Dissertacao Fernanda Crespo
Dissertacao Fernanda Crespo
Dissertacao Fernanda Crespo
São Gonçalo
2016
Fernanda Nascimento Crespo
São Gonçalo
2016
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/D
CDU 93(07)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
Assinatura Data
Fernanda Nascimento Crespo
Banca Examinadora:
São Gonçalo
2016
Para Rafael, o amor cultivado nas rimas raras das ruas.
AGRADECIMENTOS
CRESPO, F. N. The Brazil of Laudelina: biographical uses in teaching history. 2016. 165 f.
Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional PROFHISTORIA) - Faculdade de
Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2016.
The history curriculum has been a large space tensions regarding to racial issues and
gender and many initiatives to meet these demands in the school have found in practice, the
obstacles of essentialization and folklorization differences, reaffirming stereotypes. With this
study, we bet on the biographical uses as a potentially fruitful instrument in regard to
overcoming these barriers and, more specifically, on the life stories of Laudelina Campos
Mello as a resource for the construction of historical knowledge about our country.
Laudelina was black woman who lived between the years 1904 and 1991 and collected stories
of struggle and resistance. She founded the first Association of Domestic Employees of Brazil
in 1936, in the city of Santos- SP and her last years of life were dedicated to the conquest of
rights by this professional category. Moreover, her work with the black movements makes
their stories consist in importants records about the struggle of african-brazilians throughout
the twentieth century.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
1 UMA PROTAGONISTA PARA UMA NARRATIVA HISTÓRICA
DIDÁTICA ................................................................................................................... 16
2 UMA DISPUTA PELA FIXAÇÃO DE SENTIDOS .............................................. 33
3 BAÚ BIOGRÁFICO: O BRASIL DE LAUDELINA DE CAMPOS
MELLO ...................................................................................................................... 47
3.1 Por dentro do Baú...................................................................................................... 53
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 66
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 68
APÊNDICE .................................................................................................................. 72
8
INTRODUÇÃO
1
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e PEDRO,
Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012.
2
CARDOSO, Cláudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas
reflexões.Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008, pp.2 e 4.
9
3
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e PEDRO,
Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012, p.383.
4
Idem, p. 382-409.
10
Chamada pelo ministro do trabalho Jarbas Passarinho, no ano de 1967, de o "terror das
patroas",Laudelina teve sua vida marcada pela luta por melhores condições de trabalho para
as domésticas e pelos direitos da população negra em nosso país. Sua atuação políticas fora
marcada pelas relações com diversos militantes negros, comunistas e sindicalistas e o contato
e interlocução com as várias organizações políticas distintas como a Frente Negra Brasileira,
o Partido Comunista e o Teatro Experimental do Negro fizeram parte das suas
histórias. 5Organizações recreativas e educativas voltadas para a afirmação do povo negro,
como o concurso de beleza Pérola Negra, o Clube 13 de Maio e a Escola de Bailados Santa
Efigênia, foram obras de sua criação e articulação. A ela é conferida a primeira organização
de domésticas do Brasil, criada em 1936 em Santos/SP e fechada em 1942 pelo Estado Novo;
a fundação da Associação de Domésticas em Campinas, na década de 1960,também é
atribuída à sua luta a conquista da sindicalização desta categoria profissional,ocorrida em
1988. 6
Aos 87 anos, Vó Nina finalizou sua longa caminhada repleta de lutas e negociações e,
a esta altura, a República já colecionava projetos e feições. Nossa personagem, por sua vez,
colecionava histórias sobre racismo, afirmação e resistência; sobre negação e conquista de
cidadania; sobre a luta e a conquista de diretos trabalhistas; sobre a assimetria inerente às
relações de gênero e às táticas desenvolvidas frente a isso. Até mesmo uma participação no
movimento de defesa passiva e auxiliar na II Guerra Mundial - e a sobrevivência a um tiro -
constam nessas experiências de vida!
Laudelina de Campos Mello traz em suas histórias as marcas dos diversos tempos,
assim como a história do Brasil é marcada pelos agenciamentos protagonizados por Laudelina
desde a chamada Primeira República, passando pela Era Vargas, os projetos que antecedem o
golpe de 1964, os 21 anos de ditadura militar, a chamada redemocratização e até Nova
República. Cada contexto lhe impôs normatizações específicas; cada marcador social lhe
tensionou diante das mais variadas circunstâncias, porém à luz de Michel de Certeau nos
interessamos principalmente em lançar vistas às táticas desenvolvidas e aos espaços
insinuados por Laudelina diante dessas coerções sociais. 7
5
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
6
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da
descolonização e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília,
2007.
7
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1984.
11
CASA LAUDELINA de Campos Mello ... tem como eixo estruturante de suas
estratégias e ações políticas, o enfrentamento ao racismo, ao sexismo, ao capitalismo
e à lesbofobia entre outras formas de dominação hegemônica, sendo a única
organização no Brasil, que tem o trabalho doméstico remunerado, como carro chefe
das lutas. 9
8
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
9
CASA LAUDELINA - Organização de Mulher Negra. Disponível em http://www.casalaudelina.org.br/#nos-
laudelinas. Acessado em abril de 2016.
12
à ela, onde se possa concentrar e conservar o acervo que hoje se encontra desorganizado e
fragmentado entre o Sindicato, o Museu da Imagem e do Som de Campinas, o Centro de
Memória da Unicamp e o Museu da Cidade de Campinas.
As lutas travadas por Laudelina de Campos Mello foram muito importantes em seus
contextos e para além deles. As questões de raça, gênero e trabalho, especialmente quando
articuladas, são pungentes para a sociedade atual, porém ainda encontramos grandes lacunas
no que concerne ao trabalho com elas no ambiente escolar. Por isso, visamos ao
desenvolvimento de outras possibilidades de narrativa da nossa história para além das
tradicionalmente feitas por docentes e manuais didáticos. Especialmente voltados para o 9º
ano do Ensino Fundamental, tencionamos trazer histórias da vida dessa mulher, negra e
doméstica, para o primeiro plano e a partir delas produzir, junto aos estudantes, análises sobre
os diferentes contextos das repúblicas que foram vivenciados. Nesse sentido, as reflexões
sobre a relação entre narrativa e ensino de história e sobre papel de destaque desempenhado
pelo(a) docente nesse processo transfixarão este trabalho.
Nos lançamos no desafio de investigar as contribuições que a personagem Laudelina
de Campos Mello pode oferecer em relação aos impactos que a Lei 10639/03 promoveu na
educação brasileira, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-
brasileira nas escolas. Muito mais que uma medida imposta de cima para baixo,
compreendemos esta lei sancionada no ano de 2003, como uma conquista das lutas históricas
do movimento negro no Brasil pela inserção efetiva dos afro-descendentes em nossa
sociedade. Como ressalta Amilcar Pereira, principalmente a partir da década de 1980, quando
vivenciamos a reabertura política e o centenário da abolição da escravidão, houve a formação
de novos grupos e lideranças políticas negras que passaram a atuar e criar articulações em
diferentes esferas de poder. Esses novos lugares políticos e sociais ocupados pelos
movimentos negros e anti-racistas trouxeram mudanças no âmbito educacional. 10
Martha Abreu e Hebe Mattos 11 lembram que apesar de termos como pluralismo
cultural e diversidade já constarem nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996 e 1999,
apenas no ano de 2004, com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana, que visam a atender à Lei nº 10.639/03, é que são travados compromissos com o
10
PEREIRA, Amilcar Araujo. Por uma autêntica democracia racial: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de História.Revista História Hoje. vol. 1, n.1, jun/2012, p.111-128.
11
ABREU, Martha e MATTOS, Hebe. Em torno das "Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana": uma conversa com
historiadores.Estudos Históricos. Rio de Janeiro, jan-jun/2008.
13
12
Associada à obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, de 1933, ainda na primeira metade do século
XX, a ideia de democracia racial, baseada na mestiçagem biológica e cultural entre negros, índios e brancos,
passa a ser o centro da construção da identidade nacional brasileira. A despeito de inúmeras pesquisas
desenvolvidas, sobretudo na década de 1950 por Florestan Fernandes, que comprovavam a existência de racismo
no Brasil, este mito torna-se um grande obstáculo à percepção das desigualdades raciais que marcam a nossa
sociedade. Cf. PEREIRA, Amilcar Araujo. Por uma autêntica democracia racial: os movimentos negros nas
escolas e nos currículos de História.Revista História Hoje. vol. 1, n.1, jun/2012, p.111-128.
13
ALBERTI, Verena. "Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-brasileira". In: PEREIRA,
Amilcar Araújo e MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história e culturas afro-brasileiras e indígenas.
Rio de Janeiro: Pallas, 2013, p.28.
14
Essa abordagem traz profundas marcas para o ensino de história. Quando figuram
nestes materiais, as mulheres ocupam pequenos boxes ou textos complementares. Mesmo
diante de pressões das históricas lutas feministas, é muito comum que às mulheres sejam
reservadas, apenas, "curiosidades históricas" da esfera do privado apresentadas anexas às
narrativas principais. Acreditamos que essa desigualdade expressa no âmbito dos currículos
escolares e nos livros didáticos reflete e sustenta as condições de desigualdade de gênero que
produzem identidades negativas relacionadas às mulheres, as privam do pleno exercício de
sua cidadania e às submetem às mais variadas formas de violência.
Por tudo isso, propomos com este trabalho o deslocamento do prisma usualmente
utilizado para tratar da história do Brasil republicano trazendo personagens que, de modo
geral, são relegados a segundo plano, para os papéis principais de nossa narrativa. Almejamos
travar um embate às guetizações, às folclorizações, aos essencialismos e ao racismo que
submetem constantemente o negro ao papel de vítima, de coadjuvante e a mulher negra à
invisibilidade no que se refere à história do Brasil.Sendo assim, nosso olhar percorrerá os
caminhos abertos pela perspectiva pós-estruturalista de currículo - compreendido, aqui, como
uma arena de disputa pela fixação de sentidos - e pela questão da produção de identidade e
diferença, tendo como mote o rompimento com o autorreferente, como nos propõe Tomaz
Tadeu da Silva.Através de Laudelina, e suas histórias, sobretudo relacionadas a sua atuação
14
SOIHET,Rachel; PEDRO,Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de
Gênero. In.Revista Brasileira de História Nº 54 vol. 27. São Paulo: ANPUH, jul.-dez, 2007, p.284.
15
política, tencionamos romper com "o lugar da mulher" na história, circunscrito ao âmbito do
privado e ocupar as imensas arestas do pós-1888, quando crescem ainda mais as dívidas dos
manuais didáticos com relação às agências da população negra em nossa história.
Nossas análises tomarão corpo em 3 capítulos dissertativos e resultarão na montagem
de um produto didático que possa ser utilizado por professores da educação básica. Movem
este estudo questões cujo cerne é a problematização do uso de histórias de vida com fins
didáticos.No primeiro capítulo, intitulado Uma Protagonista para uma Narrativa Histórica
Didática,apresentaremos histórias de vida de Laudelina de Campos Mello, trazendo-as à tona
no ensejo das discussões sobre biografia e história e as potenciais contribuições de usos do
biográfico para o ensino/aprendizagem de história..Discussões sobre estreita,porém
historicamente conflituosa, relação entre biografia e história engendradas principalmente a
partir da década de 1970, nos auxiliarão na tomada de posição diante de algumas questões.
Como utilizar trajetórias individuais nos processos de ensino-aprendizagem sem que
incorramos em uma espécie de retorno a antigas práticas da história elegendo heróis e seus
feitos como ícones dessa história a ser contada? Como abordar didaticamente a história do
Brasil tomando emprestado o olhar de Laudelina de Campos Mello?
No segundo capítulo, intitulado Currículo como disputa: Questões Raciais e de
Gênero no Ensino de História, daremos destaque às disputas engendradas no campo do
ensino de história, especialmente motivadas pelas lutas dos movimentos negro e feminista,
focando as subjetividades implicadas na seleção das personagens principais e secundárias e
nas abordagens desenvolvidas em nossas narrativas históricas didáticas. A responsabilidade
do docente diante dos impactos dessa seleção na produção de identidades e diferenças
também é assunto deste segundo capítulo.
Já o terceiro capítulo,Entre a pequena Nina de Poços de Caldas e a Vó Nina de
Campinas uma série de histórias nossas, será destinado ao desenvolvimento de propostas de
usos didáticos das histórias de vida de Laudelina de Campos Mello junto a estudantes de 9º
ano do ensino fundamental. A partir das agências e experimentações dessa
personagem,objetivamos fazer emergir em sala de aula temas como: mundo do trabalho e
lutas trabalhistas; desigualdade racial e ações de resistência; desigualdade de gênero e ações
de resistência. Pretendemos, a partir delas, mobilizar conhecimentos históricos acerca do
Brasil durante o século XX, enfatizando as formas como diferentes questões que marcaram
nossa sociedade, em contextos diversos, foram experimentadas por esta mulher, negra,
trabalhadora.
16
Os anos de 1970 são marcados por uma série de questionamentos acerca das relações
entre narrativa e escrita da história. 15 Segundo Jaques Revel, todavia, este debate é algo "tão
antigo quanto a própria historiografia" e, inclusive, fundamenta seu pacto fundador rompido
em fins do século XVIII e início do XIX. 16
Nas origens ocidentais da historiografia não existe contradição entre a história como
investigação e a história como narrativa. As verdades que o historiador traz à luz
são suscetíveis de serem transmitidas apenas ao preço de uma formação e de uma
ordenação que se identificam a uma intriga. Ele não saberia,portanto, contentar-se,
em apresentar os fatos que recolheu em ordem cronológica; ele deve lhe dar uma
organização detentora de uma significação, produzindo figuras reconhecíveis. Esse
pacto fundador foi aceito tal qual até o século XVIII. 17
15
A "virada lingüística", marca dos anos de 1970, reserva papel central à linguagem e sua dimensão
performativa na produção do conhecimento histórico. A linguagem passa a ser compreendida como produtora e
não mais mera transmissora de ideias e realidades. Do ponto de vista da historiografia isso implica em o
historiador estar atento não só aos contextos sociais, mas também aos contextos linguísticos relativos aos temas e
tempos estudados. No que se refere à produção do conhecimento histórico escolar, essa "virada" se reflete no ato
de o(a) docente reconhecer, em diálogo com demandas de seu tempo, as subjetividades implicadas na produção
de narrativas tecidas durante os processos ensino-aprendizagem. Cf. PALTI, Elias José. Giro Linguístico e
Historia Intelectual. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2012.
16
REVEL, Jacques. A biografia como problema. In: História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed
UFPR, 2010, p.237.
17
REVEL, Jacques. Recursos Narrativos e Conhecimento Histórico. In: História e Historiografia: exercícios
críticos. Curitiba: Ed UFPR, 2010, p. 212.
18
Idem, ibidem.
17
narrativa histórica esclarecendo que, associadas como neste último caso, essas duas palavras
não designam simplesmente um estilo possível de escrita da história; denotam, sim, a noção
de narrativa como um elemento constitutivo do saber histórico. 19
Segundo as autoras, a articulação do conceito de narrativa histórica com o de
conhecimento escolar privilegia também o papel do docente que
[...] ao produzir as narrativas do conhecimento escolar objeto de ensino, cria
construções que venham a contribuir para que seus alunos possam compreender a
diversidade de experiências das diferentes sociedades humanas em perspectiva
crítica e transformadora/reconfiguradora de sentidos sobre o mundo, que possibilite
compreender/explicar contradições, processos, "intrigas" e possibilidades;
professores narradores de narrativas da História escolar. 20
19
MONTERO E GABRIEL. Currículo de História e Narrativa: Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas.
In: MONTEIRO, Ana Maria; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAÚJO, Cinthia Monteiro de; COSTA, Warley da
(orgs.) Pesquisa em Ensino de História: Entre Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. - 1 ed. - Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014.
