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Da foraclusão do nome-do-pai:

a leitura lacaniana de Schreber1


Patrícia Gomes Celani2
Marcella Marjory Massolini Laureano3

"Não quero ter a terrível limitação de quem vive


apenas do que é possível fazer sentido.

Eu não: quero é uma verdade inventada".

Clarice Lispector

Resumo
O presente trabalho circunscreve a função do delírio na psicose, partindo
do conceito de foraclusão em Lacan para entendermos a construção da metáfora
delirante como um significante que surge para ocupar o lugar em que a metáfo-
ra paterna falhou. Com o significante Nome-do-Pai foracluído, o sujeito se sente
invadido pelo Outro que tudo sabe dele; esse Outro é não barrado, consistente e
o mantém na posição de objeto de gozo. Para defender-se, o sujeito psicótico cria
um saber que lhe é próprio e que é sustentado por uma certeza absoluta. Sem um
ponto-de-estofo que funde uma cadeia significante, é por meio do delírio que o
sujeito busca dar significação aos significantes que ficam soltos na cadeia. O obje-
tivo deste artigo é fazer uma leitura lacaniana de Schreber a partir do conceito de
foraclusão do Nome-do-Pai.

Palavras-chave: Delírio. Lacan. Caso Schreber.

1
Este artigo é resultado da monografia de conclusão do curso de graduação em Psicologia
realizado no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), sob orientação da Profa. Dra.
Marcella M. M. Laureano.
2
Graduada em psicologia pelo UniCEUB.
3
Psicóloga (UNESP-2001), Doutora em Ciências (área: Psicologia) na FFCLRP/USP com
estágio PDEE na Université Paris 3 – Sorbonne-Nouvelle (Doutorado direto concluído
em 2008); Professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/FACES/Psicologia).
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1 Introdução
Freud (1996) afirma que a psicose é uma defesa contra uma dor insuportá-
vel ao sujeito, uma tentativa dele de se defender contra “uma representação intole-
rável” da realidade. Por sua vez, para Lacan (1998), a psicose é uma falha na inscri-
ção do significante Nome-do-Pai, isto é, a não inscrição do pai como portador da
lei que introduz o sujeito na linguagem. Lembremos que, para Lacan (1964, 1979),
o sujeito é marcado pela linguagem e é no campo do Outro que ele se constitui.

Se, para Freud, a psicose é uma defesa contra um sofrimento que desorga-
niza o sujeito e o deixa em ruínas e, para Lacan, uma não inscrição do sujeito no
mundo simbólico onde ele tem que lidar com a falta do Nome-do-Pai, qual a saída
que o psicótico encontra para se defender e existir num mundo habitado pelo sim-
bólico? A saída é o delírio como tentativa de criar uma nova realidade que sustente
o sujeito em meio à dor e à falta. Souza (1999, p. 39) assinala:
O delírio, tentativa de cura, é um “ensaio de rigor”
parcialmente exitoso. Exitoso por construir uma significação
viável para o psicótico e por fundar uma filiação, uma forma
original de filiação, onde o sujeito se encontra implicado
num elo com o Pai mesmo que – índice de malogro do
delírio – a referência ao Pai se estabeleça no registro do real.

Para Lacan e Freud, a função paterna é determinante na constituição do


sujeito. O pai como portador da lei, do interdito do incesto, é quem, pela mediação
da mãe, inscreverá o sujeito no campo do simbólico. Desse modo, Quinet (2003,
p. 8) nos afirma:
[...] para que o homem possa atribuir significação aos seus
significantes e, portanto, à sua existência, é preciso que ele
faça a sua entrada no simbólico, já que a função simbólica
constitui um universo no interior do qual tudo que é
humano pode ordenar-se.

A foraclusão do significante simbólico - Nome-do-Pai - no Outro, barra a


entrada do sujeito no mundo ordenado pelo símbolo, impedindo-o de organizar
a cadeia significante; sendo assim, os significantes ficam soltos na cadeia sem ne-
nhuma amarragem central que lhes dê significação. O delírio surge, então, segundo
Lacet (2004), como ponto de ancoragem para o sujeito.
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A relação com o Outro é elemento fundamental na constituição do sujeito.


É na relação com a mãe que o sujeito tem a primeira experiência com o Outro – o
Outro Primordial – na medida em que ele já a simbolizou (LACAN, 1999). Se não
houver essa primeira simbolização, o sujeito ficará à mercê do desejo do Outro.
Dessa forma, de acordo com Souza Filho (1988), na psicose, a relação do sujeito
com o Outro não foi simbolizada e o sujeito permaneceu numa posição de objeto
de desejo da mãe, numa posição de servir ao gozo do Outro. Sobre o Outro, diz
Souza (1999, p. 84):
Na psicose o Outro é diferente. Ostensivo, constrange o
sujeito com sua presença maciça, inundante e opressora.
Presença de ameaça e perigo, o Outro se faz perceber e,
em especial, se faz ouvir. [...]. Na psicose, o Outro goza do
sujeito, do espírito ou do corpo do sujeito.

Para se defender deste Outro terrível, o sujeito constrói o delírio, inventan-


do um saber que lhe é próprio, impedindo que o gozo do Outro lhe invada e lhe
perturbe. Segundo Ribeiro (2007, p. 129):
Quando o delírio é possível, é sinal de que o psicótico pode
construir um mundo segundo as leis do seu desejo, pode
circular entre a alienação no desejo do outro e a alienação
em si mesmo que tenta, paradoxalmente, escapar da
alienação. Cria uma versão de si e do mundo regida por suas
próprias leis, reino da certeza absoluta onde a dúvida não
pode penetrar sob a ameaça de tudo destruir.

O caso Schreber é um clássico no estudo da psicose, e foi por meio dele que
Freud pôde avançar nos seus estudos sobre essa estrutura psíquica. Freud (1998)
conjectura que o delírio de Schreber tinha três objetivos: primeiro, dar sentindo ao
desmoronamento, à experiência de fragmentação do corpo; segundo, desvendar
um vínculo possível com o outro, sem ter a sensação de não mais existir; terceiro,
restabelecer uma forma de temporalidade, isto é, contextualizar o delírio no tempo
e no espaço.

O objetivo deste artigo é, a partir das reflexões de Lacan, entender o sujeito


na psicose e o trabalho do delírio como uma forma de restabelecer uma nova
relação do sujeito com o mundo. Para tanto, abordaremos o conceito lacaniano
de foraclusão, o que a desencadeia e os efeitos produzidos por ela. Sendo assim,
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partiremos da explanação do conceito de estádio do espelho e dos três tempos


do Édipo propostos por Lacan, para entendermos a função do pai e no que a sua
ausência acarreta na estruturação do sujeito, que busca situar-se na existência por
meio da criação de uma nova realidade mediante o trabalho do delírio. Além de
falarmos do delírio como significante que surge para ocupar a função paterna,
apresentaremos o que Lacan denominou de sinthoma como suplência do Nome-
do-Pai. E, por fim, faremos uma breve leitura lacaniana do delírio de Schreber a
partir dos conceitos abordados.

