Dissertacao Fernanda Crespo

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Formação de Professores

Fernanda Nascimento Crespo

O Brasil de Laudelina: usos do biográfico no ensino de história

São Gonçalo
2016
Fernanda Nascimento Crespo

O Brasil de Laudelina: usos do biográfico no ensino de história

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em Ensino
de História, Curso de Mestrado
Profissional em Rede Nacional
PROFHISTORIA, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Ensino de História.

Orientadora: Profª. Dra. Marcia de Almeida Gonçalves

São Gonçalo
2016
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/D

C921 Crespo, Fernanda Nascimento.


TESE O Brasil de Laudelina: uso do biográfico no ensino de história / Fernanda
Nascimento Crespo. – 2016.
165f. : il.
Orientadora: Profª. Dra. Marcia de Almeida Gonçalves.
Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional
PROFHISTORIA) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade
de Formação de Professores.

1. História – Estudo e ensino – Teses. 2. Biografia. 3. Negras. I.


Gonçalves, Marcia de Almeida. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Formação de Professores.

CDU 93(07)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

Assinatura Data
Fernanda Nascimento Crespo

O Brasil de Laudelina: usos do biográfico no ensino de história

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em Ensino
de História, Curso de Mestrado
Profissional em Rede Nacional
PROFHISTÓRIA, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Ensino de História.

Aprovada em 12 de setembro de 2016.

Banca Examinadora:

Profª. Dra. Marcia de Almeida Gonçalves (Orientadora)


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ

Prof. Dr . Luís Reznik


Faculdade de Formação de Professores -UERJ

Prof. Dr . Amilcar Araujo Pereira


Faculdade de Educação - UFRJ

São Gonçalo
2016
Para Rafael, o amor cultivado nas rimas raras das ruas.
AGRADECIMENTOS

À Marcia de Almeida Gonçalves, pelas orientações que transpuseram os limites das


referências bibliográficas, estimulando meu desenvolvimento intelectual e transmitindo
confiança e tranquilidade em todas as etapas de elaboração deste trabalho.
Aos professores Luis Resnik, e Warley da Costa pelo incentivo, leituras críticas e
sugestões valiosas.
A todos os professores do ProfHist e, em especial, a Amilcar Pereira, grande
entusiasta destas reflexões, cujas aulas marcantes promoveram a reavaliação e a reorientação
dos meus objetivos enquanto professora de história do ensino básico.
Aos meus pais Sonia e Luis Crespo e minhas irmãs amigas Luciana e Simone Crespo
pelo apoio total e irrestrito; à Clarissa e Manuela Crespo; a Dejair Negreiros e Cícero Dutra e
à família Lima sem os quais qualquer caminho se tornaria menos iluminado e mais sinuoso.
Ao meu cúmplice Rafael Lima por toda beleza e inspiração das crônicas de cada dia
escritas a quatro mãos e por me encorajar e apoiar em mais esse desafio.
Às amizades proporcionadas pelo ProfHist, em especial a Marcelo Ferro, Fernanda
Moura e Lorraine Janis, com quem muito aprendi sobre história, docência e parceria.
Ao amigo Vinicius Ferreira pela inesquecível generosidade de disponibilizar sua
experiência à minha estreia como professora.
A Tathiana Loyola e Raphael dos Santos pela amizade e pelo apoio.
Pela solicitude e confiança neste trabalho, agradeço também à Elisabete Aparecida
Pinto; Cleusa Aparecida Silva e à CASA LAUDELINA de Campos Mello; à diretoria do
Sindicato das Empregadas Domésticas de Campinas; e a Edis Cruz e o Museu da Imagem e
do Som de Campinas.
RESUMO

CRESPO, F. N. O Brasil de Laudelina: usos do biográfico no ensino de história. 2016. 165 f.


Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional PROFHISTORIA) - Faculdade de
Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2016.

O currículo de história tem sido um espaço de grandes tensionamentos no que se refere


às questão racial e de gênero e muitas iniciativas que visam a atender a essas demandas no
âmbito escolar, a despeito das boas ou más intenções, têm encontrado na prática, os
obstáculos da essencialização e da folclorização das diferenças, reafirmando estereótipos.
Neste estudo, apostamos nos usos do biográfico como um instrumento potencialmente
fecundo no que tange à superação desses entraves e, mais especificamente, nas histórias de
vida de Laudelina de Campos Mello como um recurso para a construção de conhecimentos
históricos sobre o nosso país. Mulher negra, Laudelina viveu entre os anos de 1904 e 1991 e
colecionou histórias de luta e resistência. Foi fundadora da primeira Associação de
Empregadas Domésticas do Brasil no ano de 1936, na cidade de Santos-SP e até seus últimos
anos de vida se dedicou à conquista de direitos por parte desta categoria. Além disso, sua
atuação junto a movimentos negros faz com que suas histórias constituam registros
importantes sobre a luta dos afro-brasileiros ao longo do século XX.

Palavras-chave: Usos do biográfico. Ensino de história. Mulher negra.


ABSTRACT

CRESPO, F. N. The Brazil of Laudelina: biographical uses in teaching history. 2016. 165 f.
Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional PROFHISTORIA) - Faculdade de
Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2016.

The history curriculum has been a large space tensions regarding to racial issues and
gender and many initiatives to meet these demands in the school have found in practice, the
obstacles of essentialization and folklorization differences, reaffirming stereotypes. With this
study, we bet on the biographical uses as a potentially fruitful instrument in regard to
overcoming these barriers and, more specifically, on the life stories of Laudelina Campos
Mello as a resource for the construction of historical knowledge about our country.
Laudelina was black woman who lived between the years 1904 and 1991 and collected stories
of struggle and resistance. She founded the first Association of Domestic Employees of Brazil
in 1936, in the city of Santos- SP and her last years of life were dedicated to the conquest of
rights by this professional category. Moreover, her work with the black movements makes
their stories consist in importants records about the struggle of african-brazilians throughout
the twentieth century.

Keywords: biographical uses. teaching history. black women.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
1 UMA PROTAGONISTA PARA UMA NARRATIVA HISTÓRICA
DIDÁTICA ................................................................................................................... 16
2 UMA DISPUTA PELA FIXAÇÃO DE SENTIDOS .............................................. 33
3 BAÚ BIOGRÁFICO: O BRASIL DE LAUDELINA DE CAMPOS
MELLO ...................................................................................................................... 47
3.1 Por dentro do Baú...................................................................................................... 53
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 66
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 68
APÊNDICE .................................................................................................................. 72
8

INTRODUÇÃO

Em 12 de outubro de 1904, em Poços de Caldas, Minas Gerais, berrara sua nascença


Laudelina de Campos Mello, bem como ainda berrava a recém-nascida República.Estava em
curso a chamada Primeira República, inicialmente sob o comando das espadas dos militares e
posteriormente sob o cabresto da aristocracia rural brasileira.
Neta de um ventre livre, a pequena Nina deu seus primeiros passos em descompasso
com um projeto de Brasil que se pretendia branco. Este período foi marcado pela elaboração
de projetos nacionais que sustentavam o Brasil como uma nação branca em seu cerne e os
africanos e seus descendentes recém-libertos como elementos estrangeiros a essa nação. Em
diálogo com certas apropriações da eugenia,tais projetos previam solucionar os problemas da
sociedade brasileira eliminado as "raças inferiores", ou seja, planejavam o embranquecimento
para a regeneração de um Brasil que consideravam "atrasado" na perspectiva positivista de
progresso. Assim, a cidadania, intrínseca a qualquer república de fato, não fora pensada para
recém libertos e afrodescendentes.
A situação da mulher negra no pós-abolição, então, era ainda mais peculiar. Como
reflete Bebel Nepomuceno 1, em Mulheres Negras - protagonismo ignorado, apesar de a
virada do século XIX para o XX ser marcada por uma série de conquistas das mulheres, fosse
no mundo do trabalho, na esfera política ou mesmo no que tangia à sexualidade e aos direitos
reprodutivos, tais avanços não podem ser levados em conta plenamente para pensar mulheres
como Laudelina.Aliás, o próprio feminismo durante a primeira metade do século XX, valia-se
muitas vezes de uma perspectiva essencialista a respeito das mulheres, não levando em conta
as diferentes necessidades e demandas que existiam entre elas. Cláudia Pons Cardoso afirma
que
[...] o movimento feminista no Brasil procurou construir seu legado de lutas a partir
de tendências americanas e européias, neste sentido destacou mulheres e
reivindicações que correspondessem àquelas tendências(...), as produções
feministas, de modo geral, são evasivas no trato teórico da relação entre gênero e
raça no Brasil, na importância das diferenças raciais na constituição de gênero e das
identidades das mulheres. E principalmente a falta de estudos nesta área oculta a
discussão sobre o privilégio de ser mulher branca, em uma sociedade racista. 2

1
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e PEDRO,
Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012.
2
CARDOSO, Cláudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas
reflexões.Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008, pp.2 e 4.
9

Enquanto mulheres brancas, de grupos sociais privilegiados, conquistavam


gradativamente os espaços públicos e um mercado de trabalho ocupado quase que
exclusivamente pelos homens brancos até então, mulheres negras como Laudelina, já eram
íntimas das ruas e não foram absorvidas por um mercado de trabalho formal. Como um
legado dos tempos de escravidão -quando eram muito comuns as cenas de mulheres negras
vendendo quitutes nas ruas, trabalhando como lavadeiras ou prestando serviços domésticos de
toda sorte -,no pós-abolição, delas se esperava a presença nos espaços públicos e a prestação
de serviços, porém a elas eram oferecidas as oportunidades de menor prestígio, menor
remuneração e que não contavam com nenhum tipo garantias ou direitos. Nas análises de
Nepomuceno,
A chegada do novo século encontrou-as trabalhando como pequenas sitiantes,
agricultoras, meeiras, vendedoras de leguminosas e demais produtos alimentícios
nas ruas das cidades brasileiras. Muitas delas viviam em lares sem presença
masculina, chefiando a casa e providenciando o sustento dos seus. Outras
trabalhavam para famílias de mais posses como criadas para todo o serviço.
Algumas haviam conseguido acumular patrimônio, formar núcleos familiares
estáveis, criar redes de solidariedade e comunidades religiosas. Ao contrário do
prescrito para a mulher idealizada da época, as negras circulavam pelas ruas,
marcando a seu modo presença no espaço público. 3

O mercado de trabalho no pós-abolição, para Nepomuceno, apresentava-se como um


dos campos em que o preconceito racial mais ficava latente. O critério racial de seleção dos
empregadores ia ao encontro das políticas oficiais de branqueamento. Os negros eram
preteridos pelos imigrantes europeus e seus descendentes, mesmo para a execução de
atividades subalternas. Havia grande euforia entre as patroas brasileiras em contratar
domésticas de pela clara, por exemplo; porém a presença da mulher negra nos serviços
domésticos permaneceu predominante, visto que poucas eram as imigrantes européias
dispostas a enfrentar as humilhações, o salário ínfimo, as extensas jornadas de trabalho e os
abusos sexuais recorrentemente cometidos contra estas trabalhadoras. 4
As dificuldades vividas pelas trabalhadoras domésticas foram vivenciadas por nossa
protagonista desde cedo. Apesar de aos 16 ou 17 anos ter começado a exercer trabalho
doméstico remunerado, desde os 7 anos, aproximadamente, a pequena Nina já desempenhava
funções em sua própria casa enquanto sua mãe trabalhava como lavadeira em um hotel. Com
12 anos já desempenhava a função de pajem esporadicamente, além de cuidar dos próprios
irmãos.

3
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e PEDRO,
Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012, p.383.
4
Idem, p. 382-409.
10

Chamada pelo ministro do trabalho Jarbas Passarinho, no ano de 1967, de o "terror das
patroas",Laudelina teve sua vida marcada pela luta por melhores condições de trabalho para
as domésticas e pelos direitos da população negra em nosso país. Sua atuação políticas fora
marcada pelas relações com diversos militantes negros, comunistas e sindicalistas e o contato
e interlocução com as várias organizações políticas distintas como a Frente Negra Brasileira,
o Partido Comunista e o Teatro Experimental do Negro fizeram parte das suas
histórias. 5Organizações recreativas e educativas voltadas para a afirmação do povo negro,
como o concurso de beleza Pérola Negra, o Clube 13 de Maio e a Escola de Bailados Santa
Efigênia, foram obras de sua criação e articulação. A ela é conferida a primeira organização
de domésticas do Brasil, criada em 1936 em Santos/SP e fechada em 1942 pelo Estado Novo;
a fundação da Associação de Domésticas em Campinas, na década de 1960,também é
atribuída à sua luta a conquista da sindicalização desta categoria profissional,ocorrida em
1988. 6
Aos 87 anos, Vó Nina finalizou sua longa caminhada repleta de lutas e negociações e,
a esta altura, a República já colecionava projetos e feições. Nossa personagem, por sua vez,
colecionava histórias sobre racismo, afirmação e resistência; sobre negação e conquista de
cidadania; sobre a luta e a conquista de diretos trabalhistas; sobre a assimetria inerente às
relações de gênero e às táticas desenvolvidas frente a isso. Até mesmo uma participação no
movimento de defesa passiva e auxiliar na II Guerra Mundial - e a sobrevivência a um tiro -
constam nessas experiências de vida!
Laudelina de Campos Mello traz em suas histórias as marcas dos diversos tempos,
assim como a história do Brasil é marcada pelos agenciamentos protagonizados por Laudelina
desde a chamada Primeira República, passando pela Era Vargas, os projetos que antecedem o
golpe de 1964, os 21 anos de ditadura militar, a chamada redemocratização e até Nova
República. Cada contexto lhe impôs normatizações específicas; cada marcador social lhe
tensionou diante das mais variadas circunstâncias, porém à luz de Michel de Certeau nos
interessamos principalmente em lançar vistas às táticas desenvolvidas e aos espaços
insinuados por Laudelina diante dessas coerções sociais. 7

5
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
6
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da
descolonização e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília,
2007.
7
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1984.
11

Propomos, com este estudo, o desenvolvimento de uma abordagem didática da história


do Brasil republicano através das histórias de vida desta mulher e para isso a dissertação
Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello
(1904-1991)8, defendida por Elisabete Aparecida Pinto na UNICAMP no ano de 1993 e que
foi transformada em livro no ano passado - 13 anos depois - é uma referência.Trata-se do
primeiro e mais expressivo trabalho sobre a vida de Laudelina de Campos Mello e do qual ela
participou ativamente, narrando suas histórias de vida à Elisabete Pinto ao longo de uma série
de encontros, pouco antes de seu falecimento. Além do extenso depoimento que foi transcrito
e disponibilizado junto à dissertação, a autora também reproduziu fotografias, cartas pessoais
e documentos relacionados à militância de Laudelina em seu trabalho.
Foi a partir dessa dissertação que conheci estas histórias e também a partir dela que
travei contato com a própria autora e com as atuais lideranças do Sindicato das Domésticas de
Campinas. Laudelina deixou a casa onde residiu nesta cidade para o Sindicato, ainda em vida,
sob o direito de usufruto e lá fui recebida pelas atuais dirigentes.Muitos de seus pertences
como roupas, fotografias, louças e outros objetos utilizados por dona Nina em seu cotidiano
se encontram nesta casa não organizados como um memorial ou algo parecido, mas como
uma herança deixada aos seus.
A ideia de preservar as memórias de Laudelina é pauta para Cleusa Aparecida da
Silva, com quem também estabeleci contato através de Elisabete Pinto, e que é coordenadora
executiva da CASA LAUDELINA - Organização de Mulher Negra. Esse, movimento criado
em1989, assim define seus objetivos:

CASA LAUDELINA de Campos Mello ... tem como eixo estruturante de suas
estratégias e ações políticas, o enfrentamento ao racismo, ao sexismo, ao capitalismo
e à lesbofobia entre outras formas de dominação hegemônica, sendo a única
organização no Brasil, que tem o trabalho doméstico remunerado, como carro chefe
das lutas. 9

Trata-se de uma organização de mulheres negras que inspiradas em Laudelina travam


lutas pela superação de desigualdades de cunho racial, trabalhista e de gênero na cidade de
Campinas, em São Paulo. A CASA LAUDELINA conquistou uma lei municipal que destina
uma área pública para a construção de sua sede e para a construção de um memorial dedicado

8
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
9
CASA LAUDELINA - Organização de Mulher Negra. Disponível em http://www.casalaudelina.org.br/#nos-
laudelinas. Acessado em abril de 2016.
12

à ela, onde se possa concentrar e conservar o acervo que hoje se encontra desorganizado e
fragmentado entre o Sindicato, o Museu da Imagem e do Som de Campinas, o Centro de
Memória da Unicamp e o Museu da Cidade de Campinas.
As lutas travadas por Laudelina de Campos Mello foram muito importantes em seus
contextos e para além deles. As questões de raça, gênero e trabalho, especialmente quando
articuladas, são pungentes para a sociedade atual, porém ainda encontramos grandes lacunas
no que concerne ao trabalho com elas no ambiente escolar. Por isso, visamos ao
desenvolvimento de outras possibilidades de narrativa da nossa história para além das
tradicionalmente feitas por docentes e manuais didáticos. Especialmente voltados para o 9º
ano do Ensino Fundamental, tencionamos trazer histórias da vida dessa mulher, negra e
doméstica, para o primeiro plano e a partir delas produzir, junto aos estudantes, análises sobre
os diferentes contextos das repúblicas que foram vivenciados. Nesse sentido, as reflexões
sobre a relação entre narrativa e ensino de história e sobre papel de destaque desempenhado
pelo(a) docente nesse processo transfixarão este trabalho.
Nos lançamos no desafio de investigar as contribuições que a personagem Laudelina
de Campos Mello pode oferecer em relação aos impactos que a Lei 10639/03 promoveu na
educação brasileira, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-
brasileira nas escolas. Muito mais que uma medida imposta de cima para baixo,
compreendemos esta lei sancionada no ano de 2003, como uma conquista das lutas históricas
do movimento negro no Brasil pela inserção efetiva dos afro-descendentes em nossa
sociedade. Como ressalta Amilcar Pereira, principalmente a partir da década de 1980, quando
vivenciamos a reabertura política e o centenário da abolição da escravidão, houve a formação
de novos grupos e lideranças políticas negras que passaram a atuar e criar articulações em
diferentes esferas de poder. Esses novos lugares políticos e sociais ocupados pelos
movimentos negros e anti-racistas trouxeram mudanças no âmbito educacional. 10
Martha Abreu e Hebe Mattos 11 lembram que apesar de termos como pluralismo
cultural e diversidade já constarem nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996 e 1999,
apenas no ano de 2004, com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana, que visam a atender à Lei nº 10.639/03, é que são travados compromissos com o

10
PEREIRA, Amilcar Araujo. Por uma autêntica democracia racial: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de História.Revista História Hoje. vol. 1, n.1, jun/2012, p.111-128.
11
ABREU, Martha e MATTOS, Hebe. Em torno das "Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana": uma conversa com
historiadores.Estudos Históricos. Rio de Janeiro, jan-jun/2008.
13

desenvolvimento de políticas de reparação e ações afirmativas em relação às populações afro-


descendentes. Deste modo, oficialmente se estabelece um enfrentamento no âmbito escolar
contra o racismo negligenciado historicamente pelo "mito da democracia racial" 12.
Acreditamos, no entanto, que o caráter transformador ou conservador do currículo não
se circunscreve às prescrições formais; entendemos que é, sobretudo, das relações
estabelecidas pelos(as)docentes e alunos e seus materiais com o que é ensinado e apreendido,
que se dão as perspectivas de mudanças ou de permanências culturais em sociedade. A Lei
10639/03, ratificada pelas Diretrizes de 2004, induz ações que desde então podem ser
observadas no âmbito dos materiais submetidos ao PNLD (Programa Nacional de Livros
Didáticos) e também nos calendários das escolas que passam a reservar o mês de novembro
como um mês de culminância de projetos relacionados à África e à cultura afro-brasileira,
quando no dia 20 se homenageia a luta do negro no Brasil, através da figura de Zumbi
Palmares. Porém, o caráter meramente protocolar de algumas dessas ações, ao visarem
estritamente ao cumprimento da Lei, sem refletir sobre as melhores formas de atendê-la,
acabam por perpetuar essencialismos. O ensino de história à serviço de problematizações e
desconstruções de estereótipos deve orientar nossa abordagem não só direcionada à população
negra, por considerarmos o racismo um problema de todos e a ser encarado e combatido por
toda a sociedade brasileira. Como bem enfatiza Verena Alberti:

A criança e o adolescente que se identificam e são identificados como brancos têm


muito a ganhar com um ensino qualificado das histórias e culturas afro-brasileiras e
indígenas. Se um menino que se identifica como branco se acha no direito de xingar
um colega identificado como negro por causa de sua raça ou cor, esse menino
necessita de tanta ajuda quanto seu colega que sofre preconceito. O racismo é um
problema de todos e envolve toda a sociedade. Por isso mesmo deve preocupar
imensamente os historiadores. 13

As vivências de Laudelina também nos permitem explorar demandas feministas com


relação à escrita e ao ensino da história. Desde sua constituição como disciplina, a história
apresenta majoritariamente homens como protagonistas de suas narrativas. Seja ao tratar de

12
Associada à obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, de 1933, ainda na primeira metade do século
XX, a ideia de democracia racial, baseada na mestiçagem biológica e cultural entre negros, índios e brancos,
passa a ser o centro da construção da identidade nacional brasileira. A despeito de inúmeras pesquisas
desenvolvidas, sobretudo na década de 1950 por Florestan Fernandes, que comprovavam a existência de racismo
no Brasil, este mito torna-se um grande obstáculo à percepção das desigualdades raciais que marcam a nossa
sociedade. Cf. PEREIRA, Amilcar Araujo. Por uma autêntica democracia racial: os movimentos negros nas
escolas e nos currículos de História.Revista História Hoje. vol. 1, n.1, jun/2012, p.111-128.
13
ALBERTI, Verena. "Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-brasileira". In: PEREIRA,
Amilcar Araújo e MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história e culturas afro-brasileiras e indígenas.
Rio de Janeiro: Pallas, 2013, p.28.
14

trajetórias individuais - elegendo "grandes heróis" e elencando cronologicamente seus feitos -


ou quando, em outra perspectiva, trabalha com sujeitos sem nomes próprios - como operários
e camponeses, por exemplo -, as mulheres, em muitos casos, não aparecem nos textos
principais de nossos manuais didáticos, não desempenham protagonismo nessas
narrativas.Assim, também servirão de base para nosso estudo, discussões sobre a tímida e/ou
previsível presença das mulheres na narrativas históricas. Rachel Soihet e Joana Maria Pedro
nos lembram que categorias como "gênero", "mulher" ou "mulheres" entram no âmbito da
História tardiamente e afirmam que:

Grande parte deste retardo se deveu ao caráter universal atribuído ao sujeito da


história, representado pela categoria “homem”. Acreditava-se que, ao falar dos
homens, as mulheres estariam sendo, igualmente, contempladas, o que não
correspondia à realidade. Mas, também, não eram todos os homens que estavam
representados nesse termo: via de regra, era o homem branco ocidental. Tal se devia
à modalidade de história que se praticava, herdeira do iluminismo. 14

Essa abordagem traz profundas marcas para o ensino de história. Quando figuram
nestes materiais, as mulheres ocupam pequenos boxes ou textos complementares. Mesmo
diante de pressões das históricas lutas feministas, é muito comum que às mulheres sejam
reservadas, apenas, "curiosidades históricas" da esfera do privado apresentadas anexas às
narrativas principais. Acreditamos que essa desigualdade expressa no âmbito dos currículos
escolares e nos livros didáticos reflete e sustenta as condições de desigualdade de gênero que
produzem identidades negativas relacionadas às mulheres, as privam do pleno exercício de
sua cidadania e às submetem às mais variadas formas de violência.
Por tudo isso, propomos com este trabalho o deslocamento do prisma usualmente
utilizado para tratar da história do Brasil republicano trazendo personagens que, de modo
geral, são relegados a segundo plano, para os papéis principais de nossa narrativa. Almejamos
travar um embate às guetizações, às folclorizações, aos essencialismos e ao racismo que
submetem constantemente o negro ao papel de vítima, de coadjuvante e a mulher negra à
invisibilidade no que se refere à história do Brasil.Sendo assim, nosso olhar percorrerá os
caminhos abertos pela perspectiva pós-estruturalista de currículo - compreendido, aqui, como
uma arena de disputa pela fixação de sentidos - e pela questão da produção de identidade e
diferença, tendo como mote o rompimento com o autorreferente, como nos propõe Tomaz
Tadeu da Silva.Através de Laudelina, e suas histórias, sobretudo relacionadas a sua atuação

14
SOIHET,Rachel; PEDRO,Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de
Gênero. In.Revista Brasileira de História Nº 54 vol. 27. São Paulo: ANPUH, jul.-dez, 2007, p.284.
15

política, tencionamos romper com "o lugar da mulher" na história, circunscrito ao âmbito do
privado e ocupar as imensas arestas do pós-1888, quando crescem ainda mais as dívidas dos
manuais didáticos com relação às agências da população negra em nossa história.
Nossas análises tomarão corpo em 3 capítulos dissertativos e resultarão na montagem
de um produto didático que possa ser utilizado por professores da educação básica. Movem
este estudo questões cujo cerne é a problematização do uso de histórias de vida com fins
didáticos.No primeiro capítulo, intitulado Uma Protagonista para uma Narrativa Histórica
Didática,apresentaremos histórias de vida de Laudelina de Campos Mello, trazendo-as à tona
no ensejo das discussões sobre biografia e história e as potenciais contribuições de usos do
biográfico para o ensino/aprendizagem de história..Discussões sobre estreita,porém
historicamente conflituosa, relação entre biografia e história engendradas principalmente a
partir da década de 1970, nos auxiliarão na tomada de posição diante de algumas questões.
Como utilizar trajetórias individuais nos processos de ensino-aprendizagem sem que
incorramos em uma espécie de retorno a antigas práticas da história elegendo heróis e seus
feitos como ícones dessa história a ser contada? Como abordar didaticamente a história do
Brasil tomando emprestado o olhar de Laudelina de Campos Mello?
No segundo capítulo, intitulado Currículo como disputa: Questões Raciais e de
Gênero no Ensino de História, daremos destaque às disputas engendradas no campo do
ensino de história, especialmente motivadas pelas lutas dos movimentos negro e feminista,
focando as subjetividades implicadas na seleção das personagens principais e secundárias e
nas abordagens desenvolvidas em nossas narrativas históricas didáticas. A responsabilidade
do docente diante dos impactos dessa seleção na produção de identidades e diferenças
também é assunto deste segundo capítulo.
Já o terceiro capítulo,Entre a pequena Nina de Poços de Caldas e a Vó Nina de
Campinas uma série de histórias nossas, será destinado ao desenvolvimento de propostas de
usos didáticos das histórias de vida de Laudelina de Campos Mello junto a estudantes de 9º
ano do ensino fundamental. A partir das agências e experimentações dessa
personagem,objetivamos fazer emergir em sala de aula temas como: mundo do trabalho e
lutas trabalhistas; desigualdade racial e ações de resistência; desigualdade de gênero e ações
de resistência. Pretendemos, a partir delas, mobilizar conhecimentos históricos acerca do
Brasil durante o século XX, enfatizando as formas como diferentes questões que marcaram
nossa sociedade, em contextos diversos, foram experimentadas por esta mulher, negra,
trabalhadora.
16

1. UMA PROTAGONISTA PARA UMA NARRATIVA HISTÓRICA DIDÁTICA

Os anos de 1970 são marcados por uma série de questionamentos acerca das relações
entre narrativa e escrita da história. 15 Segundo Jaques Revel, todavia, este debate é algo "tão
antigo quanto a própria historiografia" e, inclusive, fundamenta seu pacto fundador rompido
em fins do século XVIII e início do XIX. 16

Nas origens ocidentais da historiografia não existe contradição entre a história como
investigação e a história como narrativa. As verdades que o historiador traz à luz
são suscetíveis de serem transmitidas apenas ao preço de uma formação e de uma
ordenação que se identificam a uma intriga. Ele não saberia,portanto, contentar-se,
em apresentar os fatos que recolheu em ordem cronológica; ele deve lhe dar uma
organização detentora de uma significação, produzindo figuras reconhecíveis. Esse
pacto fundador foi aceito tal qual até o século XVIII. 17

Revel se empenha em desvendar as motivações que fazem as atenções se voltarem a


esse debate novamente e salienta os posicionamentos de Paul Ricouer e Arnaldo Momigliano
em meio às dúvidas epistemológicas atravessadas pela historiografia. Ricouer emerge nesta
arena afirmando a narrativa como "a forma irredutível da experiência humana no tempo" e
Momigliano é assertivo ao afirmar que é “a experiência temporal que humaniza o tempo". 18
A associação das palavras história e narrativa é chave para nosso estudo preocupado
com a construção de novas narrativas sobre a história do Brasil, no âmbito escolar, a partir das
experiências de Laudelina de Campos Melo. Devemos salientar que não estamos aqui nos
referindo àquele modo de escrita da história fundamentado em "grandes heróis",subscritores
de "grandes feitos" e apresentados,como exemplos a serem seguidos, em trajetórias lineares,
homogêneas e inteiramente interligadas por um mesmo objetivo desde o ato de seu
nascimento até seus últimos dias de vida. Ana Maria Monteiro e Carmem Gabriel nos
conduzem a desatar o emaranhado semântico que envolve as expressões história narrativa e