20
Idem, p.35
21
MATTOS, Ilmar Rohloff. Mas não somente assim. Leitores, autores, aulas como texto e o ensino
aprendizagem de história. Revista Tempo. Departamento de História da UFF. V.11, n.21. Rio de Janeiro. Julho,
2006, p.11.
22
MONTERO E GABRIEL. Currículo de História e Narrativa: Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. In:
MONTEIRO, Ana Maria; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAÚJO, Cinthia Monteiro de; COSTA, Warley da
(orgs.) Pesquisa em Ensino de História: Entre Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. - 1 ed. - Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014. p.34
18
impuseram durante tanto tempo, tomando uma nova forma que permite dar luz e superar
algumas dificuldades no campo do ensino-aprendizagem. Por isso, entendemos também, que
o(a) professor(a)/autor(a) deve ter em seu horizonte o devir; ou seja, é importante que conte
com as múltiplas e simultâneas possibilidades para o desfecho de sua narrativa, pois esta parte
- que lhe escapa - se dá na interlocução com seu público leitor; neste caso, na forma como
cada estudante vai apreender e se apropriar daquela história.
Neste projeto, elegemos um indivíduo, uma pessoa e não um grupo social, por
exemplo, como protagonista de nossa narrativa histórica com fins didáticos. Escolhemos
explorar os usos do biográfico para o ensino de história e, antes que pareça que seguimos por
caminhos isentos de problematizações, devemos esclarecer que nossa opção só pode ser
compreendida quando cientes das discussões atuais acerca das relações entre biografia e
história.
A partir da década de 1980, em meio à crise dos grandes modelos de interpretação
marxista e estruturalista, a esfera do individual se tornou uma questão central e as apostas na
biografia foram retomadas. À luz de Chartier, Benito Bisso Schmidt 23afirma que o
movimento de retomada da biografia no campo da História a partir da década de 1980,
relacionado à crise do paradigma estruturalista, deseja "trazer de volta os indivíduos à
construção de laços sociais".
Tratava-se de recuperar o poder da história de contar uma história, resgatando os
aspectos literários da prática historiográfica, que a preocupação teórica de quase cem
anos tinha eclipsado(...) o indivíduo, até então predominantemente um joguete nas
mãos das vastas forças impessoais ou, então, um simples elo nas cadeias de amplas
estruturas meta-humanas, ressuscitava da morte a que fora condenado e resgatava
sua dignidade. 24
Tal movimento, todavia, foi alvo de questionamentos por parte de alguns historiadores
preocupados com um possível retorno de abordagens cronológicas, individualistas e narcísicas
da história. Muitos autores, também, passaram a refletir sobre esse movimento não como um
simples retorno, mas sim, apontando para suas especificidades. Quais seriam as perspectivas
que fariam do biográfico algo renovado e desvinculado de um modelo de história que se
buscava superar?
Começamos a responder essa pergunta a partir de Levillain e suas critica às pretensões
muito grandiosas que tentam dar conta de totalidades. O autor identifica em tais propostas
grandes obstáculos a abordagens mais densas e comprometidas com o fazer histórico.
23
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história & cultura – UCS.v. 2,
n. 3, p. 57-72, jan./jun. 2003
24
NEVES, Guilherme Pereira das. História, Teorias & Variações. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2011. p. 79.
19
a biografia histórica hoje reabilitada não tem como vocação esgotar o absoluto do
"eu" de um personagem, como já o pretendeu e ainda hoje pretende mais do que
devia. E se a simbologia de seus fatos e gestos pode servir de representação da
história coletiva através de um homem, tal como o retrato, ela não esgota a
diversidade humana (...) Ela tampouco tem que criar tipos (...). 25
Jaques Revel também destaca a importância do tratamento das fontes como algo
determinante para o trabalho biográfico e defende, nesse ensejo de reconfiguração, a ruptura
com algumas regras que de maneira implícita recaem sobre a escrita biográfica como por
exemplo a ideia de que uma vida é uma trajetória contínua, costurada pela coerência e
25
LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In.Por uma História Política. RÉMOND, René (org.).
Dora Rocha (trad.). Rio de Janeiro: FGV, 2013. p 176
26
NEVES, Guilherme Pereira das. Elétrons não são interessantes como gente: História e Biografia. História,
Teorias & Variações. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2011. p.82.
27
NEVES, Guilherme Pereira das. Elétrons não são interessantes como gente: História e Biografia. História,
Teorias & Variações. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2011.
20
compreendida entre um começo e um fim. Para isso, o autor sugere que da vida do biografado
se escolha um seguimento específico para se trabalhar e também que se questione o princípio
da coerência levando em conta a posição do sujeito biografado sempre de maneira relacional,
ou seja, delineando-a pelas relações travadas em cada contexto específico. 28
Pierre Bourdieu, em A Ilusão Biográfica, também alerta para a trama - a superfície
social - em que se inserem os indivíduos e critica as produções biográficas alinhadas à
perspectiva teleológica da história, ou seja, que trabalham histórias de vida como
hermeticamente fechadas em si, como se cumprissem uma trajetória sem percalços,
ininterrupta e auto-explicativa, seguindo o modelo do "desde pequeno fulano tinha espírito de
liderança...por isso se tornou presidente", por exemplo. Este autor sustenta a necessidade de se
analisar criticamente os processos sociais que atuam na construção de uma história de vida:
Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de
acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um "sujeito"
cuja constância certamente não é senão aquela do nome próprio, é quase tão absurdo
quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura
da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. 29
Não contradizendo totalmente o que é posto por Bourdieu, mas enfatizando outras
faces e usos do gênero biográfico, Giovanni Levi enfatiza as liberdades, as negociações, as
capacidades, os espaços de ação dos indivíduos diante das regras estabelecidas. Segundo ele,
as normas estabelecidas pelo poder hegemônico são marcadas inexoravelmente por
incoerências e, nesses limites entre o imposto e seus próprios paradoxos, reside o espaço onde
as ações dos indivíduos são capazes de promover transformações na sociedade. O campo do
biográfico seria uma via privilegiada para observar o funcionamento concreto dos sistemas
normativos e as margens mais ou menos extensas de liberdade dos indivíduos em cada
contexto:
Na verdade nenhum sistema normativo é suficientemente estruturado para eliminar
qualquer possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou de interpretação
das regras, de negociação. Ao meu ver, a biografia é por isso mesmo o campo ideal
para verificar o caráter intersticial - todavia importante - da liberdade de que
dispõem os agentes e para observar como funcionam concretamente os sistemas
normativos, que jamais estão isentos de contradições. 30
Nessa esteira, Benito Schmidt afirma, por sua vez, que nos usos contemporâneos da
biografia pela história devemos visar à introdução do elemento conflitual; buscar a relação
28
REVEL, Jacques. A biografia como problema. In: História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed
UFPR, 2010.
29
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (orgs.) Usos
e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. pp.189, 190.
30
LEVI. Usos da biografia. In. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (orgs.) Usos e Abusos da
História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. pp.179, 180.
21
31
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história & cultura – UCS.v. 2, n.
3, p. 57-72, jan./jun. 2003
32
SCHMIDT, Benito Bisso. Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na história, no jornalismo, na
literatura e no cinema. p.3. Comunicação apresentada na sessão “A abordagem biográfica: meios e fins em
diferentes campos de expressão e saber” do GT “Biografia e memória social” no XXII Encontro Anual da
ANPOCS. Caxambu/MG, outubro de 1998. Disponível em
http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=5031&Itemid=359. Acesso
em: 20 de agosto de 2015.
33
LEVILLAIN, Phillipe. Os protagonistas da biografia. In. RÉMOND, René. Por uma história política.
Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.176.
34
SOIHET, Rachel. Discutindo Biografia e História das mulheres. In: FUNK, Susana Bórneo; MINELLA,
Luzinete Simões; ASSIS, Glaucia de Oliveira (orgs.). Linguagens e Narrativas: Desafios feministas. Vol.1.
Tubarão - SC: Copiart, 2014, p.63 a 79.
22
legitimado, ao rés do chão, pelas transformações que induziu, chega à universidade e nos
demonstra, mais uma vez, que até os compartimentos mais herméticos estão suscetíveis a
ranhuras.
É sabido que a maioria das famílias negras não conseguiam manter a frequência de
seus filhos na escola, e o depoimento de DonaLaudelina ilustra bem esta realidade,
pois a instrução formal que recebeu foi diminuta, conforme ela mesmo diz: nasci em
Poços de Caldas, sul de Minas em 12 de outubro de 1904. Filha de pais
descendentes de escravos, minha infância foi de menina pobre. Fiz até o terceiro
ano do Grupo Escolar David Campista. 35
35
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
36
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
37
Idem, pp. 182 -183.
23
um tom mais reivindicatório à sua atuação, especialmente inspirada no contato com militantes
negros e sindicalistas como Geraldo Campos, Vicente Lobato e um professor negro
maranhense que chegara a Santos fugido por ser comunista e dera aulas na associação
Saudades de Campinas, falando sobre " a condição do negro e do branco trabalhador" 38 e
preparando os associados para realizarem palestras. Segundo Pinto:
Nossa personagem teve contato com as publicações da imprensa negra da época e com
militantes que divergiam entre si a respeito dos posicionamentos a serem travados na luta pela
igualdade racial. Todavia, essa aproximação de pessoas e organizações com ideais políticos
tão distintos não resultaria em contradições em sua própria militância. A autora sustenta e
enfatiza a capacidade de seleção de informações por parte de Laudelina e suas alianças com
pessoas/grupos de posicionamentos políticos diversos como uma forma muito própria de
construir sua militância.
O alinhamento de membros da Frente Negra Brasileira com regimes políticos
fascistas, como o caso de Alemanha e Itália na época, incomodava Laudelina que, inclusive,
se alistou na defesa passiva e auxiliar durante a Segunda Guerra Mundial. Ela afirmava que
foi motivada pela repulsa às ideias racistas de Hitler:
Hitler foi o maior carrasco que existia naquela época. Dizia...que ele eliminaria
todas as raças que não fossem arianas, principalmente a raça negra seria eliminada.
Então aquilo me levou, me trouxe uma revolta dentro de mim, então resolvi me
alistar para servir à Pátria. 40
No ano de 1949 ocorreu sua mudança para Campinas, acompanhando a família para a
qual trabalhava. Nesta cidade que,àquela época, demarcava muito explicitamente o lugar
desprestigiado que o negro deveria ocupar no espaço público, também precisou enfrentar
muitas situações de racismo. Frente a isso, em 1953 iniciou seus trabalhos junto ao Clube
Cultural Recreativo, organização negra da qual fez parte da diretoria e posteriormente passou
38
Idem, p. 203.
39
Idem, p.205.
40
Depoimento de Laudelina de Campos Mello para Elisabete Pinto. In PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade,
gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita
Garibaldi, 2015, p. 209.
24
a organizar atividades como bailes de debutantes negras, concursos de beleza negra - como o
Pérola Negra, cuja primeira edição ocorreu em 1957-, e fundou em 1955a Escola de Bailados
Santa Efigênia, uma escola de bailados clássicos para negros, que tinha como funções
transmitir conhecimentos formais de dança e música, mas também o lazer e a socialização de
conhecimentos de maneira informal. Deste trabalho surgiu também a Cidade do Menores,
fundação dedicada a menores abandonados. Já no ano de 1963, juntamente com Bráulio
Mendes Nogueira - quem ela conheceu na fundação do Teatro Experimental do Negro em
Campinas -, José Alberto e Mário de Oliveira, Laudelina idealizou o "I Salão Campineiro dos
Amigos das Belas Artes", segundo ela, um evento dedicado à "exposição de valores negros".
Todas essas iniciativas foram compreendidas por Elisabete Pinto como investimentos na
educação e na bagagem cultural da população negra visando à "libertação da raça". 41
As histórias lembradas e narradas por Laudelina nos revelam atuações em lugares e
ocasiões onde sua presença não era prevista. Ela adotou, em muitos casos, posturas não
esperadas pelos padrões ideais de mulher negra. No que se refere às próprias organizações
negras, sobretudo na primeira metade do século XX, as mulheres não eram quistas nos cargos
de diretoria; a elas eram destinados os departamentos ligados ao lazer, à promoção de festas e
à cozinha, comumente eram chamados de "departamentos femininos". 42 No entanto, a
presidência de um Clube Recretaivo aos 16 anos, a liderança de movimentos políticos e até
uma atuação na II Guerra Mundial constam em suas histórias. Também constam jantares com
políticos, reuniões com ministros e presidentes da República.
Por um lado, no pós-abolição, a sociedade brasileira que pretendia se desenvolver
fundamentada nos ideais do branqueamento, esperava da mulher negra serviços domésticos
prestados sem nenhum direito assegurado. Por outro, movimentos que buscavam a igualdade
do negro em nossa sociedade, durante a primeira metade do século XX, pretendiam adequar
as mulheres negras aos moldes do ideal de mulheres brancas, ou seja, direcionando-as para o
cuidado com o próprio lar, a própria família e à submissão ao cônjuge. 43 Este modelo, é
importante salientar, não viria a corresponder à realidade da maior parte da população negra
visto que, como nos elucida Bebel Nepomuceno, a menor dificuldade da mulher negra, em
relação ao homem negro, conseguir um trabalho, nas primeiras décadas após a abolição, fez
41
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 229.
42
Idem.
43
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015
25
com que grande parte das mulheres negras chefiassem seus lares e tivessem certa autonomia
na relação conjugal e familiar. 44
As histórias de Laudelina de Campos Mello nos chamam a atenção por revelarem as
marcas da apropriação que ela realizou das coerções sociais. Uma mulher que se casou no ano
de 1922, aos dezoito anos, e via no cônjuge muito mais um parceiro com quem poderia se
divertir indo a bailes do que um protetor ou provedor. Durante o casamento a atuação dela e
de seu marido em organizações negras nos possibilita indagar que ela ocupava cargos mais
elevados que ele, a exemplo da associação Saudade de Campinas, da qual ela era oradora e
vice-presidente e seu marido era seu secretário. Ela foi mãe de Alaor (1925-1989) e Neusa,
que faleceu ainda pequena. Alaor não construiu família e carreira próprias, era ele o
responsável pela casa e por assessorar e secretariar sua mãe. Laudelina separou-se do marido
ao descobrir adultério e não mais se casou. Alegou em depoimento à Elisabete Pinto que a
vida pública que assumira não dava brechas para um novo cônjuge e que não concebia
namoro sem casamento, dando a entender que teria abdicado da sua vida sexual.
Nos registros deixados por nossa personagem ela faz questão de dar ênfase à sua vida
pública, até mesmo nas cartas trocadas com parentes. Com relação à sua família de origem,
Laudelina era uma filha, irmã, cunhada e tia que apenas se fazia presente, para além de
notícias por cartas, quando algum de seus familiares estivessem envolvidos com problemas do
âmbito público, como questões trabalhistas ou de racismo. Talvez fosse na forma da atuação
política que nossa personagem melhor expressasse o carinho e cuidado para com os que a
cercavam. Segundo Elisabeth Pinto,
44
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e
PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012.
45
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. p. 162
26
Trabalhadoras Domésticas do Brasil com fins beneficentes. Seu objetivo inicialmente era
auxiliar especialmente aquelas que se encontravam doentes e sem amparo. Tais situações
eram muito comuns entre essas trabalhadoras que tinham ao longo da vida seu trabalho
explorado e nenhum direito assegurado, já que as Leis Trabalhistas instituídas por Getúlio
Vargas não contemplavam tal segmento. Segundo depoimento de Laudelina:
46
Depoimento de Laudelina de Campos Mello para Elisabete Pinto. In PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade,
gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita
Garibaldi, 2015, p. 362.
47
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993, p.421.
27
48
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da
descolonização e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília,
2007, p. 118.
28
49
COSTA, Claudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas reflexões.
Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. Acessado em abril
de 2016.Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST69/Claudia_Pons_Cardoso_69.pdf, p.6.
50
COSTA, Claudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas reflexões.
Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. Acessado em abril
de 2016. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST69/Claudia_Pons_Cardoso_69.pdf
51
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
29
menina pra rua 11 horas da noite. Aí eu fui falar com ela, ela disse que tinha posto
mesmo, porque a menina abusou da confiança dela e passou a ser amante do marido.
Eu falei: "Não foi ela que abusou do seu marido, foi seu marido que abusou
dela."....fui lá no juiz e fiz queixa né... 52
Essa faceta das preocupações de Laudelina fica também evidente no próprio fato de
que, desde 1936, já a primeira Associação ter sido criada visando à formação de uma rede de
solidariedade entre as domésticas, ou seja, majoritariamente as mulheres negras da época, que
diante da exploração de seu trabalho e na ausência de qualquer direito garantido, pudesse
buscar apoio nesse coletivo.
Em uma visão única da história, nossa protagonista seria tratada como uma parcela da
humanidade sem cor, sem gênero, sem subjetividade, cuja condição é simplesmente
determinada por constrangimentos sociais. Sob nosso enfoque, Laudelina deve ser analisada
enquanto sujeito, que traz em suas histórias de vida as marcas das relações sociais travadas
em seu tempo e, ao mesmo tempo, agente, no que tange à exploração das brechas inerentes
aos sistemas normativos. Como argumenta Soihet,
O método biográfico constitui-se no campo ideal para verificação das brechas
utilizadas pelos subalternos, entre eles, as mulheres, os quais mesmo que se valendo
de subterfúgios, compõem a rede de uma antidisciplina. Desta forma, buscam
aproveitar as “ocasiões”, as possibilidades oferecidas para garantir o exercício de
sua cidadania, inclusive em termos de gênero, no grau mais ampliado possível. 53
52
Depoimento de Laudelina de Campos Mello para Maria Dutra de Lima. In: Trabalhadores, Classes Perigosas,
n.6:27-40. Associação Cultural do Aquivo Edgar Leuenroth/Unicamp. Campinas, 1990. Apud. PINTO,
Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello
(1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
53
SOIHET, Rachel. Discutindo Biografia e História das mulheres. In: FUNK, Susana Bórneo; MINELLA,
Luzinete Simões; ASSIS, Glaucia de Oliveira (orgs.). Linguagens e Narrativas: Desafios feministas. Vol.1.
Tubarão - SC: Copiart, 2014, p.63 a 79.
54
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.
21. ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p.86.
30
55
FERREIRA, Neil. Nos Salões do Teatro Municipal de Campinas Eleita a Pérola Negra. O Cruzeiro. 18 de maio
de 1957. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina
de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade
de Educação, 1993. 493 pp.
56
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
57
Jornal da Cidade, 03/07/1967, apud BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas
no Brasil: teorias da descolonização e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília:
Universidade de Brasília, 2007.
31
O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando
percebida na ambiguidade de uma efetuação, mudada em um termo que depende de
múltiplas convenções, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e
modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. Diversamente
do lugar não tem portanto nem univocidade nem estabilidade de um próprio. O
espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um
urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o
58
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 21. ed.
- Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
32
De acordo com Loriga, sustentamos o uso de biografias pela história como forma de
abordagem que apresente a sociedade como uma obra comum e não como uma totalidade
social independente ou como um estrutura impessoal superior aos indivíduos e que os
domina60. Acreditamos que a perspectiva que procuramos desenvolver apresenta elementos
muito férteis no âmbito dos nossos objetivos relacionados à construção do conhecimento
histórico escolar. Ao mesmo tempo que dessacralizamos a história, ou seja, através do uso de
histórias de vida de uma pessoa comum, aproximamos a história experimentada pelos
estudantes da história narrada; também tencionamos trocar a sensação de vertigem que
imobiliza, pela possibilidade de ação frente às coerções dos contextos em que se inserem.
Para nossa proposta a biografia é, como afirmou Levillain, "um meio de mostrar as ligações
entre passado e presente, memória e projeto, indivíduo e sociedade, e de experimentar o
tempo como prova da vida." 61
59
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 21.
ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p.184
60
LORIGA, Sabina. O pequeno x: da biografia à história.Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
61
LEVILLAIN, Phillipe. Os protagonistas da biografia. In. RÉMOND, René. Por uma história política.
Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.176.
33
A relação entre saber e poder é assunto de destaque para Michel Foucault que, em
Vigiar e Punir, afirma: "não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de
saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder" 62. Esse
é também um pressuposto que embala as reflexões do nosso estudo e costura a proposta de
intervenção didático-pedagógica que aqui desenvolvemos. Na perspectiva pós-estruturalista
da teoria de currículo 63, a disputa por poder é a disputa pela fixação de sentidos. Nada é real
antes do discurso, ou seja, é a linguagem que constitui o real ao dar sentido às coisas.
...o significado não é, da perspectiva pós-estruturalista, pré-existente; ele é cultural e
socialmente produzido. Como tal, mais do que sua fidelidade a um suposto
referente, o importante é examinar as relações de poder envolvidas na sua produção
(...) Uma análise derridariana do processo de significação combina-se aqui com uma
análise foucaultiana das conexões entre poder e saber para caracterizar o processo de
significação como não apenas instável, mas também como dependente de relações
de poder. 64
Nessa visão, as relações de poder que marcam hoje a sociedade não são dicotômicas e
nem bem definidas estruturalmente; constituem-se em uma arena de conflitos infindos onde
micropoderes se posicionam sempre de forma assimétrica. Por esse prisma, o currículo é
entendido como um "discurso produzido na interseção entre diferentes discursos sociais e
65
culturais que ao mesmo tempo reitera sentidos postos por tais discursos e os recria." Ou
seja, sendo um discurso oriundo da relação assimétrica entre poderes, o currículo atua na
atribuição de significados, criando e enunciando sentidos e identidades tanto pelo que é
abordado quanto pelo que é omitido, silenciado.
Atento ao caráter político do dito e do não dito, o autor Amilcar Araújo Pereira em seu
artigo Resistência também dentro da escola, chama a atenção para um caso de silenciamento
62
FOUCAULT, Michel.Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p.30.
63
Segundo Tomaz Tadeu da Silva "não se pode falar propriamente de uma teoria pós-estruturalista do currículo
mesmo porque o pós-estruturalismo tal como o pós-modernismo rejeita qualquer tipo de sistematização. Mas há
certamente uma atitude pós-estruturalista em muitas das perspectivas atuais sobre o currículo (...) a atitude pós-
estruturalista enfatiza a indeterminação e a incerteza também em questões de conhecimento. O significado não
é...pré-existente; ele é cultural e socialmente construído. A perspectiva pós-estruturalista abandona a ênfase na
"verdade" para destacar em vez disso, o processo pelo qual algo é considerado como verdade. A questão não é
pois saber se algo é verdadeiro, mas, sim de saber porque esse algo se tornou verdadeiro" Cf. SILVA, Tomaz
Tadeu. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2013. pp.122 e 123.
64
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. - 3. ed. - 4
reimp - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. p.123.
65
LOPES, Alice Casemiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011, p.41.
34
O autor sublinha a importância de dar ênfase às lutas do povo negro brasileiro frente
às injustiças que lhes foram impostas em diversos contextos como via de desnaturalização da
sua associação exclusiva à escravidão, à submissão e à resignação. Diante disso, destaca a
responsabilidade da escola em romper com a propagação dessas ideias visando à superação da
desigualdade racial que nos causa tantos prejuízos à nossa sociedade.
Entendemos que o pouco conhecimento das lutas travadas por Laudelina de Campos
Mello em nosso país é um exemplo nítido dessa assimetria de poderes revelada nos
currículos, além de materializar o problema apresentado por Pereira e que nos serve de pilar
para o desenvolvimento deste trabalho.
seu protagonismo e importância na luta dos direitos das empregadas domésticas são
desconhecidos por muitas/os, isso porque, como ressalta Collins, “grupos desiguais
em poder são correspondentemente desiguais na possibilidade de fazer seus pontos
de vista conhecidos por si mesmos e por outros”. 67
66
PEREIRA, Amilcar Araujo. Resistência também dentro da escola. Revista de História da Biblioteca
Nacional. nº101, fev/2014, p. 80.
67
COSTA, Claudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas reflexões.
Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. Acessado em abril
de 2016.Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST69/Claudia_Pons_Cardoso_69.pdf, p.6.
68
MATTOS, Hebe Maria. O ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU,
Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro:Casa da
Palavra, 2003.p. 133
69
BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2003.
35
70
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. - 3. ed. - 4
reimp - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. pp.101,102.
71
Frente Negra Brasileiro (FNB) foi um movimento criado no ano de 1931, que se tornou partido político em
1936 e, em 1937, foi fechado pelo Estado Novo de Vargas. Cf. DOMINGUES, Petrônio. Um "templo de luz":
Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a questão da educação. Revista Brasileira de
Educação. vol.13 no.39. Rio de Janeiro. Sept./Dec. 2008. Já o Teatro Experimental do Negro (TEN) surgiu, em
1944, no Rio de Janeiro com a proposta de, através da educação, da cultura e da arte, "resgatar, no Brasil, os
valores da pessoa humana e da cultura negro-africana...a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, "
Cf. NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos avançados. 18
(50), 2004, p. 210.
72
NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos avançados. 18
(50), 2004, p. 210.
73
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
36
A autora Warley da Costa, em seu artigo Escrita Escolar da História da África e dos
Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções, ressalta o papel assumido pelo Estado ainda na
década de 1950 no intuito de frear a discriminação racial impregnada na sociedade brasileira.
Lembra que em 1951 a Lei Afonso Arinos, de nº 1390, estabeleceu que esse tipo de
preconceito passava a ser contravenção penal. Entretanto, foi a partir da década de 1980 que
este enfrentamento ganhou mais força. Com a reabertura política e o centenário da abolição, o
movimento negro no Brasil tomou outras configurações e se articulou com variadas esferas de
poder. Suas ações em meio à produção da nova Carta Constitucional promulgada em 1988
resultaram no artigo 215, que atribui ao Estado a responsabilidade de assegurar e proteger as
manifestações da cultura afro-brasileira e também indígena e de outros povos que tenham
participado do processo de construção da nação brasileira. 74
Nesta conjuntura, as demandas do povo negro passaram a ter mais visibilidade e a
educação formal, ou seja, o ambiente escolar, continuou sendo visto como um instrumento
poderoso de transformação.Amilcar Pereira destaca a importância de Maria Raimunda Araújo
(Mundinha), presidenta do Centro de Cultura Negra (CCN) do Maranhão, que ainda no início
dos anos 1980 atuara diretamente nas escolas oferecendo palestras e produzindo materiais
didáticos voltados para a positivação do papel da população negra na história do nosso país,
que foram, inclusive, publicados em outros estados. 75 Já as décadas de 1990 e 2000 foram
marcadas por uma série de políticas educacionais e culturais, por parte do governo federal,
com o objetivo de atender às necessidades de enfrentamento e superação do racismo.
Especialmente o ensino de história para a educação básica passou ser regulado com afinco por
parte do Ministério da Educação que, em suas normatizações,valorizou as noções de cultura,
diversidade cultural, identidades e relações étnico raciais. 76
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,sancionada no ano de 1996,
estabeleceu que “o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das
diferentes etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena,
74
COSTA, Warley da. A Escrita Escolar da História da África e dos Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções.
In. PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de História e Culturas Afro-
brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
75
PEREIRA, Amilcar Araujo. Por uma autêntica democracia racial: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de História.Revista História Hoje. vol. 1, n.1, p.111-128, jun/2012.
76
ABREU, Martha e MATTOS, Hebe. Em torno das "Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana": uma conversa com
historiadores.Estudos Históricos. Rio de Janeiro, jan-jun/2008. p.6
37
africana e europeia”. 77Também o Ministério da Justiça criou neste ano o Programa Nacional
de Direitos Humanos que, dentre uma série de ações, estimulava a produção de livros
didáticos que valorizassem "a história e as lutas do povo negro na construção do nosso País,
eliminando estereótipos e discriminações”. 78 Nos anos seguintes, foram elaborados os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s), que apresentaram temas transversais, ou
seja,comuns a todas as disciplinas. São eles: Convívio Social e Ética, Pluralidade Cultural,
Meio Ambiente, Orientação Sexual, Saúde, Trabalho e Consumo. O tema Pluralidade Cultural
é descrito pelo documento da seguinte forma em 1998:
Este tema propõe uma concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural
que compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas por
desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo
elementos para a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não
significa aderir aos valores do outro, mas respeitá-los como expressão da
diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade
intrínseca, sem qualquer discriminação. A afirmação da diversidade é traço
fundamental na construção de uma identidade nacional que se põe e repõe
permanentemente, tendo a Ética como elemento definidor das relações sociais e
interpessoais 79
No ano de 2003, o que até então constava apenas como orientação nos Parâmetros
Curriculares Nacionais e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional passou a ter
caráter de obrigatoriedade. A Lei 10.639, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, tornou obrigatório o ensino da história da África e dos afro-brasileiros nas instituições
escolares e fez com que diferentes esferas da estrutura educacional do nosso país se
mobilizassem para atendê-la, gerando consequências importantes:
77
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acessado em abril de 2016.
78
BRASIL. Ministério da Justiça. I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNHD). Decreto nº 1904, de 13 de
maio de 1996. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-no-Brasil/i-
programa-nacional-de-direitos-humanos-pndh-1996.html. Acessado em abril de 2016.
79
. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. Disponível em http://portal.mec.gov.br/par/195-secretarias-
112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12657-parametros-curriculares-nacionais-5o-a-8o-series.
Acessado em abril de 2016.
80
COSTA, Warley da.A Escrita Escolar da História da África e dos Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções.
In. PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de História e Culturas Afro-
brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
38
81
Idem, p.218.
82
CANEN, Ana. Sentidos e Dilemas do Multiculturalismo: Desafios Curriculares para o novo milênio. IN:
LOPES, Alice Casemiro; MACEDO, Elizabeth (orgs.). Currículo: debates contemporâneos - 3ª ed - São
Paulo: Cortez, 2010, pp.174-195.
83
ALBERTI, Verena. "Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-brasileira". In: PEREIRA,
Amilcar Araújo e MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história e culturas afro-brasileiras e indígenas.
Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
39
...o que nos é necessário, enquanto gênero subordinado, não é reduzir a história da
humanidade às experiências sociais das mulheres, mas fazer com que esta história
"seja elaborada a partir de todas as experiências humanas, tanto no que elas têm de
comum como no que têm de específico." O que pressupõe uma revisão radical na
maneira de pensar a história. E, nessa revisão, a abordagem biográfica das mulheres,
e do ponto de vista das mulheres, constitui-se numa contribuição preciosa não
enquanto método específico, mas pela pertinência das questões que ela pode
colocar. 84
84
SOIHET, Rachel. Discutindo Biografia e História das mulheres. In: FUNK, Susana Bórneo; MINELLA,
Luzinete Simões; ASSIS, Glaucia de Oliveira (orgs.). Linguagens e Narrativas: Desafios feministas. Vol.1.
Tubarão - SC: Copiart, 2014, p.79.
85
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.);
HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, pp.73-102.
40
identidades. Para Stuart Hall 86, em Quem precisa de identidade?, "as identidades são, pois,
pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para
nós." Contrariando o senso comum que pensa a identidade como autoreferente, esse ponto de
vista ressalta a relação permanentemente conflituosa e relacional entre a definição do "eu" e
dos "outros".
Mas, então, quem seria o "Outro"? Sob a ótica pós-estruturalista, a qual aqui
adotamos, é o ato de nomear que constrói a diferença; o "Outro", portanto, não "é", "torna-se".
