A Constituição Do Sujeito Na Psicanálise
A Constituição Do Sujeito Na Psicanálise
A Constituição Do Sujeito Na Psicanálise
Luciane Sbardelotto1
Daniele Ferreira2
Maria Ines Luzzi Peres3
Ana Maria Moreno de Oliveira4
corpo é enganosa, imaginária (QUINET, 2012). precisa ser superado, dando espaço a um pro-
Essa relação imaginária é chamada de cesso chamado de separação, no qual acontece
relação dual, é demarcada pela percepção de uma tentativa de o sujeito se separar do Outro,
um dentro e um fora, uma consciência que logo sair da posição de objeto do desejo do Outro
se perde. O que caracteriza a relação dual não é e passar a condição de sujeito desejante (LA-
uma relação entre dois sujeitos, mas sim a não CAN,1964).
distinção entre o que de si mesmo e do outro. A No registro imaginário, a falta é como se
sensação de domínio e completude do bebê é “não existe”, existe uma relação de completu-
ilusória, pois o narcisismo não é simplesmente de entre o eu e o objeto. Para que haja falta é
uma relação consigo mesmo, mas uma relação necessário a entrada no registro simbólico, pois
consigo mesmo através do outro com o qual ele sem falta não há desejo e sem desejo não há
se identifica e se aliena. O momento do narci- sujeito (MELLO, 2007).
sismo primário é o momento da alienação do Eu
(GARCIA-ROZA, 2009). 2 A SEPARAÇÃO E O GRANDE OUTRO: RE-
A identidade assumida no Estádio do GISTRO DO SIMBÓLICO
Espelho é uma identidade alienante, o Eu tem
uma ilusão de autonomia, captado pelo desejo O simbólico é um conceito na psicanálise
do outro o Eu se desconhece, se perde no outro. que se baseou nos estudos de Lévi-Strauss em
A alienação é um véu que mascara a falta dos que ele diz que:
dois sujeitos, sendo assim o que se liga de um
no outro é a falta de cada um (LACAN, 1964). [...]a cultura é um conjunto de sistemas sim-
O processo de alienação é necessário bólicos e que esses sistemas simbólicos não
para a constituição do sujeito, pois o despedaça- são constituídos a partir do momento em que
mento do corpo, a falta de sentido, só é vencida traduzimos um dado externo em símbolos,
mas, ao contrário, é o pensamento simbólico
por meio do investimento de um Outro no bebê
que constitui o fato cultural ou social. só há
(ELIA, 2010). Lacan (1964b, p. 205) faz uso da social porque há o simbólico. Esse simbólico,
dialética do escravo para explicar essa importân- Lévi-Strauss identifica-o como a função sim-
cia do processo de alienação, sendo que “não bólica ou, o que vem a dar no mesmo, com
há liberdade sem a vida, mas não haverá para as leis estruturais do inconsciente.” (GAR-
ele vida com liberdade”; ainda usa o termo “não CIA-ROZA, 2009, p. 175).
há algo ... sem outra coisa”. Nessa dialética de
senhor e escravo é que bebê e mãe completam, A entrada na dimensão simbólica se dá
se alienam. A imagem da criança unificada esca- por meio da cultura. O bebê não possui a prin-
moteia a falta e o despedaçamento originário do cípio uma estrutura de linguagem, uma rede de
sujeito. A alienação não é percebida pelo sujeito signos que o possibilite a comunicação, esta
mas ela causa efeitos, o outro vira um intruso, rede necessita ser estruturada. É o Outro, que
que invade e rivaliza com ele (QUINET, 2012). pode ser a mãe a princípio, quem enviará seus
O momento da alienação, o momento em significantes ao bebê. É na relação entre sujeito
que o bebê aceita a posição de “escravo” é o e estrutura simbólica que advém o Outro, o su-
momento em que o bebê assume a posição de jeito do inconsciente (MELLO, 2007).
objeto do Desejo da mãe devido a identificação Cabe salientar que nessa relação com o
com a falta dessa mãe. Isso confere o caráter de Outro onde, por meio da linguagem, os signifi-
Desejo imaginário, alienado no outro (MELLO, cantes vão sendo inscritos no sujeito, o sujeito
2007). A alienação é como um “véu”, véu que não é passivo, ou seja, “O significado dado ao
mascara a falta, na alienação o bebê não tem encontro com o Outro depende, portanto, do
falta, a fata é mascarada. Na alienação quem significante, é dele subsidiário, mas não é por
deseja é o Outro e não o sujeito. Para que o ele totalmente determinado, exigindo o trabalho
sujeito emerja se faz necessário o processo de de significação que é feito pelo sujeito.” (ELIA,
separação, é preciso se separar do Outro para 2010, p. 42).
