de
subsidiar a prática docente e agregar significados ao aprendizado. Mediante
essa necessidade e considerando a complexidade que caracteriza o ensino de
Química e, ainda, a escassez de materiais didáticos disponíveis para um
ensino em língua de sinais, descrevemos os procedimentos de filmagem,
edição e divulgação de vídeos científicos em libras.

Da criação à divulgação de vídeos científicos em libras

O planejamento do projeto Libras Com(s)Ciência envolveu a escolha


de temas, ferramentas de trabalho e meios de divulgação. O nome do
projeto sugere pôr em evidência a relação entre Libras e Ciência, numa
forma de conscientizar que a ciência deve ser discutida em libras e que os
surdos devem ter aceso à informação científica.
Na seleção das esquetes, buscamos chamar a atenção para a presença
da Química em situações comuns do cotidiano. O quadro 1, a seguir,
apresenta as esquetes que compõem os 5 (cinco) primeiros vídeos do
projeto Libras Com(s)Ciência6.


6 Os vídeos foram produzidos por muitas mãos. Agradeço os colaboradores Bruno

Carneiro, Cleysson Wender, Eliene Pêgo, Guilherme Vaz e Roney Pereira.

78
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Esquete Duração
1 O que tem no meu chiclete? 3min 23s
2 Manteiga dentro ou fora da geladeira? 2min 48s
3 Por que o milho da pipoca estoura? 2min 04s
4 Por que o ovo podre fede? 3min
5 Bioquímica da pele 6min 20s

Quadro 1 – Vídeos bilíngues elaborados no projeto Libras Com(s)Ciência

A produção do material aconteceu com equipamentos simples, não


profissionais. Todos os vídeos contam com legendas em português e trilha
sonora7. As gravações foram realizadas com câmeras de celular e o cenário
utilizou apenas um tecido de fundo. A edição da vinheta e das animações
aconteceu através de uma ferramenta de edição virtual gratuita, denominada
Powtoon8. Este é um site estadunidense que permite a criação de
apresentações na forma de slides ou vídeos animados. A manipulação do
site é bastante intuitiva, fácil e rápida. Essa ferramenta existe tanto na
versão gratuita quanto na versão para assinantes. No projeto Libras
Com(s)Ciência, utilizamos a versão gratuita. Para isso, foi necessário realizar
um cadastro no site. No caso desta versão (gratuita), a marca d’água do site
não pode ser removida dos frames, assim como a divulgação do site ao final
de cada vídeo.
As etapas de junção de vinheta, créditos às cenas, legendagem e
sonorização dos vídeos, foram realizadas no programa Windows Movie
Maker, um recurso do Windows Vista para a criação e edição de vídeos
domésticos. A finalização dos vídeos foi executada através da ferramenta de
edição de vídeos Wondershare9. Nesta etapa foram adicionadas imagens de
moléculas às cenas em libras, para facilitar o entendimento do expectador.
Este procedimento precisou ser realizado neste editor porque o Windows
Movie Maker não possui bandas de imagem e vídeo separados e, dessa
forma, não é possível sobrepor imagens nas cenas dos vídeos. Por isso a
necessidade de trabalhar com dois editores.
A divulgação dos vídeos aconteceu por meio de mídias e redes sociais.
Os vídeos foram publicados no canal da plataforma virtual YouTube, criado
com o intuito de divulgar e atingir um número maior de pessoas
interessadas na proposta. A Figura 2, a seguir, ilustra a imagem slogan do

7As trilhas sonoras foram gentilmente cedidas pelo casal de publicitários Bárbara e
Thiago Lasserre, da empresa pernambucana de audiovisual Quânticos Atos
Criativos.
8
Disponível em www.powtoon.com
9 Disponível para download em http://wondershare-video-editor-

win.en.softonic.com

79
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

projeto Libras Com(s)Ciência, em um dos vídeos.

Figura 2 – Projeto Libras Com(s)Ciência


Fonte: esquete (1) O que tem no meu chiclete?

Uma vez os vídeos elaborados e publicados, iniciou-se o processo de


divulgação em plataformas virtuais como portais de notícias, portal da UFT
e mídias sociais como Facebook. O Facebook é uma rede social que permite a
interação com o conteúdo publicado por meio das ferramentas “curtir”,
“compartilhar” e “comentar”. Essa interação dinamiza as publicações,
fazendo com que ganhem maior visibilidade. Já a plataforma virtual YouTube
mesmo possuindo as mesmas ferramentas, a visibilidade dos vídeos se dá de
maneira mais lenta, crescendo conforme o canal vai aumentando o número
de inscritos.
Os vídeos foram compartilhados por membros da comunidade surda,
intérpretes, professores e acadêmicos de licenciatura, o que demostra certa
aceitação não somente por parte dos surdos, mas também pelo público não
surdo, por se encaixar na categoria de entretenimento educativo. Em ambas
as plataformas virtuais (Facebook e YouTube) o nome do projeto precisou ser
adaptado para “Libras Com Ciência”, pois os carácteres de parênteses não
são aceitos no registro de cadastro. Buscamos também parceiros para
divulgação. Pesquisamos páginas e canais ligados à Ciência, Ensino de
Química, Inclusão, Libras e Materiais Didáticos. Após o contato com
alguns gerenciadores, iniciou-se também o processo de compartilhamento
dos vídeos. Ressaltamos, mais uma vez, que todos os envolvidos no
processo de criação são amadores e as ferramentas utilizadas para a
elaboração do material são simples.

80
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Descrição dos vídeos e as possibilidades em sala de aula

Todos os vídeos produzidos são bilíngues e, por isso, trazem


informações a surdos e ouvintes, por meio de recursos visuais. Os recursos
visuais podem facilitar a compreensão do universo microscópico e do
abstrato. Por isso, os vídeos se tornam uma poderosa ferramenta para a
discussão de muitos conceitos da área de Química, já que o universo
microscópico é inerente a esta ciência.
A esquete (1), intitulada O que tem no meu chiclete?, apresenta alguns
componentes químicos do chiclete, como glicerina, goma base, manitol e
estearato de sódio, que são responsáveis pelas características de
consistência, elasticidade e sabor adocicado. Um trecho da enquete (1) é
ilustrado a seguir, na Figura 3. Esta esquete foi organizada a partir de uma
narrativa, também apresentada a seguir, no Quadro 2.

Figura 3 – Imagem de um trecho da esquete (1)


Fonte: esquete (1) O que tem no meu chiclete?

81
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

(1) O que tem no meu chiclete?

O personagem chega em sua sala e encontra uma caixa de


chicletes em cima da mesa. Feliz da vida, abre um dos chicletes
e enquanto masca se indaga “Afinal, o que tem no meu
chiclete?”

Fala sinalizada: Você que já mascou um chiclete deve ter


percebido que ele é rígido, mas logo fica macio... Já percebeu
isso? Sabe o porquê? No chiclete há uma substância chamada
glicerina. Ela faz com que o chiclete, rígido no início, quando
em contato com a temperatura da boca, se torne macio. E a
elasticidade do chiclete? Que coisa, hein? Isso acontece porque
há uma outra substância chamada goma-base, derivada do
petróleo que estica e deixa fazer bolhas. Outro aspecto
interessante é o caráter adocicado dos chicletes sem açúcar.
Isso é proporcionado pelo manitol, uma substância presente
também na beterraba. Além de tudo isso, o chiclete pode
remover manchas nos dentes. Nele há o estearato de sódio que
pode remover sujeiras. Olha só quanta coisa interessante!

Quadro 2 – Narrativa da esquete (1)

O conteúdo da enquete (1) permite o professor trabalhar este vídeo


em diferentes situações na sala de aula, como por exemplo, (i) abordar a
Química dos compostos orgânicos a partir do petróleo e das substâncias
glicerina, manitol e estearato de sódio, (ii) discutir sobre a presença da
Química no desenvolvimento de produtos alimentícios, desde a extração de
matéria-prima ao produto final, ressaltando a importância da indústria
química e o trabalho do profissional da Química na produção de alimentos
(TOCANTINS, 2018).
A esquete (2) questiona sobre a melhor maneira de armazenar a
manteiga, considerando a presença de algumas propriedades químicas das
gorduras saturadas. As gorduras compõem a classe dos lipídeos, que são
biomoléculas formadas principalmente por carbono, oxigênio e hidrogênio.
A principal função dos lipídeos no organismo é o fornecimento de energia
para as células. No caso da manteiga, cerca de 82% de sua composição é
formada por gorduras saturadas, passíveis de sofrerem oxidação. O Quadro
3, a seguir, ilustra a narrativa da enquete (2).

82
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

(2) Manteiga dentro ou fora da geladeira?

Animação: Qual a melhor forma de armazenar a manteiga? Será


que a temperatura tem influência sobre isso?

Cena: O personagem se prepara para um lanche. Ao passar a


manteiga no pão, percebe que a mesma está um pouco dura.
Após utilizá-la, questiona qual a maneira mais adequada para
armazená-la.