Ao deslocar o eixo gerador dessa relação da identidade para a diferença,a referência deixa de
ser si próprio e apostamos no descentramento do indivíduo como via de luta contra a
inferiorização naturalizada do negro e da mulher. Assim fundamentados, desenvolvemos
nesse trabalho abordagens que despertem nos estudantes o autoreconhecimento enquanto
sujeitos de identidades não fixas e as responsabilidades para a superação das profundas
marcas que as hierarquizações raciais e de gênero produzem em nossa sociedade. Segundo
Suely Costa:
A igualdade nas diferenças é o ideário a se consolidar na vida democrática; é nele
que as escolas devem apostar. Se a impropriedade do sexo como modo de nomear e
classificar as coisas e a vida social tornou-se perceptível, não há porque pretender
transformar diferenças. A igualdade na diferença é uma possibilidade; a diversidade
não é incompatível com a igualdade. 87
86
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart;
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000, p.112.
87
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.5.
88
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em janeiro de 2015.
41
Apesar do termo "cultura africana" ser abordado no singular, denotando uma espécie
de essencialização, entendemos que o posicionamento dessas diretrizes têm enorme relevância
para nossos tempos. São elas que, de fato, estabelecem estratégias pedagógicas de
enfrentamento ao racismo no ambiente escolar e rompem com a superficialidade, ou mesmo o
silenciamento, no tratamento das questões étnico-raciais que durante tanto tempo
corroboraram o discurso de que o Brasil vive uma democracia racial. Tendo sido engendradas
na noosfera - conceito de Chevallard 89 para referir-se ao espaço dedicado à elaboração de
compatibilidade entre escola e saberes de referência, no qual atuam os movimentos sociais,
por exemplo -, assim como Costa, entendemos essas Diretrizes como uma narrativa produtora
de significados politicamente disputados. 90
O currículo eurocêntrico, alvo desconstrução por parte das políticas educacionais
citadas, é um discurso de legitimação de uma identidade de superioridade do homem, branco,
europeu, que ocupou por séculos a posição privilegiada de narrador da história e imprimiu
em nos livros, manuais didáticos, salas-de-aula, museus e outros espaços as digitais de uma
identidade autocentrada. Sob as máscaras de meros descritores da "História como ela é" estas
narrativas são naturalizadas pela ilusão de uma normalidade, que por sua vez não se constitui
em si, mas sim pela definição do que é antinormal, abjeto, rejeitável". Nas palavras de Tomáz
Tadeu Silva:
89
CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica: Del saber sábio al saber esnseñado. Buenos Aires:
Aique Grupo Editor, 3ª ed., 2009.
90
COSTA, Warley da. A Escrita Escolar da História da África e dos Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções.
In. PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de História e Culturas Afro-
brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
91
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.);
HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p.83
42
aos sujeitos pelas hierarquizações no âmbito do gênero 92. Nas considerações de Cristiani
Bereta da Silva:
Outro ponto importante a ser pensado é que, para além das representações
persistentes que estereotipam homens e mulheres em papéis a-históricos, é o fato de
que temas relacionados às mulheres e às relações de gênero não são problematizados
em suas contingências históricas: são dadas como necessárias, e fazem parte de uma
história pronta e acabada. 95
92
Para as ciências sociais 'gênero' significa "a distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a
dimensão biológica dos seres humanos". Seu uso enfatiza a ideia de assimetria e de hierarquia entre homens e
mulheres incorporando as dimensões das relações de poder. Cf. SOHEIT, Raquel e PEDRO, Joana. A
emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero.Revista Brasileira de História.Nº
54 vol. 27. São Paulo: ANPUH, jul.-dez, 2007, p.281-300
93
SILVA, Cristiani Bereta da. Gênero e sexualidade nos livros didáticos de História: Algumas questões sobre
produções de subjetividades. Anais do VII Seminário Fazendo Gênero 28, 29 e 30 de 2006.
http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/C/Cristiani_Bereta_da_Silva_07_A.pdf. Acesso em: 09 de abril de
2016. p.5.
94
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. - 3. ed. - 4
reimp - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
95
SILVA, Cristiani Bereta da. O saber histórico escolar sobre as mulheres e relações de gênero nos livros
didáticos de história. Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007. p. 242.
43
96
GANDELMAN, Luciana. Gênero e Ensino: Parâmetros Curriculares, Fundacionismo Biológico e Teorias
Feministas. In. SOIHET, Rachel; ABREU, Martha (orgs.). Ensino de História: Conceitos, temáticas e
metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p.218.
97
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.1.
98
COSTA, Suely.Gênero e História.In. ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. (orgs.) Ensino de História:
conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
44
Em diálogo com de Judith Butler, Tomaz Tadeu da Silva defende que ao acreditar que
estamos descrevendo algo, nós já estamos discursando sobre, imprimindo sentido a tal coisa;
assim a identidade não é aquilo que "se é", mas aquilo que "se torna". Afirma, ainda, que as
identidades hegemônicas são ratificadas pela eficácia desses atos performativos, alcançadas
através da repetição. 100Atentos às assimetrias entre os protagonismos proporcionados ao
masculino e ao feminino no âmbito do conhecimento histórico escolar e, como destaca Hebe
Mattos, às “assimetrias entre o conhecimento das sociedades europeias, ameríndias e
africanas” 101, entendemos que a hegemonia de currículos que omitem a agência de negros e
mulheres nos processos históricos ratifica a todo momento a insignificância destes
agentes/sujeitos para a construção de nossa sociedade. As narrativas históricas didáticas, ao
negligenciá-los repetidas vezes, os naturalizam como "Outros", relegando a eles menos
direitos em relação aos que são considerados a "norma", a "referência".
Segundo Butler, porém, esse processo pode ser interrompido pela contestação e é
nesse poder de questionamento e ruptura que reside o potencial transformador dessa
concepção. Assumimos, então, o desafio da contestação do discurso reproduzido pelos
currículos de história centrados no homem, branco, europeu. A produção de nossa narrativa
histórica didática a partir das investigações sobre as histórias de vida de Laudelina de Campos
Mello significa a nossa inserção na disputa pelo frear de um discurso hegemônico que destitui
mulheres e negros de papéis importantes na história do nosso país. O prisma pelo qual
pretendemos tratar histórias de nosso país nesse estudo soma em si duas categorias de
diferenciação: é um olhar negro e, ao mesmo tempo, feminino. As questões racial e de gênero
nesse caso possibilitam uma leitura do passado que apreenda o modo como as hierarquizações
que as envolvem moldam experiências distintas para um mesmo contexto.
Em diálogo com Lilian Schwartz, Suely Costa afirma sobre o ensino de história:
99
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo". In: LOPES LOURO, G.(org.) O
corpo educado - Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 152 e 163.
100
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da
(org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, pp.73-102
101
MATTOS, Hebe Maria. O Ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU,
Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2003, p. 133.
45
Há muitos desafios a enfrentar. Um deles é o ter que lidar com um tipo de história
que já nasce pronta, moldando um dado imaginário sobre essas relações, esquemas
e interpretação, quase que em formatos definitivos, que pouco têm incorporado da
revisão de paradigmas. Não se pode deixar de avaliar o quanto repetir antigos
modos de pensar a história nos torna participantes da propagação de preconceitos,
base de discriminações de vários feitios.No uso do conceito de gênero, essa
categoria útil de análise, há muitas desconstruções a fazer na história do Brasil; é
preciso inventá-la. 102
A concepção de narrativa posta por Ana Maria Monteiro e Carmem Gabriel como um
discurso que expressa e produz subjetividades e, dessa forma, pode desempenhar a função de
revelar as relações de poder assimétricas expressas no âmbito do currículo e suas práticas, é a
que fundamenta nossas reflexões, já que estamos aqui preocupados em antepor agentes
preteridos pelas narrativas oficiais/hegemônicas. 103Sustentamos a ideia de que um currículo
que se pretenda democrático e transformador deva transcender ao posicionamento de
benevolência em relação às diferenças; estas devem ser compreendidas como partes
indissociáveis da existência de todos os indivíduos em sociedade e como as referências para a
compreensão das posições ocupadas por quaisquer indivíduos em variados contextos. Nas
considerações de Luciana Gandelman:
Gabriel e Monteiro 105, à luz de Hartog, dão tom aos nossos anseios, visto que, como
pressupõem as autoras, a narrativa histórica didática que nos propomos a construir visa a ser
ponte entre a história vivida e a atribuição de sentidos ao mundo. Em propostas como essa,
nós docentes nos inserimos na disputa curricular pela fixação de novos sentidos à nossa
própria história, convictos de que educar para liberdade é dar início a uma narrativa cujo
ponto final é sempre adiado pelo devir.Como alerta Ilmar Mattos,
102
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.4.
103
MONTERO E GABRIEL. Currículo de História e Narrativa: Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas.
In: MONTEIRO, Ana Maria; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAÚJO, Cinthia Monteiro de; COSTA, Warley da
(orgs.) Pesquisa em Ensino de História: Entre Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. - 1 ed. - Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014.
104
GANDELMAN, Luciana. Gênero e Ensino: Parâmetros Curriculares, Fundacionismo Biológico e Teorias
Feministas. In. SOIHET, Rachel; ABREU, Martha (orgs.). Ensino de História: Conceitos, temáticas e
metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p.218.
105
GABRIEL, Carmen Teresa; MONTEIRO, Ana Maria. Currículo, ensino de história e narrativa. 2007.
Disponível em <http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT12-3145--Int.pdf> Acesso em 28 de julho de 2015.
46
Propor Laudelina como a protagonista do nosso enredo; eleger uma mulher negra, que
foi atuante em diversas lutas ao longo das várias experiências de república no Brasil, como
personagem principal da nossa narrativa histórica didática, é disponibilizar aos estudantes
novas chaves para a compreensão tanto da história nacional quando das suas próprias histórias
de vida.
106
MATTOS, Ilmar Rohloff. Mas não somente assim. Leitores, autores, aulas como texto e o ensino
aprendizagem de história. Revista Tempo. Departamento de História da UFF. V.11, n.21. Rio de Janeiro. Julho,
2006, p.10.
47
Verena Alberti também sustenta que o aprendizado de história deve se dar através de
três processos: a questão de pesquisa, o uso de fontes e a produção de resultados. 108 Segundo
ela, a chave para um resultado positivo de compreensão sobre as pessoas do passado, seria o
acesso a registros relacionados ao tema a ser trabalhado e a(o) docente caberia disponibilizá-
los e proporcionar uma experiência de questionamentos e interpretação deles. Circe
Bittencourt confirma a importância de fontes como recursos para o ensino de história, todavia
aponta para alguns aspectos aos quais devemos estar atentos, ressaltando as diferenças entre
os usos de fontes no processo de ensino-aprendizagem e no ofício dos(as) historiadores(as).
Para ela, a principal diferença estaria no fato de que estes últimos selecionam suas fontes a
partir do domínio prévio de conceitos e categorias de análise bem como de conhecimentos
históricos sobre o período estudado; os estudantes percorreriam o caminho inverso, ou seja, se
utilizariam de documentos para adquirir conhecimentos históricos sobre o contexto em que
estes foram produzidos e, diante disso, cabe à(ao) professora(or) a seleção adequada e a
orientação para a análise. 109 A autora afirma que
107
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.7.
108
ALBERTI, Verena . Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, p. 61-88 - 2012, p.63.
109
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,
2004.
110
Idem, p.331.
49
quadros, músicas, filmes e fotografias." 111 Atentos a isso, disponibilizamos em nosso Baú
Biográfico uma coleção de pistas dos tempos da pequena Nina de Poços de Caldas, no início
do século XX, até registros mais recentes das últimas décadas deste século, quando nossa
personagem principal já atendia por vó Nina. Já o movimento do particular para o geral
sublinhado por Bittencourt, e por nós adotado, implicou no destaque de um dos tipos de
registros que compõem nossa intervenção didática: os depoimentos autobiográficos.
Entrevistas fornecidas por Laudelina de Campos Mello em fins dos anos 1980 e início de
1990, pouco antes de seu falecimento, costuram a narrativa que construímos. Um dos
depoimentos, cujos fragmentos disponibilizamos transcritos e em vídeo no material, foi
concedido ao Museu da Imagem e do Som de Campinas no ano de 1989; o outro, orientado
pelos métodos da história oral, trata-se de um dos resultados da pesquisa de Elisabete
Aparecida Pinto sobre nossa personagem. 112
Sobre uma suposta fragilidade inerente às fontes orais, dialogamos com a ideia de
Marly Motta, segundo essa autora:
Os riscos de distorções, de erros e de falhas presentes na fonte oral não são maiores
nem menores do que nas outras fontes documentais: uma carta, por exemplo, pode
conter mais “mentiras” do que uma entrevista. O depoimento de história oral
permite, sim, o acesso a uma versão do passado, ou seja, à maneira pela qual o
entrevistado concebe opassado. Não se trata, pois, de recuperar a história “tal como
ela efetivamente ocorreu”,mas sim de reconstruí-la através das múltiplas versões
veiculadas pelos atores que viveram acontecimentos e conjunturas do passado. 113
111
Idem, Ibidem.
112
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
113
MOTTA, Marly Silva da. O relato biográfico como fonte para a história. Vidya, Santa Maria (RS), nº 34,
p.101-122, jul./dez. 2000. pp.11-12.
50
relações particulares com o tempo e o espaço, que não são simplesmente atos de
resgate, mas de reconstrução do passado a partir de referenciais atuais. 114
Os depoimentos de Laudelina consistem em um esforço de autobiografar-se e, assim
como nossos usos de sua biografia, são fortemente marcados por demandas e referenciais do
momento em que são produzidos. Nas suas histórias encontramos um rico material a ser
trabalhado em função das demandas da Lei 10.639/03, das lutas por equidade entre gêneros,
dos movimentos de trabalhadores e do entrecruzamento entre esses temas. Assim, através de
seus depoimentos em diálogo com outros tipos de registros, procuramos compreender suas
histórias e, a partir dessa perspectiva, histórias de nosso país.
O modo como dispusemos nossas atividades permitem que conceitos centrais para o
ensino de história sejam trabalhados. Dentre os "seis conceitos chave, que ... são identificados
como o cerne da disciplina: cronologia; diversidade; mudança e continuidade; causa e
consequência; relevância; interpretação", como elenca Verena Alberti, assumem papeis de
destaque em nossa proposta a diversidade e a relevância. Sobre a função do primeiro conceito
a autora afirma:
O principal objetivo...é fazer frente à homogeneização simplificadora que
geralmente está por trás de preconceitos e estereótipos. Bem sabemos que falar do
‘índio’ e do ‘negro’, ou do ‘africano”, é redutor e muitas vezes impede o
reconhecimento de indígenas, negros e africanos como sujeitos e agentes da
história. 115
Como discutido anteriormente, nossos usos do biográfico são, fundamentalmente,
como uma tentativa de superar essencializações e a escolha de Laudelina de Campos Mello
revela nosso esforço em conferir visibilidade a vozes diversas em sala-de-aula.As Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, ao nos orientar para a construção de um ensino
de história efetivamente anti-racista, possibilitam experimentar ações que devem ter como
meta "o direito dos negros a se reconhecerem na cultura nacional (e) expressarem visões de
mundo próprias..." 116. Por isso, as agências e experimentações de Laudelina de Campos Mello
são a chave para o trabalho didático que propomos junto ao 9º ano do ensino fundamental 117.
É a partir dela - mulher, negra, doméstica e militante - que procuramos compreender
114
AURELL, Jaume. Textos autobiográficos como fontes historiográficas: relendo Fernand Braudel e Anne
Kriegel. SILVA, Wilton C. L. (tradução). História (São Paulo) v.33, n.1, p. 340-364, jan./jun. 2014 ISSN 1980-
4369 341. p.340.
115
ALBERTI, Verena . Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, 2012. p.71.
116
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em janeiro de 2015.
117
Apesar de ter sido projetado o 9º ano do Ensino Fundamental, não há qualquer impedimento para que os
materiais disponibilizados no Baú Biográfico sejam utilizados em sala de aula por professores(as) e estudantes
de outras séries suscitando outros enfoques e questões.
51
importantes e diferenciados momentos do nosso país durante o século XX, nas diversas
“repúblicas”, então instauradas no Brasil..
