Barros - Introdução - Texto 1

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BARROS, José D’Assunção. Teoria e formação do historiador (Introdução).

Petrópolis,
RJ: Vozes, 2017. p.7-13.

Os cursos de graduação em História iniciam-se habitualmente, já no primeiro


semestre, com uma disciplina chamada Teoria da História. Alguns currículos
universitários optam por denominá-la, alternativamente, como Introdução aos Estudos
Históricos, Introdução à História, ou outras designações que anunciam a necessidade
de introduzir o aluno em novo modo de ver a História que é o dos historiadores
profissionais. Essa transição é muito importante porque, com poucas exceções, os
alunos que ingressam em uma universidade com vistas a iniciarem a sua formação de
historiadores – seja para se tornarem futuramente pesquisadores ou professores de
História – costumam trazer consigo uma concepção de história que é a do senso
comum, mas não é mais propriamente a dos historiadores profissionais.
Não são raras, mesmo hoje em dia, certas noções sobre a História muito
simplórias, e mesmo errôneas, as quais são simplesmente difundidas entre aqueles
que não estudaram mais a fundo as ciências humanas ou que não são leitores da
historiografia especializada. Pensa-se, por exemplo, que a principal função do
historiador seria apenas a de “contar os fatos tal como eles aconteceram”,
desconsiderando-se com isso que a missão essencial dos historiadores é na verdade a
de fornecer à sociedade diversas interpretações problematizadas sobre o que
aconteceu. Os fatos são obviamente importantes para os historiadores, e sem eles não
se faz história; mas o que precisamos compreender, conforme veremos diversas vezes
neste livro, é que o trabalho principal dos historiadores é o de construir as
interpretações que darão sentidos a estes fatos.
Pensa-se também, muito habitualmente, que existe uma verdade única sobre
as coisas que aconteceram na história, e que a função da História – agora entendida
como campo de saber – é a de revelar essa verdade. Outros pensam que a habilidade
central que o historiador deverá aprender com diligência e cultivar ciosamente é a de
memorizar datas. Não é incomum que, em festas ou reuniões sociais, as pessoas se
aproximem daqueles que lhes foram apresentados como historiadores ou estudantes
de História para lhes perguntar sobre datas, ou mesmo que tenham o desejo de testá-
los, como se a habilidade de saber datas fosse aquilo que o historiador precisará
provar a todos e a todo instante, à maneira de um matemático do qual se exigisse que
fizesse rapidamente contas mais ou menos complicadas. Também costumam ser
cobrados os nomes de lugares, ou de reis e figuras ilustres, por exemplo. Tudo isso
constitui um senso comum sobre a História que ainda hoje nos fala, nos meios leigos,
de uma História que já não existe mais na academia e nos ambientes profissionais de
pesquisa.
Embora os historiadores que lecionam História nos níveis fundamental e médio
frequentemente se empenham em ensinar aos seus alunos, em algum momento, uma
História problematizada, sabemos com isso é difícil nas instituições escolares que
desvalorizam as ciências humanas frente a outros saberes, e que também costumam
priorizar a mera instrumentalização do estudo de História com vistas a um sucesso
apenas performativo naqueles exames típicos que todos os alunos –
independentemente de suas futuras escolhas profissionais – terão de enfrentar para
passar à etapa do Ensino Superior. O aluno estuda História para passar em uma
determinada prova, e não para se conscientizar sobre a história ou sobre as raízes
sociais, culturais e políticas do mundo em que vive.
Tampouco se estuda História, nesses contextos de ensino, para mudar a
história. Mais recentemente, inclusive, ouvimos falar de projetos políticos
conservadores que têm planejado interpor ao trabalho dos professores de História a
estranha ideia de que eles deveriam, sim, contar o que aconteceu na história, mas sem
“ideologias”. Querem dizer com isso que esses professores não devem passar aos
alunos interpretações sobre a história, mas sim a história neutra, talvez novamente
factual, como se existisse uma única história a ser ensinada em uma espécie de “escola
sem partido”, seja lá o que isso for.
Quando um estudante atinge um nível superior dos estudos de História, ela às
vezes se surpreende ao ser logo informado de que não existe uma única História da