Fala sinalizada: Onde devemos guardar a manteiga, dentro ou


fora da geladeira? A maioria das pessoas deixa a manteiga fora
para facilitar na hora de usá-la, mas há riscos com isso. A
porcentagem de gordura láctea na manteiga é de 82%. Essa
gordura é passível de oxidação, que pode comprometer a
qualidade do produto. Você pode perceber quando a manteiga
está estragada. Ingerir produto com qualidade comprometida
pode causar intoxicação. O adequado é guardá-la dentro da
geladeira. A temperatura da geladeira impede a proliferação das
bactérias e o produto tem sua vida útil prolongada. Mas se você
gosta de sua manteiga mole, você pode tira-la da geladeira alguns
minutos antes de preparar o seu lanche.

Quadro 3 – Narrativa da esquete (2)

Segundo Peruzzo e Canto (2006), o processo de oxidação ocorre na


posição alílica, ou seja, no carbono vizinho da dupla ligação. Uma vez os
radicais livres formados, eles se propagam rapidamente, aumentando o
consumo de oxigênio e tornando as alterações organolépticas perceptíveis.
Dessa forma, há oportunidades para o professor trabalhar (i) os conteúdos
de oxidação e redução (ii) abordar a classificação dos lipídeos, (iii) discutir
os fatores que influenciam na degradação dos alimentos, como temperatura,
pH e umidade e (iv) discutir os processos de decomposição aeróbica e
anaeróbica (TOCANTINS, 2018).
A esquete (3) abarca o processo de transformação do milho em
pipoca. A pipoca possui em seu interior (endosperma) uma massa
gelatinosa de amido, com cerca de 15% de água. Ao aquecer o milho, a água
se converte em vapor e exerce forte pressão na parede externa do milho
(pericarpo). Essa parede se rompe e forma bolhas, que se solidificam em
uma malha branca tridimensional. Comumente é possível observar que

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

alguns grãos de milho não estouram quando em contato com o calor. Isso
acontece por causa do baixo teor de umidade, presente no interior dos
grãos (REVISTA CIÊNCIA HOJE, 2010). A Figura 4, a seguir, ilustra um
trecho da enquete (3) e o Quadro 4, também a seguir, descreve a narrativa
desta enquete.

Figura 4 – Fala sinalizada na enquete (3)


Fonte: esquete (3) Porque o milho da pipoca estoura?

(3) Por que o milho de pipoca estoura?


Animação do milho virando pipoca em câmera lenta.

Fala sinalizada: O milho é muito duro, vocês sabem né? Em


seu interior há pequenas bolhas de ar. O calor provoca o
aumento da temperatura, as moléculas do ar se agitam e o ar se
expande aumentando mais de 20 vezes o seu volume. Há uma
pressão nas bolhas de ar até que elas se rompem e o milho
estoura. Por isso a pipoca é macia e leve.

Quadro 4 – Narrativa da esquete (3)

A partir dessa narrativa, o professor pode trabalhar com os conceitos


(i) diferença entre vapor e gás, (ii) relações entre temperatura, volume e
pressão de vapor, (iii) dilatação térmica, (iv) anatomia vegetal e (v)
fenômenos físicos e químicos (TOCANTINS, 2018).

84
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

A esquete (4) descreve o desagradável odor característico do ovo em


decomposição, devido a presença da molécula H2S (Sulfeto de Hidrogênio).
As proteínas do ovo contêm enxofre e durante o processo de
decomposição, liberam o composto H2S. Os pares de elétrons, isolados do
enxofre (átomo central), causam distorção na geometria molecular fazendo
com que a molécula de H2S seja angular. A força resultante do momento
dipolo para H2S faz com que a molécula seja polar (PERUZZO; CANTO,
2006). O Quadro 5, a seguir, descreve a narrativa desta enquete.

(4) Por que o ovo estragado produz mau cheiro?

Animação do ovo estragado. Por que o ovo podre fede? Já


sei! Aí tem Química!

Fala sinalizada: Quando você quebra um ovo podre, logo


percebe o mau cheiro, não é mesmo? Você sabe o porquê?
Nas proteínas do ovo há um elemento químico chamado
enxofre. E quando ocorre a sua decomposição, acontece a
formação do gás Sulfeto de Hidrogênio. Na estrutura
molecular deste gás, há ligações covalentes entre os
átomos de Hidrogênio e Enxofre, responsáveis pelo
cheiro do ovo estragado. Quando o gás Sulfeto de
Hidrogênio está em meio aquoso, ele se transforma na
substância ácido sulfídrico. Tanto o sulfeto de hidrogênio,
quanto o ácido sulfídrico, quando em altas concentrações,
são tóxicos ao ser humano. Mas, não se preocupe! O gás
sulfeto de hidrogênio, no ovo podre, não causa danos ao
ser humano porque está em baixa concentração.
Texto em animação: E mais! Essa é uma molécula
polar que apresenta geometria angular. Os pares de
elétrons isolados do enxofre provocam distorção na
molécula, tornando-a angular e a diferença de
eletronegatividade entre os átomos de enxofre e
hidrogênio, fazem com que a resultante seja uma molécula
polar.

Quadro 5 – Narrativa do esquete (4)

Essa esquete permite que o professor trabalhe diversos conteúdos,


como (i) ligações químicas covalentes, (ii) solução, solvente e soluto, (iii)
reações químicas e proporções estequiométricas e (iv) degradação das

85
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

proteínas (TOCANTINS, 2018).


A enquete (5) aborda a composição bioquímica da pele. O professor
pode trabalhar os temas (i) racismo e preconceito, de forma transversal, (ii)
a estrutura e composição das proteínas e (iii) funções orgânicas
(TOCANTINS, 2018). O Quadro 6, a seguir, descreve a narrativa desta
enquete.

(5) Bioquímica da pele

Fala sinalizada (libras): Você sabia que em 20 de novembro é


celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra? Essa data
remete à luta dos negros contra a escravidão e traz uma
reflexão sobre o racismo. 82,6% dos negros afirmam que a cor
da pele influencia na vida profissional. O salário das pessoas
negras é 37% menor que o das pessoas brancas. As pessoas
negras possuem somente 18% dos cargos de liderança
profissional. 60,8% dos brasileiros desempregados são negros.
Infelizmente, esses dados são reais e mostram como as pessoas
são tratadas de forma desigual em nossa sociedade apenas por
serem negras. Mas o que será que define a cor da pele das
pessoas e como a ciência explica isso? (animação) AÍ TEM
BIOQUÍMICA!
A cor da pele é caracterizada, principalmente, por uma proteína
chamada melanina, que possui a fórmula molecular
C18H10N2O4 e a seguinte fórmula estrutural:

A melanina é a principal substância que confere cor à pele, aos


olhos e aos cabelos das pessoas e dos animais. A quantidade e
o tipo da proteína é que vai determinar a cor da pele da pessoa.
Mas o que é proteína? É um conjunto de aminoácidos. Cada
aminoácido possui uma fórmula básica comum, onde o
carbono principal, chamado carbono alfa, faz ligação com um
grupo amina, um grupo ácido, um hidrogênio e uma cadeia
lateral chamada também de grupo R. A combinação de 20
aminoácidos produz milhares de proteínas, com funções e

86
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

estruturas diferentes em nosso organismo. O vídeo a seguir


mostra alguns dos principais aminoácidos (exibição de
animação). Esses aminoácidos se combinam de diferentes
formas, através das Ligações Peptídicas (sinal) formando as
diversas proteínas. É fácil imaginar! É como se a proteína fosse
um grande trem e cada aminoácido fosse um vagão. Neste
caso, a ligação peptídica acontece entre o grupo Amina e o
grupo carboxila dos aminoácidos (animação ilustrando a
ligação peptídica).
É importante discutirmos esse assunto para entendermos
como apenas a concentração de uma simples proteína tem
causado a exclusão de pessoas. A ignorância gera o
preconceito. Negros, brancos, surdos e ouvintes. Somos todos
seres humanos e merecemos respeito. Compartilhe esta ideia.

Quadro 6 – Narrativa do esquete (5)

O material produzido possui características de edutretenimento (ou


edutenimento). Segundo Américo e Yonezawa (2009), este termo se refere a
produções que utilizam diversas mídias para incorporar mensagens
educativas em formato de entretenimento. Também se enquadra na
categoria de recurso pedagógico bilíngue e contribui para o empoderamento
e a visibilidade da comunidade surda. Não obstante, os vídeos do projeto
são de divulgação científica acessíveis, uma vez que informam em
linguagem adaptada ao público leigo. Consideramos também que este
trabalho se encaixa no conceito de Tecnologia Assistiva. A disponibilidade
de vídeos em plataformas virtuais possibilita maior autonomia dos
estudantes na busca pelo conhecimento, uma vez que esse público tem
acesso ao material de qualquer localidade.
Mesmo possuindo caráter educativo, o material didático não substitui as
aulas de um professor. Nesta direção, o vídeo em sala de aula pode assumir
diferentes funções. Destacamos as funções de vídeo-motivador e vídeo-
apoio.
A divulgação desse projeto em plataformas virtuais, sites de notícias e
programas de telecomunicação contribui para a visibilidade da língua
brasileira de sinais e da educação química para surdos, por mostrar
produtos que possam ser usados na educação básica, além de mostrar a
possibilidade de docentes criarem seu próprio material.

