Apostila - Deficiência Visual

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Educação Especial em

Deficiência Visual
Núcleo de Pós-Graduação

Deficiência Visual
Apresentação

A Educação Especial, sob os princípios dos ideais democráticos de direitos e


igualdade de oportunidades da “Educação para Todos”, tem buscado, hoje,
espaço mais amplo para discutir, analisar e refletir, com mais profundidade,
questões básicas conceituais de seu significado, ideologia e identidade no
contexto escolar e sociocultural.

A prática da reflexão, do diálogo e de trocas de experiências, com diferentes


pontos de vista, crenças e interpretações teóricas, tem suscitado, no
momento, acalorada debate, polêmica e até mesmo posições radicais quanto
aos objetivos da educação especial, sua função e formas de atuação em
nosso país.

O que se discute hoje é a proposta da Escola Inclusiva em substituição à


Escola Integradora da Política Nacional de Educação Especial, sugerindo-se,
inclusive,a extinção das formas de atendimento individualizado e dos
programas tradicionais de educação especial.
Caracterização do Alunado com Deficiência Visual

Deficiência refere-se a qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou


função psicológica, fisiológica ou anatômica, podendo resultar numa limitação
ou incapacidade no desempenho normal de uma determinada atividade que,
dependendo da idade, sexo, fatores sociais e culturais, pode se constituir em
uma deficiência.

Desta forma, uma doença ou trauma na estrutura e funcionamento do sistema


visual pode provocar no indivíduo a incapacidade de "ver" ou de "ver bem",
acarretando limitações ou impedimentos quanto à aquisição de conceitos,
acesso direto à palavra escrita, à orientação e mobilidade independente, à
interação social e ao controle do ambiente, o que poderá trazer atrasos no
desenvolvimento normal.

A criança deficiente visual é aquela que difere da média a tal ponto que irá
necessitar de professores especializados, adaptações curriculares e ou
materiais adicionais de ensino, para ajudá-la a atingir um nível de
desenvolvimento proporcional às suas capacidades.

Os alunos com deficiência visual não constituem um grupo homogêneo, com


características comuns de aprendizagem, sendo também, um erro considerá-
los como um grupo à parte, uma vez que suas necessidades educacionais
básicas são geralmente as mesmas que as das crianças de visão normal.
Os portadores de deficiência visual apresentam uma variação de perdas que
poderão se manifestar em diferentes graus de acuidade visual que pode ir
desde a ausência da percepção de luz até 0,3 (Snellen), conforme detalhado
nas definições médica e educacional.

No trabalho com crianças cegas ou portadoras de visão subnormal há


necessidade de um conhecimento prévio de cada caso, para elaboração de
um plano educacional adequado às características e necessidades do
educando. Algumas informações importantes devem ser colhidas junto aos
pais ou responsáveis pela mesma, as quais serão posteriormente ampliadas
ou rejeitadas de acordo com o desenvolvimento das atividades no contato
direto com o aluno.

Desta forma, além dos efeitos diretos da deficiência sobre o indivíduo,


segundo Lowenfeld e Ochaitá, algumas variáveis intervenientes afetam o grau
da perda visual, dentre elas Scholl (1982) destaca: a idade em que se
manifestou o problema visual, forma de manifestação, etiologia, tipo e grau de
visão, nos casos em que existe algum resíduo de visão.

Idade em que Manifestou o Problema Visual: uma criança com cegueira


congênita dependerá da audição e do tato para adquirir conhecimentos e
formar imagens mentais, enquanto uma criança cuja cegueira ou perda
acentuada da visão ocorra depois do nascimento, poderá reter imagens
visuais e ser capaz de relacioná-las com as impressões recebidas pelos
outros sentidos. No entanto, segundo LOWENFELD (1963), aquelas que
perdem a visão antes dos cinco anos, não são capazes de reter imagens
visuais.
Outro ponto a ser considerado é se a deficiência ocorreu antes ou depois da
alfabetização, uma vez que poderá haver maior resistência ou dificuldade
para a aceitação da escrita braile. Tais informações são importantes, tanto
para os aspectos educacionais, quanto pelos efeitos emocionais que o
aparecimento da deficiência pode causar no indivíduo, conforme o período de
desenvolvimento em que se encontra.

Forma de Manifestação: a criança ou jovem de baixa visão que vai perdendo-


a progressivamente poderá estar mais bem preparada para a aceitação da
perda total, enquanto aqueles que a perdem subitamente podem ter reações
diferentes, requerendo apoio e compreensão por mais tempo para poderem
aceitar sua nova condição; embora em ambos os casos seja comum o
aparecimento de problemas ou interferências no ajustamento emocional.

No entanto, a experiência tem mostrado que, tanto no trabalho com crianças,


jovens ou adultos com perda recente de visão, um fator importante para a
obtenção de melhores resultados, é a aceitação da deficiência pelo indivíduo.
Enquanto este não se convencer de ser portador de uma incapacidade, às
vezes, irreversível e que deverá conviver com ela, qualquer programa, por
melhor elaborado e conduzido que seja, estará fadado ao fracasso.

Etiologia: há certos tipos de afecções que precisam ser cuidadosamente


observadas e controladas, o glaucoma congênito,por exemplo,além de,
doloroso, em certas ocasiões, poderá interferir na conduta da criança; por
outro lado, os cuidados especiais recomendados para certos tipos de
patologias ou problemas adicionais que a criança possa ter, poderão
provocar-nos mesmos comportamentos diferentes.

Por outro, certos problemas decorrentes de doenças sexualmente


transmissíveis, poderão causar interferências no relacionamento entre os pais
e com a própria criança.

Outro aspecto que poderá interferir no grau de eficiência visual é a


iluminação, uma vez que existem patologias que requerem pouca luz,
enquanto outras necessitam de muita iluminação. Cabe ao professor observar
e decidir com o aluno qual o melhor lugar para ele ficar na classe.

No que se refere à iluminação, é oportuno lembrar que os casos de catarata,


glaucoma, aniridia, ceratocone e albinismo, respondem melhor quando há
menor intensidade de luz, enquanto alguns erros de refração, a retinose
pigmentar, a atrofia óptica e degeneração macular requerem maior
quantidade de luz para estimular as células da fóvea (componente do sistema
visual) e melhorar a clareza e agudeza visual. No entanto, poderão ocorrer
variações entre dois indivíduos com a mesma etiologia, onde um poderá exigir
maior, e outro, menor quantidade de luz (BARRAGA, 1971).

Tipo e Grau de Visão Residual: o grau de visão subnormal, acrescido do tipo


de afecção existente poderá causar interferências no aproveitamento do aluno
devido ao esforço que poderá fazer na tentativa de querer enxergar mais do
que realmente pode, provocando tensão, tanto física, quanto emocional.
A necessidade do uso de materiais impressos em tipos ampliados e em
Braille ao mesmo tempo, ou a dificuldade na aceitação de recursos ópticos,
por vezes nada estéticos, constituem-se situações difíceis para a criança e,
principalmente, para o jovem enfrentar, levando-os, muitas vezes, a
frustrações e baixa no rendimento escolar.

Alguns estudos mostram que a criança portadora de cegueira total


pode apresentar um melhor ajustamento do que a de visão subnormal;
O que, talvez, possa ser explicado, pela dicotomia de precisarem viver entre
dois mundos e porque os pais e os educadores tendem a esperar mais delas.

Do que das totalmente cegas, sem fazer ideia de quão defeituosa é essa
visão, ou em que características particulares residem a sua deficiência
(ZIMMERMAN, 1965).

Além destes itens pontuados por SCHOLL, podemos acrescentar outro,


mencionado nos estudos de NORRIS (1957).

Oportunidades para Aprender: a criança privada de uma modalidade


sensorial tão importante como a visão, terá necessidade de experiências
sensoriais compensatórias através das outras vias perceptivas não afetadas.
No entanto, para que o aprendizado se efetive, essas experiências devem ser
significativas para a criança.

Norris e colaboradores realizaram um estudo durante cinco anos, com


aproximadamente trezentas crianças pré-escolares, o que os levou a
concluírem que tais crianças necessitam de oportunidades para aprender e
não, simplesmente, de estimulação. Isto é lógico, se entendermos por
estimulação algo dado à criança com um conhecimento prévio de seu sistema
de motivação, bem como do que é apropriado ao seu nível de
desenvolvimento. Oportunidade para aprender implica "um clima emocional
dentro do qual é dada à criança orientação e liberdade em proporções justas
e relativas às suas necessidades como uma personalidade em
desenvolvimento" (NORRISET al., 1957).

De acordo com estas colocações, pode-se entender o quanto a criança


deficiente visual pode ser mal conduzida em seu desenvolvimento e
aprendizagem, quando guiada pela insegurança, superproteção e, mesmo,
desconhecimento das pessoas que a cercam.

Um dos aspectos que pode ser decorrente da falta de oportunidade para


aprender é o desenvolvimento de atitudes inadequadas, frequentemente,
conhecidas como "ceguismo" ou "anopcismos", encontradas em crianças ou
adultas cegas, como por exemplo, o balançar constante do tronco para frente
e para trás, movimentar a cabeça para os lados ou em movimentos circulares,
sacudir ou esfregar as mãos, pressionar um, ou ambos os olhos com as
mãos.

E outros. Estas atitudes ocorrem pela falta de atividade, levando o indivíduo a


descarregar suas energias em si mesmo, ou seja, se auto estimular.
Princípios da Educação do Deficiente Visual

Como decorrência dos estudos e observações realizadas em torno da


educação das crianças e jovens deficientes visuais, LOWENFELD (1973)
estabeleceu didaticamente cinco princípios básicos que todo educador
consciente de suas funções deve considerar globalmente em qualquer etapa
de seu trabalho, visto se encontrarem intimamente ligados e
interdependentes.

Individualização: se para a educação comum é importante à consideração das


diferenças individuais dos alunos, quanto mais em se tratando de crianças
com dificuldades visuais, pois a cegueira e os vários graus de visão
subnormal não se constituem em condição para padronização dos indivíduos;
eles irão diferir entre si, tanto ou mais que as crianças videntes. O grau de
visão, época e condições em que surgiu a deficiência, estrutura familiar, meio-
ambiente, são aspectos que exigem um programa individualizado que venha
a atender às necessidades de cada criança, de acordo com suas
potencialidades e ritmo de desempenho.

Concretização: o conhecimento da criança deficiente visual será obtido


através dos outros sentidos, que não a visão; para ela, realmente, perceber o
mundo à sua volta é necessário oferecer-lhe, sempre que possíveis objetos
passíveis de toque e manipulação. Ela irá adquirir a noção de forma,
tamanho, peso, solidez, textura, flexibilidade, temperatura e outras
características dos objetos, principalmente através do tato. Os modelos
deverão ser ampliados quando os originais forem muito pequenos e
diminuídos quando muito grandes. Estas adaptações, no entanto, não deixam
de ser uma distorção do real e as diferenças devem ser detalhadamente
explicadas à criança em suas devidas proporções.
Face às barreiras reais que o ambiente pode oferecer a criança deficiente não

Está acostumada a grandes explorações do meio e dos objetos à sua volta;


ela precisa ser estimulada a comparar, detectar diferenças para, realmente,
conhecer e se inteirar do que é.

Se não for dada especial atenção à concretização, os conhecimentos formais


poderão ser mal compreendidos e deformados, levando-a a fazer
conceituações errôneas, ou, simplesmente, cair no verbalismo (descrever
sem saber o que é).