Revolução Francesa, e nem tampouco uma única História da Abolição da Escravidão no
Brasil, mas sim várias histórias da Revolução Francesa e várias histórias do processo
abolicionista no Brasil. Em uma palavra, existem “interpretações” diversificadas sobre
esses processos históricos, sobre por que e como ocorreram, sobre quais os seus
desdobramentos, sobre as diversas possibilidades de perspectivá-los. Em termos mais
simples, existem distintas teorias disponíveis para nos aproximarmos dos processos
históricos e das sociedades históricas que queremos compreender. De igual maneira,
não existe uma única forma de se trabalhar com a História, de pensar a função do
historiador na sua sociedade, de considerar quais são os seus verdadeiros motores, ou
de balancear as relações entre passado, presente e futuro. Existem, em um sentido
mais amplo, muitas e muitas Teorias sobre a História (sobre este campo do saber que é
a História).
Muitos dos alunos que adentram a graduação se assustam ou se encantam ao
serem surpreendidos pela questão, ao mesmo tempo fascinante e incontornável, de
que a História é um campo de saber extremamente diversificado nas suas
possibilidades. Por isso, é necessária uma disciplina de transição, por assim dizer,
capaz de apresentar ao futuro historiador – ou ao “historiador em formação” – esse
novo mundo de possibilidades, essa flexibilidade com a qual ele terá de lidar a partir
dali. Essa disciplina de transição é chamada em muitos currículos universitários de
Introdução aos Estudos Históricos, e em outros é assumida como a primeira de uma
série de disciplinas designada Teoria da História.
A Teoria da História, por outro lado, é também uma área de pesquisa específica
– tal como a História do Brasil ou a História da América – e muitos historiadores
dedicam-se sistematicamente a desenvolver pesquisas na área de Teoria da História.
Estudam o trabalho de historiadores de sua época e de todos os tempos, os conceitos
historiográficos, os modos de sentir e entender o tempo, os estilos disponíveis para as
narrativas históricas, ao mesmo tempo em que experimentam novas maneiras de
abordar a História. Nesse sentido mais restrito, a Teoria da História é um campo
especializado dentro da História. Não é, de modo nenhum, apenas uma disciplina
auxiliar para as outras.
De qualquer maneira, seja no sentido mais simples – o de disciplina
instrumental para a História –, mas também considerando o seu sentido mais
complexo, o de área de estudos e de pesquisa à qual podem se dedicar os
historiadores, a Teoria da História não deixa de ser o portal de entrada e o patamar de
permanência para o tipo de História que se espera dos historiadores profissionais. A
Teoria da História é, por tudo isso, o primeiro grande desafio a ser enfrentado pelos
“historiadores em formação” (aqui entendidos como os alunos de graduação em
História, ou mesmo os diletantes que começam a estudá-la fora dos banco
universitários, mas de maneira séria.)
Este livro é dedicado precisamente aos estudantes que acabaram de entrar em
uma graduação em História. Seu objetivo essencial é o de esclarecer algumas questões
fundamentais. O que é Teoria? Em que a Teoria se diferencia, por exemplo, do
Método? (Essa instância fundamental para a produção do conhecimento histórico.) O
que é, mais especificamente, a Teoria da História? A obra pretende ser apenas
introdutória, e traz os exemplos simplificados de três paradigmas teóricos e distintos
da História (embora existam muitos outros, e muitas variações dentro deles e entre
eles).
Existe outra obra, deste mesmo autor e já publicada anteriormente por esta
mesma editora, na qual se desenvolve um estudo mais aprofundado, detalhado e
complexo sobre a Teoria da História. Trata-se da série Teoria da História, que até o
momento conta com cinco volumes. Este pequeno livro é por um lado um convite para
que seja lida esta obra mais vasta e aprofundada, e antecipa as reflexões que
reaparecem nos volumes I, II e III da série citada. Tive a iniciativa de publicá-lo porque
verifiquei que um artigo meu, chamado “Teoria e Formação do Historiador”, tem sido
muito utilizado por professores de Teoria da História nos semestres iniciais do curso de
graduação. Em vista disso, retomei esse artigo, corrigi alguns aspectos e o ampliei
quando necessário. Minha esperança é que este pequeno livro ajude efetivamente o
aluno que fez a escolha de se tornar historiador, e que fortaleça essa escolha.

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