2 Do espelho ao sinthoma

2.1 O estádio do espelho e os três tempos do Édipo

Falar do Édipo é falar da função do pai. Como afirma Lacan (1999, p. 171),
“não existe a questão do Édipo quando não existe o pai, e, inversamente, falar do
Édipo é introduzir como essencial a função do pai.” A essa idéia, o autor comple-
menta dizendo: “A função do pai no complexo de Édipo é ser um significante que
substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante mater-
no” (LACAN, 1999, p. 180). A esse significante, ele chamará de metáfora paterna
ou significante Nome-do-Pai.

A intervenção do pai na relação mãe/bebê representa a entrada da lei e das


normas do mundo social e cultural. No entanto, como afirma Hornstein (1989, p. 199):
O pai aparece como privador somente se a mãe o reconhece
como tal. A criança dota o pai do poder de interdição e
o situa como seu rival e juiz, gerando-se a dialética da
agressividade e da identificação. A mãe, ao reconhecer o pai
como objeto de seu desejo, abre à criança a possibilidade de
constituição de um ideal do eu masculino

Sob a ameaça da castração, a criança renuncia ao gozo em relação à mãe.


Uma vez que é o pai o portador do falo e quem o priva da mãe, a criança abdica
de ser o falo para ter o falo pela via da identificação com o pai. Segundo Nasio
(1997, p. 37):
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Ao lembrar à mãe que ela não pode reintegrar o filho em


seu ventre, e ao lembrar ao filho que ele não pode possuir a
mãe, o pai castra a mãe de qualquer pretensão de ter o falo
e, ao mesmo tempo, castra o filho de qualquer pretensão de
ser o falo para a mãe. A palavra paterna que encarna a lei
simbólica consuma, portanto, uma dupla castração: castrar
o Outro materno de ter o falo e castrar a criança de ser o falo.

A intervenção do pai se faz “necessária para tirar a criança da relação ima-


ginária com a mãe e introduzi-la no registro humano simbólico” (ROSSIN SOBRI-
NHO, 1988, p. 43). A passagem pelo Édipo abre a porta do mundo da linguagem e
coloca o sujeito no palco do discurso.

É a partir do estudo da paranoia, com o caso Aimée,4 que Lacan aborda a


questão do narcisismo, levando-o a desenvolver a teoria do “estádio do espelho”
que ele define como o momento em que o bebê, entre os seis e dezoito meses de
idade, reconhece a sua própria imagem refletida no espelho, para explicar a consti-
tuição do Eu. (LACAN, 1998; NASIO, 1997). Nas palavras de Lacan (1998, p.100),
“A função do estádio do espelho revela-se para nós, por conseguinte, como um
caso particular da função da imago, que é estabelecer uma relação do organismo
com sua realidade [...].”

Ao se ver num espelho, o bebê acredita, num primeiro momento, que o que
vê é um outro bebê e não ele. A partir daí, ele vai em busca desse outro desconhe-
cido, mas não o encontra e começa a perceber que o que vê no espelho não é um
outro real e sim uma imagem de si. Finalmente, o bebê reconhece a si próprio na
imagem refletida no espelho. No entanto, esse reconhecimento só acontece se o
bebê se vê sendo visto por outro (geralmente a mãe) que faça a ligação da imagem
refletida no espelho com a sua Imago corporal (STEFFEN, 1988).

De acordo com Quinet (2003, p. 10),


[...] trata-se da constituição do eu como imagem antecipada
onde se encontram unificadas as pulsões auto-eróticas que
cortam o corpo em figuras que encontramos na clínica

4
Aimée foi paciente de Lacan e sobre seu caso, ele desenvolveu sua tese de doutorado em
1932, sob o título: Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade.
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como imagens do corpo despedaçado. A unidade do corpo


é prefigurada pela imagem do outro ou pela imagem do
espelho. O eu é, portanto, constituído por essa imagem
que o semelhante lhe confere como um corpo unificado.
É nesse sentido que podemos entender, como diz Freud,
que o eu é antes de tudo corporal. [...]. A unidade do eu é
totalmente imaginária. Ela é formada por uma imagem, a
do semelhante, e não corresponde em absoluto à unidade
da maturação corporal.

Ainda, segundo o mesmo autor (2002, p. 127):


O registro do imaginário de Lacan corresponde ao conceito
de narcisismo de Freud. É o domínio do corpo, da imagem
do outro, ou seja, do semelhante que por ser igual é rival
sendo também atraente, fascinante, amante. O imaginário
é o registro da consciência e do sentido que faz com que
o homem se julgue um eu – o que é efetuado (sem que o
saiba) através da identificação com o outro.

O Eu só pode existir por meio do reconhecimento de um Outro que verbali-


za a sua existência. Não há existência de um Eu sem que um Outro o reconheça em
sua alteridade. O Outro aqui referido é o Outro de Lacan que, segundo as palavras
de Laureano (2008, p. 109), “[...] é aquele para quem o sujeito dirige em última ins-
tância seu desejo. É para responder a uma demanda do Outro que o sujeito fala, ou
seja, é visando inconscientemente o Outro que o sujeito vai produzir seus discur-
sos”. Laureano (2008, p. 111) acrescenta, ainda, que: “[...] na relação do Outro com
o sujeito, o primeiro é essencial para garantir a existência do segundo. O Outro ‘se
fabrica’, nos diz Lacan, como objeto (a) ocupando assim um lugar de suporte para
o sujeito e para seu discurso”.

O sujeito para Lacan (1979, p. 187) é “o sujeito determinado pela linguagem


e pela fala, isto quer dizer que o sujeito, in initio, começa no lugar do Outro, no que
é lá que surge o primeiro significante.”

É justamente o reconhecimento por meio do olhar do Outro que assiste o


bebê nessa brincadeira diante do espelho, que será sancionado que a imagem espe-
cular é a Imago do seu corpo (do bebê) e a de um Outro que também se vê refletida
no espelho e que é separado dele.
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Laureano (2008, p. 95) afirma:


Segundo Lacan, o estádio do espelho é o início do caminho
que leva o sujeito a encontrar a linguagem. A marca da
entrada definitiva do sujeito no mundo da linguagem é o
momento em que esse se depara com uma falta que lhe é
constitutiva e que o torna desejante.

Essa falta é produzida quando o pai se interpõe entre a mãe e a criança, se-
parando um do outro e produzindo um corte, portanto, uma falta simbólica (SOU-
ZA, 1999). A partir daí, a criança reconhece a mãe como um ser faltoso, reconhece
que a ela falta algo. É a falta que instaura o desejo no sujeito. Como nos diz Lau-
reano (2008, p. 96): Ser desejante é o ser marcado pela falta e pela dualidade, pois
é o sujeito do inconsciente [jê] que sabe dessa falta, restando ao eu [moi] a busca
eterna por uma completude eternamente perdida.

É a função paterna que irá introduzir a linguagem, a inserção da criança


no mundo simbólico. E essa função simbólica atinge seu ápice no momento da
castração. Momento esse que:
A palavra do pai intervém no circuito mãe/filho, e substitui
o significante do desejo materno pelo significante nome-do-
pai, em cuja metáfora o sujeito se constitui como efeito de
sentido. [...] é a foraclusão desse significante fálico, a ausência
da metáfora paterna, que se constituíra no fator decisivo da
estruturação psicótica (STEFFEN, 1988, p. 57-58).