Considerações finais

O projeto Libras Com(s)Ciência surge com o objetivo de despertar


nos alunos surdos, o gosto pela ciência através de informações científicas

87
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

em libras, de forma dinâmica e descontraída. O projeto teve seu início em


2015 e ainda está em andamento. Ao longo desse caminho, estabelecemos
alguns protocolos. Um deles foi um criterioso processo de revisão. A versão
em libras e a legenda em português precisam ser cuidadosamente revisadas,
para não comprometer o sentido dos conceitos científicos descritos nos
textos. Nesse sentido, ressaltamos a importância de trocas de informações
constantes entre os membros da equipe, para que não haja equívoco em
relação ao conteúdo, em nenhuma das línguas.
A proposta inicial do projeto envolvia conteúdos de Química
abordados no Ensino Médio. Com o passar do tempo, percebemos o
interesse do público por “Libras” e “Ciências”. Isso nos incitou a adaptar a
linguagem e o formato dos vídeos. Adotamos um perfil mais interativo,
incluindo a presença de mais animações computacionais durante as cenas.
Além disso, os vídeos se tornaram mais curtos e diretos. Porém,
pretendemos criar vídeos com maior aprofundamento teórico e prático no
que se refere ao ensino de Química, sem deixar de lado o caráter lúdico.
Com os novos vídeos, espera-se discutir Química envolvendo questões de
cunho ambiental, tecnológico e experimental, abarcando os universos
macroscópico, microscópico e representacional.
Mais uma vez, ressaltamos que todos os programas e softwares
utilizados são gratuitos e estão disponíveis para download na internet.
Acreditamos na potencialidade do Libras Com(s)Ciência e na produção de
vídeos em libras, como um materiais didáticos que podem ser utilizados na
escola. Nesta direção, precisamos ainda investigar se o material aqui
proposto pode contribuir para a melhoria da qualidade da prática docente,
no que se refere ao ensino de Química e educação de surdos.

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de 2018.

90
6 OS DESAFIOS PARA O SURDO NO AMBIENTE
DE TRABALHO
Renato Jefferson Bezerra Leão
Mariana Ferreira Albuquerque

Há uma conexão estreita entre o trabalho e o princípio da dignidade


humana. Através do trabalho, o homem promove seu desenvolvimento
pessoal, mantém relações com o meio em que vive, determina seus
rendimentos e horários, satisfaz-se com as atividades desenvolvidas e obtém
recompensas, direitos e deveres. No entanto, não basta reconhecer o valor
do trabalho, é preciso torná-lo viável a todos.
A inclusão no mercado de trabalho é algo complexo. É necessário
atenção a especificidades e investimento condizente à realidade social para o
acesso, a permanência e a participação de pessoas com deficiência no
ambiente organizacional. Nesse sentido, este capítulo discute a inclusão no
mercado de trabalho e seus desafios, a partir de entrevistas realizadas com
surdos nas cidades de Araguaína – TO e Palmas - TO. Todos os dados
foram coletados em libras, por entrevistadores também surdos (autores do
capítulo).
Atualmente, vemos ações de organizações governamentais e não-
governamentais envolvidos com a inclusão social. Sobre isso, salientamos
que todo esse movimento em prol das pessoas com deficiência é um
reconhecimento (tardio) de seus direitos (constitucionais).
Ainda assim, muitas empresas (socialmente responsáveis em realidade)
encontram dificuldades no cumprimento da legislação, no que se refere à
inclusão consciente de pessoas com deficiência. Uma delas é a falta de mão
de obra qualificada. O acesso do surdo às instituições de ensino, por
exemplo, nem sempre acontece com a presença de intérpretes de libras

91
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

profissionais. Esse fator acarreta em sérios desafios na formação e,


posteriormente, na inserção do surdo no mercado de trabalho.
A escassez de mão de obra qualificada pode ser um fator equacionado
com um investimento específico, por parte da instituição empregadora. A
implementação de políticas internas de acolhimento, com a capacitação da
equipe a receber os novos colaboradores, treinamento adequado,
preparação dos locais de trabalho, além de acompanhamento, supervisão e
monitoramento do exercício da função, são ações oportunas nesse sentido.
E, acima de tudo, confiança na capacidade do indivíduo e da equipe que o
recebe.
É necessário também fornecer às empresas informações sobre as
especificidades e direitos das pessoas com deficiência. A inclusão é uma
maneira diferente de olhar as pessoas e o mundo. Nessa perspectiva, não
existem pessoas deficientes, mas diferentes. A criatividade humana reside
justamente nessa diferença e na diversidade social.

Garantias e desafios em relação ao trabalho e à educação

De acordo com o Decreto Nº 3.298/99, a deficiência é a perda ou


anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica, que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro
de um padrão considerado normal para o ser humano. Em relação ao termo
pessoa com deficiência, a Lei Nº 12.146/15 define ser a pessoa com
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as
demais pessoas.
Tanto o Decreto quanto a Lei mencionados, asseguram às pessoas com
deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive o direito ao
trabalho e à educação, de forma que propiciem seu bem-estar pessoal, social
e econômico. Garantem também o direito à igualdade de oportunidades
com as demais pessoas e que não sofrerão nenhuma espécie de
discriminação. Os autores Araújo e Ferraz (2010) reforçam esses direitos ao
definirem pessoa com deficiência como um termo jurídico, que diz respeito
a um grupo de indivíduos que demanda alguma especificidade para a vida
de relação e que historicamente foi excluído das políticas públicas.
Dados da Organizações das Nações Unidas (ONU) indicam que
aproximadamente de 10% da população mundial são pessoas com
deficiência. Essa população, infelizmente, encontra dificuldades no usufruto
de seus direitos mais básicos. Daí a necessidade de políticas públicas
capazes de propiciar igualdade material de condições para a vida em
sociedade, através de tratamento específico.
Esses direitos decorrem de alguns princípios consagrados na

92
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Constituição Federal (CF). Em primeiro lugar, mencionamos os objetivos


da República Federativa do Brasil, expostos no artigo 3º da Lei Maior, em
seus incisos, I, III e IV, quais sejam, (i) a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, (ii) a erradicação da pobreza e da marginalização, (iii) a
redução das desigualdades sociais e a promoção do bem comum, livre de
qualquer forma de discriminação. Tais direitos também decorrem do
princípio de igualdade (art. 5º, inciso I), pois é imperativo tratar de forma
igual os iguais e de forma desigual os desiguais. Não menos importantes são
os princípios da livre locomoção (art. 5º, XV), do atendimento aos ditames
da ordem econômica (art. 170, VII), da assistência social e o da promoção
da integração de pessoas com deficiência à vida comunitária (art. 203, IV).
Por isso, a legislação sustenta reservar e garantir às pessoas com
deficiência vagas em concursos públicos, empregos na iniciativa privada,
acesso ao ensino regular, acesso aos logradouros de uso público, dentre
outras ações públicas e privadas. No rol de direitos sociais, vale citar o art.
7º, inciso XXXI da CF, que assegura, no âmbito da iniciativa privada, a
proibição de qualquer discriminação, no tocante a salários e critérios de
admissão da pessoa com deficiência.
No campo da Administração Pública, a Lei Nº 8.112/90, no parágrafo
2º do art. 5º, dispõe que às pessoas com deficiência, é assegurado o direito
de se inscrever em concurso público para o provimento de cargo cujas
atribuições sejam compatíveis com a deficiência. Para tais pessoas serão
reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.
Além disso, o art. 2º da Lei Nº 7.853/89 obriga o Poder Público a garantir
às pessoas com deficiência, o pleno exercício de seus direitos, inclusive o
direito ao trabalho.
O Decreto 3.298/99, nos artigos 37 a 44, regulamenta a forma como a
reserva deve ser feita, valendo aqui destacar alguns aspectos relevantes
dessa disciplina, com base na legislação, no próprio Decreto e na
jurisprudência. Segundo o Decreto, todo edital de concurso público deve
prever a reserva, que não pode ser inferior a 5% do total de vagas. E de
acordo com a posição do Supremo Tribunal, na hipótese de a divisão
resultar em número fracionado – não importando que a fração seja inferior
a meio –, impõe-se o arredondamento para cima (RE 227.299-MG, rel.
Min. IImar Galvão, 14.06.2000).
O mesmo Decreto, além de estipular, no art. 39, que os editais de
concursos públicos devem conter o número de vagas existentes, bem como
o total correspondente à reserva destinada às pessoas com deficiência,
devem especificar as atribuições e tarefas essências do cargo.
Independentemente da reserva, deve haver também a previsão de
adaptação das provas (naquilo que não for essencial para desempenho da
função), do curso de formação e do estágio probatório, conforme
especificidade da deficiência do candidato. O candidato com deficiência que

