Didática - Abordagens Teóricas Contemporâneas CANDAU

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EDUCAÇÃO INTERCULTURAL

E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

vera maria candau

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea, entre suas marcas, apresenta uma crescen-


te visibilidade de diferentes grupos socioculturais que conquistam prota-
gonismo e reconhecimento e lutam contra desigualdades, preconceitos e
discriminações. Questões relacionadas às relações étnico-raciais, gênero,
orientação sexual, pluralismo religioso, entre outras, estão na ordem do
dia e suscitam debates acalorados em diversos âmbitos sociais, atravessa-
dos muitas vezes por atitudes de intolerância e negação do outro.
Estas tensões e conflitos também se fazem presente no âmbito edu-
cacional e emergem com força nas dinâmicas educativas, no dia a dia de
nossas escolas. Trabalhar as diferenças culturais no cotidiano escolar cons-
titui, sem dúvida, uma exigência do momento atual se quisermos oferecer
às nossas crianças e jovens processos educativos que promovam respeito
mútuo, diálogo e reconhecimento da dignidade de toda pessoa humana.
Nesta perspectiva é que se situa a educação intercultural.

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Em diferentes trabalhos e pesquisas que tenho realizado nos últimos
anos, através do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas
(GECEC), vinculado ao Departamento de Educação da Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e com o apoio do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), procurei
aprofundar em questões relativas às diferenças culturais nos processos
educativos, tanto do ponto de vista teórico como de suas implicações nas
práticas pedagógicas.
No presente texto, pretendo realizar uma breve discussão conceitual
sobre o que entendo por educação intercultural para, em um segundo mo-
mento, apresentar o mapa conceitual que elaboramos coletivamente no
GECEC sobre educação intercultural em uma perspectiva crítica, assim
como suas implicações nas práticas pedagógicas.

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E A PERSPECTIVA CRÍTICA

A palavra interculturalidade vem adquirindo um uso cada vez mais amplo


na sociedade em que vivemos. No entanto, são muitos os sentidos a ela
atribuídos. Trata-se de um termo polissêmico.
Segundo Fleuri (2017, p. 177),

A interculturalidade se tornou hoje um tema paradoxal. O inte-


resse pela interculturalidade, assumido em programas governa-
mentais, movimentos sociais e mesmo pela pesquisa científica e
pela mídia, vem promovendo o reconhecimento da diversidade
cultural. Mas, ao mesmo tempo, apresenta-se por vezes como
uma nova tendência multicultural que se isenta de qualquer sen-
tido crítico, político, construtivo e transformador.

Esta realidade exige que precisemos o sentido em que a emprega-


mos evitando um modismo que termina por difundir uma perspectiva
superficial e reducionista das relações interculturais. Não basta reconhe-
cer a diversidade cultural e promover diferentes expressões culturais,
numa abordagem de caráter muitas vezes celebratório. Estas iniciativas

276 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


tratam, em geral, a diversidade cultural como se fosse um dado “natural”
e assumem uma visão essencialista das culturas. É importante questio-
nar esta perspectiva.
Vou me referir especificamente à expressão educação intercultural.
Dentre as diversas concepções que atravessam a literatura sobre esta temá-
tica (CANDAU, 2014a), assumo a perspectiva da interculturalidade crítica
e sublinho algumas de suas características.
Uma primeira, básica, é a promoção deliberada da inter-relação en-
tre diferentes grupos socioculturais presentes em determinada sociedade.
Para Appiah (2012, p. 3),

Um diálogo intercultural cosmopolita é aquele em que nos


tratamos como cidadãos de um mundo compartilhado e, por-
tanto, digno de respeito mútuo. Isso não significa que não
podemos discordar. Por um lado, não podemos ser apenas
relativistas generalizadores e achar que tudo que acontece na
humanidade é correto e bom. Por outro, não podemos achar
que nós temos todas as respostas, seja lá quem for esse ‘nós’.
Temos que nos colocar em um diálogo no qual imaginemos
que podemos aprender com o outro