15
A "virada lingüística", marca dos anos de 1970, reserva papel central à linguagem e sua dimensão
performativa na produção do conhecimento histórico. A linguagem passa a ser compreendida como produtora e
não mais mera transmissora de ideias e realidades. Do ponto de vista da historiografia isso implica em o
historiador estar atento não só aos contextos sociais, mas também aos contextos linguísticos relativos aos temas e
tempos estudados. No que se refere à produção do conhecimento histórico escolar, essa "virada" se reflete no ato
de o(a) docente reconhecer, em diálogo com demandas de seu tempo, as subjetividades implicadas na produção
de narrativas tecidas durante os processos ensino-aprendizagem. Cf. PALTI, Elias José. Giro Linguístico e
Historia Intelectual. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2012.
16
REVEL, Jacques. A biografia como problema. In: História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed
UFPR, 2010, p.237.
17
REVEL, Jacques. Recursos Narrativos e Conhecimento Histórico. In: História e Historiografia: exercícios
críticos. Curitiba: Ed UFPR, 2010, p. 212.
18
Idem, ibidem.
17

narrativa histórica esclarecendo que, associadas como neste último caso, essas duas palavras
não designam simplesmente um estilo possível de escrita da história; denotam, sim, a noção
de narrativa como um elemento constitutivo do saber histórico. 19
Segundo as autoras, a articulação do conceito de narrativa histórica com o de
conhecimento escolar privilegia também o papel do docente que
[...] ao produzir as narrativas do conhecimento escolar objeto de ensino, cria
construções que venham a contribuir para que seus alunos possam compreender a
diversidade de experiências das diferentes sociedades humanas em perspectiva
crítica e transformadora/reconfiguradora de sentidos sobre o mundo, que possibilite
compreender/explicar contradições, processos, "intrigas" e possibilidades;
professores narradores de narrativas da História escolar. 20

Cientes disso, defendemos a narrativa como elemento imprescindível à produção do


saber histórico escolar e consideramos que, conscientemente ou não, docentes, em
interlocução com estudantes, constroem narrativas históricas didáticas muito particulares. A
proposta à qual nos lançamos surge da reflexão das possibilidades de trabalhar a história do
Brasil através de histórias de vida e só concebemos este como um caminho possível quando,
como propõe Ilmar Mattos, compreendemos o(a) docente como autor(a) diante do processo de
ensino-aprendizagem e sua aula como texto. A partir dessa postura conscientemente
assumida, a(o) professora(o) tece seu enredo, elenca personagens, estabelece panos de fundo,
encadeia temporalidades e narra a história deixando evidente a marca de seu estilo e de seu
ponto de vista.
De modo categórico, afirmamos ... que, por meio de uma aula, também se conta uma
história; que, ao se contar uma história por meio de uma aula, também se faz
história; e que somente ao se fazer história por meio de uma aula nos tornamos
professores de história. Por lermos de um modo singular uma proposição, podemos
afirmar que também somos autores. 21

Monteiro e Gabriel sustentam a narrativa como mediação "entre a História (vivida) e a


produção de um saber para a construção de sentido do mundo" 22 e afirmam que sendo
utilizada no ensino de história por esse prisma, rompe com o modelo engessado que lhe

19
MONTERO E GABRIEL. Currículo de História e Narrativa: Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas.
In: MONTEIRO, Ana Maria; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAÚJO, Cinthia Monteiro de; COSTA, Warley da
(orgs.) Pesquisa em Ensino de História: Entre Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. - 1 ed. - Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014.
20
Idem, p.35
21
MATTOS, Ilmar Rohloff. Mas não somente assim. Leitores, autores, aulas como texto e o ensino
aprendizagem de história. Revista Tempo. Departamento de História da UFF. V.11, n.21. Rio de Janeiro. Julho,
2006, p.11.
22
MONTERO E GABRIEL. Currículo de História e Narrativa: Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. In:
MONTEIRO, Ana Maria; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAÚJO, Cinthia Monteiro de; COSTA, Warley da
(orgs.) Pesquisa em Ensino de História: Entre Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. - 1 ed. - Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014. p.34
18

impuseram durante tanto tempo, tomando uma nova forma que permite dar luz e superar
algumas dificuldades no campo do ensino-aprendizagem. Por isso, entendemos também, que
o(a) professor(a)/autor(a) deve ter em seu horizonte o devir; ou seja, é importante que conte
com as múltiplas e simultâneas possibilidades para o desfecho de sua narrativa, pois esta parte
- que lhe escapa - se dá na interlocução com seu público leitor; neste caso, na forma como
cada estudante vai apreender e se apropriar daquela história.
Neste projeto, elegemos um indivíduo, uma pessoa e não um grupo social, por
exemplo, como protagonista de nossa narrativa histórica com fins didáticos. Escolhemos
explorar os usos do biográfico para o ensino de história e, antes que pareça que seguimos por
caminhos isentos de problematizações, devemos esclarecer que nossa opção só pode ser
compreendida quando cientes das discussões atuais acerca das relações entre biografia e
história.
A partir da década de 1980, em meio à crise dos grandes modelos de interpretação
marxista e estruturalista, a esfera do individual se tornou uma questão central e as apostas na
biografia foram retomadas. À luz de Chartier, Benito Bisso Schmidt 23afirma que o
movimento de retomada da biografia no campo da História a partir da década de 1980,
relacionado à crise do paradigma estruturalista, deseja "trazer de volta os indivíduos à
construção de laços sociais".
Tratava-se de recuperar o poder da história de contar uma história, resgatando os
aspectos literários da prática historiográfica, que a preocupação teórica de quase cem
anos tinha eclipsado(...) o indivíduo, até então predominantemente um joguete nas
mãos das vastas forças impessoais ou, então, um simples elo nas cadeias de amplas
estruturas meta-humanas, ressuscitava da morte a que fora condenado e resgatava
sua dignidade. 24

Tal movimento, todavia, foi alvo de questionamentos por parte de alguns historiadores
preocupados com um possível retorno de abordagens cronológicas, individualistas e narcísicas
da história. Muitos autores, também, passaram a refletir sobre esse movimento não como um
simples retorno, mas sim, apontando para suas especificidades. Quais seriam as perspectivas
que fariam do biográfico algo renovado e desvinculado de um modelo de história que se
buscava superar?
Começamos a responder essa pergunta a partir de Levillain e suas critica às pretensões
muito grandiosas que tentam dar conta de totalidades. O autor identifica em tais propostas
grandes obstáculos a abordagens mais densas e comprometidas com o fazer histórico.

23
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história & cultura – UCS.v. 2,
n. 3, p. 57-72, jan./jun. 2003
24
NEVES, Guilherme Pereira das. História, Teorias & Variações. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2011. p. 79.
19

a biografia histórica hoje reabilitada não tem como vocação esgotar o absoluto do
"eu" de um personagem, como já o pretendeu e ainda hoje pretende mais do que
devia. E se a simbologia de seus fatos e gestos pode servir de representação da
história coletiva através de um homem, tal como o retrato, ela não esgota a
diversidade humana (...) Ela tampouco tem que criar tipos (...). 25

Outra questão intensamente debatida é a que envolve o quinhão ficcional em relação


às biografias históricas. Sobre essa desconfiança Guilherme das Neves sustenta como marca
fundamental da biografia histórica o compromisso com a verdade - ainda que sempre
subjetiva, incompleta e provisória -, selado a partir do tratamento privilegiado dado às fontes.
Segundo o autor essa é a principal diferença entre a história e a literatura no que se refere à
biografia.
O que distingue a história da literatura (...) são os instrumentos a que os
historiadores e literatos recorrem para assegurar aquela verossimilhança de que falei.
(...) Os historiadores tem a obrigação de reportar-se a uma realidade - mesmo que
não saibam e não possam saber qual seja - através de um procedimento referencial
próximo daquele utilizado pelas ciências empíricas. E são as fontes, ou seja, os
pedaços de passado que ainda se conservam no presente que permitem essa
operação. Em si, as fontes não garantem a realidade do passado, mas impedem que
se faça do passado qualquer passado. Nesse jogo entre imaginação e realismo reside
a originalidade da história. 26

Entretanto, Neves defende que a originalidade da história reside justamente onde


realismo e imaginário se tocam e destaca pontos de convergência entre história e a literatura
na escrita biográfica. Mesmo com grande rigor no tratamento das fontes e outros instrumentos
de contextualização das experiências dos indivíduos, o historiador jamais conseguirá
reconstituir plenamente os ambientes, as paisagens em que o biografado travava suas relações.
Nesta brecha, então, toma relevo a subjetividade do biógrafo que

se vê na contingência de recorrer à imaginação, construída a partir da sua própria


experiência, de modo a transportar-se para a situação do outro - ainda que deva
tomar certos cuidados para não ferir a verossimilhança do que propõe. Ao fazê-lo,
não está recuperando um inalcançável passado, mas projetando naquele mundo
imaginário, que está trazendo à luz, os medos e esperanças de sua própria época, do
meio de onde proveio e de si mesmo. 27

Jaques Revel também destaca a importância do tratamento das fontes como algo
determinante para o trabalho biográfico e defende, nesse ensejo de reconfiguração, a ruptura
com algumas regras que de maneira implícita recaem sobre a escrita biográfica como por
exemplo a ideia de que uma vida é uma trajetória contínua, costurada pela coerência e
25
LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In.Por uma História Política. RÉMOND, René (org.).
Dora Rocha (trad.). Rio de Janeiro: FGV, 2013. p 176
26
NEVES, Guilherme Pereira das. Elétrons não são interessantes como gente: História e Biografia. História,
Teorias & Variações. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2011. p.82.
27
NEVES, Guilherme Pereira das. Elétrons não são interessantes como gente: História e Biografia. História,
Teorias & Variações. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2011.
20

compreendida entre um começo e um fim. Para isso, o autor sugere que da vida do biografado
se escolha um seguimento específico para se trabalhar e também que se questione o princípio
da coerência levando em conta a posição do sujeito biografado sempre de maneira relacional,
ou seja, delineando-a pelas relações travadas em cada contexto específico. 28
Pierre Bourdieu, em A Ilusão Biográfica, também alerta para a trama - a superfície
social - em que se inserem os indivíduos e critica as produções biográficas alinhadas à
perspectiva teleológica da história, ou seja, que trabalham histórias de vida como
hermeticamente fechadas em si, como se cumprissem uma trajetória sem percalços,
ininterrupta e auto-explicativa, seguindo o modelo do "desde pequeno fulano tinha espírito de
liderança...por isso se tornou presidente", por exemplo. Este autor sustenta a necessidade de se
analisar criticamente os processos sociais que atuam na construção de uma história de vida:
Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de
acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um "sujeito"
cuja constância certamente não é senão aquela do nome próprio, é quase tão absurdo
quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura
da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. 29

Não contradizendo totalmente o que é posto por Bourdieu, mas enfatizando outras
faces e usos do gênero biográfico, Giovanni Levi enfatiza as liberdades, as negociações, as
capacidades, os espaços de ação dos indivíduos diante das regras estabelecidas. Segundo ele,
as normas estabelecidas pelo poder hegemônico são marcadas inexoravelmente por
incoerências e, nesses limites entre o imposto e seus próprios paradoxos, reside o espaço onde
as ações dos indivíduos são capazes de promover transformações na sociedade. O campo do
biográfico seria uma via privilegiada para observar o funcionamento concreto dos sistemas
normativos e as margens mais ou menos extensas de liberdade dos indivíduos em cada
contexto:
Na verdade nenhum sistema normativo é suficientemente estruturado para eliminar
qualquer possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou de interpretação
das regras, de negociação. Ao meu ver, a biografia é por isso mesmo o campo ideal
para verificar o caráter intersticial - todavia importante - da liberdade de que
dispõem os agentes e para observar como funcionam concretamente os sistemas
normativos, que jamais estão isentos de contradições. 30

Nessa esteira, Benito Schmidt afirma, por sua vez, que nos usos contemporâneos da
biografia pela história devemos visar à introdução do elemento conflitual; buscar a relação

28
REVEL, Jacques. A biografia como problema. In: História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed
UFPR, 2010.
29
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (orgs.) Usos
e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. pp.189, 190.
30
LEVI. Usos da biografia. In. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (orgs.) Usos e Abusos da
História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. pp.179, 180.
21

entre indivíduo e sociedade, e enfatizar os espaços de liberdade do indivíduo frente aos


31
sistemas normativos vigentes em cada contexto. Para ele, esse movimento de retomada das
histórias de vida está no bojo de uma transformação muito marcante das bases teórico-
metodológicas da produção historiográfica e, por tudo isso, não pode ser entendida como "a
simples retomada de um gênero velho." 32
As novas abordagens do biográfico nos impeliram à optar por esta seara também por
se dedicarem à "outros sujeitos", não mais os "grandes", não mais o tratamento do
"excepcional". Como destaca Levillain a biografia passa a ser "o lugar por excelência da
pintura da condição humana em sua diversidade, de não isolar o homem ou exaltá-lo às custas
de seus dessemelhantes." 33Por influência da micro-história italiana, da história cultural
francesa, da história social inglesa, da historiografia norte-americana fortemente ligada à
antropologia e pela legitimação da metodologia da história oral, abrem-se, também nos
estudos biográficos, espaços para sujeitos que raramente tinham voz na historiografia. 34 Os
personagens subalternos passam a ser pensados não mais como passivos e sim como
protagonistas ativos em sua própria história. Mulher e negra, as histórias de vida de Laudelina
de Campos Melo vão ao encontro desse campo reformulado. A partir da crise das "grandes
estruturas" é que se passa a perpetrar no âmbito da história questões como gênero e raça, que
julgamos indispensáveis para pensar a protagonista da nossa narrativa. Situemos então um
pouco melhor, nossa protagonista.
O interesse de uma mestranda da Unicamp em registrar suas histórias, poucos anos
antes de sua morte, deixou dona Laudelina muito lisonjeada. Ela acompanhou com afinco e
disposição a elaboração da dissertação, concedeu longas entrevistas através das quais deixou
registrada a forma como ela gostaria de ser rememorada. Ela faleceu sem poder ver o
resultado final do trabalho, mas pelas mãos de Elisabete Pinto, também mulher negra,
adentrou o ambiente acadêmico. A despeito das ínfimas relações estabelecidas entre nossa
personagem e as instituições formais de ensino, seu conhecimento forjado pela experiência e

31
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história & cultura – UCS.v. 2, n.
3, p. 57-72, jan./jun. 2003
32
SCHMIDT, Benito Bisso. Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na história, no jornalismo, na
literatura e no cinema. p.3. Comunicação apresentada na sessão “A abordagem biográfica: meios e fins em
diferentes campos de expressão e saber” do GT “Biografia e memória social” no XXII Encontro Anual da
ANPOCS. Caxambu/MG, outubro de 1998. Disponível em
http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=5031&Itemid=359. Acesso
em: 20 de agosto de 2015.
33
LEVILLAIN, Phillipe. Os protagonistas da biografia. In. RÉMOND, René. Por uma história política.
Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.176.
34
SOIHET, Rachel. Discutindo Biografia e História das mulheres. In: FUNK, Susana Bórneo; MINELLA,
Luzinete Simões; ASSIS, Glaucia de Oliveira (orgs.). Linguagens e Narrativas: Desafios feministas. Vol.1.
Tubarão - SC: Copiart, 2014, p.63 a 79.
22

legitimado, ao rés do chão, pelas transformações que induziu, chega à universidade e nos
demonstra, mais uma vez, que até os compartimentos mais herméticos estão suscetíveis a
ranhuras.
É sabido que a maioria das famílias negras não conseguiam manter a frequência de
seus filhos na escola, e o depoimento de DonaLaudelina ilustra bem esta realidade,
pois a instrução formal que recebeu foi diminuta, conforme ela mesmo diz: nasci em
Poços de Caldas, sul de Minas em 12 de outubro de 1904. Filha de pais
descendentes de escravos, minha infância foi de menina pobre. Fiz até o terceiro
ano do Grupo Escolar David Campista. 35

Segundo Elisabete Pinto, durante as primeiras décadas do século XX, as pessoas


negras não eram incluídas em projetos de mobilidade social vertical e, mesmo garantias
mínimas, essa parcela da população conseguia através dos apadrinhamentos por parte da elite
branca. Nesse contexto a educação de Laudelina de Campos Mello se deu, sobretudo, em
espaços não formais, direcionando-a ao trabalho doméstico desde a infância, "cuidando dos
irmãos, sendo pajem ou ajudando a mãe a fazer doces, estava sendo educada para vir a ser boa
dona de casa ou uma empregada doméstica qualificada." 36
A questão racial marcou uma série de experiências de Laudelina lhe impondo limites,
mas também estimulando sua participação em articulações de luta pela igualdade racial. As
suas memórias desde a infância guardam diversos casos de discriminação, como o dos
meninos brancos filhos de um juiz da vizinhança em Poços de Caldas que lhe atiravam pedras
insultando-a aos gritos de "macaco, lava boteco, saci" e o próprio juiz, ignorando seu nome
próprio e sugerindo à mãe de Laudelina que desse "uma carraspana nesta negrinha" por ter
revidado às pedradas. 37 Pinto destaca que as reações de nossa personagem ao racismo sofrido
quando criança se deram através da agressão física, entretanto, durante a vida adulta, Nina iria
militar de forma articulada e se utilizar de meios legais em prol da luta contra a desigualdade
racial.
Data de 1920 sua primeira participação em um grupo com fins recreativos que tinha
identidade negra. Era o Clube 13 de Maio, fundado por ela e outros negros da vizinhança e do
qual se tornara presidente. Participou ativamente até 1930 de outras associações que
considerava de lazer e prestações de serviço beneficentes ligadas à população negra, como a
Saudades de Campinas - da qual se tornou oradora oficial e vice-presidente - localizada na
cidade de Santos, onde passou a residir em 1922.Ainda nos anos iniciais desta década adotou

35
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
36
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
37
Idem, pp. 182 -183.
23

um tom mais reivindicatório à sua atuação, especialmente inspirada no contato com militantes
negros e sindicalistas como Geraldo Campos, Vicente Lobato e um professor negro
maranhense que chegara a Santos fugido por ser comunista e dera aulas na associação
Saudades de Campinas, falando sobre " a condição do negro e do branco trabalhador" 38 e
preparando os associados para realizarem palestras. Segundo Pinto:

O período de 1933 a 1963, configurou-se como o auge de sua militância junto ao


movimento negro, caracterizando-se pela continuidade das ações, e porque também,
no início dos anos 1930, Dona Laudelina, dá conscientemente um caráter político,
reivindicatório à sua luta. Nos depoimentos de Dona Laudelina emergem outras
instituições e personagens. A Frente Negra Brasileira, o jornal Clarim da Alvorada e
o Clube Cultural do Negro são referenciais em seu discurso ao narrar sobre os anos
1930 e 1940. 39

Nossa personagem teve contato com as publicações da imprensa negra da época e com
militantes que divergiam entre si a respeito dos posicionamentos a serem travados na luta pela
igualdade racial. Todavia, essa aproximação de pessoas e organizações com ideais políticos
tão distintos não resultaria em contradições em sua própria militância. A autora sustenta e
enfatiza a capacidade de seleção de informações por parte de Laudelina e suas alianças com
pessoas/grupos de posicionamentos políticos diversos como uma forma muito própria de
construir sua militância.
O alinhamento de membros da Frente Negra Brasileira com regimes políticos
fascistas, como o caso de Alemanha e Itália na época, incomodava Laudelina que, inclusive,
se alistou na defesa passiva e auxiliar durante a Segunda Guerra Mundial. Ela afirmava que
foi motivada pela repulsa às ideias racistas de Hitler:

Hitler foi o maior carrasco que existia naquela época. Dizia...que ele eliminaria
todas as raças que não fossem arianas, principalmente a raça negra seria eliminada.
Então aquilo me levou, me trouxe uma revolta dentro de mim, então resolvi me
alistar para servir à Pátria. 40

No ano de 1949 ocorreu sua mudança para Campinas, acompanhando a família para a
qual trabalhava. Nesta cidade que,àquela época, demarcava muito explicitamente o lugar
desprestigiado que o negro deveria ocupar no espaço público, também precisou enfrentar
muitas situações de racismo. Frente a isso, em 1953 iniciou seus trabalhos junto ao Clube
Cultural Recreativo, organização negra da qual fez parte da diretoria e posteriormente passou

38
Idem, p. 203.
39
Idem, p.205.
40
Depoimento de Laudelina de Campos Mello para Elisabete Pinto. In PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade,
gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita
Garibaldi, 2015, p. 209.
24

a organizar atividades como bailes de debutantes negras, concursos de beleza negra - como o
Pérola Negra, cuja primeira edição ocorreu em 1957-, e fundou em 1955a Escola de Bailados
Santa Efigênia, uma escola de bailados clássicos para negros, que tinha como funções
transmitir conhecimentos formais de dança e música, mas também o lazer e a socialização de
conhecimentos de maneira informal. Deste trabalho surgiu também a Cidade do Menores,
fundação dedicada a menores abandonados. Já no ano de 1963, juntamente com Bráulio
Mendes Nogueira - quem ela conheceu na fundação do Teatro Experimental do Negro em
Campinas -, José Alberto e Mário de Oliveira, Laudelina idealizou o "I Salão Campineiro dos
Amigos das Belas Artes", segundo ela, um evento dedicado à "exposição de valores negros".
Todas essas iniciativas foram compreendidas por Elisabete Pinto como investimentos na
educação e na bagagem cultural da população negra visando à "libertação da raça". 41
As histórias lembradas e narradas por Laudelina nos revelam atuações em lugares e
ocasiões onde sua presença não era prevista. Ela adotou, em muitos casos, posturas não
esperadas pelos padrões ideais de mulher negra. No que se refere às próprias organizações
negras, sobretudo na primeira metade do século XX, as mulheres não eram quistas nos cargos
de diretoria; a elas eram destinados os departamentos ligados ao lazer, à promoção de festas e
à cozinha, comumente eram chamados de "departamentos femininos". 42 No entanto, a
presidência de um Clube Recretaivo aos 16 anos, a liderança de movimentos políticos e até
uma atuação na II Guerra Mundial constam em suas histórias. Também constam jantares com
políticos, reuniões com ministros e presidentes da República.
Por um lado, no pós-abolição, a sociedade brasileira que pretendia se desenvolver
fundamentada nos ideais do branqueamento, esperava da mulher negra serviços domésticos
prestados sem nenhum direito assegurado. Por outro, movimentos que buscavam a igualdade
do negro em nossa sociedade, durante a primeira metade do século XX, pretendiam adequar
as mulheres negras aos moldes do ideal de mulheres brancas, ou seja, direcionando-as para o
cuidado com o próprio lar, a própria família e à submissão ao cônjuge. 43 Este modelo, é
importante salientar, não viria a corresponder à realidade da maior parte da população negra
visto que, como nos elucida Bebel Nepomuceno, a menor dificuldade da mulher negra, em
relação ao homem negro, conseguir um trabalho, nas primeiras décadas após a abolição, fez

41
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 229.
42
Idem.
43
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015
25

com que grande parte das mulheres negras chefiassem seus lares e tivessem certa autonomia
na relação conjugal e familiar. 44
As histórias de Laudelina de Campos Mello nos chamam a atenção por revelarem as
marcas da apropriação que ela realizou das coerções sociais. Uma mulher que se casou no ano
de 1922, aos dezoito anos, e via no cônjuge muito mais um parceiro com quem poderia se
divertir indo a bailes do que um protetor ou provedor. Durante o casamento a atuação dela e
de seu marido em organizações negras nos possibilita indagar que ela ocupava cargos mais
elevados que ele, a exemplo da associação Saudade de Campinas, da qual ela era oradora e
vice-presidente e seu marido era seu secretário. Ela foi mãe de Alaor (1925-1989) e Neusa,
que faleceu ainda pequena. Alaor não construiu família e carreira próprias, era ele o
responsável pela casa e por assessorar e secretariar sua mãe. Laudelina separou-se do marido
ao descobrir adultério e não mais se casou. Alegou em depoimento à Elisabete Pinto que a
vida pública que assumira não dava brechas para um novo cônjuge e que não concebia
namoro sem casamento, dando a entender que teria abdicado da sua vida sexual.
Nos registros deixados por nossa personagem ela faz questão de dar ênfase à sua vida
pública, até mesmo nas cartas trocadas com parentes. Com relação à sua família de origem,
Laudelina era uma filha, irmã, cunhada e tia que apenas se fazia presente, para além de
notícias por cartas, quando algum de seus familiares estivessem envolvidos com problemas do
âmbito público, como questões trabalhistas ou de racismo. Talvez fosse na forma da atuação
política que nossa personagem melhor expressasse o carinho e cuidado para com os que a
cercavam. Segundo Elisabeth Pinto,

Assim, a família e o espaço doméstico vão tomando significados diferentes para


Dona Laudelina que, por razões econômicas ou não, nunca privilegiou o espaço
doméstico como um espaço para ser dividido apenas com uma única família nuclear.
Por conseguinte, na cronologia de seu relato se observam os vários momentos de
habitação conjunta, às vezes sem a companhia do filho(...).É recorrente também a
coabitação por solidariedade (...) quando Dona Laudelina recolhia as empregadas
domésticas negras que não tinham para onde ir... 45

O exercício de Laudelina de Campos Mello junto às trabalhadoras domésticas é que


fez seu nome ficar conhecido em todo o Brasil. Nossa personagem já estava envolvida com
essa causa desde 1936, quando residiu em Santos e lá fundou a primeira Associação de

44
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e
PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012.
45
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. p. 162
26

Trabalhadoras Domésticas do Brasil com fins beneficentes. Seu objetivo inicialmente era
auxiliar especialmente aquelas que se encontravam doentes e sem amparo. Tais situações
eram muito comuns entre essas trabalhadoras que tinham ao longo da vida seu trabalho
explorado e nenhum direito assegurado, já que as Leis Trabalhistas instituídas por Getúlio
Vargas não contemplavam tal segmento. Segundo depoimento de Laudelina:

Getúlio já tinha instituído as leis sindicais e ia haver o primeiro congresso (I


Congresso de Trabalhadores em 1936)...As empregadas domésticas foram
destituídas das leis trabalhistas, nós estávamos criando um movimento para ver se
conseguia o registro do sindicato... Eu fiquei no Rio uns três ou quatro dias, no
terceiro dia eu consegui falar com o secretário do ministro. Fui falar com o ministro,
mas não adiantou nada porque não havia possibilidade de enquadramento da classe
das empregadas domésticas. Foram destituídas porque não trazem economia para o
país. E até hoje eles dizem que a empregada não traz economia para o país. 46

A Associação de Santos foi fechada durante o Estado Novo e só voltaria a funcionar


em 1946. Usufruindo do cabedal político que adquirira a partir do contato com sindicalistas e
apurando as potencialidades reivindicatórias relacionadas à questão trabalhista, Nina deu
continuidade à luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas quando em 1961 fundou uma
Associação de Empregadas Domésticas em Campinas que funcionava em uma sede única
compartilhada com outros 12 sindicatos e que tinha como principal finalidade o
reconhecimento das domésticas como categoria profissional e a sindicalização. Sua luta nesta
cidade assumiu com maior intensidade o caráter racial, entrecruzando com as questões
trabalhistas, na medida em que na época eram muito comuns anúncios em jornais procurando
por domésticas com a exigência de serem "preferencialmente brancas".
Em 1962, encontrou-se com o presidente João Goulart, a quem entregou as
reivindicações das trabalhadoras. Essa associação de Campinas deixou de funcionar como
entidade reivindicatória em 1964 por ocasião do golpe que depôs o presidente João Goulart. A
partir desse ano, para continuar atuando, a associação deveria assumir caráter apenas
beneficente, como afirma Laudelina: "Nesse período não foi realizado nenhum evento e nem
reivindicamos nada, a gente andava pro congresso (sic) atrás dos vereadores...e aí foi votado
uma lei pra Associação passar a ser como utilidade pública" 47. Dessa forma, passou a
desenvolver atividades mais no âmbito do mercado de trabalho, beneficência com distribuição

46
Depoimento de Laudelina de Campos Mello para Elisabete Pinto. In PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade,
gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita
Garibaldi, 2015, p. 362.
47
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993, p.421.
27

de alimentos, cursos de capacitação profissional e profissionalizantes, como o de corte e


costura e creche para os filhos das empregadas domésticas.
No ano de 1966, Laudelina foi à Brasília, sendo recebida pelo Ministro do Trabalho
Jarbas Passarinho, a quem expôs as demandas das domésticas sobre o INPS, direito à pensão
e sindicalização. O última, mais uma vez, lhe foi negado, os dois primeiros passaram a vigorar
como facultativos e dependentes da própria doméstica se inscrever como autônoma.
Dona Nina ajudou a criar associações em várias cidades brasileiras a fim de construir
uma articulação nacional até que conseguissem ser reconhecidas como categoria profissional
e pudessem se sindicalizar. Todavia em 1968, um desentendimento interno entre ela e a vice-
presidente paralisaram as atividades políticas da associação de Campinas. Apenas 14 anos
depois,foi que Laudelina retomou as atividades junto às domésticas, já aos 78 anos de idade,
em um contexto político bastante distinto daquele de 1968. Segundo Bernardino Costa,
Após a 'refundação' da Associação em 1983, esta passaria a ter uma participação
relevante na estruturação do movimento das trabalhadoras domésticas em âmbito
nacional, destacando-se nas atuações junto à Constituinte, integrando as diversas
caravanas realizadas para Brasília, com o intuito de pressionar os parlamentares, a
fim de que estes incorporassem as trabalhadoras no capítulo dos direitos sociais e
garantissem o direito de sindicalização das domésticas. 48
Conquistada a sindicalização logo após a promulgação da Constituição Cidadã, em 20
de novembro de 1988, a Associação de Campinas tornou-se Sindicato. Dona Nina pode
presenciar a concretização de uma luta que engendrara há mais de meio século e, na década de
1990, após seu falecimento, sua casa tornou-se a sede do Sindicato, desejo documentado em
vida.
Como já afirmaram Pinto e Bernardino-Costa, a atuação de Laudelina de Campos
Mello junto aos movimentos negros permeia sua luta junto à causa trabalhista e isso nos
parece muito evidente pelo seu envolvimento concomitante com as Associações e com os
Clubes Recreativos e a promoção de atividades educativas e de afirmação étnica da
população negra. Ainda nesse sentido, nos salta aos olhos a escolha da data de fundação do
Sindicato em Campinas, justamente no ano do centenário da abolição, para 20 de novembro,
quando se rememora a figura de Zumbi dos Palmares como representante da luta do povo
negro contra a escravidão e a opressão.
Claudia Pons Cardoso compreende Laudelina como referência para o feminismo negro
do Brasil:
A história de Laudelina faz parte da história das mulheres negras no Brasil, da luta
coletiva em busca da transformação social, seu legado contra as desigualdades