93
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

necessite de tratamento diferenciado nos dias do concurso, deve requerê-lo


no prazo determinado em edital, indicando as condições diferenciadas de
que necessita para realização das provas. Da mesma forma, o candidato
com deficiência que necessite de tempo adicional para realização das
provas, deve requerê-lo com justificativa acompanhada de parecer emitido
por médico especialista na área de sua deficiência, no prazo estabelecido no
edital do concurso.
O órgão responsável pela realização do concurso terá a assistência de
equipe multiprofissional, composta de três profissionais capacitados e
atuantes nas áreas da deficiência em questão, sendo um deles médico e os
demais, profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato,
conforme impõe o art. 43. Esta equipe deverá, entre outras atribuições,
analisar os requerimentos de inscrição e decidir pelo seu processamento
como candidato com direito à vaga reservada, deferindo-se ou não as
condições especiais, verificando se a necessidade especial comprovada pelo
candidato encaixa-se ou não nas definições legais de deficiência.
O art. 41 por sua vez, determina que a pessoa com deficiência,
resguardadas as condições especiais previstas no Decreto 3.298/99,
participará de concurso em igualdade de condições com os demais
candidatos, no que concerne ao conteúdo das provas, à avaliação e aos
critérios de aprovação, ao horário e ao local de aplicação das provas e à nota
mínima exigida para todos os demais candidatos. A publicação do resultado
final do concurso será feita em duas listas, contendo a primeira, a
pontuação de todos os candidatos e a segunda, somente a pontuação destes
últimos (art. 42).
No caso da pessoa surda, há uma luta da comunidade surda pela
afirmação da surdez enquanto diferença. Os surdos se definem como
integrantes de uma minoria linguística que faz significação de mundo a
partir da diferença surda (PERLIN, 2005). Entretanto, a classificação da
surdez enquanto deficiência é um fator de equiparação social ainda
necessário. Dessa forma, as políticas afirmativas destinadas às pessoas com
deficiência, previstas na legislação, ao contemplarem os surdos brasileiros,
não derrubam as discussões sobre surdez enquanto diferença. Inclusive, a
legislação brasileira também reconhece a surdez enquanto diferença
linguístico-cultural. O Decreto 5.626/05, a exemplo, considera pessoa surda
aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo
por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente
pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Por conta da diferença linguística, uma das barreiras ainda a eliminar é a
de comunicação, pois o meio de circulação de informações predominante
no país é a língua oral (português), o que dificulta a inclusão do trabalhador
surdo. Os espaços em que a libras circula, de maneira robusta, ainda são
discretos. Por isso, todas as conquistas aqui descritas, devem acontecer em

94
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

libras, considerando a diferença da pessoa surda. Nesse sentido, a presença


de intérpretes é fundamental.
Atualmente, algumas universidades brasileiras disponibilizam uma
versão em libras do processo seletivo do vestibular. Da mesma forma, o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2017, disponibilizou pela
primeira vez, todas as questões filmadas em libras (vídeos) para os
candidatos surdos. Dessa forma, acreditamos que em breve, esse formato
também seja uma realidade para concursos e demais processos seletivos.
Mas, o atendimento às especificidades para o acesso ao mercado de
trabalho deve ser acompanhado também de formação adequada. E a
educação é um meio oportuno para isso. Em relação ao direito à educação,
as discussões sobre inclusão de pessoas com deficiência, nas instituições de
ensino, aconteceram de maneira mais intensa após a Declaração de
Salamanca, em 1994, que estabelece o princípio de educação para todos,
independente da especificidade. Assim, a escola regular passou a ser a escola
das diferenças, inclusive para a diferença surda.
Com o reconhecimento da libras enquanto língua, através da Lei 10.436,
de 24 de abril de 2002, muitos avanços aconteceram em relação à oferta de
uma educação habilitadora aos surdos. Sendo língua, a libras deve ser o
alicerce para que os surdos tenham uma formação sólida e,
consequentemente, maior participação social.
A legislação brasileira, através do Decreto 5626/05, da Lei 13005/04
(Plano Nacional de Educação) e da Lei 13146/15 (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), garante aos surdos uma educação bilíngue, organizada em
libras como primeira língua e em português como segunda língua, que pode
ser ofertada em escolas bilíngues, classes bilíngues ou escolas inclusivas.
Dessa forma, as instituições de ensino devem atender as especificidades
linguístico-culturais dos alunos surdos. Conforme Perlin (2014), a escola
deve ser um local que oportunize o pulsar das identidades surdas, para que
o aluno surdo encontre sua diferença e produza conhecimento a partir dela.
Isso pressupõe mudanças de concepção e de práticas.
Nesse sentido, Lacerda e Lodi (2009) pontuam que a escola deve (i)
oferecer regularmente aos seus professores, informações sobre as
especificidades dos surdos de forma a acontecer a inclusão educacional, (ii)
promover a difusão da libras junto aos alunos e professores, estimulando
seu uso e (iii) promover reflexões sobre as atribuições do interprete
educacional no contexto escolar. Ainda de acordo com as autoras, (iv) a
libras deve ser ensinada como primeira língua aos alunos surdos. Cabe
ressaltar que a libras é fundamental na constituição da subjetividade dos
sujeitos. A escola também deve (v) ofertar o ensino de português como
segunda língua aos alunos surdos, de maneira dialógica e funcional, sem
priorizar os aspectos fonéticos. Isso pressupõe sala de aula específica para
surdos.

95
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Ressaltamos que a educação é um direito que permite o acesso a outros


direitos, dentre eles o trabalho. Assim, a existência de uma escola que
atenda às especificidades das diferenças, permite formação adequada, num
contexto que potencializa a diversidade humana.

A empresa enquanto agente de inclusão social

De acordo com Pastore (2000), as pessoas estão mais informadas e mais


criteriosas, fazendo com que mercado de trabalho esteja cada vez mais
exigente, por retratar o perfil do consumidor atual. Por isso, a dificuldade
de ingresso no mercado de trabalho não é uma exclusividade das pessoas
com deficiência mas, do trabalhador de um modo geral.
Batista (2004) afirma que as empresas, por sua vez, devem primar pelo
respeito ao princípio constitucional do valor social do trabalho e da livre
iniciativa, para que a cidadania plena e a dignidade do trabalhador, com ou
sem deficiência, sejam implementadas (art. 1º e 170 da CF/88). Nessa
perspectiva, a contratação de pessoas com deficiência deve ser vista como
qualquer outra, uma vez que se espera do trabalhador profissionalismo,
dedicação, assiduidade, enfim, atributos de qualquer empregado. Ainda de
acordo com o autor, a presença de pessoas com deficiência pode ser
benéfica para a empresa por seus efeitos secundários. Um “diferente” na
organização pode quebrar a rotina do ambiente de trabalho, desafiar a
equipe em relação a especificidades, além de possibilitar relações mais
afetivas e humanas.
A empresa que contrata pessoas com deficiência deve ter como tarefa
inicial preparar a equipe que irá entrevistar os candidatos e, assim, ser
bastante clara sobre os requisitos necessários para ocupar determinada
função. Isto é, tanto quem busca o emprego, como quem precisa contratar,
tem que saber o que procura e suas reais possibilidades de realização. Isso
envolve conhecer as capacidades enquanto pessoa e não como “deficiente”.
Uma avaliação específica proporciona igualdade de oportunidades para
os que tem desvantagens. Mas, não deve incidir nenhuma forma de
privilégios, tão somente de respeito às especificidades das pessoas com
deficiência, que devem receber igualdade de oportunidades. Respeitar tais
peculiaridades não significa que, do empregado, não será exigido o
cumprimento das obrigações do contrato de trabalho (art. 5º, III, do
Decreto nº 3.298/99). Por isso, a ética e a responsabilidade social estão
intrinsecamente ligadas à questão da inclusão.
Antes de ser instituída a obrigatoriedade de contratação de pessoas com
deficiência, raras eram as empresas que as empregavam. Portanto, não eram
dadas oportunidades às pessoas com deficiência para terem, em seu
currículo, experiência. Quando a experiência for realmente necessária ao
desempenho da função, a própria empresa pode oportunizar que a pessoa

96
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

adquira habilidades, postura e conhecimentos exigidos para o exercício de


certos cargos (art. 36, alínea “c”, da Recomendação nº 168 da OIT, c/c
item 4.4 do Repertório de Recomendações Práticas da OIT: Gestão de
questões relativas à deficiência no local de trabalho). Além disso, tendo em
vista que não foram dadas iguais oportunidades de acesso à escolarização,
deve ser dada a oportunidade às pessoas com deficiência de fazer um teste,
para revelarem suas reais condições de realizar o trabalho (art. 36, alínea “c”
da Recomendação nº 168 da OIT, c/c item 4 do Repertório de
Recomendações Práticas da OIT: Gestão de questões relativas à deficiência
no local do trabalho).
O modelo atual de organização do trabalho impôs um perfil de
trabalhador polivalente, que desempenha inúmeras funções. Dependendo
das especificidades impostas pela deficiência, muitas vezes a pessoa não
consegue desenvolver o conjunto das funções inseridas num mesmo cargo.
Entretanto, pode realizar grande parte delas. A empresa, sempre que
possível, deve verificar a possibilidade de desmembrar as funções de forma
a adequar o cargo às peculiaridades dos candidatos (art. 36, alínea “d”, da
Recomendação nº 168 da OIT).
Erroneamente, muitas vezes, o candidato surdo é associado a
determinados tipos de atividades, como por exemplo, as que não exigem
interação com outras pessoas. Perlin (2005) menciona que, por muitos anos,
uma instituição pública de encaminhamento de candidatos a empregos
possuía uma lista de atividades, para as quais o trabalhador surdo deveria ser
encaminhado. Isso é restritivo, desumanizante e anula as possibilidades do
trabalhador surdo.
De acordo com Pastore (2000), a competência profissional de pessoas
com deficiência pode ser desenvolvida em todos os campos do mercado de
trabalho. E a abertura do mercado de trabalho resulta em integração,
independência econômica, social e cultural. Essa é uma discussão ampla e
de suma importância para uma sociedade mais equitativa.
Por fim, em uma empresa socialmente responsável, há uma relação ética
de suas ações com a comunidade. A responsabilidade social da empresa
contribui para que todos participem mais ativamente das demandas sociais,
importantes à sociedade.