se constituir o próprio desejo, mesmo que este Quando se fala em sujeito para a psica-
desejo seja o desejo do grande Outro (MURA- nálise trata-se do sujeito do inconsciente, sujeito
NO, 2006). dividido ou sujeito barrado. O sujeito é o que um
Assim, a alienação é um processo que significante representa para outro significante,
ou seja, uma coisa só é uma coisa em relação a (WISNIEWSKI, 1989b). Essa operação de se-
algo (WISNIEWSKI, 1989a). paração diz da entrada da Lei do Pai pode ser
O que gera a significação é a articulação explicada por meio da vivência do Complexo de
entre significantes que ocorre no inconsciente, Édipo que se dá em três tempos.
no Outro, sendo que o inconsciente, baseado no Lacan divide o édipo em três tempos:
descrito acima sobre o conceito de simbólico: o primeiro tempo tem como característica uma
relação dual com a mãe; o segundo tem como
[...] é uma lei de articulação e não uma coisa característica a inserção do pai na relação e o
ou um lugar onde essa articulação se dá. As- advento do simbólico; o terceiro é marcado pela
sim sendo, a cisão produzida na subjetivida- identificação com o pai e início da dissolução do
de pela psicanálise não deve ser entendida édipo ou declínio (GARCIA-ROZA, 2009).
como a divisão de uma coisa em dois peda-
ços, mas como uma cisão de regimes, de for-
mas, de leis.” (GARCIA-ROSA, 2009, p.174). 2.1 PRIMEIRO TEMPO DO ÉDIPO
seres humanos, é essa posição em que a crian- uma mulher que não tem o falo e, justamente
ça é colocada que proporciona a humanização. por isto, vai buscar em um homem, e não no
A criança tem que ser o falo da mãe para que filho, o que ela não tem (JORGE & FERREI-
se inscreva no simbólico (JORGE& FERREIRA, RA, 2005, p. 54).
2005).
Na relação com o Outro para a satisfa- Aceitar sua própria castração, isso faz
ção das necessidades o corpo do bebê, vai sen- com que a onipotência da mãe seja transferida
do erogenizado e algo além da satisfação entra para o pai que passa a ser quem possui o falo
em jogo, é o prazer. A necessidade passa então imaginário (o Dom). O filho tem de saber que ele
a se transformar em uma demanda endereçada não é o objeto de desejo da mãe, que a mãe de-
ao Outro que é de amor. A demanda é de amor seja o pai, e é a mãe quem deve demonstrar isso
por que o objeto da satisfação se perdeu na pri- ao bebê, dizendo, mostrando, ou seja, por meio
meira experiência de satisfação e agora o bebê da linguagem. O pai assim reforça a frustração
precisa se fazer amar pela pessoa que suposta- do primeiro tempo do Édipo (JORGE; FERREI-
mente possui esse objeto, esse Dom. O sujeito RA, 2005).
assim está barrado, dividido, faltoso por um sig- O objeto de gozo da criança é o Desejo
nificante que se perdeu, representado por esse da mãe, o que a lei faz é barrar o sujeito a esse
objeto (MELLO, 2007). gozo de ser o objeto da mãe, lugar de objeto
de gozo do Outro. A castração é assim definida
2.2 SEGUNDO TEMPO DO ÉDIPO como um efeito da separação entre o bebê e a
mãe (MELLO, 2007).
