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https://doi.org/10.1590/S1516-73132008000100005
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The teaching of History of Chemistry: improving the knowledge about the nature of science
Resumos
Relata-se um estudo de caso que teve como objetivo explorar as potencialidades de aproximação entre
História e Filosofia da Ciência da educação científica mediante utilização do ensino de História da
Química. Visou-se auxiliar os alunos na compreensão da natureza da ciência e no aprendizado de
conceitos químicos. O estudo envolveu a intervenção de uma professora/investigadora numa disciplina
de História da Química e teve caráter exploratório, com abordagem de pesquisa qualitativa. A análise
dos resultados utilizou o modelo misto, com categorias analíticas definidas a priori, que nortearam as
dimensões epistemológicas de análise e a identificação de categorias emergentes, construídas a partir
das respostas dos alunos a questionários abertos. Os resultados obtidos confirmaram a importância do
espaço dessa disciplina para os alunos conhecerem a natureza da ciência, adquirindo concepções menos
simplistas e mais contextualizadas sobre a ciência, apesar de alguma dificuldade na superação de
concepções realistas ingênuas fortemente enraizadas em suas visões epistemológicas.
This paper presents the results of an exploratory study undertaken during a course of History of
Chemistry for Chemistry students. The course aimed to help students to understand the nature of
science and basic concepts in chemistry . The study, conducted by the course teacher, analyzed the
convergence between history, and philosophy of science education and had a qualitative approach using
participant observation. The data were qualitatively analyzed using a "mixed model", with two kinds of
analytical categories: epistemological categories previously defined, that guided the epistemological
dimensions of analysis and categories built from the answers given by the students through open
questionnaires. The results show that the History of Chemistry course was important for the students to
improve their knowledge about the nature of science. The students had less simplistic and more
contextualized conceptions about the nature of science, in spite of the difficulty of overcoming some
strongly embedded notions in the students' epistemological views.
The teaching of History of Chemistry: improving the knowledge about the nature of science
RESUMO
Relata-se um estudo de caso que teve como objetivo explorar as potencialidades de aproximação entre
História e Filosofia da Ciência da educação científica mediante utilização do ensino de História da
Química. Visou-se auxiliar os alunos na compreensão da natureza da ciência e no aprendizado de
conceitos químicos. O estudo envolveu a intervenção de uma professora/investigadora numa disciplina
de História da Química e teve caráter exploratório, com abordagem de pesquisa qualitativa. A análise
dos resultados utilizou o modelo misto, com categorias analíticas definidas a priori, que nortearam as
dimensões epistemológicas de análise e a identificação de categorias emergentes, construídas a partir
das respostas dos alunos a questionários abertos. Os resultados obtidos confirmaram a importância do
espaço dessa disciplina para os alunos conhecerem a natureza da ciência, adquirindo concepções menos
simplistas e mais contextualizadas sobre a ciência, apesar de alguma dificuldade na superação de
concepções realistas ingênuas fortemente enraizadas em suas visões epistemológicas.
Palavras-chave: História e Filosofia da Ciência. Ensino de Química. Natureza da ciência.
ABSTRACT
This paper presents the results of an exploratory study undertaken during a course of History of
Chemistry for Chemistry students. The course aimed to help students to understand the nature of
science and basic concepts in chemistry . The study, conducted by the course teacher, analyzed the
convergence between history, and philosophy of science education and had a qualitative approach using
participant observation. The data were qualitatively analyzed using a "mixed model", with two kinds of
analytical categories: epistemological categories previously defined, that guided the epistemological
dimensions of analysis and categories built from the answers given by the students through open
questionnaires. The results show that the History of Chemistry course was important for the students to
improve their knowledge about the nature of science. The students had less simplistic and more
contextualized conceptions about the nature of science, in spite of the difficulty of overcoming some
strongly embedded notions in the students' epistemological views.
Key words: History and Philosophy of Science. Chemistry teaching. Nature of science.
Introdução
Neste artigo relata-se um estudo de caso que teve como objetivo explorar as potencialidades de
aproximação entre História e Filosofia da Ciência da educação científica mediante utilização do ensino
de História da Química. O estudo envolveu nossa intervenção como professora/investigadora numa
disciplina de História da Química e apresentou um caráter exploratório, com abordagem de pesquisa
qualitativa.