48
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da
descolonização e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília,
2007, p. 118.
28

alicerça o pensamento feminista negro e embasa a luta das gerações seguintes de


mulheres negras, possibilitando ao feminismo negro operar dialogicamente entre
prática e teoria, numa perspectiva dinâmica, atualizando-se tanto a partir de novos
contextos históricos quanto nas estratégias de resistência às opressões que recaem
sobre as mulheres negras. 49

A autora argumenta que o movimento feminista se desenvolveu por longo tempo no


seio de uma camada intelectual letrada da qual as mulheres negras não eram integrantes e para
a qual a questão racial não era um problema; embora enfatize que a questão racial évivenciada
por todos nós, negros ou brancos. Segundo ela, Laudelina de Campos Mello antecipou em
suas vivências de luta algo que as mulheres negras em diálogos e embates com o movimento
feminista iriam resgatar nos anos de 1980:

as opressões raciais e de classe redimensionam “o lugar que habitamos no gênero”


(COSTA, 2000, p.43), a opressão é experienciada a partir de um lugar, o qual é dado
pela forma como gênero, raça e classe se entrecruzam em diferentes pontos. Pensar a
história das mulheres negras é refletir como esse sujeito social foi historicamente
construído a partir destes embates e estratégias de sobrevivência na diáspora, nas
sociedades pós-coloniais racializadas. 50
Como vimos, seria inadequado falar em um compromisso de nossa personagem com a
luta feminista que, como indica Pinto, até fins de 1980 tinha visões universalistas e muito
pouco pragmáticas em relação aos anseios de nossa personagem. 51 Os desafios da suposta
"mulher universal", predominante nos discursos feministas até então, não coincidiam com as
necessidades práticas de mulheres como Laudelina, que se dedicava a uma categoria
composta quase que exclusivamente por mulheres negras pobres, assim como ela, o que fazia
com que seus maiores desafios se encontrassem na interseccionalidade desses marcadores
sociais.
Assim como Pinto, Costa sustenta que Laudelina desenvolveu consciência de gênero
ao longo de sua militância junto às trabalhadoras domésticas e essa luta também rumava para
a autonomia das mulheres negras. A sua militância trabalhista consistia também em lidar com
problemas que recaíam fundamentalmente sobre mulheres como, por exemplo, a questão do
abuso sexual de patrões contra empregadas. Segundo depoimento de Laudelina,
Ela trouxe uma menina do interior pra criar e pra ser pajem, pra ser escravinha, ser
tudo, né? A menina veio com 12 anos, e quando ela estava com 14 anos o patrão
abusou dela, né? ...Quando ela soube que a menina estava grávida, né? Aí ela pôs a

49
COSTA, Claudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas reflexões.
Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. Acessado em abril
de 2016.Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST69/Claudia_Pons_Cardoso_69.pdf, p.6.
50
COSTA, Claudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas reflexões.
Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. Acessado em abril
de 2016. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST69/Claudia_Pons_Cardoso_69.pdf
51
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
29

menina pra rua 11 horas da noite. Aí eu fui falar com ela, ela disse que tinha posto
mesmo, porque a menina abusou da confiança dela e passou a ser amante do marido.
Eu falei: "Não foi ela que abusou do seu marido, foi seu marido que abusou
dela."....fui lá no juiz e fiz queixa né... 52

Essa faceta das preocupações de Laudelina fica também evidente no próprio fato de
que, desde 1936, já a primeira Associação ter sido criada visando à formação de uma rede de
solidariedade entre as domésticas, ou seja, majoritariamente as mulheres negras da época, que
diante da exploração de seu trabalho e na ausência de qualquer direito garantido, pudesse
buscar apoio nesse coletivo.
Em uma visão única da história, nossa protagonista seria tratada como uma parcela da
humanidade sem cor, sem gênero, sem subjetividade, cuja condição é simplesmente
determinada por constrangimentos sociais. Sob nosso enfoque, Laudelina deve ser analisada
enquanto sujeito, que traz em suas histórias de vida as marcas das relações sociais travadas
em seu tempo e, ao mesmo tempo, agente, no que tange à exploração das brechas inerentes
aos sistemas normativos. Como argumenta Soihet,
O método biográfico constitui-se no campo ideal para verificação das brechas
utilizadas pelos subalternos, entre eles, as mulheres, os quais mesmo que se valendo
de subterfúgios, compõem a rede de uma antidisciplina. Desta forma, buscam
aproveitar as “ocasiões”, as possibilidades oferecidas para garantir o exercício de
sua cidadania, inclusive em termos de gênero, no grau mais ampliado possível. 53

À luz de Michel de Certeau, compreendemos os movimentos que marcam suas


experiências como táticas desenvolvidas frente ao que lhe era imposto. Nesta categoria
Certeau condensa as diversas formas de se utilizar da ordem imposta sem exatamente romper
com ela, ou seja, a arte de se apropriar das regras estabelecidas e delas tirar efeitos
imprevistos. 54Almejamos, desse modo, iluminar as ações de Laudelina frente às
normatizações, seja em pleno acordo com elas ou experimentando-as e tensionando-as em
suas próprias contradições.
Um olhar pouco atento às suas histórias se anteciparia em afirmar que sua vida fora
determinada pelas "grandes estruturas", afinal, em sua condição de negra, descendente de
escravizados, nascida quando a abolição nem contava ainda com duas décadas completas,

52
Depoimento de Laudelina de Campos Mello para Maria Dutra de Lima. In: Trabalhadores, Classes Perigosas,
n.6:27-40. Associação Cultural do Aquivo Edgar Leuenroth/Unicamp. Campinas, 1990. Apud. PINTO,
Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello
(1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
53
SOIHET, Rachel. Discutindo Biografia e História das mulheres. In: FUNK, Susana Bórneo; MINELLA,
Luzinete Simões; ASSIS, Glaucia de Oliveira (orgs.). Linguagens e Narrativas: Desafios feministas. Vol.1.
Tubarão - SC: Copiart, 2014, p.63 a 79.
54
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.
21. ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p.86.
30

precisava se submeter ao poder do apadrinhamento de brancos para conseguir direitos


mínimos.Como menina pobre, lhe foi destinada a exploração do seu trabalho desde a infância;
em sua condição de mulher, pobre e negra desempenhou durante 33 anos o papel à ela
reservado pelo legado dos tempos da escravidão: o do pouco prestigiado trabalho doméstico.
Todavia, com um pouco mais de afinco em nossas reflexões notamos que, das
posições a ela impostas, Laudelina construiu possibilidades outras. Aos 16 anos, por exemplo,
diante do racismo que obstaculizava o lazer comum entre negros e brancos fundou e tornou-se
presidente do Clube 13 de Maio, que reunia jovens negros de sua vizinhança em Poços de
Caldas para promover bailes e festas; tomou a frente de uma série de organizações que
visavam à conquista de melhores posições sociais pela população negra; em fins década de
1950 promoveu o concurso de beleza Pérola Negra, levando a população negra de Campinas a
ocupar espaços elegantes como o Teatro Municipal e o "Lo Schiavo", segundo matéria
publicada pela Revista O Cruzeiro, em "um dos lugares mais finos da cidade" 55; no ano de
1936fundou a primeira associação de domésticas do Brasil com fins de proteger e dar
assistência às trabalhadoras domésticas e lutar pelo reconhecimento desta enquanto categoria
profissional em um momento em que a questão trabalhista era discussão central no
Brasil. 56Foi nesta década de 1930 que estavam sendo instituídas as leis sindicais por Getúlio
Vargas, porém a luta das trabalhadoras domésticas pela sindicalização se estenderia, com
Laudelina à frente, até as últimas décadas do século XX. Tal protagonismo, lhe rendeu uma
identidade e também muitas críticas:
"Ela é o 'terror das patroas!' - Muito prazer! Então a senhora que é o terror das
patroas campineiras, não é mesmo?' A expressão do ministro do trabalho, Jarbas
Passarinho, ao receber dona Laudelina de Campos Melo, líder das empregadas
domésticas. Ela não se encabulou e sorriu com o ministro. Aliás, dona Laudelina não
se encabula com essas coisas; já falou com outros ministros e até com presidentes da
República para movimentar o seu grande plano de regulamentar a profissão
doméstica. No dia que ouviu a frase, a presidente da Associação dos Empregados
Domésticos de Campinas foi franca com o ministro: este é o quarto presidente da
República que está para regulamentar a profissão e pelo menos uns 8 ministros do
Trabalho empenharam a palavra de levar o ante projeto ao Executivo'" 57

55
FERREIRA, Neil. Nos Salões do Teatro Municipal de Campinas Eleita a Pérola Negra. O Cruzeiro. 18 de maio
de 1957. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina
de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade
de Educação, 1993. 493 pp.
56
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
57
Jornal da Cidade, 03/07/1967, apud BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas
no Brasil: teorias da descolonização e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília:
Universidade de Brasília, 2007.
31

Podemos afirmar que as ações de Laudelina promoveram ranhuras nas hierarquias e


exclusões então institucionalizadas.na sociedade brasileira. Para Certeau, nesses lugares,
concebidos pela normatividade, sujeitos/agentes históricos posicionados na arena no lado de
menor força forjam espaços, ou seja brechas criadas pelas necessidades de incluir no sistema
instituído, porém ocupando posições não previstas 58. Frente às pressões e desigualdades
impostas por uma ordem que a preteria como mulher, pobre e negra, Laudelina de Campos
Mello com suas táticas provocou fissuras nas edificações de uma nação republicana que
reservava a ela apenas lugares de onde sua voz não pudesse ser ouvida e sua presença
permanecesse invisível.
Entendemos que, ao mesmo tempo em que as conjunturas sociais são fundamentais
para pensar sua biografia, buscamos destacar pela sua postura ativa como agente, a qual
resultou em relevantes conquistas não só para a categoria das empregadas domésticas, mas
também para as mulheres e para a população afro-brasileira de modo mais abrangente. As
experiências de vida de Laudelina possibilitam construir outras narrativas para a escrita da
história de nosso país.
Nos interessa que a história do Brasil seja tratada não como uma série de grandes
estruturas encadeadas cronologicamente e que passam ao largo de desejos e agências das
pessoas que nelas meramente se encaixariam plenamente ou não, sendo nesse caso
consideradas marginais. Não pensamos a história da perspectiva de um urbanista que projeta
uma cidade para atender ao "progresso" e não às pessoas, que ocupa-se exaustivamente na
construção de grandes avenidas, edifícios vertiginosos, gigantes passarelas, mas ignora os
usos e a dinâmica delineada pelos que ali vivem. Interessa-nos, em nosso proposta de reflexão
e de intervenção didático-pedagógica, que a história do Brasil seja narrada não só a partir dos
lugares, estabelecidos pelo poder hegemônico, mas também dos espaços, tensionados pelos
agentes que se posicionam em desvantagem na disputa pelo poder. Segundo Certeau:

O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando
percebida na ambiguidade de uma efetuação, mudada em um termo que depende de
múltiplas convenções, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e
modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. Diversamente
do lugar não tem portanto nem univocidade nem estabilidade de um próprio. O
espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um
urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o

58
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 21. ed.
- Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
32

espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos - um


escrito. 59

De acordo com Loriga, sustentamos o uso de biografias pela história como forma de
abordagem que apresente a sociedade como uma obra comum e não como uma totalidade
social independente ou como um estrutura impessoal superior aos indivíduos e que os
domina60. Acreditamos que a perspectiva que procuramos desenvolver apresenta elementos
muito férteis no âmbito dos nossos objetivos relacionados à construção do conhecimento
histórico escolar. Ao mesmo tempo que dessacralizamos a história, ou seja, através do uso de
histórias de vida de uma pessoa comum, aproximamos a história experimentada pelos
estudantes da história narrada; também tencionamos trocar a sensação de vertigem que
imobiliza, pela possibilidade de ação frente às coerções dos contextos em que se inserem.
Para nossa proposta a biografia é, como afirmou Levillain, "um meio de mostrar as ligações
entre passado e presente, memória e projeto, indivíduo e sociedade, e de experimentar o
tempo como prova da vida." 61

59
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 21.
ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p.184
60
LORIGA, Sabina. O pequeno x: da biografia à história.Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
61
LEVILLAIN, Phillipe. Os protagonistas da biografia. In. RÉMOND, René. Por uma história política.
Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.176.
33

2. UMA DISPUTA PELA FIXAÇÃO DE SENTIDOS

A relação entre saber e poder é assunto de destaque para Michel Foucault que, em
Vigiar e Punir, afirma: "não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de
saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder" 62. Esse
é também um pressuposto que embala as reflexões do nosso estudo e costura a proposta de
intervenção didático-pedagógica que aqui desenvolvemos. Na perspectiva pós-estruturalista
da teoria de currículo 63, a disputa por poder é a disputa pela fixação de sentidos. Nada é real
antes do discurso, ou seja, é a linguagem que constitui o real ao dar sentido às coisas.
...o significado não é, da perspectiva pós-estruturalista, pré-existente; ele é cultural e
socialmente produzido. Como tal, mais do que sua fidelidade a um suposto
referente, o importante é examinar as relações de poder envolvidas na sua produção
(...) Uma análise derridariana do processo de significação combina-se aqui com uma
análise foucaultiana das conexões entre poder e saber para caracterizar o processo de
significação como não apenas instável, mas também como dependente de relações
de poder. 64

Nessa visão, as relações de poder que marcam hoje a sociedade não são dicotômicas e
nem bem definidas estruturalmente; constituem-se em uma arena de conflitos infindos onde
micropoderes se posicionam sempre de forma assimétrica. Por esse prisma, o currículo é
entendido como um "discurso produzido na interseção entre diferentes discursos sociais e
65
culturais que ao mesmo tempo reitera sentidos postos por tais discursos e os recria." Ou
seja, sendo um discurso oriundo da relação assimétrica entre poderes, o currículo atua na
atribuição de significados, criando e enunciando sentidos e identidades tanto pelo que é
abordado quanto pelo que é omitido, silenciado.
Atento ao caráter político do dito e do não dito, o autor Amilcar Araújo Pereira em seu
artigo Resistência também dentro da escola, chama a atenção para um caso de silenciamento

62
FOUCAULT, Michel.Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p.30.
63
Segundo Tomaz Tadeu da Silva "não se pode falar propriamente de uma teoria pós-estruturalista do currículo
mesmo porque o pós-estruturalismo tal como o pós-modernismo rejeita qualquer tipo de sistematização. Mas há
certamente uma atitude pós-estruturalista em muitas das perspectivas atuais sobre o currículo (...) a atitude pós-
estruturalista enfatiza a indeterminação e a incerteza também em questões de conhecimento. O significado não
é...pré-existente; ele é cultural e socialmente construído. A perspectiva pós-estruturalista abandona a ênfase na
"verdade" para destacar em vez disso, o processo pelo qual algo é considerado como verdade. A questão não é
pois saber se algo é verdadeiro, mas, sim de saber porque esse algo se tornou verdadeiro" Cf. SILVA, Tomaz
Tadeu. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2013. pp.122 e 123.
64
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. - 3. ed. - 4
reimp - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. p.123.
65
LOPES, Alice Casemiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011, p.41.
34

que marca profundamente a sociedade brasileira e que é um dos principais direcionadores do


nosso estudo:
Os negros compõem mais da metade da nossa população, mas as histórias de suas
lutas e de sua participação na sociedade ainda são pouco conhecidas e estudadas nas
escolas e universidades. Essa escassez de memórias e histórias nos espaços de
aprendizagem dificulta as construções identitárias positivas pelos indivíduos deste
grupo. 66

O autor sublinha a importância de dar ênfase às lutas do povo negro brasileiro frente
às injustiças que lhes foram impostas em diversos contextos como via de desnaturalização da
sua associação exclusiva à escravidão, à submissão e à resignação. Diante disso, destaca a
responsabilidade da escola em romper com a propagação dessas ideias visando à superação da
desigualdade racial que nos causa tantos prejuízos à nossa sociedade.
Entendemos que o pouco conhecimento das lutas travadas por Laudelina de Campos
Mello em nosso país é um exemplo nítido dessa assimetria de poderes revelada nos
currículos, além de materializar o problema apresentado por Pereira e que nos serve de pilar
para o desenvolvimento deste trabalho.
seu protagonismo e importância na luta dos direitos das empregadas domésticas são
desconhecidos por muitas/os, isso porque, como ressalta Collins, “grupos desiguais
em poder são correspondentemente desiguais na possibilidade de fazer seus pontos
de vista conhecidos por si mesmos e por outros”. 67

Apesar de algumas mudanças já estarem em curso, muitas narrativas construtoras de


conhecimento histórico escolar ainda abordam a história do Brasil sob uma a perspectiva
eurocêntrica, ou seja, atribuindo papel central aos europeus e seus descendentes. Hebe Mattos,
em seu artigo O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no
Brasil 68,demonstra preocupação quando afirma que "os povos africanos não são considerados
a partir de suas culturas de origem, encontros e desencontros com europeus e nativos
americanos, mas fundamentalmente a partir de seu papel de força de trabalho na sociedade
colonial escravista". Encapsulando, desse modo, o negro na memória e história nacional, os
currículos trazem em si as marcas do colonialismo que, como afirma Bhabha 69, fixa sentidos

66
PEREIRA, Amilcar Araujo. Resistência também dentro da escola. Revista de História da Biblioteca
Nacional. nº101, fev/2014, p. 80.
67
COSTA, Claudia Pons. História das mulheres negras e pensamento feminista negro: algumas reflexões.
Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008. Acessado em abril
de 2016.Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST69/Claudia_Pons_Cardoso_69.pdf, p.6.
68
MATTOS, Hebe Maria. O ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU,
Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro:Casa da
Palavra, 2003.p. 133
69
BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2003.
35

preferenciais, numa tentativa de inviabilizar outras formas de significação e representação,


reduzindo múltiplas possibilidades a uma. Segundo Silva:
O texto curricular, entendido aqui de forma ampla - o livro didático e paradidático,
as lições orais, as orientações curriculares oficiais, os rituais escolares, as datas
festivas e comemorativas - está recheado de narrativas nacionais, étnicas e raciais.
Em geral, essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o
privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como
exóticas ou folclóricas. Em termos de representação racial o texto curricular
conserva, de forma evidente, as marcas da herança colonial. O currículo é, sem
dúvida, entre outras coisas, um texto racial. 70

Foram muitas as investidas, no âmbito escolar, na disputa por frear o discurso


eurocêntrico e pela ressignificação do papel do negro na história do Brasil. Segundo Amilcar
Pereira, a relação da "luta pela reavaliação do papel do negro na História do Brasil" e a
história ensinada nas escolas não é inaugurada com a Lei 10639/03. O autor afirma que, já na
década de 1930, a Frente Negra Brasileira bem como o Teatro Experimental do Negro (TEN),
na década de 1940, criaram escolas próprias para a formação de jovens negros que
colaborassem para a afirmação destes na sociedade brasileira pós-abolição 71. Abdias do
Nascimento, fundador do TEN, afirmava que o objetivo desse movimento era
resgatar, no Brasil, os valores da pessoa humana e da cultura negro-africana,
degradados e negados por uma sociedade dominante que, desde os tempos da
colônia, portava a bagagem mental de sua formação metropolitana europeia,
imbuída de conceitos pseudocientíficos sobre a inferioridade da raça negra. 72

Era um contexto de muitas dificuldades de acesso às instituições tradicionais de ensino


por parte da população negra e, aqueles que conseguissem o acesso deparavam-se com uma
educação que rejeitava qualquer valoração positiva em relação às culturas que vieram do
continente africano e aqui se ressignificaram. Como bem destaca Elisabete Aparecida Pinto:
No caso do Brasil, especificamente(...)a partir das primeiras décadas do século XX,
(...)os indivíduos negros(...)aprenderão na escola sobretudo a negar sua etnia e
cultura, mas por outro lado, ela será vista e servirá como a oportunidade de que os
descendentes de africanos necessitavam e necessitam para darem início ao processo
73
de mobilidade social.

70
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. - 3. ed. - 4
reimp - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. pp.101,102.
71
Frente Negra Brasileiro (FNB) foi um movimento criado no ano de 1931, que se tornou partido político em
1936 e, em 1937, foi fechado pelo Estado Novo de Vargas. Cf. DOMINGUES, Petrônio. Um "templo de luz":
Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a questão da educação. Revista Brasileira de
Educação. vol.13 no.39. Rio de Janeiro. Sept./Dec. 2008. Já o Teatro Experimental do Negro (TEN) surgiu, em
1944, no Rio de Janeiro com a proposta de, através da educação, da cultura e da arte, "resgatar, no Brasil, os
valores da pessoa humana e da cultura negro-africana...a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, "
Cf. NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos avançados. 18
(50), 2004, p. 210.
72
NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos avançados. 18
(50), 2004, p. 210.
73
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 151.
36

A autora Warley da Costa, em seu artigo Escrita Escolar da História da África e dos
Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções, ressalta o papel assumido pelo Estado ainda na
década de 1950 no intuito de frear a discriminação racial impregnada na sociedade brasileira.
Lembra que em 1951 a Lei Afonso Arinos, de nº 1390, estabeleceu que esse tipo de
preconceito passava a ser contravenção penal. Entretanto, foi a partir da década de 1980 que
este enfrentamento ganhou mais força. Com a reabertura política e o centenário da abolição, o
movimento negro no Brasil tomou outras configurações e se articulou com variadas esferas de
poder. Suas ações em meio à produção da nova Carta Constitucional promulgada em 1988
resultaram no artigo 215, que atribui ao Estado a responsabilidade de assegurar e proteger as
manifestações da cultura afro-brasileira e também indígena e de outros povos que tenham
participado do processo de construção da nação brasileira. 74
Nesta conjuntura, as demandas do povo negro passaram a ter mais visibilidade e a
educação formal, ou seja, o ambiente escolar, continuou sendo visto como um instrumento
poderoso de transformação.Amilcar Pereira destaca a importância de Maria Raimunda Araújo
(Mundinha), presidenta do Centro de Cultura Negra (CCN) do Maranhão, que ainda no início
dos anos 1980 atuara diretamente nas escolas oferecendo palestras e produzindo materiais
didáticos voltados para a positivação do papel da população negra na história do nosso país,
que foram, inclusive, publicados em outros estados. 75 Já as décadas de 1990 e 2000 foram
marcadas por uma série de políticas educacionais e culturais, por parte do governo federal,
com o objetivo de atender às necessidades de enfrentamento e superação do racismo.
Especialmente o ensino de história para a educação básica passou ser regulado com afinco por
parte do Ministério da Educação que, em suas normatizações,valorizou as noções de cultura,
diversidade cultural, identidades e relações étnico raciais. 76
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,sancionada no ano de 1996,
estabeleceu que “o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das
diferentes etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena,

74
COSTA, Warley da. A Escrita Escolar da História da África e dos Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções.
In. PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de História e Culturas Afro-
brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
75
PEREIRA, Amilcar Araujo. Por uma autêntica democracia racial: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de História.Revista História Hoje. vol. 1, n.1, p.111-128, jun/2012.
76
ABREU, Martha e MATTOS, Hebe. Em torno das "Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana": uma conversa com
historiadores.Estudos Históricos. Rio de Janeiro, jan-jun/2008. p.6
37

africana e europeia”. 77Também o Ministério da Justiça criou neste ano o Programa Nacional
de Direitos Humanos que, dentre uma série de ações, estimulava a produção de livros
didáticos que valorizassem "a história e as lutas do povo negro na construção do nosso País,
eliminando estereótipos e discriminações”. 78 Nos anos seguintes, foram elaborados os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s), que apresentaram temas transversais, ou
seja,comuns a todas as disciplinas. São eles: Convívio Social e Ética, Pluralidade Cultural,
Meio Ambiente, Orientação Sexual, Saúde, Trabalho e Consumo. O tema Pluralidade Cultural
é descrito pelo documento da seguinte forma em 1998:
Este tema propõe uma concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural
que compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas por
desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo
elementos para a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não
significa aderir aos valores do outro, mas respeitá-los como expressão da
diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade
intrínseca, sem qualquer discriminação. A afirmação da diversidade é traço
fundamental na construção de uma identidade nacional que se põe e repõe
permanentemente, tendo a Ética como elemento definidor das relações sociais e
interpessoais 79

No ano de 2003, o que até então constava apenas como orientação nos Parâmetros
Curriculares Nacionais e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional passou a ter
caráter de obrigatoriedade. A Lei 10.639, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, tornou obrigatório o ensino da história da África e dos afro-brasileiros nas instituições
escolares e fez com que diferentes esferas da estrutura educacional do nosso país se
mobilizassem para atendê-la, gerando consequências importantes:

Esse movimento teve como desdobramento a elaboração das Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, a criação de cursos
para professores em serviço; além de propostas de alteração das grades
curriculares nas universidades. 80
A força que as demandas do movimento negro adquiriram na esfera educacional está
diretamente relacionada ao questionamento de uma suposta universalidade do conhecimento

77
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acessado em abril de 2016.
78
BRASIL. Ministério da Justiça. I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNHD). Decreto nº 1904, de 13 de
maio de 1996. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-no-Brasil/i-
programa-nacional-de-direitos-humanos-pndh-1996.html. Acessado em abril de 2016.
79
. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. Disponível em http://portal.mec.gov.br/par/195-secretarias-
112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12657-parametros-curriculares-nacionais-5o-a-8o-series.
Acessado em abril de 2016.
80
COSTA, Warley da.A Escrita Escolar da História da África e dos Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções.
In. PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de História e Culturas Afro-
brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
38

escolar e às pressões de grupos politicamente minoritários pela valorização de seus saberes e


histórias. Especialmente a história, como disciplina escolar imbricada em suas
responsabilidades epistemológicas e axiológicas, é visada pelos setores em disputa. Desta
forma, como defende Costa, é também no âmbito do currículo de história que "as tensões
entre as demandas do presente e as 'raízes' do passado, o embate entre a história nacional e a
história dos grupos que reivindicam maior visibilidade nesse espaço enunciativo." 81
Em consonância com esses movimentos, notamos que a adoção de termos como
pluralismo cultural, diversidade e multiculturalismo tornou-se recorrente em textos
curriculares e em debates sobre o tema revelando preocupações que as novas disposições
trouxeram aos profissionais envolvidos no campo educacional. A partir reconhecimento da
diversidade cultural como característica da sociedade brasileira, como devemos
proceder?Essa questão suscita em nosso estudo reflexões acerca do currículo e a produção de
conhecimento histórico escolar relacionados às discussões sobre produção de identidades e
diferenças.
Ana Canen, em Dilemas do Multiculturalismo: Desafios Curriculares para o novo
milênio,alerta para as armadilhas que podem representar determinadas interpretações do
conceito de multiculturalismo, as quais, segundo ela, ao invés de atuar na oposição a
preconceitos podem acabar perpetuando-os. 82 Dentre as interpretações equivocadas deste
conceito apontadas por Canen, destacamos aquela que reduz o multiculturalismo ao
folclorismo no currículo, ou seja, à momentos específicos do calendário escolar, como "feiras
de culturas, celebração do Dia do Índio, da Consciência Negra" dentre outros e assim,
conservam a ótica do exotismo relacionada à povos não-brancos. Nessa perspectiva o cerne
continua sendo a identidade essencializada do homem, branco, europeu, tomada como norma.
Outras perspectivas do multiculturalismo que Canen aponta como perigosas para os currículos
são aquelas que se limitam a ações de reparação; as que ignoram "as diferenças dentro das
diferenças" e também as que resultam em uma guetização curricular, em que determinados
grupos se atém exclusivamente aos estudos de seus padrões culturais específicos.
Hoje, um dos desafios de nós, docentes, é não tratar a História das Culturas Afro-
Brasileiras como apêndices à História do Brasil. Concordamos com Verena Alberti 83, quando

81
Idem, p.218.
82
CANEN, Ana. Sentidos e Dilemas do Multiculturalismo: Desafios Curriculares para o novo milênio. IN:
LOPES, Alice Casemiro; MACEDO, Elizabeth (orgs.). Currículo: debates contemporâneos - 3ª ed - São
Paulo: Cortez, 2010, pp.174-195.
83
ALBERTI, Verena. "Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-brasileira". In: PEREIRA,
Amilcar Araújo e MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história e culturas afro-brasileiras e indígenas.
Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
39

ela afirma, em Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-


brasileira(2013),que devemos "evitar confinar o estudo da história das relações raciais a
nichos do currículo." Outra espécie de "confinamento" que nos propomos a enfrentar é a que
se refere à atuação de mulheres na história. Concordamos com Rachel Soihet que, dialogando
com Varikas, afirma em Discutindo Biografia e História das mulheres(2014):