Desafios para o trabalhador surdo

Nesta seção, apresentamos o resultado de entrevistas realizadas com 27


(vinte e sete) trabalhadores surdos, 17 (dezessete) na cidade de Araguaína-
TO e 10 (dez) na cidade de Palmas-TO, a partir de dados em Albuquerque
(2016) e Leão (2012). O conteúdo das entrevistas está relacionado aos
desafios para a formação do trabalhador surdo e sua interação no ambiente
laboral. O objetivo era entender um pouco mais sobre os desafios para

97
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

inserção e interação do surdo no ambiente de trabalho.


Mais uma vez, ressaltamos a importância de conhecermos a situação
atual do surdo, em relação à sua formação e desafios no mercado de
trabalho. Os resultados aqui apresentados podem servir de base para a
implementação de ações afirmativas, que colaborem para maior inclusão
social de pessoas com deficiência, especialmente de pessoas surdas.
Em Araguaína, os 17 (dezessete) entrevistados são trabalhadores surdos
inseridos no mercado de trabalho. Eles foram recrutados a partir de
indicação dos próprios entrevistados. Todos que receberam convite de
participação, aceitaram colaborar. As tabelas 1 e 2, a seguir, ilustram o perfil
desses trabalhadores em relação ao local de trabalho e a função exercida,
respectivamente.

Tabela 1 – Local de trabalho dos trabalhadores surdos


Fonte: Albuquerque (2016)

Tabela 2 – Função exercida pelos trabalhadores surdos


Fonte: Albuquerque (2016)

Segundo os entrevistados, há resistência dos empregadores em


contratar pessoas surdas. A maioria (70%) respondeu que o motivo da
empresa optar pelo trabalho de um surdo é devido o cumprimento da
legislação brasileira. A maioria (70%) diz ainda que enfrenta desafios no
acesso às informações, uma vez que as empresas não dispõem de
intérpretes de libras para acompanha-los em reuniões e em momentos

98
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

coletivos e individuais de orientações. Apenas três dos entrevistados relatam


dispor de intérpretes durante reuniões periódicas. A presença de intérpretes
é uma ação importante que possibilita a formação em serviço. Outro
desafio é a falta de acesso às informações que circulam no cotidiano. Sobre
isso, transcrevemos a fala de “Júlio”, um dos entrevistados.

Logo quando comecei a trabalhar, percebi que meus


colegas faziam cursos e compartilhavam muitas
informações entre si. Eu pensei “como um surdo
também poderia se capacitar? Eu estou habituado a
conversar em libras com meus amigos, mas no
trabalho não há essa rede de interação em língua de
sinais”. Então, passei a ensinar libras para meus
colegas de trabalho e a anotar alguns termos técnicos
em português, usados no cotidiano do trabalho.
Assim, passei a interagir mais com meus colegas de
setor (ALBUQUERQUE, 2012, p. 26).

Os entrevistados reconhecem que os surdos precisam se qualificar para


inserção e permanência no mercado de trabalho. Mas, mencionam que as
barreiras de comunicação tornam a formação, principalmente em serviço,
desafiador para a maioria dos surdos.
Em Palmas, as entrevistas contaram com a colaboração de uma
liderança surda da cidade, para o levantamento dos possíveis colaboradores.
Os colaboradores foram pessoas surdas que estavam participando
ativamente do processo de criação da Associação de Surdos de Palmas, na
época (2012). Dessa forma, esse critério e possuir mais de 18 anos foram os
únicos requisitos para participação.
Sobre os entrevistados, 20% se declararam não alfabetizados, 30%
possuem ensino fundamental incompleto, 20% possuem fundamental
completo, 10% ensino médio incompleto, 10% ensino médio completo e
10% ensino superior incompleto. Na época das entrevistas, a cidade de
Palmas – TO não havia surdo com ensino superior completo (LEÃO,
2012).
Em relação à escolaridade, a amostra ilustra uma realidade ainda
recorrente para os surdos. Por mais que as políticas em relação à educação
inclusiva permitam o acesso de surdos às escolas, nem sempre a
permanência e a participação desses alunos são garantidas. Dessa forma, o
fenômeno da evasão escolar ainda é presente. Quando questionados sobre
as dificuldades de formação, todos mencionaram a preponderância da
língua oral como língua de instrução, a ausência de intérpretes e os desafios
de compreensão da língua portuguesa.

99
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Em relação ao trabalho, 70% relataram estar desempregados e apenas


30% empregados. Quando questionados sobre os motivos, todos do
primeiro grupo relataram haver resistência dos empregadores em contratar
pessoas surdas, por mais que haja cotas para deficientes. O segundo grupo
foi questionado sobre os desafios que enfrentam no ambiente laboral.
Todos relataram que a comunicação entre o servidor surdo e os demais
membros da equipe de trabalho é deficitária.
Dentre os entrevistados que frequentavam instituições de ensino (escola
ou faculdade), apenas 20% contavam com a presença de intérprete de
libras. Mencionaram ainda que a atuação destes profissionais era
insuficiente (não profissional). Isso nos faz refletir sobre a urgência de
políticas públicas em formar tradutores e intérpretes de libras para
atendimento aos surdos brasileiros. Hoje o Brasil conta com uma legislação
robusta que garante a presença deste profissional, inclusive com formação
superior10.
A maioria dos entrevistados (80%) também mencionam dificuldades em
atividades cotidianas que envolvem a língua portuguesa. Isso evidencia a
necessidade de um ensino eficaz de português como segunda língua, a
promover mais independência e autonomia, bem como a necessidade de
maior circulação de conhecimento em libras, de forma a legitimar a
diferença surda. Por fim, todos os entrevistados afirmam que uma formação
escolar sólida, em língua de sinais, proporciona maior acesso de surdos ao
mercado de trabalho.

Considerações finais

Este trabalho procurou evidenciar os desafios para a inclusão de pessoas


com deficiência no mercado de trabalho. A contratação de pessoas com
deficiência perpassa (i) por um processo seletivo específico e não-
discriminatórios, (ii) por um local de trabalho adequado para a integração
do trabalhador no cotidiano da organização e (iii) pela eliminação das
barreiras existentes. Isso envolve capacitação da equipe sobre as
especificidades relacionadas às pessoas com deficiência.
Discutimos também que deve ser garantido formação adequada às
pessoas com deficiência. No caso da pessoa surda, isso envolve legitimar a
libras como língua de instrução. A libras é uma língua brasileira e deve
ocupar os espaços que lhe é de direito, enquanto uma das línguas do país.
Os surdos enfrentam alguns desafios que dificultam sua participação no
ambiente de trabalho. O local de trabalho é apresentado como mais um
espaço em que há predomínio ou exclusividade da língua oral. Quando as
informações circulam apenas na língua oral, há dificuldade de acesso sobre

10 A saber, o Decreto 5.626 de 2005 e a Lei 12.146 de 2015.

100
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

o que se passa na empresa, sobre as regras de boa convivência e de


produtividade. A presença de intérprete de libras e de funcionários
sinalizadores podem minimizar as barreiras de comunicação, em momentos
de formação e de interação no cotidiano.
As pessoas com deficiência evidenciam a diferença humana e a
diversidade social. A sociedade é de todos e deve se organizar a garantir
participação e exercício da cidadania de todos. Dessa forma, o respeito à
diferença faz parte da agenda de responsabilidade de uma instituição. A
inclusão é um princípio que pauta pelo respeito e pela valorização da
diversidade, bem como pelo pensar e agir ético e socialmente responsáveis.

Referências bibliográficas

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mercado de trabalho de Araguaína. Trabalho de Conclusão de Curso do
Curso de Gestão de Cooperativas. Universidade Federal do Tocantins,
Araguaína, 2016.

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conceito de pessoa com deficiência e seu impacto nas ações
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BATISTA, Cristina Abranches Mota. Inclusão. construção na


diversidade. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2004. 184p.

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pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou
difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define
crimes, e dá outras providências.

BRASIL. Lei Nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime


jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das
fundações públicas federais.
BRASIL. Decreto Nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei
Nº 7.853 de 24 de outubro de 1999, dispõe sobre a Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de
proteção, e dá outras providências.

BRASIL. Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências.

101
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

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nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

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Marta Rejane Proença. (Orgs). Educação de surdos em debate. Curitiba:
Editora da UTFPR, 2014. p. 223-232.

