Criminal Compliance

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Estudos de Compliance Criminal

Estudos de Compliance Criminal

Organizador:
Fernando A. N. Galvão da Rocha
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni

O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de


cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


ROCHA, Fernando A. N. Galvão da (org.)

Estudos de Compliance Criminal [recurso eletrônico] / Fernando A. N. Galvão da Rocha (org.) -- Porto Alegre, RS: Editora
Fi, 2020.

244 p.

ISBN - 978-65-87340-07-4

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Compliance; 2. Coletânea; 3. Brasil; 4. Direito; 5. Criminal; I. Título.

CDD: 340
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito 340
Sumario

Apresentação ............................................................................................................. 9
Fernando A. N. Galvão da Rocha

1 ................................................................................................................................ 10
Riscos criminais da atividade empresarial: considerações sobre a postura
colaborativa de empresas no processo penal
Débora Santos Tavares

2 ............................................................................................................................... 26
Delitos de organização e criminalidade empresarial
Mathias Oliveira Campos Santos

3 ............................................................................................................................... 49
Acordos de não persecução penal por infrações econômicas: análise do modelo
consensual dos Estados Unidos
Marlos Corrêa da Costa Gomes

4................................................................................................................................ 76
Reflexões sobre a eficácia punitiva na responsabilização penal das pessoas jurídicas
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques

5 .............................................................................................................................. 107
Programa de integridade e responsabilidade penal da pessoa jurídica
Fernando A. N. Galvão da Rocha

6.............................................................................................................................. 146
Responsabilidade penal da pessoa jurídica e defeito de organização: da
(ir)relevância da adesão a um programa de compliance para a aferição da
responsabilização penal da pessoa jurídica no Brasil
Rafael Barros Bernardes da Silveira
7 .............................................................................................................................. 168
Canais institucionais de denúncia
Paola Alcântara Lima Dumont

8 ............................................................................................................................. 180
Considerações sobre o anonimato e sigilo de whistleblowers no Brasil
Felipe Machado Prates

9............................................................................................................................. 202
Investigações internas e a privatização do processo penal sob a ótica da
autoregulação regulada
Ciro Costa Chagas

10 ............................................................................................................................ 218
Redução de riscos da investigação interna autorregulada
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira
Apresentação

Fernando A. N. Galvão da Rocha

A implantação de um programa de integridade criminal atende a


duas finalidades básicas. Por um lado, o programa pretende evitar a prá-
tica de crimes no desenvolvimento das atividades empresariais, por meio
do controle dos riscos que lhe são inerentes, de modo a satisfazer sua
função preventiva. Por outro, o programa deve oferecer resposta ade-
quada aos problemas que foram identificados por seus mecanismos de
controle nas atividades empresariais. Neste sentido, é necessário instituir
procedimentos para corrigir os problemas encontrados e comunicar às
autoridades competentes a notícia da ocorrência de eventuais crimes. Por
meio de tais providências, o programa de integridade criminal atende à
sua função de confirmação do Direito.
Muito embora não exista na legislação infraconstitucional penal um
mandamento expresso ou implícito para que as empresas estabeleçam
programas de integridade visando à prevenção dos crimes, muitas pessoas
jurídicas passaram a implantar programas para controlar os riscos ineren-
tes às suas atividades e evitar a responsabilização criminal da própria
empresa e das pessoas físicas que nela exercem atividades empresariais.
O tema do compliance criminal tem se tornado cada vez mais im-
portante.
O texto que ora apresento ao leitor é fruto das discussões realizadas
no curso da disciplina Compliance criminal do Programa de Pós-
graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais, que é vinculada à área de Estudos sobre Direito Penal
Contemporâneo. Espera-se que as reflexões desenvolvidas possam esti-
mular a cultura da integridade, bem como o aprimoramento das medidas
que visam a prevenção dos crimes empresariais.
1

Riscos criminais da atividade empresarial:


considerações sobre a postura colaborativa
de empresas no processo penal

Débora Santos Tavares 1

1. Introdução

A criminalidade econômica apresenta muitos desafios à imputação


da responsabilidade penal individual. A pluralidade de agentes, a divisão
de tarefas, a delegação de funções e a fragmentação da informação difi-
cultam a identificação do autor responsável por determinada conduta
típica, ilícita e culpável praticada no âmbito da sociedade empresária 2.
Tendência em vários países do mundo, uma das estratégias político-
criminais de combate à criminalidade empresarial caracteriza-se pelo
incentivo à colaboração das empresas no processo penal e à adoção de
estruturas internas de prevenção de delitos conhecidas pelo termo com-
pliance criminal.
Em síntese, pode-se dizer que à liberdade de auto-organização em-
presarial corresponde o correlato dever de autorregulação conforme
determinados parâmetros estabelecidos pelo Estado, de modo que as

1
Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
2
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão: estudo sobre a responsabili-
dade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de cumprimento por
crimes praticados por membros da empresa. 1 ed. São Paulo: Marcial Pons, 2017, p. 38-40.
Débora Santos Tavares | 11

sociedades empresárias se tornam “fiscais de si próprias” 3. É o que se


chama de autorregulação regulada.
Com a Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE) celebrada em 1997 4 , diversos países
comprometeram-se a exigir que empresas adotassem medidas anticor-
rupção, inclusive por meio da responsabilidade penal da pessoa jurídica
pela corrupção de funcionário público estrangeiro (art. 2º) 5.
Além dos acordos de não persecução penal (non-prosecution agree-
ments e deferred prosecution agreements) caracterizados pelo princípio
da oportunidade processual, nos Estados Unidos há previsão expressa de
redução da pena para a pessoa jurídica que comunicar previamente a
ocorrência de ilícitos, nos termos da Sentencing Guidelineas Federal 6.
Na Espanha, o Código Penal prevê a confissão da infração e a efetiva
colaboração com a investigação criminal como circunstâncias atenuantes
da responsabilidade penal da pessoa jurídica (artículo 31 quarter).
No mesmo sentido, no Chile 7 a responsabilidade penal da pessoa ju-
rídica pelos crimes de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo
e concussão pode ser significativamente atenuada quando a organização
coopera efetivamente com as investigações criminais, noticiando os fatos
ilícitos apurados à autoridade competente.
A postura colaborativa como meio de defesa está diretamente rela-
cionada à realização de investigações internas em sociedades
empresárias, fenômeno ainda pouco explorado no processo penal brasi-
leiro. Isso porque, diversamente dos países supracitados, no Brasil os
principais incentivos legais à cooperação de empresas com o Estado para

3
SALVADOR NETO, Alamiro Velludo. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2018, p. 221.
4
No Brasil, a Convenção foi promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.678/2000. Posteriormente, a Lei nº
10.467/2002, tipificou o crime de corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B do CPB).
5
SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal jurídica: construção de um novo modelo de imputação
baseado na culpabilidade corporativa. São Paulo: LiberArs, 2016, p. 31.
6
ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; SILVA, Douglas Rodrigues da. Aproveitamento de investigações internas como
prova no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 27, n. 156, p. 61-90., jun. 2019.
7
Ley 20.393, de 02 de decembro de 2009.
12 | Estudos de Compliance Criminal

apuração de ilícitos ainda são restritos ao direito administrativo sancio-


nador.
Conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, a Lei
12.846/2013 determina que a colaboração da pessoa jurídica para a apu-
ração das infrações deve ser considerada na aplicação da sanção
administrativa (art. 7º, VII) e regulamenta os chamados acordos de leni-
ência (art. 16).
A influência dos acordos de delação premiada na Operação Lava Ja-
8
to e a criação do acordo de não persecução penal pela Lei 13.964/2019
(art. 28-A), contudo, apontam para o crescente protagonismo da chama-
da justiça negocial no Brasil. A tendência é de que no futuro (próximo ou
distante) a postura colaborativa de pessoas jurídicas seja um meio de
defesa cada mais vez mais comum no processo penal.

2. Breve panorama para empresas brasileiras

Embora a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil seja


limitada à prática de crimes ambientais (art. 3º da Lei nº 9.605/98), o
Anteprojeto de Código Penal (PLS nº 236 de 2012), em trâmite no Sena-
do Federal, prevê a sua ampliação para crimes contra a administração
pública e a ordem econômico-financeira (art. 39).
Entre as penas previstas (art. 71), destacam-se a perda de bens e va-
lores, a publicidade do fato em órgãos de comunicação de grande
circulação e as restrições de direito pelo prazo de 01 (um) a 05 (cinco)
anos – suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária
do estabelecimento; proibições de participar de licitação e celebrar con-
tratos com a Administração Pública, de obter empréstimos do Poder
Público e de que seja concedido parcelamento de tributos (art. 72).

8
Segundo dados disponíveis no site do Ministério Público Federal, só no STF já foram homologados 138 acordos de
colaboração até 09.12.2019. Fonte: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/resultados.
Débora Santos Tavares | 13

Além disso, a pena de liquidação forçada será aplicada à pessoa jurí-


dica utilizada preponderantemente para financiar ou facilitar a prática de
crimes (art. 71, §3º).
Caso o PLS nº 236 seja definitivamente aprovado, as sociedades
empresárias deverão lidar com um cenário de novos desafios no Brasil –
como enfrentar os riscos criminais da atividade empresarial?
Embora as pessoas jurídicas ainda não encontrem incentivos legais
para a adoção do compliance criminal e de uma postura colaborativa no
processo penal, dois motivos principais justificam a importância do as-
sunto: (i) o expressivo número de empresas brasileiras que atuam no
comércio internacional 9 e a (ii) os programas de compliance criminal não
servem apenas à defesa da pessoa jurídica.
Com efeito, as normas que sancionam a corrupção internacional ca-
racterizam-se pela relevante aplicação extraterritorial. É o caso do FCPA -
Estados Unidos (1977), e do Bribary Act - Reino Unido (2010) 10.
O FCPA, por exemplo, é aplicável a qualquer empresa que tenha
ações ou outros valores mobiliários registrados no país (American Depo-
sitary Receipts - ADR). As empresas poderão ser investigadas e
responsabilizadas por ato de suborno a funcionário público praticado em
território americano ou por qualquer meio de comunicação que passe
pelos EUA (ligação telefônica, e-mail, mensagem de texto etc.).
Segundo o The United States Department of Justice (DOJ), o acordo
de não persecução penal celebrado com a Petrobrás resultou no paga-
mento de US$ 853,2 milhões de multa por violações ao FCPA. Conforme
a notícia oficial divulgada pelo DOJ em 27.09.2018 11, a empresa não noti-
ficou voluntariamente os ilícitos, mas colaborou totalmente com as
investigações. A cooperação incluiu a realização de uma investigação

9
Conforme os dados disponibilizados pelo Ministério da Economia, por exemplo, 27.510 empresas brasileiras
foram cadastradas como “exportadoras” em 2019. Fonte: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-
exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/empresas-brasileiras-exportadoras-e-importadoras.
10
MARTÍN, Adan Nieto. A prevenção da corrupção. In MARTÍN, Adan Nieto (org). Manual de cumprimento
normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2º ed., São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 388.
11
Disponível em: https://www.justice.gov/opa/pr/petr-leo-brasileiro-sa-petrobras-agrees-pay-more-850-million-
fcpa-violations.
14 | Estudos de Compliance Criminal

interna completa e de medidas corretivas, como a substituição do Conse-


lho de Administração e da Diretoria Executiva.
Por outro lado, os programas de compliance criminal não influenci-
am apenas a defesa da pessoa jurídica. Em 2012, o famoso julgamento da
Ação Penal nº 470 (caso “Mensalão”) demonstrou a relevância do tema
para a imputação da responsabilidade penal de administradores ou dire-
tores de empresas. O termo “compliance” é citado mais de 500 vezes no
acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) 12.
No caso, identificou-se que o Governo teria liberado verbas a grupos
publicitários por meio de manobras ilícitas, tendo sido depositadas em
uma instituição bancária. No julgamento, os Ministros do STF considera-
ram o fato de que o setor de compliance da instituição financeira teria
apontado diversas irregularidades nas operações, o que foi ignorado pelo
órgão diretivo da instituição. Os diretores foram ao final condenados pelo
crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) 13.
No contexto da autorregulação regulada, pode-se dizer que é atribu-
ído à alta cúpula da empresa verdadeiro dever de vigilância sobre a
atividade empresarial, de modo que diretores ou administradores podem
responder penalmente por omissão imprópria quando podiam agir para
evitar o resultado típico relacionado à sociedade empresária (art. 13, §2º,
do Código Penal).
Parte da doutrina defende que o especial dever de agir dos dirigen-
tes da empresa para evitar o delito se fundamenta no controle sobre a
empresa como fonte de perigo. Segundo Heloísa Estellita 14:

O fundamento dessa posição seria a responsabilidade pela criação de uma


fonte de perigo, da qual possam advir danos a bens jurídicos de terceiros ou
da coletividade, do que decorreria o dever de adotar as medidas necessárias

12
Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=11541.
13
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 200.
14
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão: estudo sobre a responsabi-
lidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de cumprimento por
crimes praticados por membros da empresa. 1 ed. São Paulo: Marcial Pons, 2017, p. 117-118.
Débora Santos Tavares | 15

para prevenir a ocorrência desses danos. A criação lícita de uma fonte de pe-
rigo implica o correlato dever de cuidar para que esses perigos não se
realizem em resultados típicos. O reverso da liberdade de criar um foco de
perigo é o dever – e, pois, a responsabilidade – de cuidar para que desse foco
não advenham danos a terceiros ou à coletividade.

Fato é que a responsabilidade penal dos diretores da organização


não é fundada exclusivamente na existência do dever de garante, sob
pena de se criar uma inadmissível responsabilização objetiva nos crimes
omissivos impróprios 15. Verificada e existência do especial dever de agir
para evitar o ilícito empresarial, passa-se à análise da tipicidade, ilicitude
e culpabilidade da conduta omissiva.
Ainda pouco explorado no Brasil, o panorama de riscos criminais da
atividade empresarial para a pessoa jurídica e seus dirigentes justifica a
importância do estudo sobre a face preventiva do direito penal econômi-
co e suas aplicações no processo criminal.

3. Investigações internas como meio de defesa: uma análise à luz


dos acordos de leniência

Seguindo as orientações da ISO 19.600-2014, o Decreto 8.420/2015,


que regulamenta a Lei Anticorrupção, estabeleceu uma série de parâme-
tros para avaliação dos programas de compliance no Brasil (art. 42).
Entre eles, destacam-se o comprometimento da alta cúpula da em-
presa; a criação de um código de ética aplicável indistintamente a
empregados, administradores e terceiros (como fornecedores de servi-
ços); a análise periódica de ricos; a existência de canais denúncia e a
aplicação de medidas disciplinares em caso de violação ao programa.
Nesse contexto, os procedimentos de investigação interna são co-
mumente utilizados para apuração de determinada irregularidade

15
LUZ, Ilana Martins. Compliance omissão imprópria. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 240.
16 | Estudos de Compliance Criminal

(geralmente identificada através do canal de denúncias 16) e aplicação das


medidas disciplinares previamente estabelecidas no código de ética da
empresa.
A investigação torna-se fundamental inclusive para demonstrar a
efetividade do programa e contribuir para a criação de uma verdadeira
cultura corporativa – se o denunciante suspeita que não será levado a
sério, não aceitará os riscos da utilização do canal de denúncias 17.
Por outro lado, os procedimentos internos de investigação também
podem ser utilizados como meio de defesa da pessoa jurídica no processo
penal. Quanto mais informações a empresa reunir sobre o ilícito, maior
será o poder de negociação sobre eventual acordo de não persecução
penal com as autoridades, por exemplo.
A colaboração de empresas no processo penal por meio de investi-
gações internas teve origem nos Estados Unidos a partir do caso
Watergate, com a evidente escassez de recursos da Securities and Ex-
change Commission (SEC) para enfrentar os macro escândalos de
corrupção no mundo empresarial a partir da década de 1970 18.
No Brasil, os acordos com grandes sociedades empresárias são co-
muns no direito da concorrência e mais recentemente, no direito
administrativo sancionador. Conforme a Lei 12.529/2011 (art. 86), o
acordo de leniência no âmbito da política antitruste somente poderá ser
celebrado com a primeira empresa que noticiar o ilícito (prática de car-
tel).
Isso significa que no campo do chamado “direito premial”, a empre-
sa que identifica rapidamente a conduta ilícita e comunica em primeiro
lugar às autoridades pode se beneficiar de maiores vantagens. O modelo

16
Conforme pesquisa da Association of Certified Fraud Examinors, nas organizações que possuem canal de denún-
cias, 46% das fraudes foram detectadas por meio do canal. Fonte: SPINELLI, Mário Vinicius Classen.
Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto (org.). Manual de Cumprimento
Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 285.
17
MORENO, Beatriz García. Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto (org.).
Manual de Cumprimento Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo: Tirant Lo
Blanch, 2019, p. 259.
18
VERÍSSIMO, Carla. Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 298.
Débora Santos Tavares | 17

adotado na legislação de defesa da concorrência inclusive inspirou a re-


gulamentação dos acordos de leniência com organizações empresariais
pela Lei Anticorrupção (art. 16 da Lei 12.846/2013) 19.
O fato de os acordos antitruste e anticorrupção aplicarem-se a ilíci-
tos com características comuns à criminalidade econômica empresarial
(caráter associativo, dificuldade de obtenção de provas, lesão a bens jurí-
dicos de titularidade difusa 20) demonstra que a colaboração de pessoas
jurídicas pode se tornar um fenômeno comum também no processo
penal.
Para García Moreno, as informações obtidas por meio de investiga-
ções internas podem ser indispensáveis para a elaboração da estratégia
de defesa da empresa, caso seja posteriormente instaurada uma ação
penal. Segundo a autora, “contar com informação dos fatos antes de que
esta chegue às mãos do promotor de justiça ou do juiz e poder adminis-
trá-la à sua conveniência coloca a entidade em posição muito
vantajosa” 21.

4. O princípio da não autoincriminação empresarial

Realizado o procedimento de investigação interna para apuração de


irregularidades, a pessoa jurídica tem o dever de comunicar os ilícitos
identificados às autoridades?
À exceção da obrigação de denunciar operações suspeitas atribuída
às pessoas físicas e jurídicas sujeitas aos mecanismos de controle previs-
tos na Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), a empresa não é
obrigada a comunicar ilícitos e colaborar com investigações criminais ou
ações penais eventualmente instauradas.

19
TAFARELLO, Rogério Fernando. Acordos de leniência e de colaboração premiada no direito brasileiro: admissibi-
lidade, polêmicas e problemas a serem solucionados. Revista Brasileira da Advocacia. Vol. 4. Ano 2. p. 211-131. São
Paulo: Ed. RT, jan-mar. 2017, p. 215.
20
Ibidem, p. 220.
21
MORENO, Beatriz García. Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto (org.).
Manual de Cumprimento Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo: Tirant Lo
Blanch, 2019, p. 260.
18 | Estudos de Compliance Criminal

Embora o tema não seja pacificado, adota-se no presente artigo o


entendimento no sentido de que a garantia constitucional de não autoin-
criminação (art. 5º, LXIII, CF/1988) deve ser compreendida em sentido
amplo, deve ser compreendida em sentido amplo, aplicável também às
organizações.
Ao reconhecer o direito à indenização por danos morais 22, o direito
à imagem 23 e o direito de propriedade às empresas, os Tribunais Superi-
ores consolidaram o entendimento jurisprudencial no sentido de que
pessoas jurídicas são titulares de direitos fundamentais compatíveis com
a sua natureza 24.
Ainda que a garantia de não autoincriminação não seja expressa-
mente prevista para pessoas jurídicas 25, fato é que se os entes coletivos
estão sujeitos à responsabilização criminal, também devem ser protegi-
dos pelo direito de não produzir provas contra si mesmas. Foi esse o
entendimento adotado pelo Tribunal Inglês no caso Triplex Safety Glass
Co. Ltd vs Lancegaye Safety Glass 26.
Em 2018, o Conselho Federal da OAB editou o Provimento nº 188
para regulamentar as investigações defensivas realizadas por advoga-
dos 27. Conforme o Documento, a investigação orienta-se para produção
de prova que pode ser utilizada em propostas de acordo de leniência, de
colaboração premiada e em outros procedimentos de natureza criminal
(art. 3º). Ainda, estabeleceu-se que o advogado e outros profissionais que
prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à
autoridade competente os fatos investigados (art. 6º).

22
Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça.
23
Nesse sentido, REsp 1504833/SP; REsp 1407907/SC.
24
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 348.
25
O Código de Processo Penal estabelece normas destinadas exclusivamente a pessoas naturais e a Lei 9.605/1998
não prevê regras procedimentais sobre a ação penal movida contra empresas para a apuração de crimes ambien-
tais.
26
MACHADO, Jónatas E. M. e RAPOSO, Vera L. C. O Direito à não Auto-Incriminação e as pessoas colectivas
empresariais. In: Revista Direitos Fundamentais & Justiça nº 8 - jul./set. 2009. Disponível em:
http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/08_Artigo_1.pdf555.
27
Disponível em: https://www.oab.org.br/util/print?numero=188%2F2018&print=Legislacao&origem=
Provimentos.
Débora Santos Tavares | 19

Embora não exista uma obrigação legal de reportar os resultados da


investigação interna às autoridades, a orientação da ISO 19.600 é de que
as empresas considerem essa possibilidade (voluntary self disclosure) em
troca de possível mitigação das consequências do noncompliance 28.
No Brasil, o Decreto 8.420/2015 prevê a redução da penalidade de
multa nos casos em que a pessoa jurídica comunique espontaneamente o
ato lesivo à Administração Pública antes da instauração do Processo Ad-
ministrativo de Responsabilização (PAR) (art. 18, inciso IV). A obrigação
de apurar fatos ilícitos e entregar os resultados às autoridades, no entan-
to, pode ser incluída em acordos de leniência que venham a ser firmados
pelas empresas 29.
Conforme a orientação editada pela Controladoria-Geral da União
(CGU) “Programa de Integridade – Diretrizes para Empresas Privadas”
(2015) 30, a empresa deve utilizar os dados obtidos com a investigação
interna para subsidiar uma cooperação efetiva com as autoridades, em
troca de benefícios no processo administrativo de responsabilização.
No acordo celebrado com o Ministério Público Federal durante as
investigações da Operação Carne Fraca, a J&F Investimentos S.A. (hol-
ding do grupo JBS) se comprometeu a realizar uma investigação interna
completa para apurar os ilícitos identificados e apresentar as provas
obtidas 31. No mesmo sentido são os acordos de leniência firmados entre o
MPF e a Odebrecht S.A. 32, Braskem S.A. 33 e Mullen Lowe Brasil Publici-
dade Ltda 34.

28
VERÍSSIMO, Carla. Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 299.
29
Ibidem, p. 299.
30
Disponível em: www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-
para-empresas-pdf.
31
Disponível em: http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/acordo-leniencia.
32
Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/acordo-leniencia-odebrecht-mpf.pdf.
33
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2019/04/
Termo-de-Acordo-Braskem.pdf.
34
Disponível em: https://www.cgu.gov.br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao/acordo-
leniencia/acordos-firmados/mullenlowe.pdf.
20 | Estudos de Compliance Criminal

5. Limites à privatização do processo penal: valor probatório das


investigações internas

Enquanto a organização é beneficiada com vantagens de não perse-


cução penal ou redução significativa de sanções, o Estado tem acesso a
meios de prova que provavelmente não obteria sem a colaboração da
pessoa jurídica (documentos sigilosos, e-mail de empregados, etc.).
A despeito de suas vantagens, a atividade investigativa privada pode
causar graves riscos aos direitos fundamentais dos investigados. Em
determinados casos, as investigações internas podem representar uma
verdadeira privatização do processo penal. Segundo Adán Nieto 35:

Através de diversos mecanismos (atenuações da pena, não responsabilização


da empresa), o Estado premia aquelas empresas que colaborem com o pro-
cesso penal ou administrativo sancionador, aportando provas. Convém não
perder de que vista que a investigação interna pode se converter em um pro-
cesso penal “teleguiado” por parte do promotor de justiça ou do juiz,
abrindo-se a porta de uma sorte de fraudes, na qual o Estado se afasta das
estritas regras do jogo, aplicáveis ao processo penal, para tentar investigar
por meio da própria empresa, em um marco jurídico mais flexível, como é o
caso das investigações internas.

Nesse contexto, é preciso estabelecer limites para a validade da in-


vestigação e utilização da prova obtida em futura ação penal. O
procedimento de investigação interna deve ser previamente estabelecido
e acessível a todos os empregados e diretores da empresa, a fim de asse-
gurar o “devido processo legal interno” 36.
Para suprir a ausência de normas jurídicas que regulamentem con-
cretamente o tema, recomenda-se a criação de um código de
investigações internas 37 pela empresa, com regras expressamente defini-

35
MARTÍN, Adan Nieto. Investigações internas. In MARTÍN, Adan Nieto (org). Manual de cumprimento normativo e
responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2º ed., São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 296-297.
36
LUZ, Ilana Martins. Compliance omissão imprópria. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 135.
37
MARTÍN, Adan Nieto. Investigações internas. In MARTÍN, Adan Nieto (org). Manual de cumprimento normativo e
responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2º ed., São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 295.
Débora Santos Tavares | 21

das sobre prazos, garantias e deveres do investigado, proteção do denun-


ciante, sigilo das informações, equipe responsável pelo comando da
investigação, documentação das provas obtidas e medidas cautelares que
podem ser adotadas pela organização.
A documentação completa de todas as informações obtidas com a
investigação torna- se ainda mais importante com a recente publicação
da Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), que regulamenta a preservação da
cadeia de custódia da prova no processo penal (art. 158-A a art. 158-F do
CPP).
Para Gustavo Badaró 38, a cadeia de custódia da prova não se limita à
coleta de elementos materiais coletados no local do crime – a sua aplica-
ção também deve ser estendida a elementos “imateriais” registrados
eletronicamente, como o conteúdo de e-mails, mensagens de texto e
conversas telefônicas.
Por outro lado, considerando que atividade investigativa privada
pode afetar significativamente a relação laboral existente entre a empresa
e o empregado eventualmente investigado, a validade do procedimento
interno de investigação pressupõe também a estrita observância das
normas do direito do trabalho.
No caso de instituições financeiras, o Tribunal Superior do Trabalho
(TST) fixou entendimento no sentido de que é ilícita a quebra de sigilo
bancário de correntistas empregados sem autorização judicial, ainda que
por sindicância interna, com ampla defesa e sem divulgação a terceiros
(art. 5º, X, CF/88). Por outro lado, se o acesso a movimentações financei-
ras ocorre de forma indistinta em relação a todos os correntistas da
instituição, para cumprir determinação legal prevista na Lei 9.613/98
(art. 11, II e §2º), não haveria ilicitude 39.
Em outro caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região en-
tendeu que se a empresa se vale de procedimento investigatório para

38
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A Cadeia de Custódia e sua Relevância para a Prova Penal. In: SIDI,
Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (Org). Temas Atuais da Investigação Preliminar no Processo Penal. Belo
Horizonte: Editora D’Plácido, 2017, p. 522.
39
TST, RR-566-91.2014.5.23.0001, 6ª Turma, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 14/06/2019.
22 | Estudos de Compliance Criminal

apuração de irregularidades cometidas pelo empregado, a aplicação de


qualquer penalidade antes do prazo previsto para o fim da investigação é
ilícita porque viola o princípio da ampla defesa 40.
Durante a atividade investigativa, contudo, o surgimento de confli-
tos entre deveres do empregado e garantias penais de defesa é bastante
provável. Uma questão é particularmente relevante – o empregador pode
realizar entrevistas com o investigado? O investigado tem a obrigação de
responder às perguntas?
Parte da doutrina entende que a empresa pode utilizar-se do poder
disciplinar para interrogar o empregado e aplicar sanções, mas em razão
da garantia constitucional de não autoincriminação, o depoimento do
investigado não poderá ser utilizado contra ele em eventual ação penal 41.
Em qualquer hipótese, o entrevistado deve ser informado prévia e
plenamente sobre os seus direitos, sobre os fatos que estão sendo inves-
tigados e qual destino a empresa poderá dar para a sua declaração 42.
Nos casos em que o tratamento de dados pessoais de empregados
ou terceiros seja utilizado no procedimento de investigação, deve-se ob-
servar rigorosamente as regras dispostas na Lei 13.709/2018, que
entrará em vigor em agosto de 2020. Conforme a Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD), o tratamento de dados pessoais deve ser consentido,
transparente e limitado ao mínimo necessário para a realização de finali-
dades legítimas do controlador (art. 6º).

6. Conclusão

Na direção da estratégia político-criminal de combate à criminalida-


de econômica adotada em diversos países do mundo a partir da década
de 1970, o Projeto de Lei nº 236/2012, em trâmite no Senado Federal,

40
TRT 3ª Região RO-01064201405203004, 11ª Turma, Rel. Juíza Convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim,
DJE:19/03/2015.
41
VERÍSSIMO, Carla. Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 298.
42
MARTÍN, Adan Nieto. Investigações internas. In MARTÍN, Adan Nieto (org). Manual de cumprimento normativo
e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2º ed., São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 316.
Débora Santos Tavares | 23

aponta que no Brasil, a tendência é de ampliação da responsabilidade


penal da pessoa jurídica para além dos crimes ambientais.
Nesse contexto, a postura colaborativa da pessoa jurídica, que já é
um meio de defesa adotado por diversas organizações no âmbito do di-
reito da concorrência (Lei 12.529/2011) e do direito administrativo
sancionador (Lei 12.846/2013), pode se tornar um fenômeno cada vez
mais comum no processo penal.
Além de constituírem elemento fundamental dos programas de
compliance criminal para apuração de irregularidades, os procedimentos
de investigação interna representam um mecanismo importante de cola-
boração com as autoridades. Quanto mais informações forem reunidas
sobre o ilícito apurado, maior será o poder da empresa de negociação
sobre eventuais sanções aplicadas.
Fato é que a atividade investigativa privada não poderá ser utilizada
em benefício da pessoa jurídica quando violar direitos fundamentais do
investigado, o que compreende a estrita observância das garantias penais
e processuais penais, das normas do direito do trabalho e da Lei Geral de
Proteção de Dados.
Embora ainda não existam incentivos legais para adoção do compli-
ance criminal e para a colaboração no processo penal, a importância do
direito penal econômico preventivo se justifica pelo expressivo número
de empresas que atuam no comércio exterior e se sujeitam às normas de
combate à corrupção internacional.
Além disso, o dever de vigilância sobre a atividade empresarial atri-
buído aos dirigentes da empresa demonstra que a criação de estruturas
internas de prevenção contra ilícitos não é útil apenas à defesa da pessoa
jurídica.
24 | Estudos de Compliance Criminal

7. Referências

ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; SILVA, Douglas Rodrigues da. Aproveitamento de


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Criminais, São Paulo, v. 27, n. 156, p. 61-90., jun. 2019. Disponível em:
http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=151436. Acesso em: 22
dez. 2019.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A Cadeia de Custódia e sua Relevância para a
Prova Penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (Org). Temas Atuais da
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VERÍSSIMO, Carla. Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva,


2017.
2

Delitos de organização e criminalidade empresarial

Mathias Oliveira Campos Santos 1

1. Introdução

As organizações ostentam uma importância inquestionável na con-


figuração da sociedade contemporânea. É por meio delas que o sistema
capitalista se retroalimenta, que grupos de pessoas se associam em torno
de uma finalidade comum e que o Estado confere funcionalidade aos seus
atos.
Com efeito, é possível vislumbrar algumas organizações que trans-
cendendo a figura de seus fundadores e/ou representantes legais,
adquiriram identidade/personalidade própria. Sublinhe-se àquelas que,
por meio de uma cultura organizacional criminógena, influenciam (e
incentivam) seus stakeholders e colaboradores a prática de comporta-
mentos ilícitos. Tudo isso desperta interesses e dúvidas tanto ao
aplicador da lei quanto ao pesquisador dos fundamentos da punição
estatal de natureza penal, uma vez que se trata de um assunto pouco
explorado pela academia.
Tratando-se de responsabilidade penal é sempre necessário ter
maior cautela e zelo científico. Afinal, se discute sobre os limites da atua-
ção punitiva estatal. Não sem motivo que Luís GRECO, em um estudo

1
Advogado Criminalista. Mestrando em Direito Penal Contemporâneo pela UFMG. Pesquisador do tema: Autoria
mediata pelo domínio por organização na criminalidade de empresa. Especialista em Prevenção e repressão à
corrupção pela Universidade Estácio de Sá (2018). Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (PUC-
MG) (2016).
Mathias Oliveira Campos Santos | 27

sobre o valor da dogmática penal, defende que o papel da ciência jurídica


é justamente oferecer razões aos portadores de poder. Entretanto, o po-
der não se interessa por razões per si, mas, pelo seu suporte de
legitimação 2. O uso de poder sem boas razões é uma arbitrariedade com-
parável ao período primitivo, quando prevalecia o uso da força. O direito
não pode ser apenas exercício de poder, é necessário algo que informe,
ainda que minimamente, ao cidadão a natureza, extensão dos direitos
afetados e o motivo de tal medida, de modo que o reconheça como sujeito
de direitos e deveres. Em síntese, o direito é a tentativa de domar o poder
por razões 3.
Logo, a dogmática jurídica constitui um elemento imprescindível
nas decisões judiciais, inclusive, alçando o posto simbólico de quarto
poder 4. E só é assim se conferir previsibilidade, racionalidade e seguran-
ça a decisão judicial - afastando soluções e respostas meramente ad hoc e
casuísticas -, por intermédio de uma cientificidade legitimada pela pró-
pria lógica do direito.
O direito, por sua vez, não pode se situar totalmente alheio à lógica
ontológica, sob pena de regular o nada, com distintos critérios (muitas
vezes incoerentes entre si) e perder sua legitimidade. Portanto, deve se
atentar aos fenômenos tais como se apresentam na vida em sociedade,
suas características e consequências. Já em um momento posterior, con-
siderando todos estes elementos informacionais, realizar um juízo
axiológico, de modo que fatos com aspectos similares tenham conse-
quência jurídica semelhante. Com efeito, a título de ilustração, quando se
sobrepõe esta lógica no Direito Penal, pode se afirmar que todo delito se
assemelha pela condição de ser, no mínimo, uma ameaça a um bem jurí-

2
GRECO, Luís. Dogmática e ciência do Direito Penal. In: As razões do direito penal. Quatro estudos. Tradução e
organização: Eduardo Viana; Lucas Montenegro; Orlandino Gleizer. – 1. Ed. – São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 28.
3
GRECO, Luís. Dogmática e ciência do Direito Penal. [...]. P. 25
4
SCHUNEMANN, Bernd. Dez teses sobre a relação da dogmática penal com a política criminal e com a prática do
sistema penal. In: Direito Penal, Racionalidade e Dogmática. Sobre os limites invioláveis do direito penal e o
papel da ciência jurídica na construção de um sistema penal racional. – 1. Ed. – São Paulo: Marcial Pons, 2018.
P. 89.
28 | Estudos de Compliance Criminal

dico penalmente tutelado 5 ou frustração de uma expectativa normativa-


mente institucionalizada 6. Não se questiona, outrossim, que mesmo que
as consequências jurídicas do crime variem em espécie e intensidade,
ainda são penas.
A questão, entretanto, se apresenta complexa e nebulosa quando se
verificam fenômenos sociais, com peculiaridades desconhecidas, âmbito
de atuação exponencial e, portanto, potencial lesivo mais do que signifi-
cativo, serem tratados como se fossem fatos corriqueiros e pouco
significativos do cotidiano democrático.
Neste sentido, na contramão da realidade e do contexto de expansão
dos delitos de organização no Brasil 7, grande parcela da doutrina se ocu-
pa exclusivamente com os conflitos de natureza interindividual 8, em uma
crença irracional de que a lógica construída para estes se adequa àqueles,
sem maiores reparos. A partir deste equívoco de perspectiva (replicada
muitas vezes pela jurisprudência), se ignoram elementos indispensáveis
e simplificam questões complexas, o que paradoxalmente agrava o qua-
dro de confusão conceitual, minando a legitimidade racional da norma
penal.
A participação de vários indivíduos na prática de um delito sempre
foi um tema desafiador no direito penal, mormente, quando à natureza
das contribuições ao resultado típico são distintas e quem dê causa ao
fato não ostente culpabilidade. Situação que abre portas para as lacunas
de punibilidade ou pior, para a figura da exoneração recíproca 9.