...o que nos é necessário, enquanto gênero subordinado, não é reduzir a história da
humanidade às experiências sociais das mulheres, mas fazer com que esta história
"seja elaborada a partir de todas as experiências humanas, tanto no que elas têm de
comum como no que têm de específico." O que pressupõe uma revisão radical na
maneira de pensar a história. E, nessa revisão, a abordagem biográfica das mulheres,
e do ponto de vista das mulheres, constitui-se numa contribuição preciosa não
enquanto método específico, mas pela pertinência das questões que ela pode
colocar. 84

Nesse sentido, a escolha do olhar de Laudelina de Campos Mello sobre os diferentes


tempos e experiências das repúblicas no Brasil nos parece muito pertinente. Através dela,
podemos analisar a história da população negra e das mulheres não como algo que se
desenrola à parte de uma suposta história nacional; os 87 anos de histórias de vida de nossa
protagonista nos possibilitam romper com esse confinamento quando propomos abordá-la em
suas experimentações em relação a questões importantes para a história de nosso país
envolvendo, especialmente, as relações trabalhistas, étnico-raciais e de gênero em diferentes
tempos.
Tomaz Tadeu da Silva 85, em A produção social da identidade e da diferença por sua
vez, adverte que o multiculturalismo meramente associado à "tolerância", à proclamação da
existência da diversidade serve à manutenção do status quo, pois impede que identidade e
diferença sejam compreendidos como produções sociais, que envolvem relações de poder e
assim já nos aponta um caminho para a superação desse obstáculo rumo a um ensino, de fato,
democrático. Para ele, ao pretendermos adotar em nossa prática docente conceitos como
esses, devemos primeiramente refletir sobre a questão da produção de identidade e diferença.
A identidade, segundo Silva, deve ser entendida como uma sucessão de negações incessantes,
algo sempre inacabado, constituído pelo que se "não é". Ou seja, identidade é aquilo que
emana das diferenças, e por isso não podemos falar em uma única, mas sim em várias

84
SOIHET, Rachel. Discutindo Biografia e História das mulheres. In: FUNK, Susana Bórneo; MINELLA,
Luzinete Simões; ASSIS, Glaucia de Oliveira (orgs.). Linguagens e Narrativas: Desafios feministas. Vol.1.
Tubarão - SC: Copiart, 2014, p.79.
85
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.);
HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, pp.73-102.
40

identidades. Para Stuart Hall 86, em Quem precisa de identidade?, "as identidades são, pois,
pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para
nós." Contrariando o senso comum que pensa a identidade como autoreferente, esse ponto de
vista ressalta a relação permanentemente conflituosa e relacional entre a definição do "eu" e
dos "outros".
Mas, então, quem seria o "Outro"? Sob a ótica pós-estruturalista, a qual aqui
adotamos, é o ato de nomear que constrói a diferença; o "Outro", portanto, não "é", "torna-se".
Ao deslocar o eixo gerador dessa relação da identidade para a diferença,a referência deixa de
ser si próprio e apostamos no descentramento do indivíduo como via de luta contra a
inferiorização naturalizada do negro e da mulher. Assim fundamentados, desenvolvemos
nesse trabalho abordagens que despertem nos estudantes o autoreconhecimento enquanto
sujeitos de identidades não fixas e as responsabilidades para a superação das profundas
marcas que as hierarquizações raciais e de gênero produzem em nossa sociedade. Segundo
Suely Costa:
A igualdade nas diferenças é o ideário a se consolidar na vida democrática; é nele
que as escolas devem apostar. Se a impropriedade do sexo como modo de nomear e
classificar as coisas e a vida social tornou-se perceptível, não há porque pretender
transformar diferenças. A igualdade na diferença é uma possibilidade; a diversidade
não é incompatível com a igualdade. 87

Assim como as Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações


étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação
básica - que estabelecem em 2004, orientações oficiais das práticas e conteúdos exigidos pela
Lei 10639/03 -, compreendemos que a superação da desigualdade racial é responsabilidade de
todos nós e por isso, trabalhar temas de história e cultura afro-brasileira e africana é trabalhar
questões formadoras da identidade de todos os cidadãos brasileiros. Nos termos do que é
pontuado pelas Diretrizes,

A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e


africana não se restringe à população negra, ao contrário, dizem respeito a todos os
brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de
uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação
democrática. 88

86
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart;
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000, p.112.
87
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.5.
88
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em janeiro de 2015.
41

Apesar do termo "cultura africana" ser abordado no singular, denotando uma espécie
de essencialização, entendemos que o posicionamento dessas diretrizes têm enorme relevância
para nossos tempos. São elas que, de fato, estabelecem estratégias pedagógicas de
enfrentamento ao racismo no ambiente escolar e rompem com a superficialidade, ou mesmo o
silenciamento, no tratamento das questões étnico-raciais que durante tanto tempo
corroboraram o discurso de que o Brasil vive uma democracia racial. Tendo sido engendradas
na noosfera - conceito de Chevallard 89 para referir-se ao espaço dedicado à elaboração de
compatibilidade entre escola e saberes de referência, no qual atuam os movimentos sociais,
por exemplo -, assim como Costa, entendemos essas Diretrizes como uma narrativa produtora
de significados politicamente disputados. 90
O currículo eurocêntrico, alvo desconstrução por parte das políticas educacionais
citadas, é um discurso de legitimação de uma identidade de superioridade do homem, branco,
europeu, que ocupou por séculos a posição privilegiada de narrador da história e imprimiu
em nos livros, manuais didáticos, salas-de-aula, museus e outros espaços as digitais de uma
identidade autocentrada. Sob as máscaras de meros descritores da "História como ela é" estas
narrativas são naturalizadas pela ilusão de uma normalidade, que por sua vez não se constitui
em si, mas sim pela definição do que é antinormal, abjeto, rejeitável". Nas palavras de Tomáz
Tadeu Silva:

A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no


campo da identidade e da diferença. A força homogeneizadora da identidade normal
é diretamente proporcional à sua invisibilidade. A identidade hegemônica é
permanentemente assombrada pelo seu Outro, sem cuja existência ela não faria
sentido. 91

Além do marcador racial, também é importante em nosso estudo o "Outro" no que


tange às questões de gênero nos currículos. Enquanto se sustenta, pelos conhecimentos
históricos escolares, a ideia de sujeitos universalizantes que respondem pela alcunha de
"homens", é negada a experiência diferenciada - mas também decisiva para os rumos de
muitas histórias - de agentes mulheres e todas as marcas e expectativas socialmente impostas

89
CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica: Del saber sábio al saber esnseñado. Buenos Aires:
Aique Grupo Editor, 3ª ed., 2009.
90
COSTA, Warley da. A Escrita Escolar da História da África e dos Afro-Brasileiros: Entre Leis e Resoluções.
In. PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de História e Culturas Afro-
brasileiras e Indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
91
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.);
HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p.83
42

aos sujeitos pelas hierarquizações no âmbito do gênero 92. Nas considerações de Cristiani
Bereta da Silva:

Mesmo depois de anos de contestações de movimentos feministas que


remontam às décadas de 1960/1970; as iniciativas de transversalizar gênero e
sexualidade nas disciplinas escolares dos Parâmetros Curriculares Nacionais em
1997 e todo conjunto de estudos, discussões e debates travados em encontros,
simpósios, pesquisas, entre outras instâncias, o gênero feminino ainda permanece
como um grupo desviante na imensa maioria dos livros didáticos de História, ao
passo que o gênero masculino ainda ocupa a “base da elaboração da regra”. 93

Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s), desde fins da década de


1990, preocupados com mudanças qualitativas e de formas de atualização dos conteúdos para
o Ensino Básico, já apontarem o gênero como um de seus temas transversais, nos currículos
de história, usualmente trabalhados, as mulheres são abordadas como coadjuvates, como
entradas para histórias supérfluas, como um "Outro", deixando claro o padrão autocentrado
do "Eu" masculino.Defendemos a ideia de que um dos papéis desempenhados pelo currículo é
o de artefato de gênero, na medida em que é produto e também produtor das relações entre
masculino e feminino e, como afirma Silva, não atentar para essa faceta é optar por análises
limitadas desse artefato. 94
Cristiani Bereta da Silva em uma análise sobre mulheres e relações de gênero nos
livros didáticos revela o predomínio de narrativas que, centralizam as decisões sobre os rumos
da sociedade em figuras masculinas, geralmente apresentadas como fortes, dominadoras e
corajosas, enquanto as mulheres aparecem quando se fala em história da família, da criança e
do patriarcalismo e, são na maior parte dos casos apresentadas como figuras frágeis, dóceis e
submissas. Nas suas palavras:

Outro ponto importante a ser pensado é que, para além das representações
persistentes que estereotipam homens e mulheres em papéis a-históricos, é o fato de
que temas relacionados às mulheres e às relações de gênero não são problematizados
em suas contingências históricas: são dadas como necessárias, e fazem parte de uma
história pronta e acabada. 95

92
Para as ciências sociais 'gênero' significa "a distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a
dimensão biológica dos seres humanos". Seu uso enfatiza a ideia de assimetria e de hierarquia entre homens e
mulheres incorporando as dimensões das relações de poder. Cf. SOHEIT, Raquel e PEDRO, Joana. A
emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero.Revista Brasileira de História.Nº
54 vol. 27. São Paulo: ANPUH, jul.-dez, 2007, p.281-300
93
SILVA, Cristiani Bereta da. Gênero e sexualidade nos livros didáticos de História: Algumas questões sobre
produções de subjetividades. Anais do VII Seminário Fazendo Gênero 28, 29 e 30 de 2006.
http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/C/Cristiani_Bereta_da_Silva_07_A.pdf. Acesso em: 09 de abril de
2016. p.5.
94
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. - 3. ed. - 4
reimp - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
95
SILVA, Cristiani Bereta da. O saber histórico escolar sobre as mulheres e relações de gênero nos livros
didáticos de história. Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./Jul. 2007. p. 242.
43

Luciana Gandelman 96, no artigo Gênero e Ensino: Parâmetros Curriculares,


Fundacionismo Biológico e Teorias Feministas, apesar de reconhecer a importância da
presença gênero como pauta nos Parâmetros Curriculares Nacionais, tece críticas a esse texto
curricular que traz esse conceito vinculado, exclusivamente, a assuntos como "corpo e
sexualidade" e "prevenção de doenças sexualmente transmissíveis". Segundo ela, esse tipo de
abordagem "acarreta uma visão praticamente privada de história e de politização. Mais do que
isso, a categoria de gênero fica privada de elementos que lhe são constitutivos."
Suely Costa também considera problemático o fato de o "gênero" se apresentar nos
PCN´s atrelado unicamente à questão da "Orientação Sexual" e propõe uma reflexão sobre as
contribuições dessa conceituação para o ensino de história. Nesse sentido, a autora destaca os
impactos teórico-metodológicos que o conceito de gênero, afinado com as críticas aos
modelos explicativos universais, suscita na produção de conhecimento histórico na medida
em que desnaturaliza, ou seja, expõe o caráter político das relações entre homens e mulheres.
Nas palavras dessa autora:
Vozes inaudíveis, ampliadas através dessa orientação, denunciariam o quanto a
historiografia de diferentes épocas havia mantido tantos sujeitos históricos, inclusive
as mulheres, silenciados e invisíveis, com a crítica de noções que têm localizado os
homens na esfera da cultura e no mundo público e as mulheres na da natureza e no
mundo privado. A construção historiográfica, assim, daria sempre visibilidade aos
homens e esconderia as mulheres. O conceito de gênero produziu o reexame dos
sistemas de poder e subordinação. 97

Costa defende o gênero enquanto categoria de análise profícua no que tange às


desconstruções que devem constar como metas de um ensino comprometido com a ruptura de
"antigos modos de pensar a história" e atenta para a responsabilidade de construir narrativas
que não contribuam para a disseminação de preconceitos e discriminações. 98 Acreditamos,
todavia, que as narrativas históricas didáticas ainda hoje hegemônicas - apesar de alguns
avanços - desempenhem um papel menos crítico do que o que lhes caberia com relação a
essas temáticas. A autora feminista Judith Butler, em prol de suas análises de gênero, trabalha
o conceito de performatividade, o qual enfatiza o poder dos discursos de criar e reiterar
convenções através da ocultação ou dissimulação da historicidade. Segundo ela:

96
GANDELMAN, Luciana. Gênero e Ensino: Parâmetros Curriculares, Fundacionismo Biológico e Teorias
Feministas. In. SOIHET, Rachel; ABREU, Martha (orgs.). Ensino de História: Conceitos, temáticas e
metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p.218.
97
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.1.
98
COSTA, Suely.Gênero e História.In. ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. (orgs.) Ensino de História:
conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
44

a performatividade deve ser compreendida não como um "ato" singular ou


deliberado, mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e citacional pela qual o
discurso produz os efeitos que ele nomeia (...), como aquele poder reiterativo do
discurso para produzir os fenômenos que ele regula e constrange (...), ela é sempre
uma reiteração de uma norma ou conjunto de normas. E na medida em que ela
adquire o status de ato no presente, ela oculta ou dissimula as convenções das quais
ela é uma repetição. 99

Em diálogo com de Judith Butler, Tomaz Tadeu da Silva defende que ao acreditar que
estamos descrevendo algo, nós já estamos discursando sobre, imprimindo sentido a tal coisa;
assim a identidade não é aquilo que "se é", mas aquilo que "se torna". Afirma, ainda, que as
identidades hegemônicas são ratificadas pela eficácia desses atos performativos, alcançadas
através da repetição. 100Atentos às assimetrias entre os protagonismos proporcionados ao
masculino e ao feminino no âmbito do conhecimento histórico escolar e, como destaca Hebe
Mattos, às “assimetrias entre o conhecimento das sociedades europeias, ameríndias e
africanas” 101, entendemos que a hegemonia de currículos que omitem a agência de negros e
mulheres nos processos históricos ratifica a todo momento a insignificância destes
agentes/sujeitos para a construção de nossa sociedade. As narrativas históricas didáticas, ao
negligenciá-los repetidas vezes, os naturalizam como "Outros", relegando a eles menos
direitos em relação aos que são considerados a "norma", a "referência".
Segundo Butler, porém, esse processo pode ser interrompido pela contestação e é
nesse poder de questionamento e ruptura que reside o potencial transformador dessa
concepção. Assumimos, então, o desafio da contestação do discurso reproduzido pelos
currículos de história centrados no homem, branco, europeu. A produção de nossa narrativa
histórica didática a partir das investigações sobre as histórias de vida de Laudelina de Campos
Mello significa a nossa inserção na disputa pelo frear de um discurso hegemônico que destitui
mulheres e negros de papéis importantes na história do nosso país. O prisma pelo qual
pretendemos tratar histórias de nosso país nesse estudo soma em si duas categorias de
diferenciação: é um olhar negro e, ao mesmo tempo, feminino. As questões racial e de gênero
nesse caso possibilitam uma leitura do passado que apreenda o modo como as hierarquizações
que as envolvem moldam experiências distintas para um mesmo contexto.
Em diálogo com Lilian Schwartz, Suely Costa afirma sobre o ensino de história:
99
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo". In: LOPES LOURO, G.(org.) O
corpo educado - Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 152 e 163.
100
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da
(org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, pp.73-102
101
MATTOS, Hebe Maria. O Ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU,
Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2003, p. 133.
45

Há muitos desafios a enfrentar. Um deles é o ter que lidar com um tipo de história
que já nasce pronta, moldando um dado imaginário sobre essas relações, esquemas
e interpretação, quase que em formatos definitivos, que pouco têm incorporado da
revisão de paradigmas. Não se pode deixar de avaliar o quanto repetir antigos
modos de pensar a história nos torna participantes da propagação de preconceitos,
base de discriminações de vários feitios.No uso do conceito de gênero, essa
categoria útil de análise, há muitas desconstruções a fazer na história do Brasil; é
preciso inventá-la. 102

A concepção de narrativa posta por Ana Maria Monteiro e Carmem Gabriel como um
discurso que expressa e produz subjetividades e, dessa forma, pode desempenhar a função de
revelar as relações de poder assimétricas expressas no âmbito do currículo e suas práticas, é a
que fundamenta nossas reflexões, já que estamos aqui preocupados em antepor agentes
preteridos pelas narrativas oficiais/hegemônicas. 103Sustentamos a ideia de que um currículo
que se pretenda democrático e transformador deva transcender ao posicionamento de
benevolência em relação às diferenças; estas devem ser compreendidas como partes
indissociáveis da existência de todos os indivíduos em sociedade e como as referências para a
compreensão das posições ocupadas por quaisquer indivíduos em variados contextos. Nas
considerações de Luciana Gandelman:

Se continuarmos...a tratar homens e mulheres, meninos e meninas, BRANCOS E


NEGROS como "povos" vizinhos que devem conviver, continuaremos a jogar a
partida perdida dos esquemas essencialistas do "eu" versus o "outro", ainda que o
politicamente correto os transforme numa alteridade docilizada. 104

Gabriel e Monteiro 105, à luz de Hartog, dão tom aos nossos anseios, visto que, como
pressupõem as autoras, a narrativa histórica didática que nos propomos a construir visa a ser
ponte entre a história vivida e a atribuição de sentidos ao mundo. Em propostas como essa,
nós docentes nos inserimos na disputa curricular pela fixação de novos sentidos à nossa
própria história, convictos de que educar para liberdade é dar início a uma narrativa cujo
ponto final é sempre adiado pelo devir.Como alerta Ilmar Mattos,

102
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.4.
103
MONTERO E GABRIEL. Currículo de História e Narrativa: Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas.
In: MONTEIRO, Ana Maria; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAÚJO, Cinthia Monteiro de; COSTA, Warley da
(orgs.) Pesquisa em Ensino de História: Entre Desafios Epistemológicos e Apostas Políticas. - 1 ed. - Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014.
104
GANDELMAN, Luciana. Gênero e Ensino: Parâmetros Curriculares, Fundacionismo Biológico e Teorias
Feministas. In. SOIHET, Rachel; ABREU, Martha (orgs.). Ensino de História: Conceitos, temáticas e
metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p.218.
105
GABRIEL, Carmen Teresa; MONTEIRO, Ana Maria. Currículo, ensino de história e narrativa. 2007.
Disponível em <http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT12-3145--Int.pdf> Acesso em 28 de julho de 2015.
46

Somente naquele que lê o texto parece se completar plenamente...Qualquer que seja


o suporte, qualquer que seja a referência dos textos que lhe são oferecidos, é ao
leitor que parece caber o papel privilegiado, porque a leitura é sempre apropriação,
invenção e produção de significados. E, mais do que nunca, o leitor se mostra capaz
de transitar entre o mundo da leitura e a leitura do mundo. 106

Propor Laudelina como a protagonista do nosso enredo; eleger uma mulher negra, que
foi atuante em diversas lutas ao longo das várias experiências de república no Brasil, como
personagem principal da nossa narrativa histórica didática, é disponibilizar aos estudantes
novas chaves para a compreensão tanto da história nacional quando das suas próprias histórias
de vida.

106
MATTOS, Ilmar Rohloff. Mas não somente assim. Leitores, autores, aulas como texto e o ensino
aprendizagem de história. Revista Tempo. Departamento de História da UFF. V.11, n.21. Rio de Janeiro. Julho,
2006, p.10.
47

3. BAÚ BIOGRÁFICO: O BRASIL DE LAUDELINA DE CAMPOS MELLO

As reflexões apresentadas nos capítulos anteriores culminaram na elaboração do


material didático que intitulamos Baú Biográfico: O Brasil de Laudelina de Campos Mello
apresentado anexo. Do ponto de vista metodológico, nos inspiramos, livremente, no trabalho
desenvolvido pelas professoras Marcia Gonçalves, Helenice Rocha e pelos professores Luís
Reznik (coord.), Marcelo Magalhães e Rui Fernandes junto à Faculdade de Formação de
Professores da UERJ, denominado Caixa de História. Este produto, com a intenção de inserir
a história local nos currículos escolares, traz uma série de fontes relacionadas às regiões
estudadas (como São Gonçalo, Guapimirim, Cachoeiras de Macacu, dentre outras)
reproduzidas para serem manuseadas pelos estudantes e acompanhadas de uma série de
propostas de atividades didáticas. Nosso Baú Biográfico, apresentado anexo a essa dissertação
na forma de livreto foi, contudo, idealizado como um material semelhante a uma caixa de
relíquias onde Laudelina de Campos Mello teria guardado suas fotografias, cartas e outros
registros de sua própria história. Dessa forma, deslocamos o eixo da história local para os
usos do biográfico no ensino de história, ou seja, a ideia de que experiências individuais
constituem um recurso para a construção de conhecimentos sobre a história, em especial, a
história do Brasil republicano.
Buscamos nessa personagem um olhar atento às regras sociais impostas em
determinados contextos da história do Brasil, mas que também nos estimule a percepção das
subjetividades envolvidas em cada relação indivíduo/sociedade. A percepção de que a relação
do ser humano com o mundo se modifica constantemente mas é, ao mesmo tempo, produto
das diversas ideias e ações que a precedem é privilegiada nessa abordagem. Como essa
mulher negra agiu diante das regras e normas vigentes nos diferentes tempos que vivenciou?
Suas ações foram plenamente consonantes com o que dela esperava o poder hegemônico ou
promoveram fissuras nos sistemas normativos? Podemos notar, nos dias de hoje, alguma
semelhança com os tempos em que viveu? As pessoas ainda pensam e agem da mesma
forma? O que podemos notar que mudou? São essas algumas das questões norteadoras de
nossa intervenção didática que serão respondidas por meio da utilização de registros pessoais
ou públicos dos tempos em que viveu nossa protagonista. A utilização de fontes como
estratégia de mediação do processo de ensino-aprendizagem é uma orientação inspirada nas
48

formulações de Suely Costa, que, na defesa da reinvenção do modo de pensar a história,


afirma:
Acessar fontes históricas as mais variadas, usar documentos de muitos tipos,
estimular a busca regular de leitura de documentos históricos - objetos vários -
evidenciam práticas sociais desapercebidas, forma de reinventar o modo de pensar a
história. O exame de fontes é um exercício de crítica à escrita da História, é um
modo de aprender a fazer sínteses teóricas, de buscar novos conhecimentos, ou
seja, de vivenciar operações intelectuais de análise, quase nunca experimentadas
pelas crianças e jovens nos jogos de perguntar e responder... 107

Verena Alberti também sustenta que o aprendizado de história deve se dar através de
três processos: a questão de pesquisa, o uso de fontes e a produção de resultados. 108 Segundo
ela, a chave para um resultado positivo de compreensão sobre as pessoas do passado, seria o
acesso a registros relacionados ao tema a ser trabalhado e a(o) docente caberia disponibilizá-
los e proporcionar uma experiência de questionamentos e interpretação deles. Circe
Bittencourt confirma a importância de fontes como recursos para o ensino de história, todavia
aponta para alguns aspectos aos quais devemos estar atentos, ressaltando as diferenças entre
os usos de fontes no processo de ensino-aprendizagem e no ofício dos(as) historiadores(as).
Para ela, a principal diferença estaria no fato de que estes últimos selecionam suas fontes a
partir do domínio prévio de conceitos e categorias de análise bem como de conhecimentos
históricos sobre o período estudado; os estudantes percorreriam o caminho inverso, ou seja, se
utilizariam de documentos para adquirir conhecimentos históricos sobre o contexto em que
estes foram produzidos e, diante disso, cabe à(ao) professora(or) a seleção adequada e a
orientação para a análise. 109 A autora afirma que

A escolha deles em qualquer situação ou nível escolar, deve favorecer o domínio de


conceitos históricos e auxiliar na formulação da generalização, ou seja, de um
acontecimento particular (como o texto da Lei Áurea de 13 de maio de 1888) para o
geral (o processo de abolição da escravidão no Brasil). 110

A fim de que os documentos disponibilizados adquiram função didática promovendo a


melhor compreensão de acontecimentos e sujeitos de outros tempos, Bittencourt apela para a
sensibilidade do(a) professsor(a) no ato de conferir sentido aos registros e de fazer notar que
vestígios do passado "são os mais diversos e encontram-se por toda parte: em livros, revistas,

107
COSTA, Suely.Conceito de gênero e ensino da história. X Encontro Regional de História. ANPUH- RJ.
História e Biografias. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p.7.
108
ALBERTI, Verena . Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, p. 61-88 - 2012, p.63.
109
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,
2004.
110
Idem, p.331.
49

quadros, músicas, filmes e fotografias." 111 Atentos a isso, disponibilizamos em nosso Baú
Biográfico uma coleção de pistas dos tempos da pequena Nina de Poços de Caldas, no início
do século XX, até registros mais recentes das últimas décadas deste século, quando nossa
personagem principal já atendia por vó Nina. Já o movimento do particular para o geral
sublinhado por Bittencourt, e por nós adotado, implicou no destaque de um dos tipos de
registros que compõem nossa intervenção didática: os depoimentos autobiográficos.
Entrevistas fornecidas por Laudelina de Campos Mello em fins dos anos 1980 e início de
1990, pouco antes de seu falecimento, costuram a narrativa que construímos. Um dos
depoimentos, cujos fragmentos disponibilizamos transcritos e em vídeo no material, foi
concedido ao Museu da Imagem e do Som de Campinas no ano de 1989; o outro, orientado
pelos métodos da história oral, trata-se de um dos resultados da pesquisa de Elisabete
Aparecida Pinto sobre nossa personagem. 112
Sobre uma suposta fragilidade inerente às fontes orais, dialogamos com a ideia de
Marly Motta, segundo essa autora:
Os riscos de distorções, de erros e de falhas presentes na fonte oral não são maiores
nem menores do que nas outras fontes documentais: uma carta, por exemplo, pode
conter mais “mentiras” do que uma entrevista. O depoimento de história oral
permite, sim, o acesso a uma versão do passado, ou seja, à maneira pela qual o
entrevistado concebe opassado. Não se trata, pois, de recuperar a história “tal como
ela efetivamente ocorreu”,mas sim de reconstruí-la através das múltiplas versões
veiculadas pelos atores que viveram acontecimentos e conjunturas do passado. 113

Recontar suas histórias pouco antes de falecer demonstra um desejo de registrá-las e


estamos cientes de que a seleção é um processo intrínseco a esse ato. Seus depoimentos
baseiam-se principalmente em sua atuação no espaço público e não temos a intenção de
esgotar todas as suas experiências em nossos usos do biográfico. Como Motta, não
acreditamos em um único passado real que possa ser fielmente recontado; o que nos interessa
é que de suas histórias lembradas, narradas e registradas nos depoimentos, com direito a
muitos esquecimentos (esses talvez insondáveis), possamos obter um prisma sobre outros
tempos.

a biografia enquanto relato é o resultado de memórias (ou mesmo esquecimentos)


coletivas, individuais e sociais, constantemente negociadas e processadas, com
vínculos com mitos, saberes, fazeres e tradições que se corporificam a partir de

111
Idem, Ibidem.
112
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
113
MOTTA, Marly Silva da. O relato biográfico como fonte para a história. Vidya, Santa Maria (RS), nº 34,
p.101-122, jul./dez. 2000. pp.11-12.
50

relações particulares com o tempo e o espaço, que não são simplesmente atos de
resgate, mas de reconstrução do passado a partir de referenciais atuais. 114
Os depoimentos de Laudelina consistem em um esforço de autobiografar-se e, assim
como nossos usos de sua biografia, são fortemente marcados por demandas e referenciais do
momento em que são produzidos. Nas suas histórias encontramos um rico material a ser
trabalhado em função das demandas da Lei 10.639/03, das lutas por equidade entre gêneros,
dos movimentos de trabalhadores e do entrecruzamento entre esses temas. Assim, através de
seus depoimentos em diálogo com outros tipos de registros, procuramos compreender suas
histórias e, a partir dessa perspectiva, histórias de nosso país.
O modo como dispusemos nossas atividades permitem que conceitos centrais para o
ensino de história sejam trabalhados. Dentre os "seis conceitos chave, que ... são identificados
como o cerne da disciplina: cronologia; diversidade; mudança e continuidade; causa e
consequência; relevância; interpretação", como elenca Verena Alberti, assumem papeis de
destaque em nossa proposta a diversidade e a relevância. Sobre a função do primeiro conceito
a autora afirma:
O principal objetivo...é fazer frente à homogeneização simplificadora que
geralmente está por trás de preconceitos e estereótipos. Bem sabemos que falar do
‘índio’ e do ‘negro’, ou do ‘africano”, é redutor e muitas vezes impede o
reconhecimento de indígenas, negros e africanos como sujeitos e agentes da
história. 115
Como discutido anteriormente, nossos usos do biográfico são, fundamentalmente,
como uma tentativa de superar essencializações e a escolha de Laudelina de Campos Mello
revela nosso esforço em conferir visibilidade a vozes diversas em sala-de-aula.As Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, ao nos orientar para a construção de um ensino
de história efetivamente anti-racista, possibilitam experimentar ações que devem ter como
meta "o direito dos negros a se reconhecerem na cultura nacional (e) expressarem visões de
mundo próprias..." 116. Por isso, as agências e experimentações de Laudelina de Campos Mello
são a chave para o trabalho didático que propomos junto ao 9º ano do ensino fundamental 117.
É a partir dela - mulher, negra, doméstica e militante - que procuramos compreender

