07 - Recuperação de Ativos No Processo Penal

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Curso de

MERCADOS ILÍCITOS
E CRIME ORGANIZADO
NAS AMÉRICAS
Aula sobre
Recuperação de ativos e
medidas patrimoniais no
processo penal
Marta Saad
Introdução
Vou tratar aqui do tema de recuperação de ativos e medidas
patrimoniais no processo penal brasileiro.

A recuperação de ativos vem sendo tratada como uma forma


eficiente de política criminal de enfrentamento ao crime
organizado.
Conceitos

Recuperação de ativos: é entendida como a perda, em favor do Estado, dos produtos e proveitos das
atividades ilícitas.
Organizações
DRCI: O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional é uma unidade
especializada da Polícia Federal do Brasil responsável por investigar e combater crimes financeiros,
especialmente aqueles relacionados à lavagem de dinheiro, além de coordenar a cooperação
jurídica internacional em questões criminais.

Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC): é uma agência da ONU dedicada a
combater o tráfico de drogas, crimes transnacionais, corrupção e o terrorismo por meio de
programas de prevenção, assistência técnica e desenvolvimento de políticas.

GAFI: O Grupo de Ação Financeira Internacional é uma organização intergovernamental que


estabelece padrões e promove medidas para combater a lavagem de dinheiro, o financiamento do
terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa em nível global. Seu objetivo é
fortalecer os sistemas financeiros e proteger a integridade do sistema financeiro internacional.
Organizações
OCDE: A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma organização
internacional composta por 38 países que buscam promover políticas econômicas e sociais que
visam melhorar o bem-estar econômico e social das pessoas, além de estimular o crescimento
sustentável e o desenvolvimento econômico em escala global.

PCC: O Primeiro Comando da Capital é uma organização criminosa brasileira, com origem em São
Paulo.
Conteúdo da Aula
O crime não compensa, nem pode compensar. A prisão não é
suficiente como estratégia de política criminal: os indivíduos
presos são rapidamente substituídos por outros, na estrutura da
própria organização, perpetuando a prática delitiva.

Por isso, para além da prisão (e não necessariamente no lugar


da prisão) é necessário acrescentar medidas patrimoniais:
identificar e apreender o produto do crime e impedir o seu uso.

Sem recursos, a organização criminosa se enfraquece, perde a


capacidade de pagar seus membros, de financiar atividades,
de corromper funcionários públicos.
Conteúdo da Aula
Com a ideia de buscar o produto do crime, desde a década de
1970 muitos países passaram a criminalizar a conduta de
dissimular os bens oriundos de crimes. Com isso, o indivíduo
passou a ser processado e punido não só pelo crime praticado,
mas também por ocultar os valores obtidos com o crime.

Essa conduta é a lavagem de dinheiro. O termo lavagem de


dinheiro foi cunhado pelas autoridades dos Estados Unidos para
descrever um dos métodos usados pela máfia para justificar a
origem de recursos ilícitos: a exploração de máquinas
automáticas de lavar roupa. A lavanderia era deficitária, mas
dava lucro porque o dinheiro “sujo” era justificado e limpo como
se fosse obtido por aquela atividade comercial.
Conteúdo da Aula
No Brasil, a criminalização da lavagem de dinheiro foi tardia: o crime de lavagem foi criado apenas
em 1998 e a lei sofreu alteração em 2012.

As medidas patrimoniais de perda de ativos seguiram nosso modelo já consagrado no Código Penal,
de referibilidade, de ligação do bem com a prática delitiva, tanto do chamado crime antecedente,
quanto da própria atividade de lavagem.

Ao longo do processo, porém, devem ser possíveis medidas patrimoniais, que assegurem que ao fim
do processo os bens estarão lá, para serem perdidos e confiscados. São as chamadas medidas
cautelares patrimoniais, cuja disciplina, ainda é a da década de 1940, sem grandes alterações.
Conteúdo da Aula
No âmbito do Poder Executivo, compete ao DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Jurídica Internacional), criado em 2004, articular, integrar e propor ações entre os órgãos
dos Poderes Executivo e Judiciário e o Ministério Público para o enfrentamento da corrupção, da
lavagem de dinheiro e do crime organizado transnacional.

Além disso, o DRCI exerce a função de Autoridade Central para a cooperação jurídica internacional
em matéria penal e civil.
Conteúdo da Aula
Os desafios da recuperação de ativos não são exclusivos do modelo brasileiro.

Embora a recuperação seja um pilar fundamental para o enfrentamento do crime organizado, de


lavagem, de financiamento ao terrorismo, os países ainda têm pouca capacidade de investigação neste
sentido.