E, segundo as palavras de Ribeiro (2007, p. 127):


Uma metáfora paterna efetiva é aquela que dá significação
ao sujeito, em relação a si mesmo e ao lugar que ele ocupa
no mundo. É uma possibilidade que depende apenas da
sexuação, para a qual a passagem do Édipo funciona como
marco .

Assim, para que haja a unificação do Eu é preciso que o sujeito rompa com
a relação dual (mãe-bebê) e passe a investir em outros objetos fora dessa relação.
Esse investimento é feito quando a criança, na passagem do Édipo, aceita a entra-
da de um terceiro (pai), que representa a entrada da lei e das normas do mundo
social e cultural. A partir daí, a criança sai em busca de um ideal de Eu, passando
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a investir em outros objetos além dele mesmo. No entanto, o sujeito psicótico não
passa por todo esse processo, mantendo-se na relação com o Outro Primordial,
em total simbiose com a mãe; ambos vivendo num sistema de retroalimentação do
desejo do outro.

Como destaca Ribeiro (2007, p. 121):


[...] a mãe coloca seu filho em um lugar que o encarcerará.
A falha está no que lhe é atribuído, matéria-prima com
a qual ele não poderá constituir-se. Ou seja, acontece
algo na nomeação dessa pessoa que a impedirá de existir
como sujeito – aqui entendido como aquele que pode ser
dono do próprio desejo, capaz de falar por si, de enunciar
seu desejo, de falar em nome próprio e se sagrar a uma
existência separada do outro, na qual o desencontro e a
não correspondência absoluta estarão sempre presentes,
limitando as possibilidades de satisfação, mantendo a
existência do desejo, a busca, a falta, o movimento próprio
da vida.

Na psicose, a célula mãe/bebê não foi rompida, portanto o bebê permanece


psiquicamente colado a essa mãe. Se, como afirma Steffen (1988, p. 55):
[...] o filho é para a mãe o reencontro absoluto do fálus,
e se na mãe já não preside mais a castração como lei de
interdição do incesto, então criança e objeto serão uma
coisa só e única coisa; ego e imagem estarão colados sem
nenhum distanciamento. A metáfora paterna não poderá
se processar na criança que se vê assim constituída como
objeto fálico, aprisionada para sempre no corpo materno; é
a estrutura psicótica que desse modo se implanta.

Se a existência do sujeito psicótico não é separada da mãe, isto é, se o sujeito


não se percebe como um corpo separado do dela, então o corpo da mãe nada mais
é que a própria extensão do seu corpo. Assim sendo, o sujeito permanece subme-
tido ao que Lacan (1999) chamou a “Lei da mãe”, uma lei não controlada, em que
o sujeito depende completamente do desejo da mãe, da sua boa ou má vontade,
subjugado aos caprichos dela.

A mãe tudo sabe sobre o filho e o filho nada sabe sobre seu desejo, já que
não há possibilidade de se reconhecer como ser desejante tragado que está no
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desejo do Outro (mãe). O Eu e o Outro são completos, visto que completam Um


ao Outro. Para que ocorra a separação entre o Eu e o Outro é necessário que a mãe
introduza a função paterna, caso contrário, como nos diz Ribeiro (2007, p. 123):
O que fica impedido é o acesso à condição de ser desejante,
que configuraria o sujeito como autônomo em seu desejo,
em relação ao outro. O desejo é vetado e a relação se
estabelece apenas no nível da demanda, que é entendida
mesmo antes de ser enunciada, reforçando a ideia de que
um e outro são apenas um único ser e se correspondem de
tal maneira que não existe espaço algum para a falta, a falha
e, consequentemente, para a busca.

Na psicose, em virtude desse não rompimento da célula narcísica, o sujeito


não se reconhece como unidade, mas como parte da mãe, o que faz com que ele se
veja como um corpo fragmentado, esfacelado. Como resume Ribeiro (2007, p. 122),
[...] corpo feito em pedaços, puramente orgânico, muscular,
apenas corpo na total dependência de um outro que o
mantenha unido segundo suas próprias leis. [...] Não há, para
esse sujeito, possibilidades de corpo inteiro, de unidade, de
ser um eu em correspondência com o que vê de si nos olhos
do outro. O corpo despedaçado está alienado da possibilidade
de servir como base para a constituição do eu.

Se a criança não reconhece a imagem no espelho como sua, se não há a


construção da “Imago do corpo próprio”, o Eu e a imagem se fundem e “se confun-
dem numa hipertrofia do registro imaginário (STEFFEN, 1988). Não há a constru-
ção do simbólico, e como o Eu para Lacan só pode ser constituído na articulação
dos três registros – real, imaginário e simbólico -, “o psicótico tentará, através da
alucinação e do delírio, produzir aquilo que falta em sua estrutura” (STEFFEN,
1988, p. 59).

Como na psicose, a metáfora paterna não se realizou e a castração não se


inscreveu, a consequência disso é que, segundo Quinet (2003, p. 106), o sujeito “se
encontra submetido a um gozo infinito, sem barreiras, sendo ele próprio o objeto do
gozo de Outro.” O Outro é puro gozo e o psicótico é submetido ao Outro que goza.

Em O Caso Schreber, Freud (1998) afirma que a paranoia é uma defesa con-
tra o desejo homossexual e deu o nome de projeção ao processo de formação de
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sintomas da paranoia. Segundo as palavras do autor: “Uma percepção interna é


suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo tipo de deformação, ingressa
na consciência sob a forma de percepção externa” (FREUD, 1998, p. 81).

Sendo a rejeição (Verleugnung), segundo Freud, o mecanismo de defesa da


psicose, o sujeito que rejeita a realidade procurará reparar a perda da realidade
com a criação de uma nova realidade por meio da construção delirante. Segundo
Ribeiro (2007, p. 140), o delírio:
Permite ao sujeito amarrar sua história segundo uma lógica
e uma coerência próprias, nas quais suas alucinações têm
um sentido, sua vida tem um propósito e o que quer que
venha do mundo, como provocação, dúvida ou incerteza
pode ser – mesmo que trabalhosamente – resolvido e
incorporado nessa cápsula que se formou, sem que a mesma
tenha que ser abalada.

Cromberg (2000) diz que Lacan não compactua da mesma ideia de Freud,
quando ele diz que a paranoia é uma defesa contra a homossexualidade, e sim, que
Lacan entende a paranoia como uma foraclusão (Verwerfung) do Nome-do-Pai.

Quinet (2003, p. 108) afirma que “Lacan propõe uma definição da paranoia
, identificando o gozo no lugar do Outro”. E acrescenta que esse Outro não barrado
pelo significante da castração, para paranoico, é um Outro consistente, isto é, ele
tem nome - é fulano de tal.

