Iluminação Carros Alegóricos

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Iluminação no Carnaval

David Bosboom

David Bosboom
É diretor de produção, diretor técnico, diretor de iluminação, designer e consultor de
projetos. Possui 23 anos de experiência em espetáculos de teatro na Broadway, além de
programas de canais de televisão aberto e a cabo. Especialista em turnês de circuito
nacional e internacional.
www.davidhbosboom.com

Em entrevista o lighting designer Rogério Wiltgen conta os detalhes e as


dificuldades da técnica de iluminação nos carros das escolas de samba que vão
desfilar neste carnaval

Venho ao Brasil há 40 anos e sempre escutei histórias sobre o Carnaval do Rio de


Janeiro. Pensei que sabia tudo sobre o carnaval pelo que ouvia dos amigos,
especialmente quem cria, monta e como faz acontecer. Na minha imaginação via
pequenos grupos de pessoas incansáveis trabalhando nas próprias casas de forma
improvisada para que fantasias e carros alegóricos fizessem a festa mais famosa do
mundo. Aquilo que imaginara estava totalmente errado!

Fiquei impressionado com o que vi ao entrar na Cidade do Samba. (ver foto 1)

Foto 01
As escolas de samba criam suas idéias e constroem os carros alegóricos de simples
esquetes nessa imensa fábrica de fazer cenários, tão grande ou maior que qualquer
“scene shop”, como são chamadas em Nova Yorque e Los Angeles. Na Cidade do
Samba o cenógrafo, ou aqui o Carnavalesco, usa todo tipo de material para fazer com
criatividade e quantidade incrível de detalhes os seus designs.

Foto 02

Qualquer companhia de teatro ou dança, em qualquer parte do mundo, ficaria encantada


com a infra-estrutura que estes artistas e artesãos possuem para executar um trabalho
praticamente todos os dias, o ano inteiro. E muitos vêm realizando esse trabalho por
décadas e sabendo exatamente o que estão fazendo.

Nos galpões, no andar do nível da rua, se constroem os carros alegóricos que são
carrocerias customizadas de caminhões e um motor como base. Nesta base é soldada
uma outra estrutura, um esqueleto de ferro (ver foto 2) que é construído para assegurar a
forma do carro alegórico. A estrutura que vi estava sendo coberta com lona e uma
mistura de plástico e esponja em que eram colados pedaços de vidros cortados a mão.
(foto 3) O efeito ficou maravilhoso, mas não poderia dizer o tempo levado para
completar um projeto daquele tamanho com tantos detalhes, pois apenas fiquei
assistindo o processo por algumas horas. Como podem ver pela fotografia tem muito
para se ver e penso em muito mais para se iluminar.
Foto 03 Foto 04

No segundo andar deste prédio menor, menor apenas em comparação ao anterior,


elementos cênicos são construídos e os acabamentos são feitos em mínimos detalhes.
Isso inclui também partes de esculturas (foto 4) gigantescas, algumas de animais, patas
e cabeças articuladas, esculpidas em isopor e finalmente cobertas com algum tipo de
papel que será pintado a mão. No terceiro e último andar temos uma multidão de
pessoas confeccionando as fantasias das alas e produzindo adereços neste enorme
espaço cênico chamado Cidade do Samba. (fotos 5 e 6)
Foto 05 Foto 06

Uma vez montados, os gigantescos carros alegóricos têm que chegar ao sambódromo
passando por baixo de viadutos e pontes. Para facilitar o transporte, é construído dentro
da estrutura dos carros um elevador hidráulico. Esse elevador que levanta e abaixa o
carro alegórico pode chegar a até 9 metros de altura quando completamente estendido.
Terminados os carros, do ponto de vista cenográfico, são então instalados geradores e
dimmers, além de cabos e instrumentos de iluminação para fazer esse cenário brilhar.
(foto 7)
Foto 07

A iluminação é geralmente criada e instalada após toda a construção do carro alegórico,


quando o carro já foi totalmente construído. Nesta instalação as luzes são então pintadas
e camufladas para que se incorporem ao resto do design. Se pudesse dar uma opinião
sobre o processo, seria a de encorajar um encontro técnico entre cenógrafos e lighting
designers antes da construção dos carros alegóricos. Penso que com parceria e
planejamento técnico se economizaria tempo e dinheiro, dando um acabamento
diferenciado ao todo. Os figurantes, dançarinos ou artistas que compõem os carros, por
exemplo, poderiam ser vistos de forma melhor. Mas, fora isso, não mudaria
absolutamente mais nada. Eu ainda me pergunto como tanta gente pode trabalhar junta
nesse complexo projeto sem entrar uma no espaço da outra. Só posso dizer que sem
dúvida o carnaval está na alma desses profissionais acontecendo de forma natural,
orgânica.