A perspectiva intercultural rompe com uma visão essencialista das


culturas e das identidades culturais. Concebe as culturas em contínuo pro-
cesso de elaboração, de desconstrução e reconstrução. Certamente cada
cultura tem suas raízes, mas estas raízes são históricas e dinâmicas. Não
fixam as pessoas em determinado padrão cultural.
Uma terceira característica está constituída pela afirmação de que
em sociedades em que os processos de hibridização cultural são inten-
sos e mobilizadores da construção de identidades abertas, múltiplas,
em construção permanente, fica evidente que as culturas não são puras.
Sempre que a humanidade pretendeu promover a pureza cultural e étni-
ca, as consequências foram trágicas: genocídio, holocausto, eliminação e
negação do outro.
A consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações
culturais constitui outra característica desta perspectiva. As relações culturais

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não são relações idílicas, não são relações românticas; estão construídas na
história e, portanto, estão atravessadas por questões de poder, por relações
fortemente hierarquizadas, marcadas por preconceitos, discriminações e su-
balternização de determinados grupos.
Uma última característica que gostaria de assinalar diz respeito ao
fato de esta perspectiva não desvincular as questões da diferença e da desi-
gualdade presentes hoje tanto no plano mundial quanto na nossa socieda-
de. A perspectiva intercultural crítica afirma que essa relação é complexa e
admite diferentes configurações em cada realidade, sem reduzir um polo
ao outro.
Partindo dessa perspectiva da interculturalidade crítica, o GECEC,
que coordeno, construiu coletivamente o seguinte conceito de educação
intercultural:

A Educação Intercultural parte da afirmação da diferença como


riqueza. Promove processos sistemáticos de diálogo entre di-
versos sujeitos – individuais e coletivos –, saberes e práticas na
perspectiva da afirmação da justiça – social, econômica, cogniti-
va e cultural –, assim como da construção de relações igualitárias
entre grupos socioculturais e da democratização da sociedade,
através de políticas que articulam direitos da igualdade e da dife-
rença. (CANDAU ,2014b)

Gostaria de ressaltar a primeira afirmação desta definição, que consi-


dero central. O termo diferença, em depoimentos de educadores em várias
das pesquisas que tenho realizado, é frequentemente associado a um pro-
blema a ser resolvido, à deficiência, ao déficit cultural e à desigualdade. Di-
ferentes são aqueles(as) que apresentam baixo rendimento acadêmico, são
oriundos de comunidades de risco, de famílias com condições de vida de
grande vulnerabilidade social, que têm comportamentos que apresentam
níveis diversos de violência e incivilidade. Aqueles(as) que possuem carac-
terísticas identitárias que são associadas a anormalidade, a “necessidades
especiais” e/ou a um baixo capital cultural. Enfim, os diferentes são um
problema que a escola e os educadores/as temos de enfrentar e esta situa-
ção vem se agravando e não sabemos como lidar com ela.

278 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


No entanto, se não logramos mudar de ótica e situar-nos diante das
diferenças culturais como riquezas que ampliam nossas experiências, dila-
tam nossa sensibilidade e nos convidam a potencializá-las como exigência
da construção de um mundo igualitário e justo, não poderemos ser atores de
processos de educação intercultural na perspectiva assinalada. E, para tal, es-
tamos chamados a desconstruir aspectos da dinâmica escolar naturalizados
que nos impedem de reconhecer positivamente as diferenças culturais e,
ao mesmo tempo, promover processos que potencializem esta perspectiva.