Ensino Unificado: a experiência visual tende a unificar, globalizar o


conhecimento em sua totalidade. As orientações deverão ser transmitidas de
modo global, de tal forma, que permitam à criança localizar-se numa situação
real de vida, para poder ser auxiliada na aquisição de novos conhecimentos
em que não haja condições de observação em conjunto, estruturando
interiormente suas experiências num todo organizado.

Para facilitar essa globalização devem ser dadas ao educando oportunidades


de observação através de todos os sentidos remanescentes. O professor
deve procurar descobrir todas as possibilidades auditivas, gustativas,
olfativas, táteis e cenestésicas do aluno e utilizá-las não só na exploração dos
conteúdos específicos da aprendizagem formal, como também nas atividades
gerais da vida diária e na orientação e mobilidade, sugerindo aos pais para
também fazerem o mesmo, sempre que possível.

Estímulo Adicional: a visão é um dos sentidos que mais recebe estímulos


para observação informal de situações novas e consequente aprendizagem
incidental. A criança cega pouco estimulada terá uma vida relativamente
restrita e, para ampliar seus horizontes, desenvolver suas imagens mentais e
orientá-las para ambientes mais amplos, é necessário proporcionar-lhe
experiências, através de estimulação adequada e sistemática, em um nível
proporcional ao seu desenvolvimento e motivação, fazendo-a conhecer o
mundo através de sua própria observação e experiência.

A orientação mental sobre ambientes mais próximos pode ser iniciada pela
exploração detalhada dos mesmos, seguida de descrição ou representação,
iniciando-se, por exemplo, pelo próprio quarto, sala, cozinha e demais.
Dependências; a sala de aula, banheiro, diretoria, refeitório e demais
ambientes que deve circular na escola; procurando estabelecer relações de
tamanho e distância entre os ambientes conhecidos, tanto do lar quanto da
escola, evoluindo conforme o interesse e domínio da criança.

Este tipo de atividade irá contribuir para que, futuramente, o aluno tenha os
pré-requisitos necessários para uma locomoção independente.
Auto Atividade: toda criança precisa movimentar-se para adquirir
desenvolvimento físico e motor harmonioso e para isto se efetivar, ela precisa
ser motivada; devem-se dirigir seus interesses no sentido de estimular o
desejo de movimentar-se livremente.

A mobilidade, a fala, o ato de preensão, de alimentar-se, a socialização e


outros aspectos poderão ser retardados se ela não for orientada para
executar tais atividades; ela só irá dominar estas habilidades fazendo. Por
outro lado, a maturação também precisa ser auxiliada em todos os seus
estágios, sendo necessário oferecer à criança oportunidades para poder fazer
sozinhas atividades compatíveis com suas condições, num ritmo crescente de
interesses e complexidade.

DEFICIÊNCIA VISUAL – CONCEITUAÇÃO E IMPLICAÇÕES

O conhecimento sobre os problemas de visão em crianças mostra claramente


a necessidade de cuidados especiais pelo comprometimento do canal
sensorial mais importante de aquisição de informações. Isto tem
consequências sobre seu desenvolvimento e a aprendizagem, tornando-se
necessário elaborar sistemas de ensino que transmitam, por vias alternativas,
as informações que não podem ser obtidas por meio da visão.

No que se refere ao programa de O&M (orientação e mobilidade) existem


diferenças significativas no trabalho a ser desenvolvido com crianças
portadoras de cegueira e de visão subnormal, o que levou a definir nesse
texto cada uma delas, assim como apontar algumas implicações resultantes
das duas condições.

A deficiência da visão é uma limitação sensorial que pode atingir uma


gravidade capaz de praticamente anular a capacidade de ver, abrangendo
vários graus de acuidade visual, permitindo diversas classificações de
redução da visão. Portanto, ao se adotar determinada classificação, deve-se
considerar as finalidades propostas para sua utilização. Em face de sua
abrangência e complexidade há muitas definições e classificações da
deficiência visual, discutidas em vários países. Para melhor esclarecimento,
foram destacados dois enfoques:

- conotação clínica (Organização Mundial da Saúde);


- com propósitos educacionais.

Classificação da Organização Mundial de Saúde - OMS

O Grupo Consultivo do Programa da OMS, em reunião sobre a prevenção da


cegueira, Genebra 1981,preocupado com a localização, notificação,
incidência, etiologia, prevenção e tratamento da deficiência visual, salienta a
importância de uma definição que, além de satisfazer as necessidades atuais,
seja adotada em todo o mundo. Recomenda também a diferenciação entre
cegueira e visão subnormal.
A OMS adota a seguinte classificação:

Quadro 1 – Classificação da Perda da visão (OMS).

(Escala Optamétrica Decimal de Snellen)

GRAU DE PERDA DE ACUIDADE VISUAL (com ambos os olhos e


VISÃO melhor correção óptica possível)
Máxima menor que Mínima igual ou maior que
1 Visão subnormal 6/18 (metros) * 6/60
3/10 (0,3) 1/10 (0,1)
20/70 (pés) 20/200
2 Visão subnormal 6/60 3/60
1/10 (0,1) 1/20 (0,05)
20/200 20/400
3 Cegueira 3/60 1/60 (capacidade de contar
1/20 (0,05) dedos a um metro)
20/400 1/50 (0,02)
5/300
4- cegueira 1/60 (capacidade de Percepção de luz
contar dedos a um
metro)
1/50 (0,02)
5/300
5- cegueira Não percebe luz
9- Indeterminada ou não especificada

CID 2000.

* A fração 6/18 metros significa que o indivíduo vê as seis metros o que


normalmente se veria a 18 metros. O mesmo ocorrendo com 20/70 pés, ele
vê a 20 pés o que seria visto a 70 e assim sucessivamente conforme proposto
na tabela. Apesar da conversão em metros e decimal, os oftalmologistas
utilizam com maior frequência a expressão da acuidade visual medida em pés
e, algumas vezes, em decimal, conforme proposto na escala de Snellen.
A escala optamétrica decimal de Snellen serve para medir a acuidade visual
para longe, ou seja, apercepção de forma e posição a uma distância de 6
metros;
As figuras E em negro, em diferentes posições são alinhadas sobre uma carta
branca, diminuindo seu tamanho de cima para baixo, numa proporção direta
de distância e tamanho baseados em uma escala decimal que varia de 0,1 a
1.

Considerando a amplitude do campo visual, os indivíduos com campo maior


do que 5 graus e menor do que 10 graus ao redor do ponto central de fixação
devem ser colocados na categoria 3 e aqueles cujo campo visual não
ultrapasse os 5 graus ao redor do ponto central de fixação na categoria 4,
quando não está afetada a agudeza visual central.

A deficiência visual pode ser considerada pela baixa acuidade visual oucampo
visual restrito.
A classificação da OMS deu grande impulso aos estudos sobre visão
subnormal principalmente na área médica, quando os oftalmologistas
passaram a se preocupar com a visão funcional dos pacientes e sua
influência na educação dos deficientes visuais, em particular na O&M, nas
Atividades da Vida Diária (ADV) e nas Atividades da Vida Prática (AVP).
A educação de pessoas com deficiência visual no Brasil: tendências e
perspectivas

A trajetória educacional brasileira, tanto do ponto de vista histórico como


filosófico, revela profunda dependência do pensamento e da tendência sócio
educacional Europeu desde seus primórdios.
No final do século XVIII, surgiu, em Paris, a primeira escola de cegos, o
Instituto Real dos Jovens Cegos, criada por Valentin Haüy (1784), que
acabara de inventar um sistema de leitura em alto relevo com letras em
caracteres comuns, constituindo-se a primeira tentativa de leitura-escrita para
pessoas cegas.
No início do século XIX, na França, um jovem cego chamado Louis Braille
desenvolveu um sistema de caracteres de seis pontos em relevo, denominado
sistema braile, que possibilitou a aprendizagem de leitura, escrita e a
proliferação de escolas por toda Europa e Estados Unidos.
Segundo informações do Instituto Benjamin Constant (1997), o brasileiro José
Álvares de Azevedo realizou seus estudos em Paris, no Instituto Real dos
Jovens Cegos, onde fora aprender a nova técnica e o método. Chegando ao
Brasil, ensinou o sistema braile a Adéle Sigaud, filha do Dr. Xavier Sigaud,
médico do Paço, que logo levou a D.Pedro II a ideia de criarem nosso país
um colégio destinado à educação e residência de pessoas cegas.

Assim, foi criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854), hoje Instituto
Benjamin Constant, tendo sido o primeiro educandário para cegos na América
Latina e a única instituição federal destinada a promover a educação e a
capacitação de profissionais para a criação de institutos em outros estados
brasileiros.

Desta forma, a partir do início do século XX, e sendo comum o sistema de


internato, foram criadas, no modelo educacional do Instituto Benjamin
Constant, as primeiras escolas especiais: Instituto São Rafael, em Belo
Horizonte (l926),Instituto Padre Chico, em São Paulo (1928),Instituto de
Cegos da Bahia, em Salvador (1929),Instituto Santa Luzia, em Porto Alegre
(194l),Instituto de Cegos do Ceará, em Fortaleza (l934), e Instituto de Cegos
Florisvaldo Vargas, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul (l957).

Essas instituições tiveram importante papel na educação de crianças com


deficiência visual. Criadas num determinado momento histórico, prestaram
relevantes serviços, exercendo a função que competia ao Estado.
Entretanto, ainda hoje, muitas instituições não redimensionaram a forma de
atendimento e a prática pedagógica, não se estruturaram e nem se
organizaram para as novas demandas sociais. Há escolas que retiram o aluno
do ambiente familiar e do contexto comunitário, outras realizam o trabalho
pedagógico, sob o pretexto do ensino especializado, de forma individualizada
e solitária, contribuindo, desta forma, para a existência ainda de escolas
especiais segregadoras.
Fato semelhante foi encontrado nos estudos relatados por Anache (1994):

“A Instituição especializada é ainda o órgão majoritário no atendimento ao


portador de deficiência visual, em Mato Grosso do Sul, apesar de começarem
a surgir outras iniciativas nesse sentido. Mas essas se constituem em
tentativas frágeis, que não dispõem de conhecimentos necessários sobre a
questão para serem implantadas com eficácia. (...) A Instituição visa promover
a educação do „deficiente‟ da visão e a sua profissionalização para que se
torne um cidadão ativo. Mas o que ocorre é o contrário. Existem esses
anseios, porém, não existe uma coerência entre o discurso e a prática... A
cada avanço se contrapõe e se coloca a reprodução de anos atrás. Sob o
rótulo de „excepcional‟, o „deficiente‟ visual continua segregado na família, na
escola, no trabalho e na própria instituição especializada. O resultado é um
indivíduo marginalizado e com autoconceito debilitado, que tem dificuldades
para se integrar, pois, como vimos, este processo implica acordo tácito entre
indivíduo e meio.” (p. 99, 117).

Essa ainda é a realidade, principalmente no interior dos estados, como


apontou Bruno (1997) comentando esse fato: o grande marco na história da
Educação Integrada na América Latina foi, sem dúvida alguma, a Fundação
para o Livro do Cego no Brasil (l946), hoje Fundação Dorina Nowill, situada
em São Paulo, constituindo-se na primeira instituição a capacitar professores
especializados para a atuação em escolas públicas.

Assim, na cidade de São Paulo (l950) e no Rio de Janeiro (l957) foram


criadas as primeiras salas de recursos e classes especiais em escolas
públicas, nascendo, dessa forma, a educação especial sob o princípio da
integração no sistema comum de ensino.