102
7 O INTÉRPRETE DE LIBRAS NO TOCANTINS: UM
OLHAR SOBRE SUA ATUAÇÃO NO CONTEXTO
JURÍDICO
Alini Cardoso de Albuquerque Alves

A língua de sinais brasileira (libras) foi reconhecida como meio legal


de comunicação e expressão dos surdos brasileiros, através da Lei 10.436 de
24 de abril de 2002, conhecida como a Lei da Libras, sancionada pelo então
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Desde lá, outros
documentos legais sugiram de forma a regulamentar essa lei e a garantir aos
surdos o usufruto de direitos, bem como o exercício da cidadania em língua
de sinais, a partir da diferença surda. Recentemente, foi aprovada a Lei
13.146 de 06 de julho de 2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência), que garante à pessoa surda o acesso a produtos e serviço em
várias instituições, dentre elas, as instituições jurídicas.
A comunidade surda tem se tornado cada vez mais ativa, independente
e participativa, a legitimar espaços para a língua de sinais e para a diferença
surda. Dessa forma, os surdos, cientes de seus direitos e deveres, tem
recorrido à justiça no estado do Tocantins, principalmente em situações de
barreiras linguísticas em que o direito de uso da libras é violado.
Visando atender a essa crescente demanda, em 2016, o Tribunal de
Justiça do Estado Tocantins, publicou seu primeiro Edital11 para
cadastramento de profissionais intérpretes de libras, para atuarem em
audiências. A proposta é atender todas as Comarcas do Poder Judiciário no

11
O Edital está disponível em
<http://www.tjto.jus.br/images/arquivos/EDITAL_CREDENCIAMENTO__P
UBLICACAO_DJ_LIBRAS.pdf>. Acessado em 15 de setembro de 2018.

103
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

estado. Essa iniciativa de credenciamento de profissionais intérpretes busca


formalizar e sistematizar uma demanda crescente no país: a tradução e
interpretação de libras/ português na esfera jurídica.
O objetivo deste capítulo é justamente discutir, ainda que brevemente, a
emergência deste campo de trabalho. De acordo com Santos e Beer (2017),
o campo da interpretação libras/português, em contexto jurídico, ainda é
pouco discutido. Na oportunidade, apresentamos algumas questões
inerentes à implementação desse tipo serviço e relatamos nossa experiência
de atuação como intérprete de libras, no contexto jurídico no Tocantins.

O intérprete de libras no contexto jurídico

De acordo com Quadros (2004), após o reconhecimento da libras


enquanto língua, os surdos brasileiros passaram a ter garantias de acesso a
ela enquanto direito linguístico. Os surdos, por exemplo, têm o direito a
uma educação bilíngue, em língua de sinais, e as instituições, em geral, estão
obrigadas a garantir acessibilidade através do intérprete de libras e/ou
através de funcionários sinalizantes (Decreto 5.625 de 22 de dezembro de
2005). É esperado também que, à medida que a participação social dos
surdos amplie, o intérprete de libras se torne mais qualificado e reconhecido
profissionalmente.
Hoje, a maior demanda para os intérpretes de libras no Brasil está na
esfera educacional e a maioria dos profissionais ainda está sendo formada
em serviço (LACERDA, 2009). Assim como na área educacional, a atuação
de intérpretes na esfera jurídica apresenta uma série de especificidades e as
discussões sobre o tema ainda são incipientes. Isso torna a formação de
intérpretes nestes campo de atuação escassa e urgente.
De acordo com Fonseca (2007), é preciso facilitar o acesso de todos aos
serviços do sistema judiciário, inclusive o acesso das pessoas surdas. Para
evidenciar o déficit de circulação da libras no sistema judiciário brasileiro, o
autor recorda que, através da Lei da Libras, deve ser garantido, por parte do
poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos,
formas institucionalizadas de apoio ao uso e difusão da libras. Frisa que o
Decreto n° 5.626 de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a referida
Lei, é claro quando fixa parâmetros para o poder público em garantir o
acesso do cidadão surdo aos setores da sociedade. Com o prazo de até um
ano de publicação do Decreto, o poder público, as empresas
concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública,
direta e indireta, devem garantir às pessoas surdas o uso e a difusão da
libras, incumbindo-se também da tradução e interpretação em libras.
Atividades estas que devem ser realizadas por pelo menos 5% dos
servidores e empregados devidamente habilitados.
O autor reforça ainda que aos surdos se aplica o Artigo 5º da

104
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Constituição da República Federativa do Brasil. Caso seja negado aos


surdos o acesso à jurisdição por meio da libras, pode não ser garantido, por
exemplo, uma justiça que conheça as demandas dos surdos ou que entenda
seguramente sua defesa, sequer o contraditório e a ampla defesa, por falta
de comunicação. Muito menos será garantida uma atuação coerente do
Ministério Público, que será incapaz de atendê-los e defendê-los, quando
necessário for.
Por isso, é urgente a implementação de políticas que garantam a
formação de intérpretes de línguas de sinais aptos a atenderem a essa
crescente demanda de serviço. Uma formação sólida e generalista seria
possível? Até que ponto? Quais contextos essa atuação abrange? Aliás, é
preciso pensarmos na complexidade de atuação deste profissional para
pensarmos em uma formação robusta. Segundo Rodrigues (2010, p. 2),

[u]m único ILS reuniria conhecimentos, habilidades e


estratégias para atuar em distintas esferas
(internacional e intra-social) e com tipos específicos
de interpretação, tais como a interpretação
comunitária, a interpretação em tribunais, a
interpretação médica, a interpretação de diálogo, a
interpretação na mídia, a interpretação de ligação ou
acompanhamento e a interpretação de conferência?
(RODRIGUES, 2010, p. 2).

De acordo com Neto (2011), o intérprete é fundamental para a busca da


verdade dos fatos. Apenas para ilustrar essa importância, pensemos em
situações como o interrogatório e outros momentos decisivos da audiência,
como as leituras dos termos de acusação, denúncia e depoimento. Essas
situações evidenciam que o intérprete é um profissional indispensável para a
promoção de justiça, quando línguas distintas estão envolvidas.
Mas, geralmente, ainda segundo o autor, é apenas nas audiências que o
primeiro (e único) contato do intérprete com o juiz, o acusado e demais
participantes acontece. Contatos prévios ainda não são comuns. Essa falta
de proximidade pode gerar uma carga ainda maior de dificuldade para o
intérprete, durante a sua atuação. Além disso, numa audiência, os
intérpretes são considerados participantes terciários. A Figura 1, a seguir,
ilustra os participantes de uma audiência e essa posição atribuída aos
intérpretes.

105
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Figura 1 – Participantes de uma audiência e a posição dos intérpretes


Fonte: Imagem baseada em Neto (2011)

Conforme apresentado por Neto (2011), na atual estrutura do judiciário,


os tradutores e intérpretes são considerados profissionais auxiliares da
justiça12. Isso pode configurar, erroneamente, um papel menos importante
no sistema.
A atuação do tradutor e intérprete de libras no contexto jurídico é
ampla. De acordo com Santos (2016, p. 118), mesmo antes do processo
judicial em si, “os profissionais podem ser convocados para interpretar
outras situações: instrução para investigação, tomada de depoimento em
delegacia, assessoria jurídica e outros”. Em nossa experiência no Tocantins,
mesmo antes do credenciamento de intérpretes para atuação na esfera
jurídica, uma iniciativa do Tribunal de Justiça do estado do Tocantins, já
lidamos com algumas situações que envolvem o cliente surdo, como a
elaboração de boletim de ocorrência, solicitação de parecer de assistente
social, participação de fórum em audiências, início de processo civil em
órgãos públicos, depoimento de testemunha, júri ou réu em tribunal, entre
outras situações. O surdo se constitui a partir da língua de sinais e é preciso
um tradutor/intérprete em situações de mediação linguística e cultural.

12 Outros profissionais auxiliares da justiça são, por exemplo, os psicólogos, os

pedagogos e os assistentes sociais.

106
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Há um certo desconforto de atuação na área jurídica por parte dos


intérpretes de libras, devido a escassez de formação na área. Dentre as
especificidades de atuação, esse é um ambiente que exige uma terminologia
específica, além de excessiva formalidade entre os envolvidos.
Santos (2016) pontua algumas demandas que perpassam pela atuação do
intérprete, na esfera jurídica. Essas demandas são (i) de ordem linguística,
em que o profissional deve lidar com diferentes níveis de registro e termos
específicos, (ii) de ordem tradutória, ao tentar viabilizar o melhor modo de
interpretação, se simultâneo ou consecutivo; envolvem também (iii) modos
de preparação da interpretação, com uso de estratégias como explicitação,
adaptação, tradução literal, dentre outras, e ainda (iv) de ordem operacional,
por exemplo, como proceder diante de uma convocação, onde ficar
posicionado, postura, dentre outros. Todas essas demandas exigem escolhas
fundamentais para um serviço de qualidade. A autora ressalta ainda que

[e]ssas decisões podem ser tomadas de forma


satisfatória se o intérprete tiver o máximo de
informações sobre como proceder nesses casos, quais
protocolos são indicados e quais não devem ser
adotados, levando em consideração diversas
circunstâncias, sejam elas de cunho linguístico,
tradutório, operacional ou ainda cultural. Do
contrário, isto é, pelo desconhecimento de algumas
informações desse meio, os intérpretes de Libras-
Português podem tomar decisões equivocadas em
diferentes espaços de atuação da esfera jurídica.
(SANTOS, 2016, p. 118)

Além das especificidades que perpassam a atuação do intérprete de


libras no contexto jurídico (ainda pouco discutidas), o profissional lida com
um cenário em que há um desconhecimento grande por parte dos
servidores do judiciário sobre sua atuação. Ainda de acordo com Santos
(2016, p.117), “há um desconhecimento do papel do intérprete de Libras-
Português na esfera jurídica, dificultando a atuação deste profissional” e
normalmente, o intérprete “é chamado para a segunda audiência devido ao
fato de se desconhecer a especificidade linguística da pessoa surda usuária
de língua de sinais” (p.122).