5
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2009.
6
JAKOBS, Günther. Tratado de direito penal: Teoria do Injusto Penal e culpabilidade. Belo Horizonte: Del Rey,
2008. P.61.
7
Neste tópico, oportuno se mencionar os casos de esquemas de organização criminosa branca, estruturados pela
corrupção endêmica (Mensalão e a Lava Jato), organizações criminosas violentas (PCC), os grupos terroristas e os
escritórios especializados em Lavagem de Dinheiro, que funcionam como verdadeira engrenagem do crime organi-
zado.
8
STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito.
Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2011. P.45.
9
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva. São Paulo: Marcial Pons, 2018. P. 44.
Mathias Oliveira Campos Santos | 29

O legislador brasileiro, em uma tentativa pragmática de superação


deste problema no âmbito da criminalidade empresarial, positivou a
figura da responsabilidade penal da própria pessoa jurídica (PJ) 10, limita-
da ao âmbito dos crimes ambientais. Tema que muito embora não seja
nenhuma novidade dogmática, uma vez que já era previsto em várias
legislações estrangeiras 11, movimentou a comunidade cientifica brasileira.
Inicialmente, a doutrina majoritária rejeitou a possibilidade 12, com ar-
gumentos baseados na incapacidade de ação da PJ e no secular brocado
societas deliquere non potestas. Atualmente, entretanto, já não é possível
defender com tanta veemência tal linha argumentativa. Sobretudo, con-
siderando que a jurisprudência das cortes superiores 13 , brasileira e
estrangeira, acolheu a responsabilização penal da PJ, o que ecoou na
academia 14.
No âmbito das pessoas físicas, que é o que importa neste feito, a so-
lução legislativa foi a de positivar e expandir os delitos de organização 15,

10
Art. 3º da Lei n. 9605/98. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE
FEVEREIRO DE 1998. República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm. Acesso em 02 de dezembro de 2019.
11
Pode se citar a Espanha, Holanda, Portugal, Irlanda, Noruega, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Suécia, Estados
Unidos, Japão, etc. BRODT, Luís Augusto Sanzo. MENEGHIN, Guilherme de Sá. Responsabilidade penal da pessoa
jurídica: um estudo comparado. Revista dos Tribunais. RT. Vol. 961. Novembro, 2015.
12
PRADO, Luis Regis et al. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação
penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.; SILVA, Guilherme José Ferreira da. A incapacidade
criminal da pessoa jurídica. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2003.
13
Vide o voto no Recurso extraordinário (RE) 548181/PR. Rel. Min Rosa Weber.
14
GALVÃO, Fernando. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, 2º ed, Del Rey, 2009. GUARAGNI, Fábio
André; LOUREIRO, Maria Fernanda. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: rumo à autorresponsabilida-
de penal. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; LOUREIRO, Maria Fernanda; VERVAELE, John (Org.). Aspectos
contemporâneos da responsabilidade penal da pessoa jurídica. v. 2. São Paulo: Federação do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo do Estado de São Paulo, 2014. Em língua estrangeira me parece ser interessante a leitura de:
SOLA, Javier Cigüela. El injusto estructural de la organización: aproximación al fundamento de la sanción a la
persona jurídica. Revista para el análisis del derecho. InDret 1/2016. Barcelona, Enero de 2016.
15
Neste sentido, Lucas Montenegro “[...] Em ordem cronológica: há o velho art. 288 CP, que desde 2013 ganhou
nova roupagem, não se referindo mais a quadrilha ou bando, mas a associação criminosa; a Lei de Segurança
Nacional (Lei 7.170/83) pune grupamentos que ameacem o regime vigente e o Estado de Direito (art. 16) e a
participação em organização militar ilegal (art. 24); a Lei dos Crimes de Lavagem (Lei 9.613/98) prevê pena para
quem participa de grupos dirigidos à prática daqueles crimes (art. 1o, § 2o, II); há uma primeira definição legal de
grupo criminoso organizado no Decreto 5.015/04 (artigo 2, Convenção de Palermo); organizações voltadas para o
tráfico de drogas também recebem tratamento diferenciado na Lei 11.343/06, arts. 35, 36 e 37; há uma nova
definição legal, agora de organização criminosa, no art. 2o da Lei 12.694/12; a Lei 12.720/12 adicionou um novo
tipo ao Código Penal, em que se pune envolvimento em organização paramilitar (art. 288-A CP); a coroação desse
30 | Estudos de Compliance Criminal

cujo conteúdo mínimo de injusto é o de estar organizado a um grupo de


pessoas para um determinado fim ilícito 16. Entretanto, diferente da res-
ponsabilidade penal da pessoa jurídica, pouco se estudou sobre as
características deste peculiar modelo de crime 17.
Assim, o artigo apresenta os aspectos gerais dos delitos de organiza-
ção, de modo a ofertar razões que justifiquem e tornem mais racional sua
punição, especialmente, na criminalidade empresarial. Mais do que isso,
em um último tópico, será analisada a influência que as instituições exer-
cem nas pessoas e apresentada uma moderna solução que pode vir a
reduzir o número de delitos corporativos.

2. Aspectos gerais dos delitos de organização

A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso XVII, assegura


o direito à associação 18, desde que para fins lícitos. Além disso, veda a
agregação de caráter paramilitar 19. Mais do que uma importante previsão

desenvolvimento, a Lei 12.850/13, traz mais uma definição legal e pune a participação nas organizações definidas
como criminosas; por fim, a Lei 13.260/16, que, além de criar um tipo penal de participação em organização
terrorista (art. 3 o), resolve incluir na Lei 12.850/13, art. 1o, § 2o, um inciso com o fim de nos esclarecer (pasmem!)
que uma organização terrorista é uma organização criminosa. [...]”. Os delitos de organização no direito brasileiro.
Portal Jota. Coluna Penal em foco. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/penal-em-
foco/os-delitos-de-organizacao-no-direito-brasileiro-06112019. Acesso em 28 de novembro de 2019.
16
Há doutrina que se dedicando ao crime de organização criminosa (Lei n. 12.850/13), afirma que a referida
legislação não se desincumbiu do dever de revelar o conteúdo da proibição. GOMES, Carla Silene Cardoso Lisboa
Bernardo. A inobservância da taxatividade da Lei Penal nas denúncias por crime organizado. Jornal de Ciências
Criminais. São Paulo, vol. 2. N.2, n.2, p. 7-60, jul – dez. 2019. Discorda-se frontalmente deste entendimento,
justamente pelo fato de que trata-se de um delito de organização, que não deve ser analisado sob as premissas
tradicionais (como se fosse um delito unissubjetivo) – maiores aspectos dogmáticos serão apresentados na sequên-
cia do texto. De qualquer forma, ainda que a autora esteja parcialmente correta, o dever da doutrina não se limita a
indicar defeitos na legislação, mas, também apontar soluções e critérios complementares de forma a comunicar
perfeitamente o conteúdo do injusto.
17
As exceções são ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização crimino-
sa: uma análise sob a luz do bem jurídico tutelado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCrim 91, 2011; e
CERVINI, Raul; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa: desde uma visión garantista. Buenos
Aires/Montevideo: B de F, 2005; que se propõem a examinar os delitos dentro da empresa por uma metodologia
distinta da tradicional e MONTENEGRO, Lucas. Os delitos de organização no direito brasileiro. Portal Jota. Coluna
Penal em foco. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/penal-em-foco/os-delitos-de-
organizacao-no-direito-brasileiro-06112019. Acesso em 28 de novembro de 2019.
18
Aqui entendido de forma ampla, não se limitando ao instituto jurídico civil das associações, previsto no Código
Civil.
19
Artigo 5º, inciso XVII, CRFB/88 - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramili-
tar; BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. República Federativa do Brasil. Brasília.
Mathias Oliveira Campos Santos | 31

constitucional, a associação entre indivíduos é uma condição indispensá-


vel do ser humano enquanto participante da vida em sociedade. Basta ver
a famosa máxima de ARISTOTELES, para quem o homem é um animal
político por natureza, possuindo uma predisposição a viver na pólis 20. É
esta característica que explica o motivo de vivermos em uma relativa
dependência com nosso meio social, sobretudo, com as organizações.
O nada paradoxal é que as organizações nada são além de uma
construção humana, cuja finalidade é variável conforme o interesse de
seus representantes. É de se ressaltar, entretanto, que apesar deste liame
entre mandatários e corporação, os atos das organizações não se confun-
dem com os de seus gestores. Trata-se de ato de natureza institucional 21,
cujo indivíduo que executou, independentemente de suas motivações,
não o fez em seu nome. Em outros termos, transcende ao individual e é
imputável, principalmente, ao corpo coletivo. Tal quadro não é nenhuma
novidade ao jurista, especialmente, àquele habituado com a práxis socie-
tária. Afinal, as associações, sociedades empresariais, fundações,
organizações religiosas, partidos políticos e empresas individuais de res-
ponsabilidade limitada possuem personalidade jurídica própria 22.
De qualquer modo, independentemente da regulamentação jurídica
extrapenal e de eventual possibilidade de responsabilização penal da
pessoa jurídica, os fatos criminosos praticados no âmbito de uma organi-
zação devem ser reconduzidos as pessoas físicas que, consciente e

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 02 de


dezembro de 2019.
20
ARISTOTELES. Política. (edição bilingue). Trad. De Antônio C. Amaral e Carlos Carvalho Gomes. Lisboa: Veja,
1998.
21
MONTENEGRO, Lucas. Os delitos de organização no direito brasileiro. Portal Jota. Coluna Penal em foco.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/penal-em-foco/os-delitos-de-organizacao-no-
direito-brasileiro-06112019. Acesso em 28 de novembro de 2019.
22
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as
organizações religiosas; V - os partidos políticos. VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.
BRASIL. LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil. República Federativa do Brasil. Brasília.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 02 de dezem-
bro de 2019.
32 | Estudos de Compliance Criminal

voluntariamente, deram causa ao resultado típico 23, bem como deve ser
reprimido o ato de se organizar para tal finalidade.
Destaque-se que a Constituição da República não veda a punição pa-
ra associações com finalidade ilícitas genéricas, inclusive, ainda apresenta
mandado de criminalização implícito 24 a ação de grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
MONTENEGRO ainda apresenta um argumento a mais para a criminali-
zação dos delitos de organização:

[...] Por que punimos o envolvimento em uma organização criminosa? O in-


teresse aqui não é colocar em questão se devemos punir. Parece-me difícil
sustentar que um membro da Al Qaeda ou do Escritório do Crime não deve
ser punido por integrar tais organizações. Mas a pergunta continua sendo
importante, porque de sua resposta depende a configuração concreta que da-
remos aos delitos de organização. Portanto, por que punir?
Minha proposta é, em resumo, a seguinte: fazer parte de uma organização
criminosa é punível, porque essas organizações são agentes coletivos ilícitos.
[...]
Instituições têm uma função. Tomemos, por exemplo, uma universidade e
tentemos imaginá-la sem a função de aquisição e difusão do conhecimento. O
que sobra da universidade? Não à toa, exige-se de pessoas jurídicas que de-
clarem seus fins quando de sua constituição (art. 46, I, CC).
Mas é importante perceber que o ponto aqui não é jurídico, senão conceitual.
Não é possível compreender uma instituição sem lhe atribuir uma função.
No caso das organizações criminosas, não é difícil enxergar qual é sua fun-
ção: a prática de delitos por parte de seus membros.
Dito isso, é possível entender, com mais nitidez, por que punimos a partici-
pação numa organização criminosa. As ações dessas organizações são
interpretadas à luz de sua função de praticar crimes. Se alguém se submete

23
Daí é de se destacar a importância do desenvolvimento da temática da autoria e participação em direito penal.
Para se visualizar o quadro de desordem e caos da aplicação da teoria do domínio do fato no direito brasileiro,
recomenda-se o artigo: LEITE, Alaor. Domínio do fato, domínio da organização e responsabilidade penal por fatos
de terceiros. Os conceitos de autor e partícipe na AP 470 do Supremo Tribunal Federal. In: Autoria como domínio
do fato: Estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. Luís Greco et ali. 1. Ed. –
São Paulo: Marcial Pons, 2014. P. 123-168.
24
“[...] MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO: A Constituição da República determina que o legislador penal se
debruce sobre matérias específicas. Exs.: Racismo, tortura, tráfico, corrupção eleitoral (este é implícito). [...]”
PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 3ª Ed. rev. Atual. e ampl. – São
Paulo: Atlas, 2017. p. X/XI.
Mathias Oliveira Campos Santos | 33

às regras e à atividade de uma organização criminosa, suas ações serão in-


terpretadas como ações da organização e não podem ser compreendidas
senão como a realização de seu fim criminoso. [...] 25

Com efeito, a partir deste conjunto de argumentos, deve-se afirmar


a possibilidade (e necessidade) de criminalizar a organização com fins
ilícitos, sobretudo, para que o Estado não incorra em tutela penal defici-
ente. Não menos importante, deve-se iniciar o desenvolvimento de uma
dogmática própria que auxilie a imputação individual quando crimes
forem praticados em nome de um ente coletivo, ou seja, dos delitos de
organização.
Em primeiro lugar, é de todo evidente que os delitos coletivos são
necessariamente plurissubjetivos 26, isto significa que, para que a conduta
seja considerada crime é imprescindível a intervenção de mais de um
sujeito ativo 27. Além disso, há doutrina mais minuciosa que dividem os
delitos plurissubjetivos pelo modus operandi. Nesse sentido, a conduta
dos agentes pode ser paralela (associação criminosa), convergente (adul-
tério e bigamia) 28, ou divergente (rixa) 29. Muito embora a praticidade
destas classificações seja muitas vezes questionável, para os fins deste
estudo, são relevantes para a priori afirmar que os delitos de organização
são plurissubjetivos e paralelos. Circunstâncias que significam apenas
que, neste grupo de casos, os agentes devem estar alinhados com a fina-
lidade de cometer crimes.
Entretanto, deve se fazer a reserva lógica de que nem todos os deli-
tos plurissubjetivos e paralelos são delitos de organização, ou seja, essas

25
MONTENEGRO, Lucas. Os delitos de organização no direito brasileiro. Portal Jota.
26
Na mesma linha, Lucas MONTENEGRO: “[...] 4) Um elemento pessoal. Não há organização sem homens e
mulheres que as integrem. A legislação, em alguns casos, estabelece limites, como o mínimo de quatro pessoas na
Lei 12.850/13. É impossível traçar um limite conceitual, mas casos de uma organização com duas pessoas, como
sugere, por exemplo, o art. 35 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), são seguramente muito raros.[...] MONTENEGRO,
Lucas. Os delitos de organização no direito brasileiro. Portal Jota.
27
PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 3ª Ed. rev. Atual. e ampl. – São
Paulo: Atlas, 2017. P. 201.
28
Acrescentamos os delitos de corrupção passiva e ativa.
29
BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, 1 – 19º Ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo:
Saraiva, 2013. P. 283.
34 | Estudos de Compliance Criminal

características são ainda insuficientes para definir o objeto de nossa in-


vestigação. Deve-se verificar, além da finalidade criminosa, o potencial
lesivo da associação. Afinal, o normal é que os delitos organizativos sejam
acompanhados de outros crimes. É dizer a organização não existe per si,
senão porque o homem quando se organiza com seus iguais amplia ex-
ponencialmente sua esfera de atuação, conseguindo fazer muito mais do
que poderia se estivesse sozinho 30. Os agentes, portanto, se organizam
para profissionalizar a prática delitiva, auferindo resultados muito difí-
ceis de serem alcançados de forma “desorganizada”.
Daí que o caráter organizacional deve ser ressaltado 31. A associação
entre agentes só poderá ser considerada organização se tiver uma míni-
ma estrutura pautada em um regramento próprio (ainda que implícito).
Não à toa algumas organizações criminosas são conhecidas pelo senso de
disciplina de seus integrantes no cumprimento das regras, cuja violação é
usualmente punida com a morte 32. Além disso, a existência e o cumpri-
mento voluntário de regras pressupõem um comando, ainda que
mínimo. Assim, é que se indica que as organizações devem ter uma es-
trutura hierárquica, cuja cúpula tem a tomada de decisões, conforme a
acertada expressão do legislador da Lei n. 12.850/13 – associação “estru-
turalmente ordenada” 33.
Entretanto, as sociedades empresariais, em razão de sua própria na-
tureza jurídica, já são organizadas em uma estrutura hierárquica,
pautada pela existência de regras. O artigo 966 do Código Civil considera

30
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva. P. 67.
31
MONTENEGRO, Lucas. Os delitos de organização no direito brasileiro. Portal Jota.
32
O Código Penal do PCC. O antagonista. 2018. Disponível em: https://www.oantagonista.com/sociedade/o-
codigo-penal-pcc/. Acesso em 03 de dezembro de 2019; MACEDO, Fausto; SERAPIÃO, Fábio. AFFONSO, Julia. O
código de ética da facção que arranca o coração. Estadão. 2017. Disponível em:
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-codigo-de-etica-da-faccao-que-arranca-coracao/. Acesso
em 03 de dezembro de 2019
33
“Importante não é a formalização das regras, mas a persistência da estrutura e a existência de padrões de
atuação. A definição na Lei 12.850/13 aponta, num feliz acerto do legislador, para elemento organizacional ao exigir
que a associação seja “estruturalmente ordenada”. Não é suficiente que um grupo se reúna para cometer delitos de
forma coordenada. Essa coordenação tem de ser estruturada, ou seja, a estrutura tem de ser reconhecível nas
diferentes decisões e atuações do grupo.” MONTENEGRO, Lucas. Os delitos de organização no direito brasileiro.
Portal Jota.
Mathias Oliveira Campos Santos | 35

como empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica


organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços 34.
Logo, há uma similaridade parcial entre os elementos de empresa e or-
ganização criminosa 35. Nesse sentido, ESTELLITA e GRECO:

[...] Se levarmos em conta o dado por todos conhecido de que a maioria dos
crimes econômicos é praticada no contexto empresarial e confrontarmos as
características da empresa com as da associações (e organizações criminosas,
ou para usar um termo genérico que abranja os dois fenômenos, as associa-
ções criminosas), chegaremos a um quadro preocupante: há uma parcial
identidade entre seus elementos essenciais.
Partindo, por exemplo, dos três traços essenciais selecionados por Zuñiga
Rodríguez, quais sejam (a) organização, (b) fim de lucro e (c) cometimento de
crimes graves, veremos que tais elementos encontra-se frequentemente pre-
sentes no que Schünemann designou de criminalidade de empresa: “A soma
dos delitos econômicos que se cometem a partir de uma empresa”, “por meio
da atuação para uma empresa”. A empresa, tanto quanto a organização cri-
minosa, é composta por um grupo de pessoas (normalmente mais de
quatro), associados em uma organização, com objetivos comuns, divisão de
trabalho, códigos de conduta, sistema de tomada de decisões, tendência a au-
toconservação (associação permanente). Está orientada ao fim de lucro. E as
pessoas que dela formam parte podem vir a cometer delitos, [...]
E aqui se observa mais uma aproximação entre os fenômenos: muito rara-
mente, no contexto da criminalidade de empresa, haverá a pratica de um só
crime. [...] O que conduz ao preenchimento também de um requisito clássico
dos crimes de associações criminosas, como nosso art. 288 do CP: o fim de
“perpetração de uma série indeterminada de delitos.” [...] 36.

A dificuldade no âmbito da criminalidade econômica é como identi-


ficar uma organização criminosa, sem rotular a priori todas as
sociedades empresariais como criminosas. Até porque o regular registro

34
BRASIL. LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil. República Federativa do Brasil. Brasília.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 02 de dezem-
bro de 2019.
35
ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa: RBCCrim 91,
2011.
36
ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa: RBCCrim 91,
2011.
36 | Estudos de Compliance Criminal

e exercício da atividade empresarial constitui um risco permitido 37, ou


seja, a empresa é uma organização lícita e tutelada pelo direito. Entretan-
to, é preciso pensar nos casos em que agentes a instrumentalizam para a
prática reiterada de delitos – desenvolvendo uma verdadeira organização
formalmente lícita e substancialmente criminosa.
ESTELLITA e GRECO se propõem a solucionar a questão a partir da
análise do bem jurídico tutelado como critério distintivo. Assim, apresen-
tam duas correntes, a primeira, majoritária, defende que os delitos de
organização podem ser sintetizados como um ataque a bens jurídicos
coletivos ou supra individuais, como a “ordem pública”, “segurança pú-
blica” e outros termos abstratos de conteúdo semântico
abstrato/nebuloso. Entretanto, pesa contra tal perspectiva a generalidade
destas concepções. Além disso, ainda que se tome como certo, as dificul-
dades práticas permanecem, já que em nada auxilia no juízo prático de
alcance e limitação do próprio tipo penal, são de difícil verificação empí-
rica; tutelam o tudo e o nada; servem a todos os senhores. Por fim, não
tem a objetividade que um direito penal moderno exige. A segunda cor-
rente, minoritária e não isenta de críticas, é um pouco mais complexa.
Segundo seus defensores, os tipos de organização conteriam uma anteci-
pação da punibilidade em razão de seu especial potencial lesivo, ou seja,
os bens protegidos seriam os dos tipos correspondentes ao âmbito de
atuação ilícita da organização 38.
Contra a segunda concepção poderia se objetar que, se fosse assim,
o delito associativo deveria ser absorvido pela prática do crime fim. Ocor-
re que este é o ponto chave da questão, o perigo que causa o delito de
organização não se dirige ao bem concreto que a prática de um crime-fim
viola, mas, sim a todos os bens da mesma natureza, dos quais um núme-

37
ESTELLITA, Heloísa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de cumprimento por crimes praticados por
membros da empresa. São Paulo. Marcial Pons. 2017. P. 128.
38
ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa:. RBCCrim 91,
2011.
Mathias Oliveira Campos Santos | 37

ro indeterminado de pessoas é titular 39. O delito de organização trans-


cende ao risco isolado de um bem determinado para colocar em perigo a
existência dele no âmbito da coletividade afetada pela atuação da organi-
zação. É dizer, a título de exemplo, quando os processos delitivos
regulares da organização dão causa ao resultado jurídico previsto no tipo
de manipulação do mercado (artigo 27-C da Lei n. 6385/76) 40, deve se
punir os agentes envolvidos: 1) pela lesão ao bem jurídico estabilidade e
integridade do mercado de capitais 41 e 2) por organizarem-se para lesio-
nar referido bem jurídico. É essencial que tenha existido o ato de
organizar-se com a finalidade de lesionar o bem jurídico, a partir de uma
perspectiva macro, de forma prologada no tempo. Trata-se da punição
por constantes atos preparatórios, cuja legitimidade se apoia na razão de
que a organização criminosa tem um potencial lesivo muito mais signifi-
cativo que o delinquente particular. Portanto, no ponto 2, do exemplo
acima, o que se pune não é a manipulação do mercado, mas a constante
ameaça que o referido bem jurídico está sujeito só pela existência de uma
organização cuja finalidade é justamente lesioná-lo, reiteradamente, em
um determinado local, repita-se.
Ocorre que, muito embora a segunda corrente seja muito melhor
que a primeira por exigir o critério da “organização específica e atual
para a lesão reiterada do bem jurídico em uma determinada localidade”,
por si só não é hábil para distinguir uma organização criminosa de uma
sociedade empresarial habitualmente envolvida em crimes. O critério de
que se subtrair os eventuais delitos ocorridos na empresa, restar uma

39
ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosas. RBCCrim 91,
2011.
40
Manipulação do Mercado
Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou
baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou
lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em
decorrência do crime.
41
É certo que há intensa divergência doutrinaria sobre o bem jurídico deste delito. De qualquer forma, adota-se a
classificação de Juliano Breda, exclusivamente para conferir maior racionalidade ao exemplo dado. BITENCOURT,
Cesar Roberto. BREDA, Juliano. Crimes contra o sistema financeiro nacional e contra o mercado de capitais. – 3.
Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
38 | Estudos de Compliance Criminal

sociedade empresarial, com objeto e atividade lícita, bem definida e qua-


dro de funcionários regular, não se estará diante de uma organização
criminosa 42, só serve para distinguir as empresas de fachada das regula-
res. Com esta linha de argumentação, deixam-se impunes organizações
criminosas que estejam atuando por meio da estrutura organizada ine-
rente à própria sociedade empresarial. É o exemplo da famosa
empreiteira protagonista na Operação Lava Jato, que malgrado tivesse
objeto, função lícita e quadro regular de funcionários, também contava
com uma organização criminosa que atuava por meio da sociedade em-
presarial, em um sofisticado setor especializado em lavagem de dinheiro
e outros delitos de natureza econômica, inclusive, de forma praticamente
automatizada.
Para melhor entender o argumento, veja-se: Javier Cigüela SOLA
apresenta uma tipologia de estruturas organizacionais, com cinco mode-
los. Veja-se: (1) Estrutura preventiva: aquela organizada de forma
adequada e onde existe processo de comunicação e formação orientados
ao cumprimento da norma; (2) Estrutura neutra: aquela que não existe
mecanismos de formação e conscientização do pessoal para a prevenção
de delitos, ainda que exista um mínimo standard de organização e in-
formação sobre os deveres e riscos jurídicos – correspondendo com os
padrões de compliance exigíveis; (3) Estrutura facilitadora: aquela que,
sem incentivar a comissão de delitos, tampouco tem os adequados siste-
mas de controle e prevenção dos mesmos; (4) Estrutura incentivadora:
aquela estimula seus empregados, mediante pressão econômica e psico-
lógica, a obtenção de benefícios por meio da prática de ilícitos penais; (5)
Estrutura anuladora: aquela que anula a individualidade de seus empre-
gados, por meio de pressão psicológica 43. Muito embora, a quarta e
quinta estrutura estejam em vias de ser rotuladas como organizações

42
ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa: RBCCrim 91,
2011.
43
SOLA, Javier Cigüela. El injusto estructural de la organización: aproximación al fundamento de la sanción a la
persona jurídica. Revista para el análisis del derecho. InDret 1/2016. Barcelona, Enero de 2016.
Mathias Oliveira Campos Santos | 39

criminosas, porque nelas há uma tendência objetiva no sentido da prática


de delitos, falta uma relativa automatização das condutas delitivas.
A automatização delitiva é o que difere uma organização criminosa
de uma sociedade empresarial envolvida com práticas criminosas. Afinal,
é a partir dela que o crime vira regra e não exceção dentro da corpora-
ção. É este requisito que demonstra, de forma objetiva, que à finalidade
atribuída a organização deixou de ser a informada em seu ato constituti-
vo para ser delituosa. Com efeito, em empresas parcialmente tomadas
por um grupo criminoso organizado, o critério ainda é hábil para distin-
guir as zonas de licitude e ilicitude.
Mas não é tão simples quanto parece, este critério pressupõe um
aspecto temporal. A organização deve ser estável e duradoura de modo a
colocar em real ameaça, a partir de uma visão mais abstrata, o respectivo
bem jurídico que visa lesionar.
Daí é que a imputação subjetiva se destaca, porque é necessário que
os agentes não só queiram integrar a organização, mas também nela
permanecer, anuindo a todo momento com o processo regular delitivo
(automatização). Dito de outra forma, o elemento volitivo vai além do
dolo de integrar a organização, o agente se dispõe voluntariamente a
executar as ordens da cúpula, ainda que pessoalmente não vá auferir
nenhum benefício imediato com tal medida. O individuo aceita que os
interesses do ente coletivo são hierarquicamente superiores aos seus, a
vontade coletiva (ordenada pelo comando) prevalece à individual. Por-
tanto, ao integrante de tal organização só é dada a autonomia do “como”
será realizado crime (muitas vezes nem isso), porque o “se”, já foi decidi-
do pela cúpula da organização, em um momento anterior 44.
A questão que se levanta a partir do elemento volitivo, é saber qual
o motivo de os agentes colocarem os interesses e valores da coletividade
acima de seus individuais. Sobretudo, no âmbito da criminalidade eco-
nômica – tema que será tratado no tópico a seguir.

44
ESTELLITA, Heloísa. GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa: RBCCrim 91,
2011.
40 | Estudos de Compliance Criminal

3. A influência do comportamento coletivo na empresa

Javier Cigüela SOLA, muito embora reflita especificamente sobre a


responsabilidade dos sujeitos coletivos, argumenta de forma bastante
persuasiva que uma parcela da criminalidade contemporânea já não pode
ser corretamente explicada do ponto de vista meramente individual.
Afinal, não raramente um integrante de uma organização dirige sua ação
exclusivamente no sentido de executar uma ordem recebida de seu supe-
rior. Assim, requer-se uma compreensão a partir de uma perspectiva
estrutural ou sistêmica, ou seja, entender se a cultura corporativa favore-
ce o comportamento criminoso. Com efeito, isso pode ser visto na
violência política dos regimes totalitários, no início do século XX, e atu-
almente, aparece sob o véu da complexidade das organizações sociais,
onde os indivíduos são meras peças de uma engrenagem e por isso, não
conseguem controlar o curso dos acontecimentos de que estão imersos 45.
É usual que os integrantes (de baixa hierarquia) das organizações
reproduzam acriticamente os valores repassados pela cúpula da organi-
zação. Entretanto, se a partir disto há o cometimento reiterado de
crimes, evidentemente, a situação deve ser mais bem compreendida.
Assim, deve-se questionar: o comando da organização, direta ou indire-
tamente, pode influenciar o agente a violar à norma penal? A partir de
argumentos criminológicos e da psicologia cognitiva e social, a resposta é
afirmativa. Ressalve-se, desde logo, que as razões apresentadas a seguir
são explicações do comportamento delitivo e não justificativas jurídicas
que visam elidir uma eventual responsabilização penal.
Segundo a psicologia cognitiva, âmbito que estuda o processo de
conhecimento humano 46, o conceito central que deve ser analisado é o

45
SOLA, Javier Cigüela. El injusto estructural de la organización: aproximación al fundamento de la sanción a la
persona jurídica. Revista para el análisis del derecho. InDret 1/2016. Barcelona, Enero de 2016.
46
SPINILLO, Alina Galvão; ROAZZI, Antônio. Psicologia: Ciência e Profissão vol. 9 n.3. Brasília, 1989. ISSN 1414-
9893. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931989000300008>.
Acesso em 04 de dezembro de 2019.
Mathias Oliveira Campos Santos | 41

desvio cognitivo. Trata-se de uma racionalidade limitada, na qual os


agentes operam com limitações cognitivas, erros de percepção, erros de
análises e julgamentos tendenciosos 47. Daí quando a psicologia cognitiva
se refere aos processos de desvios cognitivos gerados a partir da atuação
humana em grupo, sublinha que as pessoas se associam a um grupo, nos
quais o conjunto de padrões ou normas varia de um para o outro. As
regras deste conjunto são impostas através de pressão, seja diretamente
pelos membros do grupo ou indiretamente pelo líder 48, quem substanci-
almente ostenta o domínio do inconsciente coletivo. Nesta situação, a
aprovação dos integrantes da organização e o sentimento de pertenci-
mento são gatilhos importantes para que exista uma limitação cognitiva
e falhas de julgamento. Sobretudo, caso se trate de pessoas que não se
sintam integradas à corporação se não participarem de algum grupo ou
atividade 49.
A partir disso, os indivíduos em um grupo estão sujeitos ao deno-
minado efeito arrasto, ou vulgarmente conhecido como efeito manada.
Este modelo de desvio cognitivo trata-se da diminuição não intencional
do juízo crítico, com a tendência de fazer ou acreditar em algo só porque
muitas pessoas o fazem 50.
Além disso, uma vez internalizados na organização, seus integrantes
estão ainda mais propensos a desvios cognitivos. O desvio de grupo, um
dos mais comuns, trata-se da necessidade humana de estreitar os laços
com os membros de seu grupo, bem como rejeitar e se afastar dos inte-
grantes de outros grupos 5152.