O segundo momento do Édipo é onde
A introdução do Nome-do-Pai no lugar do
ocorre a intensificação do registro simbólico e a
Outro barra o acesso do sujeito ao gozo e
entrada do pai como aquele que interdita, barra ele não mais poderá ocupar o lugar de objeto
a mãe em relação ao filho. O pai priva ambos, do gozo do Outro, a não ser na fantasia. As-
criança da mãe e mãe da criança, e esta priva- sim, o Outro, como lugar dos significantes, se
ção ira ocasionar a quebra do narcisismo primá- torna o Outro como lugar da Lei. Essa ope-
rio pela Lei do Pai (GARCIA-ROZA, 2009). ração tem como resultado a instauração de
O que o pai priva com a Lei é o gozo do uma falta, que Freud chamou de castração,
sujeito tido ao se colocar como objeto do Desejo que terá como consequência tornar o Outro
da mãe. A criança percebe então que o Desejo inconsciente... (QUINET, 2012, p. 29).
da mãe não pode ser seu objeto de gozo. A Lei
serve tanto para a criança como para a mãe, no O pai castra o desejo de união com a mãe
sentido de que proíbe também que a mãe colo- e esse desejo é então recalcado, culminando na
que o bebê como seu objeto de gozo, seu falo; separação e clivagem dos sistemas consciente
e, para a criança mostra que a mãe é também e inconsciente. A criança não se vê mais como
ultrapassada por uma Lei maior que ela (QUI- sendo o falo da mãe e passa a se questionar
NET, 2012). sobre ter ou não ter o falo, a mãe deixa de ser a
O pai passa a ser o falo, o pai é a lei, ele Lei, agora quem tem o falo é o pai e ele é quem
tem o poder de interditar e deslocar o desejo da é a Lei (GARCIA-ROZA, 2009).
mãe. O pai é um pai simbólico um o, outro com o
minúsculo. O pai aqui ainda não é o pai real, de 2.3 TERCEIRO TEMPO DO ÉDIPO
carne e osso, mas sim o pai que se presentifica
por intermédio da fala da mãe, no momento em Freud caracteriza o que impulsiona a
que está se submete à Lei do Pai, ela deve faltar dissolução do Complexo de Édipo como conse-
(GARCIA-ROZA, 2009). quências de uma sequência de acontecimentos
decepcionantes na vida do bebê, segundo Freud
É fundamental que a mãe reconheça que (1924, p. 195) “...a ausência da satisfação es-
está submetida a Lei do pai. Não é preciso perada, a negação continuada do bebê deseja-
a presença do pai como personagem. Uma do, devem, ao final, levar o pequeno amante a
mãe viúva, por exemplo, pode perfeitamente voltar as costas ao seu anseio sem esperança.”.
exercer a função do pai real. Basta que ela A primeira decepção da criança seria a retirada
diga e de provas de que o objeto de seu de- do seio, em seguida, a cobrança de que o bebê
sejo não é o filho, pois, por detrás dela existe
significa a interiorização da Lei do Pai e o o re- mas, uma outra parte permanece não simboli-
calque do desejo. É o recalque que então funda zável. Esse não simbolizável é assim um resto
o inconsciente, funda o Outro, funda o sujeito. da operação de separação, é algo que “cai”, que
Se houve recalque é porque ocorreu a identi- se desvela no momento da divisão, é o objeto a
ficação simbólica no édipo e os ditos dos pais (SIRELLI, 2010).
foram introjetados dando origem ao Superego O objeto a é do Real, do não simbolizá-
(QUINET, 2012). vel, ele não pode ser representado no simbólico:
O Superego é a Lei, e o que ela barra é
o gozo e não o desejo, barra o gozo do sujeito Em sua vertente real, designa das Ding,
ao se colocar como objeto da mãe. Esse gozo resto, resíduo produzido a partir da rela-
a partir da castração só poderá ser realizado a ção do ser vivente com o Outro, rebota-
nível da fantasia. O resultado disso é a falta, que lho que não é representado no aparelho
segundo Quinet (2012, p. 29) “terá como conse- psíquico, configurando um furo, um va-
quência tornar o Outro inconsciente”. É a par- zio contornado por representações, em
tir da falta que o desejo pode emergir, “O que o torno do qual o inconsciente, estrutura-
Outro quer de mim?” é o que passa a articular o do como uma linguagem, se funda (SI-
desejo inconsciente. RELLI, 2010, p. 38).
O terceiro momento do Édipo caracteri-
zar-se-ia assim, com a passagem do pai ao sim- É desse vazio que advém o desejo, o ob-
bólico, um O, grande outro com o maiúsculo, o jeto a é assim objeto causa do desejo, e, causa
representante da Lei, e não mais a Lei em si. o desejo devido sua característica de impossi-
Aqui o pai também é castrado, ninguém mais bilidade de recobrimento pelo significante, ou
é visto como falo e nem como Lei. (GARCIA- seja, não há objeto capaz de recobrir tal vazio.