A par dessas formulações, o conceito de relevância é pensado em nosso trabalho.
Sobre o papel desempenhado por esse conceito-chave, Alberti afirma que "cabe introduzir ...
a discussão de porque determinados personagens históricos são lembrados, e outros não, ou
seja, o que, em história, é considerado ‘relevante’ (o que implica perguntar: 'Relevante para
quem e por quê?')." 118 Estamos comprometidos com um processo de ensino-aprendizagem
que não só reconheça a diversidade, mas que valorize as diferenças, visando ao rompimento
com hierarquizações de caráter étnico-racial e de gênero, questões incontornáveis para pensar
a personagem principal que elegemos e também para refletir sobre as formas como
construímos nossas relações na sociedade atual.
Acreditamos que nosso trabalho possa contribuir, como previsto nas Diretrizes
curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, para que as identidades, as
histórias e as culturas dos afro-brasileiros - aqui consideradas no plural - sejam valorizadas;
para que o legado africano na construção da sociedade brasileira seja reconhecido e
valorizado em posição de equidade em relação ao indígena, ao asiático e ao europeu; 119e
também, para o reconhecimento e valorização das agências e protagonismos das mulheres,
para além do âmbito privado, na história do Brasil.
O foco nas agências de nossa protagonista requer, invariavelmente, o trabalho com
outros conceitos-chave citados por Alberti. Primeiramente o acesso às suas histórias se dando
através de pistas de seu passado exige que os estudantes interpretem-nas. A interpretação - de
textos, depoimentos e fotografias - desempenha papel fundamental em nossas atividades e
trava relações diretas com as investigações de porquês e suas consequências no que se refere
às ações de Laudelina. No que se refere, por fim, à cronologia, apesar da opção de não adotar
uma linearidade temporal como estruturante de nossa narrativa, o exercício da identificação
de mudanças e permanências, priorizado em nossa proposta didática, tem como fundamento a
percepção e compreensão do tempo histórico.
Laudelina vivenciou ativamente a militância relacionada às trabalhadoras domésticas
em diferentes momentos durante o século XX. Desde de 1936, quando cria a primeira
118
ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, 2012. pp.73,74.
119
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em janeiro de 2015.
52
120
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,
2004, p.330.
54
A minha irmã estudou no colégio de freiras, onde minha mãe estudou com a
filha da sinhá, minha irmã estudou nesse colégio, mas foi uma barra pois (o colégio)
não aceitava negros. Ela conseguiu por intermédio do compadre que ela tinha. Todos
nós fomos batizados, o que não foi batizado foi crismado por branco. Naquela época
era tudo compadre branco..." 121
Nos trechos destacados acima fica evidente que mesmo após a abolição da escravidão
a liberdade se deu de forma limitada. Dona Sidônia, mãe de Laudelina, que jamais fora
escravizada - nascera de ventre livre - fora doada para a irmã da "sinhá" da mãe para prestar
serviços domésticos. Nota-se também que, mesmo "em tempos de liberdade", os castigos
físicos e a subordinação aos brancos eram práticas muito comuns nas vidas de negros e
negras, sendo esta última uma tática para se alcançar mínimos direitos como acesso à
moradia, escola, alimentação dentre outros que lhes eram concedidos como favores de
compadrio. Cabe ao docente seguir adiante nessa proposta e relembrar de outros
acontecimentos associados a estas experiências, como a "Revolta da Chibata", por exemplo,
ocorrida no Rio de Janeiro, em 1910, que entre suas principais motivações estavam os
constantes castigos físicos aos quais eram submetidos ex-escravizados e seus descendentes
que naquele momento prestavam serviço como marinheiros.
A atividade 2 apresenta um fragmento do estudo etnográfico realizado por Elisabete
Aparecida Pinto 122, no qual trata da relação, omitida publicamente durante mais de meio
século, de nossa protagonista com religiões de matriz africana. Este modo de Laudelina de
Campos Mello se relacionar com sua fé diante da sociedade é a nossa entrada para debater a
discriminação religiosa sofrida por muitos praticantes da umbanda e do candomblé em outros
tempos e também nos dias de hoje em nosso país. A fim de fomentar este debate
disponibilizamos a matéria "Menina é apedrejada na saída de culto de candomblé no Rio", de
2015. 123Já na atividade 3 trazemos registros fotográficos do ano de 1988, que retratam
Laudelina e outras mulheres negras vestidas com trajes típicos de rituais religiosos de matriz
africana em uma missa da Pastoral do Negro em Campinas.
121
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
122
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
123
Uol Notícias, 16/06/2015. Disponível em:/http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-
estado/2015/06/16/menina-e-apedrejada-na-saida-de-culto-de-candomble-no-rio.htm. Acesso em: junho/2016
55
124
Outubro de 1988. Laudelina de Campos Mello e outras militantes negras em missa organizada pela
Pastoral do Negro de Campinas.
Um grupo de padres negros desde então tem investido num diálogo intenso com a
tradição religiosa afrobrasileira. No diálogo entre catolicismo e candomblé, a
pastoral afrobrasileira procura trazer elementos religiosos africanos para o interior
da liturgia católica (...) A reinterpretação da imagem de Nossa Senhora da
Aparecida, a padroeira negra do Brasil, vista como “Senhora Quilombola” é um bom
exemplo. 126
124
Fotografias do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
125
SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e identidade cultural negra: católicos, afrobrasileiros e
neopentecostais. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011
126
Idem, pp.296, 297.
56
até os dias atuais em Salvador – Bahia.Buscamos igualmente promover debates sobre caráter
o histórico dos padrões estéticos de "beleza".
"O nome dela era professora Leo Tigre. Eu a conheci por intermédio de alunas das
famílias conhecidas da gente...me levaram pra conhecer a professora. Fui um dia
assistir à aula, conversando com ela eu disse que tinha vontade de que Campinas
tivesse (escola) para meninas negras, que a gente não conseguia aqui nas escolas do
branco... 129
127
Acervo O Cruzeiro/EM/D.A Press
128
Disponível em http://umbaileparamatarassaudades.blogspot.com.br/. Acessado em junho/2016
129
Laudelina de Campos Mello sobre a fundação das Escola de Bailados Santa Efigênia, em entrevista à
Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª
57
Apresentação de
alunos egressos da
Escola de Bailados
Santa Efigênia, no
primeiro aniversário
da Associação de
Empregadas
Domésticas de
Campinas no ano de
1962.
Apresentação de alunos
egressos da Escola de
Bailados Santa Efigênia, no
primeiro aniversário da
Associação de Empregadas
Domésticas de Campinas no
ano de 1962.
O artista Mario de
Oliveira e suas
obras no I Salão
Campineiro dos
Amigos das Belas
Artes 1960.
130 131
Por outro lado, a criação da Escola de Bailados Santa Efigênia e a produção do I Salão
Campineiro dos Amigos das Belas Artes, do Baile de Debutantes Menina Moça, do Concurso
Pérola Negra dentre outros, demonstram o empenho de Nina em valorizar e inserir público e
artistas negros e negras na vida social e cultural da cidade e em dar uma resposta ao racismo
insinuando espaços em meio a um lugar estruturalmente excludente.
A terceira oficina, "A quem cabe a grita?" é dedicada ao mundo do trabalho e dispõe
de materiais sobre a luta trabalhista de modo mais abrangente - em sua relação com
determinados governos - e, mais especificamente, sobre a luta das empregadas domésticas,
com a qual nossa protagonista esteve intimamente envolvida. Divididos em 3 atividades
seguem depoimentos em vídeo e transcritos; trechos da CLT e da carta constitucional de
1934; matérias e recortes de jornal; e uma carta anônima enviada à Laudelina de Campos
Mello em 1961, ano da fundação da Associação da Empregadas Domésticas de Campinas.
A atividade 1 é um trabalho com fragmentos da Constituição de 1934 134, do Decreto-
Lei da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943 135 e de depoimentos da nossa protagonista.
Desejamos compreender a situação das trabalhadoras domésticas na década de 1930 e a
inserção de Laudelina na luta por melhores condições de vida para essas profissionais, e
verificar junto aos estudantes as conquistas e os limites das leis trabalhistas regulamentadas
132
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
133
Ofício da Câmara Municipal de Campinas parabenizando Laudelina de Campos Mello pela idealização e
realização do I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
134
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acessado em:
junho/2016
135
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acessado em: junho/2016.
59
por Getúlio Vargas.O seguinte relato de nossa protagonista é um dos materiais que constam
nessa atividade.
Associação (das Empregadas Domésticas) não foi cassada, mas também não
funcionou como entidade reivindicatória que era. (Nessa época de 64 a 68) foi
liberada pra funcionar como instituição beneficente. Nesse período não foi realizado
nenhum evento e nem reivindicamos nada...e aí foi votada uma lei para a Associação
passar a ser como utilidade pública...então foi quando eu comecei a funcionar
arranjando mantimentos, roupas, remédios (na Associação passou a ter) médico,
dentista e advogado 138
136
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
137
João Goulart recebeu líderes sindicais de Campinas. O Trabalhador Textil. Campinas, jul/1962. Apud.
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
138
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp
60
A terceira atividade desta oficina volta-se para o caso específico da luta das
domésticas. Com recorte de jornal contendo matéria de título Ela é o Terror das Patroas139; a
matéria Domésticas de campinas travam luta por melhores condições de trabalho 140de 1961;
vídeo e transcrição de fragmentos do depoimento de Laudelina ao Museu da Imagem de do
Som de Campinas em 1989, visamos à compreensão, por parte dos estudantes, das
reivindicações desta categoria no início da década de 1960. Nesse exercício é também
imprescindível que sejam notados elementos característicos dos tempos de escravidão que
assolavam o trabalho doméstico durante todo o século XX. Laudelina relata que:
[...] a maioria daquelas antigas trabalhou 20, 30 anos, morreram na rua pedindo
esmola. Lá em Santos várias delas a gente teve... Cuidou delas, tratou delas e cuidou
até a morte porque elas não tinham condição. Não tinha família, não tinha ninguém
por elas. Ainda um resíduo de escravidão, né. Que é tudo descendente de escravo,
né. Aí foi quando surgiu a ideia e o apoio dos advogados e da comunidade de
Santos.(...) Porque a maioria dos patrões que eu converso com eles, os bons, os maus
e tudo, eles dizem o seguinte: "Dona Nina", ou "Nina", ou "Laudelina", eles dizem o
seguinte. "Hoje a lei tá amparando, mas a maioria não é profissional". Eu disse:
antigamente vocês tiveram profissional, tiveram empregada doméstica sem
profissão. E vocês aceitaram. Porque foi escrava de vocês. Não tinha profissão pra
vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão. Eu, por exemplo, com sete anos já
cozinhava, já tomava conta d´uma cozinha.(...) Então elas taxavam. Como ela está
taxando na carta que ela me mandou...não sei se é mulher ou homem, que a
empregada é malcriada, é...vagabunda, e...não cuida direito das coisas, que quebra
tudo. Tira uma criatura da enxada e põe num palácio, gente. Tenha dó. E eles
faziam, por quê? Porque elas vinham de graça. Trabalhavam de graça. Porque que
eles íam buscar lá? Porque que eles não se juntaram com a gente logo na fundação
pra formar profissionais? Pra amparar a empregada? Porque ajudava as duas partes.
Não só a empregada. Sim ao patrão. A patroa diz: " A empregada não serve pra
atender um telefone, não sabe receber um recado, não sabe nada, sabe nada, é sem
educação e tal". Ela veio do nada! A mesma coisa foi o escravo. O escravo foi solto
num campo aberto sem condição... 141
Ainda nesta atividade, apresentamos uma carta anônima 142 enviada à Laudelina em
ataque a sua militância junto às domésticas e propomos que os estudantes elaborem uma
resposta a ela elencando argumentos em defesa da luta da categoria a partir das informações
obtidas nas fontes anteriormente analisadas. Por fim, na tentativa de compreender as
conquistas e os problemas ainda hoje enfrentados por essas trabalhadoras em nosso país,
nosso material traz trechos de uma matéria do ano de 2015 intitulada "PEC das
139
Jornal da Cidade, 03/07/1967. Apud.Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud.
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp
140
Jornal Novos Rumos. Campinas, 15 a 21 de dezembro/1961. Disponível em http://bndigital.bn.br/hemeroteca-
digital/. Acessado em junho/2016.
141
Transcrição do de fragmentos do depoimento de Laudelina ao MIS - Campinas, no ano de 1989
142
Carta anônima destinada à Laudelina de Campos Mello. Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello
61
Domésticas" 143 que tem como principal finalidade informar os estudantes sobre as últimas
resoluções a respeito dos direitos adquiridos por essa categoria e prepará-los para a realização
de entrevistas com pessoas que desempenhem essa função nos dias atuais. Para auxiliar na
realização dessas entrevistas disponibilizamos um roteiro e sugerimos que os resultados sejam
discutidos em sala-de-aula.
A questão de gênero emerge mais especificamente na quarta oficina, Lugar de
Mulher? Onde é?. Partindo das experiências de Laudelina fomentamos reflexões sobre o
caráter social, histórico, das identidades feminino/masculino. A pergunta que dá título à
oficina é, em parte, respondida pela atividade 1 Na Guerra, na qual contamos com
depoimentos em vídeo e transcritos, que fornecem aos estudantes informações sobre a atuação
de Laudelina de Campos Mello na defesa passiva auxiliar durante a II Guerra Mundial. O
vídeo fornece, inclusive, imagens do uniforme por ela utilizado nesta ocasião. Ao relatar suas
experiências, nossa protagonista nos propicia o debate sobre as identidades de gênero, como
por exemplo na seguinte passagem:
Em 41. Em 5 de setembro de 1941 eu já estava alistada e comecei a funcionar.
-O que a senhora fazia?
Tudo. Tudo que um soldado faz. Só não fomos pra frente, né. Tudo...Abrir
trincheira, fazia aqueles exercício de guerra para levar os velho pros coisa lá...pros
labirintos. Os ataques aéreos. Abria trincheira, carregava os soldados feridos. Eu
dava expediente no Forte de Itaipus, onde estava a maior força, né, que é na entrada
da Barra, daí eu fui escalada para..pra suprir os canhões. Então a cada bomba... tem
que ser....carregava..tinha que ter cinco mulheres para carregar. Cinco soldadas, né.
Então, carregava, aí eu colocava, porque os navios os....os tropedeiros vinham pra
atacar, né. 144
Na sua fala é possível notar a valorização das capacidades das mulheres de exercer
qualquer tipo de função que lhes fossem destinadas, inclusive as que demandassem força,
característica atribuída usualmente aos homens. Tratar da participação do Brasil na guerra a
partir do olhar de Laudelina traduz a nossa opção por reconhecer atuações e protagonismos de
mulheres na história do Brasil, afinal, em nosso território foi a atuação dessas agentes que
deu a tônica da conjuntura como relembra Laudelina:
143
Disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/06/pec-das-domesticas-leia-
perguntas- e-respostas-e-tire-suas-duvidas-sancionado.html. Acessado em junho/2016.
144
Depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som- Campinas, 1989.
145
Depoimento de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, 1991. (Laudelina de Campos Mello em
entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida
de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
62
146 147
Posse da diretoria da Associação da Empregadas 150 Laudelina de Campos Mello discursando no VI 151
Congresso das Trabalhadoras Domésticas, Campinas,
Domésticas de Campinas em 5 de julho de 1962. 1989.Apud PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e
Apud. PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello. São Paulo:Anita Garibaldi,
Educação: Trajetória de vida de Laudelina de 2015,p.485.
Campos Mello. São Paulo:Anita Garibaldi, 2015,
149
PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello.
São Paulo:Anita Garibaldi, 2015
150
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
151
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
152
Disponível em :http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf. Acessado em junho/2016.
64
153
ALBERTI, Verena . Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, p. 61-88 - 2012.
154
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. Disponível em http://portal.mec.gov.br/par/195-
secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12657-parametros-curriculares-nacionais-5o-a-8o
series. Acessado em abril de 2016.