47
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Fundamentos del Derecho penal de la Empresa. Montevideo-Buenos Aires: B
de F, 2014. P. 248.
48
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia. Terceira Edição. Trad. Lenke Peres, São Paulo: Perarson Makron
Book, 2001. p. 640-641.
49
GUARAGNI, Fábio André. STEIDEL, Evelin. Desvios de personalidade em grupos empresariais e neutralização
por compliance: uma tentativa para minimizar o impacto da corrupção no horizonte da criminalidade? IN:. Direito
penal econômico. Administrativização do direito penal, criminal compliance e outros temas contemporâ-
neos. SOBRINHO, Fernando Martins Maria (org)1 Ed. Londrina: Thoth Editora. 2017. P. 53.
50
DREWS, Cláudio. Vieses Cognitivo, 2010. Psicologia RG. Disponível em:
<http://psicologiarg.blogspot.com.br/2010/04/vieses-cognitivos.html>. Acesso em 05 de dezembro de 2019.
51
HEAVYRICK, Ricardo. Vieses Cognitivos. História e Caos. 2013. Disponível em:
<http://historikaos.blogspot.com.br/2013/05/vieses-cognitivos.html>. Acesso em 04 de dezembro de 2019.
42 | Estudos de Compliance Criminal

Com efeito, os modelos de desvio cognitivo demonstram a correção


da teoria da associação diferencial - desenvolvida por SUTHERLAND
quando investigava o fenômeno social dos crimes de colarinho branco.
Segundo este modelo teórico, o comportamento criminoso é aprendido
em associação com aqueles que o definem de modo aceitável e em isola-
mento dos indivíduos que o rotulam como inaceitável 53 . Logo, a
depender da cultura organizacional da corporação, o comportamento
delitivo pode aflorar ou ser devidamente reprimido, o que é demonstrado
com ainda maior rigor pela psicologia social.
Em um sentido bem similar à teoria da associação diferencial, a psi-
cologia social tem como pressuposto mínimo que o ser humano aprende
a ser bom ou mau, independentemente da herança genética, personali-
dade ou legado familiar. A psicologia social se propõe a analisar as
origens de um determinado comportamento a partir da situação concreta
que o agente se encontrava, em contraponto da abordagem tradicional
que busca explicar as condutas desviantes utilizando dos elementos cons-
titutivos da personalidade. Em uma comparação, pode-se falar que a
abordagem tradicional/constitutiva da psicologia está para a soci-
al/situacional da mesma forma que o médico de saúde está para a
política de saúde pública. Enquanto o médico busca a fonte da enfermi-
dade no próprio agente, a política de saúde pública analisa as condições
do ambiente cuja enfermidade se propagou 54.
Um destacado psicólogo social é o professor Philip ZIMBARDO, que
ficou conhecido pelo experimento da prisão de Stanford. Neste estudo,
um grupo de universitários foi dividido em guardas e prisioneiros em

52
Tratando das seitas destrutivas ante ao Direito, María Luisa MAQUEDA ABREU descreve que: [...] “la pertenencia
a una secta que ... amén de tener un carácter falsamente religioso, tenía como finalidad llevar a cabo unas activida-
des clandestinas consistentes, entre otras, en influir mediante coacciones en los individuos que captaba “el cambio
de su personalidad”, “haciéndoles perder todo lazo afectivo con sus familiares y amigos” [...] (grifos não
originais). MAQUEDA ABREU. María Luisa. Las sectas destructivas ante el derecho. Eguzkilore: Cuaderno del
Instituto Vasco de Criminología, ISSN 0210-9700, Nº. 18, 2004.
53
SUTHERLAND, Edwin H. Crime de Colarinho Branco – versão sem cortes. Rio de Janeiro. Editora Revan. 2014.
P. 351.
54
ZIMBARDO, Philip. O efeito Lúcifer: como pessoas boas tornam-se más. Trad. Tiago Novaes Lima. -7ª ed. – Rio
de Janeiro: Record, 2019. P. 26.
Mathias Oliveira Campos Santos | 43

uma prisão simulada. Muito embora o prazo inicial fosse de duas sema-
nas, o fim do experimento teve que ser antecipado em 7 dias, porque os
estudantes transformaram-se em violentos e sádicos guardas ou em
prisioneiros extremamente abalados emocionalmente 55.
A partir deste experimento, ZIMBARDO concluiu que existem fato-
res que aumentam a probabilidade de que pessoas sem nenhum histórico
criminoso cometam delitos, como o anonimato, a desumanização, o dis-
tanciamento da vítima, conformidade social etc. O elemento de maior
destaque é a obediência à autoridade 56. Em síntese, é o fato de o indiví-
duo receber uma ordem criminosa e não se recusar a cumprir, mesmo
sabendo de sua ilicitude, porque se trata de uma tarefa que lhe foi atribu-
ída por seu superior, que, em tese, assumiu a responsabilidade do ato 57.
Sem contar que usualmente a negativa de se obedecer à ordem, é uma
rejeição ao sistema da própria organização/ uma afronta ao status quo, o
que pode vir a causar retaliações e violência mediata contra o agente –
sem entretanto que se constitua uma coação moral irresistível. Não se
questiona que:

[...] O poder do sistema envolve a autorização ou a permissão institucionali-


zada de se comportar das formas prescritas ou de proibir e punir ações
contrárias a elas. Ele fornece a “autoridade maior” que dá legitimidade ao
cumprimento de papéis, obediência às regras, e tomada de ações que seriam
ordinariamente inibidas por leis, normas morais e éticas preexistentes. [...] 58

Outra contribuição da psicologia social é o aperfeiçoamento das téc-


nicas de neutralização moral. Segundo descreve Eduardo SAAD-DINIZ,
remetendo-se a um estudo clássico de SYKES e MATZA, são cinco catego-
rias de argumentos que neutralizam os valores morais dos indivíduos.

55
ZIMBARDO, Philip. O efeito Lúcifer. Record, 2019.
56
Temática que foi objeto de estudo de outro psicólogo social, o professor Stanley Milgram In:. MILGRAM, Stanley.
Obediência à autoridade: uma visão experimental. tradução de Luiz Orlando Coutinho Lemos.-Rio de Janeiro:
F. Alves, 1983.
57
ZIMBARDO, Philip. O efeito Lúcifer. Record, 2019. P. 390.
58
ZIMBARDO, Philip. O efeito Lúcifer. Record, 2019. P. 320.
44 | Estudos de Compliance Criminal

Em primeiro lugar, o sujeito nega sua responsabilidade, a delegando para


alguém, seja hierarquicamente superior ou inferior (é similar ao desvio
egoísta 59). Posteriormente, são argumentos a negação do dano e da víti-
ma (que mereceu a ofensa), a condenação de quem acusa e o apelo a
elevados valores, em obediência a obrigações distintas das jurídicas 60.
Por fim, uma medida que pode neutralizar os métodos de neutrali-
zação moral e diluir os desvios cognitivos (prevenindo as conduta
delitivas) são os programas de compliance, desde que o foco principal
seja o de implantar uma cultura ética e moral no âmbito empresarial.

4. Conclusão

As organizações ostentam uma importância evidente e inquestioná-


vel na configuração da sociedade contemporânea. Entretanto, algumas
transcenderam a figura de seus fundadores e/ou representantes legais,
adquirindo identidade/personalidade própria e por meio de uma cultura
organizacional criminógena, influenciam (e incentivam) seus stakehol-
ders e colaboradores a prática de comportamentos ilícitos.
Certo é que o paradigma penal tradicional interindividual não se
mostra adequado para apresentar soluções cientificas para este modelo
de criminalidade macro, denominado: delitos de organização.
A partir desta insuficiência dogmática, apresentou-se elementos mí-
nimos dos delitos de organização: (1) caráter organizacional; (2)
automatização da conduta criminosa; (3) elemento temporal; (4) vontade
dos agentes de integrar e permanecer na organização; (5) natureza plu-
rissubjetiva e paralela.
Discutiu-se, também, a influência do comportamento coletivo nas
individualidades, a partir de conceitos próprios da criminologia (associa-
ção diferencial) e da psicologia cognitiva (espécies de desvio cognitivo) e

59
[...] Sesgo egoísta (sel-service bias): entre otras manifestaciones, se refiere a la tendencia de um agente a sentirse
autor de sus aciertos y éxitos, pero a evitar responsabilizarse de sus errores. [...] SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria.
Fundamentos del Derecho penal de la Empresa. P. 255.
60
SAAD-DINIZ. Eduardo. Vitimologia Corporativa. 1ª ed. - São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. P.169.
Mathias Oliveira Campos Santos | 45

social. Além de tratar, brevemente, das categorias de neutralização mo-


ral.
Por fim, conclui-se que uma medida que pode neutralizar os méto-
dos de neutralização moral e diluir os desvios cognitivos são os
programas de compliance, desde que o foco principal seja o de implantar
uma cultura ética e moral no âmbito empresarial.

5. Referências

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3

Acordos de não persecução penal


por infrações econômicas:
análise do modelo consensual dos Estados Unidos

Marlos Corrêa da Costa Gomes 1

1. Introdução

O modelo tradicional de enforcement criminal contra as infrações


econômicas, pelos membros do DOJ (Departament of justice), em especial
da FCPA (Foreign corrupt practice act), se pautou pela via binária entre
denunciar ou arquivar acusações contra indivíduos ou corporações por
mais de um século 2. No entanto, a partir dos anos 2000, esse modelo
histórico passou a considerar uma terceira via para aplicar a legislação,
qual seja, a utilização de acordos de resolução extrajudiciais. Dentre estes
destacam-se dois 3 , o NPA (non prosecution agreement) e o DPA

1
Associado Sênior de Compliance e Investigação do escritório Trench Rossi Watanabe Advogados. Pós-graduado
em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes/RJ. LLM em Direito Societário e Mercado de Capitais pelo
IBMEC/RJ. Certificado internacional pela Professional Evaluation and Certification Board (PECB) na ISO 37001
(Anti-bribery Management Systems). Bolsista do Summer Academy Latin America da IACA (International Anticor-
ruption Academy). Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
2
Koehler, Mike. "Measuring the Impact of Non-Prosecution and Deferred Prosecution Agreements on Foreign
Corrupt Practices Act Enforcement." UCDL Rev. 49 (2015): 497.
3
"[…]Under a non-prosecution agreement, or an NPA as it is commonly known, DOJ maintains the right to file
charges but refrains from doing so to allow the company to demonstrate its good conduct during the term of the
NPA. Unlike a DPA, an NPA is not filed with a court but is instead maintained by the parties. […]Under a deferred
prosecution agreement, or a DPA as it is commonly known, DOJ files a charging document with the court,379 but it
simultaneously requests that the prosecution be deferred, that is, postponed for the purpose of allowing the
company to demonstrate its good conduct. DPAs generally require a defendant to agree to pay a monetary penalty,
waive the statute of limitations, cooperate with the government, admit the relevant facts, and enter into certain
compliance and remediation commitments, potentially including a corporate compliance monitor.[…]" Disponível
50 | Estudos de Compliance Criminal

(deferred prosecution agreement), cuja característica principal é


estabelecer um processo negocial entre as autoridades e as empresas
buscando um equilíbrio entre o pressuposto punitivo (incluindo a
reabilitação através de reformas corporativas estruturais), o
ressarcimento pelos danos causados e a manutenção da atividade
econômica.
Esse novo modelo de aplicação da legislação ganhou rapidamente
defensores, dentre eles o DOJ que, com a sua necessária, mas não
limitada, atuação voltada para o combate da corrupção (lato sensu),
passou a utilizar com certa frequência tais instrumentos sob o
argumento de que uma condenação pela via tradicional do judiciário
provocaria danos irreparáveis às empresas e principalmente as vítimas.
Essa narrativa é fruto do pensamento do mundo pós Enron 4, caso
paradigmático que promoveu uma série de debates em torno dos efeitos
colaterais de condenações criminais de grandes organizações. Era preciso
(re) pensar o padrão de responsabilização das pessoas jurídicas em
decorrência da prática de infrações econômicas.
Neste contexto surgem estes novos instrumentos que, em
complemento aos tradicionais plea bargainings, dispensam o
reconhecimento de culpa pelas empresas e combinam um sistema
punitivo centralizado na restituição, nas multas, em reformas no sistema
de governança corporativa e de compliance das empresas, no confisco,
dentre outras obrigações. Importante destacar que tais inovações não
foram desenvolvidas através de alterações legais, mas antes de mudanças
na prática do exercício da autoridade de enforcement (DOJ) por meio de
guidelines.
Para se ter uma idéia deste universo, a partir de 2004 o órgão (DOJ)
celebrou nada menos que 125 acordos 5 entre NPA (Non Prosecution

em: <https://www.justice.gov/sites/default/files/criminal-fraud/legacy/2015/01/16/guide.pdf> Acesso em: 19 de


Março de 2020.
4
Wray, Christopher A., and Robert K. Hur. "Corporate criminal prosecution in a post-Enron world: The Thompson
memo in theory and practice." Am. Crim. L. Rev. 43 (2006): 1095.
5
Disponível em: <http://fcpa.stanford.edu/statistics-analytics.html> Acesso em: 15 de Novembro de 2019.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 51

Agreement) e DPA (Deferred Prosecution Agreement), uma média de 8.3


por ano. Numa comparação quantitativa com o modelo Brasileiro de
enforcement anticorrupção, a CGU (Controladoria geral da União), no
âmbito da União, desde 2014 - data de início da vigência da lei n.
12.846/2013 - celebrou nove acordos de leniência.
A importância de tais instrumentos vai muito além da simples
resolução de um caso que envolva a prática de infrações econômicas,
abrange a imposição de multas elevadas 6, muitas vezes consideradas
exageradas, assim como dispensam o reconhecimento da culpa 7 -
requisito típico dos plea agreements - e promovem reformas nas
estruturas de governança corporativa das empresas, sanções muitas
vezes sequer previstas na legislação. Esse tipo de justiça consensual que
ganhou forma no início dos anos 2000 vem sendo objeto de críticas por
parte da doutrina, em especial a norte americana, em que pese causar
uma sensação de punição das empresas e resgatar o sentimento de
justiça por parte da sociedade.
No entanto, sob o argumento da necessidade de punição exemplar e
de concretização do sistema de justiça penal dos Estados Unidos, viu-se
nas últimas duas décadas uma expansão na utilização de acordos de
resolução, muitos deslocados do poder judiciário. Esse movimento
somente foi possível a partir da publicação de memorandas, a inclusão do
capítulo oitavo na sentencing of organizations (US sentencing guidelines)
e a inclusão de novos dispositivos no manual para atuação dos membros
do DOJ (principles of federal Prosecution of Business organizations).
As críticas da doutrina em relação ao emprego desses instrumentos
passa pelos custos excessivos para celebração de tais acordos 8, a ausência

6
Diamantis, Mihailis E. "Clockwork corporations: A character theory of corporate punishment." Iowa L. Rev. 103
(2017): 507.
7
Brandon L. Garrett, Collaborative Organizational Prosecution, in PROSECUTORS IN THE BOARDROOM: USING
CRIMINAL LAW TO REGULATE CORPORATE CONDUCT 154, 157 (Anthony S. Barkow & Rachel E. Barkow eds.,
2011)
8
Benjamin M. Greenblum, Note, What Happens to a Prosecution Deferred? Judicial Oversight of Corporate
Deferred Prosecution Agreements, 105 COLUM. L. REV. 1863, 1885 (2005)
52 | Estudos de Compliance Criminal

de verificação científica quanto a sua eficácia 9, potenciais violações do


Estado de Direito 10, a regulação indireta 11 através de acordos resolutivos,
assim como a discricionariedade ampla conferida aos membros do DOJ
para impor obrigações não previstas em lei. Há alguns que sugerem a
impunidade e o confronto com o dilema de se promover condenações de
grandes corporações 12.
Este cenário de negociação poderia implicar no sentimento negativo
de privilégio desmesurado dos grandes grupos econômicos, que
dificilmente seriam condenados, salvo pela via do judiciário.
Considerando a ampliação cada vez maior do escopo de responsabilidade
das pessoas jurídicas por atos de corrupção, é preciso compreender de
que maneira seria possível conferir legitimidade a legislação penal sem
frustrar o pensamento coletivo por justiça 13.
A proposta do presente artigo científico se justifica diante do cenário
brasileiro, que também sofre dos mesmos problemas e críticas do modelo
norte americano, sendo necessário compreender os aspectos
histórico/teórico, visando traçar um paralelo propositivo em busca de
soluções sancionatórias inovadoras que de fato realizem a punição
(especialmente os elementos da reabilitação e intimidação), sem deixar
de lado a necessária transformação da cultura corporativa através de
estímulos regulatórios (push ou nudge 14 , expressões da economia
comportamental).
O artigo se estrutura em três partes complementares. A primeira
parte apresentará o contexto histórico do consensualismo penal nos
Estados Unidos e as mudanças regulatórias promovidas no tempo. A

9
Laufer, William S. "A very special regulatory milestone." U. Pa. J. Bus. L. 20 (2018): 392.
10
Jennifer Arlen, Prosecuting beyond the Rule of Law: Corporate Mandates Imposed through Deferred Prosecution
Agreements, 8 J Legal Analysis 191, 221 (2016).
11
Arlen, Jennifer, and Marcel Kahan. "Corporate governance regulation through nonprosecution." U. Chi. L. Rev. 84
(2017): 323.
12
Brandon, Garrett. Too big to Jail. Harvard University Press, 2014.
13
Darryl K. Brown, Street Crime, Corporate Crime, and the Contingency of Criminal Liability, 149 U. PA. L. REV.
1295, 1334–35 (2001)
14
Thaler, Richard H., and Cass R. Sunstein. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness.
Penguin, 2009.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 53

segunda parte se propõe compreender os requisitos e os fatores levados


em consideração pelas autoridades para a celebração dos acordos, assim
como potenciais violações de direitos constitucionais. A terceira e última
parte pretende analisar as críticas da doutrina ao modelo atual de
enforcement adotado pelos membros do DOJ, com recorte para o modelo
sancionatório baseado nos acordos de não persecução penal com as
grandes corporações, propondo correlacionar as mesmas ao modelo
brasileiro de aplicação da lei anticorrupção.
Considerando que o modelo brasileiro de responsabilização das
pessoas jurídicas por atos de corrupção (Lato Sensu) foi influenciado
pelos norte-americanos, modelo de justiça consensual que tem sido
compartilhado, no âmbito federal, pelas autoridades da CGU
(Controladoria Geral da União), da AGU (Advocacia Geral da União) e do
MPF (Ministério Público Federal), encontra-se a justificativa para
analisar as críticas direcionadas à atuação discricionária dos membros do
DOJ.
No Brasil, já foram celebrados alguns acordos de leniência que
envolveram aproximadamente 13 bilhões 15 de reais, dentre multas,
restituições e enriquecimento ilícito, sem contudo haver estudos que
evidenciem cientificamente o resultado das medidas sancionatórias
centralizadas em multas e restituição integral do dano. Não se tem claro
ainda qual é o resultado deste modelo que baseia e se sustenta no viés
punitivista, pautado no discurso moralista de efetividade do sistema de
justiça e de punição rigorosa das corporações.
Contudo, assim como nos Estados Unidos, não são considerados os
demais custos assumidos pelas empresas a título das obrigações de fazer
(ex. investigações internas, contratação de uma equipe de compliance,
aquisição de tecnologia, aumento do orçamento da área responsável etc.),
assim como do investimento realizado após os acordos para

15
Disponível em:<https://www.cgu.gov.br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao/acordo-
leniencia> Acesso em: 20 de Novembro de 2019
54 | Estudos de Compliance Criminal

supostamente garantir a redução das infrações econômicas e promover


mudanças de comportamentos.
Tal situação tem gerado um aumento nos custos de compliance das
corporações após a celebração dos acordos de não persecusão, sem
contudo encontrar amparo dos mesmos investimentos pelo Estado -
resultando na distribuição desigual da responsabilidade pela prevenção
da corrupção.
Diante do cenário atual de utilização em massa de acordos de não
persecução extrajudiciais por atos de corrupção, não é possível confirmar
o resultado de reabilitação e intimidação das corporações, com a
consequente redução dos crimes corporativos, ao revés, tem promovido
desincentivos às empresas, que tem receio de produzir provas e se
autoincriminar, sem encontrar do lado do Estado uma verdadeira
parceria no controle das infrações econômicas.

2. Acordos de não persecução: origem e fundamento

O modelo de justiça criminal consensual dos Estados Unidos, espe-


cialmente a partir dos anos 2000, priorizou a responsabilização das
pessoas jurídicas por infrações econômicas, em nível federal, renuncian-
do aos direitos e garantias constitucionais das empresas. A atuação das
autoridades de enforcement da lei, em particular da FCPA, se desenvol-
veu, desde a década de 1970, à margem da lei e ordenada por guias
orientativos (guidelines) que serão aprofundados no tópico seguinte.
O presente capítulo apresentará a evolução dos instrumentos de soft
law, quase regulatórios, publicados pelo DOJ, com a finalidade de direci-
onar as investigações, estabelecer os processos de negociação de acordos,
definir os fatores para a avaliação da concessão de benefícios, assim co-
mo as estratégias adotadas, de maneira oposta ao oferecimento de
denúncias ao poder judiciário.
Na sequência, serão apresentados alguns direitos constitucionais
destinados às empresas que, apesar da pouca aplicabilidade ou restrição
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 55

conferida pela jurisprudência norte-americana, vivem o dilema de decidir


entre negociar um acordo de resolução (inclusive extrajudicial) e ter
encerrado um caso envolvendo atos de corrupção, ou se defender em
juízo, servindo-se de todos os direitos e garantias constitucionais outor-
gados às empresas, mas correndo o risco de ter as suas atividades
econômicas extirpadas em decorrência de uma sentença penal condena-
tória considerada de “morte”.

2.1 A sequência orientativa dos memorandos

2.1.1 Memorando Holder

O ano de 1994 16 determinou o marco inicial para a utilização dos


acordos de resolução com as pessoas jurídicas por infrações econômicas,
tendo a celebração de um DPA (deferred prosecution agreement) pelo
DOJ com a seguradora Prudential se tornado um referencial histórico.
Tal acordo é considerando um dos primeiros a envolver uma grande
empresa17 que, para evitar sanções impostas no âmbito de um processo
penal regular, se comprometeu com obrigações de fazer consistentes em
reformas internas18. Naquela época, não havia qualquer dispositivo que
regulasse a adoção de tais instrumentos negociais, pelo contrário, os
membros do DOJ se valiam de um poder discricionário, sem amparo
legal, para, ao mesmo tempo, punir a empresa e evitar uma condenação
via judiciário.
Nesse sentido, era preciso estabelecer os fatores que deveriam ser
levados em consideração pelos membros do DOJ para decidir entre pro-

16 Mary Jo White, Corporate Criminal Liability: What Has Gone Wrong?, in 2 37TH ANNUAL INSTITUTE ON
SECURITIES REGULATION 815, 818 (PLI Corp. Law & Practice, Course Handbook Ser. No. B-1517, 2005). Koehler,
M. (2015). Measuring the Impact of Non-Prosecution and Deferred Prosecution Agreements on Foreign Corrupt
Practices Act Enforcement. UCDL Rev., 49, 497. E Arlen, Jennifer, and Marcel Kahan. "Corporate governance
regulation through nonprosecution." U. Chi. L. Rev. 84 (2017): 323.
17 ALEXANDER, Cindy R.; MARK A. Cohen. The Evolution of Corporate Criminal Settlements: An Empirical
Perspective on Non-Prosection, Deferred Prosecution, and Plea Agreements. In: Rev. 52, Am. Crim. L., p. 537, 2015.
18 Disponível em: http://lib.law.virginia.edu/Garrett/corporate-prosecution-registry/agreements/prudential.pdf.
Acesso em: 4 dez. 2019.
56 | Estudos de Compliance Criminal

cessar formalmente uma empresa ou propor um acordo de não persecu-


ção penal. Foi assim que, no dia 16 de junho de 1999, o governo norte-
americano divulgou o memorandum Holder, documento destinado a
todos os membros do DOJ, responsável por estabelecer as diretrizes e
critérios para a avaliação da oportunidade e conveniência em se trazer
acusações contra as pessoas jurídicas.
Um dos princípios estruturantes do documento é a responsabiliza-
ção penal das empresas por infrações econômicas, centralizado nas
teorias da dissuasão e retribuição. Apesar de passados mais de 20 anos
da promulgação da FCPA (Foreign Corrupt Practice Act), em 1977, pou-
cos foram os casos registrados envolvendo empresas condenadas
formalmente por crimes.
O documento adotou algumas premissas, aparentemente equivoca-
das, de que a realização de acusações formais contra empresas
promoveria a intimidação de indivíduos e mudanças de comportamento
no ambiente corporativo. Este referencial elaborado pelo DOJ reforçou a
ideia de imputação da conduta do agente à pessoa jurídica, fruto da teo-
ria respondeat superior, que atribui a responsabilidade da pessoa jurídica
desde que o ato tenha sido praticado por pessoa com poderes no âmbito
das suas atribuições (estatutárias ou contratuais) e que tenha sido em
benefício (direto ou indireto) da empresa. Desde a guerra civil, as cortes
norte-americanas depositaram na teoria vicariante a atribuição da res-
ponsabilidade criminal das pessoas jurídicas pelos atos dos seus
agentes 19.
Para decidir entre a formalização de uma acusação (denúncia) con-
tra as empresas e a negociação de um acordo de resolução, os membros
do DOJ deveriam levar em consideração, além dos fatores típicos consi-
derados para as pessoas físicas, quais sejam, a suficiência das evidências,
a probabilidade de êxito no julgamento, as prováveis dissuasões, reabili-

19 N.Y. Cent. & Hudson River R.R. Co. v. United States, 212 U.S. 481, 494–96; see also JAMES P. COX & THOMAS
LEE HAZEN, TREATISE ON THE LAW OF CORPORATIONS § 8:21 (3d ed. 2010)
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 57

tações, outros oito fatores 20. Tais fatores ampliaram, em certa medida, os
poderes conferidos aos promotores, especialmente com relação à atribui-
ção de responsabilidade às empresas. Percebe-se uma forte justificativa
para a responsabilização das pessoas jurídicas como fator de garantia
contra a impunidade e de promoção de punições severas, marca da ex-
pressão dos teóricos retributivistas.
O documento, apesar de não prever expressamente no seu corpo as
expressões NPA e DPA, sinalizou aos promotores a necessária avaliação
das condutas corporativas pré-acusatórias, reconhecidas por intermédio
da cooperação das empresas com as investigações, das denúncias volun-
tárias, das ações imediatas de remediação, na linha do compromisso
implícito (good corporate citizenship) sinalizado pelo governo à iniciativa
privada no início da década de 1990. Tal compromisso se refletiu de vari-
adas formas, por meio da publicação de documentos (manuais ou guias
orientativos), os quais ofereceriam incentivos para uma parceria das
empresas com a administração pública na prevenção da corrupção.
A despeito dessa parceria tácita, merece destaque a crítica de Willian
Laufer21, da Universidade da Pensilvânia, em relação ao desequilíbrio na
distribuição de responsabilidade pelo enforcement da lei e da transferên-
cia quase que integral para a iniciativa privada do ônus investigativo. O
resultado dessa suposta parceria teria estimulado o desenvolvimento da
indústria de compliance, ampliando demasiadamente o custo para estar

20 "1. The nature and seriousness of the offense, including the risk of harm to the public, and applicable policies and
priorities, if any, governing the prosecution of corporations for particular categories of crime (see section III, infra);
2. The pervasiveness of wrongdoing within the corporation, including the complicity in, or condonation of, the
wrongdoing by corporate management (see section IV, infra); 3. The corporation's history of similar conduct,
including prior criminal, civil, and regulatory enforcement actions against it (see section V, infra); 4. The corpora-
tion's timely and voluntary disclosure of wrongdoing and its willingness to cooperate in the investigation of its
agents, including, if necessary, the waiver of the corporate attorney-client and work product privileges (see section
VI, infra); 5. The existence and adequacy of the corporation's compliance program (see section VII, infra); 6. The
corporation's remedial actions, including any efforts to implement an effective corporate compliance program or to
improve an existing one, to replace responsible management, to discipline or terminate wrongdoers, to pay restitu-
tion, and to cooperate with the relevant government agencies (see section VIII, infra); 7. Collateral consequences,
including disproportionate harm to shareholders and employees not proven personally culpable (see section IX,
infra); and 8. The adequacy of non-criminal remedies, such as civil or regulatory enforcement actions (see section X,
infra)” Disponível em:< https://www.friedfrank.com/files/QTam/holdermemo.pdf> Acesso em: 19 de Março de
2020
21 LAUFER, William S. A very special regulatory milestone. In: U. Pa. J. Bus. L. 20 , p. 392, 2018.
58 | Estudos de Compliance Criminal

em compliance pelas empresas, sem quaisquer parâmetros regulatórios


aceitáveis para a necessária verificação científica dos programas de com-
pliance.
Após alguns anos da publicação do guia de orientação aos promoto-
res do DOJ, os americanos foram alvejados com um novo escândalo
corporativo, na sequência de eventos criminosos corporativos, desde a
renúncia de Richard Nixon na década de 1970, dessa vez, envolvendo a
empresa de energia Enron. A companhia, sediada em Houston, com fatu-
ramento anual na época de, aproximadamente, 100 bilhões de dólares, se
viu implicada em gravíssimas acusações de fraude e violações da FCPA.
Na esteira do caso Enron, encontrava-se a auditoria Arthur Andersen
LLP, considerada uma das cinco maiores empresas de auditoria do mun-
do, que foi formalmente acusada pelo DOJ por obstrução da justiça 22 após
evidências de que a empresa incentivou a destruição de provas relacio-
nadas a auditoria da Enron 23.
O caso ganhou contornos dramáticos, após o sócio da empresa de
auditoria recusar um acordo de resolução (DPA) com as autoridades
norte-americanas, ocasionando a sua condenação por um júri 24 – sob a
acusação de “persuadir consciente e corruptamente outra pessoa, com a
intenção de causar ou induzir qualquer pessoa a reter documentos ou
alterar, destruir ou mutilar documentos para uso em um processo ofici-
al” – e a posterior sentença condenatória que, dentre as sanções
impostas, determinou a cassação da licença para prestação de serviços de
consultoria e auditoria de empresas listas no mercado de capitais.
O resultado quase natural de uma decisão que retira da empresa o
direito de exercer a sua atividade econômica só poderia ser um, a demis-
são em massa de aproximadamente 28 mil profissionais, além da
instauração de um processo de recuperação judicial diante do estado pré-

22 Disponível em: https://casetext.com/case/roquet-v-arthur-andersen-llp-2. Acesso em : 4 dez. 2019.


23 Peter Spivack & Sujit Raman, Regulating the „New Regulators‟: Current Trends in Deferred Prosecution
Agreements, 45 AM. CRIM. L. REV. 159, 160 (2008)
24 Uma análise mais detalhada do caso envolvendo a empresa de auditoria pode ser verificado em: GARRETT,
Brandon. Too big to Jail. Harvard University Press, 2014.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 59

falimentar da empresa - confirmando o que alguns chamam de “senten-


ça de morte” 25.
A partir daquele momento, passou-se a discutir novas maneiras de
realização do sistema de justiça penal nos Estado Unidos, em especial
para se combater as infrações econômicas, uma realidade enfrentada
pelo mundo pós-industrial, provocando reflexões acerca do modelo san-
cionatório adotado pelo DOJ. Os promotores passaram a priorizar a
reabilitação das empresas em detrimento das acusações formais pela via
do processo judicial, estabelecendo novas metas de efetivação da justiça,
alicerçadas no padrão consensual.
Proveniente desse contexto, o “mundo pós-Enron” viu emergir a
culpabilidade pela falha do dever de vigilância 26 dos chamados gate-
keepers, cuja atribuição de responsabilidade decorreria, por exemplo, da
causalidade omissiva 27. Mas tais profissionais, exercentes de funções de
verificação, análise e avaliação de informações relevantes do mercado de
capitais, também falharam no dever de garantir a conformidade dos
processos de prevenção contra as infrações econômicas 28.
Os membros do DOJ passaram a sofrer críticas constantes em virtu-
de da super criminalização das pessoas jurídicas e indivíduos, cujo
resultado após as acusações e o processo judicial, culminaria em prejuí-
zos para os terceiros interessados (empregados, acionistas etc.). De certa
maneira, essa perspectiva de prejuízo para terceiros, vítimas das condu-
tas praticadas no ambiente corporativo, se tornou um gatilho para o
governo resolver os casos de corrupção por meio de acordos de resolu-
ção.
Nesse sentido, o governo norte-americano passou a considerar
principalmente os efeitos colaterais resultantes de condenações judiciais,

25 Carrie Johnson, Ruling Won’t Deter Prosecution of Fraud, WASH. POST, June 1, 2005.
26 WEISSMAN, Andrew; WEISSMAN, Andrew. Rethinking criminal corporate liability. In: Ind. LJ 82 p. 441, 2007
27 SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance na perspectiva da criminologia econômica. In: Compliance. Belo Horizonte:
Fórum (2018). p.1
28 COFFEE Jr.; John C. Gatekeeper failure and reform: The challenge of fashioning relevant reforms. In: BUL Rev.
84, p. 301, 2004.
60 | Estudos de Compliance Criminal

como a proibição de contratar com a administração pública e a suspen-


são dos direitos de exercício da atividade profissional (auditoria,
advocacia etc.). No entanto, sob o manto da moralidade punitivista e a
retórica da integridade corporativa, ainda carecem de um maior apro-
fundamento teórico os impactos que a indústria do compliance ocasionou
e que será abordado a seguir.