Foto 08
No começo de janeiro falei com um dos membros da AbrIC (Associação Brasileira de
Iluminadores Cênicos) que gostaria de escrever um artigo sobre o Carnaval. Em apenas
alguns dias me foi enviado o nome da pessoa mais indicada para falar do assunto, o
lighting designer Rogério Wiltgen. (foto 8) Para encurtar a história, Rogério, que vem
fazendo a iluminação do Carnaval há 18 anos, concordou em me levar para fazer um
tour na época mais atarefada do seu processo.

Como todos os lighting designers que eu tenho entrevistado, o trabalho e experiência de


Rogério nas escolas de samba Beija-Flor e Viradouro é apenas uma pequena amostra do
trabalho que faz durante o ano. Na verdade tudo começou em teatro migrando para
dança e eventos especiais de televisão. Rogério acredita em detalhes como também na
importância do “paperwork”, ou seja, a documentação técnica do seu trabalho de
iluminação.

Se você acompanha minha coluna e leu a revista em que falo sobre “paperwork”, já
deve imaginar que eu e o Rogério nos demos muito bem. Acreditamos nos mesmos
processos de design e criação. Detalhes importam! Quando as idéias são escritas no
papel, podem ser duplicadas em detalhes de um teatro para o outro. Documentado o fato
eliminamos o jogo de adivinhação que possa existir na recriação de seu design.
Rogério tem dois auxiliares, o iluminador Ricardo Ponciano e o André Belém, ambos
trabalham com ele há anos. Eles recebem o “paperwork” e colaboram com idéias e
soluções para instalação. Juntos iluminaram muitos carros alegóricos usando desde a luz
negra até varas feitas a mão com seqüência de pequenas luzes de L.E.D. (foto 9)

Foto 09

Alguns dias após a nossa visita às instalações das escolas Beija-Flor e Viradouro, sem
poder ainda mostrar o carnaval 2009, sentei com o Rogério para uma conversa e formal
entrevista sobre sua carreira de lighting designer. As perguntas e respostas estão a
seguir.

Qual sua principal área de especialização em Iluminação? Teatro-Dança-Concertos-


Eventos?

Rogério Wiltgen: Comecei muito novo em teatro, com 12 anos operei a minha primeira
luz profissional, não escolhi trabalhar com luz, simplesmente a iluminação entrou em
minha vida muito cedo e não mais saiu. Aos 16 anos já estava envolvido com
espetáculos de grande porte, passei por televisão e me diverti por muito tempo na linha
de shows. Hoje com 25 anos de carreira não saberia me classificar, se como iluminador
de teatro, de shows, de carnaval. Se iluminador de espetáculos de grande, médio ou
pequeno porte. Nutro a mesma paixão por cada um dos nichos, cada um com as suas
particularidades e seus desafios específicos. Gosto de pensar que sou uma pessoa que
trabalha com luz e arte, e como nem uma nem outra coisa se consegue definir com
exatidão, fico assim.

Quais são os desafios mais comuns que você enfrenta como lighting designer?

Rogério Wiltgen: Desafios da profissão? Diria vários. Um deles é perceber que direção
a criação deve tomar, estar sintonizado com a linha para a qual o trabalho de criação
como um todo está enveredando, caminhar com a equipe de criação. Ter a humildade de
não querer impor as suas idéias, trabalhar pelo coletivo e conter o seu ego para que o
mais importante seja o conjunto. Trabalhar pela unidade e não somente pela luz é um
desafio.

Agora, ter consciência do poder da ferramenta que o iluminador manipula, ter


consciência de que você controla a atmosfera, define o foco de atenção, que tem o poder
de determinar o ritmo de um espetáculo, que domina o que deve ser e o que não deve
ser visto... e não sucumbir ao desejo de usar este poder somente pelo seu julgo pessoal ,
exclusivamente pela sua opinião pessoal é mais do que um desafio , é um ato de
desprendimento, coragem e generosidade franciscana.

Qual o avanço mais útil em tecnologia que você presenciou que é aplicável para o
lighting design?

Rogério Wiltgen: Dois saltos marcaram muito para mim no que diz respeito ao
desenvolvimento tecnológico da iluminação especialmente na área da iluminação
cênica. O primeiro foi o aparecimento das mesas digitais. Não me esqueço das
resistências de água e sal, não me esqueço do tempo em que eu gastava horas fazendo
no roteiro de luz o quebra-cabeça da preparação dos presets, não me esqueço da
quantidade de cabos de sinal que passávamos. Apesar de ter sido uma época
maravilhosa em que a sensibilidade, engenhosidade, a criatividade e a competência
eram necessárias ao extremo, não posso dizer que gostaria de voltar no tempo.