Na relação mãe-bebê, a criança está simplesmente entregue ao desejo ma-


terno. Essa relação, tal como a criança a vivencia e a percebe, é a primeira sim-
bolização que ela tem da mãe. No entanto, ao longo dessa relação, é chegado um
momento em que o bebê percebe que ele não é o único desejo da mãe, que há outra
coisa na mãe que não é satisfazer somente o desejo deste bebê (LACAN, 1999).
Para que o bebê seja inscrito na ordem simbólica, é necessário um corte nessa rela-
ção dual, é a função paterna que intervém, introduzindo a lei. Se a função paterna
falta, se há foraclusão do Nome-do-Pai, então, não há castração e, não havendo
castração, não há falta e, não havendo falta, não há desejo. O Eu e o Outro são
completos, isto é, eles se completam mutuamente. O bebê permanece completa-
mente assujeitado ao capricho da mãe, submetido ao desejo desse grande Outro.
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Conclusão: o psicótico torna-se para sempre objeto do desejo do Outro; não reco-
nhecendo a falta, ele não tem desejo próprio. Esta é a marca do sujeito psicótico:
não ter desejo, uma vez que permanece identificado com o objeto de desejo da
mãe. Portanto, como afirma Ribeiro (2007, p. 119-120):
[...] a psicose diz respeito à impossibilidade que o sujeito
tem de dizer algo sobre si mesmo em razão do lugar que
ocupa no discurso do outro. O eu só pode se constituir a
partir da linguagem e este constrói-se na dependência do
lugar atribuído a seu corpo.

Impossibilitado de uma existência própria, o delírio aparece como uma ten-


tativa de dar lógica à dinâmica psicótica, uma tentativa de dar unidade ao Eu. Um
Eu que, no narcisismo primário, é constituído a partir do que lhe é dado de fora,
do desejo da mãe que é carregado de idealização do bebê. Ribeiro (2007, p. 102)
diz que “o delírio cria uma realidade própria, singular e com ela o sujeito se põe em
relação”. E acrescenta:
A partir do momento em que o psicótico se vê instado a
responder ao mundo desde um lugar organizado ao redor de
um ponto central, tem início um movimento de arremedo,
de remendo segundo uma ordem que não é sua. Ou seja, a
construção de um delírio diz respeito a uma tentativa tosca
e mal-sucedida de o sujeito responder do lugar de que foi
convocado. Mas, como ele não pode responder de tal lugar,
sua resposta soa como simulacro. A função paterna falta
a partir do momento em que o psicótico deveria referir-
se a ela. Falta na sua função organizadora, de amarragem
(RIBEIRO, 2007, p. 126).

2.2 A foraclusão e o sinthoma

Sem o rompimento da célula narcísica, como visto, atesta-se para o sujeito


psicótico a ausência da metáfora paterna como função organizadora da relação do
sujeito com o simbólico. Para explicar essa ausência, Lacan, partindo do concei-
to de rejeição de Freud (Verleugnung), postula o conceito de foraclusão, palavra
oriunda do direito e que quer dizer “exclusão de um direito ou de uma faculdade
que não foi utilizada em tempo útil. A foraclusão, portanto, remete à noção de lei e
de sua abolição.” (QUINET, 2003, p.15)
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Como assinala Quinet (2003, p. 15):


[...] a foraclusão do Nome-do-Pai na psicose corresponde
no sujeito à abolição da lei simbólica, colocando em causa
todo o sistema do significante. A foraclusão do Nome-do-
Pai implica a não travessia da epopéia edipiana, uma vez
que o sujeito não é submetido à castração simbólica, não
havendo, portanto, possibilidade de a significação fálica
advir.

Para melhor entendermos a foraclusão, detenhamo-nos nos três tempos do


Édipo propostos por Lacan: no primeiro tempo, o bebê se identifica com o objeto
de desejo da mãe - o falo. A mãe é o Outro absoluto (Eu ideal) e, a função pater-
na, de acordo com Lacan (1999), aparece de forma velada sem, no entanto, deixar
de existir na realidade do mundo, uma vez que no pai reina a lei do símbolo. No
segundo tempo, o pai intervém na relação dual mãe, bebê como portador da lei,
como aquele que castra a mãe e o filho, objeto de seu gozo. É nesse segundo tempo
que a função paterna é introduzida ou, como diria Lacan, é a metáfora paterna que
aí se inscreve. Segundo as palavras de Souza Filho (1988, p. 81):
A metáfora paterna quer então dizer que em lugar da mãe o
Pai é colocado como significante: o significante Nome-do-Pai.
Para intervir na relação primordial mãe, filho, para dizer não a
ambos, o pai é levado a uma posição terceira, isto é, colocado
no lugar do Outro [lugar este, antes, ocupado pela mãe].

Se, no segundo tempo, o pai é aquele que priva a mãe do filho, no terceiro
tempo, o pai “intervém como aquele que tem o falo”, isto é, “o pai pode dar à mãe o
que ela deseja e pode dar porque o possui” (LACAN, 1999, p. 200).

O pai é aquele que separa, que impede o gozo absoluto, que impinge a falta
por meio da castração. A falta é uma falta simbólica, é a falta do objeto desde sem-
pre perdido, como dizia Freud, a que o sujeito passa a vida buscando na impossibi-
lidade de encontrá-lo. Essa falta é o que torna o sujeito desejoso, que o inscreve no
campo das identificações e das diferenciações dos sexos; que o tira da posição de
ser o falo para ter o falo, inserindo-o no registro do simbólico.

Afinal, sendo a função paterna realizada pela intervenção de um pai, que é


o pai para Lacan? Lacan qualificou o pai em três: o pai simbólico, o pai imaginário
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Da foraclusão do nome-do-pai: a leitura lacaniana de Schreber

e o pai real. Em seu seminário sobre a relação de objeto, Lacan (1995, p. 225), ex-
plicando o estatuto de cada pai, conjectura:
O pai simbólico, [...] é uma necessidade da construção
simbólica, que só podemos situar num mais-além, diria
quase que numa transcendência, pelo menos como um
termo que [...] só é alcançado por uma construção mítica.
[...].
O pai imaginário é aquele com quem lidamos o tempo todo.
É a ele que se refere, mais comumente, toda a dialética, a da
agressividade, a da identificação, a da idealização pela qual
o sujeito tem acesso à identificação do pai. [...].
O pai real é a uma coisa completamente diferente, do qual
a criança só teve uma apreensão muito difícil, devido
à interposição de fantasias e à necessidade da relação
simbólica.

Na psicose, sabemos que a função paterna é foracluída. Se o pai não opera


o corte na célula mãe/bebê, não há castração que se efetive, produzindo o rompi-
mento na relação imaginária entre mãe e filho. O pai real falha como agente cas-
trador, deixando de produzir “um ‘ato simbólico’, em que o agente é algo do real e
o objeto é imaginário” (SOUZA FILHO, 1988, p. 88).

O pai simbólico não emerge se o pai real falha, e assim não há lei que se
enuncie, permanecendo o sujeito psicótico submetido ao desejo da mãe, identi-
ficado com o objeto fálico materno, barrado da entrada ao universo simbólico. A
função do pai falha enquanto função simbólica; como consequência, os significan-
tes ficam soltos na cadeia, sem significação própria.

É o significante Nome-do-Pai que marca a entrada do sujeito no mundo


simbólico, que o permite dar significações aos seus significantes, que o permite a
entrar na linguagem (QUINET, 2003). É ele que faz a articulação entre o significan-
te primordial (S1) e os demais significantes na cadeia.