A investigação didática teve dois objetivos principais: identificar concepções prévias dos alunos sobre
aspectos da natureza da ciência e avaliar tais concepções, influenciadas por uma abordagem explícita de
conteúdos de Filosofia da Ciência em diversos contextos históricos. Posteriormente, trabalhou-se com a
contextualização histórica de conceitos químicos para avaliar a influência de tal contextualização na
compreensão desses conceitos. A pesquisa incluiu, também, o uso de materiais didáticos com conteúdos
em História e Filosofia da Ciência, elaborados pela pesquisadora, cujo tema central contemplou as
controvérsias envolvendo atomistas e anti-atomistas relativas à aceitação do atomismo no século XIX.
Avaliando os resultados obtidos, conclui-se que o referencial histórico-epistemológico contribuiu para
que os estudantes de Química envolvidos neste trabalho adquirissem uma imagem de ciência mais
contextualizada e melhor formação inicial. A disciplina História da Química foi um espaço importante
para que os alunos conhecessem melhor a natureza da ciência e aprendessem de forma significativa
conceitos químicos. Ao final do trabalho, identificaram-se concepções menos simplistas e mais
contextualizadas sobre a natureza da ciência e foram percebidos indícios de melhor compreensão de
conceitos, como a quantidade de matéria e mol. Este artigo apresenta alguns resultados da primeira
parte da investigação didática que integra a pesquisa da tese de doutorado da primeira autora2.
A importância da História e Filosofia da Ciência para a educação científica tem sido amplamente
reconhecida na literatura nas últimas décadas (PAIXÃO e CACHAPUZ, 2003; FREIRE JÚNIOR, 2002; LEITE,
2002; WANG E MARSH, 2002; NIAZ, 2001; SOLBES e TRAVERS, 1996; WORTMANN, 1996; MATTHEWS,
1994, 1990; GAGLIARD, 1988). Como conseqüência, vêm acontecendo ações oficiais e não oficiais no
sentido de buscar inserir a História da Ciência nos currículos que têm emergido de reestruturações
curriculares mais recentes. No Brasil, de alguma forma esta tendência aparece explicitada em
documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNs) e as Novas
Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação.
A inclusão da História da Ciência no ensino tem razões que se fundamentam na Filosofia e Epistemologia
e a própria concepção de ciência adotada interfere na seleção e abordagem dos conteúdos. Considera-
se que a incorporação de um maior conteúdo de História, Filosofia e Sociologia da Ciência nos currículos
pode contribuir para a humanização do ensino científico, facilitando a mudança de concepções
simplistas sobre a ciência para posições mais relativistas e contextualizadas sobre esse tipo de
conhecimento (LUFFIEGO et al., 1994; HODSON, 1985).
Neste sentido, alguns projetos têm sido formulados em diferentes países, como o "Projeto 2061" da
American Association for the Advancement of Science (AAAS), que originou, nos Estados Unidos, o livro
Ciências para Todos (RUTHERFORD e AHLGREN, 1995). Nesse documento, retoma-se uma abordagem
humanística para a educação em ciência, com prazo suficientemente amplo para que as mudanças
aconteçam e possam ser viáveis. A História da Ciência é considerada conhecimento indispensável para a
humanização da ciência e para o enriquecimento cultural, passando a assumir o elo capaz de conectar
ciência e sociedade. Uma das importantes recomendações desse projeto consiste em ensinar menos
para ensinar melhor. É deixada, aos curriculistas, a importante tarefa de promover reestruturações
visando muito mais eliminar do que acrescentar conteúdos de ensino.
Não é necessário exigir das escolas que ensinem conteúdos cada vez mais alargados, mas sim que
ensinem menos para ensinarem melhor. Concentrando-se em menos temas, os professores podem
introduzir as idéias gradualmente, numa variedade de contextos, aprofundando-as e alargando-as à
medida que os estudantes amadurecem. Os estudantes acabarão por adquirir conhecimentos mais ricos
e uma compreensão mais profunda do que poderiam esperar adquirir a partir de uma exposição
superficial de mais assuntos do que aqueles que seriam capazes de assimilar. O problema, para quem
escreve os currículos, é, portanto, muito menos o que acrescentar do que o que eliminar. (RUTHERFORD
e AHLGREN, 1995, p. 21, grifo nosso)
Ainda que a valorização desses campos na formação profissional tenha crescido, a inclusão desses temas
nos currículos ainda segue um modelo tradicional, no qual, geralmente, disciplinas específicas abordam
os conteúdos e a articulação com a didática é extremamente frágil. Tradicionalmente, o ensino da
História das Ciências por disciplinas específicas não busca fazer uma ampla articulação com conteúdos
da Filosofia da Ciência.