Outro avanço importante na história da educação especial na América Latina


que muito contribuiu para a expansão do ensino integrado no Brasil foi à
criação dos cursos de habilitação em nível superior, iniciados na década de
70, na Faculdade de Educação da UNESP, em Marília, e na Faculdade do
Carmo, em Santos; e, na década de 80, na Universidade de São Paulo e na
Faculdade de Educação do Paraná.

Nessa mesma época, iniciam os cursos de especialização patrocinados pelo


Ministério da Educação e Cultura-MEC: o primeiro deles em Belo Horizonte,
promovido pela Fundação Hilton Rocha; seguiram-se Paraná e Rio de
Janeiro. Na década de 90, as universidades federais e estaduais,
incentivadas pela Secretaria Nacional de Educação Especial, assumiram, em
diferentes Estados, como Mato Grosso do Sul, Pará, Maranhão, Ceará e
outros, a capacitação de profissionais na área da educação especial.
De forma semelhante, depara-se aqui com outra contradição: apesar de muito
se falar em integração e inclusão (pois há quase meio século a educação
especial prega os princípios da integração para o atendimento educacional do
aluno com deficiência visual), apesar de se capacitarem professores sob
esses princípios (e muitos estados já assumemo novo discurso da Escola
Inclusiva), a realidade é outra. O que se constataé que grande parte dos
alunos com deficiência visual ainda encontra inúmeros obstáculos para
integração plena e continuidade escolar, desde o ensino fundamental até a
universidade.

Diante dessas constatações, torna-se importante, a nosso ver, trabalhar com


a Representação Social da deficiência visual, na tentativa de compreender,
mediante a análise dos discursos, as relações entre teoria e prática, o que
legitima a exclusão social e quais são os entraves, existentes no cotidiano,
para integração dessas pessoas. Para essa tarefa, antes de ouvir a tríade
envolvida – aluno, família e professor – é de fundamental importância discutir
as imagens e conceitos da deficiência visual construídos historicamente.

Classificação Educacional

Os estudos e pesquisas, sobretudo de Barraga (1965), conhecidos no Brasil


em 1977, comprovaram que a capacidade de ver não é inata, mas depende
de habilidades aprendidas em cada estágio do desenvolvimento; a eficiência
visual não depende diretamente da acuidade visual, pois o uso e a
estimulação da visão residual podem levar à sua melhor utilização. Segundo
Barraga, 89% dos educandos com acuidade visual inferior a 0,1 (Escala
Optométrica Decimal de Snellen) tem visão residual possível deutilização e
desenvolvimento.

Os primeiros serviços em educação especial tinham por finalidade a


“conservação da visão”,enfatizando o uso de materiais e métodos que
exigissem sua mínima utilização, pois acreditava-se que as pessoas que
apresentavam deficiência visual grave não poderiam utilizar a visão sem
correr o risco de perdê-la (GARCIA, 1984).

Os alunos portadores de visão subnormal, na época chamada de “amblíopes”,


eram aqueles que apresentavam acuidade visual 0,1 a 0,3 (Escala de
Snellen), enquanto os de acuidade visual menor que 0,1eram considerados
cegos e forçados a utilizar o Sistema Braille no processo de leitura e escrita.
Quanto aos considerados cegos, os sentidos do tato e da audição eram
estimulados, ignorando-se totalmente o potencial da visão ainda existente e
com possibilidades de melhorar a sua eficiência.

Faye e Barraga (l985) consideram como deficientes da visão os portadores de


cegueira e os de visão subnormal:
Portadores de Cegueira – os educandos que apresentam ausência total de
visão com perda de projeção de luz, devendo utilizar o Sistema Braille no
processo ensino aprendizagem, mesmo que a percepção de luz os auxilie na
O&M.

Portadores de Visão Subnormal – os educandos que apresentam condições


de indicar projeção de luz até o grau em que a redução de sua acuidade
visual limite o seu desempenho.

Tal classificação determina as diferenças nos programas de O&M para


portadores de visão subnormal e cegueira. Os portadores de visão subnormal
que se encontram no limite superior utilizarão poucos recursos adicionais,
usando quase exclusivamente a visão para a O&M. Os que se encontram
como limítrofes da cegueira necessitam de treinamento sensório-perceptivo
com o objetivo de utilizar melhor as informações provenientes dos outros
sentidos, servindo como pistas em sua orientação espacial – este programa
estará muito próximo do que é desenvolvido com pessoas cegas. Segundo o
MEC (2006) a definição educacional diz que são cegas as crianças que não
têm visão suficiente para aprender a ler em tinta, e necessitam, portanto,
utilizar outros sentidos (tátil, auditivo, olfativo, gustativo e cinestésico) no seu
processo de desenvolvimento e aprendizagem.

Entre as crianças cegas, há as que não podem ver nada, outras que têm
apenas percepção de luz, algumas podem perceber claro, escuras e delinear
algumas formas. A mínima percepção de luz ou de vulto pode ser muito útil
para a orientação no espaço, movimentação e habilidades de independência.

As crianças com baixa visão são as que utilizam seu pequeno potencial
visual para explorar o ambiente, conhecer o mundo e aprender a ler e
escrever. Essas crianças se diferenciam nas suas possibilidades visuais,
embora necessitem aprender a utilizar a visão da melhor forma possível,
podem também utilizar os outros sentidos ao mesmo tempo para a
aprendizagem, aquisição de conceitos e construção do conhecimento.
De acordo com MEC (2006) se a criança se torna deficiente visual após os
cinco anos de idade, ela já terá desenvolvido praticamente todo seu potencial
visual, poderá conservar imagens e memória visual. Já as crianças que
nascem cegas ou perdem a visão muito cedo terão suas necessidades de
aprendizagem diferentes daquelas das demais crianças.

Há crianças que podem apresentar algumas dificuldades visuais, segundo


MEC (2006), são elas:

Acuidade visual reduzida: a criança apresenta dificuldade para ver longe,


precisa aproximar-se bastante para poder ver bem pessoas e objetos, mesmo
que utilize recursos ópticos;

Campo visual restrito: uma criança que enxerga bem tem um campo visual de
180 graus na horizontal e vertical, o que possibilita interagir, localizar-se e
orientar-se bem no ambiente. Já as crianças com baixa visão, podem possuir
um campo de visual bastante restrito, o que pode prejudicar sua orientação e
locomoção no espaço;

Visão de cores e sensibilidade aos contrastes: há algumas alterações visuais


nas quais as crianças são incapazes de distinguir determinadas cores como
verde, vermelho, azul, marrom; outras crianças distinguem cores vibrantes,
com bastante luminância (amarela laranja e etc.). Há crianças que podem ver
objetos, formas e letras com bastante contraste (preto/branco, amarelo/preto,
roxo/verde);

Adaptação à iluminação: algumas crianças com baixa visão podem


apresentar sensibilidade exagerada à luz, que ocasiona desconforto visual,
ofuscamento, irritabilidade, lacrimejamento, dor de cabeça e nos olhos. Há,
entretanto, crianças que necessitam de muita iluminação e luz dirigida aos
objetos para que possa enxergar melhor.

Na perspectiva da teoria vygotskiana, não existem diferenças básicas no


impulso para o desenvolvimento da criança com deficiência visual, já que as
forças do desenvolvimento são dinâmicas e buscam, através da
compensação, uma superação de um estado de insegurança e de
inferioridade que a condição da criança impõe.
Abordagem Clínica e Educacional: implicações

A OMS utiliza critérios médicos de medidas de acuidade visual (Escala de


Snellen), chegando a resultados estáticos em condições especiais de
distância e iluminação, sem considerar outras características físicas e
psicológicas dos indivíduos que podem alterar o resultado (GARCIA, 1984).

A definição educacional(FAYE e BARRAGA, 1985) é mais funcional e


dinâmica, pois a acuidade visual, conforme a Escala de Snellen é muito
menos importante do que o uso real que o indivíduo faz da visão. A eficiência
visual não pode ser expressa por medidas estáticas, encontrando-se enormes
diferenças na eficiência visual entre indivíduos com perdas semelhantes de
visão(FAYE,1985).

A eficiência piscovisual ou o uso da visão residual é determinado por fatores


como a natureza e extensão da doença do olho, idade em que ocorreu a
perda da visão, oportunidades de estimulação visual e de “ver” materiais
visuais, condições psicológicas do indivíduo e sua atitude em relação à
deficiência.

A definição da OMS é utilizada para fins legais, econômicos e estatísticos, a


educacional se preocupa com o desempenho visual, visando à formação e
participação do indivíduo na sociedade.

Os educadores não devem seguir rigidamente os diagnósticos baseados na


distância padrão de medidas da acuidade visual para prognósticos
educacionais, pois muitas crianças podem ter alguma visão para perto
potencialmente aproveitável, mas não desenvolvida. Isto significa que às
pessoas de qualquer idade, portadoras de visão residual, devem ser
facilitadas a utilização desta visão o mais cedo possível, devendo ser
preparadas para isso, evitando-lhes a imputação do rótulo de cegueira.
Indiscutivelmente, esta também é uma tarefa que deve ser considerada como
parte natural do trabalho do professor de Educação Especial e do especialista
em O&M para melhor qualidade de vida do aluno e profilaxia da cegueira.
Para ilustrar tal posição apresenta-se o seguinte quadro:

Quadro 2 - Classificação médica e educacional: paralelo e intersecção

CLASSIFICAÇÃOCLÍNICA CLASSIFICAÇÃO
EDUCACIONAL
Diagnóstico médico – baseado Diagnóstico educacional -
na Acuidade visual. baseado na Eficiência Visual.
Ênfase no que enxerga. Ênfase no como enxerga.
Finalidade legal, econômica e Finalidade prática e funcional em
estatística. termos de desempenho na O&M
na AVD1 e nas tarefas escolares
Resultado estático em condições Resultado dinâmico em
especiais de distância e condições de vida prática.
iluminação.
Dados Quantitativos (numéricos) Dados qualitativos
Obs.: Uma complementa a outra;
O diagnóstico médico não leva necessariamente ao prognóstico
educacional (pode haver uma capacidade de visão para perto não
desenvolvida).

Em 1992, a OMS e o Conselho Internacional para Educação de Pessoas com


Deficiência Visual (ICEVI), em reunião realizada em Bangcoc, Tailândia,
sugerem nova avaliação clínico-funcional, para a participação dos portadores
de baixa visão, nos diferentes programas de educação e reabilitação.

Implicações da deficiência visual no processo de desenvolvimento e


aprendizagem

Na literatura especializada encontramos algumas opiniões contraditórias entre


os pesquisadores que estudam a deficiência visual. Fica evidente que as
implicações variam de acordo com a abordagem teórico-metodológica
utilizada nas pesquisas, em diferentes momentos históricos.
Grande parte dos pesquisadores, entre eles, Lowenfeld (1964), Fraiberg
(1982), Cantavella (1992), Ochaita (1993) e outros, concorda que a ausência
da visão implica uma organização mental diferente, e que a elaboração do

1
AVD: Atividades da Vida diária
pensamento, sem o apoio de imagens visuais e apreensão da realidade
externa, ocorre de forma parcial e fragmentada, necessitando essas pessoas
de uma educação diferenciada.
Lowenfeld (1964) descreve três implicações ou limitações básicas que a
cegueira impõe às pessoas: restrição nas relações com o meio ambiente,
limitação na habilidade e possibilidade de mover-se e explorar o meio, e
restrição na variedade e qualidade de experiências.

Devemos considerar que a visão é responsável por 80% das informações que
recebemos do nosso entorno – as demais são apreendidas pelos outros
sentidos: tato, ouvido, olfato e gosto –, sem contar a integração e síntese de
informações que a imagem visual proporciona.