Como define Lacan (1979, p. 197): “[...] um significante é o que representa


um sujeito para um outro significante,” Logo, é no intervalo entre dois significantes
que se situa o sujeito.
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Segundo Sobral (p. 2482), o significante Nome-do-Pai é aquele:


[...] que vem instaurar no sujeito a lei que ordena seu mundo,
operando a função da castração e introduzindo o sujeito na
neurose. No entanto, para o sujeito psicótico, no momento
em que deveria surgir este significante que abre o leque às
significações diversas, o Nome-do-Pai não funcionou [...].
No momento da instauração de uma lei, a lei da linguagem,
que vem inserir o desejo ao sujeito, tal lei prescreveu. Foi
suplantada sem precedentes, por uma recusa absoluta,
e o significante ordenador de gozo, Nome-do-Pai, ficou
foracluído, fora do registro simbólico.

O sujeito de Lacan, sendo determinado pela linguagem e pela fala, segundo


Quinet (2003, p. 15), “[...] não pode deixar de lidar com o universo simbólico e é
na relação com o significante que se situa o drama da loucura”.

Lacan (1998, p. 582) em De uma Questão Preliminar a todo Tratamento Pos-


sível da Psicose, nos diz que: “É num acidente desse registro e do que nele se realiza,
a saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metá-
fora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição essencial
[...].” Essa falha corresponde à impossibilidade de simbolização. O que sucede, se-
gundo Lacan (2008, p. 22), é que: “[...] tudo o que é recusado na ordem simbólica,
no sentido da Verwerfung, reaparece no real”.

Com essa afirmação, Lacan vai ao encontro com as conclusões de Freud


(1998) sobre o mecanismo da projeção na paranoia em seu texto sobre o caso
Schreber, no qual o autor afirma que não estava certo dizer que a percepção abolida
internamente fosse projetada para o exterior, e sim, pelo contrário, que aquilo que
foi internamente abolido retorna do lado de fora.

Calligaris (1989, p. 52) salienta: “Quando falamos de volta no Real do que


está foracluído, estamos falando de volta no Real de um lugar e de uma função que
não fazem parte da organização psicótica do sujeito”.

Para Lacan (1999) o real que reaparece se trata da alucinação, ou seja, do


Outro enquanto falante, como lugar da fala.
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Da foraclusão do nome-do-pai: a leitura lacaniana de Schreber

Lacan (1998, p. 584) assinala, ainda, em De uma Questão Preliminar a todo


Tratamento Possível da Psicose:
Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-
do-Pai, verworfen, foracluído, isto é, jamais advindo no
lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica
ao sujeito.
É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que
abre no significado, dá início à cascata de remanejamentos
do significante de onde provém o desastre crescente do
imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante
e significado se estabilizam na metáfora delirante.

Na impossibilidade de habitar uma realidade consistente, uma realidade


alinhavada pela fluência de uma cadeia significante que dê margem, contorno ao
sujeito, o delírio emerge como uma “construção defensiva [...] para escapar à ame-
aça de ser engolfado pelo gozo do Outro” (SOUZA, 1999, p. 66).

Na posição que o sujeito psicótico ocupa de objeto de gozo do Outro, em


em seus estudos sobre o caso Schreber, Freud (1998, p. 81) apresenta os tipos de
delírios da paranoia : “Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa
transformação de afeto; o que deveria ter sido sentido internamente como amor
é percebido externamente como ódio”. No delírio de ser amado (erotomania), a
afeição não é iniciada com a “percepção interna de amar, mas por uma percepção
externa de ser amado” (FREUD, 1998, p. 78). No delírio de ciúme, o sujeito atribui
ao outro uma afeição que é sua. E por fim, o delírio de grandeza que é “uma super-
valorização sexual do ego” (FREU, 1998, p. 80).

Em todos os delírios apresentados por Freud, com a exceção do delírio de


grandeza (megalomania), “é em torno do Outro que se organiza toda a existência
do sujeito” (QUINET, 2003, p. 110).

Na tentativa de se constituir sujeito, de “ser um sujeito que significa”,


como pontua Ribeiro (2007), e não mero objeto de demanda do Outro, Freud
(1998, p. 87) afirma que: “A formação delirante, que presumimos ser o produto
patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de
reconstrução”.
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Em 1996, em Neurose e Psicose, Freud (1996, p. 169) acrescenta, ainda, que:


“[...] o delírio se encontra aplicado como um remendo no lugar em que original-
mente uma fenda apareceu na relação do ego com o mundo externo”.

A essa ideia de Freud, do delírio como remendo, Ribeiro (2007, p. 138)


complementa:
Pensar no delírio como remendo nos permite entendê-lo
como portador de um sentido, não apenas na acepção de
significado – o que é possível ao entendê-lo como sintoma
-, mas também na de finalidade. Ele se dirige a um lugar,
aparece como resultado de um processo que busca construir
o que não foi possível anteriormente, o que ficou inexistente,
com os recursos que o sujeito disponha para fazê-lo.

Se para Freud, a questão da psicose é relativa à perda da realidade (e a um subs-


tituto da realidade), para Lacan se trata da ordem simbólica (SOUZA FILHO, 1988).

Segundo Souza (1999, p. 51), o sujeito psicótico é presa permanente da an-


gústia. Como destaca a autora, essa angústia é:
Uma angústia difusa, invasiva, não raro paralisante, que o
inunda com o sentimento de não ser mais um corpo, no que
um corpo tem de real. Uma angústia que condena à inércia,
uma das figuras primárias do gozo e que o reduz a seu ser
objetal. Uma angústia só mitigada ao preço do trabalho
forçado e ininterrupto de leitura e decifração do mundo, um
mundo reduzido a signos e hieróglifos do desejo do Outro.
Uma angústia só abrandada ao preço do delírio.

Para termos uma compreensão melhor do delírio como produção psicótica,


como uma elaboração do sujeito para viver melhor num mundo ordenado pelo
significante Nome-do-Pai, entendamos como o saber na psicose se constrói, uma
vez que não existe uma referência a um sujeito suposto saber (função paterna), mas
um saber que lhe é próprio.

O saber psicótico, diferentemente do saber neurótico, que é organizado ao


redor de um ponto central da função paterna, organiza-se sem referência central.
Não há um ponto de amarragem, que Lacan denominou de ponto de estofo, que
ligue significante ao significado (CALLIGARIS, 1989).
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Embora no saber psicótico a função centralizadora dos significantes esteja


foracluído, não quer dizer que é, por isso, um saber em que os significantes foram
foracluídos. Segundo Calligaris (1989, p. 54):
O que está foracluído é a função; por isso trata-se de um saber
organizado de outra forma, mas os significantes edípicos e
paternos estão em algum lugar neste saber. E é evidente que
qualquer psicótico pode falar de sua constelação edípica,
isto não é algo inacessível para ele. O que é inacessível é a
organização do seu saber ao redor dessa função.

O saber psicótico é um saber sem pai, e como não há um sujeito suposto sa-
ber, o sujeito psicótico constrói um saber que lhe é particular, como nos diz Souza
(1999, p. 83): “Um saber original – relativo à origem e inédito – avesso ao consenso,
inusitado”. Calligaris (1989) complementa Souza, ao dizer que, ao sujeito, cabe a
tarefa de sustentar esse saber. E ele só pode sustentar esse saber com a sua certeza
egoica. Souza (1999, p. 84) acrescenta mais: “É a certeza que faz do saber delirante
um saber suficiente. Suficiente, compacto, sem falha e certo. Uma tal certeza que
advém ao psicótico como intuição, como uma experiência imediata do real, é a
marca registrada que singulariza seu saber”.