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
CONSTRUINDO UM MAPA CONCEITUAL

Para trabalhar analiticamente o conceito de educação intercultural na pers-


pectiva crítica, optei por construir um mapa conceitual desta expressão.
A teoria dos mapas conceituais teve sua origem nos anos 1970, com os
trabalhos de Joseph Novak, pesquisador estadunidense, especialista em
psicologia cognitiva. Tem por base a teoria da aprendizagem significativa
de David Ausubel.
Novak concebe os mapas conceituais como ferramentas, cujo princi-
pal objetivo é organizar e representar o conhecimento. Segundo Novak e
Cañas (2004), os mapas conceituais são estruturados a partir de conceitos
fundamentais e suas relações. Esta ferramenta está orientada a reduzir
e concentrar a estrutura cognitiva subjacente a um dado conhecimento,
visibilizando os elementos básicos da estrutura cognitiva a ele subjacente
permitindo analisar seus elementos fundamentais.
Tendo esta perspectiva como referência, a questão focal que orientou
nossos trabalhos foi: em que consiste a educação intercultural? Com este
ponto de partida, realizamos encontros semanais no grupo de pesquisa em
que fomos trabalhando conjuntamente as diferentes etapas do desenvolvi-
mento do mapa conceitual.
O passo fundamental consistiu em definir as categorias básicas.
Depois de vários encontros, chegamos a assumir consensualmente que

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eram as seguintes: sujeitos e atores, conhecimentos, práticas socioeducati-
vas e políticas públicas. Tendo presente as categorias básicas do mapa con-
ceitual e as subcategorias propostas para cada uma delas, passou-se a propor
palavras de ligação entre elas. Uma vez construídas as categorias e subcate-
gorias, foi montada a síntese do mapa conceitual (em anexo). Certamente
este mapa conceitual pode ser expandido, discutido e complexificado.
Apresentarei cada uma das categorias básicas e enumerarei alguns
desafios postos por cada uma delas para as práticas pedagógicas e a refle-
xão e pesquisa em didática. Convém ter presente que estas categorias estão
inter-relacionadas e concebidas de modo articulado.
A primeira categoria, sujeitos e atores, refere-se à promoção de re-
lações tanto entre sujeitos individuais, quanto entre coletivos sociais in-
tegrantes de diferentes grupos socioculturais. A interculturalidade crítica
fortalece a construção de identidades dinâmicas, abertas e plurais, assim
como questiona uma visão essencializada de sua constituição. Potencia
os processos de empoderamento, principalmente de sujeitos e atores in-
feriorizados e subalternizados e a construção da autoestima e estimula a
construção da autonomia num horizonte de emancipação social.
Neste sentido, é importante que as práticas educativas partam do re-
conhecimento das diferenças presentes na escola e na sala de aula, o que
exige romper com os processos de homogeneização, que invisibilizam e
ocultam as diferenças, e reforçando o caráter monocultural das culturas
escolares. Romper com este daltonismo cultural (CORTESÃO; STOER,
1999, p. 56) e ter presente o arco-íris das culturas nas práticas educati-
vas supõe todo um processo de desconstrução de práticas naturalizadas
e enraizadas no trabalho docente para sermos educadores(as) capazes de
criar novas maneiras de situar-nos e intervir no dia a dia de nossas es-
colas e salas de aula. Exige valorizar as histórias de vida de alunos(as) e
professores(as) e a construção de suas identidades culturais, favorecendo
a troca o intercâmbio e o reconhecimento mútuo, assim como estimular
que professores(as) e alunos(as) se perguntem quem situam na categoria
de “nós” e quem são os “outros” para eles. Esta categoria também convida
à interação da escola com os diferentes grupos presentes na comunidade

280 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


e no tecido social mais amplo, favorecendo uma dinâmica escolar aberta,
inclusiva e participativa.
Quanto à categoria de conhecimentos, sem dúvida, tem uma es-
pecial importância para a didática. Entende-se por conhecimentos, em
geral, aqueles constituídos por conceitos, ideias e reflexões sistemáticas
que guardam vínculos com as diferentes ciências. Esses conhecimentos
tendem a ser considerados universais e científicos, assim como a apre-
sentar um caráter monocultural. No entanto, consideramos que existem
outros conhecimentos, produções dos diferentes grupos socioculturais,
referidos às suas práticas cotidianas, tradições e visões de mundo. São
concebidos como particulares e assistemáticos. Parto da afirmação da
ancoragem histórico-social dos diferentes conhecimentos e de seu cará-
ter dinâmico, o que supõe analisar suas raízes históricas e o desenvolvi-
mento que foram sofrendo, sempre em íntima relação com os contextos
nos quais este processo se vai dando e os mecanismos de poder nele
presentes. Assumo a posição que afirma a importância de se reconhecer
a existência de diversos conhecimentos no cotidiano escolar e procurar
estimular o diálogo entre eles, assumindo os conflitos que emergem des-
ta interação. Trata-se de uma dinâmica fundamental para que sejamos
capazes de desenvolver currículos que incorporem referentes de diferen-
tes universos culturais, coerentes com a perspectiva intercultural. Nesta
perspectiva, é importante conceber a escola como um “espaço vivo, flui-
do e de complexo cruzamento de culturas”, como propõe Pérez Gómez
(2001, p. 17):