Gostaria de ter uma foto com a minha expressão ao ver o primeiro sistema digital com o
qual tive contato. Percebi que eu podia transmitir todas as minhas intensidades por um
cabo de apenas três condutores e que em uma mesa de luz poderia gravar uma cena que
seria reproduzida exatamente como a defini, isto levantando apenas um fader ou
pressionando a tecla GO.
O segundo grande salto para mim foi o surgimento dos refletores robotizados - os ditos
moving-lights. Uma ferramenta que permite criar centenas de cenas de luz diferentes
com uma dúzia de aparelhos... Apesar de ser uma ferramenta desastrosa em mãos
deslumbradas por suas possibilidades, é indubitavelmente um recurso admirável.

Que ferramentas você usa para criar seus designs? Concept-Graphic- Image-POV?

Rogério Wiltgen: A cada resposta que escrevo, percebo que sou mais esquisito.
Particularmente em peças de teatro e musicais, evito ao máximo ler o texto antes de
assistir ao primeiro ensaio, evito também as leituras de mesa, e explico o porquê:
quando leio um texto, começo a visualizar as cenas e a luz, e a minha visão pode não ter
nada a ver com a visão da direção do espetáculo. Quando assisto a um primeiro ensaio,
já com alguma marcação, consigo perceber, na maior parte das vezes a linha que a
direção pretende dar à encenação.

Ao assistir ao primeiro ensaio, trabalho basicamente com a minha intuição. Ao assistir a


um ensaio com movimentação, em minha mente consigo ver os refletores nas posições e
cores nas quais sinto que eles deveriam estar. Faço um esboço e uma planta baixa de
cada cena de acordo com o que estou sentindo. Este processo pode tomar uns dois ou
três ensaios dependendo do grau de complexidade do espetáculo.
Só ao final deste processo, em casa, inicio um processo racional para juntar tudo que
rabisquei. Coloco em planta todos os refletores de todas as cenas e é aí que começa o
trabalho difícil – adequar as quantidades de aparelhos à realidade da produção. Feitos os
cortes necessários nos efeitos menos importantes faço uma relação de canais com todos
os efeitos. Neste momento os refletores já estão montados e afinados na minha mente.

Meu próximo passo é assistir a um novo ensaio em que anoto as deixas e como deveria
estar a luz naquele momento. Nunca anoto deixas em um texto, sempre em um roteiro
feito por mim do tipo deixa / entra / sai.
Então é hora de trocar idéias com o diretor e explicar o que está na minha cabeça e ver
se casa com o que ele tem em mente. Normalmente casa de maneira muito natural.
Depois é montar, gravar e experimentar as cenas durante algum ensaio, sem nenhum
compromisso.

Abomino ensaios técnicos de luz, só os faço em último caso, quando a estréia estiver
muito próxima e não der para a luz ir se integrando naturalmente ao espetáculo.
Lapido as intensidades das minhas cenas até o dia de ir embora. Gosto muito de gravar a
luz e seus tempos de fusão e durante os ensaios ir corrigindo, aprimorando. Enquanto há
tempo, sempre acho algo que pode ser melhorado.

Qual peça na produção você considera como seu principal objeto de trabalho
ultimamente?

Rogério Wiltgen: Provavelmente, para o espanto geral de todos que me conhecem, a


peça que não costuma faltar nos meus projetos é a velha PAR 64! Sou conhecido por ser
um amante da tecnologia sempre testando as novidades do mercado, adoro mesas
complicadas, moving-lights, normalmente sou convidado para dar palestras sobre novas
tecnologias de iluminação cênica etc., e realmente tenho muita facilidade com máquinas
complexas. Mas a PAR 64 costuma ser uma constante nos meus projetos.

A temperatura de cor, o brilho, a facilidade em conseguir duas ou mais lâmpadas com o


brilho praticamente igual, os tamanhos de foco, o custo-benefício para a produção,
enfim, são tantas qualidades.

Evidente que cada espetáculo pede um estilo de iluminação diferente, mas minha
tendência é a de gostar mais de uma luz impressionista do que de uma iluminação
realista. Gosto das manchas, pinceladas fortes e espontâneas e qual aparelho me dá este
efeito? A PAR 64.