Um importante pesquisador que tem defendido a relevância da História e da Filosofia no ensino das
ciências é Michael Matthews. Em artigos e livros escritos sobre esse assunto, ele defende a importância
desses conteúdos no ensino sobre as ciências, tão importante quanto o ensino de ciências. Para
Matthews (1994), ensinar sobre as ciências inclui tanto a discussão da dinâmica da atividade científica e
de sua complexidade manifestada no processo de geração de produtos da ciência (hipóteses, leis,
teorias, conceitos etc.) quanto a validação e divulgação do conhecimento científico, envolvendo alguma
compreensão da dinâmica inerente a sua legitimação.
A educação científica tradicional tem recebido muitas críticas e novas abordagens didáticas têm sido
propostas, a exemplo da abordagem contextual ou liberal. Esses termos são usados por Matthews
(1994) para se referir a uma educação científica informada pela História e Filosofia da Ciência. Embora a
utilização deste tipo de abordagem tenha acontecido desde as primeiras décadas do século XX, somente
ao final da década de 1940 as experiências realizadas tiveram maior repercussão. Naquele período, o
químico e educador americano James Connant introduziu, em seus cursos de ciências, o estudo de
certos episódios da História da Ciência, conhecidos como: History of Science Cases. Ele considerava que
estudar como a ciência se desenvolveu poderia ajudar na compreensão da sua natureza (WANG e
MARSH, 2002).
Influenciada pelo trabalho realizado por Connant e seus materiais didáticos inovadores, a abordagem
contextual ganhou importância nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Outro precursor
deste tipo de abordagem foi Gerald Holton, que apresentou uma metodologia para o ensino de Física, a
abordagem conectiva3, valorizando as relações entre conteúdos específicos da Física e diferentes
campos, como Astronomia, Biologia, Química, Economia, Filosofia, Matemática, Engenharia, História,
Literatura, Psicologia etc. (HOLTON, 1963).
Considera-se que a opção didática pela História da Ciência deve acontecer de forma articulada com a
Filosofia da Ciência, a fim de ajudar na análise crítica do conhecimento científico produzido e na
transposição didática dos conteúdos.
Existem dois tipos de abordagem para introduzir conteúdos sobre a natureza da ciência no processo de
ensino/aprendizagem: a implícita e a explícita. No primeiro, assume-se que na dinâmica adotada
mensagens implícitas são comunicadas e que a construção do conhecimento acontece como
conseqüência do engajamento no processo pedagógico. Os trabalhos devem possibilitar a inserção do
aluno em atividades investigativas, incluindo instruções sobre a prática científica. Na abordagem
explícita, os objetivos e materiais instrucionais são direcionados para aumentar a compreensão da
natureza da ciência, de forma a incluir a discussão dos conteúdos epistemológicos. As atividades
planejadas incluem investigações e exemplos históricos que possibilitam discussões, reflexões guiadas e
questionamentos específicos sobre o assunto (ABD-EL-KHALICK e LEDERMAN, 2000).
Apesar de algumas divergências detectadas nos resultados das pesquisas envolvendo concepções sobre
a natureza da ciência, um aspecto consensual é o reconhecimento da importância da História e Filosofia
da Ciência no aprimoramento das concepções de alunos e professores, em especial mediante
estratégias de formação que fazem uso de abordagens explícitas, as quais têm se mostrado mais
eficientes. Entretanto, necessita-se de maior número de investigações empíricas para que seja avaliada
a influência deste tipo de abordagem e sua maior ou menor eficácia na formação inicial.
A investigação relatada neste artigo aconteceu numa disciplina específica para o ensino de História da
Química, que faz parte do currículo do Curso de Química da Universidade Federal da Bahia, sendo
obrigatória para os alunos de Licenciatura em Química daquela universidade. A disciplina foi incluída no
currículo do curso desde a década de 1980 e tem sido ministrada desde o início da década de 1990
mediante pareceria entre dois professores.
A investigação didática foi realizada durante dois semestres consecutivos e os instrumentos de coleta de
dados foram aplicados em sala de aula, durante os períodos letivos da disciplina. O primeiro semestre
funcionou como um estudo piloto, que possibilitou o aprimoramento e validação de instrumentos
utilizados para o levantamento de dados.