114
AURELL, Jaume. Textos autobiográficos como fontes historiográficas: relendo Fernand Braudel e Anne
Kriegel. SILVA, Wilton C. L. (tradução). História (São Paulo) v.33, n.1, p. 340-364, jan./jun. 2014 ISSN 1980-
4369 341. p.340.
115
ALBERTI, Verena . Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, 2012. p.71.
116
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em janeiro de 2015.
117
Apesar de ter sido projetado o 9º ano do Ensino Fundamental, não há qualquer impedimento para que os
materiais disponibilizados no Baú Biográfico sejam utilizados em sala de aula por professores(as) e estudantes
de outras séries suscitando outros enfoques e questões.
51

importantes e diferenciados momentos do nosso país durante o século XX, nas diversas
“repúblicas”, então instauradas no Brasil..
A par dessas formulações, o conceito de relevância é pensado em nosso trabalho.
Sobre o papel desempenhado por esse conceito-chave, Alberti afirma que "cabe introduzir ...
a discussão de porque determinados personagens históricos são lembrados, e outros não, ou
seja, o que, em história, é considerado ‘relevante’ (o que implica perguntar: 'Relevante para
quem e por quê?')." 118 Estamos comprometidos com um processo de ensino-aprendizagem
que não só reconheça a diversidade, mas que valorize as diferenças, visando ao rompimento
com hierarquizações de caráter étnico-racial e de gênero, questões incontornáveis para pensar
a personagem principal que elegemos e também para refletir sobre as formas como
construímos nossas relações na sociedade atual.
Acreditamos que nosso trabalho possa contribuir, como previsto nas Diretrizes
curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, para que as identidades, as
histórias e as culturas dos afro-brasileiros - aqui consideradas no plural - sejam valorizadas;
para que o legado africano na construção da sociedade brasileira seja reconhecido e
valorizado em posição de equidade em relação ao indígena, ao asiático e ao europeu; 119e
também, para o reconhecimento e valorização das agências e protagonismos das mulheres,
para além do âmbito privado, na história do Brasil.
O foco nas agências de nossa protagonista requer, invariavelmente, o trabalho com
outros conceitos-chave citados por Alberti. Primeiramente o acesso às suas histórias se dando
através de pistas de seu passado exige que os estudantes interpretem-nas. A interpretação - de
textos, depoimentos e fotografias - desempenha papel fundamental em nossas atividades e
trava relações diretas com as investigações de porquês e suas consequências no que se refere
às ações de Laudelina. No que se refere, por fim, à cronologia, apesar da opção de não adotar
uma linearidade temporal como estruturante de nossa narrativa, o exercício da identificação
de mudanças e permanências, priorizado em nossa proposta didática, tem como fundamento a
percepção e compreensão do tempo histórico.
Laudelina vivenciou ativamente a militância relacionada às trabalhadoras domésticas
em diferentes momentos durante o século XX. Desde de 1936, quando cria a primeira

118
ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, 2012. pp.73,74.
119
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em janeiro de 2015.
52

Associação de Empregadas Domésticas na cidade de Santos (SP), além do caráter


beneficente, havia também a intenção de inserir essa categoria nos planos de Vargas, que
naquele momento dedicava esforços aos sindicatos e à questão trabalhista. Como essa foi uma
luta muito longa, na década de 1960, à frente da Associação de Campinas (SP), também
fundada por ela, continuou pressionando representantes do Estado para esta causa.
Conquistado o direito à sindicalização em 1988, Laudelina seguiu até os últimos anos de sua
vida vinculada a esta militância. A luta pelo reconhecimento das trabalhadoras domésticas
como categoria profissional, atravessa diferentes contextos de república e, as estratégias, as
relações travadas e as respostas recebidas são diferentes e podem revelar o caráter de cada um
dos projetos políticos levados à cabo nesses diferentes períodos.
A questão racial, neste Baú Biográfico,emerge da atenção aos legados dos tempos de
escravidão que permaneceram caracterizando a sociedade brasileira ao longo do século XX e
deixando marcas profundas nas histórias de Laudelina. Consideramos, todavia, fundamental
apresentar ações de luta e resistência desenvolvidas por negros e negras, dando destaque aos
movimentos fundados e/ou experienciados ativamente por Laudelina em diferentes momentos
e aos avanços sociais que representaram em suas respectivas épocas. Já as relações de gênero
virão à tona em atividades que partam , sobretudo, do papel desempenhado por nossa
personagem em espaços públicos. A guerra e o mundo político, lugares relacionados ao
homem pelo poder hegemônico em diferentes tempos, surgem em nossas atividades como
espaços tensionados pela ação dessa mulher. Por outro lado a assimetria de responsabilidades
entre mulheres e homens em relação ao trabalho doméstico, em diferentes tempos no Brasil
republicano, é também assunto de nosso material. Consideramos importante ressaltar a
perspectiva interseccional que nossa protagonista nos demanda, já que esses três eixos aqui
expostos separadamente se entrecruzam em suas vivências. A questão trabalhista com a qual
esteve envolvida está intimamente ligada à questão racial e de gênero, na medida em que a
categoria das trabalhadoras domésticas é formada, em sua maior parte, por mulheres negras.
53

3.1 Por dentro do Baú

O Baú Biográfico é composto por 5 oficinas subdivididas em atividades, com o


objetivo de abordar em sala de aula temas como: mundo do trabalho e lutas trabalhistas;
desigualdade racial e ações de resistência; desigualdade de gênero e ações de resistência.
Todas as atividades exploram documentos de tipos variados ligados diretamente ou
indiretamente às experiências de Laudelina de Campos Mello. Os estudantes terão contato
com depoimentos de nossa personagem, transcritos ou em vídeo; com fotografias; matérias de
jornais e revistas; cartas; leis; ofícios; dados estatísticos; e também com fragmentos de textos
de alguns pesquisadores.
A seleção e organização das fontes disponibilizadas neste trabalho foram um grande
desafio e seguiram alguns critérios. Primeiramente elegemos registros que consideramos
atrativos as(aos) estudantes e que não oferecessem muitos obstáculos à compreensão. Por
isso, muitas das fontes escritas que reproduzimos, por exemplo, seguem com transcrições das
partes que supomos mais importantes para o desenvolvimento das atividades. Considerando a
variação do número de aulas semanais e o tempo da hora-aula, elaboramos um material
dividido em oficinas e atividades, maiores e menores, que podem ser trabalhadas
separadamente pelo(a) docente de acordo com a realidade de seu tempo pedagógico 120.
Produzimos também fichas a serem preenchidas pelos estudantes durante atividades com o
objetivo de auxiliar na interpretação e no questionamento dos registros históricos com os
quais vão se deparar.
A oficina 1, intitulada Passado em Preto e Branco traz uma proposta de trabalho
sobre as relações étnico-raciais no pós-abolição e ao longo do século XX. Partindo de
depoimento de Laudelina de Campos Mello sobre sua infância nas primeiras décadas do
século XX, orientamos o estudante, na Atividade 1, a pontuar elementos que insinuem
continuidades entre aquele tempo e os tempos de escravidão. Esperamos que passagens como
as que seguem abaixo chamem a atenção dos estudantes.

"Nasci em Poços de Caldas, sul de Minas, em 12 de outubro de 1904. Filha de pais


descendentes de escravos Marcos Aurélio de Campos e Sidônia...Minha infância foi
de menina pobre...A minha mãe foi dada. Minha avó deu minha mãe pra irmã da
sinhá dela...Então esta sinhá que minha mãe foi doada pra ela...Então a minha mãe
foi dada pra esta sinhá que era pra pajear a menina moça dos patrões (...)

120
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,
2004, p.330.
54

Aí a sinhá mandou buscar a minha mãe, mandou um português que era


capacho dela lá(...) Aí ele (o português) começou a chicotear a minha mãe no
caminho(...)

A minha irmã estudou no colégio de freiras, onde minha mãe estudou com a
filha da sinhá, minha irmã estudou nesse colégio, mas foi uma barra pois (o colégio)
não aceitava negros. Ela conseguiu por intermédio do compadre que ela tinha. Todos
nós fomos batizados, o que não foi batizado foi crismado por branco. Naquela época
era tudo compadre branco..." 121

Nos trechos destacados acima fica evidente que mesmo após a abolição da escravidão
a liberdade se deu de forma limitada. Dona Sidônia, mãe de Laudelina, que jamais fora
escravizada - nascera de ventre livre - fora doada para a irmã da "sinhá" da mãe para prestar
serviços domésticos. Nota-se também que, mesmo "em tempos de liberdade", os castigos
físicos e a subordinação aos brancos eram práticas muito comuns nas vidas de negros e
negras, sendo esta última uma tática para se alcançar mínimos direitos como acesso à
moradia, escola, alimentação dentre outros que lhes eram concedidos como favores de
compadrio. Cabe ao docente seguir adiante nessa proposta e relembrar de outros
acontecimentos associados a estas experiências, como a "Revolta da Chibata", por exemplo,
ocorrida no Rio de Janeiro, em 1910, que entre suas principais motivações estavam os
constantes castigos físicos aos quais eram submetidos ex-escravizados e seus descendentes
que naquele momento prestavam serviço como marinheiros.
A atividade 2 apresenta um fragmento do estudo etnográfico realizado por Elisabete
Aparecida Pinto 122, no qual trata da relação, omitida publicamente durante mais de meio
século, de nossa protagonista com religiões de matriz africana. Este modo de Laudelina de
Campos Mello se relacionar com sua fé diante da sociedade é a nossa entrada para debater a
discriminação religiosa sofrida por muitos praticantes da umbanda e do candomblé em outros
tempos e também nos dias de hoje em nosso país. A fim de fomentar este debate
disponibilizamos a matéria "Menina é apedrejada na saída de culto de candomblé no Rio", de
2015. 123Já na atividade 3 trazemos registros fotográficos do ano de 1988, que retratam
Laudelina e outras mulheres negras vestidas com trajes típicos de rituais religiosos de matriz
africana em uma missa da Pastoral do Negro em Campinas.

121
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
122
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp.
123
Uol Notícias, 16/06/2015. Disponível em:/http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-
estado/2015/06/16/menina-e-apedrejada-na-saida-de-culto-de-candomble-no-rio.htm. Acesso em: junho/2016
55

124

Outubro de 1988. Laudelina de Campos Mello e outras militantes negras em missa organizada pela
Pastoral do Negro de Campinas.

A análise das fotografias e a leitura de fragmento do artigo "Religião e identidade


cultural negra: católicos, afrobrasileiros e neopentecostais", de Vagner Silva125 são
apresentados como recursos mobilizadores de reflexões sobre as variadas apropriações
possíveis dos códigos normativos e as múltiplas identidades forjadas a partir desses processos
de resistência. Segue um trecho do estudo de Silva:

Um grupo de padres negros desde então tem investido num diálogo intenso com a
tradição religiosa afrobrasileira. No diálogo entre catolicismo e candomblé, a
pastoral afrobrasileira procura trazer elementos religiosos africanos para o interior
da liturgia católica (...) A reinterpretação da imagem de Nossa Senhora da
Aparecida, a padroeira negra do Brasil, vista como “Senhora Quilombola” é um bom
exemplo. 126

Dessa forma, além de abordarmos a convivência conflituosa e desigual entre diferentes


culturas em nosso país, com o artigo de Silva, destacando esse processo de hibridização entre
símbolos cristãos e do candomblé, inserimos debates sobre a importância dos
descentramentos identitários e a valorização das diferenças para a construção de uma
sociedade, de fato, democrática.
A oficina Beleza, Cultura, Lazer e Arte:A afirmação da identidade negra, segue o
mote da questão racial por outro viés. Esta oficina é dividida em 2 atividades: a primeira delas
traz matéria da Revista O Cruzeiro do ano de 1957 sobre o Baile do Concurso Pérola Negra;
depoimentos de Laudelina de Campos Mello; e fotografias deste e de outros bailes e
concursos de beleza negra por ela organizados. Nosso interesse é pontuar conquistas
alcançadas a partir desses tipos de organizações e eventos e, estabelecendo uma comparação
entre esses - ocorridos entre fins das década de 1950 e início de 1960 em diversas cidades do
interior de São Paulo - e o "Deusa de Ébano", concurso de beleza negra que acontece de 1975

124
Fotografias do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
125
SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e identidade cultural negra: católicos, afrobrasileiros e
neopentecostais. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011
126
Idem, pp.296, 297.
56

até os dias atuais em Salvador – Bahia.Buscamos igualmente promover debates sobre caráter
o histórico dos padrões estéticos de "beleza".

Página de matéria da Revista O Cruzeiro , 127 Registro de baile/concurso, realizado em 128


de 18/05/1957 , sobre baile do concurso Campinas- SP, em fins de 1950 ou início de
Pérola Negra. 1960.

A segunda atividade dessa oficina apresenta registros de iniciativas culturais, como a


Escola de Bailados Santa Efigênia e o I Salão dos Amigos das Belas Artes de Campinas,
voltadas para a população negra e organizadas por Laudelina de Campos Mello, entre as
décadas 1950 e 1960. Nesta oficina, de modo geral, nos dedicamos à articulação de afro-
descendentes em associações e organizações de lazer, cultura e arte como instrumentos de
resistência e de conquistas sociais frente ao racismo característico da nosso país em
determinados contextos históricos. Utilizando registros destas realizações, damos destaque
para ações de agentes históricos negras e negros em busca da equidade de direitos e de
prestígio social. São exemplos de registros utilizados nesta atividade, o trecho do depoimento
de Laudelina de Campos Mello e os registros fotográficos da apresentação de egressos da
Escola de Bailados Santa Efigênia do artista Mário de Oliveira expondo suas telas no I Salão
Campineiro dos Amigos das Belas Artes.

"O nome dela era professora Leo Tigre. Eu a conheci por intermédio de alunas das
famílias conhecidas da gente...me levaram pra conhecer a professora. Fui um dia
assistir à aula, conversando com ela eu disse que tinha vontade de que Campinas
tivesse (escola) para meninas negras, que a gente não conseguia aqui nas escolas do
branco... 129

127
Acervo O Cruzeiro/EM/D.A Press
128
Disponível em http://umbaileparamatarassaudades.blogspot.com.br/. Acessado em junho/2016
129
Laudelina de Campos Mello sobre a fundação das Escola de Bailados Santa Efigênia, em entrevista à
Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª
57

Apresentação de
alunos egressos da
Escola de Bailados
Santa Efigênia, no
primeiro aniversário
da Associação de
Empregadas
Domésticas de
Campinas no ano de
1962.

Apresentação de alunos
egressos da Escola de
Bailados Santa Efigênia, no
primeiro aniversário da
Associação de Empregadas
Domésticas de Campinas no
ano de 1962.

O artista Mario de
Oliveira e suas
obras no I Salão
Campineiro dos
Amigos das Belas
Artes 1960.

130 131

Como vimos, Laudelina denuncia uma das formas como se manifestava a


discriminação racial em meados do século passado na cidade de Campinas, quando relata a
dificuldade de acesso a atividades culturais por parte de negros e negras. O estudo desses
registros, bem como o de outros que constam nesta oficina também permitem notar as facetas
que a discriminação racial adquiria naquele contexto. Na matéria da Revista O Cruzeiro e nos
depoimentos de Laudelina de Campos Mello explicita-se a segregação racial que marcava a
sociedade. Laudelina afirma sobre o concurso Pérola Negra, de 1957: "Então ficou,
convidamos as candidatas, houve seleção, logo em seguida do lançamento do concurso nós
fizemos coquetel para apresentação no Armorial, restaurante chique que negro nunca tinha

Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de


Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
130
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
131
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
58

entrado". 132 Já em um ofício da Câmara Municipal de Campinas em homenagem à realização


do I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes, a assimetria de prestígio social entre
brancos e negros também se apresenta quando, mesmo em um elogio à mostra, sugere que as
aptidões e habilidades de "homens de côr" no setor das artes eram à priori postas em dúvida,
sendo necessário estes provarem do que são capazes.

Foi realizado recentemente em Campinas o I Salão Campineiro de Amigos das Belas


artes que constituiu um verdadeiro acontecimento social, pois reuniu dezenas de
obras, de autoria de elementos de côr da nossa cidade os quais revelaram o quanto
são capazes no setor da pintura, do desenho, da cerâmica, da arquitetura, das artes
aplicadas e da poesia e da música......133

Por outro lado, a criação da Escola de Bailados Santa Efigênia e a produção do I Salão
Campineiro dos Amigos das Belas Artes, do Baile de Debutantes Menina Moça, do Concurso
Pérola Negra dentre outros, demonstram o empenho de Nina em valorizar e inserir público e
artistas negros e negras na vida social e cultural da cidade e em dar uma resposta ao racismo
insinuando espaços em meio a um lugar estruturalmente excludente.
A terceira oficina, "A quem cabe a grita?" é dedicada ao mundo do trabalho e dispõe
de materiais sobre a luta trabalhista de modo mais abrangente - em sua relação com
determinados governos - e, mais especificamente, sobre a luta das empregadas domésticas,
com a qual nossa protagonista esteve intimamente envolvida. Divididos em 3 atividades
seguem depoimentos em vídeo e transcritos; trechos da CLT e da carta constitucional de
1934; matérias e recortes de jornal; e uma carta anônima enviada à Laudelina de Campos
Mello em 1961, ano da fundação da Associação da Empregadas Domésticas de Campinas.
A atividade 1 é um trabalho com fragmentos da Constituição de 1934 134, do Decreto-
Lei da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943 135 e de depoimentos da nossa protagonista.
Desejamos compreender a situação das trabalhadoras domésticas na década de 1930 e a
inserção de Laudelina na luta por melhores condições de vida para essas profissionais, e
verificar junto aos estudantes as conquistas e os limites das leis trabalhistas regulamentadas

132
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
133
Ofício da Câmara Municipal de Campinas parabenizando Laudelina de Campos Mello pela idealização e
realização do I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
134
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acessado em:
junho/2016
135
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acessado em: junho/2016.
59

por Getúlio Vargas.O seguinte relato de nossa protagonista é um dos materiais que constam
nessa atividade.

A situação da empregada doméstica era muito ruim, a maioria daquelas antigas


trabalharam vinte e três anos e morria na rua pedindo esmolas. Lá em Santos a gente
andou cuidando, tratou delas até a morte. Era um resíduo de escravidão, porque era
tudo descendente de escravos. (...) A Associação foi fundada dia 08 de julho de
1936...pra proteger as empregadas, em defesa do trabalhador doméstico, mas aí era
mais assistência (...) No dia 05 de Setembro ía haver um congresso de trabalhadores
na capital, que era Rio de Janeiro (...)O Getúlio já tinha instituído as leis Sindicais e
ía haver o primeiro congresso. (...)As empregadas domésticas foram destituídas das
Leis Trabalhistas, nós estávamos criando um movimento para ver se conseguia o
registro do sindicato (...) Consegui com o secretário do Ministro que ele me deixasse
falar com o Ministro. Fui falar com o Ministro, mas não adiantou nada porque não
havia possibilidade de enquadramento de classe, as empregadas foram destituídas
porque não traziam economia pro país. 136

Na segunda atividade a matéria "João Goulart recebeu líderes sindicais de


Campinas" 137 do jornal sindical O Trabalhador Têxtil e uma parte do depoimento de
Laudelina de Campos Mello à pesquisadora Elisabete Pinto entre 1989 e 1990, sobre o
governo de Jango e o golpe de 1964, são o mote para iniciarmos as discussões sobre a relação
estabelecida pelos diferentes governos com os movimentos de trabalhadores e as táticas
desenvolvidas por Laudelina de Campos Mello que a permitiram agir em favor dos interesses
das domésticas explorando as brechas dos sistemas de governo aparentemente herméticos. No
fragmento que segue, Nina relata a transformação da Associação que com o golpe de 1964,
para não parar de funcionar, tem que abandonar seu caráter reivindicatório e se limitar a ações
de caráter beneficente.

Associação (das Empregadas Domésticas) não foi cassada, mas também não
funcionou como entidade reivindicatória que era. (Nessa época de 64 a 68) foi
liberada pra funcionar como instituição beneficente. Nesse período não foi realizado
nenhum evento e nem reivindicamos nada...e aí foi votada uma lei para a Associação
passar a ser como utilidade pública...então foi quando eu comecei a funcionar
arranjando mantimentos, roupas, remédios (na Associação passou a ter) médico,
dentista e advogado 138

136
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
137
João Goulart recebeu líderes sindicais de Campinas. O Trabalhador Textil. Campinas, jul/1962. Apud.
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
138
Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp
60

A terceira atividade desta oficina volta-se para o caso específico da luta das
domésticas. Com recorte de jornal contendo matéria de título Ela é o Terror das Patroas139; a
matéria Domésticas de campinas travam luta por melhores condições de trabalho 140de 1961;
vídeo e transcrição de fragmentos do depoimento de Laudelina ao Museu da Imagem de do
Som de Campinas em 1989, visamos à compreensão, por parte dos estudantes, das
reivindicações desta categoria no início da década de 1960. Nesse exercício é também
imprescindível que sejam notados elementos característicos dos tempos de escravidão que
assolavam o trabalho doméstico durante todo o século XX. Laudelina relata que:

[...] a maioria daquelas antigas trabalhou 20, 30 anos, morreram na rua pedindo
esmola. Lá em Santos várias delas a gente teve... Cuidou delas, tratou delas e cuidou
até a morte porque elas não tinham condição. Não tinha família, não tinha ninguém
por elas. Ainda um resíduo de escravidão, né. Que é tudo descendente de escravo,
né. Aí foi quando surgiu a ideia e o apoio dos advogados e da comunidade de
Santos.(...) Porque a maioria dos patrões que eu converso com eles, os bons, os maus
e tudo, eles dizem o seguinte: "Dona Nina", ou "Nina", ou "Laudelina", eles dizem o
seguinte. "Hoje a lei tá amparando, mas a maioria não é profissional". Eu disse:
antigamente vocês tiveram profissional, tiveram empregada doméstica sem
profissão. E vocês aceitaram. Porque foi escrava de vocês. Não tinha profissão pra
vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão. Eu, por exemplo, com sete anos já
cozinhava, já tomava conta d´uma cozinha.(...) Então elas taxavam. Como ela está
taxando na carta que ela me mandou...não sei se é mulher ou homem, que a
empregada é malcriada, é...vagabunda, e...não cuida direito das coisas, que quebra
tudo. Tira uma criatura da enxada e põe num palácio, gente. Tenha dó. E eles
faziam, por quê? Porque elas vinham de graça. Trabalhavam de graça. Porque que
eles íam buscar lá? Porque que eles não se juntaram com a gente logo na fundação
pra formar profissionais? Pra amparar a empregada? Porque ajudava as duas partes.
Não só a empregada. Sim ao patrão. A patroa diz: " A empregada não serve pra
atender um telefone, não sabe receber um recado, não sabe nada, sabe nada, é sem
educação e tal". Ela veio do nada! A mesma coisa foi o escravo. O escravo foi solto
num campo aberto sem condição... 141

Ainda nesta atividade, apresentamos uma carta anônima 142 enviada à Laudelina em
ataque a sua militância junto às domésticas e propomos que os estudantes elaborem uma
resposta a ela elencando argumentos em defesa da luta da categoria a partir das informações
obtidas nas fontes anteriormente analisadas. Por fim, na tentativa de compreender as
conquistas e os problemas ainda hoje enfrentados por essas trabalhadoras em nosso país,
nosso material traz trechos de uma matéria do ano de 2015 intitulada "PEC das

139
Jornal da Cidade, 03/07/1967. Apud.Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud.
PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de
Educação, 1993. 493 pp
140
Jornal Novos Rumos. Campinas, 15 a 21 de dezembro/1961. Disponível em http://bndigital.bn.br/hemeroteca-
digital/. Acessado em junho/2016.
141
Transcrição do de fragmentos do depoimento de Laudelina ao MIS - Campinas, no ano de 1989
142
Carta anônima destinada à Laudelina de Campos Mello. Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello
61

Domésticas" 143 que tem como principal finalidade informar os estudantes sobre as últimas
resoluções a respeito dos direitos adquiridos por essa categoria e prepará-los para a realização
de entrevistas com pessoas que desempenhem essa função nos dias atuais. Para auxiliar na
realização dessas entrevistas disponibilizamos um roteiro e sugerimos que os resultados sejam
discutidos em sala-de-aula.
A questão de gênero emerge mais especificamente na quarta oficina, Lugar de
Mulher? Onde é?. Partindo das experiências de Laudelina fomentamos reflexões sobre o
caráter social, histórico, das identidades feminino/masculino. A pergunta que dá título à
oficina é, em parte, respondida pela atividade 1 Na Guerra, na qual contamos com
depoimentos em vídeo e transcritos, que fornecem aos estudantes informações sobre a atuação
de Laudelina de Campos Mello na defesa passiva auxiliar durante a II Guerra Mundial. O
vídeo fornece, inclusive, imagens do uniforme por ela utilizado nesta ocasião. Ao relatar suas
experiências, nossa protagonista nos propicia o debate sobre as identidades de gênero, como
por exemplo na seguinte passagem:
Em 41. Em 5 de setembro de 1941 eu já estava alistada e comecei a funcionar.
-O que a senhora fazia?
Tudo. Tudo que um soldado faz. Só não fomos pra frente, né. Tudo...Abrir
trincheira, fazia aqueles exercício de guerra para levar os velho pros coisa lá...pros
labirintos. Os ataques aéreos. Abria trincheira, carregava os soldados feridos. Eu
dava expediente no Forte de Itaipus, onde estava a maior força, né, que é na entrada
da Barra, daí eu fui escalada para..pra suprir os canhões. Então a cada bomba... tem
que ser....carregava..tinha que ter cinco mulheres para carregar. Cinco soldadas, né.
Então, carregava, aí eu colocava, porque os navios os....os tropedeiros vinham pra
atacar, né. 144

Na sua fala é possível notar a valorização das capacidades das mulheres de exercer
qualquer tipo de função que lhes fossem destinadas, inclusive as que demandassem força,
característica atribuída usualmente aos homens. Tratar da participação do Brasil na guerra a
partir do olhar de Laudelina traduz a nossa opção por reconhecer atuações e protagonismos de
mulheres na história do Brasil, afinal, em nosso território foi a atuação dessas agentes que
deu a tônica da conjuntura como relembra Laudelina:

Eu me alistei como voluntária .....na defesa passiva e auxiliar de guerra. Durante a


guerra eu fui servir, eu me alistei como voluntária...na defesa passiva e auxiliar de
guerra, que os soldados tinham ido pra Itália, então o grupo feminino que
acompanhava a vigilância da cidade. 145

143
Disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/06/pec-das-domesticas-leia-
perguntas- e-respostas-e-tire-suas-duvidas-sancionado.html. Acessado em junho/2016.
144
Depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som- Campinas, 1989.
145
Depoimento de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, 1991. (Laudelina de Campos Mello em
entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida
de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.
62

A atividade Na Política, também uma resposta à pergunta-título da oficina , propõe


um trabalho sobre a atuação das mulheres na política brasileira em meados do século XX e
nos dias atuais. Apresentamos fotografias de Laudelina de Campos Mello em eventos
políticos durante a década de 1960 e propomos uma análise em conjunto delas orientada por
uma ficha didática disponibilizada.

146 147

Representantes dos sindicatos de Campinas e Laudelina de Campos


Mello, representando a Associação das Empregadas Domésticas de Encontro de Laudelina com o ministro do trabalho, Jarbas
Campinas. Câmara dos Deputados, Brasília, 10 de agosto de 1965. Apud: Passarinho, Brasíiia (28 de maio de 1966). Reunião do ministro
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação : a com os sindicalistas, solicitando o cumprimento das Leis
trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Trabalhistas em vigor, e Dona Laudelina o enquadramento das
Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p.481. empregadas domésticas nas Leis Trabalhistas. Apud. PINTO,
Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória
de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo:
Anita Garibaldi, 2015, p. 482.

Nossa intenção é a de que os estudantes atentem para a assimetria da composição do


mundo político na década de 1960, o qual era hegemonicamente masculino (e
branco).Consideramos importante a reflexão sobre as conquistas tardias de direitos por parte
das trabalhadoras domésticas e a pouca representatividade da mulher (e da mulher negra) na
política brasileira. A fim de expandir essas discussões, apresentamos um gráfico informativo
da participação feminina na política brasileira no ano de 2014 148 e, fazendo-o dialogar com
conjunto de fotografias da década de 1960, almejamos que os estudantes verifiquem
semelhanças e diferenças nos cenários políticos de ontem e de hoje.