Agora, francamente o elemento que tem maior peso em qualquer projeto é a equipe que
o executa. Posso não ter uma única PAR, mas a coisa da qual não posso abrir mão é de
uma boa equipe de técnicos de luz. De que adianta um projeto maravilhoso mal
executado, mal operado, que não funcione perfeitamente. Do designer, passando pelo
montador e chegando ao operador, cada peça da equipe é igualmente responsável pelo
sucesso ou fracasso de um projeto.

Qual projeto seu você mais achou desafiador?

Rogério Wiltgen: Todo trabalho é um grande desafio. Especialmente aqueles que você
faz com freqüência. A tendência é a de repetir uma fórmula que você encontrou e deu
certo. O grande desafio é não se acomodar e estar sempre procurando criar uma pequena
novidade que seja em cada novo espetáculo.

Já encarei espetáculos de grandes desafios técnicos com várias centenas de projetores e


algumas centenas de moving-lights para dominar, já encarei espetáculos com grandes
desafios de orçamento em que cada lâmpada par era absolutamente imprescindível. Já
encarei espetáculos com grandes desafios artísticos em que as propostas absolutamente
inovadoras não tinham nenhuma referência para dar um ponto de partida, e já encarei
espetáculos em que o grande desafio era fazer o novo onde nada de novo era esperado.
Mas o desafio maior é realmente este, o de não se acomodar e buscar novas idéias todo
o tempo, o tempo todo.

Que idéia você já teve que parecia boa no papel, mas não na realidade?

Rogério Wiltgen: No papel tudo é possível e procuro me lembrar bem disso toda vez
que sento para desenhar uma planta, talvez por isso não tenha tido muitas decepções ao
passar do papel para a vida real. Mas também procuro ficar atento e aberto para
perceber e aceitar as surpresas desta passagem. Saber aproveitar o inesperado e tirar
proveito dele também são parte da criação. Quantas vezes surge uma sombra que você
não estava prevendo e é justamente ela que dá toda a magia da cena?

Como seus designs evoluíram independentemente das mudanças na tecnologia?

Rogério Wiltgen: A evolução tecnológica certamente modificou a maneira como eu


realizo meus projetos. A tecnologia ampliou as possibilidades e facilitou o trabalho, mas
no fundo sinto que só as ferramentas se aprimoraram; o trabalho da criação, o
desenvolvimento do conceito, a arte propriamente dita que envolve o nosso trabalho
nada tem a ver com isso. Isto tem relação sim com o desenvolvimento de nossas mentes
e a modificação do mundo à nossa volta.

O que te inspira?

Rogério Wiltgen: Curioso pensar assim, mas por mais estranho que possa parecer, o que
me inspira é sempre o trabalho com o qual estou envolvido naquele momento. Quando
mergulho em um novo projeto tudo que vejo, tudo que ouço e que penso se liga ao
trabalho, vejo o mundo diferente e aprendo tudo de novo a cada novo trabalho, então
concluo que o que inspira meu trabalho é o projeto que está em andamento naquele
momento. Sendo assim cada projeto é a inspiração dele mesmo.

Que conselho você daria para lighting designers iniciantes?

Rogério Wiltgen: Iluminação certamente não tem uma fórmula, por isso o mais
importante é estar com os sentidos sempre abertos para perceber o mundo. E digo que
na minha cabeça não é ver concretamente, realisticamente o que está acontecendo em
um ambiente em termos de luz. Importante mesmo é perceber a atmosfera de luz que
envolve aquele ambiente. Olhar não é necessariamente ver, e menos ainda, sentir
alguma coisa. Realmente é muito mais importante transmitir a impressão da realidade
do que a realidade por si só. Portanto vejam o mundo com todos os seus sentidos e não
apenas com os olhos.

Também e, talvez tão importante quanto, é abrir os ouvidos. Ouvir o que o tema quer
dizer ao seu diretor, ao cenógrafo, ao figurinista, ao operador, ao técnico...
Impressionante o que se aprende quando temos a mente aberta para escutar o que as
pessoas que trabalham conosco têm a dizer. Aprendo todos os dias. Conviver com estas
pessoas é o que transforma o nosso trabalho em algo tão especial.

Talvez o leitor já tenha visto através dos anos muitos desfiles de carnaval. Como escrevi
esta coluna em janeiro estou bastante animado em assistir ao vivo, em fevereiro, ao meu
primeiro Carnaval. Após conhecer o Rogério, visitar a Cidade do Samba e ver de perto
o trabalho da construção do Carnaval Carioca não vejo a hora de presenciar com grande
satisfação a grande performance dos sambistas, músicos e artistas ao vivo na maior
extravagância brasileira. OK, eu sou gringo! O que eu entendo de samba? Mas estou
pronto para o desfile e as luzes do carnaval.

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