Entre as propostas da cultura crítica, alojadas nas disciplinas


científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cultura
acadêmica, refletida nas definições que constituem o currículo;
os influxos da cultura social, constituída pelos valores hege-
mônicos do cenário social; as pressões do cotidiano da cultura
institucional, presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e
nos ritos próprios da escola como instituição específica; e as ca-
racterísticas da cultura experiencial, adquirida individualmente
pelo aluno através das experiências nos intercâmbios espontâ-
neos com seu meio.

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Este cruzamento de culturas e conhecimentos se dá de diferentes
maneiras, algumas vezes de modo confluente ou complementário, e ou-
tras de interação tensa, chegando mesmo a um confronto entre diferentes
posições. As tensões entre universalismo e relativismo no plano epistemo-
lógico e pedagógico em geral, se fazem especialmente presentes. O que
considero importante na perspectiva intercultural é estimular o diálogo, o
respeito mútuo e a construção de pontes entre diferentes conhecimentos
presentes no cotidiano escolar.
A categoria práticas socioeducativas, referida à interculturalidade,
exige colocar em questão as dinâmicas habituais dos processos educativos,
muitas vezes padronizadores e uniformes, desvinculados dos contextos so-
cioculturais dos sujeitos que dele participam e baseados no modelo frontal
de ensino-aprendizagem. Favorece dinâmicas participativas, processos de
diferenciação pedagógica, a utilização de múltiplas linguagens e estimu-
lam a construção coletiva.
Destaco dois aspectos incluídos nesta categoria de especial relevân-
cia para a didática: a diferenciação pedagógica e a utilização de múltiplas
linguagens e mídias no cotidiano escolar. A diferenciação pedagógica não
constitui um tema novo na reflexão pedagógica. No entanto, hoje exige
uma abordagem mais ampla que, sem desconsiderar os aspectos psicoló-
gicos, como os relativos aos ritmos e estilos de aprendizagem, incorporem
também a utilização de distintas expressões culturais. A construção de ma-
teriais pedagógicos nesta perspectiva e a criação de condições concretas
nas escolas que permitam uma efetiva diferenciação é outra exigência. Su-
põe “desengessar” a sala de aula, multiplicar espaços e tempos de ensinar e
aprender. Experiências que vêm sendo desenvolvidas através da metodolo-
gia de projetos têm propiciado esta diferenciação, assim como o emprego
de diversas linguagens e mídias.
No que diz respeito a linguagens e mídias, trabalhadas em articulação
com o já afirmado nesta categoria, trata-se de conceber a escola como um
centro cultural em que diferentes linguagens e expressões culturais estão
presentes e são produzidas. Não se trata simplesmente de introduzir as tec-
nologias de informação e comunicação e sim de dialogar com os processos