Na Luta é a terceira resposta à pergunta-título Lugar de Mulher? Onde é?. Nessa


atividade nos dedicamos à organização das domésticas. Um conjunto de fotografias registram
Laudelina de Campos Mello e outras as militantes em diversas ações entre as décadas de 1960
e 1980; depoimentos de nossa protagonista relembram suas histórias de militância nesse
contexto; e um gráfico informativo de 2009 traz estatísticas relacionadas ao uso do tempo nas
tarefas domésticas por sexo. Em todas essas fontes nos interessa a percepção da
predominância feminina no trabalho doméstico remunerado ou não.
146
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
147
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
148
Disponível em https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-edicao-do-livreto-
mais-mulheres-na-politica. Acessado em junho/2016.
63

Ao contrário do conjunto de fotografias trabalhadas na atividade anterior, a respeito do


mundo político, os registros fotográficos dos eventos específicos da Associação - e
posteriormente Sindicato - de Campinas demonstram, assim como os depoimentos, que o
serviço doméstico, suas dificuldades e sua luta recaíam, majoritariamente, sobre as mulheres,
daí a opção política de se referir à categoria no feminino. 149 Seguem exemplos:

Posse da diretoria da Associação da Empregadas 150 Laudelina de Campos Mello discursando no VI 151
Congresso das Trabalhadoras Domésticas, Campinas,
Domésticas de Campinas em 5 de julho de 1962. 1989.Apud PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e
Apud. PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello. São Paulo:Anita Garibaldi,
Educação: Trajetória de vida de Laudelina de 2015,p.485.
Campos Mello. São Paulo:Anita Garibaldi, 2015,

A seguir apresentamos pesquisas desenvolvidas pelo Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada que revelam que em 2009 o número médio de horas gastas por mulheres maiores de
16 anos em tarefas domésticas é mais que o dobro do tempo gasto por homens com o mesmo
recorte etário no Brasil 152. Propomos que (as)os estudantes façam um levantamento entre seus
colegas, meninos e meninas, sobre a execução de tarefas domésticas e discutam coletivamente
os resultados obtidos.
Como última etapa deste material apresentamos a Oficina 5, Narrando Vidas,
Contando Histórias,que consiste em uma indicação de atividade dedicada a produções de
narrativas mais autônomas pelos estudantes a respeito das histórias de Laudelina de Campos
Mello, com as quais tiveram contato nas oficinas anteriores. As(os) estudantes poderão
apresentar as histórias de nossa personagem principal imprimindo as marcas de seus estilos e
optando por linguagens com as quais mais se familiarizem. Pontuamos algumas orientações e
possibilidades para esse trabalho, como a divisão da turma em quatro grupos, que escolheriam

149
PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello.
São Paulo:Anita Garibaldi, 2015
150
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
151
Fotografia do acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
152
Disponível em :http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf. Acessado em junho/2016.
64

um dos temas das quatro oficinas trabalhadas anteriormente e, utilizando as informações


obtidas em suas respectivas fontes, transporiam o que foi apreendido a novos formatos, como
histórias em quadrinhos, curtas metragens, matérias jornalísticas, paródias musicais, dentre
outros.
Ao refletir sobre estratégias para o trabalho da história das relações étnico-raciais em
sala-de-aula, Verena Alberti 153 defende que, através de análises de registros históricos, os(as)
estudantes sejam motivados a entender as pessoas do passado: como pensavam e agiam e de
que modo seus pensamentos e ações faziam sentido em seu tempo. Laudelina de Campos
Mello é a pessoa que elegemos para nos guiar em nossa visita ao passado e nos apresentar
seus hábitos, costumes e formas de entender o mundo. Suas agências, analisadas como
insinuações frente às regras normativas, possibilitam reconhecer diversas nuances da história
do Brasil republicano. Para nós, suas histórias se iniciam antes de seu nascimento, quando
nossa sociedade já imprimia marcas no ventre - Livre? - de sua avó e fazia a "liberdade" de
sua mãe diferente de outras liberdades. Ao mesmo tempo seu falecimento não põe um ponto
final em sua biografia, pois enquanto as domésticas continuarem lutando e enquanto negros e
negras estiverem na luta por igualdade mais parágrafos de sua história continuarão sendo
escritos.
Desejamos que a experiência dos estudantes de 9º ano do Ensino Fundamental com o
nosso material, resulte no reconhecimento e na valorização das suas individualidades e na
compreensão de que cada história de vida, inclusive a de cada um deles, é produto de uma
equação entre as regras normativas de cada contexto histórico e as correspondentes reações e
apropriações que os indivíduos fazem delas. O Baú Biográfico não guarda exemplos de
conduta, mas a partir de Laudelina de Campos Mello materializamos nossas preocupações em
relação a princípios éticos já sinalizados desde a década de 1990, nos Parâmetros Curriculares
Nacionais 154. As propostas didáticas que compõem nosso material estão à serviço do respeito
e valorização das diferenças e da luta contra as desigualdades, únicas vias possíveis para a
prática da cidadania como um conceito dotado, verdadeiramente, de sentido e para a
construção de uma sociedade, efetivamente, democrática.

153
ALBERTI, Verena . Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História.
Hoje, v. 1, nº 1, p. 61-88 - 2012.
154
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. Disponível em http://portal.mec.gov.br/par/195-
secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12657-parametros-curriculares-nacionais-5o-a-8o
series. Acessado em abril de 2016.
66
65

CONCLUSÃO

O olhar de Laudelina sobre histórias que são dela, e também nossas, é acessado pelos
estudantes através das fontes que disponibilizamos no Baú Biográfico: O Brasil de Laudelina

de Campos Mello. Um baú aberto deixando expostos registros preciosos da uma vida:
fotografias, cartas, documentos oficiais e até gravações em vídeo! Os(as) estudantes,
orientados(as) pelo(a) professor(a), serão incumbidos(as) da tarefa de investigadores(as) e a
partir daqueles vestígios do passado vão procurar compreendê-lo. Essa é a proposta do
material didático que produzimos a partir das reflexões apresentadas.
A seleção aparece neste estudo como ato imprescindível a diversos processos. O
próprio currículo, segundo a perspectiva que corroboramos, é uma arena de disputa
envolvendo diversas forças assimétricas. Nele, ganham posição de destaque as ideias
consonantes com o poder hegemônico e, de acordo com o grau de ruptura com este, vão sendo
alocadas toda a variedade de vozes em disputa. A aula de história como narrativa tecida
pelo(a) docente que escala seu time de personagens e os organiza do close até o plano aberto,
revelando seus panos de fundo, molda com a força da sua subjetividade mesmo os
documentos escrito, mais duros e, aparentemente, inflexíveis, que regulam atividade docente.
Quando narra, o(a) professor(a) seleciona. Os registros orais de Laudelina de Campos Mello,
e também os de outros tipos, que dispôs a pesquisadores sobre sua vida compõem a
construção de uma narrativa autobiográfica que enquanto memória enuncia e silencia, ou seja,
seleciona. Nós também selecionamos. O Baú Biográfico é um compartimento que guarda o
que julgamos mais precioso. Quando nos lançamos sobre os registros de Laudelina de
Campos Mello, escolhemos e organizamos os que melhor atendem a nossos interesses
didáticos guiados por demandas do presente. E, por fim, não temos dúvidas de que o processo
de ensino-aprendizagem exige também dos discentes a seleção do que lhes é apresentado.
Diante disso, não entendemos a impossibilidade de dar conta de todos os aspectos da
vida de Laudelina e de todos os temas envolvidos na história do nosso país durante o tempo
em que viveu como um entrave ao nosso trabalho. Lançamos mão do uso de biografias no
ensino da história com o objetivo de, a partir de experiências concretas, superar
generalizações e, por isso, estamos cientes de que questões específicas nos movem nesse
desafio. A Primeira República, por exemplo, não foi a mesma para toda a população
brasileira; as mulheres negras não experienciaram o mercado de trabalho do pós-abolição do
mesmo modo que os homens negros; negras e negros não foram tratados pelo novo regime da
mesma forma que brancos e brancas; homens e mulheres têm histórias diferentes sobre a luta
por direitos trabalhistas em diversos contextos; camadas socialmente privilegiadas não
67

vivenciaram as mais diferentes conjunturas de uma mesma forma que aquelas destituídas de
direitos elementares para seus tempos.

Como um balaio que enlaça uma e muitas vidas, passados e presente, o Baú Biográfico
tem como meta buscar nas histórias de uma pessoa específica seus pontos de vista em relação
a histórias nossas explorando o rico movimento entre o particular e o geral. Os 87 anos de
histórias de Laudelina de Campos Mello possibilitam que determinados temas sejam
analisados em diferentes tempos e que em determinados recortes temporais, possamos
verificar a relação estabelecida com variados temas. Suas histórias são uma entrada para o
debate a respeito de similaridades e diferenças entre variados tempos e contextos e sobre o
próprio tempo e contexto em que professoras(es) e estudantes se encontram. A percepção de
que a sociedade é passível de mudanças desperta para as possibilidades de transformações via
agências no tempo presente. O Brasil de hoje ainda sofre os efeitos históricos das
desigualdades racial, socio-econômica e de gênero e nossas ações e relações cotidianas se
desenvolvem nos limites dessas assimetrias, porém nem sempre em nossa história ensinada
esses marcadores sociais são postos em questão. Apostamos no exercício de compreensão das
formas como essas relações se deram em outras circunstâncias, e como se apresentam hoje,
como um instrumento mobilizador de transformações. Perceber agências individuais como
promotoras de mudanças na sociedade ao longo do tempo, é fazer cada estudante despertar
para a responsabilidade que tem diante da sua e da nossa história.
68

REFERÊNCIAS

ABREU, Martha e MATTOS, Hebe. "Em torno das 'Diretrizes curriculares nacionais para a
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana': uma conversa com historiadores".Estudos Históricos. Rio de Janeiro, jan-jun/2008.

ALBERTI, Verena. "Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-brasileira".


In: PEREIRA, Amilcar Araújo e MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história e
culturas afro-brasileiras e indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.

. Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista


História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 61-88 - 2012

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Tradução: Paloma Vidal. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2010.

AURELL, Jaume. Textos autobiográficos como fontes historiográficas: relendo Fernand


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340-364, jan./jun. 2014 ISSN 1980-4369 341.

BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2003.

BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da


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BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO,


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BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos.


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BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a


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71

Acervos Consultados

Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press


CASA LAUDELINA de Campos Mello
Museu da Imagem e do Som de Campinas
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Outras referências
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abril/2016

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em:http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf. Acessado em junho/2016.
72

APÊNDICE - Baú Biográfico: O Brasil de Laudelina de Campos Mello

Nesta sessão apresentamos o material didático elaborado a partir das reflexões


expostas na dissertação. Como já dito, trata-se de uma intervenção de caráter didático-
pedagógica pensada para o 9º ano ensino fundamental, mas que possibilita que seus
materiais sejam utilizados através de outros enfoques por docentes e estudantes em
outras etapas da experiência escolar. No Baú Biográfico materializamos a aplicação
dos usos do biográfico no ensino de história visando a atender demandas do tempo
presente, especialmente sobre as relações étnico-racial e de gênero e, para isso,
utilizamos as histórias de vida de Laudelina de Campos Mello como vias para a
construção de conhecimentos históricos sobre o Brasil republicano.
73

Baú Biográfico
O Brasil de Laudelina de Campos
Mello

FERNANDA NASCIMENTO CRESPO


74

Baú Biográfico
O Brasil de Laudelina de Campos Mello

Material didático apresentado


como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre ao Programa de
Pós-Graduação em Ensino de
História, Curso de Mestrado
Profissional em Rede Nacional
PROFHISTORIA, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
Ensino de História.
Orientadora: Profª Drª Marcia
de Almeida Gonçalves

São Gonçalo
2016
75

Sumário

Introdução ...................................................................................... 3
Oficina 1 - Passado em Preto e Branco .......................................7
1. Marcas da escravidão no pós-abolição ........................................................ 8
2. Passado Presente: Quem tem direito de ter fé? ........................................ 10
3. Cristianismo e Culto a Orixás: (Re)construindo identidades .................... 13
Oficina 2 - Beleza, Cultura, Lazer e Arte:
A afirmação da identidade negra ........................................ 17
1. Beleza Negra ............................................................................................. 18
2. Cultura e Arte como Resistência ............................................................... 32
Oficina 3 - "A quem cabe a grita?" ..................................... 42
1. Quem é trabalhador? Avanços e limites da CLT ....................................... 43

2. A luta sindical: entre a legalidade e a clandestinidade .............................. 48

3. "O Terror das Patroas"............................................................................... 51

Oficina 4 - Lugar de Mulher? Onde é? .............................. 63


1. Na Guerra .................................................................................................. 64
2. Na Política ................................................................................................. 65
3. Na Luta ...................................................................................................... 74
4. Ser menina como Nina .............................................................................. 84
Oficina 5 - Narrando Vidas, Contando Histórias ......................87
Referências Bibliográficas ............................................................ 89
76

INTRODUÇÃO

O currículo de história tem sido um espaço de grandes tensionamentos em relação às


questões racial e de gênero e muitas iniciativas que visam a atender a essas demandas no
âmbito escolar têm encontrado, na prática, os obstáculos da essencialização e da folclorização
das diferenças, que a despeito de boas intenções ou não, não fazem mais do que reafirmar
estereótipos. Neste estudo, apostamos nos usos do biográfico, ou seja, na ideia de que
histórias de vida constituem um recurso potencialmente fecundo para a superação desses
entraves, e mais especificamente nas histórias de Laudelina de Campos Mello para a
construção de conhecimentos sobre o nosso país.
Não temos interesse em apresentar uma protagonista como um exemplo a ser seguido,
demonstrado a partir de uma trajetória heróica, coesa, homogênea, linear. 155 Nossa
protagonista deve ser analisada enquanto agente, que traz em suas histórias de vida as marcas
das relações sociais travadas em seu tempo e que, ao mesmo tempo, explora as brechas
inerentes aos sistemas normativos. Almejamos, desse modo, que sejam iluminadas as suas
ações frente às normatizações, seja em pleno acordo com elas ou experimentando-as em suas
próprias contradições. 156
O ano era 1988 quando as trabalhadoras domésticas foram finalmente reconhecidas
enquanto profissionais e puderam fundar sindicatos no Brasil. Dona Nina já completava mais
de meio século de luta junto a essa categoria e ainda permanecia como grande articuladora de
suas reivindicações no ensejo da feitura e promulgação da Constituição Cidadã. Laudelina de
Campos Mello fundou em 1936 a primeira Associação de Empregadas Domésticas do nosso
país, na cidade Santos-SP, onde residia àquela época e especialmente por essa militância que
perpassou tantas conjunturas políticas diferentes, seu nome é tido ainda hoje como
referência. 157
Nascida em 1904 na cidade de Poços de Caldas, em Mina Gerais, a vida da pequena
Nina, neta de escravizados, fora embalada pelas opressões de um projeto de país que não
contava com a sua presença. Desenvolvia-se a chamada Primeira República, inicialmente sob
o comando das espadas dos militares e posteriormente sob o cabresto da aristocracia rural
brasileira e com ela a elaboração de projetos nacionais que sustentavam o Brasil como uma
nação branca em seu cerne e os africanos e seus descendentes, recém-libertos, como
elementos estrangeiros a essa nação. Em diálogo com certas apropriações da eugenia,tais

155
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e Regimes de Historicidade. In: MÉTIS: história & cultura – v. 2,
n. 3, p. 57-72, jan./jun. 2003
156
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1984.
157
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da descolonização
e saberes Subalternos. Tese (doutorado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
77

projetos previam solucionar os problemas da sociedade brasileira eliminado as "raças


inferiores", ou seja, planejavam o embranquecimento para a regeneração de um Brasil que
consideravam "atrasado" na perspectiva positivista de progresso. Assim, a cidadania,
intrínseca a qualquer república de fato, não fora pensada para recém libertos e
afrodescendentes.
A situação da mulher negra no pós-abolição é ainda mais peculiar. No mercado de
trabalho do pós-abolição os negros eram preteridos aos imigrantes europeus e seus
descendentes, mesmo para a execução de atividades subalternas. Havia grande euforia entre
as patroas brasileiras em contratar domésticas de pela clara, por exemplo; porém a presença
da mulher negra nos serviços domésticos permanece predominante, visto que poucas eram as
imigrantes européias dispostas a enfrentar as humilhações, o salário ínfimo, as extensas
jornadas de trabalho impostas a estas trabalhadoras. 158
As dificuldades vividas pelas empregadas domésticas foram vivenciadas por nossa
protagonista desde cedo. Apesar de aos 16 ou 17 anos ter começado a exercer trabalho
doméstico remunerado, desde os 7 anos aproximadamente, a pequena Nina já desempenhava
funções em sua própria casa enquanto sua mãe trabalhava como lavadeira em um hotel. Com
12 anos já desempenhava a função de pajem esporadicamente além de cuidar dos próprios
irmãos. Chamada pelo ministro do trabalho Jarbas Passarinho no ano de 1967 de o "terror das
patroas", Laudelina teve sua vida marcada pela luta por melhores condições de trabalho para
as domésticas e pelos direitos da população negra em nosso país. 159
Sua atuação política fora marcada pelas relações com diversos militantes negros,
comunistas e sindicalistas e o contato e interlocução com as várias organizações políticas
distintas como a Frente Negra Brasileira, o Partido Comunista e o Teatro Experimental do
Negro fazem parte das suas histórias. Organizações recreativas e educativas voltadas para a
afirmação das(os) negras(os), como o concurso de beleza Pérola Negra, o Clube 13 de Maio e
a Escola de Bailados Santa Efigênia foram obras de sua criação e articulação. 160
Apenas aos 87 anos Vó Nina finaliza sua longa caminhada repleta de lutas e
negociações e, a esta altura, a República já colecionava projetos e feições. Nossa personagem,
por sua vez, colecionava histórias sobre racismo, afirmação e resistência; sobre negação e
conquista de cidadania; sobre a luta e a conquista de diretos trabalhistas; sobre a assimetria

158
NEPOMUCENO, Bebel. “Mulheres Negras - protagonismo ignorado” In: PINSKY, Carla Bassanezi e
PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres.São Paulo: Editora Contexto, 2012, pp.382-409.
159
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015.
160
Ibid.
78

referente às relações de gênero e as táticas desenvolvidas frente a isso. Até mesmo uma
participação no movimento de defesa passiva e auxiliar na II Guerra Mundial - e a
sobrevivência a um tiro - constam nessa lista! 161
A chave deste Baú Biográfico nos foi dada pela pesquisadora Elisabete Aparecida
Pinto, que em 1993 defendeu a dissertação Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de
Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991), vinculada à Faculdade de Educação da
Unicamp. Tal importância se deve ao fato de a maior parte da produção do seu estudo
etnográfico ter se dado sob o acompanhamento de nossa personagem principal em seus
últimos anos de vida e ao material riquíssimo que a autora tem a generosidade de tornar
disponível, como a transcrição de um extenso depoimento de Laudelina narrando suas
histórias de vida de modo cronológico; e a reprodução de fotografias, cartas pessoais e
documentos públicos relacionados a nossa protagonista - muitos deles descritos pela própria
Laudelina! As fontes originais encontramos principalmente sob os cuidados da CASA
LAUDELINA de Campos Mello Organização da Mulher Negra, do Sindicato das
Trabalhadoras Domésticas de Campinas e Região e também encontramos alguns documentos
no Museu da Imagem e do Som de Campinas.
Os depoimentos de dona Nina à Elisabete Pinto entre 1990 e 1991 e ao Museu da
Imagem e do Som de Campinas em 1989 têm enorme importância em nosso trabalho.
Recontar suas histórias pouco antes de falecer demonstra um desejo de registrá-las e estamos
cientes de que a seleção é um processo intrínseco a esse ato. Ficaram registradas nesses
depoimentos histórias sobretudo de sua atuação no espaço público e são a partir delas, e do
cruzamento com outros tipos de fontes, como fotografias, matérias de jornal e revistas, cartas,
ofícios dentre outras, que procuramos compreender suas histórias e as histórias de nosso país.
Os materiais selecionados foram organizados em quatro oficinas: Passado em Preto e
Branco e Beleza, Cultura, Lazer e Arte:A afirmação da identidade negra, tratam da
questão racial no pós-abolição. A primeira se atém às heranças da escravidão marcantes ainda
no século XX; a segunda, dedica-se a táticas e articulações no âmbito da cultura e do lazer
engendradas por Laudelina de Campos Mello e outras negras e negros frente à discriminação
racial . A oficina "A quem cabe a grita?" dispõe de materiais acerca da luta trabalhista de
modo mais abrangente em sua relação com determinados governos e, mais especificamente, à
das empregadas domésticas, com a qual nossa protagonista esteve intimamente envolvida. A
partir da quarta oficina, intitulada Lugar de Mulher? Onde é?, propomos que a questão de

161
PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015.
79

gênero permeie o processo de ensino-aprendizagem da história do Brasil. Partindo das


experiências de Nina visamos estimular as reflexões sobre o caráter social, histórico, das
identidades feminino/masculino. Por fim, em Narrando Vidas, Contando Histórias,
sugerimos que os estudantes, imprimindo as marcas de seus estilos, se lancem na aventura de
contar histórias de nossa personagem abordadas nas oficinas anteriores através de narrativas
variadas.
Um estudo sob a ótica de Laudelina consiste na inserção de nós docentes na disputa
pela fixação de novos sentidos à nossa história. Compreendemos que o pouco conhecimento
das lutas travadas por Laudelina de Campos Mello em nosso país é um exemplo nítido da
assimetria de poderes revelada nos currículos escolares. Suas histórias de vida nos auxiliam a
sustentar a ideia de que a história da população negra e das mulheres não é algo que se
desenrola à parte da história do Brasil. Os 87 anos de histórias de nossa protagonista, vividos
entre 1904 e 1991, nos possibilitam romper com esse confinamento quando propomos a
abordagem da personagem em suas experimentações em relação a questões centrais para a
história de nosso país, como a cidadania e sua negação à maior parte da população; as lutas
contra desigualdades racial e de gênero e por melhores condições de trabalho.
Propor Laudelina como a protagonista do nosso enredo; eleger uma mulher negra
doméstica, que não só foi espectadora, não teve sua vida meramente determinada pelos
contextos históricos, mas foi atuante em diversas lutas ao longo das várias experiências de
república no Brasil como personagem principal da nossa narrativa histórica didática é
disponibilizar aos estudantes novas chaves para a compreensão tanto da história do Brasil
quanto das suas próprias histórias de vida. Por isso, defendemos que esse tipo de abordagem
apresenta elementos muito férteis com relação à construção do conhecimento histórico escolar.
Desejamos, assim, dessacralizar a história, ou seja, através do uso de histórias de vida de uma
pessoa comum aproximar a história experimentada pelos estudantes da história narrada.
Tencionamos estimular a troca da sensação de vertigem que imobiliza frente às "grandes
estruturas", pela possibilidade de ação frente às coerções dos contextos em que se inserem.
80

Oficina 1
Passado em preto e branco

Apresentação

As experiências de infância de Laudelina de Campos Mello se desenrolaram junto aos


primeiros passos da liberdade do pós-abolição e também da recém nascida república no
Brasil. Porém o "novo cenário" não parecia ter escalado seus personagens de forma tão nova
assim e, mesmo já mais experientes, as nossas repúblicas mantiveram a sociedade brasileira
sobre estruturas legadas dos tempos coloniais. A vivência de nossa personagem nos
possibilita apreender continuidades ente o período escravista e o pós-1888, em especial no
que se refere à condição social guardada à população negra; mas também nos guia por
caminhos que iluminam as variadas ações de resistência produzidas por agentes da história
como ela.

Objetivos

• Estimular a percepção crítica acerca das rupturas e continuidades que marcam o pós-
abolição em relação à condição social da população afro-brasileira.
• Estimular a reflexão sobre o racismo que marca, estruturalmente, nossa sociedade.
• Debater as múltiplas formas de resistências travadas pelos(as) ex-escravizados(as) e
seus descendentes frente à desigualdade racial em nosso país.
81

Atividade 1
Marcas da escravidão no pós-abolição

Orientação para a atividade


A partir dos materiais disponibilizados o estudante deve preencher a ficha, apontando
elementos característicos dos tempos de escravidão que se mantiveram mesmo após a
abolição.

Materiais
- Trechos de depoimentos de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, entre 1990 e
1991.
- Ficha a ser preenchida

"Nasci em Poços de Caldas, sul de Minas, em 12 de outubro de 1904. Filha de pais


descendentes de escravos Marcos Aurélio de Campos e Sidônia...Minha infância foi de menina
pobre...A minha mãe foi dada. Minha avó deu minha mãe pra irmã da sinhá dela...Então esta
sinhá que minha mãe foi doada pra ela teve uma filha só e nasceu aleijada: era aleijada, era
surda, não andava, só vivia em uma cadeira de roda. Então a minha mãe foi dada pra esta sinhá
que era pra pajear a menina moça dos patrões, então minha mãe carregava ela pra dar banho,
dava comida na boca. Na hora que ela tinha acesso ela jogava prato vazio na minha mãe, minha
mãe não podia falar nada, tinha que ficar quieta e agradar. A minha mãe aprendeu a ler assim
acompanhando a sinhá moça na escola. Depois a minha mãe quando estava com 19, 20 anos
casou, casou com um dos empregados deles lá mesmo. A minha mãe casou aí foi cuidar da casa
dela, da família dela, mas tinha por obrigação dia sim dia não cuidar da sinhazinha, dar banho,
fazer doce...Aí um certo dia lá, que ela estava com nervos a minha mãe chegou lá e ela
começou a esbofetear a minha mãe na cara, aí minha mãe ficou revoltada...e disse:"eu não sou
escrava, eu não vou aguentar mais isso, eu vou embora". Aí a sinhá mandou buscar a minha
mãe, mandou um português que era capacho dela lá(...) Aí ele (o português) começou a
chicotear a minha mãe no caminho...A sinhá velha, mãe da sinhá moça criou aquele ódio da
minha mãe porque a minha mãe não ía cuidar da filhinha dela e começou a fazer pressão sobre
a minha mãe(...)O avô da sinhá moça tinha dado uma casa pra minha avó e minha avó passou
pra nós, pra minha mãe...Então ela (a sinhá) tirou a casa da minha mãe. (...)
A minha irmã estudou no colégio de freiras, onde minha mãe estudou com a filha da sinhá,
minha irmã estudou nesse colégio, mas foi uma barra pois (o colégio) não aceitava negros. Ela
conseguiu por intermédio do compadre que ela tinha. Todos nós fomos batizados, o que não foi
batizado foi crismado por branco. Naquela época era tudo compadre branco. Então ela tinha um
compadre que era dono de um grande hotel, Hotel Lealdade - Reinaldo Amarante. Era aquela
velho costume da gente estar tomando benção do branco, de estar subordinado ao branco. Este
doutro Reinaldo era fundador deste colégio, então (foi) ele que conseguiu..."

(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
82

Marcas da escravidão no pós-abolição


83

Atividade 2
Passado Presente: Quem tem direito de ter fé?

Orientação para a atividade


A partir dos materiais disponibilizados o estudante deve preencher a ficha.

Materiais
- Fragmento da obra Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello, de Elisabete Aparecida Pinto.
- Matéria de jornal Menina é apedrejada na saída de culto de candomblé no Rio, de 2015,
publicada por Uol Notícias.
- Ficha a ser preenchida

"Os espaços de lutas coletivas, nos quais ela participou (partidos políticos, sindicatos e outros)
nas décadas de 1920 a 1970, também não lhe proporcionaram a oportunidade de contemplar
os símbolos culturais étnicos, ligados ao lazer ou à religião de origem africana, pois qualquer
discurso seu que colocasse em evidência os símbolos afro-brasileiros nesses espaços
deslegitimaria e desautorizaria a sua ação política. Entretanto em um dos seus últimos
depoimentos, revelou ser adepta do candomblé ou da umbanda, conforme segue abaixo
transcrito: se eu não fosse filha de bons santos, se eu não fosse de uma corrente forte, se meus
santos não me protegessem, meus orixás, eu iria presa como comunista....dona
Laudelina...agia politicamente omitindo todo tempo a sua ligação com a religiosidade africana
e se declarando publicamente católica. A iniciação de Dona Laudelina no candomblé ou
umbanda pode ter se dado nos anos de 1927 a 1934, período em que residiu em São
Paulo....Contudo, a identidade religiosa ficou na obscuridade e quase toda a sua vida."

PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello. São
Paulo:Anita Garibaldi, 2015, pp. 505 e 506.
84

MENINA É APEDREJADA NA SAÍDA DE CULTO DE CANDOMBLÉ


NO RIO

Uma menina de 11 anos foi ferida por uma pedra na cabeça ao deixar
um culto de candomblé na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Segundo
testemunhas, a menina foi atacada por evangélicos e foi vítima de intolerância
religiosa. Com a pedrada, a jovem chegou a desmaiar e perder
momentaneamente a memória

A ocorrência foi registrada na 38ª Delegacia de Polícia (Brás de Pina,


na zona norte) como lesão corporal e prática de discriminação religiosa.
Policiais buscam câmeras da região que tenham flagrado o crime.

Os autores da pedrada, que seriam dois homens, conseguiram fugir.


Pouco antes da agressão, eles teriam xingado e provocado os adeptos do
candomblé que estavam com a menina.

Uol Notícias, 16/06/2015. Disponível em:/http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-


estado/2015/06/16/menina-e-apedrejada-na-saida-de-culto-de-candomble-no-rio.htm. Acesso
em: junho/2016
85

Religiões de
matriz
africana
citadas

Relação da
sociedade
brasileira
com
referências
culturais
africanas ao
longo do
século XX

Tática de
Laudelina de
Campos
Mello frente à
discriminação
religiosa

Relação entre
o caso de
Laudelina e o
da menina de
11 anos
assunto da
matéria do
ano de 2015
86

Atividade 3
Cristianismo e Culto a Orixás: (Re)construindo identidades

Orientação para a atividade

a) A partir da observação das fotografias preencha a ficha 1.

b) Relacione as situações apresentadas nas fotografias com as informações disponibilizadas


pelo texto e registre na ficha 2.

Materiais

- Fotografias de missa da Pastoral do Negro em Campinas no ano de 1988.

- Fragmento do artigo "Religião e identidade cultural negra: católicos, afrobrasileiros e


neopentecostais", de Vagner Silva.

- Ficha a ser preenchida


87

Outubro de 1988. Missa organizada pela Pastoral do Negro de Campinas.


Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello

Outubro de 1988. Laudelina em missa organizada pela Pastoral do Negro de


Campinas. Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello
88

"...A realização em 1980 do primeiro Seminário de Teologia Negra e o Centenário da


Abolição em 1988 impulsionaram o surgimento de diversas associações católicas voltadas
ao negro sendo a mais importante a Pastoral Afrobrasileira com o apoio da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Um grupo de padres negros desde então tem
investido num diálogo intenso com a tradição religiosa afrobrasileira. No diálogo entre
catolicismo e candomblé, a pastoral afrobrasileira procura trazer elementos religiosos
africanos para o interior da liturgia católica (...) A reinterpretação da imagem de Nossa
Senhora da Aparecida, a padroeira negra do Brasil, vista como “Senhora Quilombola” é
um bom exemplo. A imagem desta santa é uma estátua de Nossa Senhora da Conceição
que teria sido achada num rio com a cabeça separada do corpo, primeiro acharam o corpo e
depois a cabeça. As partes foram coladas e um rosário foi colocado em torno do pescoço
para disfarçar a emenda, aproximando-a da imagem de Nossa Senhora do Rosário, devoção
das populações negras. Temos aqui duas representações: Conceição, padroeira do império
português e Rosário, padroeira do povo oprimido, como a população negra. Como se a
cabeça da santa fosse o Estado e seu corpo, o Povo. Desde então, e pelo fato de a cor da
estátua ter “empretecido”, resultado da ação da água do rio, a imagem tem sido vista por
uma parte da população como a padroeira negra do Brasil (...) Na liturgia “inculturada” da
“missa afro” vemos também que as tradições afros e católicas dialogam. Na comunhão,
além do pão e vinho que representam o corpo e sangue de Cristo, os alimentos
tradicionalmente oferecidos aos orixás são colocados ao pé do altar, há atabaques e dança
dos fieis, e até a presença de sacerdotes das religiões afrobrasileiras..."

SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e identidade cultural negra: católicos, afrobrasileiros e
neopentecostais. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011
89

Ficha 1

Ano em que foram


produzidas

Ambiente retratado

O que mais chama


sua atenção

Ficha 2
90

OFICINA 2

Beleza, Cultura, Lazer e Arte:

A afirmação da identidade negra

Apresentação

Como táticas de articulação desenvolvidas frente às discriminações raciais a que foram


submetidos, os afro-descentes fundaram uma série de associações, clubes e grêmios
recreativos no pós-abolição e ao longo de todo o século XX. Laudelina de Campos Mello
além de ter participado ativamente de diversas organizações negras, fundou no ano de 1920,
em sua cidade natal Poços de Caldas -MG, o Clube 13 de Maio; em Campinas, no ano de
1955 a Escola de Bailados Santa Efigênia e organizou, principalmente ao longo das décadas
de 1950 e 1960, diversos concursos de beleza como o "Pérola Negra"; bailes, como o
"Menina Moça", para as debutantes negras; e eventos culturais como I Salão de Artes
Amigos de Campinas, no qual artistas negros expuseram suas obras.

Objetivos

- Reconhecer as diversas formas de organização, luta e resistência travadas pela população


negra durante o século XX no Brasil.

- Promover o debate acerca do caráter histórico da "beleza".

- Propiciar reflexões sobre o racismo passado e presente na sociedade brasileira.

- Estimular reflexões e posicionamentos de combate às desigualdades raciais.


91

Atividade 1
Beleza Negra

Orientação para a atividade


a) Consultar o depoimento e a matéria de jornal sobre o concurso Pérola Negra e preencher a
ficha 1.
b) Consultar o depoimento e o panfleto de divulgação do Baile de Debutantes Menina Moça e
preencher a ficha 2.
c) A partir da matéria de jornal sobre o concurso/baile Pérola Negra, fotos dos concursos e
bailes das décadas de 1950 e 1960 e matéria e fotos sobre o concurso Deusa de Ébano,
organizado pelo bloco afro Ilê Aiyê, em Salvador na Bahia que acontece até os dias atuais,
preencher a ficha 3, comparando-os.

Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Matéria da Revista O Cruzeiro sobre o baile do concurso Pérola Negra.
- Panfleto de divulgação do baile de debutantes Menina Moça.
- Fotografias de concursos e bailes da beleza negra dos anos 1950 e 1960.
- Matéria de divulgação oficial do concurso Deusa de Ébano, do bloco afro Ilê Ayiê.
- Fichas a serem preenchidas

"Começamos a conversar preparando os programas das seguintes festas quando Jair


Clemente, olhando para o amanhecer do dia e disse:
- Nós não podíamos fazer um festival homenageando a raça negra? Que tal Pérola Negra? A
senhora ficaria na coordenação das candidatas selecionadas.
Então ficou, convidamos as candidatas, houve seleção, logo em seguida do lançamento
do concurso nós fizemos coquetel para apresentação no Armorial, restaurante chique que
negro nunca tinha entrado (...) O concurso foi instituído por votos, elas vendream os votos,
esses depositados numa urna do Diário do Povo, todo final de semana a comissão fazia a
contagem e era publicado pela imprensa. O Diário do Povo patrocinou uma parte do
concurso.
Houve classificação final, das dez entre essas, cinco finalistas: Marcilia Gama, Cicera
de Oliveira, Maria de Fátima de Andrade, Odete Amaral, e Lucilia Duarte. Ganhou a
Marcilia Gama. No mesmo mês realizamos o baile Menina Moça."

(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
92

Revista "O Cruzeiro", 18/05/1957, ano XXIX, nº 31. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
93

Revista "O Cruzeiro", 18/05/1957, ano XXIX, nº 31. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
94

Revista "O Cruzeiro", 18/05/1957, ano XXIX, nº 31. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
95
Nos Salões do Teatro Municipal de Campinas eleita a
PÉROLA NEGRA
"Pela primeira vez no Brasil a sociedade negra de uma cidade realizou um baile de gala a
escolher a sua rainha no suntuoso Teatro Municipal congraçando-se numa festa que alcançou o mais
amplo sucesso. Foi em Campinas (no Estado de São Paulo) que o jornal "Diário do Povo" resolveu
concretizar um dos velhos sonhos da numerosa família negra, organizando e levando a efeito o concurso
que escolheria a Pérola Negra de Campinas. A vencedora seria a jovem de cor que reunisse maiores
predicados em elegância, graça, beleza, cultura e simpatia, e seria apontada num baile cuja renda
reverteria em benefício do Posto de Puericultura Beatriz Helena e Corporação Musical dos Homens de
Cor. (...) Escolheu-se então um júri, que durante um coquetel no "Lo Schiavo" (um dos lugares mais
finos da cidade), levando em conta a formação moral e o grau intelectual deveria selecionar nove entres
as vinte concorrentes. Apontadas as nove semifinalistas, procedeu-se à eleição pública que apontaria as
cinco finalistas." Durante três meses enorme movimento marcou o concurso e o baile final era esperado
com grande expectativa. (...) À medida que os resultados iam aparecendo, delineando as posições,
verdadeiras torcidas das candidatas procuravam angariar votos para as suas preferidas. Quando ia se
aproximando a data do baile, foram confeccionados convites que se esgotaram em tempo quase recorde,
prevendo grande afluência de púbico para a grande noite. Foi aí que surgiu o problema. Onde realizar o
baile? A sociedade negra de Campinas não possui salão de festas e, dada a grande procura de ingressos,
somente um local bastante amplo serviria. O Tênis Clube não poderia ceder o seu local porque já havia
marcado o baile da “Glamour Girl”. A única solução seria o velho e austero Teatro Municipal. Mas esse
teatro já possuía uma tradição bastante antiga. Ali havia somente um baile por ano. Era a apresentação
das debutantes da Sociedade Hípica, nada mais nada menos do que a fina flor da sociedade da terra.
A sociedade apelou para o prefeito e este cedeu, excepcionalmente, o Teatro. A sociedade rejubilou-
se com a concessão: faria o seu baile e fecharia a época social do vetusto casarão da terra de Carlos
Gomes. O concurso tomou novo impulso e pessoas de São Paulo, Rio, Americana, São Carlos, Franca e
representantes da sociedade de cor de todas as cidades vizinhas reservaram seus ingressos, prepararam
os vestidos e “smokings” para a grande noite. (...) E aqueles lustres, que há cinquenta anos iluminam o
que há de mais fino na sociedade campineira, não foram decepcionados. Iluminaram também desta vez
“smokings” do mais puro corte inglês, modelos de Dior, Fath e Givenchy e “visons” legítimos. (...)
Após longos debates, o júri chegou a uma definição. Apontou a Srta. Marcília Gama a “Peróla
Negra de Campinas”. A faixa simbólica e a clássica valsa ficaram a cargo do vice-governador. O sucesso
da festa animou os seus organizadores, que irão agora construir a sede da sociedade negra e inaugurá-la
com o baile das Debutantes, semelhantes ao que se realiza anualmente no Hotel dos Presidentes dos
Estados Unidos, e único no gênero na América do Sul."
96

Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello

"Quem foi ao Baile de


Gala Pérola Negra sabe
como será 'O Baile das
Debutantes Negras'.
As revistas "O Cruzeiro" e
"Manchete" farão a
cobertura de mais este
grande acontecimento..."

(Transcrição de parte do
anúncio do Primeiro Baile das
Debutantes Negras, 1957)
97

Laudelina de
Campos Mello no
Baile Pérola Negra,
Campinas, 1957.
Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello

Laudelina de
Campos Mello em
coquetel oferecido
às
candidatas do
concurso Pérola
Negra, Campinas,
1957.
98

Laudelina de
Campos Mello
com a atriz Ruth
de Souza no baie
de debutantes
negras Menina
Moça, Campinas,
1957. Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello de
Campos Mello.

Laudelina de
Campos Mello
com as
participantes
do
concurso e
baile do
Fidalgo Clube,
fins de 1950 ou
início de 1960.
Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello.
99

Laudelina de
Campos Mello
com o cantor Jair
Rodrigues e a
vencedora do
Concurso Miss
Simpatia, fins de
1950 ou início de
1960. Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello.

Registro de
baile/concurso,
fins de 1950 ou
início de 1960.
Acervo CASA
LAUDELINA de
Campos Mello.
100

Registro de
baile/concurs
o, fins de
1950 ou
início de
1960.
Disponível em
http://umbailepar
amatarassaudade
s.blogspot.com.b
r/. Acessado em
junho/2016.

Registro de
baile/concurso,
fins de 1950 ou
início de 1960.
Disponível em
http://umbaileparam
atarassaudades.blog
spot.com.br/.
Acessado em
junho/2016.
101

A NOITE DA BELEZA NEGRA

"A Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê é hoje o maior concurso de beleza e exaltação
da mulher negra no Brasil. Nele, o Ilê Aiyê elege a Deusa do Ébano (Rainha do Ilê), que tem
a missão de levar ao público todo encanto e consciência que a mulher negra necessita para
elevar sua auto-estima e censo crítico.
O concurso acontece desde 1975 e nasceu a partir da constatação de que não
havia nenhum registro de que uma mulher negra tivesse ousado concorrer em uma competição
de beleza. Apesar de a população brasileira ser majoritariamente mestiça, o biotipo de
mulheres que o Brasil exportava a partir dos seus concursos de beleza não correspondia
à realidade étnica nacional.
Com o surgimento do Ilê Aiyê, sobretudo após a criação da Noite da Beleza
Negra, veio à tona a discussão acerca “de ser negro”, da negritude e do padrão de
beleza diferente, mas longe de ser inferior.
A estética do concurso é regida pelos trançados dos cabelos, estamparias do
tecido, pela graça da dança, mas, sobretudo, pela consciência da candidata no que diz respeito
a sua negritude, sendo ela atuante na comunidade nesse sentido..."

(Disponível em http://www.ileaiyeoficial.com/noite-da-beleza-negra. Acessado em abril/2016)


102

Ficha 1

ANO

TIPO DE
EVENTO

OBJETIVO

AVANÇOS
PROMOVIDOS
NOS HÁBITOS
E COSTUMES
103

Ficha 2

ANO

TIPO DE
EVENTO

OBJETIVOS

AVANÇOS
PROMOVIDOS
NOS HÁBITOS
E COSTUMES
104

Ficha 3

--------------------- PÉROLA NEGRA DEUSA DE ÉBANO

-------------------- (e outros dos anos 1950 e (de 1975 até os dias


1960) atuais)

Vestimentas

Penteados

Critérios de
Avaliação dos
jurados

SEMELHANÇAS DIFERENÇAS
105

Atividade 2

Cultura e Arte como Resistência

Orientação para a atividade

a) A partir da leitura do Ofício da Câmara Municipal de Campinas e do depoimento de


Laudelina de Campos Mello, preencha a ficha 1 com elementos que evidenciem a
desigualdade racial que marcava o Brasil na metade do século XX.

b) Consultando as fontes disponíveis, preencha a tabela comparativa entre as duas iniciativas


culturais: Escola de Bailados Santa Efigênia e I Salão Campineiro dos Amigos das Belas
Artes.

Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.

- Ofício da Câmara Municipal de Campinas sobre I Salão Campineiros dos Amigos das
Belas Artes

- Fotografias sobre Escola de Bailados Santa Efigênia e I Salão Campineiros dos Amigos das
Belas Artes

- Recorte de Jornal sobre I Salão Campineiros dos Amigos das Belas Artes

- Fichas a serem preenchidas


106

Escola de Bailados Santa Efigênia


"O nome dela era professora Leo Tigre. Eu a conheci por intermédio de alunas das famílias
conhecidas da gente...me levaram pra conhecer a professora. Fui um dia assistir à aula,
conversando com ela eu disse que tinha vontade de que Campinas tivesse (escola) para meninas
negras, que a gente não conseguia aqui nas escolas do branco (...) Havia o curso de bailados
clássicos, curso de sapateado e o curso de danças modernas, danças populares. Nós tivemos um
grande número de alunos brancos, alunos e alunas, porque havia aula de dança moderna, tinha pra
cavalheiros, rapazes, pra moças, bailados pra crianças e moças. Nós fundamos o teatro pra
também, dentro do bailado clássico funcionar a parte teatral então nós apresentávamos peças
teatrais de benefício."
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado.
Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)

Apresentação de alunos egressos da Escola de Bailados Santa Efigênia, na comemoração de


1 ano da Associação de Empregadas Domésticas de Campinas, 1962.
Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello
107

Apresentação de alunos egressos da Escola de Bailados Santa Efigênia, na


comemoração de 1 ano da Associação de Empregadas Domésticas de Campinas,
1962. Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello.
108

Apresentação de alunos egressos


da Escola de Bailados Santa
Efigênia, na comemoração de 1
ano da Associação de
Empregadas Domésticas de
Campinas, 1962.

Apresentação de alunos egressos


da Escola de Bailados Santa
Efigênia, na comemoração de 1
ano da Associação de
Empregadas Domésticas de
Campinas, 1962.
Acervo CASA LAUDELINA
de Campos Mello.
109

I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes

"Foi quando eu dei a sugestão pra fazer a exposição. Aí um dia conversando com
Bráulio naquela época a gente tinha o teatro, então o Bráulio dizia pra mim: arranja alguma
coisa pra gente ocupar o teatro, ocupar o espaço (riu)....
- Você sabe, Bráulio, faz tempo que estou com isso na cabeça então eu estou pensando
agora, eu vou falar pra você o que estou pensando, eu estou pensando em fazer uma exposição
de valores negros. (...)
Eu comecei a falar que a gente poderia apresentar pintores, trabalhos manuais,
trabalhos artísticos, cerâmicas, música, tudo, né... (...)
Nós começamos a convidar (às pressas) fomos na casa de seu Luizinho, ele já tinha
quadros prontos, ele pintou mais...naquela época a gente estava fazendo o movimento do
elemento negro, era o dia da abolição. Nós estávamos fazendo o movimento do aniversário da
abolição. Aí convidamos o Raimundo, e começamos a convidar o pessoal. Depois veio de fora
também, de Piracicaba, veio Jundiaí, que também expuseram. Daí nós sentamos pra compor a
exposição. (...)
Então o Mario fez. Aqui essa parte era só ele (mostra a foto). O auto-retrato foi uma
coisa comentadíssima, né. O auto-retrato dele, pintado dele. (...) Isso foi muito importante pra
vida do Mario. Eu consegui levar ele pra morar com a gente. Ele foi.Aí ele já estava
lecionando (na Escola de Belas Artes de Campinas), já não estava mais pintando parede, já
saía de manhã, a gente cuidava da roupa dele e tudo pra ele ir arrumadinho lecionar, porque os
alunos eram todos brancos, não tinha um negro pra contar história."

(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
110

Laudelina de Campos Mello e o artista plástico Mário de Oliveira expondo suas obras
no I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes, 1960. Ao centro a artista Colete
Pujol, à direita a poetisa Maria Genny Batista e sua filha Lidia Maria e à esquerda
Joel da Siva.
Acervo CASA LAUDELINA

O artista plástico Mário de Oliveira apresentando suas obras no I Salão


Campineiro dos Amigos das Belas Artes, 1960.
Acervo CASA LAUDELINA
de Campos Mello.
111

Ofício da Câmara Municipal de Campinas parabenizando Laudelina de Campos Mello pela idealização e
realização do I Salão Campineiro dos Amigos das Belas Artes. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado.
Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
112

"Queremos hoje trazer para o


leitores do 'Jornal de
Campinas' a grata notícia de
que o sr. Mario de Oliveira
acaba de conquistar novos
lauréis, tendo sido premiado
com medalha de bronze na
recente Exposição promovida
pela Associação Paulista de
Belas Artes, em São Paulo,
com seu auto-retrato(...)
É nos grato salientar a
presença entre nós, de um
artista como o Sr. Mario de
Oliveira, capaz de interpretar
com absoluta honestidade as
responsabilidades de sua
carreira. Acresce que Sr.
Mario de Oliveira pertence a
um grupo de esforçados
cultores do Belo, tendo se
filiado a uma plêiade de
elementos de cor de Campinas,
que se preocupam com o
Matéria do Jornal de Campinas sobre o sucesso do artista plástico Mario aprimoramento intelectual e

Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello


artístico de sua comunidade..."
(1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
(Transcrição de fragmentos da
matéria Honra ao Mérito, do
Jornal de Campinas, 1960.)
113

Ficha 1 - DESIGUALDADE RACIAL EM FOCO (1950-1960)

Ofício da Câmara Depoimentos de


Municipal Laudelina de Campos Mello
114

Ficha 2
------------------
------------------ ESCOLA DE BAILADOS I SALÃO CAMPINEIRO DOS
------------------ SANTA EFIGÊNIA AMIGOS DAS BELAS ARTES
-----------------
Ano(s)

Público alvo

Objetivo(s)

Elementos
culturais
valorizados

Avanços
promovidos

nos
hábitos e
costumes
115

Oficina 3
"A quem cabe a grita?"

Apresentação

Desde a década de 1930 até os últimos dias de sua vida Laudelina de Campos Mello
esteve envolvida na luta trabalhista junto às domésticas e foi, principalmente esta atuação que
fez seu nome ficar conhecido nacionalmente. A iniciativa de fundar uma Associação de
Empregadas Domésticas em 1936, na cidade de Santos-SP, onde residia, foi pioneira. Em
1961, fundou a Associação de Campinas-SP e sua luta inspirou a organização das
trabalhadoras domésticas em várias cidades brasileiras em prol da conquista de direitos já
assegurados a outras categorias profissionais.

Objetivos
• Estimular o debate sobre a importância da organização dos trabalhadores para a conquista
e manutenção de direitos.
• Refletir criticamente sobre as conquistas e limitações da CLT na Era Vargas.
• Refletir sobre as diferenças entre sindicatos e associações beneficentes e as relações dos
diferentes governos com estas organizações.
• Identificar problemas enfrentados pelas organizações de trabalhadores no contexto do
golpe de 1964
• Identificar problemas enfrentados pelas trabalhadoras domésticas nos dias de hoje.
116

Atividade 1
Quem é trabalhador?
Avanços e limites da CLT

Orientação para a atividade


a) A partir da leitura do depoimento de Laudelina de Campos Mello preencha a ficha 1.
b) A partir da leitura dos trechos da Constituição de 1934 e do Decreto-Lei nº 5.452 de 1943,
preencha a ficha 2.

Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Fragmento da Constituição de 1934
- Fragmento do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT)
- Fichas a serem preenchidas

"A situação da empregada doméstica era muito ruim, a maioria daquelas antigas trabalharam
vinte e três anos e morria na rua pedindo esmolas. Lá em Santos a gente andou cuidando,
tratou delas até a morte. Era um resíduo de escravidão, porque era tudo descendente de
escravos. (...) A Associação foi fundada dia 08 de julho de 1936...pra proteger as empregadas,
em defesa do trabalhador doméstico, mas aí era mais assistência (...) No dia 05 de Setembro
ía haver um congresso de trabalhadores na capital, que era Rio de Janeiro (...)O Getúlio já
tinha instituído as leis Sindicais e ía haver o primeiro congresso. (...)As empregadas
domésticas foram destituídas das Leis Trabalhistas, nós estávamos criando um movimento
para ver se conseguia o registro do sindicato (...) Consegui com o secretário do Ministro que
ele me deixasse falar com o Ministro. Fui falar com o Ministro, mas não adiantou nada porque
não havia possibilidade de enquadramento de classe, as empregadas foram destituídas porque
não traziam economia pro país.
E até hoje eles dizem que empregadas domésticas não trazem economias para o país...."
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
117

CONSTITUIÇÃO DE 1934
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
(...)

Art 121. A lei promoverá o amparo da producção e estabelecerá as condições do trabalho, na


cidade e nos campos, tendo em vista a protecção social do trabalhador e os interesses
economicos do paiz.

§ 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que collimem
melhorar as condições do trabalhador:

a) prohibição de differença de salario para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil;

b) salario minimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, ás necessidades


normaes do trabalhador;

c) trabalho diario não excedente de oito horas, reduziveis, mas só prorrogaveis nos casos
previstos em lei;

d) prohibição de trabalho a menores de 14 annos; de trabalho nocturno a menores de 16 e em


industrias insalubres, a menores de 18 annos e a mulheres;

e) repouso hebdomadario, de preferencia aos domingos;

f) férias annuaes remuneradas;

g) indemnização ao trabalhador dispensado sem justa causa;

h) assistencia medica e sanitaria ao trabalhador e á gestante, assegurado a esta descanso antes


e depois do parto, sem prejuizo do salario e do emprego, e instituição de previdencia,
mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da
invalidez, da maternidade e nos casos de accidentes de trabalho ou de morte;

i) regulamentação do exercicio de todas as profissões;

j) reconhecimento das convenções collectivas de trabalho. (...)

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acessado em:


junho/2016
118

DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943


CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
(...)

Art. 1º Esta Consolidação estatue as normas que regulam as relações individuais e coletivas
de trabalho, nela previstas.
Art. 2º Considera-se empregador, a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
(...)
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de
trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Art. 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à
disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial
expressamente consignada.
Art. 5º. A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o
executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso,
expressamente determinado em contrário, não se aplicam :

aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam


a) serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família no âmbito residencial
destas;

aos trabalhadores rurais, assim considerados e aqueles que, exercendo funções


b) diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades
que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas
operações, se classifiquem como industriais ou comerciais...

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acessado em: junho/2016.


119

Ficha 1

Situação das
trabalhadoras
domésticas na
década de 1930

Tática de
Laudelina para
contornar e
superar os
problemas
vivenciados pelas
domésticas
120

Ficha 2
Conquistas dos Trabalhadores Trabalhadores Excluídos das Conquistas
121

Atividade 2

A luta sindical: entre a legalidade e a clandestinidade

Orientação para a atividade


A partir da leitura dos materiais preencha a ficha.

Materiais
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Matéria do jornal sindical O Trabalhador Têxtil: "João Goulart recebeu líderes sindicais de
Campinas"
- Ficha a ser preenchida

Nós ficamos funcionando junto com os treze sindicatos e na mesma sede até 64, quando veio o golpe
dos militares, daí a associação propriamente dito não foi fechada, porque quando fecharam os
sindicatos, eu não estava mais lá, um dos presidentes, mais um dos vereadores da Câmara tirou a gente
de lá e nos levou pra uma sede onde funcionava a UDN. Quando veio a revolução começaram a cassar
todo mundo, no dia que prenderam o Pedrinho do sindicato todo mundo foi pra porta da delegacia lá
na Andrade Neves pra esperar a chegada do Pedrinho, porque o rádio anunciou no nome do Pedrinho.
Como o Pedrinho era presidente do Sindicato da Construção Civil, então provavelmente eu tinha que
ir, tinha que ser presa, porque eu era comunista. Pedrinho foi depor, eu fui no mesmo dia, mas só que
eles esperaram de manhã e eu fui à tarde, então ninguém me viu ir lá na delegacia pra depor.
(O delegado era muito meu amigo) Quando precisava de mim ele ía me buscar pra fazer vatapá, pra
fazer cuscuz. O dr. Dumont disse assim: A Nina não é comunista. A Nina é idealista, ela quer melhorar
a situação das amigas dela, das irmãs dela da categoria. O Pedrinho também não é comunista, ele é
idealista, ele quer que os trabalhadores da construção civil...tenha uma vida melhor. Nem eu nem ele
sofremos nada, mas o Sindicato continuou fechado, fechou tudo...Eu saí isenta e o Pedrinho também,
mas teve dirigentes que fugiram, teve que fugir, teve que ir embora (...) Aí, nós também da associação
não funcionamos porque fomos impossibilitados de funcionar naquela época. Não foi cassada, mas não
funcionou. (...) A Associação (das Empregadas Domésticas) não foi cassada, mas também não
funcionou como entidade reivindicatória que era (nessa época de 64 a 68). Foi liberada pra funcionar
como instituição beneficente. Nesse período não foi realizado nenhum evento e nem reivindicamos
nada...e aí foi votada uma lei para a Associação passar a ser como utilidade pública...então foi quando
eu comecei a funcionar arranjando mantimentos, roupas, remédios (na Associação passou a ter)
médico, dentista e advogado

(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação:
A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade
Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
122
"João Goulart recebeu
líderes sindicais de
Campinas
(...)
COM O PRESIDENTE JOÃO
GOULART
Os dirigentes sindicais de
todo o Brasil foram
recebidos pelo Presidente
João Goulart da forma mais
amistosa (...) o primeiro
mandatário da Nação
dirigindo-se aos líderes
sindicais, reafirmou a
confiança que depositava
nas classes trabalhadoras,
insistindo também na
necessidade de serem feitas
reformas de base.
'Formulamos ao Presidente
da República diversas
reivindicações
...principalmente com
relação à Previdência
Social', disse ainda o sr. José
Vieira de Freitas.
(...)
NA CAMARA E SENADO
Os dirigentes trabalhistas
...conversaram ainda sobre o
projeto de Lei que criava o
13º mês dos trabalhadores e
que deveria ser votada ainda
naquea tarde...Os
representantes dos
trabalhadores permaneceram
em seguida nas galerias do
Senado enquanto era votada
a lei.

João Goulart recebeu líderes sindicais de Campinas. O O ABONO DE NATAL


Trabalhador Textil. Campinas, jul/1962. Apud. Laudelina de 'A conquista do abono de
Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. nata (13º mês) foi o
Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina resultado de longa luta das
Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp. entidades sindicais...A
aprovação do projeto sem
emendas, só constitui em
mais um motivo de alegria
para os trabalhadores',
concluiu o Presidente do
Sindicato dos Têxteis."
123

Relação estabelecida
entre João Goulart
e os movimentos
sindicais

Relação estabelecida
entre o governo
instaurado com o golpe
de 1964
e os movimentos
sindicais

Diferenças entre
SINDICATOS e
ASSOCIAÇÕES
BENEFICENTES
124

Atividade 3
"O Terror das Patroas"

Orientação para a atividade


a) A partir da matéria do jornal Novos Rumos, do depoimento de Laudelina e do recorte de
jornal, preencha a ficha 1 listando os objetivos da Associação de Empregadas Domésticas
fundada por ela em 1961 em Campinas.

b) Assista ao vídeo! E a partir do depoimento, preencha a ficha 2 pontuando as


permanências dos tempos de escravidão que, segundo Laudelina de Campos Mello, ainda
marcavam o trabalho doméstico na década de 1980 e a critica que ela faz ao cenário político
brasileiro de modo geral.
c) A partir dos argumentos apresentados por Laudelina em seu depoimento e na matéria de
jornal em defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas, e utilizando a ficha , elabore uma
resposta à carta anônima recebida por Laudelina de Campos Mello após a fundação da
Associação de Empregadas Domésticas de Campinas no ano de 1961.
d) Entreviste uma trabalhadora doméstica baseando-se nas informações da matéria sobre a
PEC das Domésticas e no roteiro da ficha 4. Exponha as informações colhidas para turma e
debata sobre as conquistas e os problemas que marcam o trabalho doméstico atualmente.

Materiais
- Recorte de jornal com a matéria Ela é o Terror das Patroas
- Vídeo e transcrição de fragmento de depoimento de Laudelina ao MIS Campinas em 1989.