2.1.2 Memorando Thompson

Para responder às críticas feitas ao DOJ, no mundo pós-Enron, foi


publicado em 2003 o memorando Thompson 29, documento orientativo
denominado “Principles of Federal Prosecution of Business Organizati-
ons". O foco principal do documento era estabelecer parâmetros
mínimos para a avaliação da cooperação das organizações em processos
de investigação, assim como a aferição da efetividade dos programas de
compliance como condição para receber reduções de multas e se habilitar
para negociar um acordo com as autoridades.
A avaliação dos programas de compliance, como elemento a ser con-
siderado no processo de negociação passa, definitivamente, a ser um
critério de ponderação para apreciação das autoridades que, combinado
com a colaboração das empresas, poderiam “premiar” boas práticas.
Contudo, ainda que o documento tenha sido divulgado com a inten-
ção de estabelecer as balizas para a atuação das autoridades, o suposto
incentivo à produção de provas, a realização de investigações internas
corporativas e a cooperação irrestrita das empresas, acabou propiciando
um ambiente favorável para o cometimento de uma série de violações de
direitos individuais30 no campo das novas técnicas de investigação.
O voluntarismo inicialmente traçado pelo documento, fruto da coo-
peração a partir da manifestação livre da vontade do indivíduo (ou

29 Disponível em: https://www.americanbar.org/content/dam/aba/migrated/poladv/priorities/privilegewaiver/


2003jan20_privwaiv_dojthomp.authcheckdam.pdf. Acesso em: 27 nov. 2019
30 Eduardo Saad Diniz. Ética negocial e compliance, p. 128.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 61

empresa), foi substituído pelas práticas coercitivas, ameaçadoras e sus-


tentadas justamente nas provas produzidas pelas empresas.
Um caso real que marcou esse período diz respeito a Big Four
KPMG, uma das maiores auditorias do mundo, que esteve envolvida em
supostas práticas ilícitas na virada do século 31. Alguns dos seus emprega-
dos e sócios seniores, acusados de participação no "esquema" de
corrupção (lato sensu), haviam avocado o direito de serem defendidos
por advogados, cujo custeio dos honorários deveria ser antecipado pela
empresa.
No entanto, sob o argumento de que os membros do DOJ pressiona-
ram a empresa a renunciar tal direito, proibindo o custeio das despesas
de honorários para a defesa em juízo dos seus empregados, a KPMG
informou a todos que não cumpriria com esta obrigação, pois do contrá-
rio não conseguiria celebrar o seu acordo de resolução com o DOJ e ter
reduzida as sanções impostas (especialmente a multa).
O caso foi parar na justiça 32, tendo a corte do distrito Sul de Nova
Iorque entendido que o dispositivo do Memorando Thompson que exige
das empresas a renúncia aos direitos, alguns constitucionais, visa em
última análise obter condenações e a imposição de sanções aos indiví-
duos a qualquer custo. Contudo, segundo a decisão, esta não deveria ser
a finalidade precípua das autoridades, muito pelo contrário, deveria estar
inserida na sua missão alcançar a justiça, que não é realizada a partir de
coações ou ameaças pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei.
Aceitar que as autoridades possam negociar direitos individuais,
sem a participação dos seus titulares, e ainda restringindo o acesso a
justiça ao recusar o custeio dos honorários dos defensores, viola direitos
fundamentais, cuja defesa deveria ser um pilar na atividade das autori-
dades de enforcement. Neste sentido a corte reconheceu que a conduta
dos agentes do DOJ violou a quinta e sexta emendas constitucionais, que

31
Disponível em:< https://www.sec.gov/news/press/2003-16.htm> Acesso em: 16 de Marcço de 2020.
32
Disponível em: < https://casetext.com/case/us-v-stein-38#0af7b48e-d850-4dc3-839a-d35fd463f7d9-fn9>
Acesso em: 16 de Março de 2020.
62 | Estudos de Compliance Criminal

conferem a todos os cidadãos um julgamento justo e a assistência de um


defensor constituído para que o devido processo legal, assim como a
ampla defesa/contraditório, sejam observados.
O caso é relevante, pois provoca uma série de reflexões acerca da le-
gitimidade dos acordos celebrados a partir dos anos 2000, além de
promover discussões a respeito dos limites de atuação dos membros do
DOJ e das garantias necessárias para as empresas, além dos indivíduos,
no curso dos procedimentos de investigação.

2.1.3 Memorando Mc Nulty

Para corrigir as falhas geradas a partir da publicação do documento


anterior (Thompson memo), o governo publicou, em 2006, o memoran-
dum Mc Nulty 33, que rediscutiu a imprescindível observância de direitos
e princípios fundamentais, criando restrições e limites para a utilização
de práticas investigativas, muitas vezes consideradas ilegais, contra as
organizações.
Acrescenta-se na pauta o debate em torno do sigilo profissional do
advogado (attorney client privilege 34), exigindo-se das autoridades, além
da comprovação da necessidade legítima 35, autorizações formais do alto
escalão do Departamento de Justiça para se estabelecer negociação que
envolva a renúncia de direitos - incluindo a não autoincriminação e com-
partilhamento de documentos oriundos do trabalho entre clientes e
advogados.
O documento procurou estabelecer um processo para que os pro-
motores pudessem requerer a renúncia das empresas e indivíduos a tais

33 Disponível em: https://www.justice.gov/sites/default/files/dag/legacy/2007/07/05/mcnulty_memo.pdf Acesso


em: 27 nov. 2019.
34 Steven M. Witzel, Privilege Waivers’ Role in Deferred and Non-Prosecution Agreements, 250 N.Y. L.J. no. 47,
Sept. 5, 2013.
35 "Legitimate need was based on four factors: (1) the likelihood and degree of benefit the information would
provide, (2) alternative means of obtaining the information, (3) voluntary disclosures already provided, and (4) the
risk of negative consequences of a waiver to a corporation. Disponível em: < https://www.justice.gov/
sites/default/files/dag/legacy/2007/07/05/mcnulty_memo.pdf> Acesso em 10 de Dezembro de 2019.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 63

direitos fundamentais, assim como a imposição de condicionantes, não


proibidas pela lei, para celebração de acordos de resolução (ex.: a proibi-
ção de custeio de despesas com advogados para o exercício da defesa de
direitos individuais).
Não parece incomum os promotores exercerem do seu poder discri-
cionário, quase absoluto, de enforcement da lei, para obter provas ou
confissões de testemunhas e investigados, em condições precárias e sem a
proteção de direitos, motivo pelo qual as previsões expressas no documen-
to foram importantes para impor limites à atuação dos membros do DOJ.
Contudo, apesar da tentativa de conter a saga punitivista das auto-
ridades, as práticas abusivas e coercitivas continuaram sendo alvo das
críticas da doutrina e da prática jurídica nos Estados Unidos 36. A discrici-
onariedade conferida aos membros do DOJ para avaliar a cooperação das
empresas, impor obrigações de fazer sem previsão legal, exigir a renún-
cia de direitos (alguns fundamentais), dentre outras condutas, passou a
ser objeto de estudos e debates intensos nos Estados Unidos.

2.1.4 Memorando Filip

Por fim, o último documento 37 que segue a linha histórica desde o


final da década de 1990, de “regulação" das práticas preventivas empre-
sariais anticorrupção e do modus operandis dos membros do DOJ, foi
publicado em 2008, intitulado “Filip Memo – Principles of Federal Prose-
cution of Business Organizations”.

36
Marks, Colin P. "Thompson/McNulty Memo Internal Investigations: Ethical Concerns of the Deputized Counsel."
. Mary's LJ 38 (2006): 1065; Bishop, Keith Paul. "The McNulty Memo-Continuing the Disappointment." Chap. L.
Rev. 10 (2006): Stein, Noah D. "Prosecutorial Ethics and the McNulty Memo: Should the Government Scrutinize an
Organization's Payment of Its Employees' Attorneys' Fees." Fordham L. Rev. 75 (2006): 3245.
37 Na última década, o DOJ publicou outros documentos-guia relacionados à seleção de monitores externos em
processos de negociação, pré-acordos de resolução (“Morford Memo”), assim como o “Yates memo” que retomou o
equívoco de modelagem sancionatória para os indivíduos, chamados gate keepers (responsabilidade individual) e,
mais recentemente (2019), o documento "Benczkowski Memo” que tentou propor parâmetros de avaliação da
efetividade dos programas de compliance – sem, contudo, ser possível afirmar o seu resultado, considerado-se que
nem o conceito de efetividade foi desenvolvido pelo DOJ, muito menos a proposta foi calcada em parâmetros
cientificamente comprovados quanto à concreta capacidade dos programas de compliance promoverem mudanças
comportamentais e a redução das infrações econômicas.
64 | Estudos de Compliance Criminal

O governo norte-americano, pela primeira vez, por intermédio do


referido guia, acrescentou um dispositivo expresso no manual de justiça
(“Justice Manual”) – que, até 2018, se chamava “US Attorneys Manual –
para fins de se estabelecerem balizas à atuação dos promotores em sede
de crimes federais cometidos por empresas.
O documento propunha revisar o memorando anterior ("MC
nulty”), estabelecendo-se critérios para proposição dos acordos de reso-
lução por atos de corrupção, considerando-se fatores de cooperação,
produção de provas antecipadas pelas empresas e os esforços para a
implementação de programas de compliance. O documento é um com-
pendio de toda a atividade de enforcement das autoridades em casos de
condutas criminosas em nível federal, respondendo, em parte, às críticas
à ampliação dos poderes conferidos pelo Estado e o aumento na utiliza-
ção do modelo negocial para resolver casos de suborno (ou demais
infrações econômicas).

2.2 Direitos constitucionais das pessoas jurídicas

O primeiro direito constitucional conferido as empresas diz respeito


à quarta emenda 38 que, apesar da crítica 39 a pouca ou quase nenhuma
aplicabilidade prática, consagra a proteção contra atos arbitrários sobre o
exercício do direito de propriedade e a privacidade. Coloca-se de um lado
o direito do Estado de, tendo fundadas suspeitas sobre o cometimento de
um crime ou conduta ilegal, investigar condutas violadoras da lei; e, de
outro lado, os direitos do cidadão, sendo reconhecido que as pessoas
jurídicas têm alguns dos direitos e garantias individuais tais como a pri-
vacidade e propriedade 40 – de não ter a sua privacidade e/ou propriedade
invadida sem um motivo justo e legítimo.

38 Disponível em: https://www.law.cornell.edu/wex/fourth_amendment. Acesso em: 27 nov. 2019.


39 GARRET, Brando. The constitutional standing of corporations. p. 122-128.
40 William W. Bratton, Jr., The New Economic Theory of the Firm: Critical Perspectives from History, 41 STAN. L.
REV. 1471 (1989) p. 1507-08
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 65

Ocorre que tal direito constitucional não parece ser amplamente


reconhecido na prática, pois, diferentemente da jurisprudência conferir
uma concepção mais restrita para o direito individual, no caso das pesso-
as jurídicas, o judiciário tende a interpretar o dispositivo de maneira
mais ampla, privilegiando o direito do Estado 41 – geralmente exercida
pelas agências reguladoras e autoridades de enforcement – de apurar
suspeitas contra as pessoas jurídicas. Em alguns casos, a jurisprudência
reconhece o direito do Estado de acessar documentos das pessoas jurídi-
cas com base em uma mera suspeita 42, sob o fundamento da legitimidade
do Estado em comprovar que o comportamento corporativo está em
conformidade com a lei e o interesse público.
Um dos casos de maior repercussão jurídica quanto a interpretação
da quarta emenda na aplicação de casos envolvendo pessoas jurídicas foi
o julgamento do caso Dow Chem. Co. v. United States 43. O caso envolvia
uma suposta utilização de veículos aéreos pelas autoridades de uma
agência ambiental, ante o fundamento do legítimo interesse público, para
investigar supostas práticas industriais contra legislação ambiental. A
corte decidiu que a realização de diligências (buscas) consistentes na
coleta de imagens aéreas sem a autorização judicial prévia configura
violação da quarta emenda, aplicável para casos que envolvam pessoas
jurídicas.
O segundo direito constitucional, aplicável às pessoas jurídicas, é o
da sexta emenda, que concebe uma série de garantias aos réus criminais:
direito a um julgamento público em prazo razoável; direito de acesso à
justiça e a defesa um advogado; direito a júri imparcial; direito de conhe-
cer os acusadores; e direito de ter acesso às provas acusatórias. Assim, a

41 Oklahoma Press Publishing Co. v. Walling. Disponível em: https://supreme.justia.com/


cases/federal/us/327/186/. Acesso em: 27 nov. 2019.
42 Even if one were to regard the request for information in this case as caused by nothing more than official
curiosity, nevertheless law enforcing agencies have a legitimate right to satisfy themselves that corporate behavior
is consistent with the law and the public interest. United States v. Morton Salt, 338 U.S. 632 (1950). Disponível em:
https://supreme.justia.com/cases/federal/us/338/632/. Acesso em: 27 nov. 2019.
43Disponívelem: https://scholar.google.com.br/scholar_case?case=2807189437219807369&q=Dow+Chem.+Co.+
v.+United+States&hl=en&as_sdt=2006&as_vis=1. Acesso em: 27 Novembro. 2019
66 | Estudos de Compliance Criminal

jurisprudência dos Estados Unidos já se deparou com o tema e reconhe-


ceu tais direitos das pessoas jurídicas 44.
O terceiro direito de envergadura constitucional é o do devido pro-
cesso que, nos casos criminais, confere às empresas tutela contra os
abusos cometidos pelas autoridades de enforcement no curso de investi-
gações. O dever de evidenciar a culpabilidade das empresas e indivíduos,
produzir provas e apurar condutas, por meio das investigações, não pode
incorrer na violação de direitos e se afastar de técnicas lícitas de produ-
ção de provas. A presunção de inocência não pode, sem sentido, ser
desprezada; e, pelo contrário, é pressuposto para a formação da culpa.
Apesar dos direitos previstos, muitas empresas preferem negociar
acordos de resolução, se possível, extrajudiciais. A justificativa decorre de
alguns fatores tais como o custo elevado para o exercício do direito de
defesa no judiciário, os efeitos colaterais de uma condenação que podem
levar à sentença de morte das empresas, até mesmo os riscos de imagem
os quais derivam de um processo judicial (trial).
Ainda que algumas empresas tenham elementos fático-probatórios
ou jurídicos para o exercício da defesa, o resultado de condenações cri-
minais, a exemplo do caso Enron, sugere que a melhor opção para as
empresas é resolver o caso por meio de acordos e da assunção de obriga-
ções de dar ou fazer. As técnicas adotadas pelas autoridades para
convencer as empresas cooperarem, objeto de julgados e estudos, parece
se colocar a margem das garantias e princípios constitucionais - refor-
çando ainda mais as críticas à retórica da integridade, a violação de
direitos e necessidade de verificação científica da eficácia do modelo san-
cionatório adotado há décadas.

44 United States v. R. L. Polk. Disponível em: https://casetext.com/case/united-states-v-polk-4 e Int’l Union,


United Mine Workers of Am. v. Bagwell. Disponível em: https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-
court/512/821.html. Acesso em: 5 de Dezembro de 2019.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 67

3. Críticas à utilização dos acordos de resolução

Os esquemas de corrupção (lavagem de dinheiro, suborno e evasão


de divisas), geralmente praticados em quadrilha, se modernizaram com o
tempo, tornando a atividade investigativa do Estado cada vez mais com-
plexa, penosa e custosa. Alguns estados, em condições cada vez mais
precárias (de pessoal, tecnológica e financeira) ou sem priorização de
política criminal para o combate de infrações corporativas, se veem limi-
tados na sua capacidade de deter os crimes.
Surgem, nesse contexto, instrumentos de promoção da colaboração
das empresas com o Estado, a exemplo dos NPAs e DPAs norte-
americanos, buscando-se a realização do enforcement da lei, assim como
a aplicação da pena às empresas “delinquentes”. No entanto, os incenti-
vos conferidos aos agentes participantes desse processo negocial não
podem nem ser insuficientes, sob pena de criar um ambiente de desestí-
mulo à cooperação, nem demasiados, cujo risco poderia ser estimular o
cometimento de infrações45.
Nesse sentido, os incentivos para a celebração de acordos de não
persecução por atos de corrupção (lato sensu) no mundo pós-Enron vem
sofrendo críticas em diversos níveis e com distintos fundamentos jurídi-
cos. Portanto, o presente tópico procurará abordar algumas das críticas
ao modelo atual de enforcement do DOJ, para os casos de infrações come-
tidas por empresas.
A primeira crítica direcionada aos acordos de não persecução
(NPA/DPA) diz respeito à potencial violação da separação de poderes,
devido à exclusão do poder judiciário do processo de imposição de pe-
nas46 (multa, restituição integral do dano, demissões de dirigentes etc.).
Os poderes conferidos aos membros do DOJ, considerados amplamente
discricionários, proporcionam uma atuação quase regulatória dos repre-
sentantes do poder executivo. Tais poderes incluem, mas não se limitam,

45 Rose Ackerman. Corruption and government. p.217


46 Barkow & Barkow. Prosecution in the board room: introduction. p. 1-6.
68 | Estudos de Compliance Criminal

a requisição de documentos, a produção de provas e investigação, a in-


quirição de testemunhas, a negociação de acordos de não persecução
(alguns extrajudiciais, a exemplo dos NPAs), a imposição de sanções
monetárias e obrigações de fazer, sem amparo legal.
A amplitude da discricionariedade dos promotores pode incluir, por
exemplo, a imposição de monitores externos para fiscalizar e acompa-
nhar o atendimento integral das obrigações impostas pelas autoridades
de enforcement. Em alguns casos, inclusive, houve acusação de conflito
de interesses envolvendo os promotores do DOJ 47 no processo de indica-
ção e seleção de monitores externos, cujo custo para a sua realização é
considerado extremamente elevado. O processo de negociação entre os
escritórios de advocacia que assessoram às empresas e os membros da
autoridade de enforcement não é transparente, sem publicidade, alcança-
da apenas para alguns casos que são divulgados em sítio de internet do
Departamento de Justiça.
Com relação ao suposto monopólio regulatório e “judicial” exercido
pelas autoridades de enforcement, alguns autores sugerem a participação
obrigatória do judiciário em todos os casos que se proponham ser resol-
vidos por meio de acordos 48. A sugestão seria transferir para o poder
judiciário a avaliação quanto ao atendimento de interesse público, condi-
cionando a homologação dos acordos à participação das vítimas por meio
de audiências públicas. Apesar da crítica não estar embasada em argu-
mentos mais cientificamente comprovados, merece toda a atenção e
reflexão a partir da argumentação jurídica.
Uma segunda crítica à atuação dos promotores e a utilização de
acordos de resolução diz respeito ao risco de violação do Estado de direi-
to (rule of law) 49 . Pressupõe-se que o Estado de Direito se opõe
justamente ao uso arbitrário ou abusivo do poder, especialmente quando

47 Disponível em: https://www.nytimes.com/2008/03/11/washington/11cnd-ashcroft.html. Acesso em: 27 nov.


2019.
48 GARRETT, Brandon. Too bid to jail, p. 282-283.
49 ARLEN, Jenifer. Prosecuting Beyond the Rule of Law: Corporate Mandates Imposed Through Deferred Prosecu-
tion Agreements. p. 206-207.
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 69

o Estado impõe limitações ao exercício de liberdades individuais, mas


também empresariais (livre-iniciativa ou liberdade econômica). Conside-
rando-se que o Estado moderno conferiu poderes discricionários ao
executivo, não apenas para aplicar a lei, mas também para limitar o exer-
cício de direitos e deveres individuais, seria preciso se estabelecerem
também limitações aos representantes desse poder.
O exercício do poder e de autoridade deve encontrar limitações, ser-
vindo-se precipuamente para o atendimento do interesse público.
Quando os promotores deixam de lado o interesse público e buscam
alimentar interesses pessoais, é preciso que o sistema legal imponha
restrições para a utilização do poder e seu uso arbitrário ou que desvia da
sua finalidade.
A supervisão50 também pode exercer um papel fundamental na li-
mitação do uso autoritário do poder, principalmente se for realizada
externamente como no caso da revisão judicial. O poder judiciário pode-
ria realizar a função de se verificar a legalidade das medidas
sancionatórias impostas às empresas, a renúncia de direitos fundamen-
tais e até aspectos processuais. Contudo, até mesmo este ponto ainda não
é um consenso na doutrina, havendo críticas para a ausência de compro-
vação científica da eficiência e eficácia na participação do poder judiciário
no processo negocial para os acordos de não persecução.
Uma terceira crítica concentra-se na inadequação dos termos e con-
dicionantes dispostos nos acordos. Esses não promoveriam os efeitos que
se espera de dissuasão e reabilitação, por meio de propostas de reformas
estruturantes nas organizações 51. Sugere-se o aumento dos valores em
multas, a priorização dos processos judiciais e a consequente condenação
das empresas. E o suposto resultado poderia representar na efetividade
do caráter intimidatório da pena.

50 ARLEN, Jenifer. Prosecuting Beyond the Rule of Law: Corporate Mandates Imposed Through Deferred Prosecu-
tion Agreements. p. 209.
51 GARRETT, Brandon. Structural reform prosecution. p. 933.
70 | Estudos de Compliance Criminal

Contudo, com máximo respeito as opiniões em contrário, não pare-


ce razoável supor que as multas elevadas e a submissão dos acordos ao
crivo do poder judiciário, por si só, promoveriam os elementos da pena.
O déficit de estudos empíricos, no Brasil, a respeito dos efeitos das san-
ções monetárias talvez pudesse responder a essas e a outras perguntas,
mas o caminho pela via da multa certamente não parece ser o melhor.

4. Conclusões

O aumento significativo na utilização de acordos de não persecução


penal (consensuais) pelas autoridades de enforcement da lei, especial-
mente da FCPA, na virada do presente século, encontra a sua justificativa
no “mundo pós-Enron”. A decisão tomada pela empresa, na época, que
recusou a proposta de resolução extrajudicial feita pelo governo e optou
pela via do poder judiciário, teve um efeito devastador que culminou com
a demissão em massa de milhares de empregados e a cassação da licença
para prestar serviços de auditoria no Estados Unidos.
O resultado de uma condenação judicial de uma pessoa jurídica pa-
rece ter sido compreendido por ambos os setores, tanto público, quanto
privado, nos aspectos financeiro, jurídico e social, como uma sentença
considerada pena de “morte”.
Para reverter um cenário catastrófico, o governo norte-americano
se valeu dos poderes conferidos ao Poder Executivo e passou a orientar a
atuação dos seus membros, em particular do DOJ, para a aplicação da lei
e responsabilização das pessoas jurídicas a partir da negociação de acor-
dos resolutivos.
A responsabilidade da pessoa jurídica, cuja teoria dominante era a
vicariante, passa por um processo de transformação para uma teoria da
culpabilidade corporativa, fundamentada na avaliação dos elementos
corporativos – considerando-se, portanto, para a imputação da respon-
sabilidade da pessoa jurídica, não mais o elemento subjetivo do agente
causador do dano, mas sim a complexidade do negócio, o quantitativo de
Marlos Corrêa da Costa Gomes | 71

empregados, a existência de um programa de compliance, a participação


da alta administração na promoção da ética, a estrutura de governança e
riscos, dentre outros.
Contudo, o modelo de justiça criminal consensual nos Estados Uni-
dos não está imune às críticas. Antes, padece dos mesmos problemas que
outros países da América do Sul. A retórica da integridade corporativa,
somada à necessidade de o Estado dar concretude à lei, contribuiu para a
formação de um ambiente que fomentou a indústria de compliance, dis-
tante de padrões regulatórios adequados para o exercício do dever
punitivo do Estado.
O crescimento no uso dos NPAs e DPAs é seguido do aumento dos
investimentos pelas empresas em programas de compliance, contratação
de equipes, realização de investigações internas, instalação de canais de
denúncia, abrindo o campo para a persecução penal do Estado, com mai-
or ênfase, sem, contudo, encontrar os mesmos investimentos pelo
Governo no combate da corrupção.
Essa suposta parceria, simplificada pelo implícito acordo da “good
corporate citizenship”, parece não estar igualmente equilibrada, cabendo
atualmente às empresas um dever de vigilância quase que absoluto con-
tra as infrações econômicas. O resultado dessa distribuição desigual de
responsabilidades pelo enforcement da lei, estimulado pela ideia de au-
torregulação, se reflete em acordos extrajudiciais ou parcialmente
judicializados sem verificação quanto à capacidade de intimi-
dar/dissuadir (deterrence) e reabilitar as empresas.
No jogo de compliance, a preocupação com as vítimas pode ser re-
negada à condição de discurso. E quem mais se beneficia com o cenário
de consensualismo exacerbado parece ser o Estado e as empresas. No
entanto, há muito o que ser debatido, principalmente a partir da pesqui-
sa empírica, cujo contributo pode estar justamente na confirmação ou
refutação das hipóteses concebidas.
Avaliar se os programas de compliance, implementados após a cele-
bração de acordos de não persecução, promoveram mudanças no
72 | Estudos de Compliance Criminal

ambiente corporativo, ou reduziram as infrações econômicas, realizando-


se alguns dos elementos da pena (ex. dissuasão e reabilitação), pode ser
um caminho para se confirmar em que medida o modelo atual de enfor-
cement e sancionatório é eficaz.

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4

Reflexões sobre a eficácia punitiva na


responsabilização penal das pessoas jurídicas

Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques 1

1. Introdução

O contexto das discussões sobre compliance criminal traz à voga a


temática da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
A análise realizada por um programa de compliance voltado à previ-
são de qualquer consequência juridicamente negativa à empresa e ao
afastamento de responsabilização por ilícitos, deve passar necessaria-
mente pela verificação do instituto.
É certo que, compreender profundamente a responsabilização cri-
minal dos entes morais demanda uma abordagem cirúrgica de alguns
dos temas mais complexos do Direito Penal. Contudo, para a análise que
interessa aos programas de governança corporativa, o aspecto mais rele-
vante encontra-se na questão sancionatória.
Como é impossível impor uma pena restritiva de liberdade à pessoa
jurídica, a análise de riscos de uma responsabilização criminal é a ponde-
ração quase restrita à perda patrimonial que pode advir em caso de
condenação.

1
Bacharel, Mestre e Doutorando pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado atuante na área criminal.
Delegado de Prerrogativas da Comissão de Prerrogativas da OAB/MG. Membro do Instituto dos Advogados de
Minas Gerais. Professor universitário do ensino superior e pós graduação, com foco nas disciplinas criminais.
Palestrante em diversos eventos e autor de artigos técnicos em publicações especializadas.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 77

Nesta perspectiva de ponderação, a tentativa de quantificar os pre-


juízos leva compliance a ser compreendido ora como contrato, ora como
investimento de risco.
Compreender o compliance criminal como objeto de simples contra-
to comutativo, em que se espera uma ampla previsibilidade das
prestações, riscos e obrigações, é desconhecer em absoluto ao que ele se
propõe.
E mesmo na comparação a um investimento de risco, no qual há
ampla margem de incerteza, circunscrita a um limite máximo de perda
previsível, subestima-se a caoticidade dos sistemas persecutórios. No
ponto mais crítico das incertezas que os programas de compliance devem
enfrentar, está a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
O espectro punitivo a que se sujeitam os entes coletivos é amplo.
Mesmo uma tentativa de sistematização de consequências e impactos
possíveis é uma tarefa imensamente desafiadora.
Para permitir uma melhor dimensionalização de tais consequências,
naquele juízo de ponderação que motiva a adoção de uma governança
corporativa, é que importam os estudos direcionados a compreender os
diversos aspectos das punições cabíveis ao ente moral.
A presente análise destina-se precisamente a discutir as sanções
criminais impostas aos entes morais, no plano da eficácia. Procura-se,
através das reflexões propostas, contribuir com a avaliação de risco dos
programas de compliance criminal.

2. Pressupostos assumidos

Várias discussões jurídicas circundam a temática da responsabiliza-


ção criminal das pessoas jurídicas. A maior parte delas provavelmente
limita-se ao campo mais teórico do instituto, mas também existem difi-
culdades práticas.
Se entre questões práticas e teóricas, estas prescindem aquelas; e se
as discussões sobre a pena se alocam no ponto mais externo da operacio-
78 | Estudos de Compliance Criminal

nalidade; então, para discorrer sobre os elementos sancionatórios, é


preciso pacificar todo ruído que envolve as questões antecedentes.
Em outras palavras, é necessário fazer o esforço de ignorar todas
polêmicas jurídicas que envolvem a responsabilidade penal dos entes
fictícios. Só assim será possível tecer ponderações estéreis que, portanto,
não estejam contaminadas com deficiências por ventura intrínsecas ao
instituto.
Para tanto, alguns pressupostos devem ser assumidos.
O primeiro deles é de que as normas que implementam a responsa-
bilização penal do ente coletivo são validas, vigentes e eficazes.
Isso não significa apenas considerar que qualquer percalço doutri-
nário se tome por superado pela opção política do legislador. Implica em
reconhecer a constitucionalidade da leitura que, no art. 225, §3º da
Constituição Federal, identifica a submissão de pessoas jurídicas à juris-
dição criminal.
Esse ponto nevrálgico legitima toda legislação ordinária – sob análi-
se no item seguinte – e é o pressuposto mais básico de aplicação do
instituto. Afinal, por óbvio, não existe relação jurídica sem norma que a
preceda.
Mas para se procedimentalizar a imputação criminal pretendida,
outros premissas devem ser assumidas.
Tomando a perspectiva analítica do crime, insta apaziguar as diver-
gências sobre a natureza da ação. Não cabe aqui se ocupar da natureza da
ação emanada pela pessoa jurídica, pouco importando se seu represen-
tante ao realiza-la está a representar o ente moral ou é ele próprio a
vontade manifesta.
Tomando a perspectiva analítica do crime, insta primeiramente re-
levar as divergências sobre a natureza da pessoa ficta e dos elementos de
sua conduta.
Várias são as concepções dogmáticas sobre esta natureza. Fernando
Galvão esclarece:
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 79

Ao longo da história, várias correntes doutrinárias disputaram por explicar a


natureza da pessoa jurídica. O esforço dogmático foi capaz de produzir mui-
tas teorias, sendo que três delas são consideradas clássicas sobre o assunto: a
da ficção, da realidade objetiva (que chega ao seu ponto extremo na constru-
ção da realidade orgânica), e da realidade jurídica 2.

Para a análise proposta, não é necessário optar por qualquer destas


teorias. Afinal, o processamento e condenação dos entes morais, em
qualquer esfera jurídica, jamais demandou que o legislador optasse ex-
pressa por um ou outra. Afinal, conforme salienta Galvão, “a natureza da
pessoa jurídica é problema que não encontra solução pacífica na doutri-
na, muito embora o tempo seja discutido há muito tempo” 3.
Portanto, pouco importa se na ação emanada pela pessoa jurídica, a
pessoa física está a representá-la ou consubstancia o próprio ente coleti-
vo em suas condutas.
Também não interessa ocupar-se de considerações acerca de dolo e
culpa. Aliás, mesmo a existência desses elementos na imputação criminal
de pessoas jurídicas – negada na projeção de responsabilidade penal
objetiva – é matéria que excede o recorte proposto.
Ainda que possa influenciar a dosimetria das penas ou qualquer re-
gime punitivo, não é propriamente o aspecto sancionatório que se
pretende abordar. É importante, neste ponto, restringir-se à apreciações
sobre o valor
A culpabilidade, por fim, não será também discutida. Relevante que
seja para se compreender a adequação dessa forma de responsabilização
aos modelos clássicos de imputação 4 – ou à elaboração de novos 5 – não
contribui verdadeiramente para as discussões sobre penalidade.
Não se despreza o valor de tais discussões para a doutrina jurídica.
Trata-se de uma forma de imputação criminal relativamente nova que
carece de maturação científica.

2
(ROCHA, 2003, p. 33).
3
(Ibidem, p. 32).
4
(PUIG, 2014, p. 4).
5
(DETZEL e DETZEL, 2016, p. 11)
80 | Estudos de Compliance Criminal

Porém, a análise das sanções penais dos entes coletivos não pode
esperar a pacificação de todos esses assuntos interregnos. Por vezes a
doutrina penal abstém de se aproximar do tema, sob argumento de ha-
ver imbróglios que antecedem a análise da pena.
Os pressupostos e abstenções assumidos parecem permitir a sereni-
dade necessária para a abordagem que se pretende.

3. Panorama legislativo brasileiro

Talvez uma das maiores dificuldades práticas da responsabilização


criminal de pessoas jurídicas e fonte das mais robustas discussões, adve-
nha da escassez normativa brasileira.
Basicamente existem dois diplomas normativos: a Constituição Fe-
deral e a Lei 9.605/98.
A previsão constitucional tem um caráter legitimador da responsa-
bilização penal do ente coletivo. Não apenas insere o instituto no
Ordenamento Jurídico Brasileiro, como traz validade à normatização
infraconstitucional.
É o parágrafo terceiro do artigo 225, que dispõe o seguinte6:

Art. 225, §3º:As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambien-


te sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos cau-
sados.

A resistência da doutrina jurídica brasileira em aceitar a inovação


legislativa levou a críticas das mais variadas a este parágrafo 7. A redação,

6
Compatível com a compreensão de que o instituto foi abertamente recebido pelo Ordenamento Brasileiro,
interpreta-se o art. 173, §5º da Constituição Feral, como uma referência à responsabilidade penal da pessoa
jurídica, quando dispõe que: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados
contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.
7
Um posicionamento curioso é de que a menção a pessoas “físicas ou jurídicas”, seguida das sanções “penais e
administrativas”, levaria à correspondência, por posicionamento textual, das sanções penais exclusivamente às
pessoas físicas e das sanções administrativas às jurídicas. Todavia, a sintaxe do trecho não corrobora com esse
entendimento.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 81

contudo, não parece trazer qualquer dúvida em relação à intenção do


legislador. A sujeição de pessoas jurídicas à sanções penais é claramente
estabelecida, conforme Galvão:

A estrutura do dispositivo deixa claro que os infratores estarão sujeitos a


sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de repa-
rar os danos causados. Em aposto explicativo, fica esclarecido que os
infratores podem ser pessoas físicas ou jurídicas 8.