Os estudos de Vygotsky, na década de 20, sobre os processos psicológicos


do aluno cego, revolucionaram os conceitos de educação especial,
contestando as teorias que tratavam a deficiência visual apenas do ponto de
vista orgânico, médico, sem tratá-la ou compreendê-la como um problema
social.

Estabelece esse autor uma relação diferenciada entre a função do olho na


espécie animal, que cumpre a finalidade biológica e a função de perceber e
analisar o ambiente para maior adaptação, e na espécie humana, na qual o
olho é um instrumento cultural, pois a ausência da visão significa ausência ou
transformação de funções sociais imprescindíveis e, dependendo do contexto,
pode comprometer todo o sistema de conduta.

Introduz, dessa forma,o conceito de mediação como a possibilidade que tem


o cego de utilizar a vista de outra pessoa, a experiência do outro como
instrumento de ver. Vygotsky(1924-1989, p. 63) considera que a mediação do
outro pode atuar como instrumento, do mesmo modo que um microscópio ou
um telescópio ampliam imensamente as experiências, entrelaçando-as
estritamente no tecido genérico do mundo.

É incontestável a teoria de Vygotsky quanto ao valor da mediação


sociocultural e, principalmente, quanto à contribuição que trouxe para a
educação, contestando a prática mecânica da pedagogia quantitativa, dos
testes, da reeducação individual e das formas segregadas de educação.
Nessa perspectiva, de fenômeno socialmente construído, pode parecer
contraditória essa teoria, uma vez que, na ausência da visão, o aluno não se
tornacapaz de apreender e interpretar o mundo por um caminho diferente do
vidente e que lhe seja próprio. Ficadependente da experiência do outro.

No entanto mais adiante, referindo-se ao sistema braile, oautor enfatiza a


importância da linguagem: “a palavra vence a cegueira”, observando que
maisimportante do que o signo é o significado. Assim, pode-se compreender a
importância da construção de significados e a elaboração de conceitos na
educação de pessoas com deficiência visual, devendo ser, portanto, esses
procedimentos educacionais construídos socialmente pela mediação da
família e professor.

Sampaio (1991), estudando o desenvolvimento da linguagem em crianças


cegas sem alterações adicionais, mostra que elas podem apresentar, em
algum momento de seu desenvolvimento, estereotipias, alterações de
linguagem, confusões na interpretação do meio, sem, contudo,
caracterizarem-se como condutas patológicas, mas condutas temporais.

Pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças deficientes visuais


sob diferentes perspectivas, como a psicanalítica de Fraiberg (198l), a de
Hatwell (1980) e Guinot (1989), ambas na abordagem Piaget Iana,
consideram que essas crianças podem apresentar atraso de dois a três anos
na aquisição da função simbólica, o que será naturalmente compensado a
partir do momento em que a linguagem assume a função de representação e
de organização do conhecimento.

Masini (1994), analisando o perceber e o relacionar-se do deficiente visual


numa abordagem fenomenológica, alerta para o fato de que :

“Na comunicação, a predominância da visão sobre os outros sentidos, bem


como do verbal sobre o não verbal, faz com que os conhecimentos
(percepções e intelecções) não acessíveis ao D.V. sejam utilizados pelo
vidente ao falar com ele. Isto faz com que esses alunos desenvolvam uma
linguagem e uma aprendizagem conduzida pelo visual, ficando (sic) em nível
de verbalismo e aprendizagem mecânica.”
Os estudos de Leonhard sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças
cegas já apontavam nessa direção:

“A criança cega não é um vidente que carece de visão. Sua maneira de


perceber o mundo, que ele mesmo elabora, não é igual à de uma criança
normal privada da visão. A diferença apóia-se na organização original que ele
opera em sua modalidade sensorial (...) Não existe na realidade uma
compensação sensorial mágica com a utilização dos outros sentidos. (...)
Será, pois, fundamental conhecer essa outra forma de ser, esta alteração e
aceitá-la: é a única maneira de não conceber a educação da criança cega
como compensatória ou uma reeducação e, sim como uma aproximação
diferente, necessária para uma organização totalmente distinta da pessoa.”(
Leonhardt,1984, p. 59)

Compartilhamos com essa perspectiva de construção diferenciada e


significativa do conhecimento e reconhecemos que a experiência visual,
auditiva ou tátil integradas, mediadas pela interação e comunicação,
possibilitando a ação contextualizada, são essenciais para a formação de
imagens e conceitos, pois permitem ao aluno estabelecer relações imediatas
e não-fragmentadas para poder compreender o meio e aprender.

Surge, desse modo, o papel da mediação social, diferente da cópia


aumentada do real, como forma de comunicação que amplia as informações e
experiências da pessoa com deficiência visual. Nesse sentido, Bruno (1992)
fala sobre a necessidade de o aluno com deficiência visual contar com
pessoas disponíveis para que, através da comunicação e da interação,
possam ajudá-lo a ampliar suas próprias experiências, a conhecer e a
interpretar o mundo.

O que os pais e professores necessitam compreender é que a mediação não


significa apenas transmitir ao aluno nossas sensações ou impressões visuais,
que são destituídas de significado para ele, mas uma ajuda para que ele
possa construir suas próprias imagens através da exploração do mundo,
utilizando o sistema tátil cinestésico, a comunicação gestual possível, com
detalhada descrição verbal.

Estudos de Ferrell (1994) indicam que a deficiência visual pode interferir na


aquisição e desenvolvimento dos conceitos como: conhecer e identificar
objetos, estabelecer relações entre o que toca e o que ouve, possibilidade
diminuída de estabelecer relações entre objetos e eventos.
Esse processo de elaboração de conceitos surge na criança cega por um
caminho totalmente diferente daquele da criança vidente: ocorre da parte para
o todo, semelhante à construção de um quebra-cabeça, segundo Ferrell.

Somente quando todas as pequenas peças da informação estiverem postas


juntas é que se forma o conceito e, para que isso ocorra, é necessário que as
informações sejam consistentes, claras, concretas e concisas, possibilitando,
desta forma, que as crianças alcancem níveis mais altos de aprendizagem.

Na nossa experiência com crianças deficientes visuais, temos observado que


a aprendizagem significativa e o desenvolvimento de conceitos dependem da
qualidade e da riqueza dessas interações e experiências, da possibilidade de
estabelecer relações entre a realidade concreta vivenciada e o nível de
representação verbal, que será ampliado mais tarde, quando o aluno puder
evocar esquemas analógicos para conferir significados e utilizar a linguagem
para organizar as imagens no tempo-espaço, formando, assim, os sistemas
lógicos de significação.

Nesse aspecto tão relevante da mediação social, estudos de Sá (1984),


realizados em escolas públicas de nível médio em Minas Gerais, apontam
que os maiores obstáculos que os alunos deficientes visuais têm encontrado
para integração no ensino regular são: recusa de matrícula; comunicação
visual do professor com a turma sem o cuidado de descrever cenas, situações
e traduzir a informação visual para os referenciais não-visuais; falta de
material adaptado; dificuldades de acesso à leitura e escrita; atitudes
paternalistas e infantilizadoras.

O papel mediador da família no processo de desenvolvimento,


aprendizagem e integração social

A família exerce papel fundamental no processo de desenvolvimento e


aprendizagem das pessoas com deficiência visual como mediadora nas
interações, nas formas de comunicação, nas relações da criança com o
mundo e no processo de construção do conhecimento. Torna-se, então, o
núcleo primário de integração escolar e social desses alunos, e esta tem sido
nossa experiência pessoal, como mãe de uma pessoa com deficiência visual
e professora especializada , relação direta educador-aluno-família, tendo em
vista a humanização do indivíduo e o processo de socialização.
Acerca da dinâmica familiar, sobre as relações e interações com a criança
com deficiência visual e de como a família pode contribuir para a promoção
do desenvolvimento e aprendizagem de seus filhos.

Assim, Cantavella e Leonhardt (1996 e 1999), estudando as reações


emocionais dos pais quando da notificação do diagnóstico da deficiência
visual, descrevem:

Estado de choque: Período que revela um estado de confusão, podendo


durar semanas, meses ou ano. É um período decisivo porque, conforme é
resolvido, condicionará o desenvolvimento da criança.

Culpa: Expressa pela pergunta Por que deveria acontecer isso comigo?

Depressão: Sentimento de dor e incapacidade de enfrentar a situação.

Horror à cegueira: A visão é considerada o mais prioritário dos sentidos.

Futuro: A imagem da bengala branca e da venda de bilhetes. Na Espanha,


alguns cegos vendem bilhetes de loteria.

As autoras observam que os pais sofrem muito com a perda do filho que
idealizavam, que imaginavam; por isso, os sentimentos de culpa e rejeição se
alternam com os de impotência e depressão, sentindo-se incapazes de
enfrentar a situação. Esses sentimentos dolorosos vivenciados pela mãe
afetam a qualidade de suas percepções e do olhar: ela não consegue olhar
para sua criança, evita-a com medo de enfrentar a cegueira.

Passado um tempo, dizem elas, as famílias se estabilizam, nem sempre


definitivamente. Há sempre episódios de crises emocionais cíclicas que
podem reativar mecanismos exagerados de superproteção em diferentes
momentos: festas, nascimento de outra criança, primeiras manifestações de
autonomia, como caminhar, usar a bengala, ir para a pré-escola, a
adolescência e a busca de trabalho.
Pesquisas realizadas no Brasil (Amiraliam & Becker, 1992), nesse sentido,
mostram que aceitar a deficiência torna-se uma tarefa difícil, porque a família,
principalmente a mãe, não consegue aceitar a substituição do filho ideal pela
sua criança real, ficando completamente submersa pelo luto: “Vincula-se com
o fantasma do filho desejado, morto mas constantemente insepulto”.
As autoras comentam que essas dificuldades de interação da família com a
criança deficiente visual pode propiciar a ocorrência de condutas autísticas.
Por isso recomendam ao psicólogo, entre outras atitudes:

“Acolher as expressões de sentimentos dos pais, desde as fantasias mais


negativas, como a expressão do desejo de morte e abandono do bebê, às
mais realistas, como a depressão e a elaboração do luto; incrementar o
vínculo mãe-bebê, mas também os outros vínculos do sistema familiar, como
o conjugal, parental e o fraterno, evitando a cristalização de uma reação
simbiótica entre mãe e filho.” (Amiralian & Becker,1992, p. 51).

Outras experiências como a de Anache, com pais de alunos


institucionalizados, revelam que é raro encontrar um clima familiar de
aceitação, em que o deficiente visual possa ser encorajado a realizar
exploração do meio em que vive. Normalmente essas pessoas, ao chegarem
à instituição são inibidas, apresentam dificuldades para se relacionar com os
outros. Esses estudos concluíram que:

“As características de personalidade das crianças cegas congênitas estão


mais relacionadas às reações dos pais diante da „deficiência‟ do que da
situação orgânica em si.” (Anache,1994, p.107, l10).

REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E A


CEGUEIRA

A cegueira pode ter efeitos graves sobre o desenvolvimento da criança. Esses


efeitos podem ser diretos, intrínsecos, produzidos pelo impedimento visual
que surge de forma imediata numa relação causa/efeito, havendo uma
característica de impedimento ou incapacidade, impondo algumas limitações
e restrições ao desenvolvimento da pessoa, razão pela qual deve “receber”
estímulos compensatórios.
Os efeitos indiretos da cegueira são determinados pela cultura e pelo
ambiente, são extrínsecos e podem ser minimizados por programas de
prevenção, orientação aos pais e esclarecimentos a comunidade.