66
65
CONCLUSÃO
O olhar de Laudelina sobre histórias que são dela, e também nossas, é acessado pelos
estudantes através das fontes que disponibilizamos no Baú Biográfico: O Brasil de Laudelina
de Campos Mello. Um baú aberto deixando expostos registros preciosos da uma vida:
fotografias, cartas, documentos oficiais e até gravações em vídeo! Os(as) estudantes,
orientados(as) pelo(a) professor(a), serão incumbidos(as) da tarefa de investigadores(as) e a
partir daqueles vestígios do passado vão procurar compreendê-lo. Essa é a proposta do
material didático que produzimos a partir das reflexões apresentadas.
A seleção aparece neste estudo como ato imprescindível a diversos processos. O
próprio currículo, segundo a perspectiva que corroboramos, é uma arena de disputa
envolvendo diversas forças assimétricas. Nele, ganham posição de destaque as ideias
consonantes com o poder hegemônico e, de acordo com o grau de ruptura com este, vão sendo
alocadas toda a variedade de vozes em disputa. A aula de história como narrativa tecida
pelo(a) docente que escala seu time de personagens e os organiza do close até o plano aberto,
revelando seus panos de fundo, molda com a força da sua subjetividade mesmo os
documentos escrito, mais duros e, aparentemente, inflexíveis, que regulam atividade docente.
Quando narra, o(a) professor(a) seleciona. Os registros orais de Laudelina de Campos Mello,
e também os de outros tipos, que dispôs a pesquisadores sobre sua vida compõem a
construção de uma narrativa autobiográfica que enquanto memória enuncia e silencia, ou seja,
seleciona. Nós também selecionamos. O Baú Biográfico é um compartimento que guarda o
que julgamos mais precioso. Quando nos lançamos sobre os registros de Laudelina de
Campos Mello, escolhemos e organizamos os que melhor atendem a nossos interesses
didáticos guiados por demandas do presente. E, por fim, não temos dúvidas de que o processo
de ensino-aprendizagem exige também dos discentes a seleção do que lhes é apresentado.
Diante disso, não entendemos a impossibilidade de dar conta de todos os aspectos da
vida de Laudelina e de todos os temas envolvidos na história do nosso país durante o tempo
em que viveu como um entrave ao nosso trabalho. Lançamos mão do uso de biografias no
ensino da história com o objetivo de, a partir de experiências concretas, superar
generalizações e, por isso, estamos cientes de que questões específicas nos movem nesse
desafio. A Primeira República, por exemplo, não foi a mesma para toda a população
brasileira; as mulheres negras não experienciaram o mercado de trabalho do pós-abolição do
mesmo modo que os homens negros; negras e negros não foram tratados pelo novo regime da
mesma forma que brancos e brancas; homens e mulheres têm histórias diferentes sobre a luta
por direitos trabalhistas em diversos contextos; camadas socialmente privilegiadas não
67
vivenciaram as mais diferentes conjunturas de uma mesma forma que aquelas destituídas de
direitos elementares para seus tempos.
Como um balaio que enlaça uma e muitas vidas, passados e presente, o Baú Biográfico
tem como meta buscar nas histórias de uma pessoa específica seus pontos de vista em relação
a histórias nossas explorando o rico movimento entre o particular e o geral. Os 87 anos de
histórias de Laudelina de Campos Mello possibilitam que determinados temas sejam
analisados em diferentes tempos e que em determinados recortes temporais, possamos
verificar a relação estabelecida com variados temas. Suas histórias são uma entrada para o
debate a respeito de similaridades e diferenças entre variados tempos e contextos e sobre o
próprio tempo e contexto em que professoras(es) e estudantes se encontram. A percepção de
que a sociedade é passível de mudanças desperta para as possibilidades de transformações via
agências no tempo presente. O Brasil de hoje ainda sofre os efeitos históricos das
desigualdades racial, socio-econômica e de gênero e nossas ações e relações cotidianas se
desenvolvem nos limites dessas assimetrias, porém nem sempre em nossa história ensinada
esses marcadores sociais são postos em questão. Apostamos no exercício de compreensão das
formas como essas relações se deram em outras circunstâncias, e como se apresentam hoje,
como um instrumento mobilizador de transformações. Perceber agências individuais como
promotoras de mudanças na sociedade ao longo do tempo, é fazer cada estudante despertar
para a responsabilidade que tem diante da sua e da nossa história.
68
REFERÊNCIAS
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educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana': uma conversa com historiadores".Estudos Históricos. Rio de Janeiro, jan-jun/2008.
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Autêntica, 1999. p. 151-172.
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algumas reflexões. Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28
de agosto de 2008.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1984.
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2011. LORIGA, Sabina. O pequeno x: da biografia à história. Belo Horizonte: Autêntica,
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MATTOS, Hebe Maria. O ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil.
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ensino aprendizagem de história. Revista Tempo. Departamento de História da UFF. V.11,
n.21. Rio de Janeiro. Julho, 2006.
70
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Quilmes Editorial, 2012.
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história &
cultura – UCS.v. 2, n. 3, p. 57-72, jan./jun. 2003
SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e identidade cultural negra: católicos, afrobrasileiros
e neopentecostais. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011
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experiência dos escravos. In: SCHIMIDT, Benito Bisso (org.) O Biográfico: perspectivas
interdisciplinares. Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2000.
71
Acervos Consultados
Outras referências
Menina é Apedrejada na Saída de Culto de Candomblé no Rio. Uol Notícias, 16/06/2015.
Disponível em:/http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/16/menina-
e-apedrejada-na-saida-de-culto-de-candomble-no-rio.htm. Acesso em: junho/2016
Baú Biográfico
O Brasil de Laudelina de Campos
Mello
Baú Biográfico
O Brasil de Laudelina de Campos Mello
São Gonçalo
2016
75
Sumário
Introdução ...................................................................................... 3
Oficina 1 - Passado em Preto e Branco .......................................7
1. Marcas da escravidão no pós-abolição ........................................................ 8
2. Passado Presente: Quem tem direito de ter fé? ........................................ 10
3. Cristianismo e Culto a Orixás: (Re)construindo identidades .................... 13
Oficina 2 - Beleza, Cultura, Lazer e Arte:
A afirmação da identidade negra ........................................ 17
1. Beleza Negra ............................................................................................. 18
2. Cultura e Arte como Resistência ............................................................... 32
Oficina 3 - "A quem cabe a grita?" ..................................... 42
1. Quem é trabalhador? Avanços e limites da CLT ....................................... 43
INTRODUÇÃO
155
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história & cultura – v. 2,
n. 3, p. 57-72, jan./jun. 2003
156
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1984.
157
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da descolonização
e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
77
158
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e
PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012, pp.382-409.
159
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015.
160
Ibid.
78
referente às relações de gênero e as táticas desenvolvidas frente a isso. Até mesmo uma
participação no movimento de defesa passiva e auxiliar na II Guerra Mundial - e a
sobrevivência a um tiro - constam nessa lista! 161
A chave deste Baú Biográfico nos foi dada pela pesquisadora Elisabete Aparecida
Pinto, que em 1993 defendeu a dissertação Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de
Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991), vinculada à Faculdade de Educação da
Unicamp. Tal importância se deve ao fato de a maior parte da produção do seu estudo
etnográfico ter se dado sob o acompanhamento de nossa personagem principal em seus
últimos anos de vida e ao material riquíssimo que a autora tem a generosidade de tornar
disponível, como a transcrição de um extenso depoimento de Laudelina narrando suas
histórias de vida de modo cronológico; e a reprodução de fotografias, cartas pessoais e
documentos públicos relacionados a nossa protagonista - muitos deles descritos pela própria
Laudelina! As fontes originais encontramos principalmente sob os cuidados da CASA
LAUDELINA de Campos Mello Organização da Mulher Negra, do Sindicato das
Trabalhadoras Domésticas de Campinas e Região e também encontramos alguns documentos
no Museu da Imagem e do Som de Campinas.
Os depoimentos de dona Nina à Elisabete Pinto entre 1990 e 1991 e ao Museu da
Imagem e do Som de Campinas em 1989 têm enorme importância em nosso trabalho.
Recontar suas histórias pouco antes de falecer demonstra um desejo de registrá-las e estamos
cientes de que a seleção é um processo intrínseco a esse ato. Ficaram registradas nesses
depoimentos histórias sobretudo de sua atuação no espaço público e são a partir delas, e do
cruzamento com outros tipos de fontes, como fotografias, matérias de jornal e revistas, cartas,
ofícios dentre outras, que procuramos compreender suas histórias e as histórias de nosso país.
Os materiais selecionados foram organizados em quatro oficinas: Passado em Preto e
Branco e Beleza, Cultura, Lazer e Arte:A afirmação da identidade negra, tratam da
questão racial no pós-abolição. A primeira se atém às heranças da escravidão marcantes ainda
no século XX; a segunda, dedica-se a táticas e articulações no âmbito da cultura e do lazer
engendradas por Laudelina de Campos Mello e outras negras e negros frente à discriminação
racial . A oficina "A quem cabe a grita?" dispõe de materiais acerca da luta trabalhista de
modo mais abrangente em sua relação com determinados governos e, mais especificamente, à
das empregadas domésticas, com a qual nossa protagonista esteve intimamente envolvida. A
partir da quarta oficina, intitulada Lugar de Mulher? Onde é?, propomos que a questão de
161
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015.
79
Oficina 1
Passado em preto e branco
Apresentação
Objetivos
• Estimular a percepção crítica acerca das rupturas e continuidades que marcam o pós-
abolição em relação à condição social da população afro-brasileira.
• Estimular a reflexão sobre o racismo que marca, estruturalmente, nossa sociedade.
• Debater as múltiplas formas de resistências travadas pelos(as) ex-escravizados(as) e
seus descendentes frente à desigualdade racial em nosso país.
81
Atividade 1
Marcas da escravidão no pós-abolição
Materiais
- Trechos de depoimentos de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, entre 1990 e
1991.
- Ficha a ser preenchida
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
82
Atividade 2
Passado Presente: Quem tem direito de ter fé?
Materiais
- Fragmento da obra Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello, de Elisabete Aparecida Pinto.
- Matéria de jornal Menina é apedrejada na saída de culto de candomblé no Rio, de 2015,
publicada por Uol Notícias.
- Ficha a ser preenchida
"Os espaços de lutas coletivas, nos quais ela participou (partidos políticos, sindicatos e outros)
nas décadas de 1920 a 1970, também não lhe proporcionaram a oportunidade de contemplar
os símbolos culturais étnicos, ligados ao lazer ou à religião de origem africana, pois qualquer
discurso seu que colocasse em evidência os símbolos afro-brasileiros nesses espaços
deslegitimaria e desautorizaria a sua ação política. Entretanto em um dos seus últimos
depoimentos, revelou ser adepta do candomblé ou da umbanda, conforme segue abaixo
transcrito: se eu não fosse filha de bons santos, se eu não fosse de uma corrente forte, se meus
santos não me protegessem, meus orixás, eu iria presa como comunista....dona
Laudelina...agia politicamente omitindo todo tempo a sua ligação com a religiosidade africana
e se declarando publicamente católica. A iniciação de Dona Laudelina no candomblé ou
umbanda pode ter se dado nos anos de 1927 a 1934, período em que residiu em São
Paulo....Contudo, a identidade religiosa ficou na obscuridade e quase toda a sua vida."
PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello. São
Paulo:Anita Garibaldi, 2015, pp. 505 e 506.
84
Uma menina de 11 anos foi ferida por uma pedra na cabeça ao deixar
um culto de candomblé na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Segundo
testemunhas, a menina foi atacada por evangélicos e foi vítima de intolerância
religiosa. Com a pedrada, a jovem chegou a desmaiar e perder
momentaneamente a memória
Religiões de
matriz
africana
citadas
Relação da
sociedade
brasileira
com
referências
culturais
africanas ao
longo do
século XX
Tática de
Laudelina de
Campos
Mello frente à
discriminação
religiosa
Relação entre
o caso de
Laudelina e o
da menina de
11 anos
assunto da
matéria do
ano de 2015
86
Atividade 3
Cristianismo e Culto a Orixás: (Re)construindo identidades
Materiais
SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e identidade cultural negra: católicos, afrobrasileiros e
neopentecostais. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011
89
Ficha 1
Ambiente retratado
Ficha 2
90
OFICINA 2
Apresentação
Objetivos
Atividade 1
Beleza Negra
Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Matéria da Revista O Cruzeiro sobre o baile do concurso Pérola Negra.
- Panfleto de divulgação do baile de debutantes Menina Moça.
- Fotografias de concursos e bailes da beleza negra dos anos 1950 e 1960.
- Matéria de divulgação oficial do concurso Deusa de Ébano, do bloco afro Ilê Ayiê.
- Fichas a serem preenchidas
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
92
Revista "O Cruzeiro", 18/05/1957, ano XXIX, nº 31. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
93
Revista "O Cruzeiro", 18/05/1957, ano XXIX, nº 31. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
94
Revista "O Cruzeiro", 18/05/1957, ano XXIX, nº 31. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
95
Nos Salões do Teatro Municipal de Campinas eleita a
PÉROLA NEGRA
"Pela primeira vez no Brasil a sociedade negra de uma cidade realizou um baile de gala a
escolher a sua rainha no suntuoso Teatro Municipal congraçando-se numa festa que alcançou o mais
amplo sucesso. Foi em Campinas (no Estado de São Paulo) que o jornal "Diário do Povo" resolveu
concretizar um dos velhos sonhos da numerosa família negra, organizando e levando a efeito o concurso
que escolheria a Pérola Negra de Campinas. A vencedora seria a jovem de cor que reunisse maiores
predicados em elegância, graça, beleza, cultura e simpatia, e seria apontada num baile cuja renda
reverteria em benefício do Posto de Puericultura Beatriz Helena e Corporação Musical dos Homens de
Cor. (...) Escolheu-se então um júri, que durante um coquetel no "Lo Schiavo" (um dos lugares mais
finos da cidade), levando em conta a formação moral e o grau intelectual deveria selecionar nove entres
as vinte concorrentes. Apontadas as nove semifinalistas, procedeu-se à eleição pública que apontaria as
cinco finalistas." Durante três meses enorme movimento marcou o concurso e o baile final era esperado
com grande expectativa. (...) À medida que os resultados iam aparecendo, delineando as posições,
verdadeiras torcidas das candidatas procuravam angariar votos para as suas preferidas. Quando ia se
aproximando a data do baile, foram confeccionados convites que se esgotaram em tempo quase recorde,
prevendo grande afluência de púbico para a grande noite. Foi aí que surgiu o problema. Onde realizar o
baile? A sociedade negra de Campinas não possui salão de festas e, dada a grande procura de ingressos,
somente um local bastante amplo serviria. O Tênis Clube não poderia ceder o seu local porque já havia
marcado o baile da “Glamour Girl”. A única solução seria o velho e austero Teatro Municipal. Mas esse
teatro já possuía uma tradição bastante antiga. Ali havia somente um baile por ano. Era a apresentação
das debutantes da Sociedade Hípica, nada mais nada menos do que a fina flor da sociedade da terra.
A sociedade apelou para o prefeito e este cedeu, excepcionalmente, o Teatro. A sociedade rejubilou-
se com a concessão: faria o seu baile e fecharia a época social do vetusto casarão da terra de Carlos
Gomes. O concurso tomou novo impulso e pessoas de São Paulo, Rio, Americana, São Carlos, Franca e
representantes da sociedade de cor de todas as cidades vizinhas reservaram seus ingressos, prepararam
os vestidos e “smokings” para a grande noite. (...) E aqueles lustres, que há cinquenta anos iluminam o
que há de mais fino na sociedade campineira, não foram decepcionados. Iluminaram também desta vez
“smokings” do mais puro corte inglês, modelos de Dior, Fath e Givenchy e “visons” legítimos. (...)