Daí a lei 9.605/98 dispor sobre as sanções penais e administrativas


derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Dos oitenta e dois artigos dispostos em oito capítulos, interessa aqui
o capítulo segundo - “Da Aplicação da Pena” - especialmente nos artigos
vinte e um a vinte e quatro.
De acordo com o primeiro desses artigos, o vinte e um, à pessoa ju-
rídica são aplicáveis as penas de multa, restrição de direitos e prestação
de serviços à comunidade.
Os dois próximos artigos destinam-se a especificar restrições de di-
reitos e prestações de serviços aplicáveis às pessoas jurídicas, quando
autoras de crime ambiental.
Segundo o artigo 22, as penas restritivas de direitos são: i) suspen-
são parcial ou total de atividades; ii) interdição temporária de
estabelecimento, obra ou atividade; e a iii) proibição de contratar com o
Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
Os parágrafos que seguem o caput, delimitam as hipóteses de apli-
cação de cada uma das penas. A suspensão de atividades diz-se aplicável
quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo as disposições legais ou
regulamentares.
A interdição é para quando o estabelecimento, obra ou atividade
“estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a
concedida”. Também, quando houver violação de disposição legal ou
regulamentar.

8
(ROCHA, 2003, p. 6).
82 | Estudos de Compliance Criminal

O terceiro parágrafo daquele artigo 22 é o que, referindo-se à proi-


bição de contratar com o poder público, traz a previsão mais genérica.
Prevê apenas que a proibição não pode exceder o prazo de dez anos.
Inclui ainda, na mesma hipótese, a obtenção de subsídios, subvenções ou
doações do poder público.
Seguindo adiante, o artigo 23 descreve as formas de prestação de
serviço à comunidade. Tem-se o a) custeio de programas e de projetos
ambientais; b) execução de obras de recuperação de áreas degradadas; c)
manutenção de espaços públicos; e d) contribuições a entidades ambien-
tais ou culturais públicas.
Desnecessário que seja fazer uma descrição pormenorizada de cada
uma das formas de prestação, vale apontar a evidente relação com a
função restaurativa da pena e, por óbvio, com o papel de recuperação
ambiental que o diploma legal procura desempenhar.
Por fim, o artigo 24 traz uma disposição que vale ser transcrita:

Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com


o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei te-
rá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado
instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário
Nacional.

Note-se que há uma previsão explícita de encerramento forçado e


definitivo das atividades da pessoa jurídica. As críticas sobre o dispositivo
serão feitas oportunamente, mas já aqui cabem duas observações.
Primeiramente, é interessante apontar que os entes morais sujeitos
à essa penalidade são exclusivamente aqueles utilizados instrumental-
mente para os fins específicos de permitir, facilitar ou ocultar a prática
do crime ambiental.
Além desses verbos, cabe indagar se é possível impor essa punição
àquelas empresas com uma relação mais direta com o delito. De fato, a
redação do dispositivo parece não reconhecer a possibilidade da empresa
ser a própria autora do crime, mas mero instrumento utilizado pela pes-
soa física. Questiona-se então, se a exegese mais adequada não impede a
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 83

liquidação forçada daquela pessoa jurídica que não tenha permitido,


facilitado ou ocultado o crime, mas seja propriamente a autora do delito.
Uma segunda observação pertinente é o destino da liquidação da
pessoa jurídica.
Embora as disposições do artigo anterior tenham demonstrado a in-
tenção de que a função restaurativa das penas impostas sejam voltadas
aos interesses ambientais, a previsão do artigo 24 traz a contrapartida de
uma destinação ao Fundo Penitenciário Nacional.
Parece, portanto, destoar das diretrizes essenciais assumidas pelo
aspecto punitivo da lei 9.605/98. Indaga-se se uma destinação a progra-
mas de proteção ao meio ambiente não seria mais adequada.
De mais a mais, são estas as disposições legais do Ordenamento Ju-
rídico Brasileiro que regulam e delimitam as penas impostas às pessoas
jurídicas, pelos crimes pelos quais podem ser penalmente responsabili-
zadas.
3. Breves apontamentos sobre legislações estrangeiras

Para contextualizar o posicionamento da legislação pátria, no macro


contexto internacional, convém noticiar suscintamente a perspectiva
jurídica de outros países que admitem a responsabilidade penal da pes-
soa jurídica.
Ao que se observa, a tradição anglo-saxã, a exemplo dos Estados
Unidos, tem maior familiaridade com o instituto. Embora seja um grande
captador e influenciador de inovações neste campo, o common law, apre-
senta dificuldades estruturais para comparação legislativa com países de
tradição continental 9.
É interessante portanto, ver como este “costume jurídico” ganha es-
paço nos ordenamentos continentais: mais similares ao brasileiro.

9
(TIEDEMANN, 1996, p. 101).
84 | Estudos de Compliance Criminal

Inclusive, é na relação do Direito Continental, com o Anglo-saxão,


através da Organização das Nações Unidas, que Leandro Sarcedo identifi-
ca a origem da regulação Italiana do tema 10.
A Constituição italiana prevê expressamente a responsabilização in-
dividual. Contudo, a necessidade de efetivar alguns tratados
internacionais obrigou o país peninsular a articular o sistema persecutó-
rio. De tal maneira, que foi necessário escamotear uma responsabilização
administrativa transvestida de criminal.
E assim, através do Decreto Legislativo nº 231/01, a Itália sistemati-
zou um modelo de responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas
por ilícitos penais, cujo processamento se dá sob a jurisdição criminal.
A Áustria adota este mesmo modelo para efetivar o Protocolo para a
Harmonização da Proteção dos Interesses Financeiros das Comunidades
Europeias. Assim, sobre a regulamentação legislativa austríaca (Bundes-
gesetz über Verantwortlichkeit van Verbänden für Strajtaten –
Verbandsverantwortlichlceitsgesetz), Robert Planas afirma:

Assim as coisas, o facto de se estabelecer a responsabilidade (não penal) para


a pessoa colectiva no processo penal permite concluir que o legislador austrí-
aco seguiu a já mencionada via quasi-penal entre o Direito Penal e o direito
administrativo sancionador 11.

Günter Heine observa que Alemanha e Suíça foram aquém do vizi-


nho austríaco. Procuraram regulamentar a matéria, mas permaneceram
adstritos, respectivamente, à responsabilização administrativa e à res-
ponsabilidade pelo resultado 12.
Também na Europa, há destaque à Espanha, que aplicou a Respon-
sabilidade Penal da Pessoa Jurídica em larga escala a partir da Lei
Orgânica nº 05/2010, que fez alterações ao artigo 31 do Código Penal
Espanhol.

10
(SARCEDO, 2014, p. 175).
11
(PLANAS, 2007, p. 468).
12
(HEINE, 1996, p. 21).
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 85

E como as intenções punitivas ficaram bem estabelecidas e foram


vários os crimes abarcados pela implementação legislativa, o exemplo
espanhol constitui um excelente objeto para análise científica, como bem
trabalhou Juan Carlos Carbonell 13.
Outro país cuja realidade é próxima à brasileira e foi bem sucedido
em implementar a responsabilização criminal da pessoa jurídica, é o
Chile.
Assim como no caso italiano, os chilenos foram forçados pelo con-
texto de tratados internacionais a regular a matéria.
Estabeleceu então a imputabilidade criminal de entres coletivos para
os delitos de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e corrup-
ção 14.
Por essas breves considerações, é possível concluir que a responsa-
bilização criminal do ente coletivo é uma tendência atual do contexto
internacional, embora suas raízes estejam se expandindo já há alguns
anos.
Aliás, Heine lembra que Japão, Coreia, Holanda e Iugoslávia regu-
lamentaram o instituto ainda nos anos 70, enquanto Dinamarca,
Noruega e Suécia, apenas nos anos 80. França em 1994 e Finlândia em
1995. Na mesma década de 90, vários outros países já contavam com
projetos legislativos em andamento 15.
Vários mais possuem propostas em discussão.

4. Olhar crítico sobre as penas impostas às pessoas jurídicas

Tendo-se analisado brevemente os dispositivos legais que trazem as


penas oponíveis às pessoas jurídicas, cabe agora realizar a análise crítica
sobre elas.

13
(MATEU, 2017).
14
(SARCEDO, 2014, p. 188).
15
(HEINE, 1996, p. 26).
86 | Estudos de Compliance Criminal

É possível categorizar as sanções penais impostas às pessoas jurídi-


cas em sanções pecuniárias, proibição de contratar com o poder público,
publicação de sentença condenatória e extinção ou interdição de empre-
sas 16.

4.1 Sanções pecuniárias

As sanções pecuniárias estão no centro das análises jurídicas sobre


as punições às pessoas jurídicas. Não apenas de natureza penal, mas
especialmente partindo do pressuposto de que é o dinheiro que nutre o
ente moral e justifica sua existência, as punições que atacam o patrimô-
nio estão próximas do retributivismo esperado pelo senso comum 17.
Na esfera criminal a sanção pecuniária é a principal atribuída à pes-
soa jurídica. Primeiramente pela impossibilidade lógica de
encarceramento. A multa, mais direta expressão dessa modalidade de
pena, é a primeira resposta dada pelo poder estatal à conduta criminosa
imputada ao ente ficto 18.
Considerando as funções da pena, o valor retributivo da sanção pe-
cuniária está na imposição de uma perda patrimonial equivalente ao
dano causado. No caso da degradação ambiental, esse cálculo é particu-
larmente difícil de ser realizado. Como mensurar a poluição de um rio?
O que permite alguma referência, por exemplo, é comparar a polui-
ção de um rio maior com um rio menor. Mas buscar um valor que
satisfaça alguma pretensão de justeza parece um disparate.
Afinal, não é sempre que o dano ambiental afeta um patrimônio
perfeitamente mensurável de alguém.

16
Para essa divisão categórica, leva-se em consideração o espectro de punições do direito pátrio e do panorama
internacional analisado no item anterior. Esta opção foi feita para que as críticas trazidas pelas análises dos disposi-
tivos alienígenas pudessem ser utilizadas. Também convém, para que o as proposições do item 5, adiante, possam
utilizar o respaldo de outros ordenamentos.
17
(SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS, 2009, p. 39).
18
(TIEDEMANN, 1996, p. 107)
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 87

Mas do outro lado do dano causado, onde se encontra a pessoa jurí-


dica responsável, é possível intuir uma cifra que seja significativa, a
partir de uma análise patrimonial da empresa.
Mas qualquer quantia alcançada não realizará a pretensão retributi-
va – o que faz indagar se as penas por crimes ambientais devem
perseguir essa função –, mas se orienta pela função preventiva da pena.
No contexto de prevenção geral, não parece ser necessário um
quantum punitivo que faça a empresa ficar evidentemente em dificulda-
des. Além do valor simbólico da punição em si, o valor nominal da sanção
exerce suficientemente bem aquela função preventiva.
É na prevenção especial, ou específica, que as sanções patrimoniais
recebem os parâmetros de aplicabilidade mais racionais.
Isso porque a eficácia pretendida com as sanções pecuniárias parte
de uma relação: potencial de perda patrimonial versus vantagem deriva-
da da violação, devendo aquela superar esta.
Sandra Guida, ao explicar o papel do risco no bojo programas de
Compliance Criminal para Multibancos, ensina que “o risco é a relação
existente entre as chances de algo negativo ocorrer versus o tamanho do
impacto que tal fato terá sobre o negócio” 19.
É exatamente a lógica de risco que entra em jogo na imposição de
sanções pecuniárias. E por ser tão pertinente ao cotidiano da atividade
empresarial, essa categoria de penas tem um grande respaldo do órgãos
persecutórios e do poder judiciário.
A ausência de dados estatísticos e pesquisas específicas, impede
afirmar que esta seja a espécie de pena mais eficaz para a responsabiliza-
ção penal da pessoa jurídica.
Pelo menos em relação à pretensão de que o ente não volte a delin-
quir, talvez seja o caso, por tudo que se ponderou anteriormente. Mas
mesmo sob esta perspectiva, é possível intuir alguns problemas desta
forma de sanção.

19
(GUIDA, 2018, p. 70)
88 | Estudos de Compliance Criminal

O primeiro deles relaciona-se justamente às dificuldades de chegar a


um quantum que desestimule a reincidência.
Foi dito que a análise patrimonial da pessoa jurídica traz parâme-
tros de aferição mais mensuráveis do que se faz possível pela perspectiva
do dano ao meio ambiente. Contudo, a complexidade da avaliação patri-
monial é escalonada pelo tamanho do ente coletivo. E por tamanho deve-
se considerar não apenas a estrutura empresarial, mas também a com-
posição societária, o poder de mercado, faturamento e inúmeros outros
fatores.
De tal modo, que a avaliação patrimonial torna-se insuficiente para
a aferição do quantum necessário à tornar a punição pecuniária segura-
mente eficaz para todas hipóteses de crime ambiental.
Se o parâmetro patrimonial passa a ser insuficiente, melhor sorte
não tem qualquer outra avaliação econômica. Os fluxos de capital e as
dinâmicas mercadológicas tornam as tentativas de compreender a capa-
cidade econômica do ente, uma atividade astrológica.
A aferição daquele valor razoável ou, ao menos, mínimo para pro-
mover uma sanção eficaz, constitui um obstáculo significativo.
O erro “para menos” significa impor uma penalidade que, naquele
cálculo de risco, torne viável à perpetuação do dano ambiental. Já o erro
“para mais”, cria um outro problema para o sistema punitivo: o prejuízo
a terceiros.
A penalidade que supera o limite do razoável, pode tornar inviável a
atividade explorada pelo ente coletivo. Daí obriga-lo a promover dispen-
sas ou mesmo a encerrar definitivamente suas atividades.
Há certamente espaço para se questionar a atinência do princípio da
instranscendência da pena 20 à relação entre pessoa jurídica e pessoa
física que lhe presta serviços. Em outras palavras, é pertinente a defesa
de que não há transcendência da pena imposta ao ente moral à pessoa
física, posto tratar-se de esferas autônomas de responsabilização.

20
Constituição Federal, Art. 5º, XLV: XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação
de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra
eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 89

Havendo ou não violação à qualquer princípio, é impossível negar o


disparate que há nas repercussões negativas das penas que, impostas à
pessoa jurídica, resvalam nos indivíduos que se se relacionam à ela de
qualquer maneira.
São funcionários, parceiros comerciais, prestadores de serviços, be-
neficiários indiretos do empreendimento e toda sorte de particulares que
de alguma forma são favorecidos pela atividade empresarial exercida por
aquele entre ficto.
A punição que extrapola os limites da razoabilidade tem um poten-
cial incalculável de prejuízo a todos eles.
Aliás, no cálculo de prejuízos versus benefícios é impossível prever
quando a sanção pecuniária – mesmo a mais branda – imposta à pessoa
jurídica, implicará na extinção de uma vaga de emprego.
Essa característica de “imprevisibilidade dos prejuízos a terceiros”
relativiza a suposta eficiência da pena pecuniária e coloca em cheque a
compreensão intuitiva de que é a mais adequada das penalidades oponí-
veis à pessoa jurídica.
Donde surge o interesse por investigar as demais.

4.2 Proibição de contratar com o poder público

A proibição de contratar com o poder público é uma forma de pena-


lidade que coloca as vantagens da relação público privado em barganha
com a pessoa jurídica.
No Brasil, o dispositivo representativo desta pena inclui o recebi-
mento de outros benefícios, como investimentos e subsídios.
Considerando que muitas vezes são formas de fomento propiciadas em
condições de juros baixos, prazos longos e diversas outras vantagens,
essa modalidade sancionatória ganha contornos expressivamente mais
rigorosos.
O que entra em jogo, em parte, é a reputação da empresa. Há cer-
tamente um desestímulo inerente à condição de inidoneidade à contratar
90 | Estudos de Compliance Criminal

com o poder público, principalmente em âmbitos corporativos de con-


corrência agressiva e valorização da confiança 21.
Mas o potencial para eficácia desta pena está inserida naquele mes-
mo contexto de avaliação de riscos e vantagens na perpetração do dano
ambiental. Em outras palavras, é possível assumir que a questão reverte-
se indiretamente em uma análise patrimonial do que se pode perder sem
os contratos públicos.
Ao contrário da punição pecuniária diretamente atribuída, há aqui a
vantagem de uma parametragem mais clara para o quantum sancionató-
rio. Aproveita, por exemplo da expressa contabilização de valores
licitados.
Por outro lado, há a aparência de uma modalidade que não causa
prejuízos irremediáveis ao ente coletivo. “As empresas poderiam ainda
contratar com o poder público”, argumenta-se.
Vale, contudo, lembrar que, para certos ramos de atividade, a rela-
ção com o poder público é determinante para a prosperidade do
empreendimento. São casos em que o produto oferecido ou serviço pres-
tado tem como único ou absolutamente preponderante consumidor, o
poder público.
Quão muitos seriam os clientes de uma empresa de aplicação de as-
falto, sem os trabalhos para os governos municipais, estaduais e federal?
A proibição de contratar é certamente fatal a ramos como este.
Por outro lado, é circunstancial para ramos que pouco tem absorvi-
do pelos contratos públicos, de modo que não há como prever eficácia
significativa desta punição para eles.
Além deste obstáculo, que dificulta a compreensão do valor signifi-
cativo da proibição de contratação, para cada pessoa jurídica em
particular, parece pertinente apontar o risco de prejuízo a princípios
econômicos e contratuais.

21
Risco de Reputação é um dos riscos de maior relevância, em especial para instituições financeiras que se baseiam
na confiança do mercado, sendo que, uma vez que sua imagem tenha sido afetada, impactos de grandes proporções
podem ser refletidos, atingindo sua credibilidade, momento em que há quebra de confiança no âmbito cliente e
forte impacto no âmbito mercado (GUIDA, 2018, p. 48).
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 91

Embora não seja uma espécie de sanção exclusivamente criminal, é


importante notar que a proibição de contratar com o poder público im-
plica no cerceamento de uma liberdade individual. É a liberdade de
contratar, que, em um macro contexto, insere-se na primazia da liberda-
de econômica 22.
Esta é uma consequência que deve ser levada em consideração pelo
aplicador da pena. Por uma perspectiva positiva (no sentido de eficácia
da pena), pode colocar a pessoa jurídica em uma posição de tamanha
desvantagem concorrencial, que desestimule a prática do ato delituoso.
Mas por outro lado, se não regrado em relação à abrangência e du-
ração dos efeitos, pode ter um efeito negativo absolutamente perverso.
Pode-se promover um desequilíbrio inesperado no mercado e, no caso de
danos irreparáveis ao posicionamento comercial da empresa, implicar
em sua extinção.

4.3 Publicação de sentença condenatória

Esta é uma espécie de sanção que não encontra correspondente di-


reto no direito penal brasileiro.
Talvez não seja necessária uma regulação nesse sentido em razão
das determinações já impostas pelo art. 93, IX, da Constituição Federal.
De toda feita, vale colocar sob análise esta consequência da punição cri-
minal da pessoa jurídica, ainda que possa ser vista por certos
ordenamento, incluindo o brasileiro, como mera característica das sen-
tenças judiciais.
Depurando os efeitos da publicação da sentença penal condenatória,
enquanto espécie punitiva, é possível notar o tom expositivo da medida.
A intenção é, por óbvio, sujeitar a imagem da empresa condenada, ao
escárnio da opinião pública 23.

22
E considerando que impõe a limitação a um direito fundamental, convém defender que esta punição seja restrita
ao âmbito penal, onde o procedimento goza de maiores garantias, conforme será explicado adiante.
23
(SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS, 2009, p. 43)
92 | Estudos de Compliance Criminal

Os efeitos esperados, dos quais dependem a eficácia da sanção, en-


volvem a reprovação social da conduta que levou à punição. Mais do que
isso, dependem de uma conduta proativa – de não contratar – daquele
que estabelece relações com a empresa ou consome seus produtos ou
serviços.
Isso quer dizer que, se uma pessoa jurídica for condenada por qual-
quer crime ambiental, a eficácia da publicação dessa sentença
condenatória, enquanto efeito que desestimulará a reincidência, pode ser
tanto significativa quanto nula.
Se os parceiros comerciais daquela empresa irão abandoná-la, se
seus clientes irão deixar de contratar seus serviços ou se o preço de suas
ações no mercado de capitais irão sofrer queda, são fatores que deman-
dam uma análise técnica que foge à disponibilidade do julgador, no
momento que determina a exposição da sentença condenatória.
A existência de concorrentes para os serviços ofertados, a robustez
da companhia e a sensibilidade do mercado, são alguns dos inúmeros
fatores externos que podem afetar em maior ou menor escala os efeitos
negativos esperados pela publicação de uma sentença penal condenató-
ria.
De tal maneira que, para os ordenamentos em que a publicação não
é uma consequência automática do julgamento, não é possível considerar
esta uma punição com alta eficácia punitiva imanente. A falta de previsi-
bilidade sobre os efeitos negativos que podem advir, impedem sua
recomendação como pena autônoma. Apenas, quando não seguir auto-
maticamente ao julgamento da demanda, como um plus da condenação
principal capaz de aumentar a possibilidade de que a pena alcance seus
fins.
Ressalte-se, porém o seu valor como corolário do princípio da in-
formação, certamente caro ao Estado Democrático de Direito, mas
especialmente importante, no contexto da violação a bens transindividu-
ais, para a garantia do direito à autodefesa do cidadão.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 93

4.4 Extinção ou interdição de empresas

Ignorando as críticas ao art. 24 da Lei 9.605/98, que desviam as


discussões para a interpretação da natureza conferida à extinção e inter-
dição de empresas 24, convém dispensar breves esforços analíticos sobre o
valor punitivo desta medida.
Parece intuitivo que a extinção ou interdição se enquadrem no es-
pectro mais severo de punições cabíveis à pessoa jurídica. Esta afirmativa
é apenas em parte verdadeira. As circunstâncias fáticas podem dizer o
contrário, a partir, por exemplo da situação econômica moribunda de
empresa a ser extinta, ou de uma intervenção pontual em um dos muitos
setores de uma companhia. Em ambos os casos, é fácil imaginar que
punições outras, como uma pena pecuniária significativa, atingiriam uma
dimensão retributiva superior.
Mas se for considerado que a punição será alocada no ponto especi-
ficamente mais sensível do empreendimento, é possível verificar nesta
uma expressão muito eloquente do poder repressivo estatal.
De fato, há quem trace um paralelo entre a extinção da pessoa jurí-
dica e a morte da pessoa física, de modo que a proibição desta segunda
circunstância (pena de morte), implique na impossibilidade de imputa-
ção da pena extintiva da empresa.
Esta comparação parece forçar a compreensão do instituto para
além do razoável. Não convém compartilhar deste entendimento. Vale,
contudo, aproveitar a percepção da pena extintiva como mais severa
consequência possível ao ente fictício 25.
E se ultima poena for, indispensáveis serão os critérios de razoabili-
dade e justeza para sua aplicação.
Considerando que a extinção de uma empresa pode gerar reflexos
na economia, nas esferas particulares de muitos trabalhadores e na dis-

24
Questiona-se se o dispositivo prevê verdadeiramente uma pena. Independente da resposta, existem paralelos em
ordenamentos estrangeiros, o que legitima as considerações feitas aqui e as projeções estipuladas para um modelo
punitivo eficaz contra as pessoas jurídicas.
25
E por vezes tão severa, que sua aplicação se torna inviável. Este tema será melhor desenvolvido adiante.
94 | Estudos de Compliance Criminal

ponibilização de produtos e serviços, convém atribuir esta penalidade à


uma agressão severa ao valor jurídico tutelado.
Mais do que isso, parece ser prudente exigir que o crime seja come-
tido no bojo de uma filosofia criminógena da instituição, mas não como
um comportamento isolado, ainda que habitual.
A opção do legislador brasileiro, diga-se de passagem, seguiu essa
orientação. É a interpretação mais razoável do dispositivo que prevê a
liquidação forçada da pessoa jurídica “constituída ou utilizada, preponde-
rantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar” a prática de
crime definido naquela lei.
Na perspectiva da eficácia, esta parece uma opção punitiva capaz de
atender contundentemente ao viés inibitório da pena. Óbvio: a empresa
interditada ou liquidada não pode delinquir.
Mas mesmo à conduta típica primeva, há um desestímulo nesta
previsão normativa. Se o órgão gestor da pessoa jurídica faz um cálculo
de risco na tomada de decisões, a possibilidade de liquidação forçada
definitivamente impõe um contrapeso significativo às vantagens do com-
portamento ilícito 26.
Nesse sentido, dentre todas espécies sancionatórias aqui tratadas,
esta se apresenta como a que alcança maior potencial de eficácia punitiva
em relação aos parâmetros escolhidos.
Há, contudo, uma manobra administrativa que pode esvaziar esse
potencial. Trata-se da criação sistemática de pessoas jurídicas de fachada
ou da irrelevância de uma constituição jurídica regular, para os proprie-
tários do empreendimento.
Se a pessoa jurídica foi criada exclusivamente com a finalidade de
perpetrar crimes, e se a previsibilidade de lucro depende do cometimento
desses ilícitos, a possibilidade de dissolução constitui risco intrínseco fatal
e indissociável. O defeito da punição, neste caso é a possibilidade que
têm, os gestores e beneficiários físicos do empreendimento, de se des-
vencilhar com “facilidade” da empreitada.

26
(SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS, 2009, p. 41)
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 95

Superar este e outros estratagemas sofridos pelas formas mais di-


fundidas de responsabilização penal da pessoa jurídica, apontados nos
itens anteriores, autoriza promover considerações especulativas de uma
alternativa melhor. É o compromisso assumido a seguir.

5. Uma proposta punitiva alinhada às particularidades


sancionatórias penais

5.1 Adequando a punição ao Direito Penal

O paradigma punitivo ocidental é, desde o século XVIII, a restrição


de liberdade. Não poderia ser diferente. Tomando o homem como refe-
rencial jurídico, são os seus atos que tem relevância no plano social. E
quando os valores considerados essenciais neste plano sofrem alguma
forma de violação, através do crime, é tanto o homem a causa eficiente
do dano, quanto o justo responsável a responder por ele.
Dentre as inúmeras formas de responsabilização possíveis, o retros-
pecto histórico parece ter proporcionado um espectro amplo e criativo de
punições cabíveis ao indivíduo.
Até que o contexto humanista trouxe balizas mais ou menos con-
sensuais para os instrumentos punitivos.
E se subsistem indagações sobre a posição da pena de morte - en-
quanto negação absoluta e definitiva que é da vida - em relação aos
limites humanistas, parece não haver dúvidas sobre pena restritiva de
liberdade. É, por isso, há muito considerada, com certa uniformidade, o
ultimum supplicium do sistema persecutório.
A punição mais extrema deve ser excepcional. Assim, o modelo de
garantias individuais, estabelecido para limitar racionalmente o poder do
Estado, “exerce” um controle procedimentalista sobre os instrumentos
persecutórios. Carbonell explica:

O segundo dos argumentos que se costuma utilizar contra a admissão da


responsabilidade penal das pessoas jurídicas é o de que, ainda reconhecendo
96 | Estudos de Compliance Criminal

a necessidade de que estejam submetidas a um regime sancionador em con-


sonância com seu potencial lesivo para os valores protegidos pelo Direito, o
arsenal de respostas jurídicas que se alcança com o Direito Patrimonial e, so-
bretudo, com o Administrativo, seria suficiente. Pense-se que em nosso
Direito é possível impor sanções administrativas elevadíssimas, capazes de
gerar um efeito de prevenção geral mais que suficiente. Tal argumento, po-
rém, não parece compatível. Em primeiro lugar, porque bendiz a perversão
existente em nosso Direito sancionador em torno à gravidade das respostas.
É o Direito Penal, com seu arsenal garantista, o que se deve ocupar das mais
graves 27.

Portanto, o Direito Penal, repleto que é de garantias, torna-se sina-


lagma de um sistema de punições excepcionais.
Eis então que as construções jurídicas do século XXI transformam
as entidades de existência fictícia em potenciais autores de crimes.

5.2 Adequando o Direito Penal à responsabilização penal da pessoa


jurídica

O ser humano primeiramente tornou-se persecutível (e punível) por


condutas delituosas, para só depois ser merecedor de um sistema de
racionalização persecutória. Dalí é que a processo penal ganhou um papel
estigmatizante sobre aqueles que se submetem a ele.
A imputação penal das pessoas jurídicas trilhou um caminho diver-
so. O caráter estigmatizante parece ter pesado na opção política pela
responsabilização criminal. Objetivou-se imprimir um valor repressivo
especial à determinadas ofensas provocadas pelos entes coletivos. Toda-
via, ao que se observou nas considerações feitas nos tópicos anteriores, o
rótulo de punição criminal não contribui de qualquer forma para a eficá-
cia das penas impostas.
Conviria então manter a responsabilização dos entes morais restrita
ao plano administrativo ou cível.

27
(MATEU, 2017, p. 7)
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 97

Mas, se a vontade democrática sustenta um âmbito de responsabili-


zação criminal, o proveito que se pode vislumbrar desta condição parece
ser o potencial de proporcionar uma maior eficácia punitiva. Ao menos,
em um grau que não seria possível nos outros âmbitos de imputação.
Certamente, esse raciocínio parte do pressuposto de que penas mais
extremas são mais eficazes. Parece ser uma aferição lógica. Afinal, penas
mais rigorosas somente são justificáveis, se produzirem um resultado mais
desejável. Daí conotação de “desejável” dialogar com plano da eficácia.
Em outras palavras, as penas excepcionais são características do
âmbito punitivo criminal. Além disso, o “revestimento” garantista que o
Direito Penal proporciona, só se justifica frente à possibilidade de imposi-
ção de punições extremas e inaplicáveis em outros ramos do Direito.
De fato, se não se está a propor uma utilização da força, que impli-
que na agressão a valores íntimos, direitos inalienáveis ou a qualidades
da dignidade humana invioláveis de outra forma, não parece haver pro-
pósito no estabelecimento de garantias que tornam o sistema
persecutório burocrático.
Contudo, sendo opção política do legislador a prescrição de respon-
sabilidade penal das pessoas jurídicas e havendo, conforme demonstrado,
uma carência por modelos punitivos eficazes, o espaço do Direito Penal,
para punições extremas, vem a calhar.
Convêm então às necessidades repressivas e retributivas do Estado,
frente ao ente coletivo delituoso, que o âmbito penal possa trabalhar com
a expectativa de penas excepcionais, eis que se vê eivado de garantias.
E se as penas restritivas de liberdade são o ultimum supplicium para
pessoa física, qual seria o gênero de repreensão extremo ao ente moral?

5.3 Diretrizes para uma solução punitiva eficaz

Conforme as discussões no item 4.4, a literatura considera a extin-


ção forçada da pessoa jurídica a mais grave das penas oponíveis. De fato,
em termos de relevamento de direitos fundamentais, em prol da ordem
98 | Estudos de Compliance Criminal

pública, certamente a liquidação forçada da empresa justifica o rótulo de


punição criminal.
Estão ali em jogo, a liberdade de associação dos sócios; a autonomia
da vontade refletida na liberdade de gestão; e ainda, considerando uma
sociedade que exerça atividades lícitas e ilícitas, o direito ao exercício do
trabalho lícito 28.
Desta forma, parece adequado que o procedimento jurídico que leve
à punição desta natureza seja eivado de garantias robustas.
Todavia, a pretensão assumida no presente texto refere-se à eficácia
punitiva e não à correta adequação da punição à um determinada veia
jurídica.
Assim sendo, vale remeter novamente às considerações do item 4.4.
Ali ficou demonstrado que a intervenção do Estado no sentido de extin-
guir a pessoa jurídica tem o potencial para provocar efeitos
demasiadamente perversos.
Recapitulando as conclusões alcançadas, observou-se que a extinção
forçada do ente moral pode trazer efeitos que resvalam em pessoas físi-
cas. Aqueles que se relacionam direta ou indiretamente com uma
empresa liquidada, estão sujeitos a toda sorte de prejuízos.
Os malefícios possíveis vão desde danos há carreira do indivíduo,
até a devassidão na renda da instituição familiar inteira (com consequên-
cias óbvias à educação dos filhos, à inserção na comunidade e mesmo à
opção pela criminalidade).
Diante da malversação desta espécie punitiva, gera-se também um
risco de efeitos imprevisíveis ao mercado e ao ambiente econômico. De
tal maneira, que o mal infligido ultrapassa a retributividade e alcança
pessoas físicas, outras empresas e até as estruturas governamentais sen-
síveis à arrecadação.

28
Especificamente no Brasil, esta questão é passível de reflexões. O art. 24 fala na liquidação da pessoa jurídica
“preponderantemente” voltada à atividade ilícita. Daí a interpretação de que se aplica mesmo quando existem
atividade lícitas sendo exercidas.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 99

Note-se que, esses meros dois âmbitos de prejuízos premeditáveis,


são suficientes para se identificar um risco potencial para a ordem e a
paz social. E se a razão primordial da função punitiva do Estado, é justa-
mente o cumprimento do contrato social, através da manutenção da
ordem, a eficácia punitiva da medida é absolutamente esvaziada.
Mas além da eficácia, a danosidade que assombra a liquidação for-
çada, pode torna-la inadequada aos modelos constitucionais mais
escorreitos. Pois há pouco indagou-se sobre à possível incompatibilidade
da pena de morte, com os limites impostos pelos preceitos de direitos
humanos em vigor.
Ao menos a partir desta perspectiva, convém aproximar as duas
formas de punição, já que situação semelhante se vislumbra em relação a
pena de extinção forçada.
O risco de um prejuízo incalculável aos particulares e mesmo à es-
tabilidade social/econômica, coloca esta pena em condição de prejuízo à
meta normas constitucionais que impõe deveres de aplicação, como a
razoabilidade e a proporcionalidade.
Daí a possibilidade de se toma-la como inimiga da ordem constitu-
cional.
E ainda que, para certos casos concretos, seja possível e adequada a
utilização desta espécie punitiva, a propensão a exageros certamente
afasta sua aplicabilidade de um espectro mais amplo de situações.
Se a intervenção do Estado pela liquidação se mostrou afeita ao âm-
bito punitivo penal, mas falha ao abrir flanco aos excessos imprevisíveis,
subsistem indícios de que a mais eficaz medida repressiva, contra a cri-
minalidade perpetrada por pessoas jurídicas, passe mesmo pela
intervenção estatal no ente coletivo.