O desenvolvimento da pesquisa, que teve abordagem qualitativa e caráter exploratório, envolveu dois
professores em sala, um deles a pesquisadora. Os sujeitos foram os alunos da disciplina. Todos os alunos
matriculados participaram da investigação, uma vez que o módulo da disciplina é pequeno, o que
justificou a não utilização de técnicas de amostragem para o levantamento de dados (BOGDAN e BIKLEN,
1994)
Para incluir conteúdos sobre a natureza da ciência na disciplina utilizou-se uma abordagem de ensino
direcionada e contextualizada, priorizando o referencial da História e Filosofia da Ciência no processo.
Levou-se em conta a constatação de Matthews (1994) de que a epistemologia dos alunos é comumente
constituída informalmente, uma vez que não encontra respaldo adequado nos cursos de formação
inicial.
Para investigar as questões propostas a disciplina foi reestruturada, com objetivo de incorporar diversas
dimensões epistemológicas como parte de seu conteúdo. Articularam-se os conteúdos históricos
tradicionalmente trabalhados numa perspectiva cronológica, com conteúdos de natureza
epistemológica, abordados nos diversos contextos históricos. Todo o planejamento das aulas foi
realizado para que diversas dimensões epistemológicas pudessem ser adequadamente contempladas.
A metodologia didática aconteceu em três momentos: inicialmente (momento antes) realizou-se o
levantamento das concepções prévias relacionadas a conteúdos da Filosofia da Ciência que seriam
priorizados na aula subseqüente, usando pequenos questionários contendo questões problematizadoras
(Quadro 1).
No momento inicial os alunos tomavam conhecimento do planejamento feito para o próximo encontro,
sendo informados sobre as leituras que forneceriam subsídios às discussões. Os textos eram
disponibilizados para serem fotocopiados e lidos. Na aula seguinte, acontecia a discussão dos assuntos
que faziam parte do planejamento, subsidiada pelas leituras indicadas. Tanto os alunos quanto os
professores se colocavam sobre o assunto, priorizando os objetivos definidos para aquela aula.
Posteriormente (momento depois), os alunos se reuniam em grupos e voltavam a discutir as questões
respondidas na aula anterior (levantamento prévio). Após a discussão, cada aluno refletia sobre as
questões e novamente as respondia. O principal objetivo era avaliar se as informações adquiridas por
meio das leituras e discussões tinham possibilitado algum ganho no conhecimento epistemológico dos
alunos.
O corpus de análise envolveu o conjunto de respostas aos questionários, as transcrições das entrevistas,
os registros de observações e as anotações sobre as aulas, em especial as do segundo semestre
escolhido para realização da pesquisa.
A primeira categoria epistemológica definida foi: ciência e conhecimento científico; subdividida em três
dimensões de análise e consideradas em três contextos históricos, conforme ilustra o Quadro 2:
Para exemplificar o resultado obtido toma-se a terceira dimensão de análise definida para a primeira
categoria epistemológica: a demarcação entre ciência e pseudo-ciência, discutida no contexto da
alquimia. Entre os alunos que se matriculavam em História da Química predominava uma visão
distorcida da Alquimia, como um tipo de prática sem significado científico, repleta de charlatanismo e
magia ou pseudo-ciência.
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Estas respostas revelam, em alguma medida, uma visão de Ciência como meio de descobrir o que existe
no mundo (desvelamento da natureza) ou de explicar os fenômenos, na busca de provas ou 'verdades',
demonstrando a presença de concepções realistas ingênuas. Verifica-se que nas visões distorcidas sobre
o que foi a alquimia encontram-se implícitas concepções simplistas sobre os critérios de demarcação da
ciência. Não pareceu existir o reconhecimento da produção do conhecimento científico como
construção humana contextualizada.
Vale lembrar a complexidade inerente ao conceito de ciência, que poderia demandar uma discussão tão
fecunda capaz de ocupar todo um livro. Alan Chalmers se propôs ao desafio de realizar esta tarefa,
tendo escrito seu famoso O que é ciência afinal? Após uma longa discussão, que envolveu 14 capítulos e
216 páginas, Chalmers (1995) assim se coloca com relação à sua pergunta inicial:
A estrutura de grande parte dos argumentos desse livro foi de desenvolver relatos do tipo de coisa que é
a Física e testá-los no confronto com a Física real. Diante dessa consideração sugiro que a pergunta que
constitui o título desse livro é enganosa e arrogante. Ela supõe que exista uma única categoria "ciência"
e implica que várias áreas do conhecimento, a Física, a Biologia, a História, a Sociologia e assim por
diante se encaixem ou não nesta categoria. (CHALMERS, 1995, p. 211)
Chalmers (1995) considera que cada área do conhecimento pode ser julgada por aquilo que é, não
havendo necessidade de uma categoria geral "ciência", que possa servir de modelo para que outras
áreas do conhecimento possam ser avaliadas à luz deste modelo e proclamadas - ou não - como ciência.