Na tentativa de identificar e impedir práticas de lavagem, o GAFI (Grupo de Ação Financeira


Internacional), que é um grupo especializado que atua de forma intergovernamental no âmbito da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), promove encontros periódicos de
especialistas e autoridades, com o objetivo de organizar os diálogos, trocar experiências, propor
mecanismos de aperfeiçoamento transfronteiriço, de apreensão e confisco de bens de origem ilícita.
Conteúdo da Aula
O Código Penal prevê a perda de instrumento, produto e
proveito do crime, como efeito da sentença penal condenatória
transitada em julgado. Desde 2012, também prevê a perda de
bens por equivalência, ou seja, bens de origem lícita, quando os
ilícitos, que são produto ou proveito do crime, estiverem fora do
Brasil ou forem de difícil localização.

Desde a Lei Anticrime, prevê também o chamado confisco


alargado. Neste sentido, o legislador brasileiro seguiu tendência
internacional de reforçar a implementação de mecanismos
legais que permitam que a persecução penal demonstre que “o
crime não compensa”, o que significa, notadamente nos crimes
que geram lícitos com expressão econômica, ter mecanismos
para impor a perda de todo e qualquer benefício ilícito
decorrente da atividade delitiva.
Conteúdo da Aula
No âmbito internacional, o confisco alargado foi sugerido, para
os países que compõem a União Europeia, por meio da Decisão-
Quadro N. 202/2005.

Posteriormente, em abril de 2014, o Conselho Europeu editou a


Diretiva N. 42/2014, dispondo sobre o congelamento e a perda de
instrumentos e produtos do crime, ampliando as disposições
anteriores. Esta Diretiva, além do confisco alargado, prevê
também o confisco não baseado em condenação e o confisco
de bens de terceiros, que não encontram ainda correspondente
no direito brasileiro.
Conteúdo da Aula
As reformas legislativas esparsas havidas em 2012 e 2019 não lograram adaptar à nova criminalidade o
que já tinha limitações na legislação anterior, quer pela assistematicidade característica das reformas
pontuais, quer porque continuam a fazer referência à lei antiga, ultrapassada.

Hoje, vive-se então em um modelo de atuação imprópria: o juiz “tortura” os preceitos normativos em
busca de efetividade e o acusado, diante da atuação judicial muitas vezes pautada pelo poder geral de
cautela, mas sem tipicidade, acaba não tendo meios suficientes de defesa, em razão da pouca clareza
quanto a pressupostos e requisitos para decretação e meios adequados de impugnação.

Os mecanismos operacionais de identificação e congelamento de ativos no Brasil são, assim,


insuficientemente previstos em lei e falham dos dois lados: quer pela falta de eficiência, quer pela
falta de garantia. Não atuam de forma rápida e eficaz, também não asseguram garantias aos
investigados.
• Necessidade de priorizar mercados ilícitos transnacionais mais violentos e rentáveis.
• Compreender a arquitetura ambiental e o contexto situacional é essencial para políticas de controle.
• Foco na perspectiva racionalista para desestimular o crime e criar políticas efetivas de segurança pública.
• Desempenho precário da América Latina no controle do crime aponta para a necessidade de mudanças estruturais.

Síntese da Aula
● Recuperação de ativos e combate ao crime organizado

● Lavagem de dinheiro

● Criminalização da lavagem de dinheiro no Brasil

● Recuperação de ativos na União Europeia e no Brasil


Referências
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BUCHO, José Manuel Saporiti Machado da Cruz. A transposição da Diretiva 2014/42/EU. Notas à Lei nº
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CARDOSO, Luis Eduardo Dias. A inversão do ônus da prova na decretação da perda alargada: entre o
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CORREA, João Conde. Da proibição do confisco à perda alargada. Lisboa: Imprensa Nacional, 2012.
Referências
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origem ilícita na experiência comparada americana. In: LEITE, Alaor; TEIXEIRA, Adriano (Org.). Crime e
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RODRIGUES, Hélio Rigor. O confisco das vantagens do crime: entre os direitos dos homens e os deveres
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Maria Raquel Desterro Ferreira, Eliana Lopes Cardoso e João Conde Correa (Coords.), O novo regime de
recuperação de ativos à luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a transpôs. Lisboa: Imprensa Nacional,
2018.
Referências
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Maria Raquel Desterro Ferreira, Eliana Lopes Cardoso e João Conde Correa (Coords.), O novo regime de
recuperação de ativos à luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a transpôs. Lisboa: Imprensa Nacional,
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