5.4 A intervenção estatal na pessoa jurídica: a tomada de controle,


do ente moral, pelo governo, como sanção penal eficaz

Ao que sugerem os problemas apontados, a questão dos prejuízos ca-


tastróficos da liquidação forçada derivam de uma atuação muito isolada e
100 | Estudos de Compliance Criminal

inconsequente do poder público. A via punitiva mais adequada reclama,


portanto, uma atuação governamental que se protraia no tempo.
O Estado se imiscuiria na gestão do empreendimento através de
servidores qualificados para as particularidades de cada ente em específi-
co, ou, havendo qualquer impossibilidade técnica, implementaria um
programa de regulamentação e prestação de contas.
Seja como forem os liames da intervenção, o ponto essencial é per-
mitir que o poder público esteja na diretriz da Pessoa Jurídica. Os
benefícios parecem inúmeros.
Primeiramente, a medida garante a cessação imediata dos danos ao
bem jurídico violado. Não poderia, o Estado, como representante da cole-
tividade, ser titular de um direito e perpetrar a ofensa a ele. Os excessos
ainda poderiam ser imputados individualmente aos agentes públicos 29
(que representa dificuldades muito menores do que a responsabilização
coletiva).
Esta modalidade punitiva que se propõe, poder-se-ia comparar a
uma “estatização temporária” ou à uma “intervenção diretiva governa-
mental”.
Nela, os lucros seriam direcionados à reparação do dano, até o limi-
te do prejuízo estipulado. Os benefícios das punições pecuniárias seriam
aproveitados aqui. Assim como, o fato da intervenção ser pública e notó-
ria, também traz os benefícios da publicidade da sentença condenatória.
Por outro lado, vários dos prejuízos das outras modalidades sancio-
natórias são afastados.
Estando o Estado inserido na gestão da pessoa jurídica e a par dos
detalhes financeiros, pode estabelecer com precisão o quantum a ser
cobrado. Os riscos de disparates são substancialmente menores.
Também se afasta o problema dos efeitos nefastos da proibição de
se contratar com a pessoa jurídica. Esta “vantagem” é particularmente
importante para as pessoas jurídicas referidas anteriormente, cujo pro-

29
No caso brasileiro, se houver dolo ou culpa por parte do agente.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 101

duto ou serviço prestado é, em maior parte, explorado pelo Estado (p. ex.
uma empresa de asfaltamento).
Há ainda o inegável proveito daqueles que foram prejudicados pelo
crime perpetrado no âmbito empresarial. Como o Estado se vincula à atua-
ção reta e ilibada, os riscos de manobras que beneficiem particulares, em
detrimento dos ofendidos, é menor. E se há uma diretriz em manter o em-
preendimento operante, a possibilidade de insolvência também é reduzida.
Para os particulares que se relacionam direta ou um indiretamente
com o ente moral delituoso, a manutenção das operações, ainda que a
cabo do Estado, pode evitar prejuízos pessoais irremediáveis. Da mesma
maneira, os reflexos econômicos, sejam locais ou macro evidentes, po-
dem ser mitigados pela perpetração das atividades da pessoa jurídica sob
a batuta estatal.
Certamente que, em ambos os casos, é possível alguma mudança no
status quo, em relação ao período em que se perpetrava delitos através
do ente coletivo. Mas a mera possibilidade de redução dos prejuízos, já
representa uma situação significativamente mais benéfica.
Avaliando a espécie punitiva proposta através das finalidades da
pena, essa “estatização temporária” parece cumprir da melhor forma as
diretrizes do sistema punido 30.
Conforme demonstrado, a restauração dos prejuízos tem maior
probabilidade de ocorrer e de ser mais precisa. A finalidade restaurativa
da pena tem maior possibilidade de ser satisfeita aqui, do que em relação
às demais modalidades analisadas.

30
Relacionando as funções da pena com a eficácia, Tiedmann conta que “En lo que concierne la finalidad preventi-
va de la pena, hay a priori menos problemas que respecto a la retribución (de manera que las teorías relativas que
basan la pena sólo en lasideas de prevención no son hostiles a la responsabilidad penal de las agrupaciones)24.
Todo esto es cierto, sobre todo, en cuanto al efecto preventivo dirigido a los miembros de la sociedad. Estos serán
intimidados por la condena criminal y/o se reforzará así en ellos su mentalidad de obediencia a las normas jurídi-
cas (prevención llamada general). En este sentido, la condena penal de la empresa pone en evidencia que la norma
jurídica violada se dirige a la empresa y que la violación merece una reprobación social. Pero la prevención también
es de índole especial, en cuanto la empresa condenada sería intimidada para no reincidir en el delito. La experien-
cia de los países de tradición anglosajona demuestra que el efecto preventivo especial se nota cuando las penas son
pronunciadas contra las agrupaciones. Em casi todos los Estados, las reglas de derecho comercial y de otra índole,
concernientes a la vigilancia interior de la administración de la agrupación, garantizan más o menos que los
dirigentes no continúen o no reiteren su actividad delictuosa” (TIEDEMANN, 1996, p. 120).
102 | Estudos de Compliance Criminal

A eficácia negativa também parece maior. Em relação à empresa


que sofrer intervenção, a possibilidade reincidência será reduzido pela
gravidade da sanção. O corpo societário sentirá o peso do afastamento na
gestão. Eles, gestores, e os funcionários, podem ainda ser responsabiliza-
dos por outras condutas descobertas pela Administração Pública,
enquanto estiver no comando da Pessoa Jurídica.
E quanto à eficácia geral negativa, é fácil intuir que a possibilidade
do Estado “tomar” a empresa para si, causa mais receio aos sócios, do
que qualquer outra modalidade punitiva.
Por fim, quanto ao elemento retributivista da eficácia, vale relem-
brar que a forma sancionatória proposta implica na relevação de diversos
direitos de natureza fundamental (e por é adequada é via persecutória
penal).
A retribuição pelo dano que o ente ficto causou ao bem jurídico é
presumível, diante do vilipêndio a garantias como a liberdade de associa-
ção e especialmente a autonomia da vontade.
Em esdrúxula comparação, da mesma forma que a prisão restringe
uma dimensão específica da autonomia da vontade da pessoa física –
liberdade de locomoção –, a intervenção estatal delimita a liberdade de
gestão, que compõe essa mesma autonomia volitiva que tem o ente mo-
ral.
Por tudo que se constata, um modelo sancionatório que inclua a
possibilidade de “estatização” temporária da pessoa jurídica, apresenta
enorme propensão à eficácia. Pelo menos, mais do que as alternativas
observadas em Ordenamentos Jurídicos paradigmáticos.
Certamente é uma proposta que traz perigos e dificuldades de im-
plementação.
Propostas sancionatórias de conotação intervencionista e estatizante
são avessas aos princípios capitalistas vigentes. Especialmente ao libera-
lismo que ganha espaço na contemporaneidade. Por isso é previsível que
enfrentem imensa resistência política.
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 103

A implementação pelas vias democráticas também enfrentará o obs-


táculo dos lobbys daqueles que, beneficiados pela perpetração de ilícitos,
temam a eficácia da medida. A corrupção deve ser sempre levada em
consideração.
Mas mesmo setores ilibados devem fazer oposição, eis que põe em
pauta a relativização de direitos muito caros ao empreendedorismo.
E se uma dificuldade está em tornar o instituto vigente, a outra é fa-
zê-lo eficaz.
Para isso, parece indispensável o estabelecimento de mecanismos de
controle e fiscalização do comportamento da Administração Pública e de
seus agentes. A regulamentação e a publicidade são instrumentos chaves
para que aplicação da medida realize a eficácia esperada.
Certamente são as circunstâncias práticas que ditam se uma sanção
foi ou não eficaz. O plano especulativo se torna mais ou menos realizável
conforme tenha dados extraídos da realidade.
Mas toda mudança nasce do encontro da necessidade com a expec-
tativa. E sobre a necessidade de formas eficazes de se responsabilizar
criminalmente a pessoa jurídica, as expectativas da intervenção Estatal
na entidade delinquente, são as maiores.

6. Conclusões

A Imputação Criminal dos entes coletivos é uma temática inescapável


diante das novas formas de criminalidade observadas. Discutir a aplicação
eficaz das penas, parece uma necessidade mais premente do que verificar
uma adaptação adequada aos modelos clássicos de imputação.
De fato, a opção política do legislador em introduzir o modelo no
país, relega as mais profícuas discussões doutrinárias ao meio acadêmico,
ou, quando muito, à obter dicta dos julgados mais técnicos.
Por outro lado, conferir à sociedade o respaldo adequado daquela
decisão legislativa (democraticamente realizada), reforça a legitimidade
das instituições.
104 | Estudos de Compliance Criminal

Assim, por uma perspectiva prática, as circunstâncias levam a crer


que discussões como as desenvolvidas aqui têm maior relevância no
contexto contemporâneo.
Mas, por tudo que se arguiu, foi possível notar que muitas conside-
rações não conseguem superar o plano especulativo. Isso ocorre pela
falta de dados e estatísticas adequadas ao desenvolvimento de uma pes-
quisa mais apurada em termos de causalidade 31.
De fato, tudo que se pôde captar em termos de dados quantitativos,
é insuficiente para transpor o nível a correlação entre os resultados ob-
servados. Logo, a pretensão de desenvolver um trabalho propositivo de
modelos punitivos, encontra dificuldade em trazer indícios de eficácia.
Certamente as informações relativas à desvalorização de empresas,
perdas de mercado e prejuízos patrimoniais, são sensíveis à gestão dos
empreendimentos. A divulgação das mesmas pode, em si, constituir um
prejuízo significativo. Além disso, a própria prospecção desses dados
pode apresentar dificuldades técnicas em virtude da impossibilidade de
se avaliar com precisão irrefutável, todas as consequências de um ou
outro evento, dentro de um universo de agentes que interagem continu-
amente em planos macroeconômicos.
De tal maneira, que a parte propositiva do trabalho desenvolvido
poderia não sobreviver aos testes iniciais de falseabilidade popperiana, se
aplicados. Mas, por outro lado, tem igual propensão ao sucesso.
É absolutamente possível que, estipulado um critério de percepção
de efetividade, o modelo punitivo proposto apresente alguma leitura
positiva em termos de redução de criminalidade, por exemplo. Aliás, é o
que se espera.
Importante lembrar que a eficácia está muito mais próxima ao pla-
no das pretensões, enquanto a efetividade vai ao encontro da realização
dessas pretensões.

31
“Resulta también difícil de establecer un juicio definitivo sobre las consecuencias de escoger una sanción deter-
minada en razón a que, en la Criminología moderna, se admite casi unánimemente que las sanciones serían
intercambiables sin que el efecto práctico varíe” (TIEDEMANN, 1996, p. 104).
Carlos Henrique Alvarenga Urquisa Marques | 105

Sendo assim, o mérito das discussões desenvolvidas não está verda-


deiramente em formular uma solução definitiva, ou, muito menos,
estatisticamente efetiva (e por isso o título emprega ao termo “eficácia”).
O que se logrou fazer, em poucas laudas, foi analisar os pontos sensí-
veis de cada uma das principais categorias de penas impostas às pessoas
jurídicas. Foram apresentadas as críticas que a literatura especializada
identifica. A alternativa proposta foi construída justamente superá-las.
E mesmo que não se tenha empregado esforços no sentido de avali-
ar as possíveis dificuldades de implementação jurídica da intervenção
estatal nos entes coletivos, é previsível que ela sofra resistência em vários
níveis do processo democrático.
Ainda assim, consideram-se frutíferas as reflexões sobre a adequa-
ção dos paradigmas punitivos às novas formas de criminalidade, e,
especialmente, aos novos possíveis agentes. Estes não existiam na cons-
trução primordial dos sistemas persecutórios. Por isso, beneficiam-se das
falhas de compatibilidade orgânica e da lentidão adaptativa dos ordena-
mentos. Daí florescem a impunidade e a criminalidade sistêmica.
Por isso, iniciativas que propõe soluções inovadoras em uma maté-
ria tão prática do Direito Penal, como a eficácia punitiva, parecem
sempre bem vindas. Para esta finalidade, considera-se que o trabalho
desenvolvido tenha sido completamente exitoso.

7. Referências

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Penal Brasileiro. Revista Liberdades, 2012. 98/128.

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106 | Estudos de Compliance Criminal

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TIEDEMANN, K. Responsabilidad Penal de las Personas Juridicas. Anuario de Derecho


Penal, Fribourg, 1996. 97-110.
5

Programa de integridade e
responsabilidade penal da pessoa jurídica

Fernando A. N. Galvão da Rocha 1

1. Introdução

Nos dias atuais, pode-se constatar a consolidação de uma nova cul-


tura de aprimoramento da gestão empresarial que identificou a
necessidade de controlar situações de risco e de prevenir a prática de
infrações normativas que possam comprometer o desempenho das em-
presas no mercado, bem como o seu patrimônio. Dentre as medidas
preventivas, ganha relevo as que visam à prevenção da prática de crimes
que possam estabelecer a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
No Brasil, assim como no exterior, com a responsabilização penal de
pessoas jurídicas, espera-se motivar os seus gestores a adotar medidas de
autoregulação interna que visem prevenir a prática de crimes.
A implantação de programas efetivos de integridade passou a cons-
tituir uma exigência imprescindível da boa gestão empresarial, que
incorporou os novos conceitos de gerenciamento de riscos, gerenciamen-
to de valores, governança corporativa, ética negocial, códigos de
integridade, códigos de conduta e responsabilidade social corporativa. 2

1
Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador civil do Tribunal de Justiça
Militar de Estado de Minas Gerais.
2
SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial: um novo conceito para o controle da
criminalidade econômica. Tradução de Eduardo Saad-Diniz. In: OLIVEIRA, Willian Terra; LEITE NETO, Pedro
Ferreira; ESSADO, Tiago Cintra e SAAD-DINIZ, Eduardo (orgs.). Direito penal econômico: estudos em homenagem
aos 75 anos do Professor Klaus Tiedemann. São Paulo: LiberArs, 2013, p. 292 e NASCIMENTO, Mellilo Dinis do. O
108 | Estudos de Compliance Criminal

O termo compliance é muito difundido no Brasil e acabou consoli-


dando-se nos meios empresariais e acadêmicos, apesar de ser oriundo do
verbo inglês to comply. 3 Conforme o significado que lhe é atribuído em
língua inglesa, compliance é o ato de obedecer uma lei, uma decisão, uma
regra, uma ordem ou um requerimento. 4 Na língua espanhola, os pro-
gramas de compliance são denominados de programas de cumprimento
normativo e, na língua portuguesa, são denominados de programas de
integridade. 5
Pode-se dizer que a maior utilização do termo compliance decorre
do fenômeno da globalização econômica que revela a predominância dos
países anglo-saxões nas relações econômico-financeiras, bem como da
consequente e gradativa aproximação dos modelos jurídicos do common
law e do civil law. 6
No Brasil, o termo compliance é muito adotado, embora na Lei anti-
corrupção – Lei nº 12.846/2013 – e em sua regulamentação, assim como
nas Diretrizes da Corregedoria Geral da União, os programas de compli-
ance são chamados de programas de integridade.
No entanto, as expressões não são semanticamente idênticas. Estar
em conformidade com as leis, cujo significado se pode extrair do termo
compliance, é menos do que ser íntegro. O termo integridade utilizado no
contexto empresarial indica que a pessoa jurídica possui um sistema de

controle da corrupção no Brasil e a Lei 12.846/13 – Lei Anticorrupção. In NASCIMENTO, Mellilo Dinis do (org.). Lei
anticorrupção empresarial: aspectos críticos à Lei 12.846/13. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 114-115.
3
CAMBRIGE DICTIONARY. Verbete COMPLY. Define comply como: to act according to an order, set of rule, or
request. Disponível em https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/compliance. Acesso em
15.05.2019.
4
CAMBRIGE DICTIONARY. Verbete COMPLIANCE. Define compliance como: the act of obeying an order, rule, or
request. Disponível em https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/compliance. Acesso em
15.05.2019.
5
MARTÍN, Adán Nieto. O cumprimento normativo. In MARTÍN, Adán Nieto; SAAD-DINIZ, Eduardo e GOMES,
Rafael Medeiros (orgs). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2 ed.
São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019, p. 29-30, notas 01 e 02. No mesmo sentido: RESENDE, Mariana Barbosa Araújo.
Compliance como essência da governança corporativa a partir da experiência do Foreing Corrupt Pratices act. In
FÉRES, Marcelo Andrade e CHAVES, Natália Cristina (orgs.) Sistema anticorrupção e empresa. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2018, p. 280.
6
SALVADOR NETO, Alamiro Velludo. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2018, p. 216-217 e SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção
de um novo modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. São Paulo: LiberArs, 2016, p. 39.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 109

valores éticos que a leva a promover relações justas e respeitosas com as


pessoas físicas e as demais instituições com as quais se relaciona. 7 A inte-
gridade é a qualidade do ser íntegro, que é harmônico em sua totalidade
e essencialmente honesto. 8
A maior amplitude de significado já constitui motivo suficiente para
a preferência por usar o termo integridade e a expressão programa de
integridade. Mas, além disso, cabe observar que a Lei Anticorrupção,
expressamente, determina considerar “a existência de mecanismos e
procedimentos internos de integridade” no momento de aplicar as san-
ções administrativas decorrentes da prática de atos lesivos à
Administração Pública. A coerência sistêmica do ordenamento jurídico
brasileiro indica a adequação do termo integridade e da expressão pro-
gramas de integridade também no âmbito do Direito Penal.
Por tais razões, é preferível utilizar o termo integridade e a expres-
são programa de integridade, ainda quando a reflexão desenvolvida se
fundamente em contribuição doutrinária de autor que trabalhe com o
termo compliance e as expressões programa de compliance ou programa
de cumprimento normativo.

2. Programa de integridade

No ambiente corporativo, denomina-se por programa de integrida-


de o conjunto de regras e regulamentos impostos por uma empresa a
todos os seus colaboradores, incluindo-se os diretores e gerentes, que
visam preservar o cumprimento rigoroso das leis e regulamentos que
incidem sobre o desenvolvimento de suas atividades, de modo a evitar,
detectar e corrigir qualquer desvio ou inconformidade que possa afetar a

7
LANÇA, Daniel e PEREIRA, Rodolfo Viana. Manual prático de compliance antissuborno: guia de implementação da
norma iso 37001:2017. Belo Horizonte: IDDE, 2019, p. 70-71.
8
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Tradução Desidério Murcho et al. Rio de Janeiro: Zahar
editor, 1997, p. 205. O verbete “integridade” registra: “Em sua versão mais simples, é um sinônimo de honestidade.
Mas a integridade frequentemente é relacionada com a noção mais complexa de uma totalidade ou harmonia do
eu, associada a uma concepção adequada de si mesmo como alguém cuja vida perderia a unidade, ou seria violada,
se fizesse certas coisas”.
110 | Estudos de Compliance Criminal

sua imagem, credibilidade e reputação perante os seus clientes e a socie-


dade. O programa constitui um importante instrumento para a mitigação
dos riscos, conservação dos valores éticos e sustentabilidade empresarial,
de modo a assegurar a continuidade do negócio e a proteção dos interes-
ses dos stakeholders. 9
Em sua projeção para o Direito Penal (o criminal compliance), os
programas de integridade visam observar as regras e as proibições do
Direito Penal. A implantação de um programa de integridade criminal
atende a duas finalidades básicas. Por um lado, o programa pretende
evitar a prática de crimes no desenvolvimento das atividades empresari-
ais, por meio do controle dos riscos que lhe são inerentes, de modo a
satisfazer sua função preventiva. Por outro, o programa deve oferecer
resposta adequada aos problemas que foram identificados por seus me-
canismos de controle nas atividades empresariais. Neste sentido, é
necessário instituir procedimentos para corrigir os problemas encontra-
dos e comunicar às autoridades competentes a notícia da ocorrência de
eventuais crimes. Por meio de tais providências, o programa de integri-
dade criminal atende à sua função de confirmação do Direito. 10
Muito embora não exista na legislação infraconstitucional penal um
mandamento expresso ou implícito para que as empresas estabeleçam
programas de integridade visando à prevenção dos crimes ambientais,
muitas pessoas jurídicas passaram a implantar programas para controlar

9
BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho;
ALVIM, Tiago Cripa e VENTURINI, Otavio (orgs). Manual de compliance. Rio de Janeiro Forense, 2019, p. 38-39;
GIOVANINI, Wagner. Compliance: a excelência na prática. São Paulo. Ed. do Autor, 2014, p. 20-21; BALCARCE,
Fabián I. e BERRUERZO, Rafael. Criminal compliance y personas jurídicas. Montevidéo/Buenos Aires: BdeF, 2016,
p. 139-140; SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica, p.139; BENEDETTI, Carla
Rahal. Criminal compliance: instrumento de prevenção criminal corporativa e transferência de responsabilidade
penal. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 81 e 143; e CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance, p. 37.
10
BALCARCE, Fabián I. e BERRUERZO, Rafael. Criminal compliance y personas jurídicas, p. 157-158; CARDOSO,
Débora Motta. Criminal compliance, p. 12; SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial,
p. 295, 298-299; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge e SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticor-
rupção. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 113-114; BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance: instrumento de
prevenção criminal corporativa e transferência de responsabilidade penal, p. 86 e CABETTE, Eduardo Luiz Santos
e NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. “criminal compliance” e ética empresarial: novos desafios do Direito Penal
Econômico. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2013, p. 15.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 111

os riscos inerentes às suas atividades e evitar a responsabilização crimi-


nal.
No Brasil, apesar de somente existir possibilidade para a responsa-
bilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, a concepção dos
programas de integridade apresentou maior desenvolvimento na área do
combate à corrupção. O Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015 11, que
regulamenta a Lei nº 12.846/13, definiu no caput de seu art. 41 o que se
deve entender por programa de integridade. Segundo o referido disposi-
tivo:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consis-
te, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políti-
cas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes,
irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, na-
cional ou estrangeira.

Parágrafo único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e


atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de
cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimora-
mento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

A função essencial de um programa de integridade é garantir o


cumprimento dos regulamentos internos que visam prevenir e controlar
os riscos internos que são inerentes à gestão empresarial e os riscos ex-
ternos que se relacionam ao fiel cumprimento das leis e regulamentos
oficiais que incidem sobre o desenvolvimento das atividades empresari-
ais. 12 Por meio das medidas de integridade, a empresa procura manter

11
BRASIL. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1o de agosto de 2013, que
dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm . Acesso em 21 de novembro de 2018.
12
BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance: instrumento de prevenção criminal corporativa e transferência
de responsabilidade penal, p. 82; MARTÍN, Adán Nieto. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de
pessoas jurídicas. In: MARTIN, Adán Nieto; SAAD-DINIZ, Eduardo; GOMES, Rafael Medeiros (orgs). Manual de
cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019, p.
62 e GIOVANINI, Wagner. Compliance, p. 20-21.
112 | Estudos de Compliance Criminal

os seus relacionamentos internos, os relacionamentos que desenvolve


com outras pessoas jurídicas e o relacionamento que mantém com o
Estado, em conformidade com as normas que são especificamente apli-
cáveis ao seu setor de atividades. 13
Em termos de administração empresarial, o programa de integrida-
de constitui um subsistema do programa de qualidade, que reúne
aspectos da estrutura organizacional, distribuição de responsabilidades,
procedimentos e recursos utilizados pela empresa para assegurar a sua
boa gestão. 14
Um programa de integridade trata dos diversos aspectos importan-
tes da gestão empresarial, de modo que nele são congregadas as
atividades de gerenciamento de riscos, gerenciamento de valor e gover-
nança corporativa, bem como para ele convergem as noções de ética dos
negócios e responsabilidade social corporativa. Em sua manifestação
regulatória, o programa de integridade se expressa por meio dos códigos
de integridade e códigos de conduta. 15

2.1 Expressão dos valores institucionais

Uma empresa íntegra não se limita a se manter em conformidade


com as leis e regras que incidem sobre as suas atividades. O programa de
integridade pretende estabelecer consonância entre as práticas empresa-
riais, os valores e os princípios adotados na empresa, incluindo
referenciais éticos e morais, como a honestidade e a transparência na
condução dos negócios e nas relações pessoais. 16 Um programa de inte-

13
ZIADE, Danielle Farah. O compliance no sistema brasileiro anticorrupção. In FÉRES, Marcelo Andrade e
CHAVES, Nathalia Cristina (orgs.) Sistema anticorrupção e empresa. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, p. 303.
14
VARELA, Osvaldo Artaza. Programas de cumplimento. Breves descripción de las regras técnicas de gestión del
risco empresarial y su utilidade jurídico-penal. In IBARRA, Juan Carlos Hotal e IVANEZ, Vicente Valiente (orgs).
Responsabilidad de la empresa y compliance: programas de prevención, detección y reacción penal. Buenos Aires.
Coedição Edisofer S. L. e Euros editores, 2018, p. 237; e LANÇA, Daniel e PEREIRA, Rodolfo Viana. Manual prático
de compliance antissuborno: guia de implementação da norma iso 37001:2017, p. 76-77.
15
SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial, p. 292.
16
SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial, p. 293; BONACCORSI, Daniela Villani.
Compliance e prevenção penal, p. 45; ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo, p.
110-111 e GIOVANINI, Wagner. Compliance, p. 20.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 113

gridade verdadeiro expressa os valores mais importantes da cultura or-


ganizacional. Não pode ser apenas uma cópia de programas existentes
em outras empresas de sucesso. Deve expressar, realmente, a cultura dos
integrantes de cada empresa, pelo respeito às normas que especificamen-
te incidem sobre o desenvolvimento das atividades empresariais.
A preocupação com a preservação da integridade revela uma nova
ética empresarial, que se fundamenta nos valores mais elevados de res-
peito à dignidade da pessoa humana. Em tal perspectiva, a busca por
melhores resultados econômicos encontra limite na integridade da em-
presa, e violar a integridade é violar a própria ética empresarial. 17
Fundamentada nas premissas do capitalismo econômico-financeiro,
a crítica afirma que a proposta de implantar um programa de integridade
tende mais a proteger a imagem da empresa, a boa aparência que é ne-
cessária para o desenvolvimento de seu negócio, do que a prevenir a
prática de crime por dever moral, em favor do bem da coletividade. 18
Realmente, pode-se constatar que é muito comum que empresas
nacionais e estrangeiras divulguem a informação de que possuem um
setor de integridade ou de compliance que realiza constante monitora-
mento das atividades da empresa, de modo a assegurar aos seus clientes
total segurança nos negócios que realizam. A referida divulgação se inse-
re na estratégia de obtenção de sucesso nas relações empresariais. 19 Por
outro lado, não é comum a divulgação das más notícias que um progra-
ma de integridade eficiente pode produzir.
No entanto, independentemente dos motivos que levaram uma em-
presa a instituir seu programa de integridade, se as inconformidades de
suas atividades forem identificadas e corrigidas, os interesses sociais
maiores estarão atendidos.

17
BONACCORSI, Daniela Villani. Compliance e prevenção penal. In: OLIVEIRA, Luís Gustavo Miranda de. Compli-
ance e integridade: aspectos práticos e teóricos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 38.
18
CABETTE, Eduardo Luiz Santos e NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. “criminal compliance” e ética empresarial, p.
43-48.
19
BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance, p. 81.
114 | Estudos de Compliance Criminal

2.2 Elementos essenciais de um programa de integridade

O custo para a implantação e a manutenção de um programa de in-


tegridade é elevado, de modo que não será possível exigir que empresas
de pequeno e médio porte criem estruturas complexas para a prevenção
de crimes. A implantação de medidas preventivas deve-se adequar ao
porte da empresa e também aos riscos que ela enfrenta no desenvolvi-
mento de suas atividades. 20 Em muitos casos, não será possível
implantar um programa de integridade, mas apenas algumas medidas
simples que os recursos financeiros da empresa possam custear.
Nesse sentido, o parágrafo 1º do art. 42 do Decreto nº 8.420/15 es-
tabelece diretrizes para o exame da necessária adequação das medidas
preventivas ao porte e especificidades da pessoa jurídica. A Controlado-
ria-Geral da União e a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, com base
em tal referência normativa, editaram a Portaria Conjunta nº 2.279, de
09 de setembro de 2015 21, para orientar as pequenas empresas e as em-
presas de pequeno porte na adoção de medidas de integridade
compatíveis com as suas peculiaridades.
A concepção de um programa de integridade deve sempre conside-
rar as peculiaridades da empresa na qual terá aplicação. 22 No entanto, é
possível identificar elementos que se apresentam comuns a todos os
programas de integridade.
Como referência importante no plano das relações internacionais, o
Ministério da Justiça britânico concebeu seis princípios para orientar as
pessoas jurídicas a implementar procedimentos para impedir que pesso-

20
ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, p.
109-110 e VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medida anticorrupção, p. 274.
21
BRASIL. Portaria Conjunta nº 2.279, de 09 de setembro de 2015. Controladoria Geral da União e Secretaria da
Micro e Pequena Empresa. Dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de microempresa e de empresa
de pequeno porte. Disponível em http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=10/
09/2015&jornal=1&pagina=2&totalArquivos=80. Acesso em 21 de novembro de 2018.
22
ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo, p. 109-110; VARELA, Osvaldo Artaza.
Programas de cumplimento, p. 240; SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica, p.
47-48 e ZIADE, Danielle Farah. O compliance no sistema brasileiro anticorrupção, p. 302.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 115

as a ele associadas pratiquem atos de suborno. Nos termos do que regis-


tra o The bribery act 2010: Guidance 23, as pessoas jurídicas devem:

1) instituir procedimentos preventivos proporcionais aos riscos que enfrentam e à


natureza, escala e complexidade das atividades que desenvolvem;
2) comprometer a gerência de nível superior da organização com o objetivo de im-
pedir a prática do suborno, promovendo uma cultura organizacional na qual
suborno nunca é aceitável;
3) avaliar, de maneira periódica e documentada, a natureza e a extensão de sua ex-
posição a potenciais riscos externos e internos de suborno;
4) aplicar procedimentos de due diligence, proporcionais e baseados no risco, em
relação às pessoas que prestam serviços para ou em nome da organização;
5) garantir que suas políticas e procedimentos de prevenção de suborno sejam in-
corporados e compreendidos em toda a organização, por meio de comunicação
interna e externa, promovendo treinamento proporcional aos riscos que enfren-
ta; e
6) monitorar e revisar os procedimentos projetados, para evitar suborno por pes-
soas a ela associadas.