Segundo WRIGHT (1990), um efeito sobrepõe-se a outro. Vários estudos


comprovam a dificuldade de definição dos efeitos indiretos, que podem,
muitas vezes, causar maior impacto sobre o desenvolvimento da criança. Os
efeitos indiretos são forças ambientais e sociais que não apenas restringem,
mas privam a pessoa da oportunidade de adquirir experiências por falta de
conhecimento sobre a natureza do impedimento visual.

O ambiente familiar e a atitude dos pais afetam bastante o desenvolvimento


da criança (FRAIBERG, 1989).

Os pais sofrem conflitos emocionais devido à cegueira congênita do filho, o


que pode interferir na provisão de um ambiente facilitador. Segundo
WARREN (1984) as dificuldades dos pais, talvez, surjam de suas
expectativas de ter um filho “perfeito” e a chegada de uma criança cega não
vai corresponder ao seu ideal de “filho”.

Segundo LOWENFELD (1985), na maioria dos casos, os pais experimentam


sentimentos de culpa, pela cegueira do filho, devido a preconceitos morais e
religiosos como pecado e erro.

A criança cega, muitas vezes, chega à escola sem um “passado” de


experiências como seus companheiros videntes, não apresenta as rotinas da
vida cotidiana de acordo com a sua idade, os seus conceitos básicos como
esquema corporal, lateralidade, orientação espacial e temporal são quase
inexistentes e sua mobilidade difícil, o que poderá levar à baixa estima que
dificultará o seu ajustamento à situação escolar, estranha e, muitas vezes,
aterrorizadora.

Segundo LOWENFELD (1960) e corroborado por OCHAITÁ (1995), a


cegueira impõe como resultado direto da perda da visão, cinco limitações
referentes à:

- alcance e variedade de experiências


- formação de conceitos
- orientação e mobilidade
- Interação com o ambiente
- acesso a informações impressas importantes como: “Perigo”, “Não
Fume”, “Não é permitida a passagem de pedestres”, placas de
orientação como:

 W.C elevador e outros.


.

Tais áreas estão ligadas à deficiência como causa/efeito, com


interdependência entre si, afetam a capacidade de O&M.

Os processos de desenvolvimento da criança cega são semelhantes aos da


criança vidente. Porém, os profissionais que atuam na área da cegueira
podem encontrar algumas dificuldades para proporcionar experiências
compensatórias à perda da visão.

Um dado importante no trabalho com as crianças cegas é que muitas das


habilidades aprendidas, naturalmente pelas videntes, precisam ser
deliberadamente ensinadas para as crianças com cegueira (FRAIBERG,
1977). Os pais dessas crianças devem ser devidamente orientados para que
possam servir de mediadores na aquisição de algumas habilidades básicas
de seus filhos durante a fase pré-escolar.

No ensino formal e nos programas de O&M o professor, especializado nesta


área, deve dar continuidade a tal processo em sua prática pedagógica em
cooperação com os pais.

Segundo FRAIBERG, o processo de crescimento e desenvolvimento da


criança cega é semelhante ao das videntes em virtude do crescimento ser
seqüencial, com as mesmas etapas. É diferente porque cada criança se
desenvolve de acordo com seu ritmo, potencialidades, acrescentando aí a
limitação visual. Apesar disso as semelhanças entre todas as crianças são
maiores do que as diferenças.

Pela visão a criança estabelece suas primeiras relações com o meio, e


percebe a forma, tamanho, distância, posição e localização de objetos.
A visão, chamada também de sentido da distância, é a única percepção
capaz de propiciar contato com o ambiente de forma global. Segundo
GREGORY (l989:92), a visão é o único sentido capaz de unificar, estruturar e
organizar todas as outras percepções em um todo significativo

Consequentemente, a criança cega precisa ser ajudada em seu contato e


interação com o mundo.

Segundo LOWENFELD (1975), as crianças com cegueira congênita ou que


perderam a visão prematuramente, por volta dos 3 anos, não conservam
imagens visuais úteis para a aprendizagem, o que exige um atendimento
educacional precoce e reorganização perceptiva, isto é, adquirir pelo tato,
audição, olfato, sentido cinestésico e outros, o que não consegue pela visão.

A criança cega se relaciona com o ambiente por outros canais sensoriais,


tendo uma imagem diferente das pessoas videntes ou daquelas que
perderam a visão após a formação de conceitos visuais. É impossível a
pessoa vidente imaginar o que seja uma imagem apenas auditiva, tátil,
olfativa de um objeto ou situação (OCHAITÁ, 1992).

O controle físico da criança começa com a sustentação da cabeça e, depois,


de todo o corpo que lhe facilita rolar para os lados. Pela primeira vez,
consegue se mover independentemente. O rolar precede o engatinhar.

Quando os bebês começam a sentar-se, adquiriram força para equilibrar o


corpo e, pela primeira vez, estar com as mãos livres para explorar o mundo
em posição ereta.

O engatinhar exige planejamento do movimento e coordenação de braços e


pernas. Ao se movimentar, o universo das crianças se amplia rapidamente.

Elas aprendem a se adaptar através de experiências. Segundo CRATTY


(l980), tal aprendizagem envolve mais do que a simples imitação, porque
engatinhar é algo que elas não captam dos adultos.

Quando o bebê começa a engatinhar, decide para onde ir e mantém o destino


em mente enquanto tenta alcançá-lo. O bebê circula pela casa adquirindo
habilidade de controlar o ambiente, não desperdiçando nenhuma
oportunidade de exploração. Engatinhar marca um tipo diferente de
conhecimento do mundo, pois introduzido em um ambiente novo, logo
começa a investigá-lo. Ele mapeia a sala onde está, aventurando-se a ir até
os cantos mais distantes. Usando uma pessoa (geralmente a mãe) como
ponto de referência, o bebê estuda a posição de objetos, de outras pessoas,
muda de direção e reposiciona os objetos vistos. O bebê aprende a
reconhecer o seu lugar no mundo, juntando seus mapas fragmentados.

A criança tem dificuldade para estabelecer a noção de distância entre si e o


objeto, o que somente se desenvolve com o engatinhar.

O andar representa uma evolução como meio de locomoção. Apesar das


quedas, ficar em pé ajuda a explorar melhor o mundo, pois amplia o campo
visual. Andar apoiando-se em móveis ajuda a exercitar o equilíbrio. O
encorajamento dos pais a auxilia trocar os passos incertos por um andar
autônomo.

O bebê necessita de tempo para obter um andar mais competente e maduro.

A falta de arco nos pés e o seu andar de pato são obstáculos para um andar
eficiente, o senso de equilíbrio deve ser aperfeiçoado para enfrentar subidas e
descidas. A experiência de andar estimula a região cerebral que controla a
coordenação e o equilíbrio (CRATTY, l990).

Aproximadamente aos 7 meses, após os primeiros passos, ele deve ter boas
habilidades de andar. O calcanhar toca o chão antes do resto dos pés. As
articulações se movem com mais flexibilidade, os arcos dos pés já se
desenvolveram e os pés começam a se “fechar”, aproximando-se
paralelamente um do outro. Os passos tornam-se mais longos e tem início o
balanceamento dos braços.

Aos dois anos de idade a criança pode correr, dar passos para o lado, parar
e mudar de direção. O andar amadurece e, embora caminhe com facilidade,
existe ainda desafios como descer uma escada. Segundo BRUNET e
JOHNSON (1991), ela necessita de mais coordenação e equilíbrio para
descer do que para subir. A criança já apresenta todas as habilidades para
andar e o refinamento acontecerá aproximadamente até os sete anos.
A CRIANÇA PORTADORA DE CEGUEIRA CONGÊNITA OU ADQUIRIDA

Durante os primeiros três meses, o desenvolvimento do bebê cego é muito


semelhante ao de um vidente; exercita os reflexos, de forma automática
constrói seus primeiros hábitos ou esquemas de ação do corpo, exceto os
relativos à visão. Lentamente aperfeiçoa os esquemas de segurar, coordenar,
sucção, apreensão e de sorrir (FRAIBERG, l978).

A partir dessa idade poderão ocorrer importantes diferenças no


desenvolvimento entre as crianças portadoras de cegueira e as videntes.

Com 16 semanas aproximadamente, a criança "normal" segue com os olhos


um objeto em movimento. ILG e AMES (l992) afirmam que a busca visual de
um objeto marca o começo da aprendizagem para controlar os braços, mãos
e dedos. A coordenação viso-manual tem início nas primeiras experiências
olho mão. A criança cega, se não estimulada, poderá tornar-se limitada para a
sequência natural de seu desenvolvimento.

Aproximadamente, no quinto mês, as crianças videntes já seguraram objetos


sob o controle visual, realizando constante exploração das características e
lugar que ocupam no espaço. As crianças cegas somente terão consciência
da existência dos objetos (quando fora de suas mãos), se estes emitirem
algum som e tiverem algum significado para elas. Os objetos, em sua maioria,
são silenciosos e só têm significado para elas, se já foram trazidos ao seu
alcance e por elas manuseados.

FRAIBERG (l985), GIBSON (l966) e OCHAITÁ (l995) mostram a diferença


significativa entre a coordenação viso-manual e a coordenação áudio-manual.
Enquanto a primeira inicia logo nos primeiros meses na busca dos objetos, a
segunda busca os objetos mediante sons, com um atraso de seis meses em
relação à coordenação olho-mão, necessitando da mediação de outra pessoa
para se desenvolver.

LOWENFELD (l978) e DIATKINE (l997) observam que o “mundo” da criança


cega é aquele que ela alcança com seus braços abertos e sugerem a
necessidade de outras pessoas ajudarem a ampliar esse mundo.
Ochaitá (l992) demonstra que a cegueira pode limitar, como decorrência das
dificuldades na coordenação mão-ouvido, a apreensão do mundo externo,
interferindo no desenvolvimento e aquisição de esquemas cognitivos e na
adaptação ao meio.

O exercício funcional e a organização motora estão ligados às experiências


proprioceptivas, o sistema visual mobiliza a cabeça e o corpo na busca da
apreensão dos movimentos (HILL, 1985).

A capacidade visual estando ausente pode acarretar a inexistência de


exercícios funcionais com a cabeça e com o corpo, funções essenciais para
reação e integração do sistema vestibular, responsável pelo equilíbrio,
movimentos harmoniosos e posturas adequadas, que são habilidades
essenciais para um bom desempenho na O&M.

O sistema vestibular, em conjunto com as percepções proprioceptivas, táteis,


visuais, olfativas e auditivas, é responsável pela ativação e desenvolvimento
dos processos neurais que levam à percepção e orientação espacial (GEENE,
l998).

O desenvolvimento perceptivo depende da qualidade de experiências


sensório-motoras vividas, da elaboração e organização construída pela
criança.

A ausência da visão pode levar à fraca atividade motora, proprioceptiva e


vestibular, que provavelmente trará rupturas nas experiências sensório-
motora integradas. Quando as atividades motoras não são estimuladas por
experiências “compensatórias”, durante os primeiros anos de vida, poderão
trazer prejuízos à organização e planejamento do ato motor e vivência do
corpo no espaço, responsáveis pelo desenvolvimento do mecanismo de
adaptação e de organização “interna” da pessoa.

A reação ao estímulo auditivo não é automática, é mais lenta e depende da


distância, da intensidade, do tempo de permanência, da posição no espaço e
principalmente de seu significado para a criança. A reação ao estímulo
auditivo não é integradora, sendo algumas vezes até fator de desorganização
mental (HOLLSTEN, 1990).