A significação do sujeito psicótico não é uma significação fálica, visto que


não há uma função paterna que organize o saber no registro do simbólico. Não há
um ponto -de-estofo entre significante e significado. Lacan (2008, p. 312) destaca
que: “[...] na experiência psicótica, o significante e o significado se [apresentam]
sob uma forma completamente dividida”.

Segundo Dor (1992, p. 39):


Para Lacan, o ponto-de-estofo é, antes de mais nada, a
operação pela qual ‘o significante detém o deslizamento, de
outra forma indeterminado e infinito, da significação’. Em
outras palavras, é aquilo por meio do qual o significante se
associa ao significado na cadeia discursiva.

O delírio é a tentativa de construir uma metáfora paterna, buscando dar


significação a um saber desordenado, sem lei, sem limite, infinito. O delírio pode
ser considerado uma saída para se defender de um Outro que o invade. O Outro,
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dele tudo sabe; e o sujeito se encontra, assim, submetido a um saber absoluto, oni-
potente, que o devasta, que o desagrega, que o degrada, que o despedaça.

Só é possível dar significação ao mundo, se o sujeito está inscrito no mundo


simbólico, e como o sujeito psicótico funciona no registro imaginário, uma vez
que o Nome-do-Pai foi foracluído na psicose, o delírio vem para suprir essa falta.
Como afirma Quinet (2003, p. 25): “A metáfora delirante é o significante que, tal
como o Nome-do-Pai, tem função de ponto-de-basta [ou ponto-de-estofo], indu-
zindo efeitos de significação. Ela introduz uma ordem no significante, permitindo
ao sujeito psicótico ter acesso à significação, não fálica”.

Se não há para o sujeito psicótico um referencial simbólico que o inscreva


no mundo, devido à foraclusão do significante Nome-do-Pai, responsável pela li-
gação entre o significante e o significado e, segundo Quinet (2003), por dar signifi-
cação aos seus significantes, Paulino (2006, p. 06) destaca que: “O delírio é pensado
como uma metáfora que faz suplência àquela que não se instalou. A suplência é de
significantização”.

O sujeito psicótico constrói uma metáfora delirante equivalente à metáfo-


ra paterna, para sustentar sua existência num mundo estruturado pelo símbolo.
Como nos diz Lacan (2008, p. 144): “um delírio deve ser julgado em primeiro lugar
como um campo de significação que organizou um certo significante [...]”.

A partir de James Joyce, Lacan, segundo Quinet (2003), conjectura a pos-


sibilidade de outros significantes ocuparem a função paterna como suplência do
Nome-do-Pai. No que ele propõe que ao nó borromeano formado por três anéis
- correspondendo cada um deles ao registro do Simbólico, do Imaginário e do Real
- se acrescente um quarto anel que mantém os demais unidos e que ele denominou
de sinthoma. Lacan (2007) apresenta o seguinte esquema:
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Figura 1: O nó borromeano de três e o nó borromeano de quatro anéis, ligado pelo sinthoma

O quarto anel, o sinthoma, equivale ao pai. Nas palavras de Lacan (2007, p.


21): “o pai é um sintoma, ou um sinthoma, se quiserem. Estabelecer o laço enig-
mático do imaginário, do simbólico e do real implica ou supõe a existência do
sintoma”.

A suplência é, justamente, segundo Lacet (2004), a tentativa de que o quarto


anel, que Lacan denominou de sinthoma, mantenha R, S, I unidos.

Segundo Souza Filho (1988, p. 85): “O sinthoma corresponde então um ele-


mento a mais, caracterizado por uma condição lógica pré-borromeana, que exerce
suplência e compensa a carência do Pai”.

O sintoma como sinthoma surge a partir do interesse de Lacan pela escrita


da obra de James Joyce, que faz com que o autor, segundo Rinaldi (2006, p. 79):
Conceba uma outra amarração possível, para além do
Nome-do-Pai. Sua hipótese é de que a arte de Joyce supriu
sua sustentação fálica - partindo da suposição de que houve
neste caso uma foraclusão de fato – permitindo uma outra
amarração do nó, que não pelo Nome-do-Pai.

Julien (1999) destaca que, segundo Lacan, a diferença está em ter ou ser o
sintoma: na neurose, o quarto anel é da ordem do ter um sintoma; enquanto que na
psicose há uma tentativa de ser o sintoma. Se a tentativa de ser o sintoma funciona,
não há delírio; caso contrário, é o delírio. Joyce conseguiu por meio da escrita ser o
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sintoma, impedindo-o, segundo as palavras de Quinet (2003), que ele submergisse


na loucura.

Joyce conseguiu mediante sua arte de escrever “fazer-se um nome” no


público. O sintoma como o quarto anel, que dá consistência ao nó borromeano,
“fazendo-se um nome próprio” (JULIEN, 1999). É como assinala Harari (2002, p.
280): “O nome próprio, então, permite prescindir do Nome-do-Pai”. A arte é para
Joyce suplência do pai; ela ocupa o lugar de “Nome-do-Pai foracluído do simbóli-
co”, como diria Quinet (2003).

Lacan (2007, p. 91) assinala: “Joyce tem um sintoma que parte do fato
de que seu pai era carente, [...]. Centrei a coisa em torno do nome próprio, e
pensei que [...] ao se pretender um nome, Joyce fez a compensação da carência
paterna”.

Segundo Sobral (p. 2483), escrever pode ser uma forma de afastar o gozo
do Outro que invade o sujeito psicótico. Segundos suas palavras, escrever é: “Um
ato, onde o sujeito tenta produzir uma borda, uma contenção. Um contorno ao
ilimitado do corpo. Ao escrever, inscreve-se ali um sujeito”.

Chatel de Brancion (1996 apud OCARIZ, 2003, p. 141) pontua a diferença


entre sintoma e sinthoma, afirmando que: “O sintoma mórbido tem a estrutura de
uma metáfora que vem suprir a metáfora do pai. Em contrapartida, o sinthoma é
da ordem da invenção; ele compensa a carência do pai.”

Entendemos, portanto, o sinthoma, tal como construiu Joyce, como suplên-


cia, e a metáfora delirante, segundo Lacet (2004, p. 245), como aquela que “meta-
foriza a função paterna foracluída”, isto é, a metáfora delirante emerge para ocupar
o lugar onde a metáfora paterna fracassou.

Se na psicose, o significante simbólico está foracluído, “o Real emerge ple-


namente em sua condição de estar fora do processo de significação”, sendo assim,
o sujeito fica “impossibilitado de usar da linguagem em sua dimensão simbólica.”
(SOUZA FILHO, 1988, p. 98). Isso significa dizer que sem um ponto-de-estofo que
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amarre os significantes, de modo a deslizarem numa cadeia produzindo significa-


ção, o que acontece ao sujeito psicótico, segundo Lacet (2004, p. 248), é uma “rup-
tura na coerência interna do discurso, às vezes, ocasionada pela falta de conexões
[...].” Essa falha, segundo a autora:
É observada na fala e na escrita dos psicóticos, por meio
de neologismos, frases interrompidas, maneirismos na
disposição da escrita, reiteração de letras, palavras e
símbolos. Na psicose, palavra e coisa se confundem; as
palavras ganham substância, textura, tornam-se coisas que
afetam, invadem o corpo (LACET, 2004, p. 248).