A doutrina brasileira, a partir dos 16 incisos do art. 42 do Decreto


nº 8.420/15, que identificam os critérios essenciais para se aferir a efeti-
vidade de um programa de integridade, consolidou o entendimento de
que um programa de integridade deve instituir procedimentos para: a)
realizar análise dos riscos da ocorrência de crimes no desenvolvimento
das atividades empresariais; b) instituir um código de ética ou de condu-
ta que estabeleça as bases do comportamento adequado dos empregados,
colaboradores e fornecedores da empresa; c) instituir mecanismos inter-
nos de controle sobre o cumprimento das normas estabelecidas; d)
promover a educação e o treinamento constante dos empregados quanto
às diretrizes de comportamento adequado; e) viabilizar a comunicação
interna sobre os problemas de integridade identificados; f) instituir me-
canismos de detecção e sanção da irregularidades ocorridas no ambiente
corporativo; g) instituir protocolos de resposta às notícias relativas às

23
MINISTRY OF JUSTICE. The Bribery Act 2010: Guidance about procedures which relevant commercial organisa-
tions can put into place to prevent persons associated with them from bribing (section 9 of the Bribery Act 2010),
p. 20-31.
116 | Estudos de Compliance Criminal

ocorrência de irregularidades; e h) definir os responsáveis pelo programa


de integridade e das funções que especificamente exercem na empresa. 24
A Controladoria-Geral da União 25 e o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica 26 editaram orientações para que as pessoas jurídicas
de direito privado implantem de maneira adequada programas de inte-
gridade.
As pessoas jurídicas que estejam efetivamente comprometidas com
o cumprimento normativo deverão constantemente aprimorar e adaptar
o seu programa de integridade aos novos desafios que se apresentam
para as respectivas atividades empresariais. Se o programa se mostrar
realmente eficiente, identificará os aspectos a serem corrigidos na ativi-
dade empresarial e as más notícias que produz levarão não somente às
adaptações da atividade empresarial como de seus mecanismos de con-
trole. 27
Para a possibilidade de responsabilização penal de pessoa jurídica,
nos termos do ordenamento jurídico atualmente em vigor no Brasil,
interessa garantir que as pessoas encarregadas da direção da pessoa
jurídica sejam devidamente informadas sobre os riscos inerentes ao de-
senvolvimento das atividades empresariais e que suas decisões estejam
sempre em conformidade com as normas aplicáveis.
E, nesse aspecto, avulta em importância o registro das informações
repassadas pelos encarregados do programa de integridade às instância

24
ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo, p. 113-137; MARTÍN, Adán Nieto.
Fundamentos e estrutura dos programas de compliance. In MARTÍN, Adán Nieto; SAAD-DINIZ, Eduardo e GOMES,
Rafael Medeiros (orgs). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2 ed.
São Paulo: Tirante lo Blanch, 2019, p. 149-152; LAMOUNIER, Najla Ribeiro Nazar. Compliance na prática: seus
elementos e desafios. In OLIVEIRA, Luis Gustavo Miranda de. Compliance e integridade: aspectos práticos e
teóricos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 275-283; VARELA, Osvaldo Artaza. Programas de cumplimento, p. 239-
265 e VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medida anticorrupção, p. 275-343.
25
BRASIL. Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Programa de integridade: diretrizes para
empresas privadas. Disponível em https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-
de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf. Acesso em 21 de novembro de 2018.
26
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia programas de compliance: orientações sobre
estruturação e benefícios da adoção dos programas de compliance concorrencial. Disponível em
http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-
oficial.pdf/view. Acesso em 21 de novembro de 2018.
27
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso: como as instituições financeiras facilitam o crime. Tradução de Celso
Roberto Paschoa. São Paulo: Cultrix, 2017, p. 274.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 117

diretivas da empresa. O registro detalhado das atas de reuniões que a


diretoria da empresa realiza com o setor de integridade permite avaliar
se os diretores foram devidamente informados sobre os riscos da ativi-
dade e se tomaram suas decisões empresariais em conformidade com as
normas pertinentes. 28

2.3 Efetividade do programa de integridade

A apuração do grau de efetividade de um programa de integridade


constitui um problema prático muito importante, para o qual nem a
doutrina nem a jurisprudência oferecem critérios objetivos claros de
mensuração. 29 O problema se apresenta ainda mais desafiador quando se
constata a inexistência de padrões referentes ao cuidado que é necessário
observar para livrar as empresas de responsabilidade. 30
A avaliação de um programa de integridade é uma atividade mui-
to complexa, que depende da verificação de sua adequação à realidade de
cada pessoa jurídica. 31 Os mais importantes desafios para a avaliação da
efetividade de um programa de integridade dizem respeito à insegurança
jurídica quanto à situação das empresas que instituem os referidos pro-
gramas e à possível simulação de esforços empresariais para a prevenção
das infrações normativas. Tais desafios não deslegitimam os programas
de integridade, mas direcionam as medidas que promovem os seus aper-
feiçoamentos em busca da efetividade. 32
Como não há previsão específica na legislação ambiental, as disposi-
ções relativas à responsabilização administrativa da pessoa jurídica,

28
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso, p. 276.
29
MARTÍN, Adán Nieto. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas, p. 73.
30
MARTÍN, Adán Nieto. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas, p. 85.
31
BRASIL. Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Manual prático de avaliação de programa
de integridade em PAR, p. 22. Disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-
integridade/arquivos/manual-pratico-integridade-par.pdf. Acesso em 21 de novembro de 2018.
32
ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo, p. 137-146 e MARTÍN, Adán Nieto.
Introducción. In ZAPATERO, Luís Arroyo e MARTÍN, Adán Nieto. El derecho penal económico en la era compliance.
Valencia: Tirant lo Blanc, 2013, p. 22-25.
118 | Estudos de Compliance Criminal

constantes da Lei nº 12.846/13 e do Decreto nº 8.420/15 que a regula-


menta, podem ser utilizadas como parâmetros para analisar os efeitos
que a existência de programas de integridade pode produzir na respon-
sabilidade penal da pessoa jurídica em razão da prática de um crime
ambiental.
No que diz respeito aos critérios de avaliação da efetividade de um
programa de integridade, o já mencionado art. 42 do Decreto nº
8.420/15 constitui um referencial importantíssimo. Muito embora o
dispositivo tenha sido elaborado para viabilizar a responsabilização ad-
ministrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira, de que trata a Lei no
12.846/13, estabelece os parâmetros básicos para a avaliação da efetivi-
dade de qualquer programa de integridade.
Visando auxiliar a análise da efetividade dos programa de integri-
dade, o Ministério da Transparência e a Controladoria-Geral da União
elaboraram uma metodologia que foi publicada no Manual prático de
avaliação de programa de integridade em processo administrativo de
responsabilização (PAR). Segundo tal metodologia, a analise do progra-
ma deve ser feita com o preenchimento de planilha na qual os 16
parâmetros estabelecidos pelo art. 42 do Decreto nº 8.420/15 são ponde-
rados nos termos dos três blocos de avaliação que reúnem os aspectos
relacionados à cultura organizacional (COI); aos mecanismos, políticas e
procedimentos de integridade (MPI) e à atuação da pessoa jurídica em
relação ao ato lesivo (APJ). 33
Importa considerar que, na avaliação do APJ, a metodologia impõe
examinar dois aspectos relevantes: 1) a atuação do programa de integri-
dade na prevenção, detecção ou remediação do ato lesivo; e 2) a
implementação, ou não, pela pessoa jurídica de medidas para impedir
que atos semelhantes ocorram novamente. O último aspecto também se

33
BRASIL. Manual prático de avaliação de programa de integridade em PAR, p. 22-26.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 119

aplica às pessoas jurídicas que implementaram um programa de integri-


dade após a ocorrência do ato lesivo. 34
O método foi elaborado para identificar o percentual de redução da
multa administrativa a ser imposta à pessoa jurídica, de modo que os
resultados obtidos automaticamente em cada bloco da planilha devem
ser relacionados nos termos da seguinte fórmula: Percentual de redu-
ção= [(COI x MPI) + APJ]. A primeira etapa da aplicação da fórmula
impõe multiplicar o percentual resultante da avaliação do bloco COI pelo
percentual resultante da avaliação do bloco MPI. Na etapa final, ao resul-
tado da primeira etapa deve-se somar o percentual obtido na avaliação
do bloco APJ. Se, após a realização das duas etapas, o resultado da opera-
ção for maior ou igual a 1%, o percentual deverá ser aplicado para a
redução da multa a ser imposta à pessoa jurídica, observados os limites
estabelecidos em lei. Por outro lado, se o resultado da operação for me-
nor do que 1%, deve-se considerar que o programa de integridade é
meramente formal ou absolutamente ineficaz para mitigar os riscos de
ocorrência dos atos lesivos previstos na Lei nº 12.846/13 e não poderá
ser considerado para fins de redução da sanção administrativa a ser im-
posta. 35
A metodologia estabelecida pelo Ministério da Transparência em
conjunto com a Controladoria-Geral da União se presta a identificar os
programas de integridade que contemplam medidas meramente formais
ou absolutamente ineficazes para mitigar os riscos de ocorrência dos
crimes ambientais.
No contexto da previsão normativa em vigor para a responsabilida-
de penal da pessoa jurídica, a efetividade de um programa de integridade
somente se apresenta quando as medidas de controle impedem a tomada
de decisão empresarial por realizar a atividade em desconformidade com
a regulamentação pertinente. Se, apesar da existência de um programa
de integridade bem estruturado e operante na empresa, houver decisão

34
BRASIL. Manual prático de avaliação de programa de integridade em PAR, p. 22-26.
35
BRASIL. Manual prático de avaliação de programa de integridade em PAR, p. 27.
120 | Estudos de Compliance Criminal

por realizar a atividade ilícita e esta concretamente vier a violar a previ-


são protetiva do meio ambiente, deve-se responsabilizar penalmente a
pessoa jurídica. Com razão, Paulo Busato afirma que a ocorrência do
crime é prova “contundente” de que o programa de integridade não foi
efetivo em seu escopo fundamental. 36

3. Prevenção empresarial

A utilização cada vez maior de programas de integridade no ambi-


ente corporativo para fins de evitar a prática de crimes já permite
identificar uma nova noção de prevenção criminal. Uma noção que se
fundamenta na ideia de que a perspectiva da autoregulação regulada 37,
que impõe às empresas o estabelecimento dos controles internos, pode
contribuir para que as atividades empresariais respeitem os limites esta-
belecidos pelas normas penais. Pode-se falar, então, de uma prevenção
empresarial.

3.1 Sinceridade na instituição de medidas preventivas

A crítica que é dirigida aos programas de integridade denuncia que


a implantação de tais programas se apresenta como reação natural de
um segmento que não era tocado pelo sistema de repressão penal e utili-
za do programa como um mecanismo defensivo para blindar a empresa
ou, ao menos, reduzir os riscos de sua responsabilização. 38
Nesse sentido, amparado em estudos criminológicos, Klaus Tiede-
mann denuncia que os altos executivos das empresas conseguem se

36
BUSATO, Paulo César. Tres tesis sobre la responsabilidade de personas jurídicas. Valencia: Tirant lo Blanch,
2019, p. 122.
37
SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial, p. 300-302; BALCARCE, Fabián I. e
BERRUERZO, Rafael. Criminal compliance y personas jurídicas, p. 144 e ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de.
Compliance e crime corporativo, p. 51-96.
38
BUSATO, Paulo César. Tres tesis sobre la responsabilidade de personas jurídicas, p. 114; CABETTE, Eduardo Luiz
Santos e NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. “criminal compliance” e ética empresarial, p. 79-81.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 121

livrar das investigações criminais por meio de impressionantes progra-


mas de integridade. 39
Com razão, Stephen Platt observa que, apesar da crescente deman-
da pela instituição de mecanismos de controle sobre os riscos de
ocorrerem crimes no ambiente corporativo, os programas de integridade
tendem ordinariamente a oferecer aos altos escalões das empresas sem-
pre notícias boas sobre as atividades empresarias desenvolvidas.
Ninguém quer ser portador de más notícias, trazer problemas operacio-
nais e inviabilizar os negócios. Assim, há um tendência natural de que os
programas de integridade se prestem a apenas legitimar as atividades
empresariais já desenvolvidas. 40
O exame das críticas revela que o maior problema dos programas de
integridade, na atualidade, é a sua carência de credibilidade. 41 Para evitar
que a implantação dos programas se acabe degenerando, de modo a tornar
a autoregulação simbólica ou destinada a isentar de responsabilidade as
empresas que enfrentam problemas visíveis à opinião pública, Adán Nieto
sustenta que não é possível confiar no voluntarismo das empresas, sendo
necessário impor regulamentação para as suas atividades. 42
Contudo, não se pode presumir que todos os programas de integrida-
de implantados constituam apenas maquiagem que visa impedir a devida
responsabilização da pessoa jurídica. Se o programa de integridade for
realmente capaz de evitar a prática dos crimes e a consequente responsabi-
lização da pessoa jurídica, a finalidade protetiva da norma incriminadora
estará atendida. Por isso, é necessário trabalhar para superar as dificulda-
des que impedem a efetividade dos programas de integridade. Se o
programa não expressar o esforço sincero da organização para o atendi-
mento das exigências normativas, a responsabilidade penal da pessoa
jurídica é a resposta adequada que o ordenamento jurídico impõe. Saber se

39
TIEDEMANN, Klaus. El derecho comparado en el desarrollo del derecho penal económico. In: ZAPATERO, Luis
Arroyo; MARTÍN, Adán Nieto. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanc, 2013, p. 37.
40
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso, p. 274-275.
41
MARTÍN, Adán Nieto. Introducción, p. 22.
42
MARTÍN, Adán Nieto. O cumprimento normativo, p. 37-38.
122 | Estudos de Compliance Criminal

a empresa realmente se esforça para evitar a prática de crimes ou apenas


simula desenvolver tal esforço é um desafio natural para quem pretende
entender as novas perspectivas de gestão corporativa.
Também importa observar que a ausência ou deficiência de diretri-
zes claras sobre o que as empresas devem fazer para evitar as práticas
criminosas, aliada à dificuldade de prever todos os possíveis riscos opera-
cionais, acaba por transformar o programa de integridade em um
indicativo da falha organizacional da empresa, o qual fundamenta a im-
putação de responsabilidade. 43

3.2 Da coação psicológica da norma aos controles internos

As noções clássicas de prevenção especial e geral foram concebidas


tendo como base a capacidade de a norma incriminadora intimidar, por
coação psicológica, as pessoas físicas. 44 A ideia fundamental que sustenta
a noção de prevenção é a de que a ameaça de imposição de uma pena,
como consequência da violação normativa, intimida as pessoas físicas
para que não realizem as condutas proibidas A perspectiva utilitária da
proposta preventiva é muito conveniente ao trabalho que busca legitimar
a intervenção punitiva, pois desvia a atenção dos efeitos aflitivos da pers-
pectiva retributiva. 45 Em nosso Código Penal, o artigo 59 vincula a tarefa
de aplicação da pena aos fins de retribuir o mal causado pelo crime co-
metido e também de prevenir a ocorrência de novos crimes. Nesse
contexto, a pena se apresenta como um mal (retribuição) necessário para
a preservação das condições mínimas de bom relacionamento no ambi-
ente social (prevenção). Acenando para a utilidade da pena, o discurso
legitimador da intervenção punitiva pretende justificar os seus efeitos
socialmente nocivos.

43
SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 41.
44
VON FEUERBACH, Paul Johann Anselm Ritter. Tratado de derecho penal. Tradução de Eugênio Raul Zaffaroni e Irma
Hagemeier. Buenos Aires: Hamurabi, 1989, p. 61; VON LISZT, Franz. Tratado de direito penal alemão. Tradução de José
Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1899, v. 1, p. 101 e JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho
penal. Tradução de Santiago Mir Puig e Francisco Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981, v. 1, p. 98.
45
GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 71-82.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 123

A experiência da intervenção punitiva nas sociedade contemporâ-


neas, no entanto, mostrou que a coação psicológica das normas
incriminadoras não é capaz de produzir os resultados esperados. No que
diz respeito aos crimes violentos, por exemplo, estudos realizados pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública revelam que o Brasil ultrapassou a marca de
65.600 (sessenta e cinco mil e seiscentos) homicídios no ano de 2017. 46
Seria, então, possível aplicar a ideia clássica da prevenção ao escopo
de evitar a ocorrência de crimes no ambiente corporativo?
A proposta de prevenir atividades empresariais que violem as nor-
mas penais proibitivas não se apresenta como substitutiva das noções
clássicas de prevenção especial e prevenção geral. A ideia de uma preven-
ção empresarial 47 ou prevenção criminal corporativa 48 abre uma nova
perspectiva de trabalho para o Direito Penal, que, entretanto, se apresen-
ta complementar aos esforços tradicionalmente desenvolvidos para evitar
a criminalidade que é realizada por pessoas físicas. Embora não se possa
desconsiderar que os crimes praticados no contexto das atividades em-
presariais produzem efeitos potencializados sobre as relações sociais e,
em alguma medida, se relacionam com as mais diversas formas de cri-
minalidade de pessoas físicas, a perspectiva da prevenção empresarial
apresenta outro foco.
A intervenção estatal que impõe às empresas a instituição e a obser-
vância de programas de integridade se fundamenta na premissa de que
os gestores empresariais tendem a fazer, em benefício de seu empreen-

46
CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro e BUENO, Samira (coords.). Atlas da violência 2019. Brasília: Rio de
Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA; Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
2019, p. 24. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/6537-atlas2019.pdf.
Acesso em: 09 de setembro de 2019.
47
SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial, p. 317.
48
BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance: instrumento de prevenção criminal corporativa e transferência
de responsabilidade penal, p. 87. A expressão “prevenção criminal corporativa”, que é utilizada no subtítulo do
livro, não é novamente utilizada no contexto argumentativo em que a autora afirma que “o criminal compliance é
mais do que uma simples ferramenta de administração de ‘boas práticas’ dentro da empresa. É, sobretudo, um
instituto de prevenção criminal, que tem como escopo evitar a responsabilização criminal das pessoas jurídicas e de
seus gestores”.
124 | Estudos de Compliance Criminal

dimento, escolhas racionais 49 que evitem a responsabilização penal da


pessoa jurídica. Tais escolhas dirigem o desenvolvimento das atividades
empresariais e seus efeitos no ambiente social. Mas importa notar que as
medidas preventivas se dirigem às decisões corporativas e as atividades
que lhe são correspondentes.
Na perspectiva criminológica, a prevenção que um programa de in-
tegridade se propõe realizar se apresenta de natureza primária, pois se
dirige às causas das condutas criminais, e de natureza secundária, na
medida em que dirige os seus esforços, de maneira concentrada, para
enfrentar problemas determinados. 50
Especificamente em relação à prevenção da responsabilidade penal
da pessoa jurídica, nos termos do ordenamento jurídico brasileiro atual-
mente em vigor, o programa de integridade contribui para prevenir a
ocorrência de crimes ambientais. E, no que diz respeito à prevenção da
ocorrência de crimes ambientais, cabe observar que a Constituição da
República brasileira 51, em seu art. 225, deixou claro que a sociedade é
corresponsável pela preservação do ambiente ecologicamente equilibra-
do. 52 Nesse contexto, importa notar que a atuação preventiva de
empresas que realizam atividades potencialmente poluidoras constitui
um dever que é instituído a partir da própria Constituição da República.

3.3 Privatização de atividades persecutórias

Pode-se constatar uma tendência de que o poder público estimule


que as empresas instituam mecanismos mínimos de controle interno de
suas atividades, em uma perspectiva que se convencionou chamar de
autoregulação regulada. A autoregulação regulada é a forma de autoim-

49
MARTÍN, Adán Nieto. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas, p. 68-69 e
CABETTE, Eduardo Luiz Santos e NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. “criminal compliance” e ética empresarial, p. 32.
50
CABETTE, Eduardo Luiz Santos e NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. “criminal compliance” e ética empresarial, p. 30.
51
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 01 de outubro de 2018.
52
SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 80-82 e FIORILLO,
Celso Antonio Pacheco. Direito ambiental brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 56-57.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 125

posição voluntária de padrões de conduta individual e de procedimentos


nas pessoas jurídicas segundo a qual o Estado estabelece o marco geral
da autoregulação, indicando para as empresas os princípios básicos que
devem ser seguidos. 53
A autoregulação regulada, em verdade, constitui um mecanismo
que permite ao Estado utilizar a capacidade organizativa do ente privado,
para atingir as suas finalidades. É uma forma de privatizar a função de
prevenção e identificação dos crimes 54, cujas peculiaridades tanto podem
facilitar a responsabilização das pessoas responsáveis pelos programas de
integridade 55 como isentar de responsabilidade as pessoas jurídicas 56.
A implantação de programas de integridade expressa formalmente
o compromisso da empresa de preservar a conformidade legal no desen-
volvimento de suas atividades 57, o que se pretende que possa excluir ou
ao menos atenuar a responsabilidade da pessoa jurídica em caso de vio-
lação normativa, por fixar a responsabilidade na pessoa física dos
encarregados pela fiscalização (compliance officers) quanto à observância
dos deveres estabelecidos. 58
Tomando-se como base a possibilidade de responsabilizar crimi-
nalmente uma pessoa jurídica em razão de infração às normas do Direito
Ambiental, pode-se observar que a partir do momento em que é definido,
no âmbito da empresa, quem é o responsável pela fiscalização quanto à

53
MARTÍN, Adán Nieto. O cumprimento normativo, p. 40-41.
54
BLUMENBERG, Axel-Dirk e GARCIA-MORENO, Beatriz. Retos prácticos de la implementación de programas de
cumprimento normativo. In MIR PUIG, Santiago; BIDASOLO, Mirentxu Corcoy e MATÍN, Víctor Gómez. (dir.)
Responsabilidad de la empresa y compliance: programas de prevención, detección y reacción penal. Buenos Aires:
BdeF, 2014, p. 273.
55
SANTANA, Ciro Dias. Compliance e a “privatização” da investigação criminal. In DireitoNet, p. 13-14. Sustenta o
autor que a privatização da investigação serviu para identificar os responsáveis pelo setor de criminal compliance
como garantidores que deverão ser responsáveis em caso de omissão dos procedimentos que se mostram necessá-
rios para evitar a prática des crimes no ambiente corporativo. Disponível em
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9814/Compliance-e-a-privatizacao-da-investigacao-criminal. Acesso
em: 21 de novembro de 2018.
56
BUSATO, Paulo César. Tres tesis sobre la responsabilidade de personas jurídicas, p. 111-112. O autor sustenta que
a privatização da persecução penal acabou por deixar “el lobo a cuidar del ganado”, convertendo a empresa em juiz
de si mesma.
57
BALCARCE, Fabián I. e BERRUERZO, Rafael. Criminal compliance y personas jurídicas, p. 162-163.
58
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge e SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 119-120.
126 | Estudos de Compliance Criminal

observância das normas ambientais, a responsabilização criminal da


pessoa física é facilitada, e é possível sustentar a insatisfação dos requisi-
tos estabelecidos para a responsabilização da pessoa jurídica.
Por isso, na doutrina penal, muitas críticas são dirigidas à defesa que
se fundamenta na implantação dos programas de integridade. Para alguns,
a imposição de tais programas é instrumento que essencialmente transfere
e individualiza a responsabilidade penal, terceirizando ao particular a obri-
gação de combater os crimes, o que permite livrar as empresas da
responsabilidade devida, por meio da utilização de culpados profissionais ou
responsáveis de aluguel, que são remunerados para preservar a imagem da
empresa, assumindo sozinhos a responsabilidade criminal. 59
Contudo, pode-se constatar um razoável consenso doutrinário no
sentido de que a punição do responsável pelo programa de compliance
(chief compliance officer) não se pode basear apenas na função que o
mesmo exerce na empresa. É necessário levar em consideração o objeto
de seu trabalho, a qualidade do programa de prevenção de crimes, bem
como os poderes efetivos que possui para a notificação e correção dos
problemas que identificou na atividade empresarial. 60
Importa notar, por fim, que a transferência de responsabilidades
persecutórias para as empresas institui novos riscos de violação aos di-
reitos fundamentais daqueles que estão submetidos à atuação privada no
combate à criminalidade. Uma investigação interna, por exemplo, que a
empresa instaura contra um de seus empregados, que se encontra fragi-
lizado pela dependência econômica, pode facilmente violar os seus
direitos fundamentais. Na linguagem realista do cinema, o filme compli-
ance 61 permite visualizar claramente como a mais bem intencionada

59
BUSATO, Paulo César. Tres tesis sobre la responsabilidade de personas jurídicas, p. 114. O autor sustenta que a
introdução do tema do compliance em matéria criminal teve dois objetivos claros: o primeiro e principal é o de
constituir um escudo para evitar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas; o segundo e subsidiário é o de
atrair para pessoas determinadas a responsabilidade penal remanescente dos gestores e/ou sócios da empresa. No
mesmo sentido crítico: BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance, p. 92 e CABETTE, Eduardo Luiz Santos e
NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. “criminal compliance” e ética empresarial, p. 18-19.
60
SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 205.
61
COMPLIANCE. Direção de Craig Zobel. EUA: Magnolia pictures (distribuidor), 2012. (1h30min).
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 127

investigação pode atingir a dignidade do investigado. Neste sentido, a


privatização da persecução constitui uma burla aos deveres de controle
estatal sobre as atividades de investigação criminal. 62

4. Programa de integridade e responsabilidade administrativa

Para a aplicação das sanções administrativas às pessoas jurídicas


responsáveis por atos lesivos à administração publica, nacional ou es-
trangeira, a Lei nº 12.846/13 prevê, em seu art. 7º, que a dosimetria da
sanção administrativa se fará por meio de operação monofásica. Nesta
única fase, a autoridade competente deverá levar em consideração: I - a
gravidade da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infra-
tor; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou o
perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situ-
ação econômica do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a
apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e procedimen-
tos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no
âmbito da pessoa jurídica; e IX - o valor dos contratos mantidos pela
pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.
Como a Lei não estabeleceu previamente um sentido para o juízo
valorativo relacionado a tais circunstâncias, caberá ao juízo definir se, no
caso concreto, a consideração do critério conduzirá a uma maior ou me-
nor reprovação. Sendo assim, as referências estabelecidas nos incisos do
art. 7º da Lei nº 12.846/13 possuem a mesma natureza jurídica das cir-
cunstancias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal.
Nos termos do que dispõe o inciso VIII do art. 7º da Lei nº
12.846/13, a autoridade pública deverá levar em consideração, para a
imposição da sanção administrativa, “a existência de mecanismos e pro-
cedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no

62
BUSATO, Paulo César. Tres tesis sobre la responsabilidade de personas jurídicas, p. 112-114.
128 | Estudos de Compliance Criminal

âmbito da pessoa jurídica”. Em outras palavras, para a graduação de


intensidade da sanção administrativa imposta à pessoa jurídica, a autori-
dade competente deverá considerar a existência de um programa de
integridade
A Lei nº 12.846/13 não estabeleceu os parâmetros para a avaliação
dos mecanismos e procedimentos que compõem o programa de integri-
dade, remetendo a questão à regulamentação do Poder Executivo federal
(parágrafo único do art. 7º).

4.1 Aumento da responsabilidade

Como anteriormente mencionado, o Decreto nº 8.420/15 regula-


mentou a responsabilização objetiva administrativa de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a administração pública de que trata a Lei no
12.846/13. O referido Decreto estabeleceu as diretrizes para o PAR e os
critérios para a avaliação do programa de integridade em seu art. 42.
Nos termos do art. 17 do Decreto nº 8.420/15, o cálculo da multa a
ser aplicada à pessoa jurídica se opera por meio da soma de parcelas que
são determinadas por percentual de seu faturamento bruto no último
exercício anterior à instauração do Processo Administrativo de Respon-
sabilização, excluídos os tributos.
O inciso II do referido artigo, por sua vez, determina que uma das
parcelas da multa seja composta por valor estabelecido entre 1 e 2,5 % do
faturamento, nos casos em que houver tolerância ou ciência de pessoas
do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica com a prática dos atos
de corrupção. A circunstância, que é relacionada aos alertas de descon-
formidade produzidos pelo programa de integridade, é considerada como
uma “agravante” pelo Manual prático de avaliação de programa de inte-
gridade em processo administrativo de responsabilização. 63 No caso, se
os dirigentes da empresa forem tolerantes ou tiverem ciência dos atos
lesivos, a multa terá o componente específico e, portanto, a responsabili-

63
BRASIL. Manual prático de avaliação de programa de integridade em PAR, p. 10.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 129

zação da pessoa jurídica será realmente aumentada. Contudo, tendo em


vista a definição de uma variação específica para a redução da pena, uma
melhor comparação da circunstância com as disposições do Direito Penal
a consideraria uma causa de aumento de pena. 64
Esta referência normativa indica que a deliberação do ente coletivo
que desconsidera os alertas do programa de integridade fundamenta um
aumento da reprovação que é dirigida à pessoa jurídica. Nesse caso, o
programa de integridade identifica corretamente os riscos de ocorrência
de crimes e orienta adequadamente os dirigentes da empresa quanto à
observância das normas que incidem sobre as suas atividades. O pro-
grama de integridade forneceu à empresa as condições necessárias para
manter as suas atividades em conformidade normativa. A deliberação
tomada pela direção em nome da pessoa jurídica que contraria os deve-
res normativos da empresa, apesar dos alertas emitidos pelo programa
de integridade, frustra com maior intensidade as expectativas sociais e
deve receber maior reprovação.
Se ficar devidamente comprovado que a implantação do programa
de integridade teve unicamente a finalidade de dificultar a devida res-
ponsabilização da pessoa jurídica, a circunstância indica a necessidade de
elevar ainda mais a apenação que é dirigida à empresa, observados os
limites da previsão normativa (entre 1 e 2,5 % do faturamento). O pro-
grama de integridade deve ser concebido e implantado para evitar a
ocorrência de crimes, e não para criar obstáculos à legítima intervenção
punitiva

4.2 Diminuição da responsabilidade

A regulamentação do Processo Administrativo de Responsabilização


também prevê a possibilidade de diminuir a responsabilidade da pessoa

64
GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 923. Consta no registro que “causa de aumento é uma circuns-
tância prevista pelo legislador, tanto na parte geral como na parte especial do Código Penal, que autoriza um
aumento de pena de acordo com limites, fixos ou variáveis, previamente estabelecidos.”
130 | Estudos de Compliance Criminal

jurídica. Nos termos do inciso III do art. 18 do Decreto nº 8.420/15, a


autoridade competente deve reduzir 1 a 1,5% do valor total da multa a
ser imposta à pessoa jurídica, em consideração ao grau de sua colabora-
ção com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente
de ter sido firmado acordo de leniência.
No mesmo sentido, o inciso IV determina reduzir 2 % do valor total
da multa no caso de a pessoa jurídica comunicar espontaneamente, antes
da instauração do processo administrativo, a ocorrência do ato lesivo.
Por fim, o inciso V determina reduzir 1 a 4% do valor total da multa
caso fique comprovado que a pessoa jurídica possuía e aplicava um pro-
grama de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Decreto
nº 8.420/15.
Estas circunstâncias são consideradas pela doutrina como “atenuan-
65
tes”. Na perspectiva mais rigorosa do Direito Penal, tais circunstâncias
devem ser consideradas como causas de diminuição de pena. 66
Nesses casos, as referências normativas sinalizam que a prévia exis-
tência ou a posterior implantação do programa de integridade deve ser
considerada para diminuir a responsabilidade penal da pessoa jurídica. O
programa pode reunir medidas para prevenir a ocorrência do ato lesivo,
para noticiar aos órgãos públicos competentes a sua ocorrência, bem
como para colaborar na investigação que se fizer necessária após a ocor-
rência do crime.
Cabe observar que, conforme a previsão do inciso V do art. 18 do
Decreto, não basta constatar a mera existência de um programa de inte-
gridade. 67 Não é possível justificar a redução da responsabilidade da

65
CHAVES, Natália Cristina e FÉRES, Marcelo Andrade. Responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas na lei
anticorrupção: sanções e critérios de fixação. In CHAVES, Natália Cristina e FÉRES, Marcelo Andrade (orgs).
Sistema anticorrupção e empresa, p. 245-246. No mesmo sentido: BRASIL. Manual prático de avaliação de pro-
grama de integridade em PAR, p. 10.
66
GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 887. Conforme o registro: “a causa de diminuição apresenta a
mesma natureza jurídica que a causa de aumento, sendo uma circunstância que autoriza uma diminuição de pena
de acordo com parâmetros fixos ou variáveis previamente estabelecidos.”
67
CHAVES, Natália Cristina e FÉRES, Marcelo Andrade. Responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas na lei
anticorrupção, p. 247. Os autores esclarecem que a Lei Anticorrupção não menciona que o programa deva ser
efetivo. A consideração pela efetividade do programa é delineada no Decreto regulamentar.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 131

pessoa jurídica com base em um programa “maquiagem” de integridade.


Como o inciso que permite a redução da sanção administrativa se refere
aos parâmetros que foram estabelecidos no Decreto para os programas
de integridade, é necessário conciliar a disposição do inciso V do art. 18
com os incisos do art. 42, ambos do Decreto. Isto significa dizer que a
redução da pena é possível desde que se comprove a existência de um
verdadeiro esforço empresarial para evitar a prática de crime.
Utilizando como parâmetro de avaliação do programa de integrida-
de a fórmula estabelecida na metodologia elaborada pelo Ministério da
Transparência em conjunto com a Controladoria-Geral da União, a dimi-
nuição da responsabilidade penal somente poderá ocorrer quando o
resultado da operação for maior ou igual a 1%. A diminuição da respon-
sabilidade deve ser proporcional ao reconhecimento do grau de
efetividade do programa. Se, por outro lado, o resultado da operação for
menor do que 1%, deve-se reconhecer que o programa de integridade é
meramente formal e não poderá ser considerado para fins de diminuição
da sanção penal a ser imposta à pessoa jurídica. 68

5. Programa de integridade e responsabilidade penal da pessoa


jurídica

Diante da possibilidade real de responsabilização penal da pessoa


jurídica, segundo um modelo de autorresponsabilidade, a implantação de
um programa de integridade deve prestar-se a evitar a ocorrência dos
crimes que trazem a responsabilidade empresarial como consequência. A
premissa fundamental que estimula a implantação de um programa é a
de que se a empresa se organizar internamente de uma forma correta
para detectar e prevenir a ocorrência de crimes estes não ocorrerão e
empresa não será penalmente responsabilizada. 69

68
BRASIL. Manual prático de avaliação de programa de integridade em PAR, p. 27.
69
BALCARCE, Fabián I. e BERRUERZO, Rafael. Criminal compliance y personas jurídicas, p.173.
132 | Estudos de Compliance Criminal

Na doutrina internacional do Direito Penal Econômico 70, é possível


constatar discussão relevante sobre os efeitos que um programa eficiente
de integridade pode gerar na responsabilidade penal de pessoas jurídicas.
Considerando os signatários da Convenção sobre o Combate da
Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comer-
ciais Internacionais da OCDE, a existência de sistemas internos de
conformidade pode impedir a responsabilidade da pessoa jurídica em 12
países. 71
No ordenamento penal norte-americano, com base no FCPA 72; no
ordenamento penal do Reino Unido, com base no UK Bribery Act 73 ; no
ordenamento penal chileno, por meio da Lei nº 20.393/09 74; e no orde-
namento penal espanhol, por previsão expressa do art. 31-bis, item 2, do
Código Penal 75, por exemplos, é possível excluir ou diminuir a responsa-
bilidade penal da pessoa jurídica mediante a comprovação de existência
de um programa de integridade efetivo.
No contexto da UK Bribery Act, que contém previsão incriminadora
específica para a falha de organização empresarial que facilita a ocorrên-

70
SOUTO, Miguel Abel. Antinomias de la reforma penal de 2015 sobre programas de prevención que eximen o
atenúan la responsabilidade criminal de las personas jurídicas. In EVANGELIO, Ángela Matallín (dir.) Compliance y
prevención de delitos de corrupción. Valencia: Tirant lo Blanch, 2018, p. 13-27; TIEDEMANN, Klaus. El derecho
comparado en el desarrollo del derecho penal económico, p. 38 e VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção
de medida anticorrupção, p. 159 e SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial, p. 292.
71
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. The Liability of Legal
Persons for Foreign Bribery, p. 66. Segundo o relatório, permitem a exclusão da responsabilidade em razão da
existência de um programa de compliance: Austrália, Chile, República Checa, Grécia, Itália, Coréia, Países Baixos,
Portugal, Espanha, Suíça e Reino Unido.
72
UNITED STATES OF AMERICA. Sentencing Commission. Guidelines Manual. (Nov. 2018).
§8C2.5.(f)(g). Disponível em https://www.ussc.gov/sites/default/files/pdf/guidelines-manual/2018/GLMFull.pdf.
Acesso em 22 de julho de 2019.
73
UNITED KINGDOM. Bribery Act 2010. Seção 7, subseção 2. Disponível em
https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2010/23/contents. Acesso em 14 de junho de 2019, e CUNHA, Rogério
Sanches e SOUZA, Renee do Ó. Lei anticorrupção empresarial: Lei 12.846/2013, p. 302.
74
CHILE. Lei nº 20.393, de 02 de dezembro de 2009. Establece la responsabilidad penal de las personas jurídicas
en los delitos que indica. Disponível em https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1008668. Acesso em 22 de
julho de 2019. O art. 3 da referida lei condiciona expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica aos
casos em que a realização do crime é consequência do descumprimento das pessoas físicas mencionadas com os
seus deveres de direção e supervisão.
75
ESPANHA. Lei Orgânica 10, de 23 de novembro de 1995 – Código Penal. Disponível em
https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1995-25444. O art. 31 bis foi adicionado pelo art. 4º da Lei Orgâni-
ca 5, de 22 de junho de 2010, tendo sido posteriormente alterado pelo art. 1º da Lei Orgânica 7, de 27 de dezembro
de 2012 e pelo art. 20 da Lei Orgânica 1 de 30 de março de 2015. Acesso em 18 de abril de 2019.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 133

cia de crimes 76, a existência de um programa efetivo de integridade fun-


damenta uma defesa não somente admissível como juridicamente
coerente; comprovado que a empresa se organiza adequadamente, não
pode haver a caracterização do tipo que descreve a hipótese incriminado-
ra.
No ordenamento jurídico brasileiro, não há previsão incriminadora
para a falha de organização. Também não há previsão legal para a exclu-
são da responsabilidade penal da pessoa jurídica em razão da
implantação de um programa de integridade. Como não há previsão legal
para o crime da pessoa jurídica, não é possível admitir que um programa
de integridade possa excluir a tipicidade de tal crime (como pretende
Alamiro Salvador 77) ou a culpabilidade (como pretende Carlos Gómez-
Jara Diéz 78).