Após longos debates, o júri chegou a uma definição. Apontou a Srta. Marcília Gama a “Peróla
Negra de Campinas”. A faixa simbólica e a clássica valsa ficaram a cargo do vice-governador. O sucesso
da festa animou os seus organizadores, que irão agora construir a sede da sociedade negra e inaugurá-la
com o baile das Debutantes, semelhantes ao que se realiza anualmente no Hotel dos Presidentes dos
Estados Unidos, e único no gênero na América do Sul."
96
(Transcrição de parte do
anúncio do Primeiro Baile das
Debutantes Negras, 1957)
97
Laudelina de
Campos Mello no
Baile Pérola Negra,
Campinas, 1957.
Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello
Laudelina de
Campos Mello em
coquetel oferecido
às
candidatas do
concurso Pérola
Negra, Campinas,
1957.
98
Laudelina de
Campos Mello
com a atriz Ruth
de Souza no baie
de debutantes
negras Menina
Moça, Campinas,
1957. Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello de
Campos Mello.
Laudelina de
Campos Mello
com as
participantes
do
concurso e
baile do
Fidalgo Clube,
fins de 1950 ou
início de 1960.
Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello.
99
Laudelina de
Campos Mello
com o cantor Jair
Rodrigues e a
vencedora do
Concurso Miss
Simpatia, fins de
1950 ou início de
1960. Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello.
Registro de
baile/concurso,
fins de 1950 ou
início de 1960.
Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello.
100
Registro de
baile/concurs
o, fins de
1950 ou
início de
1960.
Disponível em
http://umbailepar
amatarassaudade
s.blogspot.com.b
r/. Acessado em
junho/2016.
Registro de
baile/concurso,
fins de 1950 ou
início de 1960.
Disponível em
http://umbaileparam
atarassaudades.blog
spot.com.br/.
Acessado em
junho/2016.
101
"A Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê é hoje o maior concurso de beleza e exaltação
da mulher negra no Brasil. Nele, o Ilê Aiyê elege a Deusa do Ébano (Rainha do Ilê), que tem
a missão de levar ao público todo encanto e consciência que a mulher negra necessita para
elevar sua auto-estima e censo crítico.
O concurso acontece desde 1975 e nasceu a partir da constatação de que não
havia nenhum registro de que uma mulher negra tivesse ousado concorrer em uma competição
de beleza. Apesar de a população brasileira ser majoritariamente mestiça, o biotipo de
mulheres que o Brasil exportava a partir dos seus concursos de beleza não correspondia
à realidade étnica nacional.
Com o surgimento do Ilê Aiyê, sobretudo após a criação da Noite da Beleza
Negra, veio à tona a discussão acerca “de ser negro”, da negritude e do padrão de
beleza diferente, mas longe de ser inferior.
A estética do concurso é regida pelos trançados dos cabelos, estamparias do
tecido, pela graça da dança, mas, sobretudo, pela consciência da candidata no que diz respeito
a sua negritude, sendo ela atuante na comunidade nesse sentido..."
Ficha 1
ANO
TIPO DE
EVENTO
OBJETIVO
AVANÇOS
PROMOVIDOS
NOS HÁBITOS
E COSTUMES
103
Ficha 2
ANO
TIPO DE
EVENTO
OBJETIVOS
AVANÇOS
PROMOVIDOS
NOS HÁBITOS
E COSTUMES
104
Ficha 3
Vestimentas
Penteados
Critérios de
Avaliação dos
jurados
SEMELHANÇAS DIFERENÇAS
105
Atividade 2
Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Ofício da Câmara Municipal de Campinas sobre I Salão Campineiros dos Amigos das
Belas Artes
- Fotografias sobre Escola de Bailados Santa Efigênia e I Salão Campineiros dos Amigos das
Belas Artes
- Recorte de Jornal sobre I Salão Campineiros dos Amigos das Belas Artes
"Foi quando eu dei a sugestão pra fazer a exposição. Aí um dia conversando com
Bráulio naquela época a gente tinha o teatro, então o Bráulio dizia pra mim: arranja alguma
coisa pra gente ocupar o teatro, ocupar o espaço (riu)....
- Você sabe, Bráulio, faz tempo que estou com isso na cabeça então eu estou pensando
agora, eu vou falar pra você o que estou pensando, eu estou pensando em fazer uma exposição
de valores negros. (...)
Eu comecei a falar que a gente poderia apresentar pintores, trabalhos manuais,
trabalhos artísticos, cerâmicas, música, tudo, né... (...)
Nós começamos a convidar (às pressas) fomos na casa de seu Luizinho, ele já tinha
quadros prontos, ele pintou mais...naquela época a gente estava fazendo o movimento do
elemento negro, era o dia da abolição. Nós estávamos fazendo o movimento do aniversário da
abolição. Aí convidamos o Raimundo, e começamos a convidar o pessoal. Depois veio de fora
também, de Piracicaba, veio Jundiaí, que também expuseram. Daí nós sentamos pra compor a
exposição. (...)
Então o Mario fez. Aqui essa parte era só ele (mostra a foto). O auto-retrato foi uma
coisa comentadíssima, né. O auto-retrato dele, pintado dele. (...) Isso foi muito importante pra
vida do Mario. Eu consegui levar ele pra morar com a gente. Ele foi.Aí ele já estava
lecionando (na Escola de Belas Artes de Campinas), já não estava mais pintando parede, já
saía de manhã, a gente cuidava da roupa dele e tudo pra ele ir arrumadinho lecionar, porque os
alunos eram todos brancos, não tinha um negro pra contar história."
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
110
Laudelina de Campos Mello e o artista plástico Mário de Oliveira expondo suas obras
no I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes, 1960. Ao centro a artista Colete
Pujol, à direita a poetisa Maria Genny Batista e sua filha Lidia Maria e à esquerda
Joel da Siva.
Acervo CASA LAUDELINA
Ofício da Câmara Municipal de Campinas parabenizando Laudelina de Campos Mello pela idealização e
realização do I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado.
Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
112
Ficha 2
------------------
------------------ ESCOLA DE BAILADOS I SALÃO CAMPINEIRO DOS
------------------ SANTA EFIGÊNIA AMIGOS DAS BELAS ARTES
-----------------
Ano(s)
Público alvo
Objetivo(s)
Elementos
culturais
valorizados
Avanços
promovidos
nos
hábitos e
costumes
115
Oficina 3
"A quem cabe a grita?"
Apresentação
Desde a década de 1930 até os últimos dias de sua vida Laudelina de Campos Mello
esteve envolvida na luta trabalhista junto às domésticas e foi, principalmente esta atuação que
fez seu nome ficar conhecido nacionalmente. A iniciativa de fundar uma Associação de
Empregadas Domésticas em 1936, na cidade de Santos-SP, onde residia, foi pioneira. Em
1961, fundou a Associação de Campinas-SP e sua luta inspirou a organização das
trabalhadoras domésticas em várias cidades brasileiras em prol da conquista de direitos já
assegurados a outras categorias profissionais.
Objetivos
• Estimular o debate sobre a importância da organização dos trabalhadores para a conquista
e manutenção de direitos.
• Refletir criticamente sobre as conquistas e limitações da CLT na Era Vargas.
• Refletir sobre as diferenças entre sindicatos e associações beneficentes e as relações dos
diferentes governos com estas organizações.
• Identificar problemas enfrentados pelas organizações de trabalhadores no contexto do
golpe de 1964
• Identificar problemas enfrentados pelas trabalhadoras domésticas nos dias de hoje.
116
Atividade 1
Quem é trabalhador?
Avanços e limites da CLT
Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Fragmento da Constituição de 1934
- Fragmento do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT)
- Fichas a serem preenchidas
"A situação da empregada doméstica era muito ruim, a maioria daquelas antigas trabalharam
vinte e três anos e morria na rua pedindo esmolas. Lá em Santos a gente andou cuidando,
tratou delas até a morte. Era um resíduo de escravidão, porque era tudo descendente de
escravos. (...) A Associação foi fundada dia 08 de julho de 1936...pra proteger as empregadas,
em defesa do trabalhador doméstico, mas aí era mais assistência (...) No dia 05 de Setembro
ía haver um congresso de trabalhadores na capital, que era Rio de Janeiro (...)O Getúlio já
tinha instituído as leis Sindicais e ía haver o primeiro congresso. (...)As empregadas
domésticas foram destituídas das Leis Trabalhistas, nós estávamos criando um movimento
para ver se conseguia o registro do sindicato (...) Consegui com o secretário do Ministro que
ele me deixasse falar com o Ministro. Fui falar com o Ministro, mas não adiantou nada porque
não havia possibilidade de enquadramento de classe, as empregadas foram destituídas porque
não traziam economia pro país.
E até hoje eles dizem que empregadas domésticas não trazem economias para o país...."
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
117
CONSTITUIÇÃO DE 1934
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
(...)
§ 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que collimem
melhorar as condições do trabalhador:
a) prohibição de differença de salario para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil;
c) trabalho diario não excedente de oito horas, reduziveis, mas só prorrogaveis nos casos
previstos em lei;
Art. 1º Esta Consolidação estatue as normas que regulam as relações individuais e coletivas
de trabalho, nela previstas.
Art. 2º Considera-se empregador, a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
(...)
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de
trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Art. 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à
disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial
expressamente consignada.
Art. 5º. A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o
executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso,
expressamente determinado em contrário, não se aplicam :
Ficha 1
Situação das
trabalhadoras
domésticas na
década de 1930
Tática de
Laudelina para
contornar e
superar os
problemas
vivenciados pelas
domésticas
120
Ficha 2
Conquistas dos Trabalhadores Trabalhadores Excluídos das Conquistas
121
Atividade 2
Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Matéria do jornal sindical O Trabalhador Têxtil: "João Goulart recebeu líderes sindicais de
Campinas"
- Ficha a ser preenchida
Nós ficamos funcionando junto com os treze sindicatos e na mesma sede até 64, quando veio o golpe
dos militares, daí a associação propriamente dito não foi fechada, porque quando fecharam os
sindicatos, eu não estava mais lá, um dos presidentes, mais um dos vereadores da Câmara tirou a gente
de lá e nos levou pra uma sede onde funcionava a UDN. Quando veio a revolução começaram a cassar
todo mundo, no dia que prenderam o Pedrinho do sindicato todo mundo foi pra porta da delegacia lá
na Andrade Neves pra esperar a chegada do Pedrinho, porque o rádio anunciou no nome do Pedrinho.
Como o Pedrinho era presidente do Sindicato da Construção Civil, então provavelmente eu tinha que
ir, tinha que ser presa, porque eu era comunista. Pedrinho foi depor, eu fui no mesmo dia, mas só que
eles esperaram de manhã e eu fui à tarde, então ninguém me viu ir lá na delegacia pra depor.
(O delegado era muito meu amigo) Quando precisava de mim ele ía me buscar pra fazer vatapá, pra
fazer cuscuz. O dr. Dumont disse assim: A Nina não é comunista. A Nina é idealista, ela quer melhorar
a situação das amigas dela, das irmãs dela da categoria. O Pedrinho também não é comunista, ele é
idealista, ele quer que os trabalhadores da construção civil...tenha uma vida melhor. Nem eu nem ele
sofremos nada, mas o Sindicato continuou fechado, fechou tudo...Eu saí isenta e o Pedrinho também,
mas teve dirigentes que fugiram, teve que fugir, teve que ir embora (...) Aí, nós também da associação
não funcionamos porque fomos impossibilitados de funcionar naquela época. Não foi cassada, mas não
funcionou. (...) A Associação (das Empregadas Domésticas) não foi cassada, mas também não
funcionou como entidade reivindicatória que era (nessa época de 64 a 68). Foi liberada pra funcionar
como instituição beneficente. Nesse período não foi realizado nenhum evento e nem reivindicamos
nada...e aí foi votada uma lei para a Associação passar a ser como utilidade pública...então foi quando
eu comecei a funcionar arranjando mantimentos, roupas, remédios (na Associação passou a ter)
médico, dentista e advogado
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação:
A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade
Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
122
"João Goulart recebeu
líderes sindicais de
Campinas
(...)
COM O PRESIDENTE JOÃO
GOULART
Os dirigentes sindicais de
todo o Brasil foram
recebidos pelo Presidente
João Goulart da forma mais
amistosa (...) o primeiro
mandatário da Nação
dirigindo-se aos líderes
sindicais, reafirmou a
confiança que depositava
nas classes trabalhadoras,
insistindo também na
necessidade de serem feitas
reformas de base.
'Formulamos ao Presidente
da República diversas
reivindicações
...principalmente com
relação à Previdência
Social', disse ainda o sr. José
Vieira de Freitas.
(...)
NA CAMARA E SENADO
Os dirigentes trabalhistas
...conversaram ainda sobre o
projeto de Lei que criava o
13º mês dos trabalhadores e
que deveria ser votada ainda
naquea tarde...Os
representantes dos
trabalhadores permaneceram
em seguida nas galerias do
Senado enquanto era votada
a lei.
Relação estabelecida
entre João Goulart
e os movimentos
sindicais
Relação estabelecida
entre o governo
instaurado com o golpe
de 1964
e os movimentos
sindicais
Diferenças entre
SINDICATOS e
ASSOCIAÇÕES
BENEFICENTES
124
Atividade 3
"O Terror das Patroas"
Materiais
- Recorte de jornal com a matéria Ela é o Terror das Patroas
- Vídeo e transcrição de fragmento de depoimento de Laudelina ao MIS Campinas em 1989.
-Matéria do jornal Novos Rumos: "Domésticas de campinas travam luta por melhores
condições de trabalho"
- Carta anônima enviada à Laudelina de Campos Mello em 1961.
- Matéria "PEC das Domésticas" publicada em 2015 pelo portal G1.
125
“Ela é o ‘terror das patroas’ – ‘Muito prazer! Então a senhora é o terror das patroas em
Campinas, não é mesmo?’ A expressão foi do ministro do trabalho, Jarbas Passarinho, ao
receber dona Laudelina de Campos Mello, líder das empregadas domésticas. Ela não se
encabulou e sorriu com o ministro. Aliás, dona Laudelina não se encabula com essas coisas:
já falou com outros ministros e até com presidentes da República para movimentar o seu
grande plano de regulamentar a profissão de doméstica. No dia que ouviu a frase, a
presidente da Associação dos Empregados Domésticos de Campinas foi franca com o
ministro: ‘este é o quarto presidente da República que está para regulamentar a profissão e
pelo menos uns 8 ministros do trabalho empenaram a palavra de levar o ante-projeto ao
Executivo”
(Jornal da Cidade, 03/07/1967. Apud. (Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto.
Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de
Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade
de Educação, 1993. 493 pp.)
126
"Então foi quando eu comecei a conversar com outros grupos, outras pessoas, com advogado,
com médico, tudo, falando, né, da necessidade da organização da categoria das empregadas
domésticas. Aí quando esse advogado, que era, eu morava vizinho dele, me dava muito com a
família dele, com a senhora dele.
- Qual é o nome dele?
José Cintra Batista. Ele é paulista. Nascido em São Paulo. Aí foi que ele deu a ideia da
fundação, da Associação de Empregadas Domésticas, pra depois a gente requerer o
enquadramento de classe. Porque tinha sido, dentro das leis trabalhistas, as empregadas
doméstica tinham sido destituída das leis trabalhistas, né. A CLT não dava autorização para a
categoria para que as empregadas domésticas fossem enquadradas nas leis trabalhistas, né.