Sendo o simbólico o campo da palavra, o sujeito psicótico tem como con-


sequência da foraclusão do significante primordial – Nome-do-Pai – uma alte-
ração na sua relação com a linguagem. Lacan (2008, p. 113) destaca: “Para que
estejamos na psicose, é preciso haver distúrbios de linguagem”. E acrescenta: “É o
registro da fala que cria toda a riqueza da fenomenologia da psicose, é aí que ve-
mos todos os seus aspectos, as suas decomposições, as suas refrações” (LACAN,
2008, p. 48).

Para Lacan, segundo Souza (1999, p. 92), o delírio é a “solução elegante


onde as palavras, num recurso de estilo, transformam o caos significante, turbilhão
sonoro de signos vazios de sentido, num mundo ordenado por uma nova signifi-
cação”.

3 O caso Schreber sob o olhar lacaniano


[...] só não tenho dúvida, de que cheguei infinitamente
mais perto da verdade do que os outros homens, que não
receberam as revelações divinas.
Daniel Paul Schreber

Foi a partir do caso Schreber que Lacan melhor elaborou sua concepção
acerca da psicose e teorizou a noção de Nome-do-Pai. Foi no discurso delirante
de Schreber que, segundo Nasio (2001, p. 59), Lacan “encontrou respaldo para sua
teoria da função simbólica”.
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Lacan focou seu estudo sobre Schreber nos fenômenos da fala, uma vez
que, como afirma Kaufmann (1996, p. 191): “o simbólico está na fala como efeito
de um sujeito”.

Em Schreber, vemos todo um tratamento singular da linguagem em que a


construção do delírio emerge, segundo as palavras de Nasio (2001, p. 52), como
“uma tentativa de dar sentido a uma experiência de desmoronamento”.

A grande crise que veio sistematizar o delírio de Schreber aconteceu depois


de ser nomeado presidente da Corte Suprema em que se vê diante da situação de
ter que liderar homens mais experientes que ele. A função que cabe a Schreber
exercer é similar à função paterna. Daí de onde ele foi convocado a assumir uma
posição de autoridade, falta-lhe um significante do qual ele não dispõe – a função
paterna – levando-o ao desencadeamento da crise psicótica. Calligaris (1989, p.
35) afirma:
[...] o desencadeamento de uma crise é relativo a uma
injunção. Alguma coisa chega a injunger ao sujeito ao
referir-se a uma função paterna. [...], [o que significa dizer],
organizar-se como sujeito e obter sua significação de sujeito
em relação a uma amarragem fixa, central, que organizaria
seu saber.

No momento em que Schreber é chamado a responder no lugar de um sig-


nificante do qual ele não teve acesso, “alguma coisa vem falar no Real”. Calligaris
(1989, p. 37) assinala que:
Os significantes evocados pela injunção falam no Real,
porque a função mesma que eles são chamados a ocupar
não está simbolizada pelo sujeito. Não está simbolizada
quer dizer que o saber dele não estava orientado ao redor de
uma função paterna central.

O delírio de Schreber começa com a fantasia de ser mulher. Ele afirma


que “deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.”
(FREUD, 1998, p. 14). Como ressalta Lacan (2008), Schreber não simbolizou ne-
nhuma forma do feminino. Assim, em um momento de sua existência, irrompeu
no Real algo da ordem que ele nunca conheceu.
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Como já sabemos, a castração é fundamental para a constituição do sujeito.


A sexualidade só pode ser definida se o sujeito passa pelo Édipo e se reconhece
como aquele que tem o falo, depois de descobrir que ele não o é. Como destaca
Souza (1999, p. 11):
O falo, em sua vertente simbólica, exerce a função de
partilhar e alinhar os sexos, inserindo-os no registro do
simbólico como homem ou mulher, no que essa partilha
implica posições masculina e feminina, virilidade e
feminilidade, irredutíveis às contingências anatômicas da
diferença sexual.

O delírio de ser transformado em mulher de Deus com a finalidade, se-


gundo Schreber citado por Freud (1998, p. 24), “de que uma nova raça de homens
pudesse ser criada”, está relacionado, segundo Calligaris (1989, p. 38):
[...] com a procura de uma significação sexuada, ou seja, com
o que pode ser esperado, em primeiro lugar, da construção
de uma metáfora paterna – que nunca será verdadeiramente
uma metáfora paterna, que será delirante na medida em que
a função paterna sempre manter-se-á no Real.

Lacan (1998, p. 572), a respeito do delírio de Schreber de se tornar mulher,


assinala: “[...] na impossibilidade de ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução
de ser a mulher que falta aos homens”. Anos depois, em As Psicoses, Lacan (2008,
p. 294) acrescenta o seguinte: “O desenvolvimento do delírio [de Schreber] expri-
me que não há para ele nenhum outro meio de realizar-se, de afirmar-se como
sexual, senão admitindo-se como uma mulher, como transformado em mulher. É
o eixo do delírio.”

Com a foraclusão do Nome-do-Pai, a relação com o Outro fica compro-


metida, já que não ocorre a inscrição desse significante no Outro. Como afirma
Quinet (2003, p. 31): “O Outro como portador da lei está excluído na psicose e o
sujeito se vê confrontado com o Outro absoluto que manda no sujeito”.

Na psicose o sujeito fica à mercê dos imperativos deste Outro, que faz do
sujeito, objeto de seu gozo. Esse Outro, não barrado na psicose, fala. Segundo
Souza (1999, p. 84), “fala, grita, impõe a sua voz, interpela o sujeito. Acossa-o com
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observações e comentários de seus pensamentos, palavras e atos; decreta ordens,


juízos e condenações; brada injúrias que aviltam o sujeito em seu ser e, eis o pior,
goza.”

As vozes dirigem-se e invadem permanentemente Shereber. Falam com ele,


o Sol, as árvores, os “Raios de Deus” que o zombam e os “pássaros miraculados”
que não param de repetir ‘frases sem sentido’, que aprenderam de cor” (FREUD,
1998). As vozes que falam, falam o que “Schreber chama a língua fundamental, e
que é afirmado como uma espécie de significante particularmente pleno”, segundo
Lacan (2008, p. 297). Essas vozes são o que se chama de alucinação, que Lacan
(2008, p. 297) define como algo “que surge no mundo exterior, e se impõe como
percepção, um distúrbio, uma ruptura no texto do real. Em outros termos, aluci-
nação está situada no real” (p. 161).

Quanto às vozes que não cessam de falar a Schreber, Nasio (2001, p. 60)
assinala:
É a fala que liga Schreber a uma forma de realidade,
por mais perturbada que seja. [...]. É Deus quem fala.
Quando a fala pára, Schreber se confronta com o vazio,
com o horror, é “deixado largado”. Largado pelo Outro,
ele não é mais nada. O Outro da linguagem aparece aqui
como tal.

Quinet (2003, p. 36) complementa: “Quando Deus se afasta, levando consi-


go o palavrório fastidioso, produz-se em Schreber o ‘milagre dos urros’ [...] quando
o Outro o abandona, deixando-o para lá, produz-se uma verdadeira decomposição
do significante.”