-ROZA, 2009). Ter ou não ter o dom caracteriza O desejo que advém do vazio coloca o apare-
esta fase, marcada pelo declínio do Complexo lho psíquico em movimento, movimento rumo
de Édipo, e marcado pela simbolização da Lei. O ao encontro de tal objeto que supostamente foi
falo imaginário passa a ser simbólico, reconhe- perdido, supostamente porque na verdade o su-
ce-se que o pai é também castrado, no entanto jeito nunca o teve, e que restituiria a satisfação
ele tem algo com valor de Dom. Falo se refere completa (SIRELLI, 2010).
ao símbolo do poder e completude (Dom) e não O Desejo é fundado pela falta, conforme
deve ser confundido com o órgão sexual mas- Mello (2007, p. 125) é um “espaço vazio que se
culino. (JORGE & FERREIRA, 2005; GARCIA- impõe, a partir do simbólico, entre um e o outro”.
-ROZA, 2009). O Desejo é um vazio, o qual move o sujeito na
De maneira geral pode-se dizer que no busca de encontrar um objeto que o preencha,
processo de separação “...é preciso renunciar no entanto, o Desejo é um vazio que nunca se
ao que nunca se foi e ao que nunca se teve, preenche por ser estrutural do ser humano. Isso
mas que um dia se acreditou ser (frustração) e nos remete ao que relatamos na introdução des-
ter (castração) para que seja possível a simbo- te trabalho sobre a “Coisa” em Freud, a qual se
lização do falo como objeto de dom (privação).” passa a vida a procurar, mas que, no entanto,
(JORGE & FERREIRA, 2005, p.55). como diz Lacan, é algo que nunca se teve.
A satisfação assim é sempre parcial por-
3 OBJETO a E O REGISTRO DO REAL que não há objeto que de conta desse vazio
deixado pela queda do objeto a, e, nem haveria
O sujeito precisa, a princípio, se alienar de ter pois isso significaria a morte do sujeito,
no campo do Outro para se salvar, mas, pos- sem desejo não há sujeito. Assim, busca-se nos
teriormente necessita dele se separar para se objetos substitutos algo que tampone essa falta,
constituir como sujeito desejante. A operação esse vazio, algo eu supostamente teria o poder
de separação é realizada no momento em que de dar o sentido último, a completude. Esse ob-
o significante Nome do Pai se inscreve como jeto poderoso, na psicanalise é o que o falo re-
uma barra, o que causa um corte no sujeito. presenta. O falo é então “...aquilo que é visado
No entanto, nesse corte parte da experiência é pelo sujeito, por ser investido como o que lhe
simbolizada e inscrita no aparelho psíquico fun- falta para ser pleno.” (MURANO, 2006b, p. 32).
dando os sistemas consciente e inconsciente, Nesse sentido é que pode-se diferenciar o obje-
deseja e que o colocam em busca partem das 4 SAÍDA PARA AS TRÊS ESTRUTURAS
questões que vem a tona na castração: “O que
quer dizer tudo isso?”; Que queres?”; O que o Existem três modalidades de defesa pos-
Outro quer de mim?”. Essas questões surgem síveis na dissolução do complexo de édipo que
diante do insuportável da falta e são respondi- também são chamadas de estruturas, são elas:
das por meio da elaboração da fantasia funda- neurose, psicose ou perversão. As três estrutu-
mental, que visa às respostas para a falta, ou ras dizem de um modo singular de o sujeito arti-
seja, a inconsistência do Outro, de modo com cular os três registros que constituem o aparelho
que o mundo possa ser visto como dotado de psíquico: Imáginário, Simbólico e o Real. Dizem
sentido e consistente. A fantasia é a resposta de uma estrutura de linguagem, da relação do
que faz borda ao vazio que a extração do obje- sujeito com o significante ou seja, com o Outro.
to a causado pela castração deixou, ou seja, é Como o sujeito se posiciona frente a castração
um emaranhado, uma teia de significantes que do Outro e assim, com o seu próprio desejo. A
circula o objeto a articulando o sujeito com seu castração é um confrontar-se com a realidade
objeto causa do desejo. A partir da castração o de que a plenitude é algo do impossível, que a
sujeito só pode viver o gozo na fantasia, a qual satisfação é sempre parcial, que se é um ser fal-
diz de uma possibilidade de reencontro com o tante e que é necessário renunciar a posição de
objeto perdido (SIRELLI, 2010). objeto do desejo e tornar-se por si um sujeito de-
A fantasia se refere ao desejo de se en- sejante (QUINET, 2006; MURANO, 2006).