Ainda em relação a este assunto, ele assim se posiciona: "Cada área do conhecimento deve ser julgada
pelos próprios méritos, pela investigação de seus objetivos, e, em que extensão é capaz de alcançá-los.
Mas ainda, os próprios julgamentos relativos aos objetivos serão relativos à situação social" (p. 212).
Este autor, entretanto, procura evitar que suas idéias sejam enquadradas em posições relativistas
extremas, buscando manter uma tendência "objetivista" em seus pontos de vista, mesmo discordando
de um conceito universal e atemporal de ciência ou de método científico.
As idéias de filósofos como Kuhn (1996) e Feyerabend (1989) contribuíram para a flexibilização dos
critérios de cientificidade, em especial na delimitação entre ciência e não ciência. A possibilidade de usar
a cientificidade de forma mais ampla, com aceitação de uma pluralidade de métodos de pesquisa,
permitiu o reconhecimento do status científico de outras ciências - e não apenas das naturais, além de
um "alargamento" em sua concepção.
Na visão tradicional, a atividade científica é vista como independente das relações sociais e o
conhecimento científico é considerado seguro, porque baseado em evidências observacional e
experimental. Esta imagem tem forte influência de correntes epistemológicas, como o positivismo e o
empirismo lógico, e de seus reflexos no ensino de ciência e nas imagens de ciência dos alunos. Nesta
perspectiva, os enunciados da ciência se fundamentariam, em última instância, nos fatos, nos dados da
experiência. A ciência seria, portanto, portadora de verdades inquestionáveis (GIL-PÉREZ et al., 2001;
SALMON, 2000).
A confiança no método que a ciência utiliza foi um importante critério de demarcação considerado pelos
alunos. No entanto, quando mapearam-se as concepções sobre o tema no segundo momento,
percebeu-se a relativização desse critério por meio da discussão que aconteceu em um dos grupos sobre
a cientificidade da alquimia. Os alunos foram identificados pela sigla "AN", na qual: A = aluno e N=
número de identificação de cada aluno.
"Eu acho que sim, a ciência ela tem um objetivo e a alquimia tinha objetivos e trabalhou para obter e
atingir estes objetivos e, além disso [...]" (A6)
"Além disso, ela tinha métodos". (A1)
"Eu acho que ela era ciência porque tinha estes três pontos: objetivos, métodos e conhecimento [....].
Antes, quando eu não conhecia nada sobre alquimia, porque eu a conhecia como uma forma de
bruxaria, porque eu não sabia de nada; mas agora depois das leituras e dessa aula ficamos sabendo que
eles (os alquimistas) descobriram alguns elementos, as aparelhagens que eles utilizavam, algumas
técnicas como a destilação e o banho maria e os fenômenos que eles observavam, imaginando que
acontecia a transmutação dos metais menos nobres para ouro ou prata [...]". (A1)
"Eles não tinham ainda o conhecimento da estrutura e das reações químicas e analisavam da maneira
que eles achavam que era correta na época". (A5)
"Na realidade estava havendo uma transformação, mas não de um metal menos nobre para outro mais
nobre". (A1)
"No contexto do conhecimento que eles tinham naquela época, considero que era uma ciência [...]".
(A5)
Nesse momento, identificou-se, em todas as equipes, uma visão contextualizada da Alquimia. O objetivo
era que eles manifestassem uma visão histórica da Alquimia, a partir de uma releitura crítica do período
medieval, contextualizando os alquimistas e a Alquimia naquele período e reconhecendo sua
contribuição para a constituição da Química Moderna. Os alunos passaram a perceber a necessidade de
flexibilização nos critérios utilizados para demarcação da ciência.
No trecho a seguir, a historiadora da Química Ana Maria Goldfarb, uma das referências utilizadas para
subsidiar as discussões em sala, procura dar visibilidade à importância da Alquimia para a constituição
da Química Moderna.