Lacan (2008) afirma que, quando Deus em Schreber recua, o sujeito viven-
cia sensações muito dolorosas, daí o urro que representa uma tentativa de negar
a fragmentação do corpo. Nas palavras do autor: “[...] cada vez que se interrompe
a relação, que se produz a retirada da presença divina, eclodem todas as espécies
de fenômenos internos de dilaceramento, de dor, diversamente intoleráveis” (LA-
CAN, 2008, p. 151).
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Da foraclusão do nome-do-pai: a leitura lacaniana de Schreber

No início do seu delírio, Schreber vivencia uma total fragmentação subje-


tiva. Queixava-se de amolecimento do cérebro, acreditava estar morto e em de-
composição. Schreber vivenciou percepções e alterações da experiência do corpo,
como no período em que, segundo nos cita Freud (1998, p. 19) “viveu por longo
tempo sem estômago, sem intestinos, quase sem pulmões, com o esôfago rasgado,
sem bexiga e com as costelas despedaçadas; costumava, às vezes, engolir parte de
sua própria laringe com comida etc.”

Em um segundo momento, Schreber se reorganiza subjetivamente ao aceitar


a emasculação, isto é, ser transformado em mulher, na mulher de Deus. Schreber
escreve:
Agora, contudo, dei-me claramente conta de que a Ordem das
Coisas exigia imperativamente a minha emasculação, gostasse
ou não disso pessoalmente, e que nenhum caminho razoável
se abre para mim exceto reconciliar-me com o pensamento
de ser transformado em mulher. A outra conseqüência de
minha emasculação, naturalmente, só poderia ser a minha
fecundação por raios divinos, a fim de que uma nova raça de
homens pudesse ser criada (FREUD, 1998, p. 23-24).

Diante de um mundo em ruínas, Schreber reconstrói seu mundo subjetivo


por meio do delírio, buscando dar uma nova significação à nova realidade por ele
recriada. Segundo Souza Filho (1988, p. 99):
[...] esta reconstrução serve para aplacar os fenômenos
psicóticos. Ela não tem um sentido comum, uma significação
fálica, mas é como se tivesse, pois ao se articular nesse
discurso delirante, possibilita “sedar” a psicose, constituído
o que se chama de metáfora delirante.

Lacan (2008) conjectura que o delírio é mais sofrido para o sujeito quanto
mais ele não o organiza. É, justamente, quando Schreber aceita a emasculação que
seu delírio se estabiliza. Quinet (2003, p. 43) acrescenta: “A Mulher enquanto No-
me-do-Pai tem a função de amarração, de ponto-de-basta, permitindo ao sujeito
[à Schreber] dar significação aos seus significantes e daí reconstruir o mundo por
intermédio da significação delirante.”
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4 Conclusão
Compreendemos a psicose como um modo que o sujeito encontra para
estruturar sua existência, como uma possibilidade de se organizar no mundo.

A estruturação do sujeito psicótico, já definido por Freud, é uma estru-


turação de defesa contra o que Calligaris (1989) chama de a “Demanda ima-
ginária do Outro”, tal como ocorre na neurose. No entanto, o sujeito psicótico
tem uma organização diferente do neurótico, porque, para ele, não há um saber
suposto num Outro, o que faz com que ele tenha que construir um saber que
lhe é próprio e que por ele possa ser sustentado.

Como sabemos, Lacan concebe o inconsciente estruturado como lin-


guagem; portanto, na psicose, assim como na neurose, segundo as palavras de
Quinet (2003, p. 04) “trata-se da estrutura da linguagem, ou melhor, da relação
do sujeito com o significante.” Sendo assim, uma contribuição fundamental de
Lacan para a compreensão da psicose é a foraclusão do significante Nome-do-
-Pai, significante que insere o sujeito no mundo simbólico. A foraclusão desse
significante implica num modo particular que o sujeito encontra de se relacio-
nar com o mundo, organizando-se de uma forma diferente do neurótico, para
ter que lidar com um furo no simbólico deixado pela não inscrição da metáfora
paterna, que permite ao sujeito a partilha dos sexos e a organização de seus
significantes em torno de uma amarragem central, denominada por Lacan de
ponto-de-estofo.

Sem um ponto de ancoragem que sustente a sua existência, o psicótico


reconstrói seu mundo por meio do delírio. Freud foi o primeiro a compreender
o delírio como uma tentativa de cura. Cura não no sentido de tornar o psicóti-
co em um neurótico, e sim, no sentido de restabelecer psiquicamente o sujeito
de uma dor que lhe é insuportável, permitindo a construção de uma nova rea-
lidade que lhe seja possível viver. Resende e Castelo Branco Filho (2004, p. 95)
condensam bem a idéia de delírio, tal como a concebemos:
[...] é uma tentativa de reorganização do funcionamento
mental do indivíduo; é um esforço que o aparelho
psíquico do sujeito realiza no sentido de lidar com a
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desorganização vivenciada pelo sujeito. A realidade que


se impõe ao sujeito é tomada como intolerável, exigindo
a construção de uma nova realidade onde encontre um
espaço para si.

No entanto, nessa reconstrução haverá sempre um buraco, um vazio de eu,


como nos diz Ribeiro (2007). Na psicose, o sujeito está em permanente reconstru-
ção da realidade para responder ao mundo que não para de lhe indagar, portanto,
está em constante estado de tensão, aprisionado em si mesmo, em busca de sentido
para sua existência. Cada vez que o sujeito é convidado a ocupar um lugar por ele
não simbolizado (o da função paterna), isso lhe acarreta sofrimento. Esse é um
processo inevitável e paradoxal, já que o mesmo caminho que leva à cura, gera
sofrimento.

A proposta de Lacan, de um quarto anel que amarre os três anéis do nó


borromeano é uma invenção de suplência à função paterna e que mantém os três
registros (Simbólico, Imaginário e Real) atados. Esse quarto anel é o que Lacan
chama de sinthoma, que para Joyce, como foi apresentado, é sua escrita, sua arte.
Joyce encontrou um meio de suprir a carência do pai, fazendo um nome próprio,
prescindindo do significante Nome-do-Pai. O sinthoma é uma criação do sujeito
para lidar com o Outro que dele goza, como tentativa de barrar o gozo do Outro
que o invade.

O sinthoma, assim como o delírio, é um recurso que o sujeito psicótico


encontra para dar contorno, sentido a sua existência. É um modo que o sujeito
encontra de existir no mundo, um modo particular de viver uma realidade em
constante recriação. Como bem resume Lacan (2008, p. 24): “não se torna louco
quem quer”.

From name-of-the-father foreclosured: a lacanian interpretation of


Schreber

Abstract
This article circumscribes the delirium’s function in psychosis, starting
from Lacan’s concept of foreclosure to understand the construction of the delirious
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metaphor that arises to fill in where the paternal metaphor failed. As the Name-
-of-the-father foreclosured, the subject fells invaded by the Other that knows all
about him; this Other is not blocked, consistent and maintains the subject in the
position of object of joy. To defend himself, the psychotic subject creates a wisdom
of its own that is sustained by an absolute certainty. Without a quilting point that
binds a signifying chain, is thru delirium that the subject tries to give signification
to the signifiers loose in the chain. The aim of this article is to make a lacanian in-
terpretation of Schreber from the stand point of foreclosure and name of the father.

Keywords: Psychosis. Delirium. Lacan. Schreber’s case.

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