contrar novamente esse objeto a e com isso Segundo Freud (1924/1923, p. 169) a
sermos plenos novamente, poder gozar sem estrutura da neurose se origina por “recuar-se o
restrições (MURANO, 2006). Seria o retorno ao ego a aceitar um poderoso impulso instintual do
narcisismo primário ao qual se passa o resto da Id ou a ajudá-lo a encontrar um escoador ou mo-
vida tentando retornar (FREUD, 1914). O ser hu- tor, ou de o ego proibir aquele impulso o objeto
mano cria a fantasia para preencher o vazio da que visa. Em tal caso, o ego se defende contra
falta insuportável, ele veste objetos que supos- o impulso instintual mediante o mecanismo da
tamente dariam a verdade última sobre o ser e repressão”. Isso se dá porque o Eu é a instancia
é essa fantasia que passa a orientar o desejo e psíquica que media a realização dos impulsos
com isso a forma como o ser se relaciona com instintuais e a realidade externa.
os outros e com o mundo (MURANO, 2006b). A estrutura neurótica assim, é uma de-
fesa de algo que diz do insuportável do Desejo
[...] é com uma fantasia fundamental que o que foi construído a partir do conflito entre o de-
sujeito veste sua falta-a-ser, constituindo as- sejo e aquilo que o censura, com base no Ideal
sim sua subjetividade, pela emergência de do Eu (MURANO, 2006b).
um desejo que marca um estilo próprio de As exigências sociais, éticas e culturais
ele se haver com o desejo do Outro, tentando
do mundo externo são vividas por todas as pes-
responde-lo e salvando-se assim da absoluta
inconsistência e da confrontação insuportá- soas, porém, cada um reage a elas de maneiras
vel com o real inapreensível [...] (MURANO, distintas. Algumas pessoas fazem o processo
2006b, p.37). de recalcamento e outras não. As pessoas que
não recalcam é porque não formaram um Ideal
Todos os sujeitos irão passar pela con- ao qual mediriam seu Eu. Não existe recalque
frontação da castração, da falta, do terrível do sem um Ideal, o Ideal é condicionante (GARCIA-
Real, no entanto, a forma com que cada sujeito -ROZA, 2009; FREUD, 1914).
ira lidar com a sua castração pode ser diferen- O recalque atuaria então como o signifi-
ciada, sendo que a forma como ele se posiciona- cante Nome-do-Pai que é uma barra, um não a
rá frente ao Real diz do posicionamento do seu satisfação plena, “um não dado pelo Eu à deter-
desejo. A formação da fantasia fundamental diz minada representação intolerável, à determina-
de um posicionamento de recalcar seu desejo e da moção pulsional que pede satisfação.” (JOR-
de não querer saber sobre ele. Essa forma de GE & FERREIRA, 2005, p.34). A barra divide o
posicionamento é o que funda a estrutura deno- Eu e o sujeito, ou seja, cinde o aparelho psíquico
minada de neurótica. Tem-se ainda a estrutura em dois sistemas: Pré-consciente/Consciente e
perversa e a psicótica. Essas três estruturas se- Inconsciente (JORGE; FERREIRA, 2005).
rão descritas no item a seguir. Assim, na estrutura da Neurose (Verdran-
o limite, não percebe a Lei, não percebe a cas- tomado como espelho e modelo de identificação
tração (QUINET, 2006; MURANO, 2006). imediata, formando o eixo eu-outro do estádio
O que foi repudiado frente a realidade, do espelho. É como se o sujeito vivesse se equi-
ou seja, esse fragmento da realidade rejeitado librando em um banquinho de três pernas, o su-
é o que retorna sem parar para ser reparado. O jeito na psicose tem assim uma semi-estabilida-
que foi rejeitado se impõem à mente da mesma de (QUINET, 2006).