Porque eles achavam, até hoje eles acham, que a empregada doméstica não contribui pra
nação e que a empregada doméstica não traz, dentro do bojo da nação, economia. Ela não traz
economia pra própria nação, mas traz pro patrão dela, que é ela quem dá cobertura pra riqueza
do patrão, que é ela que cria os filhos do patrão, é ela que cuida da casa. Antigamente a dona
da casa estava dentro da casa, mas hoje, não. Hoje todo mundo trabalha. Marido e mulher,
todo mundo trabalha. Então hoje, a empregada doméstica é a dona da casa, porque é ela que
fica tomando conta dos filhos, ela que fica tomando conta da casa, ela que toma conta do
patrimônio do patrão. E sem direito a nada, né. Que a maioria daquelas antigas trabalhou 20,
30 anos, morreram na rua pedindo esmola. Lá em Santos várias delas a gente teve... Cuidou
delas, tratou delas e cuidou até a morte porque elas não tinham condição. Não tinha família,
não tinha ninguém por elas. Ainda um resíduo de escravidão, né. Que é tudo descendente de
escravo, né. Aí foi quando surgiu a ideia e o apoio dos advogados e da comunidade de Santos.
Porque eu devo à comunidade de Santos.
- Dona Laudelina,por favor, o que a senhora pensa, né, sobre o exercício da profissão de
doméstica?
Porque você vê. As patroas se queixam da seguinte forma: empregada pede dois, três salários
pra fazer um trabalho. Pra tomar conta da casa, pra cozinhar, pra lavar, pra passar. Eu, no
meu ver, eu acho que cada serviço tinha que ser especificionado (sic). Então ela é profissional
dentro da cozinha, ela é profissional lavando roupa, ela é profissional fazendo doce, ela
profissional arrumando uma casa, ela profissional tomando conta dos filhos. Então, tomando
conta dos filhos ela é uma babá, tomando conta da casa, guardando o patrimônio do patrão ela
é uma dona de casa e eles acham que a empregada num tendo profissão não pode ser bem
aparada e não pode pedir salário mínimo. (...)
- E como a senhora vê, ao longo desse tempo todo, né, de atuação junto à categoria, a relação
entre as patroas e empregadas? Mudou, ou continua sempre igual?
Cada vez pior. Porque agora elas brigam pela lei. Antes elas brigavam pra que a empregada
dormisse no emprego e fosse escrava. E...não pagava nada. A maioria...trabalhava a troco da
comida. Quer dizer: iam buscar lá nos cafundó do judas, aquelas que saíam da enxada,
chegavam aqui, ela não tinha condição de ser uma...uma profissional, porque ela não
era....nem leitura ela não tinham. Então elas taxavam. Como ela está taxando na carta que ela
me mandou...não sei se é mulher ou homem, que a empregada é malcriada, é...vagabunda,
e...não cuida direito das coisas, que quebra tudo. Tira uma criatura da enxada e põe num
palácio, gente. Tenha dó. E eles faziam, por quê? Porque elas vinham de graça. Trabalhavam
de graça. Porque que eles íam buscar lá? Porque que eles não se juntaram com a gente logo na
fundação pra formar profissionais? Pra amparar a empregada? Porque ajudava as duas partes.
Não só a empregada. Sim ao patrão. A patroa diz: " A empregada não serve pra atender um
telefone, não sabe receber um recado, não sabe nada, sabe nada, é sem educação e tal". Ela
veio do nada! A mesma coisa foi o escravo. O escravo foi solto num campo aberto sem
condição. Porque veio a mão de obra italiana, os profissionais e eles foram jogado ao lado.
Sem condição de vida. Eles não tinha os estudos, o preparo que os italianos trouxeram. A
mesma coisa, a empregada doméstica, a maioria vem do escravo. Descendente de escravo.
(...)
Nós vivemos num país que a porca sociedade, a sórdida política não conseguiu ainda
chegar num termo. Porque quem está lá dentro são os senhores de engenho. São os donos das
terra, são os donos dos canaviais, são os donos dos cafezais são os dono do gado, são os donos
de tudo. Você vai conseguir como!? Haja vista nessa briga do salário mínimo. Quem é que
está brigando? Não é o trabalhador que tá brigando. É o próprio patrão que briga! Pra não dar
um tostão a mais. (...)
A quem cabe a grita? Não é dos safados que estão lá sentados comendo e bebendo às
nossas custas não. É nós que temos que gritar. É nós! E nós não gritamos.
"[...] O movimento adquiriu tal envergadura que se tornou assunto em todas as rodas,
particularmente femininas. Donas de casa se pergunta se realmente "aquilo está certo",
temerosas de uma verdadeira "rebelião" em seus lares.
Trata-se na verdade de uma luta iniciada por uma categoria profissional que não é
considerada como tal, e portanto não tem até agora direitos assegurados pelas leis trabalhistas.
E é em tal sentido que o movimento das domésticas de Campinas se dirige realizando
surpreendente atividade arregimentando associadas, realizando assembleias, cheias de um
colorido especial, onde a cozinheira, a arrumadeira e a "babá" podem falar pela primeira vez
perante suas companheiras dos problemas econômicos que as afligem, dos problemas que
surgem em suas relações com os patrões, devido à falta de leis que disciplinem esse tipo de
trabalho.
OBJETIVOS
A Associação das Empregadas Domésticas de Campinas foi fundada em maio deste
ano e tem como presidente a sra. Laudelina de Campos Mello. (...) Os objetivos pelos quais
elas se batem são a conquista do enquadramento das domésticas na CLT como categoria
profissional; a defesa da dignidade do trabalho doméstico; a organização e manutenção de
cursos de aperfeiçoamento da profissão; a prestação de serviços sociais; a manutenção de
agência de colocações; a elevação cultural das associadas através de cursos, conferências e
palestras e a formação de ambiente social da categoria através de promoções recreativas.
As domésticas mantém a entidade com suas contribuições mensais e contam com
assistência médica e jurídica gratuita, o mesmo ocorrendo com relação à assistência dentária.
Dona Laudelina é uma senhora de 57 anos, que desde a infância trabalha como
empregada doméstica ...Já viveu e enfrentou todas as situações que uma empregada doméstica
pode lembrar para demonstrar que se encontra desamparada perante as leis. Por isso, um dos
seus grandes sonhos sempre foi o de organizar uma entidade capaz de valorizar as domésticas
não só do ponto de vista financeiro, mas também quanto à competência profissional..."
Prezada Senhora,
Imiscuindo-me no ato
altruístico, nobre e sublime, de
V. Exma, em ser a advogada e
protetora da casse doméstica a
qual prima pela sua reivindição
jogando-a contra os lares....Em
hipótese alguma, dona
Laudelina, ficará essa classe
trabalhadora uma posição de
nível à do operário, pois
primeiro o operário trabalha
exposto às intempéries, aos
perigos, aos intransigente
caprichos dos patrões que se
fundam nos direitos sindicais e
, sobretudo, matam sua fome
com o alimento ganho
adquirido religiosamente com o
suor de seu corpo, tão
humildemente coberto por
rústicas indumentárias! Não
acontece o mesmo com as
senhoras domésticas ...que a
começar: alimentam-se ao bel
prazer; são donas de casa;
vestem-se hoje com mais
requinte às vezes superando às
suas patroas...Apesar dessa
comodidade que as mesmas
possuem, 90% são vaidosas,
desobedientes, faltosas nos
horários, humilhando com
palavras irreverentes à mártir
Carta anônima destinada à Laudelina de Campos Mello. patroa que, por necessidade as
Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello suportam...Para que prospere
esse plano, creia-me, obrigue a
essa plêiade de analfabetas que
se preparem pelo menos
rudimentarmente...A classe é
constituída de elementos
heterogêneos, que
desconhecem infelizmente
princípios de educação...na
verdade as empregadas são mal
criadas e ma agradecidas às
suas patroas em geral...."
131
Proposta que regulamenta lei foi sancionada pela presidente Dilma. Novas regras
estabelecem 7 novos direitos para trabahadores.
Disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/06/pec-das-domesticas-leia-
perguntas- e-respostas-e-tire-suas-duvidas-sancionado.html. Acessado em junho/2016.
132
Ficha 1
Objetivos da Associação de Empregadas Domésticas de Campinas em 1961
133
Ficha 2
Ficha 3
______________________________________________
Cara (o) patroa(ão)
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Atenciosamente,
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135
Ficha 4
Nome: Idade:
Oficina 4
Lugar de mulher? Onde é?
Apresentação
Objetivos
Atividade 1
Na Guerra
Assista ao vídeo!
Materiais:
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Vídeo de depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som
Campinas,em 1989.
- Ficha a ser preenchida.
"Eu me alistei como voluntária .....na defesa passiva e auxiliar de guerra. Durante a guerra eu
fui servir, eu me alistei como voluntária...na defesa passiva e auxiliar de guerra, que os
soldados tinham ido pra Itália, então o grupo feminino que acompanhava a vigilância da
cidade. (...)
Numa tarde do dia 24 de julho de 1943, às quatro horas da tarde, o alarme soou porque
havia inimigos por perto, então a gente descia até o portão, lá embaixo , lá dentro do mar, lá
embaixo no porão já era o mar, então tem uma agulha que o sinal onde está o inimigo, que os
torpedeiros vinham vindo (...) neste dia era submarino que vinha, mas a gente preparava tudo
porque quando vinham os submarinos, vinham aviões também, os aviões atacavam também,
então preparavam tudo e eu fiquei no comando. Então dá aquele estouro que estremece
tudo...Aquele dia foi terrível, aquele dia eu vi a morte.
- E a senhora chegou a soltar a bomba?
Soltei porque tinha que soltar que era pra cercar ... no outro dia cedo tinha pedaços de
submarinos boiando. Aquele dia pra mim foi o pior dia da minha vida eu vi que ali estava um
pedaço da vida das pessoas."
Depoimento de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, 1991. (Laudelina de Campos Mello em entrevista
à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª
Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
138
Anos citados
Cenário de
guerra descrito
Principais
meios de
comunicação
da época
Diferença entre
homens e
mulheres em
relação às
atividades
desempenhadas
140
Atividade 2
Na Política
Materiais
Câmara dos
Deputados,
Brasíia, 10 de
agosto de 1965.
Representantes
dos sindicatos de
Campinas e
Laudelina de
Campos Mello,
representando a
Associação das
Empregadas
Domésticas.
Apud: PINTO,
Elisabete
Aparecida.
Etnicidade, gênero
e educação: a
trajetória de vida
de Laudelina de
Campos Mello
(1904-1991). São
Paulo: Anita
Garibaldi,
2015p.481
Disponível em https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-
edicao-do-livreto-mais-mulheres-na-politica. Acessado em junho/2016.
145
Quais
personagens são
retratados?
O que chama
mais sua
atenção?
Qual
característica do
mundo político
brasileiro da
década de 1960
podemos
apreender?
146
Dep. Estaduais
Dep. Distritais
Dep. Federais
Senadoras (es)
Governadoras (es)
Atividade 3
Na luta
Materiais:
- Gráfico informativo sobre uso do tempo no serviço doméstico por mulheres e homens no
ano de 2009.
Posse da
diretoria da
Associação das
Empregadas
Domésticas em 05 de
julho de 1962.
Apud. PINTO,
Elisabete. Etnicidade,
Gênero e Educação:
Trajetória de vida de
Laudelina de Campos
Mello. São
Paulo:Anita
Garibaldi, 2015, p.
479.
Laudelina de
Campos Mello e
outras militantes no
V Congresso
Nacional de
Empregadas
Domésticas do Brasil,
em Olinda,
Pernambuco, de 24 a
27 de janeiro de
1985.
Apud: PINTO,
Elisabete. Etnicidade,
Gênero e Educação:
Trajetória de vida de
Laudelina de Campos
Mello. São
Paulo:Anita Garibaldi,
2015, p.485.
Laudelina de
Campos Mello
discursando no VI
Congresso das
Trabalhadoras
Domésticas, Campinas,
1989.
Apud PINTO, Elisabete.
Etnicidade, Gênero e
Educação: Trajetória de
vida de Laudelina de
Campos Mello. São
Paulo:Anita Garibaldi,
2015, p.485.
150
Depoimento 1
(...) Em 1962 foi a primeira vez que nós fomos à Brasília...Então nós fomos pra Brasília pedir
(para eles nos) registrar como facultativo no INPS. Foi João Goulart que assinou a lei. (...)
(Nesta ocasião, um dos almoços que foram servidos) falo sobre tudo aquilo que a gente
precisava, o amparo porque as domésticas ficaram fora das leis trabalhistas, (peço) amparo via
inclusão no INPS como facultativo e (peço) pro João Goulart que fosse regulamentada na
CRP a inclusão, que fosse enquadrada as empregadas domésticas como trabalhadoras
domésticas e tivesse todos os direitos iguais aos homens. Aí falei sobre a aposentadoria,
sobre a condição delas quando estão doentes, falei tudo.
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Depoimento 2
A empregada doméstica tá elevada à segunda categoria e tá em segundo plano também.
Porque além dos patrões não considerar ela como categoria, as próprias leis também não
consideraram até hoje. Então ainda precisa lutar pela profissão. E lutar pela profissão nós
vamos ter ainda trabalho. Que nós vamos ter ainda que formar profissionais. Porque a maioria
dos patrões que eu converso com eles, os bons, os maus e tudo, eles dizem o seguinte: "Dona
Nina", ou "Nina", ou "Laudelina", eles dizem o seguinte. "Hoje a lei tá amparando, mas a
maioria não é profissional". Eu disse Ah, antigamente vocês tiveram profissional, tiveram
empregada doméstica sem profissão. E vocês aceitaram. Porque foi escrava de vocês. Não
tinha profissão pra vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão. Eu, por exemplo, com sete
anos já cozinhava, já tomava conta d´uma cozinha.
(Transcrição de trecho do depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som -
Campinas, 1989)
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Depoimento 3
Ainda tem uma parte muito interessante o sindicato da empregada doméstica é completamente
diferente. Tá engajado, mas é diferente do homem.
- Por que?
Porque a mulher vive dentro da casa trabalhando. O homem não. O homem sai de manhã, faz
o serviço dele, de noite ele vem. A mulher trabalha de dia na casa do patrão e de noite na casa
dela. Ela faz dois período....de trabalho. E não é considerada pelas leis. Então eu acho que
quando houver uma especificação de profissão vai ter mais valor.
(Transcrição de trecho do depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som -
Campinas, 1989)
152
O que
retratam?
O mais
chama sua
atenção?
Qual
característica
do trabalho
doméstico
está
retratada?
154
Ficha 2
Diferenças entre homens e mulheres em relação ao trabalho
Depoimento 1
Depoimento 2
Depoimento 3
155
Tipo de tarefas
domésticas que fazem
Total de entrevistados
157
Atividade 4
Ser menina como Nina
Materiais:
Ficha 1
Mulheres Homens
159
Ficha 2
160
Oficina 5
Narrando Vidas, Contando Histórias
Apresentação
Nossas histórias pessoais são tecidas pelos fios da história da sociedade em que
vivemos e vice-versa, por isso, histórias do nosso país podem ser apreendidas a partir de
experiências individuais. As histórias de vida de Laudelina de Campos Mello podem ajudar
nossa sociedade a refletir sobre problemas que, apesar de não se manifestarem da mesma
forma, ainda estão presentes em nosso dia-a-dia, como as desigualdades sociais, raciais e de
gênero. Que tal apresentar as histórias de luta de Laudelina de Campos Mello a outras
pessoas?
Objetivos
• Conferir visibilidade a perspectivas diversas sobre a história do Brasil
• Conferir visibilidade a luta dos negros e negras no Brasil
• Estimular a percepção crítica acerca do racismo e do machismo e das assimetrias
socio-econômicas que marcam estruturalmente nossa sociedade.
• Motivar ações em prol da valorização das diferenças e da superação das
hierarquizações étnico-raciais e de gênero.
• Valorizar a autonomia dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem
• Verificar as seleções e apropriações feitas pelos estudantes sobre os temas trabalhados.
161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acervos Consultados
Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
CASA LAUDELINA de Campos Mello
Museu da Imagem e do Som de Campinas
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Outras referências
Menina é Apedrejada na Saída de Culto de Candomblé no Rio. Uol Notícias, 16/06/2015. Disponível
em:/http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/16/menina-e-apedrejada-na-
saida-de-culto-de-candomble-no-rio.htm. Acesso em: junho/2016