Os estudiosos de nosso século, dedicados à história da ciência e, particularmente, da alquimia, partem,
na maioria das vezes, do pressuposto de que não foi a ignorância, irracionalidade ou obscurantismo das
culturas que nos precederam o que preservou a alquimia. Mas, ao contrário, foi exatamente nos
períodos em que mais se valorizou o conhecimento da natureza onde a alquimia floresceu. (GOLDFARB,
1987, p. 265)
A ciência é uma das formas de conhecimento produzidas pelo homem no decorrer da sua história e seu
caráter histórico se manifesta nas representações que o homem faz, inclusive para o próprio
conhecimento.
A imagem de ciência que tem na experimentação a essência de sua atividade tem sido considerada uma
visão deformada da atividade científica. Entretanto, encontra-se amplamente difundida no ensino
tradicional de ciências. A crença na unicidade do método científico é uma deformação presente tanto
entre professores quanto entre alunos dos cursos das ciências, uma vez que o método científico
costuma ser visto como uma maneira segura de chegar ao conhecimento científico (GIL-PÉREZ et al.,
2001; MOREIRA, 1993). Considerando tais questões, a segunda categoria epistemológica definida foi a
dinâmica da ciência e seus produtos. Esta categoria foi subdividida em quatro dimensões consideradas
em diferentes contextos históricos (Quadro 3):
Para averiguar o pensamento dos alunos sobre esse assunto, usou-se a questão problematizadora
apresentada na Tabela 2, contendo categorias construídas a partir de suas respostas (Legenda: CA=
Categoria Antes; CD= Categoria Depois).
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Inicialmente, apenas um aluno, entre os dez presentes àquela aula, respondeu negativamente à questão
(CA11). Ele justificou sua resposta informando que anteriormente havia feito uma leitura sobre o caráter
histórico do método científico, o que o levou a assumir uma opinião diferente dos demais colegas. Na
categoria antes (CA10) apareceu uma contradição: embora o aluno tenha respondido afirmativamente,
sua justificativa admitia diferentes métodos, a depender da área. No primeiro momento, a maioria dos
alunos (dez) achava que existia um único método científico, embora individualmente divergissem
quanto às possíveis etapas desse método. O método científico costuma ser visto como uma maneira
segura de se chegar ao conhecimento científico (MOREIRA, 1993; GIL-PÉREZ et al., 2001).
A concepção de que existe um método científico (nove alunos) que começa na observação (cinco
alunos) ou tem esta etapa como indispensável para a produção de conhecimento (sete alunos) ficou
evidente na maior parte das respostas. A idéia predominante é que o fenômeno fala por si só, o mais
importante é saber a melhor forma de olhar para chegar a seu desvelamento.
A experimentação também foi uma etapa bastante citada, refletindo a força da epistemologia empirista
no ensino de ciências (CA1, CA3, CA5, CA7, CA8, CA9). Apenas um aluno considerava que o método
científico iniciava-se com a colocação de hipóteses (CA1), enquanto um outro achava que iniciava com a
teorização (CA8). Os alunos não reconheciam a dependência que a observação tem da teoria, não se
dando conta que o percebido não depende apenas da realidade externa, mas dos conhecimentos
prévios e da bagagem teórica de cada um. A não separação entre pressupostos teóricos e
observacionais foi defendida por vários filósofos da ciência pós-positivistas, como Popper (2001), Kuhn
(1996), Hanson (1975) e Feyerabend (1989), entre outros.
Durante o curso foram utilizadas as idéias de Francis Bacon, que defendia a observação neutra como
origem do conhecimento científico para discutir e questionar o caminho empirista-indutivista de chegar
às teorias, indo do particular ao geral (Bacon, 1984). Chamou-se a atenção sobre a influência dessas
idéias e do positivismo comtiano no ensino de ciência, em relação à aceitação de um método científico
estruturado rigidamente. Losee (1998) lembra que o empirismo e a indução predominaram até o início
do século XX, tendo servido de base ao positivismo. A filosofia positivista defendia que a ciência devia se
basear na observação direta dos fatos e não nas hipóteses.
No momento pós-discussão (Tabela 2), percebeu-se convergência nas respostas dos alunos e foi
identificada uma única categoria depois (CD), uma vez que todos os alunos presentes àquela aula (nove)
passaram a reconhecer a existência de vários métodos científicos e o caráter histórico desses métodos
(CD12).