forma como o que foi reprimido na neurose. É o É a travessia do Édipo que possibilita a
que em termos lacanianos se traduz em que, a entrada no simbólico e o posicionamento do su-
Lei não deixa de existir por que o psicótico não jeito na partilha dos sexos, ou seja, simbolizar
a percebeu, ela é negada no simbólico mas re- a questão sexual que no inconsciente não tem
torna no real, em forma de delírio e alucinação representação. Como o psicótico não passa por
(FREUD, 1924b; QUINET, 2006; QUINET, 2009). esse processo existe aqui uma dificuldade de
Uma das características da estrutura posicionamento do sujeito frente a sexualidade.
da psicose são os distúrbios de linguagem que No momento em que o sujeito se confronta com
ocorrem devido a foraclusão. Para que haja a ar- alguma situação da vida na qual ele precisa se
ticulação de significantes gerando significados e posicionar, o psicótico se remete as suas ques-
a entrada no mundo da linguagem, é necessário tões imaginárias, que desencadeiam o delírio e
que haja a falta de pelo menos um significante, e as alucinações que vem para suprir a falta desse
essa falta só é inscrita no sujeito se houver a in- significante (COSTA, 2010).
ternalização da Lei, como isso não ocorre na psi- O delírio é a forma que o psicótico tem de
cose, pois, o Outro continua sendo o lugar dos fazer as coisas adquirirem uma certa consistên-
significantes e não da Lei, significante e signifi- cia. O delírio supre a foraclusão, ele é colocado
cado aparecem radicalmente separados. Assim, no lugar onde ocorreu uma falha na relação do
o sujeito só tem significado, o que confere a falta sujeito com a realidade, assim o delírio é como
de sentido, a linguagem desconexa do psicótico uma ponte. O delírio atua como um remendo,
(QUINET, 2006; QUINET, 2009). algo que é costurado no lugar em que original-
Segundo Lacan (1958) o desejo do Ou- mente uma fenda e abriu na relação do Eu com
tro não é simbolizado na psicose, o que faz com o mundo externo. É no delírio que o psicótico
que a fala do Outro não se torne inconsciente, o constrói o que é chamado de metáfora delirante,
Outro fica como o lugar da fala e assim, fala com que consiste em criar algo que atue como subs-
o sujeito e fica do lado de fora do sujeito. Esse tituto da Lei, seria ele uma tentativa de entrada
desejo, esse Outro rejeitado no simbólico retor- na Lei e barrar o gozo do Outro. A estabilização
na no real em forma de alucinação, que nada do delírio ocorre quando a metáfora delirante
mais é do que o Outro como falante. O sujeito entra no lugar do nome do pai foracluido, pos-
fica assim, segundo Lacan (1958, p. 493) “de- sibilitando um sentido ao redor dela, ou seja, “A
pendente da estrutura significante do desejo do indução do significante permite-lhe instituir uma
Outro”. ordem, apesar de delirante, e reconstruir o mun-
Como não há divisão subjetiva no psicó- do” (QUINET, 2006, p.43).
tico, a divisão que existe é no próprio Eu, e o O gozo que se trata aqui é um gozo além
Outro acaba por estar “fora”. Assim não há dialé- do sexo, é um gozo consigo mesmo, gozo por
tica nas ideias do sujeito e com isso não podem sua autossuficiência. O sujeito goza com ele
ser colocadas em dúvida e nem questionadas, o mesmo. Porque tem o objeto a. A não simboliza-
psicótico tem certeza, ao contrário do neurótico ção da Lei faz com que o sujeito viva no real do
que por ter uma divisão subjetiva, onde se tem gozo absoluto, não seja barrado e com isso não
um sim e um não a Lei a dúvida é sua caracte- se funde o inconsciente, ou seja, não há falta no
rística (QUINET, 2009). psicótico e consequentemente não há desejo. O
A foraclusão e a consequente não entra- sujeito psicótico possui o objeto a, ele é pleno,
da no simbólico, diz da não travessia do Édipo e não necessita do Outro para ter desejo e com
assim, pode-se dizer que o psicótico fica fixado isso vive no campo do Real. O delírio é justa-
no narcisismo primário, na alienação, onde ele mente uma tentativa de separação do objeto a,
não deseja nada, é apenas um objeto do desejo tentando localizar o gozo em algum objeto fora
do Outro. Por falta de referência simbólica ele de si mesmo (QUINET, 2006; QUINET, 2009).