No bebê cego, o comportamento normal de agarrar um objeto dificilmente


aparece antes dos oito meses, quando começa a procurar objetos que antes
teve nas mãos. Geralmente, a partir dos 12 meses, começa a procurar
objetos que ainda não manipulou, guiado pelo som que emitem.
Quanto ao sentar-se, engatinhar e andar, o bebê cego poderá ter um atraso,
se não houver mediação permanente de pessoas ligadas a ele, num trabalho
sistemático. O engatinhar raramente acontece (LOWENFELD, l978). Passa
do sentar-se para o andar, e começa a andar geralmente após os 19 meses.

O andar imaturo da criança cega muitas vezes permanece até a idade adulta,
dificultando sua mobilidade.

A partir dos dois anos de idade, a criança cega (quando já adquiriu a noção
de permanência de objetos) começa a fazer representação das coisas,
embora o desenvolvimento do pensamento representativo, seja adquirido na
adolescência (WARREN, 1984).

Segundo LOWENFELD (l978), esta aquisição é determinada no caso das


crianças cegas, pelo desenvolvimento da linguagem, como mediação entre o
objeto e a sua representação.

A responsabilidade da educação da criança deficiente visual deve iniciar-se


desde o nascimento para que possam se estabelecer as bases do seu
desenvolvimento e atingir a maturidade necessária para uma boa interação
sócio-afetivo no seu meio. Cabe, ainda, aos especialistas da Educação
Especial, assumirem seu papel enquanto responsáveis pela orientação e
estimulação durante o desenvolvimento da criança procurando evitar, prevenir
e minimizar, na medida do possível, as defasagens que poderão ocorrer tanto
no desenvolvimento, quanto na aprendizagem, caso não forem devidamente
cuidados na idade pré-escolar.

REABILITAÇÃO

“A visão é um meio importante de integração entre o indivíduo e o meio


ambiente, já que os conhecimentos, em grande parte são adquiridos por seu
intermédio ”.

A redução ou a privação da capacidade de ver traz conseqüências para a vida


do indivíduo tanto no nível pessoal como no funcional, colocando-o, na
maioria das vezes, à margem do processo social.
É importante salientar que a presença da deficiência se estende à família,
alternando a sua dinâmica, uma vez que os papéis entram em desequilíbrio;
por outro lado gera um bloqueio afetivo que frustra o processo de
socialização, ou seja, a participação nos diferentes grupos sociais com
autonomia e independência, interferindo e até prejudicando o estabelecimento
de projetos de vida.

Thomas Carrol (1968) descreve as seis perdas básicas impostas à pessoa


que perde a visão no decorrer de sua vida, a saber:

- segurança psicológica,
- habilidades básicas,
- comunicação escrita e progresso informativo,
- apreciação do belo e do agradável,
- ocupação e situação financeira,
- personalidade total.

No caso de indivíduos com visão reduzida as limitações variam de acordo


com a patologia ocular apresentada e com as experiências acumuladas no
decorrer da vida.

As perdas analisadas por Carrol (1968) mostram que a deficiência visual


envolve todos os aspectos de vida do indivíduo e seu impacto o atinge nas
esferas física, psicológica e social tornando-o uma pessoa limitada, porém
com condições de reorganizar e redimensionar sua existência.

Estudiosos no assunto consideram que o jovem ou adulto que perde a visão é


grandemente influenciado pelas atitudes e reações emocionais dos membros
da família. Assim, ele terá de superar não apenas o sentimento de grande
perda que sofreu, os seus temores e ansiedade, mas terá de lutar também
com sentimentos e preocupações dos outros membros da família que estão
totalmente ignorantes quanto aos efeitos da deficiência. É uma experiência
nova e assustadora para a pessoa envolvida e para seus familiares que não
se sentem capazes de resolver os problemas especiais que virão em
decorrência da deficiência.
Com base em Carrol (1968), no processo de adaptação à deficiência, é
necessário que a pessoa tenha conhecimento sobre as implicações e as
limitações que a perda impõe à pessoa, e nesse processo é envolvida a
família nuclear – enquanto grupo responsável pelo estabelecimento de
valores e aprendizado do desempenho de papéis sociais, o grupo de amigos
e a própria comunidade (De Masi, 1996).

De acordo com Batista (1975) há diversos fatores que determinam a


facilidade com a qual a pessoa adaptar-se-á e, entre eles, destacam-se:
aqueles diretamente associados à deficiência, Isto é, se ela se origina de
lesões cerebrais. Em caso positivo, as limitações físicas são maiores. Nos
casos em que não há lesão, a mudança no estilo de vida dependerá da
estrutura psicológica de cada pessoa;

- aqueles surgidos as atitudes frente à deficiência, ou seja, os


estereótipos desenvolvidos em relação à deficiência e às pessoas
deficientes;

- aqueles diretamente ligados ao corpo e à extensão da deficiência, a


saber, a visão que a pessoa tem do seu corpo para executar uma
tarefa, e a visão desse mesmo corpo como estímulo estético de prazer.

Portanto, o grau de impacto da deficiência não está tão somente ligado ao


grau da deficiência, mas ao indivíduo de “per si”.

O atendimento a esse grupo de pessoas dá-se através dos programas de


reabilitação que se constituem em canal para a auto-suficiência e
produtividade. Esses programas são dotados de filosofia própria, de métodos
e técnicas especiais e realizam um trabalho que envolve a abordagem total do
indivíduo em seus aspectos médicos, sociais, educacionais e de trabalho,
com o fim de conhecer suas necessidades, proporcionando o tratamento
necessário à sua adaptação às novas condições de vida. Esse trabalho é
concretizado por intermédio de equipe multidisciplinar (De Masi, 1996).
BREVE HISTÓRICO

Historicamente os serviços de Reabilitação tiveram início logo após a 1 a


Guerra Mundial, quando surgiram os primeiros centros de Reabilitação.

Segundo Moragas (1970), os serviços existentes eram de um só tipo e se


fundamentavam nas possibilidades educacionais e no treinamento
profissional. Esses serviços eram oferecidos a poucos, sendo os operários os
primeiros que dele se beneficiaram através de leis específicas e, mais tarde,
os incapacitados da 1a Guerra e os civis.

Nos anos seguintes, observa-se uma grande preocupação para o


estabelecimento de leis que garantissem às pessoas com deficiência o
acesso ao trabalho e para tanto deveriam estar capacitadas em nível pessoal
e funcional (O.I.T., 1982).

Essa preocupação estendeu-se aos Serviços de Reabilitação que perceberam


a necessidade e a importância dos serviços de apoio, além dos serviços
médicos.

A partir da 2a Guerra Mundial (Moragas, 1970) a Reabilitação recebeu um


grande impulso da medicina física e da fisioterapia. Posteriormente, foram
incluídos a Terapia Ocupacional, a Orientação Vocacional, o Serviço Social e
a Psicologia, por serem considerados serviços imprescindíveis.

Com a incorporação desses serviços, a Reabilitação passou a ter uma


conotação mais científica e a preocupação em oferecer serviços altamente
especializados no atendimento às pessoas com deficiência.

No Brasil os serviços de Reabilitação iniciaram suas atividades na década de


50 procurando organizar-se a partir de modelos importados dos Estados
Unidos, que possuíam um enfoque integracionista.

Os programas de Reabilitação específicos para pessoas com deficiência


visual no Brasil tiveram início em 1957, por iniciativa da Fundação para o
Livro do Cego no Brasil, hoje Fundação Dorina Nowill para Cegos, em
parceria com a Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.).
No ano de 1960 é criado o 1o Centro de Reabilitação para pessoas com
deficiência visual na própria Fundação Dorina, sendo desenvolvidos
programas que contavam com uma equipe multidisciplinar.

Em seu enfoque atual, o processo de Reabilitação traduz-se por uma série de


mecanismos de influência individual e social.

O PROCESSO

O processo de Reabilitação destina-se às pessoas atingidas pela deficiência


na idade jovem, adulta e àqueles jovens que não tiveram oportunidades
educacionais.

Segundo Wright (1980), “a Reabilitação é um processo facilitativo para


capacitar uma pessoa com deficiência a mobilizar seus próprios recursos para
decidir o que deseja, o que é capaz de ser, escolher seu próprio caminho e
atingir seus próprios objetivos”.

Sob essa óptica, a reabilitação ultrapassa os limites da medicina, uma vez


que têm por finalidade a valorização do ser humano e de canalizar sua
energia para a auto-suficiência e produtividade, ajudando a pessoa com
deficiência a se ajudar, conhecer seu próprio potencial para usá-lo da melhor
maneira e em seu próprio benefício (De Masi, 1996).

Sendo assim, a flexibilidade dos serviços é inerente à natureza do processo


de reabilitação uma vez que, para uns o objetivo pode começar com a
independência pessoal e depois se ampliar para a empregabilidade, para
outros pode ocorrer o inverso.

Portanto, a reabilitação não é tão somente um processo que visa a adaptação


pessoal da pessoa com deficiência através de seus componentes médicos,
sociais, psicológicos, educacionais e profissionais, é também uma ideologia e
um meio que permite o desenvolvimento máximo de toda a pessoa atingida
por uma limitação.
FILOSOFIA

O processo de reabilitação inspira-se em princípios gerais que norteiam suas


ações, à luz dos quais é julgada a eficiência dos esforços para o
desenvolvimento máximo do potencial das pessoas com deficiência.
A fim de que sejam garantidos os direitos que as pessoas têm de serem
pessoas e de serem tratadas como tal, com as suas diferenças individuais,
Moragas (1970) esclarece que o processo de reabilitação deve ser orientado
pelos seguintes fundamentos:

- totalidade,
- individualidade,
- fundamentação científica,
- enfoque multidisciplinar,
- permanência (aqui entendida como reciclagem),
- universalidade,
- utilidade social (individual/cidadania, econômica, política e social).

Os profissionais envolvidos no processo têm como papel fundamental auxiliar


a pessoa com deficiência a tomar decisões, provendo-a das informações
necessárias para que ela possa se desenvolver, estabelecer objetivos e ter
condições para alcançá-los.

EQUIPE

Os fatores que desencadeiam a problemática da pessoa com deficiência,


interligam-se e se confundem exigindo uma abordagem integral, na qual são
envolvidos todos os profissionais necessários para que o processo de
reabilitação atinja a sua finalidade.

Segundo Muniz (1980), os fins estabelecidos deverão ter ação coordenadora


que garanta a unificação dos esforços dos elementos da equipe. Para isso, é
necessária a existência de uma filosofia de trabalho que proporcione uma
visão do reabilitando “como um todo”.

O pensamento filosófico sobre o significado da reabilitação fornecerá


elementos para que o profissional reflita sobre as suas próprias crenças.
Poderão, a partir daí, avaliar o seu trabalho e os objetivos da reabilitação e
mais ainda, o caminho no qual eles próprios se relacionarão emocional e
comportamentalmente com seus princípios. Da posição filosófica emergem as
atitudes éticas da prática profissional.

Outro aspecto de capital importância é a definição clara dos papéis e funções.


A estruturação adequada do trabalho, a especificação das tarefas, as metas
realistas, os limites de responsabilidade de cada um, a flexibilidade
operacional são alguns pontos que contribuirão para um melhor
funcionamento da equipe (Muniz, 1980).

Há também a necessidade de se manter uma atitude investigatória, dentro


dos procedimentos científicos, que contribua para o enriquecimento e
aperfeiçoamento do profissional, como também para a melhoria do padrão de
atendimento.