No diálogo gravado após as leituras e discussões em sala foi possível detectar maior adequação nas
concepções sobre o método científico dos alunos, em todos os grupos. Esta foi uma das dimensões em
que aconteceu maior transformação em relação às idéias iniciais. O diálogo a seguir, registrado em uma
das equipes, exemplifica esta afirmação:
"O método científico, ele não é um único e eles (os métodos) se transformam, ao meu ver, no decorrer
da história". (A10)
"Eu sempre pensei que existia um método científico, depois que li o texto, eu não continuo pensando
num método científico fixo, único, mas existem métodos, maneiras de se chegar aos resultados e não
etapa por etapa". (A7)
"Talvez, cada área da ciência tenha algumas determinações específicas, maneiras diferentes de
pesquisar". (A13)
Um dos focos de investigação na Epistemologia da Química têm sido as representações feitas pelos
cientistas dos vários aspectos do mundo para diferentes propósitos. O interesse nessa questão é uma
conseqüência do largo uso de modelos e outros 'construtos' teóricos como instrumentos da educação
científica. Grande parte da atividade do cientista consiste na construção de modelos que servem de
representação dos fenômenos estudados e a integração desses modelos a teorias científicas possibilita a
resolução de inúmeros problemas.
Existe o reconhecimento de que os estudantes de ciência possuem não somente teorias e conceitos
distorcidos sobre alguma matéria específica estudada, como também concepções epistemológicas
ingênuas e equivocadas, que precisam ser repensadas. Uma sugestão para enfrentar este problema
seria incluir, no ensino "sobre" as ciências, a questão da natureza e o uso dos modelos científicos e
didáticos. Alguns educadores atribuem a este tema uma importância tão grande que defendem um
conceito de ciência como "processo de construção de modelos conceituais preditivos" (GILBERT, 1991,
p. 74).
A palavra modelo é amplamente utilizada, seja no cotidiano ou, mesmo, no âmbito das várias ciências e
do ensino de ciências. Vários significados são atribuídos a ela, sendo o mais comum o de representação
concreta de alguma coisa, justificando o fato de muitos estudantes considerarem que modelos são
cópias da realidade.
No âmbito da ciência e da filosofia da ciência, não existe um significado único para a palavra modelo. A
noção de modelo científico tem estado muito ligada à de teoria. No entanto, discussões mais recentes
têm possibilitado o reconhecimento de suas especificidades, apontando para a necessidade de
independência na formalização de ambos (GIERE, 2004).
Para levantar a concepção de modelo dos alunos entrevistados, foi solicitado que eles definissem um
modelo científico. Os resultados estão expressos na Tabela 3.
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Inicialmente (momento antes), as respostas dos alunos foram muito dispersas, o que dificultou o
agrupamento em categorias emergentes com características comuns. Dois alunos (CA6, CA10) definiram
explicitamente modelo como representação, no entanto, um deles (CA10) foi mais específico,
considerando-o "representação de uma teoria". Dois outros alunos consideravam o modelo como
desenho ou instrumento que representa algo que não pode ser visto (CA2, CA8). A diversidade de
entidades que podem ser modeladas não parecia ser reconhecida. Duas outras idéias foram
identificadas: "a reprodução de algo como uma imitação" (CA4) ou "um padrão ou referência tomada
para ser seguida" (CA7).
No segundo momento, as respostas foram mais convergentes, predominando a idéia de "modelo como
uma ferramenta ou forma de representar" ou como "um tipo de representação, seja de fenômenos,
entidades, conceitos ou teorias" (CD10, CD11, CD12, CD14, CD15). Dois alunos consideraram "uma
forma material (concreta) de representar conceitos ou teorias" (CD13). Dois alunos ainda explicitaram a
idéia mais próxima do senso comum de modelo como "um padrão a ser tomado como referência" (CD7).
Entretanto, um maior número de alunos passou a ter um conceito mais adequado de modelo científico,
identificando-o como algum tipo de representação.