-Matéria do jornal Novos Rumos: "Domésticas de campinas travam luta por melhores
condições de trabalho"
- Carta anônima enviada à Laudelina de Campos Mello em 1961.
- Matéria "PEC das Domésticas" publicada em 2015 pelo portal G1.
125

“Ela é o ‘terror das patroas’ – ‘Muito prazer! Então a senhora é o terror das patroas em
Campinas, não é mesmo?’ A expressão foi do ministro do trabalho, Jarbas Passarinho, ao
receber dona Laudelina de Campos Mello, líder das empregadas domésticas. Ela não se
encabulou e sorriu com o ministro. Aliás, dona Laudelina não se encabula com essas coisas:
já falou com outros ministros e até com presidentes da República para movimentar o seu
grande plano de regulamentar a profissão de doméstica. No dia que ouviu a frase, a
presidente da Associação dos Empregados Domésticos de Campinas foi franca com o
ministro: ‘este é o quarto presidente da República que está para regulamentar a profissão e
pelo menos uns 8 ministros do trabalho empenaram a palavra de levar o ante-projeto ao
Executivo”

(Jornal da Cidade, 03/07/1967. Apud. (Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto.
Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de
Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade
de Educação, 1993. 493 pp.)
126

"Então foi quando eu comecei a conversar com outros grupos, outras pessoas, com advogado,
com médico, tudo, falando, né, da necessidade da organização da categoria das empregadas
domésticas. Aí quando esse advogado, que era, eu morava vizinho dele, me dava muito com a
família dele, com a senhora dele.
- Qual é o nome dele?
José Cintra Batista. Ele é paulista. Nascido em São Paulo. Aí foi que ele deu a ideia da
fundação, da Associação de Empregadas Domésticas, pra depois a gente requerer o
enquadramento de classe. Porque tinha sido, dentro das leis trabalhistas, as empregadas
doméstica tinham sido destituída das leis trabalhistas, né. A CLT não dava autorização para a
categoria para que as empregadas domésticas fossem enquadradas nas leis trabalhistas, né.
Porque eles achavam, até hoje eles acham, que a empregada doméstica não contribui pra
nação e que a empregada doméstica não traz, dentro do bojo da nação, economia. Ela não traz
economia pra própria nação, mas traz pro patrão dela, que é ela quem dá cobertura pra riqueza
do patrão, que é ela que cria os filhos do patrão, é ela que cuida da casa. Antigamente a dona
da casa estava dentro da casa, mas hoje, não. Hoje todo mundo trabalha. Marido e mulher,
todo mundo trabalha. Então hoje, a empregada doméstica é a dona da casa, porque é ela que
fica tomando conta dos filhos, ela que fica tomando conta da casa, ela que toma conta do
patrimônio do patrão. E sem direito a nada, né. Que a maioria daquelas antigas trabalhou 20,
30 anos, morreram na rua pedindo esmola. Lá em Santos várias delas a gente teve... Cuidou
delas, tratou delas e cuidou até a morte porque elas não tinham condição. Não tinha família,
não tinha ninguém por elas. Ainda um resíduo de escravidão, né. Que é tudo descendente de
escravo, né. Aí foi quando surgiu a ideia e o apoio dos advogados e da comunidade de Santos.
Porque eu devo à comunidade de Santos.

- Dona Laudelina,por favor, o que a senhora pensa, né, sobre o exercício da profissão de
doméstica?

O exercício da profissão da empregada doméstica é uma..uma..como é que se diz..É difícil da


gente poder decifrar porque a empregada doméstica no dia ela faz..ela faz várias...vários
trabalhos, né. Ela vai tratar um serviço numa casa, ela faz vários trabalhos, né. Ela faz o
trabalho de lavadeira, de arrumadeira, de cozinheira, de passadeira e de tudo, né e...ainda não
tem uma profissão. Não...ela não tá considerada ainda como profissional, mas ela é uma
profissional. Porque se ela faz tudo isso durante o dia ela é uma profissional e a lei não
considera a empregada doméstica como profissional. Eles só consideram profissional aqueles
que tem um diploma na mão, aqueles que trabalham numa indústria, aqueles que tem um
nome ligado à profissão, mas a empregada doméstica não é considerada. A empregada
doméstica, esttá elevada à segunda categoria e está em segundo plano também. Porque além
dos patrões não considerarem ela como categoria, as próprias leis também não consideraram
até hoje. Então ainda precisa lutar pela profissão. E lutar pela profissão, nós vamos ter ainda
trabalho. Porque nós vamos ter ainda que formar profissionais. Porque a maioria dos patrões
que eu converso com eles, os bons, os maus e tudo, eles dizem o seguinte: "Dona Nina", ou
"Nina", ou "Laudelina", eles dizem o seguinte. "Hoje a lei tá amparando, mas a maioria não é
profissional". Eu disse: Antigamente vocês tiveram profissional, tiveram empregada
doméstica sem profissão. E vocês aceitaram. Porque foi escrava de vocês. Não tinha profissão
pra vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão. Eu, por exemplo, com sete anos já
cozinhava, já tomava conta d´uma cozinha. Então essa parte da empregada doméstica ainda a
gente precisa lutar pra adquirir. Ainda precisa formar profissionais.
-Como?
127

Porque você vê. As patroas se queixam da seguinte forma: empregada pede dois, três salários
pra fazer um trabalho. Pra tomar conta da casa, pra cozinhar, pra lavar, pra passar. Eu, no
meu ver, eu acho que cada serviço tinha que ser especificionado (sic). Então ela é profissional
dentro da cozinha, ela é profissional lavando roupa, ela é profissional fazendo doce, ela
profissional arrumando uma casa, ela profissional tomando conta dos filhos. Então, tomando
conta dos filhos ela é uma babá, tomando conta da casa, guardando o patrimônio do patrão ela
é uma dona de casa e eles acham que a empregada num tendo profissão não pode ser bem
aparada e não pode pedir salário mínimo. (...)
- E como a senhora vê, ao longo desse tempo todo, né, de atuação junto à categoria, a relação
entre as patroas e empregadas? Mudou, ou continua sempre igual?
Cada vez pior. Porque agora elas brigam pela lei. Antes elas brigavam pra que a empregada
dormisse no emprego e fosse escrava. E...não pagava nada. A maioria...trabalhava a troco da
comida. Quer dizer: iam buscar lá nos cafundó do judas, aquelas que saíam da enxada,
chegavam aqui, ela não tinha condição de ser uma...uma profissional, porque ela não
era....nem leitura ela não tinham. Então elas taxavam. Como ela está taxando na carta que ela
me mandou...não sei se é mulher ou homem, que a empregada é malcriada, é...vagabunda,
e...não cuida direito das coisas, que quebra tudo. Tira uma criatura da enxada e põe num
palácio, gente. Tenha dó. E eles faziam, por quê? Porque elas vinham de graça. Trabalhavam
de graça. Porque que eles íam buscar lá? Porque que eles não se juntaram com a gente logo na
fundação pra formar profissionais? Pra amparar a empregada? Porque ajudava as duas partes.
Não só a empregada. Sim ao patrão. A patroa diz: " A empregada não serve pra atender um
telefone, não sabe receber um recado, não sabe nada, sabe nada, é sem educação e tal". Ela
veio do nada! A mesma coisa foi o escravo. O escravo foi solto num campo aberto sem
condição. Porque veio a mão de obra italiana, os profissionais e eles foram jogado ao lado.
Sem condição de vida. Eles não tinha os estudos, o preparo que os italianos trouxeram. A
mesma coisa, a empregada doméstica, a maioria vem do escravo. Descendente de escravo.
(...)

Nós vivemos num país que a porca sociedade, a sórdida política não conseguiu ainda
chegar num termo. Porque quem está lá dentro são os senhores de engenho. São os donos das
terra, são os donos dos canaviais, são os donos dos cafezais são os dono do gado, são os donos
de tudo. Você vai conseguir como!? Haja vista nessa briga do salário mínimo. Quem é que
está brigando? Não é o trabalhador que tá brigando. É o próprio patrão que briga! Pra não dar
um tostão a mais. (...)
A quem cabe a grita? Não é dos safados que estão lá sentados comendo e bebendo às
nossas custas não. É nós que temos que gritar. É nós! E nós não gritamos.

(Transcrição do depoimento de Laudelina ao MIS - Campinas, no ano de 1989)


128
129

DOMÉSTICAS DE CAMPINAS TRAVAM LUTA


POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO

"[...] O movimento adquiriu tal envergadura que se tornou assunto em todas as rodas,
particularmente femininas. Donas de casa se pergunta se realmente "aquilo está certo",
temerosas de uma verdadeira "rebelião" em seus lares.
Trata-se na verdade de uma luta iniciada por uma categoria profissional que não é
considerada como tal, e portanto não tem até agora direitos assegurados pelas leis trabalhistas.
E é em tal sentido que o movimento das domésticas de Campinas se dirige realizando
surpreendente atividade arregimentando associadas, realizando assembleias, cheias de um
colorido especial, onde a cozinheira, a arrumadeira e a "babá" podem falar pela primeira vez
perante suas companheiras dos problemas econômicos que as afligem, dos problemas que
surgem em suas relações com os patrões, devido à falta de leis que disciplinem esse tipo de
trabalho.

OBJETIVOS
A Associação das Empregadas Domésticas de Campinas foi fundada em maio deste
ano e tem como presidente a sra. Laudelina de Campos Mello. (...) Os objetivos pelos quais
elas se batem são a conquista do enquadramento das domésticas na CLT como categoria
profissional; a defesa da dignidade do trabalho doméstico; a organização e manutenção de
cursos de aperfeiçoamento da profissão; a prestação de serviços sociais; a manutenção de
agência de colocações; a elevação cultural das associadas através de cursos, conferências e
palestras e a formação de ambiente social da categoria através de promoções recreativas.
As domésticas mantém a entidade com suas contribuições mensais e contam com
assistência médica e jurídica gratuita, o mesmo ocorrendo com relação à assistência dentária.
Dona Laudelina é uma senhora de 57 anos, que desde a infância trabalha como
empregada doméstica ...Já viveu e enfrentou todas as situações que uma empregada doméstica
pode lembrar para demonstrar que se encontra desamparada perante as leis. Por isso, um dos
seus grandes sonhos sempre foi o de organizar uma entidade capaz de valorizar as domésticas
não só do ponto de vista financeiro, mas também quanto à competência profissional..."

Jornal Novos Rumos. Campinas, 15 a 21 de dezembro. Disponível em http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/.


Acessado em junho/2016.
"Campinas, 18 de maio 130
de
1961
Senhora Laudelina de
Campos

Prezada Senhora,
Imiscuindo-me no ato
altruístico, nobre e sublime, de
V. Exma, em ser a advogada e
protetora da casse doméstica a
qual prima pela sua reivindição
jogando-a contra os lares....Em
hipótese alguma, dona
Laudelina, ficará essa classe
trabalhadora uma posição de
nível à do operário, pois
primeiro o operário trabalha
exposto às intempéries, aos
perigos, aos intransigente
caprichos dos patrões que se
fundam nos direitos sindicais e
, sobretudo, matam sua fome
com o alimento ganho
adquirido religiosamente com o
suor de seu corpo, tão
humildemente coberto por
rústicas indumentárias! Não
acontece o mesmo com as
senhoras domésticas ...que a
começar: alimentam-se ao bel
prazer; são donas de casa;
vestem-se hoje com mais
requinte às vezes superando às
suas patroas...Apesar dessa
comodidade que as mesmas
possuem, 90% são vaidosas,
desobedientes, faltosas nos
horários, humilhando com
palavras irreverentes à mártir
Carta anônima destinada à Laudelina de Campos Mello. patroa que, por necessidade as
Acervo CASA LAUDELINA de Campos Mello suportam...Para que prospere
esse plano, creia-me, obrigue a
essa plêiade de analfabetas que
se preparem pelo menos
rudimentarmente...A classe é
constituída de elementos
heterogêneos, que
desconhecem infelizmente
princípios de educação...na
verdade as empregadas são mal
criadas e ma agradecidas às
suas patroas em geral...."
131

PEC das Domésticas

Proposta que regulamenta lei foi sancionada pela presidente Dilma. Novas regras
estabelecem 7 novos direitos para trabahadores.

Mais de dois anos depois da promulgação da proposta de Emenda à Constituição que


ficou conhecida como PEC das Domésticas, que prevê novos direitos os trabalhistas para a
categoria, a presidente Dilma Rousseff sancionou a regulamentação lei, que estabelece 7
novos benefícios para os trabalhadores, além dos que entraram em vigor em 2013 (...)

Disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/06/pec-das-domesticas-leia-
perguntas- e-respostas-e-tire-suas-duvidas-sancionado.html. Acessado em junho/2016.
132

Ficha 1
Objetivos da Associação de Empregadas Domésticas de Campinas em 1961
133

Ficha 2

Marcas dos tempos de escravidão no trabalho doméstico

Críticas ao cenário político brasileira de fins da década de 1980


134

Ficha 3

______________________________________________
Cara (o) patroa(ão)
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________

Atenciosamente,
_____________________________________________________
135

Ficha 4
Nome: Idade:

Quando começou a trabalhar como doméstica?

Trabalha com carteira assinada? ( )Sim ( ) Não

Você é sindicalizada? ( ) Sim ( ) Não

Quais são as maiores dificuldades que você enfrenta em seu trabalho?

Você achou importante a aprovação da PEC das Domésticas? Por que?


136

Oficina 4
Lugar de mulher? Onde é?

Apresentação

Durante muito tempo a história foi apresentada como um desenrolar de processos


movidos pelo "homem". O termo que, nesse caso, se pretendia sinônimo de "humanidade" ou
de "seres humanos", acobertou muitas vezes as peculiaridades entre homens e mulheres no
mover das engrenagens sociais. As histórias de vida de Laudelina de Campos Mello abrem,
diante de nós, esse acortinado e nos auxiliam a refletir sobre as diferentes expectativas
impostas às mulheres e aos homens, bem como as ações destes frente a essas regras sociais no
Brasil do seu e do nosso tempo.

Objetivos

• Estimular as reflexões sobre o caráter social das identidades de gênero

• Promover o debate sobre as desigualdades sociais entre mulheres e homens

• Reconhecer o protagonismo de mulheres em processos históricos


137

Atividade 1
Na Guerra

Orientação para a atividade


A partir dos materiais disponibilizados o estudante deve preencher a ficha.

Assista ao vídeo!

Materiais:
- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora
Elisabete Aparecida Pinto entre 1990 e 1991.
- Vídeo de depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som
Campinas,em 1989.
- Ficha a ser preenchida.

"Eu me alistei como voluntária .....na defesa passiva e auxiliar de guerra. Durante a guerra eu
fui servir, eu me alistei como voluntária...na defesa passiva e auxiliar de guerra, que os
soldados tinham ido pra Itália, então o grupo feminino que acompanhava a vigilância da
cidade. (...)
Numa tarde do dia 24 de julho de 1943, às quatro horas da tarde, o alarme soou porque
havia inimigos por perto, então a gente descia até o portão, lá embaixo , lá dentro do mar, lá
embaixo no porão já era o mar, então tem uma agulha que o sinal onde está o inimigo, que os
torpedeiros vinham vindo (...) neste dia era submarino que vinha, mas a gente preparava tudo
porque quando vinham os submarinos, vinham aviões também, os aviões atacavam também,
então preparavam tudo e eu fiquei no comando. Então dá aquele estouro que estremece
tudo...Aquele dia foi terrível, aquele dia eu vi a morte.
- E a senhora chegou a soltar a bomba?
Soltei porque tinha que soltar que era pra cercar ... no outro dia cedo tinha pedaços de
submarinos boiando. Aquele dia pra mim foi o pior dia da minha vida eu vi que ali estava um
pedaço da vida das pessoas."

Depoimento de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, 1991. (Laudelina de Campos Mello em entrevista
à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª
Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)
138

[...] Aí estavam fazendo inscrição, recrutando as mulheres porque a guarda da cidade


era...não era a polícia militar, era guarda civil, né. Então eles foram pra Itália. Então eles
convocaram as mulheres. Então...eu lia no jornal, assistia pelo rádio, né, a chamada e fui me
inscrever. Eu sou o número 20. Quando eu me inscrevi, para defender a pátria, né. Aí passei.
Em 41. Em 5 de setembro de 1941 eu já estava alistada e comecei a funcionar.
-O que a senhora fazia?
Tudo. Tudo que um soldado faz. Só não fomos pra frente, né. Tudo...Abrir trincheira, fazia
aqueles exercício de guerra para levar os velho pros coisa lá...pros labirintos. Os ataques
aéreos. Abria trincheira, carregava os soldados feridos. Eu dava expediente no Forte de
Itaipus, onde estava a maior força, né, que é na entrada da Barra, daí eu fui escalada para..pra
suprir os canhões. Então a cada bomba... tem que ser....carregava..tinha que ter cinco
mulheres para carregar. Cinco soldadas, né. Então, carregava, aí eu colocava, porque os
navios os....os tropedeiros vinham pra atacar, né. Então tinha rede em cima, a bomba caía em
cima, varria pro mar. No outro dia amanhecia os peixe mortos. Fomos mais do que 5 vezes
atacados.
- O marido da senhora participava também da Frente Negra e da guerra?
Da guerra não. Ele não participou. Eu participei. Meu filho já no fim.
Aí continuando: eu fiz quatro cursos, né, fiz soldado de fogo, que era o bombeiro,
quando tinha incêndio saía os carro pra apagar o incêndio; fiz policiamento do trânsito, a
polícia que dava o serviço de trânsito, né, nas ruas; e fiz sentinela....fiz um curso
de...autocomando, né, que era pra ficar nas matas, nos pontos estratégicos, pra sentir quando
vinha aquela peça dentro do mar para..aquela agulha que denuncia quando vem vindo o
torpedeiro, né. E dei serviço no blecaute também, à noite na praia. E tava fazendo o serviço de
enfermagem quando terminou, né. Aí o primeiro batalhão nós éramos 650, segundo batalhão
tinha 500, então eu fui indicada pra ser instrutora do 2º batalhão. Cheguei à cabo-instrutora do
2º batalhão.
- Do batalhão feminino?
Feminino. (...)
Esse é o uniforme que se usou naquela época, né (mostra o uniforme utilizado na guerra)

Depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som- Campinas, 1989.


139

Informações sobre a II Guerra Mundial


----------------

Anos citados

Cenário de
guerra descrito

Principais
meios de
comunicação
da época

Diferença entre
homens e
mulheres em
relação às
atividades
desempenhadas
140

Atividade 2
Na Política

Orientações para a atividade

a) A partir da observação das fotografias preencha a ficha 1.

b) A partir da leitura do gráfico preencha a ficha 2.

c) A partir da análise das fotografias e do gráfico relacione as informações obtidas e preencha


a ficha 3.

Materiais

- Fotografias de Laudelina de Campos Mello em eventos políticos. Acervo CASA


LAUDELINA de Campos Mello.

- Gráfico informativo da participação feminina na política brasileira no ano de 2014.

- Fichas a serem preenchidas.


141

Laudelina de Campos Mello em homenagem ao Monsenhor de Santana


pelos trabalhos realizados na cidade de Campinas e pelo apoio à luta
pelos direitos das domésticas. Década de 1960.
Apud. PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a
trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo:
Anita Garibaldi, 2015, p.491.

Almoço no Restaurante Parque Industrial Brasília, em 05 de agosto de


1962. Dona Laudelina fez um discurso reivindicando igualdade e todos
os direitos trabalhistas concedidos aos homens; e principalmente o
direito ao INPS pelas Empregadas Domésticas. Apud: PINTO, Elisabete
Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015. p.480.
142

Câmara dos
Deputados,
Brasíia, 10 de
agosto de 1965.
Representantes
dos sindicatos de
Campinas e
Laudelina de
Campos Mello,
representando a
Associação das
Empregadas
Domésticas.

Apud: PINTO,
Elisabete
Aparecida.
Etnicidade, gênero
e educação: a
trajetória de vida
de Laudelina de
Campos Mello
(1904-1991). São
Paulo: Anita
Garibaldi,
2015p.481

Câmara dos Deputados, sala de Francisco Amaral, Brasíia, 10 de agosto de


1965. Apud. PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida
de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015. p.481.
143

Laudelina em almoço com políticos e sindicalistas provavelmente


em agosto de 1965, em Brasília.

Encontro de Laudelina com o ministro do trabalho, Jarbas Passarinho,


Brasíiia (28 de maio de 1966). Reunião do ministro com os sindicalistas,
solicitando o cumprimento das Leis Trabalhistas em vigor, e Dona
Laudelina o enquadramento das empregadas domésticas nas Leis
Trabalhistas. Apud. PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, gênero e educação: a trajetória
de vida de Laudelina de Campos Mello (1904-1991). São Paulo: Anita Garibaldi, 2015, p. 482.
144

Disponível em https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-
edicao-do-livreto-mais-mulheres-na-politica. Acessado em junho/2016.
145

Ficha 1 - Análise das Fotografias

Quais
personagens são
retratados?

O que chama
mais sua
atenção?

Qual
característica do
mundo político
brasileiro da
década de 1960
podemos
apreender?
146

Ficha 2 - Percentual de participação por sexo no ano de 2014


------------------ Mulheres Homens

Dep. Estaduais

Dep. Distritais

Dep. Federais

Senadoras (es)

Governadoras (es)

Ficha 3 - Passado Presente


Comparação entre o meio político do qual participava Laudelina de Campos Mello
e o cenário político atual baseando-se nos dados de 2014
147

Atividade 3
Na luta

Orientação para a atividade

a) A partir da observação das fotografias, preencha a ficha 1.

b) A partir da leitura dos depoimentos de Laudelina (1, 2 e 3) preencha a ficha 2.

c) A partir do gráfico "Uso do Tempo" preencha a ficha 3.

d) Faça um levantamento entre meninas e meninos de sua turma e preencha a ficha 4.

Materiais:

- Fotografias de Laudelina de Campos Mello e outras militantes domésticas. Acervo CASA


LAUDELINA de Campos Mello.

- Trechos de depoimentos de Laudelina de Campos Mello à Elisabete Pinto, entre 1990 e


1991.

- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem


e do Som em 1989.

- Gráfico informativo sobre uso do tempo no serviço doméstico por mulheres e homens no
ano de 2009.

- Fichas a serem preenchidas


148

Posse da
diretoria da
Associação das
Empregadas
Domésticas em 05 de
julho de 1962.
Apud. PINTO,
Elisabete. Etnicidade,
Gênero e Educação:
Trajetória de vida de
Laudelina de Campos
Mello. São
Paulo:Anita
Garibaldi, 2015, p.
479.

Público participante da Assembleia do dia 18 de maio de 1961 no Sindicato das


Empregadas Domésticas de Campinas. Apud PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e
Educação: Trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello. São Paulo:Anita Garibaldi,
2015, p.478.
149

Laudelina de
Campos Mello e
outras militantes no
V Congresso
Nacional de
Empregadas
Domésticas do Brasil,
em Olinda,
Pernambuco, de 24 a
27 de janeiro de
1985.
Apud: PINTO,
Elisabete. Etnicidade,
Gênero e Educação:
Trajetória de vida de
Laudelina de Campos
Mello. São
Paulo:Anita Garibaldi,
2015, p.485.

Laudelina de
Campos Mello
discursando no VI
Congresso das
Trabalhadoras
Domésticas, Campinas,
1989.
Apud PINTO, Elisabete.
Etnicidade, Gênero e
Educação: Trajetória de
vida de Laudelina de
Campos Mello. São
Paulo:Anita Garibaldi,
2015, p.485.
150

Laudelina de Campos Mello, Benedita da Silva (à época deputada federa) e mais


duas militantes, no VI Congresso Trabalhadoras Domésticas, Campinas, 1989.
Apud: PINTO, Elisabete. Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de vida de Laudelina de
Campos Mello. São Paulo:Anita Garibaldi, 2015, p.486.
151

Depoimento 1
(...) Em 1962 foi a primeira vez que nós fomos à Brasília...Então nós fomos pra Brasília pedir
(para eles nos) registrar como facultativo no INPS. Foi João Goulart que assinou a lei. (...)
(Nesta ocasião, um dos almoços que foram servidos) falo sobre tudo aquilo que a gente
precisava, o amparo porque as domésticas ficaram fora das leis trabalhistas, (peço) amparo via
inclusão no INPS como facultativo e (peço) pro João Goulart que fosse regulamentada na
CRP a inclusão, que fosse enquadrada as empregadas domésticas como trabalhadoras
domésticas e tivesse todos os direitos iguais aos homens. Aí falei sobre a aposentadoria,
sobre a condição delas quando estão doentes, falei tudo.
(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth. Etnicidade, Gênero e
Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol 1- Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação, 1993. 493 pp.)

----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Depoimento 2
A empregada doméstica tá elevada à segunda categoria e tá em segundo plano também.
Porque além dos patrões não considerar ela como categoria, as próprias leis também não
consideraram até hoje. Então ainda precisa lutar pela profissão. E lutar pela profissão nós
vamos ter ainda trabalho. Que nós vamos ter ainda que formar profissionais. Porque a maioria
dos patrões que eu converso com eles, os bons, os maus e tudo, eles dizem o seguinte: "Dona
Nina", ou "Nina", ou "Laudelina", eles dizem o seguinte. "Hoje a lei tá amparando, mas a
maioria não é profissional". Eu disse Ah, antigamente vocês tiveram profissional, tiveram
empregada doméstica sem profissão. E vocês aceitaram. Porque foi escrava de vocês. Não
tinha profissão pra vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão. Eu, por exemplo, com sete
anos já cozinhava, já tomava conta d´uma cozinha.
(Transcrição de trecho do depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som -
Campinas, 1989)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Depoimento 3
Ainda tem uma parte muito interessante o sindicato da empregada doméstica é completamente
diferente. Tá engajado, mas é diferente do homem.
- Por que?
Porque a mulher vive dentro da casa trabalhando. O homem não. O homem sai de manhã, faz
o serviço dele, de noite ele vem. A mulher trabalha de dia na casa do patrão e de noite na casa
dela. Ela faz dois período....de trabalho. E não é considerada pelas leis. Então eu acho que
quando houver uma especificação de profissão vai ter mais valor.
(Transcrição de trecho do depoimento de Laudelina de Campos Mello ao Museu da Imagem e do Som -
Campinas, 1989)
152

Disponível em :http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf. Acessado em junho/2016.


153

Ficha 1 - Análise das fotografias

O que
retratam?

O mais
chama sua
atenção?

Qual
característica
do trabalho
doméstico
está
retratada?
154

Ficha 2
Diferenças entre homens e mulheres em relação ao trabalho
Depoimento 1

Depoimento 2

Depoimento 3
155

Ficha 3 - Diferença entre meninos/homens e meninas/mulheres em relação aos afazeres


domésticos no ano de 2009
156

Ficha 4- Passado Presente

----------------------------- MENINAS MENINOS

Número dos que fazem


tarefas domésticas

Tipo de tarefas
domésticas que fazem

Total de entrevistados
157

Atividade 4
Ser menina como Nina

Orientação para a atividade

a) A partir do depoimento preencha a ficha 1 listando características que estão implicitamente


atribuídas às mulheres e aos homens.

b) Discuta em grupo sobre a seguinte questão: As características listadas na ficha 1


correspondem exclusivamente ao gênero (homem ou mulher) a que foram atribuídas?
Utilizando como exemplos as histórias de vida de Laudelina, elabore um texto sintetizando as
reflexões do grupo, registre na ficha 2 e exponha para a turma.

Materiais:

- Transcrição de trechos do depoimento de Laudelina de Campos Mello à pesquisadora


Elisabete Aparecida Pinto

- Fichas a serem preenchidas

"A minha mãe dizia pra mim que eu deveria ter


nascido homem porque já nasci com aquela garra,
com aquela coisa que tudo pra mim eu não deixava
passar, eu queria enfrentar."

(Laudelina de Campos Mello em entrevista à Elisabete Pinto. Apud. PINTO, Elisabeth.


Etnicidade, Gênero e Educação: A Trajetória de Vida de Dª Laudelina de Campos Mello (1904-
1991). Vol 1- Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação,
1993. 493 pp.)
158

Ficha 1

Mulheres Homens
159

Ficha 2
160

Oficina 5
Narrando Vidas, Contando Histórias

Apresentação

Nossas histórias pessoais são tecidas pelos fios da história da sociedade em que
vivemos e vice-versa, por isso, histórias do nosso país podem ser apreendidas a partir de
experiências individuais. As histórias de vida de Laudelina de Campos Mello podem ajudar
nossa sociedade a refletir sobre problemas que, apesar de não se manifestarem da mesma
forma, ainda estão presentes em nosso dia-a-dia, como as desigualdades sociais, raciais e de
gênero. Que tal apresentar as histórias de luta de Laudelina de Campos Mello a outras
pessoas?

Objetivos
• Conferir visibilidade a perspectivas diversas sobre a história do Brasil
• Conferir visibilidade a luta dos negros e negras no Brasil
• Estimular a percepção crítica acerca do racismo e do machismo e das assimetrias
socio-econômicas que marcam estruturalmente nossa sociedade.
• Motivar ações em prol da valorização das diferenças e da superação das
hierarquizações étnico-raciais e de gênero.
• Valorizar a autonomia dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem
• Verificar as seleções e apropriações feitas pelos estudantes sobre os temas trabalhados.
161

Orientações para a atividade

- Dividir a turma em 4 grupos


- Cada grupo deve escolher uma das oficinas anteriores (1, 2, 3 ou 4)
- A partir do tema, das fontes e do conhecimento adquirido com a oficina escolhida, cada
grupo deve contar histórias de Laudelina de Campos Mello utilizando a linguagem que mais
se identificar. Seguem exemplos:
• Uma história em quadrinhos
• Um curta metragem utilizando a câmera do celular
• Uma matéria jornalística
• Uma paródia musical
- Organizar uma mostra das produções na escola.
162

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Acervos Consultados
Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
CASA LAUDELINA de Campos Mello
Museu da Imagem e do Som de Campinas
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Outras referências

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em:/http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/16/menina-e-apedrejada-na-
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https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-edicao-do-livreto-mais-
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