ÁREAS DO PROCESSO

O processo de reabilitação concretiza-se por meio das ações da equipe


multidisciplinar, incluindo programas individualizados de atendimento às
pessoas com cegueira ou com baixa visão.

De acordo com o “Planning Basic Rehabilitation Countries” (1979), com as


resoluções do Forum Global sobre Reabilitação (1994) e com o Manual
Técnico de Serviços de Rehabilitación Integral (2000), os serviços de
atendimento devem envolver as seguintes áreas:

ÁREAS DE APOIO (aspectos subjetivos)

SERVIÇO SOCIAL: - tem por finalidade o desenvolvimento pessoal do


indivíduo, a fim de que consiga níveis de atuação consciente, plena e
produtiva no seu meio. É também o elemento catalisador das necessidade da
pessoa, família e equipe.

PSICOLOGIA: - com base na avaliação psicológica, realiza um trabalho que


visa a obtenção de condições internas favoráveis para o processo, melhor
adaptação a deficiência, crescimento intrapsíquico e outros aspectos de vida.
ÁREAS FUNCIONAIS (aspectos objetivos)

FISIOTERAPIA: - terapia corretiva, terapia do movimento, atividades físicas,


visando a plena capacidade física da pessoa.

ATIVIDADES DA VIDA DIÁRIA: - desenvolve um programa que busca


satisfazer as necessidades pessoais e sociais na execução das atividades da
vida diária de forma independente e auto-suficiente (alimentar-se, cuidados
pessoais, administração doméstica, etc).

COMUNICAÇÃO: - readaptação na comunicação escrita e no progresso


informativo, ajuda a pessoa não somente no seu ajustamento pessoal, mas
também nos aspectos educativos, vocacionais e carreira profissional, com a
utilização dos meios específicos para as pessoas com deficiência visual
(Braille, sorobã, uso de auxílios ópticos, informática).

ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE: - orientação que envolve a utilização de


recursos mecânicos, ópticos e eletrônicos, além da própria locomoção física e
orientação mental, visando a independência na locomoção.

DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES PARA O TRABALHO: - proporciona


condições de experiência na execução de atividades manual ou do tipo
industrial, desempenho e produtividade visando auxiliar o cliente a
compreender suas capacidades e limitações na execução de uma atividade.

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL: - avaliação das potencialidades e


necessidades individuais e as formas pelas quais essas potencialidades e
necessidades poderão atender às expectativas pessoais e às exigências do
mercado de trabalho.

COLOCAÇÃO E SEGUIMENTO PROFISSIONAL: - atividades que incluem


orientação na decisão profissional, treinamento nas habilidades para a
procura de trabalho, negociações com empresários e “follow-up”.
PROGRAMAS ALTERNATIVOS
A Reabilitação Global é um processo altamente especializado, que exige para
a sua consecução equipes multidisciplinares, recursos de tecnologia,
financiamento e adequação do espaço físico para o seu desenvolvimento;
fornece instrumentos de avaliação e material para estudos e pesquisas,
partindo da filosofia de ação e do reconhecimento de que o ser humano deve
ter o atendimento e o tratamento de suas necessidades por meio de padrões
técnicos decorrentes do conhecimento científico do mais alto nível. Como
nem sempre é possível realizar os programas dentro desses padrões devido a
problemas de ordem econômica de recursos humanos, de ampliação de
atendimento em termos quantitativos, têm-se buscado formas alternativas
para o atendimento do deficiente visual.

Em alguns países da Ásia, África e América Latina onde a realidade sócio-


econômica dificulta o desenvolvimento dos programas globais de
atendimento, tem-se utilizado procedimentos alternativos visando diminuir os
custos e atender a um maior número de pessoas.

Saiba Mais
Vermelho como o Céu

Sinopse
Mirco é um jovem toscano de dez anos apaixonado pelo cinema, que
perde a visão após um acidente. Uma vez que a escola pública não o
aceitou como uma criança normal, é enviado para um instituto de
deficientes visuais em Genova. Lá, descobre um velho gravador e passa a
criar histórias sonoras. Baseado na história real de Mirco Mencacci, um
renomado editor de som da indústria cinematográfica italiana.
REABILITAÇÃO BÁSICA

Esse tipo de programa, iniciado da década de 90, difere do procedimento


anterior pois inclui, tão somente áreas de atendimento consideradas básicas
para o deficiente visual, ou seja: Atividades da Vida Diária, Comunicação e
Orientação e Mobilidade.

Para esse tipo de atendimento as organizações têm-se utilizado programas


de treinamento de recursos humanos de curta duração.

Essas duas modalidades têm seus méritos, e foram também objetos de


estudo no Fórum Global de Reabilitação realizado na Tailândia, em 1994,
uma vez que, dentro da realidade atual encontramos pólos altamente
desenvolvidos em contraste com pólos subdesenvolvidos, somados à crise
financeira mundial, que os tornam programas mais acessíveis. A esse
respeito há na literatura existente relatos de experiências válidas e
aparentemente bem sucedidas na área rural e em algumas localidades
distantes dos grandes centros.

Não devemos, no entanto, esquecer que os programas alternativos devem ter


o mesmo objetivo daqueles considerados altamente técnicos, ou seja, atender
às necessidades específicas da pessoa com deficiência visual orientando
para o conhecimento dos seus próprios recursos pessoais de adaptação,
cuidados de saúde, educação e oportunidades de emprego.

A garantia da eficácia das formas alternativas a serem aplicadas em cada


região só poderá ser preservada na medida em que se reconheça a
necessidade de Centros Institucionais oficiais ou particulares que além do
atendimento local, tenham condições de realizar estudos e pesquisas para
detectar as necessidades regionais, planejar e implantar esses programas
profissionais e dar supervisão a esses programas.

A literatura acerca do tema da deficiência visual impõe restrições ao


desenvolvimento seguro e confiante da criança no ambiente, interfere no
conhecimento do próprio corpo, e na inter-relação entre as coisas e as
pessoas no ambiente (MEC, 2004).
Desde modo, os profissionais que atuam na reabilitação e educação de
indivíduos com deficiência visual necessitam deter conhecimentos sobre as
limitações desses indivíduos, bem como sobre o sistema de ensino e
reabilitação vigentes. A escola e a reabilitação devem caminhar juntas,
suprindo as reais dificuldades da criança, do adolescente e do adulto com
deficiência visual (Montilha, 2006).

Dificuldades de aprendizagem da criança com deficiência visual

De acordo com Layton e Lock (2001), quando ocorrem falhas no


desempenho da criança deve ser investigada a origem desse mau
desempenho e considerada a possibilidade da ocorrência de um processo
problemático interno como indicativo de uma dificuldade de aprendizagem.

Pelo fato das dificuldades acadêmicas de crianças com deficiência visual


poderem não ser atribuídas imediatamente a uma dificuldade de
aprendizagem, para os autores, as dificuldades de aprendizagem dessa
criança são geralmente negligenciadas por diversas razões:
enquanto que a deficiência visual é diagnosticada precocemente, as
dificuldades de aprendizagem se tornam aparentes somente nos níveis
elementares de ensino;

- a dificuldade de aprendizagem da criança com deficiência visual é por


vezes confundida com o baixo funcionamento visual;
- a incapacidade visual é mais facilmente observada do que a dificuldade
de aprendizagem;
- padrões de aprendizagem atípicos podem ser facilmente
negligenciados;
- a natureza fisiológica da deficiência visual pode ser mais prontamente
aceita do que o rótulo obscuro da dificuldade de aprendizagem, que é
mais aceitável para os níveis escolares mais baixos e pode ser
explicado por uma falha escolar.
Ainda com relação ao desenvolvimento cognitivo da criança com
deficiência visual, para Ferrel (1996) a deficiência em si não afeta o que a
criança é capaz de aprender cognitivamente, mas sim como a criança irá
aprender. A criança com deficiência visual pode apresentar problemas em
várias áreas do desenvolvimento cognitivo, incluindo a categorização, noção
de objeto permanente e a aprendizagem.

Segundo Cunha e Enumo (2003), a atividade de categorização para a


criança com deficiência visual é mais difícil que para criança vidente, em
função dela não poder alcançar as semelhanças e diferenças dos objetos do
ambiente através do canal visual.

A noção de permanência de objeto, ou seja, a noção de que algo continua a


existir mesmo longe da percepção imediata, é bastante complexa para a
criança com deficiência visual. Devido ao fato de não poder depender de sua
visão para obter informação sobre o que acontece com as coisas, somente irá
perceber que algo ainda existe no ambiente quando ouvi-lo ou tocá-lo.

Cunha e Enumo (2003) afirmam que as crianças com deficiência visual


aprendem a construir suas representações mentais, por uma imagem ou ideia
de algo que elas não tenham uma experiência sensorial completa. O tema da
aprendizagem da criança com deficiência visual é uma das preocupações de
Vygotski ao abordar a teoria dos processos compensatórios.

Processos compensatórios da deficiência

Para analisar os processos compensatórios, utilizo os estudos de Vygotski


(1997) que, como psicólogo contemporâneo elaborou uma obra completa
sobre o tema da deficiência e dos processos compensatórios.

De acordo com Vygotski (1997), o termo superação às vezes é traduzido de


forma incorreta. Esta palavra provém da Alemanha que significa guardar,
esconder, porém assim como na Alemanha, como na Rússia ela tem dois
significados. Quando se diz superação a propósito de uma regularidade
orgânica, não significa que deixou de existir, mas que está conservada em
alguma parte, que se encontra em segundo plano.

O surgimento do crédito científico acerca dos processos compensatórios


valeu-se do princípio orgânico da imunidade para doenças transmissíveis,
como fato reconhecido, uma vez que a criança é infectada por uma doença e
recupera-se, a mesma estará imune, por muitos anos, contra essa doença,
mais protegida inclusive que outras crianças saudáveis que ainda não a
sofreram (Vygotski, 1997).

A esse processo orgânico que transforma a doença em saúde denominamos


de supercompensação. Segundo Falkenbach (2003), o organismo se constitui
como um sistema de órgãos relativamente fechado e internamente unido, que
possui uma grande reserva de energia potencial e de forças latentes. Atua
nos instantes de perigo como unidade, mobilizando as reservas ocultas de
forças acumuladas, concentrando no lugar de risco com maior prodigabilidade
as doses de antitóxico que a dose de tóxico que a ameaça.

Compreendeu-se, portanto, que a deficiência transforma-se em um aspecto


positivo permitindo abrir um amplo leque de possibilidades para os estudos
em educação, psicologia, medicina e demais áreas que atendem a criança
com deficiência visual.

Para a educação da criança com deficiência visual é importante conhecer


como ela se desenvolve, não é importante a insuficiência, a carência, o déficit,
mas a reação que nasce na personalidade da criança, durante o processo de
desenvolvimento, em resposta a dificuldade que deriva essa insuficiência.

Tão importante quanto saber que deficiência a pessoa possui é saber qual o
grau dessa deficiência. É importante saber não só exatamente que defeitos a
criança tem, mas também que lugar ocupa a insuficiência no sistema da
personalidade.