Debatendo sobre a possível realidade dos átomos no contexto das controvérsias sobre a aceitação do
atomismo no século XIX, após o trabalho em sala de aula e as leituras dos textos registrou-se o seguinte
trecho da discussão em um dos grupos que participaram do estudo:
"Eu defendo que o átomo existe, agora eu não posso afirmar que é da forma que eu idealizei o meu
modelo. Não posso, porque o modelo que eu tenho hoje, amanhã pode estar esgotado e a gente ainda
está falando da mesma coisa. Olha o que o professor disse, os objetos são históricos, sujeitos e objetos
são históricos, então eu acho que ele existe mas não é da maneira que eu [...]" (A4)
"Pode até ser [...], na realidade o que a gente não pode hoje é comprovar". (A8)
"Você pode sentir os seus efeitos [...] mas eu sei que ele existe [...]".(A4)
"Para nós, que trabalhamos com Química, se chegarmos aqui e disserem que o átomo não existe, cai o
mundo da gente. Eu acredito piamente, agora a certeza absoluta a gente não tem, [...]". (A8)
Nessa discussão nota-se que os alunos expressaram a crença na realidade do átomo e ainda
manifestavam uma visão realista ingênua, na qual acredita-se que a realidade existe
independentemente da cognição e que as entidades teóricas da ciência são reais, devem ser
descobertas e podem descrever o mundo como ele realmente é. Entretanto, os alunos reconheciam a
necessidade de modelos para intermediar esta "suposta" entidade (o átomo), visualizada por meio de
artifícios tecnológicos, e que tais modelos não são definitivos "[...] porque o modelo que eu tenho hoje,
amanhã pode estar esgotado e a gente ainda está falando da mesma coisa" (A4).
A historicidade do conhecimento científico foi também expressa na afirmação do aluno A4: "Olha o que
o professor disse, os objetos são históricos, sujeitos e objetos são históricos [...]". Mesmo remetendo à
autoridade do professor, o aluno expressa sua percepção na mutabilidade do conhecimento científico.
Muitos campos conceituais da Química sofreram poucas transformações teóricas à luz da Teoria
Quântica. Como conseqüência, grande parte dos conteúdos de Química do Ensino Médio e dos
primeiros anos do Ensino Superior são embasados em modelos fortemente realistas, necessitando do
uso de representações pictóricas para sua compreensão. Nessa abordagem, o átomo é compreendido
como um sistema material, concreto e realista e este tipo de modelo é utilizado para a compreensão de
alguns conteúdos químicos.
É preciso haver outros conceitos além dos conceitos "visuais" para montar uma técnica de agir
cientificamente-no-mundo e para promover à existência, mediante uma fenomenotécnica, fenômenos
que não estão naturalmente-na-natureza. Só por uma desmaterialização da experiência comum se pode
atingir um realismo da técnica científica. (BACHELARD, 1977, p. 137, grifo nosso)
Parece muito forte no ensino da Química a opção pelo realismo ingênuo em relação às representações
químicas; o que aparentemente se mantém mesmo na universidade. Esta é uma situação que se
contrapõe à produção do conhecimento químico ao longo da História, que precisou romper, muitas
vezes, com o real dado e aparente. A frase de Bachelard expressa, de alguma forma, a influência do
realismo na cultura química: "[...] a filosofia química mergulhou sem resistência no realismo. A Química
tornou-se, assim, o domínio de eleição dos realistas, dos materialistas, dos antimetafísicos"
(BACHELARD, 1991, p. 49).
Na Filosofia da Ciência contemporânea esta é uma discussão muito complexa e que envolve a própria
noção de 'verdade'. Na perspectiva do realismo não representativo, por exemplo, o mundo físico existe,
independente da nossa cognição. No entanto, esta tendência filosófica não considera que as teorias
propostas descrevam entidades do mundo, não incorporando uma teoria da verdade da
correspondência. Nesta perspectiva, não existe a possibilidade de acesso ao mundo independente das
teorias (CHALMERS, 1995), perspectiva defendida por "novas" filosofias da ciência desenvolvidas no
século XX.
Considerações finais
Os resultados obtidos nesta parte da investigação confirmaram a expectativa inicial de que mesmo
numa disciplina específica de História da Química é possível introduzir conteúdos de Filosofia da Ciência,
envolvendo os alunos em discussões sobre este assunto e possibilitando maior compreensão da
natureza da ciência. A disciplina História da Química é um espaço privilegiado no currículo para
discussões sobre a natureza da ciência com os alunos, durante a formação inicial. Reconhece-se, no
entanto, que outros espaços curriculares precisam ser identificados para que as lacunas relativas à
dimensão epistemológica sejam preenchidas.
1
Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia, Campus Universitário de Ondina, Rua Barão de
Geremoabo, s/n, Ondina - Salvador, Ba, 40.170-290
Um agradecimento especial ao professor Olival Freire Júnior, pelos comentários e sugestões sobre o
artigo e pela orientação da tese (OKI, 2006).
O termo abordagem conectiva é análogo ao termo abordagem contextual ou liberal utilizado por
Matthews (1994).
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