107
Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

O intérprete de libras em audiências no Tocantins: primeiros


passos

Conforme mencionado, atuação do tradutor e intérprete de libras no


ambiente jurídico, de maneira sistemática e institucional, ainda é incipiente.
As atividades do intérprete, bem como suas decisões e estratégias de
atuação, ainda carecem de legitimação do poder público. Mesmo em relação
aos intérpretes de línguas orais, Genezi (2012) menciona que a legislação
brasileira garante o direito de intérprete ao falante estrangeiro, seja ele réu,
testemunha ou litigante, porém, isso não significa que se dê a devida
importância aos fatores envolvidos na manutenção desse direito.

[...] no Brasil o campo da interpretação de Língua


Brasileira de Sinais (Libras) para o Português, e vice-
versa em contextos jurídicos é incipiente, tanto no
que se refere à pesquisa quanto à atuação
propriamente dita. Tal área carece de pesquisas que
evidenciem as principais demandas, dificuldades e
desafios dos intérpretes nesse contexto específico de
trabalho. Além disso, a necessidade de formação
específica para os intérpretes de Libras-Português que
atuam no contexto jurídico é urgente, uma vez que a
comunidade surda tem cada vez mais buscado seus
direitos (SANTOS; BEER, 2017, p. 292).

No intuito de buscar legitimar e efetivar o direito de atendimento do


surdo em sua diferença linguística, o Tribunal de Justiça do Tocantins
lançou, em 2016, o primeiro Edital de credenciamento de intérpretes de
libras. Com o edital de credenciamento, o Tribunal de Justiça do Tocantins
pretende atender à demanda de interpretação em língua de sinais das 42
(quarenta e duas) Comarcas do estado. No entanto, em dois anos de
vigência do edital, apenas as Comarcas nas cidades de Araguaína, Palmas,
Porto Nacional e Gurupi solicitaram (e receberam) atendimento de
interpretação em libras. Estas são as quatro maiores cidades do Tocantins.
A remuneração referente aos honorários dos profissionais segue a tabela
proposta pela Federação Brasileira das Associações dos Profissionais
Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de Sinais (Febrapils).
A Febrapils é uma entidade sem fins lucrativos, de interesse público, cuja
função é orientar, apoiar e consolidar as associações de intérpretes e guia-
intérpretes de língua de sinais em defesa dos interesses da categoria.
Num primeiro momento, é comum o intérprete de libras ser acionado
pelo surdo de maneira informal, para atuar no contexto jurídico. Por ser
uma pessoa fluente em libras e integrante da comunidade surda, os

108
Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

intérpretes são acionados por surdos ou familiares de surdos, pessoalmente,


antes de tramitar a solicitação de serviço de interpretação nas audiências,
pela instituição solicitante.
O fluxo de solicitação de intérprete de libras no Tribunal de Justiça do
Tocantins segue o seguinte protocolo: a pessoa surda busca o poder
judiciário e, através de seu advogado (ou defensor público), é informado a
necessidade do intérprete ao Tribunal de Justiça. Para isso, o advogado faz a
devida solicitação, através de memorando despachado ao juiz, informando a
necessidade do intérprete, por se trata de um usuário de libras. Dados os
fatos, o juiz expede um ofício ao desembargador que, por sua vez, faz a
solicitação à Assessoria da Diretoria Administrativa do Fórum do
Tocantins.
Nos anos de 2017 e 2018, segundo informações da Diretoria
Administrativa do Tribunal de Justiça do Tocantins, foram atendidas 22
(vinte e duas) solicitações de interpretação em língua de sinais, sendo elas:
10 (dez) da Vara de Família, 4 (quatro) do Centro Judiciário de Solução de
Conflitos e Cidadania (CEJUSC), 3 (três) da Vara Criminal e Execuções
Penais e 5 (cinco) do Juizado Especial Cível. Como pode ser observado, a
maior demanda é na vara familiar, conforme ilustra a Figura 2.

Figura 2 – Demandas de interpretação em libras no judiciário do Tocantins


Fonte: Diretoria Administrativa do Tribunal de Justiça do Tocantins

Mesmo com a adesão do Tribunal de Justiça ao credenciamento de


intérpretes, ainda há um déficit nos demais contextos que envolvem a
justiça, como delegacias, Ministério Público e nas Defensorias Públicas do
Tocantins. Há relatos informais sobre os desafios dos surdos serem
atendidos em sua diferença linguística, ficando para o cidadão arcar com a

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

disponibilização de um intérprete para o acompanhar.


Em algumas demandas da Defensoria Pública do Estado do Tocantins,
o atendimento a essa solicitação se dá por meio de parcerias institucionais,
através de ofícios destinados às Instituições Federais de Ensino Superior,
como a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e o Instituto Federal de
Ciência e Tecnologia do Estado do Tocantins (IFTO), bem como à
Secretaria de Estado da Educação do Tocantins, especificamente ao Centro
de Capacitação de Profissionais da Educação e Atendimento às Pessoas
com Surdez (CAS).
Algumas questões precisam ser levantadas e discutidas para que o
processo de implementação do serviço de interpretação em libras, no
contexto jurídico, tenha maior êxito. Uma das questões é o tempo
prolongado de duração de algumas audiências. Deve ser garantido a
presença de dois profissionais, para que haja a oportunidade de
revezamento13. Há um esforço físico e cognitivo consideráveis no processo
de interpretação, o que pode gerar omissões e perdas de informações,
interferindo diretamente na qualidade do serviço.
É importante ressaltarmos que o intérprete precisa estar munido de
competência referencial para sua atuação. Isso corresponde à preparação da
interpretação. No ambiente jurídico, por exemplo, existem terminologias
específicas que ainda não possuem sinais correspondentes na libras. Dessa
maneira, o intérprete precisa buscar estratégias linguísticas e referenciais, de
maneira a preparar adequadamente o processo interpretativo. Além disso,
alguns discursos e protocolos podem não fazer parte do repertório do
cliente.
Conceitos como imparcialidade, ética e fidelidade são inerentes ao
contexto da tradução e interpretação, e, por isso, devem ser devidamente
problematizados no contexto jurídico. Em algumas situações, além das
questões que perpassam pela atuação do intérprete, conforme pontuado por
Santos (2016), sejam elas de ordem linguística, tradutória, de preparação e
operacional, é necessário também habilidades específicas, dependendo da
situação. Em algumas demandas, fica evidente a necessidade de refletir com
mais propriedade algumas dessas questões, principalmente quando as partes
envolvidas são crianças, por exemplo.
Outro fator que tem desafiado a atuação do intérprete de libras é o
próprio processo de credenciamento. Há uma lista intensa de
documentação exigida, o que tem dificultado o credenciamento de alguns
profissionais. Além disso, precisamos discutir o perfil e o nível de formação


13
De acordo com a Febrapils, quando há uma demanda de interpretação
simultânea por mais de 30 min, deve ser garantido a presença de dois intérpretes de
libras. Em uma demanda de interpretação simultânea que exija uma atuação por
mais mais de 3h, deve ser garantida uma equipe de intérpretes.

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

dos intérpretes. Afinal, quem são os tradutores/intérpretes de


libras/português? Qual o perfil desses profissionais para atuar na esfera
jurídica?

Considerações finais

Com a circulação da libras em território nacional, os surdos têm mais


acesso à informação e, consequentemente, formação. Logo, aumenta
também a busca das pessoas surdas por serviços públicos, o que demanda a
implementação de políticas públicas que garantam a presença de intérpretes
de libras.
O estado do Tocantins, através do Tribunal de Justiça, avança em
garantir a presença do intérprete de libras em audiências. A publicação de
um edital para credenciamento de intérpretes de línguas de sinais é uma
iniciativa oportuna neste sentido. Além disso, consideramos um
reconhecimento e valorização da categoria, ao atender as orientações da
Febrapils. Isso contribui com a profissionalização dos intérpretes, no
tocante ao trabalho junto à comunidade surda.
A atuação do intérprete de libras no ambiente jurídico é recente e exige
uma atuação específica. Por isso, é urgente a formação de profissionais para
esta área de atuação. Nesse sentido, pesquisas são necessárias, além de
diálogo constante entre intérpretes, enquanto categoria profissional, sistema
judiciário e surdos, usuários do serviço, para a reflexões sobre esse campo
de trabalho e a elaboração de protocolos específicos de atuação.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais e dá outras providências.