funciona no registro imaginário, onde o outro é No psicótico o Outro não é barrado e,
para com isso suportar a angústia e o desampa- em sociedade, por outro lado, o verdadeiro su-
ro natural dos seres humanos. A alienação atua jeito tem que ser “apagado”, que é o sujeito do
como um véu que mascara a falta tanto da crian- desejo, aquilo que o ser humano realmente é e
ça como da mãe. que é o sujeito a quem a psicanálise se dedica a
A alienação é necessária para a consti- compreender.
tuição do ser humano, porém na alienação o ser Pensando-se nos três registros do apa-
não é um sujeito, na alienação o bebê não dese- relho psíquico, I, S, e R, que foram sinalizados
ja por si só, ele está preso em uma relação onde no decorrer deste trabalho, é a inserção da Lei
ele só é por meio do Outro, e ainda, essa relação que faz com que tais registros sejam “amarra-
da a ilusão de que o ser é completo e sem faltas dos” pelo sintoma, que é uma saída para a reali-
e, consequentemente, a criança não é um ser zação do desejo recalcado, e dotar o mundo de
desejante. Assim, a alienação precisa dar espa- sentido e de consistência, o que se observa na
ço ao processo de separação o qual possibilitara estrutura Neurótica.
o advento do sujeito desejante, trata-se do su- Nas estruturas psicótica e perversa o
jeito do inconsciente que diferentemente do Eu processo de significação da Lei é diferenciado,
que segue o princípio da realidade e da cons- no entanto, dentro da psicanalise, não são vistas
ciência, segue a lógica do desejo inconsciente. como formas patológicas de se constituir, mas
O processo de separação é explicado em sim, como maneiras diferentes que o sujeito tem
três tempos que são os três tempos do comple- para posicionar seu desejo diante da castração
xo de Édipo, num primeiro momento a criança do Outro, ou seja, da sua própria falta, e se rela-
e mãe vivem em uma plenitude, um completan- cionar com o mundo.
do a falta do outro; em um segundo momento a Apesar deste artigo abordar a forma
criança começa percebe que não é tudo para a como se dá a constituição do sujeito, ele está
mãe, pois a mãe falta, ela não está o tempo todo longe de demonstrar tal constituição em sua pro-
com ele e dá atenção para outras pessoas que fundidade. Cada processo aqui descrito tem por
não ele; então o pai, ou seja, a função paterna trás vários outros aspectos os quais não foram
enquanto Lei, barra efetivamente bebê e mãe e descritos devido a inviabilidade de tempo para
a partir daí o desejo surge e move cada um a tal, ficando em aberto o estudo mais aprofunda-
buscar a realização dele em outros objetos. do de cada um podendo-se concluir com isso
É por meio da entrada de um significante que a constituição do sujeito para a psicanalise
que barre a plenitude do bebê na alienação, o não é de forma alguma simplista.
significante Nome-do-Pai, que o sujeito advém. Por fim, outro aspecto que é de extrema
É esse significante que divide o sujeito e o Eu, relevância a ser esclarecido, e que explicita ain-
ou seja, os sistemas pré-consciente/consciente da mais a maneira não simplista que a psicanali-
e inconsciente, possibilitando que uma falta se se trata a constituição do sujeito, é a observação
funde e pela qual o desejo advenha. A partir da que os processos que envolvem tal constituição
separação ou castração, o sujeito passa a dese- não ocorrem de maneira separada como se fo-
jar por si mesmo e não mais pelo outro. cem etapas do desenvolvimento, mas sim, elas
Segundo Lacan o que causa o desejo no ocorrem ao mesmo tempo e por toda a vida do
sujeito é o chamado objeto a que cai pela en- sujeito, se reeditando nas experiências do mes-
trada do significante Nome-do-Pai, deixando um mo na relação com o Outro e os outros e com o
vazio sem representação para o sujeito. O de- mundo.
sejo advém então desse vazio e coloca o sujeito
em movimento, pois move o ser em busca de REFERÊNCIAS
algo que o traria novamente a completude que,
no entanto, nunca existiu e nunca existirá, pois, CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise.
a falta é uma condição humana. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. 240 p.
Assim, o Nome-do-Pai é uma Lei que faz
com que ocorra o recalque do desejo de satis- COSTA, T. Édipo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
fação plena, ou seja, barra a pulsão e assim in- 89 p.
sere o sujeito na cultura. Pode-se perceber aqui
DOR, J. Estruturas e clínica psicanalítica.
que a inserção na cultura traz um duplo aspecto,
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por um lado o recalque é o que possibilita viver
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