A concepção do problema da deficiência tem dois lados. A primeira


considera que o único fundamento dos processos compensatórios é a reação
subjetiva da personalidade da criança em relação a que se cria em
conseqüência da deficiência. Essa teoria pressupõe que a única fonte que
origina os processos compensatórios do desenvolvimento é a verdadeira
conscientização da própria criança sobre sua insuficiência. A segunda está
vinculada ao fato de que os fenômenos de compensação no campo da
consciência têm sido estudados mais tarde que em outros campos, portanto,
a tarefa consiste em responder como surgem os processos compensatórios
quando não estão relacionados com a consciência, onde o déficit da função
não pode suscitar o sentimento de inferioridade nem de insuficiência.
Vygotski (1997) afirma que a principal demonstração concreta do destino
dos processos compensatórios e dos processos de desenvolvimento em seu
conjunto não depende somente do caráter e da gravidade da deficiência, mas
também da realidade social da deficiência. O meio é quem direciona o
desenvolvimento dos processos compensatórios para a criança com
deficiência visual, seja de modo positivo, como também de modo negativo.

A primeira posição fundamental e concreta que caracteriza o


desenvolvimento compensatório é a substituição da função. Trata-se de que
as operações psicológicas podem assemelhar-se muito exteriormente, podem
conduzir ao mesmo resultado, porém sua estrutura, sua natureza interna, não
tem entre si nada em comum (Vygotski, 1997).

Se pensarmos como lê uma criança com deficiência visual ou como começa


a falar um surdo-mudo, veremos que na base dessas funções está o princípio
de substituição, que permite, por exemplo, falar não somente com ajuda de
um único mecanismo, mas também recorrendo a outros mecanismos.

Em todo o desenvolvimento social da criança desempenham um papel


decisivo, nos processos de substituição, os recursos auxiliares (a linguagem,
as palavras e os signos), mediante aos quais a criança aprende a estimular-
se a si própria. De acordo com Vygotski (1997), o papel dos recursos
auxiliares, com os quais vai enriquecendo seu desenvolvimento, caracteriza
que os processos compensatórios estão submetidos à tese da coletividade
como o fator de desenvolvimento das funções psíquicas superiores da
criança.

Conforme Vygotski (1997) a conduta coletiva da criança não somente ativa


suas funções psicológicas, mas também é a origem de uma forma de conduta
completamente nova, a qual surgiu em um período histórico do
desenvolvimento da humanidade e que na estrutura da personalidade, se
apresenta como função psicológica superior. A coletividade é a fonte do
desenvolvimento dessas funções, em particular, da criança com deficiência.

Cada criança está sujeita a diferentes estímulos e reage de maneira diferente


a eles. Segundo Falkenbach (2003), o desenvolvimento incompleto das
funções superiores está ligado ao desenvolvimento cultural incompleto
decorrente da sua exclusão do ambiente cultural e da nutrição precária que o
meio social lhe proporciona. Com freqüência as complicações secundárias
são o resultado de uma educação incompleta.

Em todos os momentos negativos que caracterizam uma criança com


deficiência, não há simplesmente uma passividade no seu processo de
desenvolvimento, ou uma deficiência que está presente desde o princípio, a
todo o momento a criança é influenciada em seu desenvolvimento, seja por
elementos positivos ou negativos. Portanto, vão se acumulando uma série de
formações secundárias, que podem tanto seguir uma linha de correção como
provocar novas complicações no quadro original.

A deficiência visual, ao criar uma nova e peculiar configuração da


personalidade, origina novas forças, modifica as direções normais das
funções, reestrutura e forma criativa e organicamente a psique do ser
humano. Por este fato, a deficiência visual não é somente um defeito, uma
debilidade, mas também, de certo modo, uma fonte de revelação de aptidões,
uma vantagem, uma força.

Sacks (2000) vai apresentar o paradoxo da deficiência, ou seja, casos em


que a doença favorece o surgimento de capacidades que não existiriam, caso
não fosse a presença da deficiência. Assim, não se pode apenas procurar
diagnosticar a doença ou a deficiência, mas sim considerar que pessoa
possui a doença, uma vez que os elementos sociais e estímulos externos são
potencializadores do surgimento de novas capacidades.

Os indicativos sociais e do coletivo, leva a uma compreensão da necessidade


de um contexto que ofereça segurança e confiança para as crianças
participantes, mais do que isso, que tenha uma característica relacional que
provoque nas crianças uma participação entre seus pares videntes, a fim de
promover diferentes participações em jogos simbólicos.

Finalmente, a partir da compreensão dos processos compensatórios como


fatores que são adquiridos, formados e reequipados a partir do coletivo, torna-
se necessário fazer uma revisão nos pressupostos do desenvolvimento da
criança com deficiência visual.
Aprendizagem da criança com deficiência visual

No desenvolvimento sócio-afetivo da criança com deficiência visual é


importante analisar o fenômeno do apego que a criança apresenta nos
primeiros anos de vida e que dependerá da interação entre o adulto e o bebê.
Segundo Batista e Enumo (2000), o comportamento de apego se traduz pelos
comportamentos de responsabilidade emocional seletiva para determinadas
pessoas, respostas positivas para um grupo restrito de pessoas (geralmente
os pais e familiares mais próximos) e respostas negativas para as demais
pessoas ("medo de estranhos").

Embora os comportamentos da criança que irão aliciar a reação do adulto


(chorar, sorrir e agarrar) não dependerem diretamente da visão, a formação
do apego na criança com deficiência visual pode enfrentar dificuldades em
função do comportamento do adulto na interação com ela, que pode não ser
veiculado adequadamente pelos canais de comunicação perceptíveis para
criança, como por exemplo, o auditivo ou táctilo-cinestésico.

Bee (1984) cita um estudo com um grupo de bebês com deficiência visual,
que sorriam menos e não mostravam o fitar mútuo. A maioria dos pais desses
bebês com deficiência visual, depois de diversos meses, começou a achar
que seus bebês os rejeitavam; ou concluíram que os bebês estavam
deprimidos. Esses pais sentiam-se menos ligados a seus filhos com
deficiência visual do que aos outros filhos.

Podem ocorrer diversas mudanças se a ligação dos pais com a criança não
se desenvolver totalmente. No caso das famílias citadas por Bee (1984), as
mães cada vez mais evitavam o bebê com deficiência visual, elas supriam as
necessidades de cuidado físico, mas deixavam de brincar com os bebês, de
tentar aliciar sorrisos ou outras interações sociais.

Contudo, a autora verificou que é possível resolver parte do problema,


ajudando as mães a "ler" outros sinais do bebê. O rosto da criança com
deficiência visual pode ser relativamente sóbrio e inexpressivo, mas suas
mãos e corpo movimentam-se bastante e são bem expressivos.
Quando os pais de crianças com deficiência visual aprendem a responder a
esses "comportamentos de ligação" alternativos de seus bebês, a
mutualidade do relacionamento pode ser estabelecida. E quando isso
acontece e os pais são capazes de proporcionar mais estimulação variada, as
crianças com deficiência visual desenvolvem mais comportamentos normais
em outros sentidos.

Uma das principais dificuldades que a criança com deficiência visual


enfrenta no que se refere ao desenvolvimento cognitivo diz respeito à lacuna
na apreensão dos estímulos devido à ausência da percepção visual. É sabido
que a percepção visual é o principal canal de veiculação e acesso às
informações que serão, posteriormente, utilizadas para construção das
representações da criança sobre o mundo. Logo, o papel que a visão
desempenha como organizador dos eventos e integradora das informações
do ambiente para as demais crianças, não tem correlato na criança com
deficiência visual (Recchia, 1977a,b)

No caso da formação de conceitos, a visão tem um papel evidentemente


integrador. Por exemplo, a formação de conceitos dependerá da apreensão
de diferentes estímulos, sensações táteis, auditivas, olfativas e visuais, que
geram informações que, através da visão, serão integradas, estabelecendo,
assim, o conceito propriamente dito.

De um modo geral, em relação ao desenvolvimento do pensamento é


necessário oferecer à criança com deficiência visual, sistematicamente e de
forma planejada, experiências que todas as crianças têm, de modo
assistemático e não planejado, quando ela interage em um ambiente rico em
experiências (Enumo e Batista, 1999).

Desta forma, mesmo a construção da inter-subjetividade, que tem origem


nas experiências sociais compartilhadas, necessitará de adaptações, tanto
por parte da criança com deficiência visual quanto por parte do adulto em
interação com ela, uma vez que padrões de comportamentos verbais e não
verbais não podem ser ensinados incidentalmente.
Segundo um estudo realizado por Ferrell (1996), o autor afirma que os
atrasos no desenvolvimento surgem porque uma série de situações de
aprendizagem, dependentes da visão, ocorre de forma incidental ou "natural"
na maioria das crianças, o que muitas vezes não acontece no
desenvolvimento das crianças com deficiência visual.

No caso da criança com deficiência visual, o indivíduo apresenta


comprometimento na área sensorial, que é responsável pela representação
do mundo: a visão. Contudo, apesar desse comprometimento, a pessoa com
deficiência visual deve ser compreendida como um ser integral, ou seja,
apesar das influências de sua condição biológica interferirem nas suas
relações individuais, não se deve atribuir demasiada importância ao problema
visual, com perigo de obscurecer a questão maior que deve ser o real tema
de estudo: o sujeito (Cunha, 1996, 2001).

Algumas reflexões finais

O direito da educação fundamenta-se no preceito de que todos devem ter as


mesmas possibilidades de desenvolver suas capacidades para alcançar
independência cultural, política e econômica e integrar-se plenamente na vida
social. O processo de aprendizagem tem que ser permanente, é o desafio de
aprender, e de formar seres aptos para a vida social.

A aprendizagem da criança com deficiência visual deverá ser sistematizada e


estruturada, de forma que a criança aprenda a informação completa sobre o
conceito a ser aprendido. Hall (1981) complementa afirmando que um dos
componentes cognitivos que pode ser observado diferente na criança com
deficiência visual é a construção de imagens mentais. O desenvolvimento
dessas representações mentais deve ser estimulado, já que são partes
integrantes do desenvolvimento dos processos cognitivos.

De acordo com os estudos de Vygotski (1997) a deficiência visual cria


dificuldades para a participação em muitas atividades da vida social, mas, por
outro lado, mantém a principal fonte de conteúdos de desenvolvimento: a
linguagem. Ao fazer essas afirmações, o autor concordava com outros
autores russos de sua época, para os quais a utilização da linguagem se
constituía no principal meio de superar as consequências da deficiência
visual.
Nessa concepção, a linguagem adquire papel fundamental para o
desenvolvimento cognitivo, pois, pensamento e linguagem são processos
interdependentes. A linguagem possibilita o aparecimento das imagens
mentais, o uso da memória e o planejamento da ação.

O estudo dos processos compensatórios de Vygotski permitiu entender


fundamentalmente que:
a) a literatura acerca das deficiências e, entre elas, a deficiência visual possui
um perfil de caracterização, generalização, categorização e determinismo em
suas descrições;
b) os processos compensatórios podem ser possibilidades de avanços nos
processos mentais superiores, uma vez que esses são adquiridos e
desenvolvidos no meio social;
c) a criança com deficiência visual precisa conviver no coletivo social, ser
estimulada e creditada para aprender a desenvolver suas capacidades de
aprendizagem;
d) os processos compensatórios possibilitam compreender a capacidade para
além da deficiência ou, o paradoxo da deficiência, visto que a deficiência
carrega consigo as peculiaridades próprias dos avanços e das capacidades
de aprendizagem.

Assim, entendemos que a educação de uma criança com deficiência visual


pode ser organizada como a educação de qualquer outra criança. A educação
pode converter realmente o deficiente visual a uma pessoa normal,
socialmente válida, e fazer desaparecer a palavra e o conceito de "deficiente"
em relação ao cego (Vygotski, 1997).
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Apostila Organizada por:


Profa. MS. Elisangela dos Santos Santana Prado

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