BRASIL. Decreto Nº 5626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei


nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho 2015 Institui a Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

FONSECA, Ricardo T. M. Libras no Judiciário: um débito social. Revista


Legislação do Trabalho, v.71, n.2, p. 1068-1071, 2007.

GINEZI, Luciana Latarini. A ética na interpretação de tribunal: o Brasil no


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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

LACERDA, C. B. F. Intérprete de libras em atuação na educação


infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Editora Mediação, 1º
edição. 2009.

NETO, Lourival Novais. O intérprete de tribunal, um mero intérprete?


Curitiba: Editora CRV, 2011.

QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de


sinais e língua portuguesa. Secretaria de Educação Especial. Programa
Nacional de Apoio à Educação de Surdos. Brasília: MEC/ SEESP, 2003.

RODRIGUES, Carlos Henrique. Da interpretação comunitária à


interpretação de conferência: desafios para formação de intérpretes de
língua de sinais. Anais do II Congresso Nacional de Pesquisa em Tradução
e Interpretação Libras Língua portuguesa. Florianópolis, 2010.

SAIMON, Reckelberg. Intérpretes de Libras-Português no Contexto


Jurídico: uma investigação dos serviços de interpretação oferecidos na
Grande Florianópolis. Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Letras
Libras. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.

SANTOS, Silvana Aguiar dos; BEER, Hanna. Interpreting in legal contexts:


Consecutive and simultaneous interpretation. Cadernos de Tradução, v.
37, n. 2, p. 288-293, 2017.

SANTOS, Silvana Aguiar dos. Questões emergentes sobre a interpretação


de libras-português na esfera jurídica. Belas Infiéis, v. 5, n. 1, p. 117-129,
2016.

112
8 POR UMA POLÍTICA LINGUÍSTICA EM ESCRITA
DE SINAIS NO TOCANTINS
Renato Jefferson Bezerra Leão

O presente capítulo está em escrita de sinais e por isso apresentamos


um resumo de sua proposta em português. O objetivo deste capítulo é
identificar de que forma a legislação brasileira garante o uso e difusão da
escrita de sinais enquanto prática social. Para isso, analisamos alguns
documentos legais de abrangência nacional, estadual (Tocantins) e
municipais (Araguaína-TO e Palmas-TO). Nos documentos, há o
reconhecimento da libras e de outros sistemas de expressão associados a
ela, garantia de ensino de libras, alfabetização bilíngue, produção de material
didático, valorização de conhecimentos e artefatos culturais surdos
expressos em libras. Além disso, há menção à produção de artigos
científicos em libras e incentivo à produção, disponibilização e
comercialização de livros em formatos acessíveis. Isso assegura o uso da
escrita de sinais dentro e fora da escola. Dessa forma, a legislação brasileira
garante o uso de escrita de sinais enquanto prática social.

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Introdução

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

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Educação bilíngue para surdos

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Metodologia

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Legislação garante o uso da escrita de sinais dentro e fora da escola

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Considerações finais

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Referências bibliográficas

ARAGUAÍNA. Lei Municipal Nº 2.957 de 24 de junho de 2015. Dispõe


sobre a aprovação do Plano Municipal de Educação de Araguaína, Estado
do Tocantins e dá outras providencias.

BRASIL. Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências.

BRASIL. Decreto Nº 5626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei


nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

BRASIL. Lei Nº 13.005 de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional


de Educação – PNE e dá outras providências.

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Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

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Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SECADI,
2014. Disponível em: <www.bibliotecadigital.unicamp.br> Acesso em 15
out., 2015.

CAMPELLO, Ana Regina Souza. A constituição histórica da língua de


sinais brasileira: século XVIII a XXI. Revista Mundo e Letras. v. 2. 2011.

CAMPOS, Mariana de Lima Isaac Leandro. Educação Inclusiva para surdos


e as políticas vigentes. In: LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de;
SANTOS, Lara Ferreira dos. (Orgs). Tenho um aluno surdo, e agora?:
Introdução à libras e educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2014, p.
37-62.

PALMAS. Lei Nº 2.238 de 19 de janeiro de 2016. Institui o Plano Municipal


de Educação de Palmas e dá outras providências.

PERLIN, Gladis. Cultura e educação bilíngue no pulsar das Identidades


surdas contemporâneas. In: ADREIS-WITKOSKI, Sílvia; FILIETAZ,
Marta Rejane Proença. (Orgs). Educação de surdos em debate. Curitiba:
Editora da UTFPR, 2014. p. 223-232.

PERLIN, Gladis. O ser e o estar sendo surdos: alteridade, diferença e


identidade. Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação.

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Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

PERLIN, Gladis; STROBEL, Karin Lilian. História cultural dos surdos:


desafio contemporâneo. Educar em Revista. n. 2. 2014.

RANGEL, Gisele Maciel Monteiro. História Cultural da pedagogia dos


Surdos: 15 anos depois. In: PERLIN, Gladis; STUMPF, Marianne. (Orgs).
Um olhar sobre nós surdos. Leituras contemporâneas. Curitiba: Editora
CRV, 2012, p. 213-226.

STUMPF, Marianne Rossi. Aprendizagem de escrita de língua de sinais


pelo sistema signwriting: línguas de sinais no papel e no computador.
2005. 330 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Curso de
Pós-Graduação em Informática da Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.

TOCANTINS. Lei Nº 2.977 de 08 de julho de 2016. Aprova o Plano


Estadual de Educação do Tocantins - PEE/TO (2015-2025), e adota outras
providências.

136
SOBRE OS AUTORES

Alini Cardoso de Albuquerque Alves. Graduada em Letras Português e


Proficiente em Tradução e Interpretação Libras/Português
(Prolibras/MEC/UFSC). Tradutora e Intérprete de libras no Instituto Federal de
Ciência e Tecnologia do Tocantins – IFTO, Campus de Palmas.
Email: [email protected]

Bruno Gonçalves Carneiro. Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-


Graduação em Letras e Linguística da UFG. Professor no Curso de Letras Libras
da UFT, Campus de Porto Nacional.
Email: [email protected]

Carlos Roberto Ludwig. Doutor e Mestre em Letras pela UFRGS. Professor


Adjunto da UFT, no Curso de Letras Inglês, e Coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Letras da UFT, Campus de Porto Nacional.
Email: [email protected]

José Divino Mendes de Souza. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação


em Letras da UFT, Campus de Porto Nacional. Graduado em Geografia também
pela UFT.
Email: [email protected]

Delismar Palmeira Costa. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em


Geografia da UFT, Campus de Porto Nacional. Graduado em Geografia também
pela UFT, no Campus de Araguaína.
Email: [email protected]

Geano Gustavo Geofre Paz. Graduado em Química pela UFT, Campus de


Araguaína. Durante a graduação foi bolsista do Programa Institucional de

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Bruno Gonçalves Carneiro, Renato Jefferson Bezerra Leão e Roselba Gomes de Miranda

Iniciação à Docência (PIBID).


Email: [email protected]

Lia Claudia Coelho. Graduada em Letras Libras pela UFT. Durante a graduação
foi bolsista do Programa de Apoio ao Aluno Ingressante (PADI), atuando com o
ensino de língua portuguesa para estudantes surdos.
Email: [email protected]

Márcia Cristina Barreto Fernandes de Abreu. Doutora em Educação pela


UFU, Mestre em Psicologia pela UCB e graduada em psicologia pela UFU.
Professora Adjunta da UFT, Campus de Arraias.
Email: [email protected]

Mariana Ferreira Albuquerque. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação


em Letras: Ensino de Língua e Literatura da UFT, Campus de Araguaína.
Professora de libras da Rede Municipal de Educação de Araguaína – TO.
Email: [email protected]

Paloma Aline Terris. Graduada em Química pela UFT, Campus de Araguaína.


Professora da Secretaria Estadual de Educação do Tocantins.
Email: [email protected]

Renato Jefferson Bezerra Leão. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação


em Letras da UFT, Campus de Porto Nacional. Professor no Curso de Letras
Libras da UFT.
Email: [email protected]

Roselba Gomes de Miranda. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em


Letras da UFT, Campus de Porto Nacional. Professora no Curso de Letras Libras
da UFT.
Email: [email protected]

Rosileny Santos. Graduada em Pedagogia pela UFT, Campus de Arraias. Atua


como Secretária Administrativa/ Chefe de Controle Interno da Câmara Municipal
de Combinado – TO.
Email: [email protected]

Vanessa Alves Porto. Graduada em Pedagogia pela UFT, Campus de Arraias.


Professora da Secretaria Municipal de Educação de Paranã – TO.
Email: [email protected]

Venery Ferreira da Cunha. Graduada em Pedagogia pela UFT, Campus de


Arraias. Coordenadora de Programas da Secretaria Municipal de Educação de

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Língua de Sinais, Identidades e Cultura Surda no Tocantins – Volume I

Arraias – TO.
Email: [email protected]

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