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de mudança cultural, presentes em toda a população, tendo, no entanto,
maior incidência entre os jovens e as crianças, configurando suas identida-
des. Os educadores e educadoras estão chamados a enfrentar as questões
colocadas por esta mutação cultural, o que supõe não somente promover a
análise crítica das diferentes linguagens e dispositivos culturais, particular-
mente das mídias digitais como também favorecer experiências de produção
cultural e de ampliação do horizonte cultural dos alunos e alunas, aprovei-
tando os recursos disponíveis na comunidade escolar e na sociedade.
A quarta categoria, políticas públicas, aponta para as relações dos
processos educacionais e o contexto político-social em que se inserem.
A perspectiva intercultural crítica reconhece os diferentes movimentos so-
ciais que veem se organizando em torno de questões identitárias, defende
a articulação entre políticas de reconhecimento e de redistribuição e apoia
políticas de ação afirmativa orientadas a fortalecer processos de construção
democrática que atravessem todas as relações sociais.
Na perspectiva da didática, supõe ter sempre presente o contexto em
que se realizam as práticas educativas, os constrangimentos e possibilida-
des que lhe são inerentes, e desenvolver um diálogo crítico e propositivo
orientado a fortalecer perspectivas educativas e sociais orientadas a radica-
lizar os processos democráticos e articular igualdade e diferença, em todos
os níveis e âmbitos, do macrossocial à sala de aula.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta perspectiva da didática crítica e intercultural está em construção.


No entanto, já é possível identificar elementos que favorecem seu desen-
volvimento tanto na reflexão acadêmica e na pesquisa, quanto na prática
cotidiana de educadores e educadoras.
Para avançar nesta perspectiva, enumero alguns aspectos que me pa-
recem de especial relevância:
• Supõe, na expressão utilizada pela educadora argentina Emilia Fer-
reiro (2001; apud LERNER, 2007, p. 7), assumir as diferenças como

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vantagem pedagógica, o que exige uma valorização das diferenças
culturais e de seu potencial para promover processos educacionais
potenciadores dos diferentes sujeitos neles implicados.
• Penetrar no universo de preconceitos e discriminações presentes
na sociedade brasileira. Essa realidade se apresenta entre nós com
um caráter difuso, fluido, muitas vezes sutil, e está presente em to-
das as relações sociais. A “naturalização” é um componente que a faz
em grande parte invisível e especialmente complexa. Para a promo-
ção de uma educação intercultural, é necessário reconhecer o caráter
desigual, discriminador, racista e homofóbico da nossa sociedade, da
educação e de cada um(a) de nós.
• Questionar o caráter monocultural, o etnocentrismo e a padroni-
zação que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e
nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares. Per-
guntarmo-nos pelos critérios utilizados para selecionar e justificar os
conhecimentos escolares, assim como ter presente a ancoragem his-
tórico-social dos chamados conteúdos curriculares, analisar suas raí-
zes históricas e o desenvolvimento que foram sofrendo, sempre em
íntima relação com os contextos em que este processo se vai dando
e os mecanismos de poder nele presentes. Ao mesmo tempo, exige
reconhecer a pluralidade de conhecimentos presentes na sociedade e
promover o diálogo entre eles.
• Articular igualdade e diferença: é importante articular no nível das
políticas educativas, assim como das práticas pedagógicas, o reco-
nhecimento e a valorização das diferenças culturais, com as questões
relativas à igualdade e ao direito a uma educação de qualidade social,
como direito de todos(as).
• Resgatar os processos de construção das nossas identidades cul-
turais, tanto no nível pessoal, como no coletivo. As histórias de vida
e da construção de diferentes comunidades socioculturais são ele-
mentos fundamentais nessa perspectiva. Especial atenção deve ser
dada aos aspectos relativos à hibridização cultural e à constituição

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de novas identidades culturais. É importante que se opere com um
conceito dinâmico e histórico de cultura, capaz de integrar as raízes
históricas e as novas configurações, evitando-se uma visão das cultu-
ras como universos fechados e em busca do “puro”, do “autêntico” e
do “genuíno”, como uma essência pré-estabelecida e um dado que
não está em contínuo movimento.
• Promover experiências de interação sistemática com os “outros”:
para sermos capazes de relativizar nossa própria maneira de situar-
mo-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido, é necessário que ex-
perimentemos uma intensa interação com diferentes modos de viver
e expressar-se. Não se trata de momentos pontuais, mas da capacida-
de de desenvolver projetos que suponham uma dinâmica sistemática
de diálogo e construção conjunta entre diferentes pessoas e/ou gru-
pos de diversas procedências sociais, étnicas, religiosas, culturais etc.
• Reconstruir a dinâmica educacional: a educação intercultural não
pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades realizadas em
momentos específicos, nem focalizar sua atenção exclusivamente
em determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global, que
deve afetar a seleção curricular, a organização escolar, as linguagens,
as práticas didáticas, as atividades extraclasse, o papel do(a) profes-
sor(a), a relação com a comunidade etc.
• Favorecer processos de “empoderamento”, principalmente orien-
tados aos atores sociais que historicamente tiveram menos poder na
sociedade, ou seja, menores possibilidades de influir nas decisões
e nos processos coletivos. O “empoderamento” começa por liberar
a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem, para que
ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O “empoderamento”
tem também uma dimensão coletiva, trabalha com grupos sociais
minoritários, discriminados, marginalizados etc., favorecendo sua
organização e participação ativa na sociedade civil.
• Estimular a diferenciação pedagógica: multiplicar/diversificar es-
paços e tempos de ensinar e aprender, assim como utilizar múltiplas

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linguagens e mídias no cotidiano escolar, dialogando com os proces-
sos de mudança cultural presentes na sociedade e com forte impacto
entre os jovens e as crianças.
Estes são componentes imprescindíveis na promoção de processos
educativos na perspectiva intercultural crítica. Trata-se de uma tarefa de
longo prazo, mas, ao mesmo tempo, pode ser colocada em prática hoje,
no nosso contexto educacional específico. Acredito que assim poderemos
contribuir para a construção de uma educação e uma sociedade mais igua-
litárias e democráticas.

REFERÊNCIAS

APPIAH, Kwame Anthony Entevista. O Globo, 5 de janeiro de 2012,


Caderno Prosa.

CANDAU, V. M. Educação Intercultural: entre afirmações e desafios In:


CANDAU, V. M.; MOREIRA, A. F. Currículos, disciplinas escolares e culturas.
Petrópolis: Vozes, 2014a.

CANDAU, Vera Maria. Concepção de educação intercultural. Rio de Janeiro:


Departamento de Educação, PUC-Rio, 2014b. (Documento de trabalho)

CORTESÃO, L.; STOER, S. “Levantando a pedra”: da pedagogia Inter/


Multicultural às políticas educacionais numa época de transnacionalização.
Porto: Afrontamento, 1999.

FLEURI, R. O debate internacional sobre interculturalidade e decolonialidade.


In: FLEURI, R. Educação intercultural e movimentos sociais: trajetória de pesquisas
da Rede Mover. João Pessoa: Editora do CCTA, 2017. p. 177-196.

LERNER, D. Enseñar en la Diversidad. Lectura y Vida, Buenos Aires, v. 26,


n. 4, 2007.

NOVAK, J.; CAÑAS, A. Building on new constructivist ideas and map tools to
create a new model for education. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON
CONCEPT MAPPING, 1., 2004, Pamplona. Anais [...]. Pamplona: [s. n.], 2004.

PÉREZ GÓMEZ, Á. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre:


Artmed, 2001.

286 didática : abordagens teóricas e contemporâneas


APÊNDICE

Mapa conceitual e educação intercultural

Movimentos
Identidade Sociais
Emancipação e
autonomia

Reconhecem
Fortalece
Est Reconhecimento
im
ula
u lam e Redistribuição
Artic
Sujeitos e Políticas
ia liza Atores Públicas
enc
Pot Rec
Pro
mo
onh st rói vem Democracia
Empoderamento ece Con Radical
Educação
Intercultural
Construção ve Val Universalismo e
Coletiva Se mo oriz
cut
e Relativismo
bas Pro a
eia
m Dis
Práticas
Conhecimentos
Sócio-educativas
Co
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Reconhece

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Valorizam

ali
V isi vem za
Conflitos
Diferenciação Conhecimento
Pedagógica Saberes científico
Múltiplas Sociais
Linguagens

Fonte: elabobaçã da autora.

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