5.1 Insatisfação dos requisitos para a responsabilização

A existência de um programa de integridade, por si só, não impede


a responsabilidade penal da pessoa jurídica. 79 Especificamente quanto às
exigências estabelecidas pela Lei nº 9.605/98 para a responsabilização da
pessoa jurídica, cabe observar que os mecanismos de controle interno da
empresa devem oferecer suporte adequado para a tomada de decisões
por parte de seus dirigentes. Se é pressuposto para a responsabilização
da pessoa jurídica (art. 3º) que a ofensa ao meio ambiente tenha ocorrido
por deliberação do ente coletivo, os mecanismos de controle interno
devem oferecer as informações necessárias para que tal deliberação se

76
UNITED KINGDOM. Bribery Act 2010. Seção 7, subseção 1. Na tradução constante de CUNHA, Rogério Sanches e
SOUZA, Renee do Ó. Lei anticorrupção empresarial: Lei 12.846/2013, p. 301-302.
77
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 199-200.
78
GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica: teoria do crime para pessoas jurídicas.
Tradução de Carolina de Freitas Paladino, Cristina Reindolff da Motta e Natália de Campos Grey. Seção Paulo:
Atlas, 2015, p. 61-63.
79
VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medida anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 57. A
autora esclarece que, nos Estados Unidos da América, o manual que orienta a atuação dos Procuradores Federais
expressamente afirma que a existência de programas de compliance não justifica a irresponsabilidade da pessoa
jurídica pela conduta criminosa de seus agentes.
134 | Estudos de Compliance Criminal

apresente a mais adequada possível. Em outras palavras, um programa


de integridade eficiente deve impedir que a empresa tome decisões que
descumpram as normas que incidem sobre o desenvolvimento de suas
atividades e permitam que a mesma seja responsabilizada penalmente.
Para que a pessoa jurídica possa livrar-se da responsabilidade penal,
é necessário que exista perfeita sintonia entre os alertas adequados gera-
dos pelo programa de integridade e as deliberações igualmente
adequadas do ente coletivo.
Para que um programa de integridade tenha pleno sucesso (seja efe-
tivo), é necessário o comprometimento verdadeiro da alta direção da
empresa com o seu desenho, a sua implementação e a manutenção de
sua eficiência. A direção faz parte da empresa e, sem o seu envolvimento,
não pode haver um verdadeiro programa de integridade. Para expressar
a ideia de que o envolvimento da alta direção é um requisito essencial do
programa, a doutrina criou e passou a utilizar a feliz expressão “tom que
vem do topo” (Tone from the top). 80 Por esta razão, o art. 42 do Decreto
nº 8.420/15 identificou o comprometimento da alta direção da empresa,
incluídos os seus conselhos, como o primeiro dos critérios fundamentais
para a análise da efetividade dos programas de integridade (inciso I).
O comprometimento verdadeiro da alta direção se revela desde a
concepção do programa de integridade, com a definição das estruturas e
medidas organizacionais que se mostrem realmente adequadas a identi-
ficar e corrigir os problemas que atingem a integridade das atividades
empresariais. A manutenção do programa e as adaptações que se mos-
trem necessárias também constituem desafios cuja superação exige o
comprometimento da alta direção da empresa. Em sua última expressão,
o comprometimento da alta direção repercute na conformidade das deli-
berações que são tomadas em nome do ente coletivo.

80
SILVA, Jafte Carneiro Fagundes da. Estabelecendo e aplicando um programa de integridade corporativa: prepare
sua empresa para atender requisitos normativos e disseminar negócios éticos. In OLIVEIRA, Luis Gustavo Miranda
de. Compliance e integridade: aspectos práticos e teóricos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 288-290;
ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo, p. 110-111; VARELA, Osvaldo Artaza.
Programas de cumplimento, p. 253-256; BALCARCE, Fabián I. e BERRUERZO, Rafael. Criminal compliance y
personas jurídicas, p. 146 e GIOVANINI, Wagner. Compliance, p. 50 e 53.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 135

Especificamente no que diz respeito à responsabilização penal da


empresa em razão do cometimento de crime ambiental, o comprometi-
mento da alta direção da empresa com o programa de integridade se
revela especialmente importante nos momentos de tomada de decisão
sobre os rumos das atividades empresariais. Quando o programa de
integridade identifica a possibilidade de que a atividade empresarial ve-
nha a dar causa a um crime ambiental, a alta direção deve observar os
limites estabelecidos normativamente. O alinhamento da alta direção
com o programa resulta na conformidade de todas as decisões do ente
coletivo. Como a alta direção faz parte da empresa e, consequentemente,
do programa de integridade, as decisões que contrariem os alertas ade-
quados que são gerados pelo programa estabelecem rupturas de
conformidade que atingem a efetividade do programa e permitem a res-
ponsabilização penal da pessoa jurídica.
Com base em tais premissas, pode-se concluir que, nos casos em
que a empresa: a) possuir um programa de integridade que oriente ade-
quadamente os seus dirigentes quanto à observância das normas que
incidem sobre as atividades empresariais; e b) deliberar, por meio de seu
representante (legal ou contratual) ou de seu órgão colegiado, em con-
formidade com a orientação recebida do programa, não poderá ocorrer a
responsabilização penal da pessoa jurídica. O programa deve ser conside-
rado efetivo, pois levou a empresa a determinar a realização de
atividades empresariais que se mantiveram em conformidade normativa.
Não havendo a deliberação do ente coletivo para o desenvolvimento de
atividade violadora da norma protetiva do meio ambiente, não poderá
haver responsabilização penal da pessoa jurídica.
Nestes termos, se houver a realização individual de conduta ofensi-
va ao meio ambiente que contrarie a deliberação do ente coletivo e
caracterize um crime ambiental, somente poderá ocorrer responsabilida-
de penal para a(s) pessoa(s) física(s) envolvida(s).
Cabe observar que, mesmo nos casos em que o programa de inte-
gridade deixe de identificar corretamente os riscos de ocorrência de
136 | Estudos de Compliance Criminal

crimes ambientais (não for efetivo), se a direção da empresa tomar pos-


turas conservadoras e não deliberar pela realização da atividade
violadora da norma de proteção ambiental, a pessoa jurídica não poderá
ser penalmente responsabilizada. Também nesse caso, faltará o requisito
específico estabelecido na lei ambiental que diz respeito à deliberação do
ente coletivo. E não há responsabilidade penal da pessoa jurídica pela
mera falha do programa de integridade. 81
Na hipótese em que o programa de integridade não identifica os ris-
cos de ocorrência de crimes ambientais e, por isso, não orienta
adequadamente os seus dirigentes quanto à observância das normas que
incidem sobre as suas atividades, a responsabilidade penal da pessoa
jurídica dependerá da deliberação institucional. Se houver deliberação
para a realização da atividade em desconformidade com as normas per-
tinentes, a pessoa jurídica não poderá escusar-se da responsabilidade
penal alegando insuficiência de seu sistema de integridade.

5.2 Circunstância judicial dos antecedentes

O subsistema do Direito Penal Ambiental possui previsão expressa


para que o juiz, ao impor a concreta responsabilização da pessoa jurídica,
leve em consideração os seus antecedentes quanto ao cumprimento da
legislação ambiental. O inciso III do art. 6º da Lei nº 9.605/98 prevê que,
para a imposição e gradação da pena, o juiz observará “os antecedentes
do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambien-
tal.” A previsão legal institui uma circunstância judicial a ser considerada
na primeira fase da dosimetria da pena a ser imposta à pessoa jurídica.82
A interpretação adequada do referido dispositivo indica que, satis-
feitos os requisitos para a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

81
CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance: na perspectiva da lei de lavagem de dinheiro. São Paulo: Libe-
rArs, 2015, p.191-192. A autora sustenta que as disposições que impõe responsabilidade administrativa em razão da
omissão dos deveres de compliance já são suficientes e que não se apresenta necessário instituir um tipo penal
incriminador para as meras violações aos deveres de compliance.
82
SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental, p. 593-594 e ADEDE Y CASTRO, João Marcos.
Crimes ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004, p. 28-30.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 137

haverá imposição de pena pelo julgador. A consideração sobre a circuns-


tância judicial relativa aos antecedentes do infrator indicará qual das
penas previstas no art. 21 da Lei nº 9.605/98 é mais adequada ao caso.
Com base nas considerações que fizer sobre as circunstâncias judiciais,
dentre elas a circunstância relativa aos antecedentes, o juiz decidirá qual
das penas imporá à pessoa jurídica condenada. Não há, portanto, autori-
zação legal para que o juiz deixe de impor pena à pessoa jurídica. A
consequência jurídica da responsabilização da pessoa jurídica é a sua
apenação.
Após decidir sobre qual pena será aplicada à pessoa jurídica, o juiz
também deverá considerar as circunstâncias judiciais para graduar a
pena. Para graduar a pena com base nos antecedentes do infrator relati-
vos ao cumprimento da legislação ambiental, poderá o magistrado
considerar os resultados obtidos pela empresa com a implantação de um
programa de integridade. A existência de um programa de integridade,
por si só, é juridicamente irrelevante. A circunstância judicial diz respeito
ao efetivo cumprimento da legislação ambiental, e não às iniciativas que
visam garantir o cumprimento normativo.
Nestes termos, o juiz, ao examinar a circunstância judicial relacio-
nada aos antecedentes da pessoa jurídica, deverá analisar se ela
anteriormente praticou outras infrações penais e/ou administrativas.83

5.3 Atenuação da responsabilidade

No que diz respeito à responsabilidade penal da pessoa jurídica, não


há qualquer previsão na Lei nº 9.605/98 que autorize considerar a im-
plantação de um programa de integridade para a imposição de pena. De
mesma forma, não há qualquer previsão para tal consideração no Projeto
de Lei do Senado nº 236/12 que pretende instituir um novo Código Pe-

83
SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental, p. 593-594 e ADEDE Y CASTRO, João Marcos.
Crimes ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98, p. 28-30.
138 | Estudos de Compliance Criminal

nal. Cabe observar que o Projeto não conservou a previsão de uma ate-
nuante inominada, que hoje existe no art. 66 do Código Penal 84.
O artigo 66 do Código Penal brasileiro prevê a possibilidade de ate-
nuar a pena “em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior
ao crime, embora não prevista expressamente em lei.” Tal regra de cará-
ter geral é aplicável aos crimes ambientais, apesar da Lei de Crimes
Ambientais conter dispositivos relativos à aplicação de pena à pessoa
jurídica. 85 Neste sentido, o art. 79 da Lei nº 9.605/98 estabelece que, em
relação aos crimes ambientais, as disposições do Código Penal são aplicá-
veis subsidiariamente.
Resta saber, então, se a existência de um programa de integridade é
uma circunstância, anterior ou posterior ao crime, que se apresente rele-
vante o suficiente para justificar a atenuação da pena a ser aplicada em
desfavor da pessoa jurídica.
A ausência de parâmetros para relacionar a existência de programas
de integridade e a dosimetria da pena a ser aplicada à pessoa jurídica
geralmente constitui um problema importante na doutrina do Direito
Penal Econômico. 86 No caso brasileiro, no entanto, é possível tomar
como referência a regulamentação estabelecida para o inciso VIII do art.
7º da Lei nº 12.846/13. Tais critérios também podem ser utilizados para
a consideração dos programas de integridade que visem evitar a prática
de crimes ambientais e, consequentemente, graduar a responsabilização
da pessoa jurídica prevista na Lei nº 9.605/98.
A aplicação de uma sanção administrativa com base na Lei Anticor-
rupção também pressupõe que o programa de integridade não conseguiu
evitar as deliberações empresariais que deram causa aos atos ofensivos à
administração pública.

84
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.828, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Último acesso em 29 de novembro de
2018.
85
ADEDE Y CASTRO, João Marcos. Crimes ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98, p. 27; SIRVINSKAS, Luís
Paulo. Tutela penal de meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 89 e GALVÃO, Fernando. Responsabilidade
penal da pessoa jurídica, p. 151.
86
MARTÍN, Adán Nieto. Introducción, p. 23.
Fernando A. N. Galvão da Rocha | 139

A opção legislativa por considerar a existência de um programa de


integridade no âmbito do Direito Administrativo sancionador indica que
a solução também deve ser aplicada no âmbito do Direito Penal. Como o
ordenamento jurídico constitui um sistema, deve-se reconhecer harmo-
nia entre as suas opções valorativas. 87 A perspectiva de ampliação da
possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica para alcançar
os crimes de corrupção, promovida pelo Projeto de Lei do Senado nº
236/12, evidencia o acerto da conciliação entre as opções valorativas.
Assim, se a Lei Anticorrupção determina que a existência de um progra-
ma de integridade constitui circunstância relevante que deve ser
considerada no momento da aplicação da sanção administrativa, tal cir-
cunstância também deve ser considerada no momento da aplicação da
sanção criminal em razão da ocorrência de um crime ambiental. E, da
mesma forma, pode-se considerar tanto a existência de um programa de
integridade antes da ocorrência do fato lesivo, como a sua implementa-
ção posterior, para evitar que novos atos lesivos ocorram. 88
Mas o comando normativo, por considerar a existência de progra-
mas de integridade, implica atenuação obrigatória da responsabilidade?
O regulamento da Lei Anticorrupção novamente traz informações impor-
tantes para resolver a questão. Nos termos do que dispõe o inciso V do
art. 18 combinado com os incisos do art. 42, ambos do Decreto nº
8.420/15, a atenuação da pena somente é possível quando a implantação
de um programa de integridade materialize verdadeiro esforço empresa-
rial para evitar a prática de crime.
Considerando que o Projeto de Lei nº 236/12 não reproduz a previ-
são para a atenuante inominada, hoje constante do art. 66 do Código
Penal, importa incluir na alteração que esta reflexão se propõe a apresen-
tar uma disposição que ampare a consideração da existência de um
programa de integridade. Esta medida reforça o estímulo às empresas,

87
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 14 e p. 20-22
88
BRASIL. Manual prático de avaliação de programa de integridade em PAR, p. 22-26.
140 | Estudos de Compliance Criminal

para que instituam mecanismos de controle interno para as suas ativida-


des, contribuindo, assim, na prevenção da criminalidade empresarial.

6. Referências

ADEDE Y CASTRO, João Marcos. Crimes ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98.


Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. 347 p.

ALBUQUERQUE, Eduardo Lemos Lins de. Compliance e crime corporativo. Belo Horizon-
te: D’Plácido, 2018. 265 p.

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Montevidéo/Buenos Aires: BdeF, 2016. 194 p.

BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance: instrumento de prevenção criminal


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6

Responsabilidade penal da pessoa jurídica


e defeito de organização:
da (ir)relevância da adesão a
um programa de compliance para a aferição da
responsabilização penal da pessoa jurídica no Brasil

Rafael Barros Bernardes da Silveira 1

1. Introdução

A temática do compliance criminal tem ganhado enorme destaque


no Brasil contemporaneamente.
Tem se tornado rotineiras no ambiente acadêmico as divulgações de
lançamentos de artigos científicos, livros, cursos teóricos, cursos práticos,
cursos de pós-graduação – sempre tratando da temática em apreço.
Nota-se, ademais, uma movimentação muito grande de empresas
brasileiras em aderirem a programas de integridade – pretendendo, com
isso, prevenir a ocorrência de ilícitos no bojo de suas atividades, mas,
igualmente, impedir que a empresa sofra as consequências sancionató-
rias de uma eventual infração a lei.
Sem dúvida alguma, a criminalidade ambiental é o assunto em voga
no tocante a crimes passíveis de serem praticados no âmbito das ativida-
des de pessoas jurídicas - especialmente após os recentes desastres nos

1
Doutorando em Direito Penal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito Penal pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor de Direito Penal na Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG).E-mail: [email protected]
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 147

municípios de Mariana e Brumadinho, envolvendo o rompimento de


barragens de dejeto de mineração, que provocaram centenas de mortes e
dano ambiental inestimável.
Quanto à delinquência praticada no bojo de atividades empresariais,
deve ser levada em consideração uma característica essencial do modelo
punitivo brasileiro: o fato de haver, concretamente em nosso ordena-
mento jurídico apenas uma modalidade de responsabilização penal
regulamentada para a pessoa jurídica – que diz respeito justamente aos
crimes ambientais.
É da interseção entre esses tópicos – compliance, criminalidade am-
biental empresarial e responsabilidade penal da pessoa jurídica – que
surge o recorte deste estudo.
A ideia aqui é discutir em que medida a adesão da pessoa jurídica a
um programa de compliance interfere para a definição da sua responsa-
bilidade penal, na eventualidade de ser praticado um crime ambiental.
O raciocínio que se pretende defender no presente estudo é simples,
mas nem por isso deixa de ser impactante, pois contradiz uma ideia que
parece consolidada socialmente: muitas expectativas tem sido deposita-
das sobre os programas de integridade – não somente como mecanismos
de prevenção de ilícitos, mas especialmente como instrumentos de res-
guardo dos interesses das pessoas jurídicas, de forma a impedir sua
eventual responsabilização por delitos praticados no bojo de suas ativi-
dades. Contudo, o que se pretende evidenciar é que, na prática, a adesão
da pessoa jurídica a um programa de integridade não tem nenhuma
relevância para a definição de sua responsabilidade penal. Isso porque os
critérios de imputação previstos na legislação brasileira em nada se rela-
cionam com a adoção de tal medida.
Com efeito, a defesa do ponto de vista aqui apresentado mostra-se
extremamente necessária diante do cenário que se apresenta contempo-
raneamente, de verdadeira explosão do fenômeno do compliance no
Brasil, e da vigorosa defesa do instituto a nível acadêmico e jurispruden-
cial. O debate sobre o efetivo papel dos programas de compliance em tal
148 | Estudos de Compliance Criminal

cenário, diante do exposto, representa o exame de matéria urgente e


essencial.

2. A responsabilização penal da pessoa jurídica: noções elementares


sobre os modelos de responsabilidade.

A ideia de se atribuir a prática de crimes a pessoas jurídicas tem


provocado calorosos debates nos dias atuais e é, sem dúvida alguma,
uma das mais controvertidas noções no campo do direito penal.
Contudo, trata-se de matéria que, por muitos séculos, não interes-
sou às ciências penais, tendo sido relegada a outros campos da
experiência jurídica.
Segundo leciona Salvador Netto (2018, p.19), desde a gênese da dita
ciência penal moderna, a partir do movimento iluminista do século
XVIII, as preocupações e discussões do direito penal se concentraram nas
atividades dos homens considerados singularmente, “esquecendo-se por
completo das coletividades ou agrupamentos de indivíduos” (SALVADOR
NETTO, 20018, p.20).
Tal postura consagrou a máxima latina, que até hoje tem vigorosos
defensores, “Societas delinquente non potest” – ou seja, a afirmação de
que a entidade legal não pode delinquir.
Apenas no século XX é que a questão da responsabilização criminal
da pessoa jurídica começou a ganhar mais destaque e relevância para o
campo penal. Em concreto, esse giro se deu a partir de uma mudança de
paradigma no próprio conteúdo do direito penal, como reflexo das signi-
ficativas mudanças sociais, econômicas e políticas vivenciadas, a nível
global, no comentado período. Aqui, se refere ao já conhecido cenário de
consolidação do fenômeno da expansão do direito penal (SILVA
SÁNCHEZ, 2013) – contexto de solidificação do processo de globalização,
que conduziu ao surgimento de novas modalidades delinquentes e de
novos atributos a desafiar a intervenção penal.
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 149

Em breves linhas, o ponto que se quer destacar é que a chegada do


século XX trouxe a percepção do protagonismo absoluto da pessoa jurídi-
ca (SALVADOR NETTO, 2018, p.20), em especial por meio das grandes
corporações e entidades financeiras. Veio a constatação de que as empre-
sas teriam um papel decisivo na condução dos rumos da convivência
humana – diante de sua participação não só nas atividades mais corri-
queiras, mas especialmente nos episódios mais importantes da história
recente (crises financeiras e guerras).
Estando em papel de destaque, a pessoa jurídica passou a ser objeto
de reflexões de diversas áreas do saber, dentre elas (a que mais interessa
a este estudo) a seara das ciências penais. A preocupação que surge no
campo punitivo em tal contexto é eminentemente de ordem pragmática:
as organizações tem se tornado cada vez mais poderosas e complexas, e
no bojo das atividades por elas desempenhadas, haveria inúmeras possi-
bilidades de práticas ilícitas, muitas delas de enorme danosidade. O
sofisticado emaranhado organizacional corporativo tornaria muito difi-
cultosa a identificação precisa dos responsáveis por um eventual delito
que viesse a ocorrer no ambiente empresarial. E, tal dificuldade, condu-
ziria inevitavelmente à impunidade. Surgiria, portanto, a necessidade de
se submeter às próprias pessoas jurídicas à intervenção penal, ao menos
em casos específicos, como estratégia de superação da problemática evi-
denciada.
Os debates e controvérsias em torno dos modelos de responsabiliza-
ção penal da pessoa jurídica surgem exatamente diante da contradição
estabelecida entre: a) a estrutura tradicional do direito penal, pensada
para o indivíduo singularmente considerado; e b) a alegada “necessida-
de” de se responsabilizar penalmente a entidade, sem que haja a
formatação de um modelo adequado à tal figura.
Há um ponto em especial que agrava a dimensão da controvérsia:
ao longo do último século, vários países passaram a adotar a responsabi-
lidade penal da pessoa jurídica em seus ordenamentos jurídicos, dentre
eles o Brasil (por meio da Constituição de 1988 e da Lei Federal 9605/98,
150 | Estudos de Compliance Criminal

conforme se destacará na sequência), “subtraindo em boa medida do


espaço acadêmico a discussão sobre o sim ou não de sua viabilidade”
(SALVADOR NETTO, 2018, p. 21).
Ou seja, diante da positivação do instituto, a tarefa que se impõe ao
estudioso do direito penal é ainda mais dificultosa: traçar as bases de um
modelo de imputação para a pessoa jurídica de modo a efetivar a posição
político-criminal assumida em seu país, a despeito de concordar ou não
com ela, tudo isso tendo em vista não ofender os princípios fundamentais
do direito penal.
Em outras palavras o legislador brasileiro já rompeu com a máxima
“societas delinquere non potest”, ao decidir que a pessoa jurídica deveria
sim sofrer a intervenção penal. Aqueles que discordam de tal posição
podem até defender a reforma legislativa da matéria – mas até que ela
seja implementada, terão que se curvar ao comando da lei. A discussão
que se coloca como prioritária no âmbito brasileiro, pois parece ser onde
os debates doutrinários podem ter maiores condições de gerar impactos,
não é mais quanto ao SE deve haver a responsabilização penal da pessoa
jurídica, mas ao COMO esta deve se operar
E, neste ponto, surge a necessidade de analisar, ainda que breve-
mente, os modelos teóricos de imputação das entidades legais.
Apresentando a questão em termos muito simplificados, existiriam
duas possibilidades para se responsabilizar criminalmente uma pessoa
jurídica: ou ela responde de maneira indireta, em razão da pratica de
condutas ilícitas dos seus representantes; ou ela responda por conta pró-
pria, e aí se avalia sua própria conduta ou seu comportamento. Ou seja:
os ditos modelos de hetero ou de autorresponsabilidade.
Sobre os primeiros, vale destacar: o que se tem é um empréstimo da
responsabilidade individual (SARCEDO, 2015, p. 135). A imputação da
entidade vai acontecer nas ocasiões em que seu representante legal agir
praticando um ilícito, em nome e em favor da empresa. Nesse sentido é o
conceito de Nieto Martín, segundo o qual o modelo em questão “consiste
en transferir a la empresa la culpabilidad de la persona natural que ha
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 151

actuado” (2008, p.08) e ainda “la transferencia de culpabilidad se produ-


ce bajo tres condiciones: la actuación culpable del agente, dentro de los
fines de la empresa, y con el fin de beneficiarla” (2008, p.08).
Há inúmeros problemas que podem ser levantados quanto a ideia
de responsabilizar a pessoa jurídica criminalmente de maneira indireta,
como idealizado pelos modelos de heterorresponsabilidade. Para fins de
se ater ao recorte definido por este trabalho, aqui irá se concentrar só em
parte deles – notadamente, aqueles comentados por Sarcedo (2015),
relativamente à eficácia do modelo. Isto porque, como se destacou, a
discussão sobre a responsabilização penal da pessoa jurídica ganha força
contemporaneamente por motivos pragmáticos – na tentativa de se
combater a delinquência corporativa, tarefa de difícil execução.
Na visão do comentado autor (SARCEDO, 2015, p.136) a adoção da
perspectiva da heterorresponsabilidade teria dado origem a um déficit de
aplicação. Isso porque no referido modelo a responsabilização da entida-
de dependeria da prévia imputação da pessoa física. Com efeito, o
contexto da criminalidade empresarial corporativa, altamente sofisticada
e complexa, oferece, na prática, uma série de obstáculos para seu comba-
te (notadamente, a dificuldade de identificação e individualização de
condutas e de responsabilidades dentro de um intricado modelo de orga-
nização corporativa). Em resumo: se a imputação da pessoa jurídica
depende da responsabilização individual dos seus representantes, o mo-
delo para a entidade padece das mesmas dificuldades que o modelo para
o indivíduo.
Por outro lado, nos modelos de autorresponsabilidade, o que se ava-
lia é a imputação da entidade por conta própria - as medidas que ela
concretamente tomou para coibir, revelar e evitar a prática de crimes. E é
justamente nessa perspectiva que os programas de compliance ganham
destaque. Se a empresa adere a um programa de integridade adequada-
mente formulado, é isso que vai definir se a entidade vai ou não ser
merecedora de uma sanção penal na eventualidade de um crime ocorrer.
152 | Estudos de Compliance Criminal

É essencial assinalar que não há ainda no ordenamento jurídico


brasileiro uma definição legislativa precisa de quais seriam as caracterís-
ticas necessárias a um programa de integridade efetivo, mas já se
encontram na doutrina trabalhos com a proposta de analisar e enumerar
atributos essenciais de um programa eficaz, valendo mencionar, neste
sentido, o estudo de Ilana Martins Luz (2018), que analisa pormenoriza-
damente a questão e elenca os seguintes atributos: a) Análise do
ambiente interno (p.4); b) Mapeamento de riscos (p.7); c) Comprometi-
mento da alta cúpula (p.11); d) Elaboração de documentos oficiais (p.12);
e) Realização de treinamentos (p.14); f) Nomeação de um responsável
pelo compliance (p.15); g) Canais de denúncia internos e externos (p.17);
h) Proteção aos whistleblowers (p.18); i) Investigações internas (p. 22);
Procedimentos sancionatórios (p.24); Monitoramento, análise e revisão
do programa (p.25).
Em verdade existem diversas proposições teóricas que surgiram na
tentativa de definir critérios de imputação específicos para a pessoa jurí-
dica. Uma das que ganhou mais destaque foi a do Professor Klaus
Tiedemann (1995,1997) - o dito modelo de defeito de organização, que
vincula a imputação da entidade ao fato dela não ter adotado todas as
medidas razoáveis e indispensáveis para prevenir um eventual delito. Por
seu impacto, a denominação do Tiedemann tem sido muitas vezes usada
como sinônimo para modelo de autorresponsabilidade.
São estas as características essenciais dos dois modelos em questão.
Em verdade, a divisão entre auto e heterorresponsabilidade tem
mais importância metodológica do que prática. Isto porque, concreta-
mente, o que se detectam são construções matizadas, nunca em estado
puro (SARCEDO, 2015, p.136).
Tal constatação leva alguns autores a defender e idealizar a adoção
de modelos mistos, incorporando elementos das duas perspectivas.
É o caso de Sarcedo, que propõe a seguinte formatação para seu
modelo (2015, p.138):
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 153

• Parte do modelo vicariante – a transferência da responsabilidade para a empresa


por um fato praticado pelo seu representante e em benefício dela;
• Também leva em conta a culpabilidade corporativa – impondo a tarefa de aferir
se foram adotadas as práticas preventivas exigíveis no caso concreto – modulação
da pena ou absolvição;
• Admite a responsabilização da pessoa jurídica mesmo se não for possível imputar
o ato criminoso à pessoa física específica – desde que evidenciado o defeito de or-
ganização;

Em favor da adoção de um sistema misto – nos moldes por ele pro-


posto - o comentado autor assinala que este seria o mais eficaz no
sentido de exercer o controle social da criminalidade econômica no seio
da empresa, pois contemplaria todas as opções político criminais para
ação do Estado: a) permite a responsabilidade por transferência, se pre-
sente o requisito do defeito de organização; b) na impossibilidade de se
imputar o ato delinquente à pessoa natural determinada, permitiria a
imputação ao ente coletivo, também em face da detecção de defeito de
organização; c) não exclui a possibilidade de responsabilização pessoal
dos agentes que perpetram o delito; d) representa um incentivo à adoção
de medidas de controle e prevenção por meio da criação de um ambiente
de cooperação. (2015, p.138).

3. O modelo brasileiro de responsabilidade penal da pessoa jurídica

A breve discussão teórica que se realizou acima teve o propósito de


apresentar uma visão geral das possibilidades, em abstrato, para a res-
ponsabilização da pessoa jurídica.
Neste ponto do trabalho será necessário conduzir os debates para o
campo concreto, a fim de tornar possível o alcance do objetivo pretendi-
do por este estudo – qual seja, o de evidenciar a irrelevância da adesão a
programas de integridade para a definição da responsabilidade penal da
pessoa jurídica.
154 | Estudos de Compliance Criminal

Para tanto, vale retomar o apontamento que inaugurou este traba-


lho: o ordenamento jurídico brasileiro prevê a responsabilização criminal
das entidades legais apenas no caso da prática de crimes ambientais.
O modelo nacional vem delineado especialmente por dois dispositi-
vos legais.
O primeiro deles é o artigo 225, § 3º, da Constituição da República
de 1988, que previu no texto original da Magna Carta a possibilidade de
pessoas jurídicas serem responsabilizadas penal e administrativamente
pelas condutas lesivas ao meio ambiente. A saber:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-


do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preser-
vá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados. (grifo nosso).

Transcorridos dez anos do comando constitucional, em 1998 foi edi-


tada a Lei 9605, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, com o
objetivo de regulamentar o referido mandamento.
O artigo 3º da mencionada lei é que efetivamente indica a formata-
ção do modelo de responsabilização penal das entidades legais no Brasil –
ao enumerar os requisitos de imputação para a pessoa jurídica. Notada-
mente:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e


penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração
seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou
de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
(GRIFO NOSSO).
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 155

Como se percebe, a previsão do artigo em comento é muito simples.


A decomposição dos requisitos enunciados na lei evidencia ainda mais a
superficialidade da previsão. Vejamos:

a) Infração cometida por decisão do representante legal, contratual ou órgão cole-


giado da pessoa jurídica;
b) No interesse ou benefício da entidade;

A simples leitura do artigo 3º da Lei 9605/98 permite inferir que o


Brasil adotou um modelo de heterorresponsabilidade - mas que definiu
os critérios de transferência da imputação da pessoa física para a pessoa
jurídica de maneira muito pouco satisfatória. Desde a sua edição o dispo-
sitivo tem sido muito criticado pela literatura jurídica brasileira, pela sua
baixa qualidade técnica.
Tal cenário desperta preocupações na comunidade acadêmica, dian-
te da constatação de que o modelo brasileiro, construído para
fundamentar a intervenção mais rigorosa para as entidades legais que o
Estado tem à sua disposição – a intervenção penal, a dita extrema ratio –
se dá por critérios tão pouco desenvolvidos.
A discutível qualidade da previsão legislativa tem obrigado a doutri-
na a se esforçar na tentativa de explicar ou mesmo de sistematizar os
critérios para a imputação da pessoa jurídica, com base no texto da lei.
Neste sentido, vale destacar o trabalho de Fernando Galvão da Ro-
cha (2012, p. 112/122), que identifica a existência de cinco requisitos da
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Dois deles estariam explicita-
mente previstos no texto da lei, já acima evidenciados – I) deliberação no
âmbito do ente coletivo e II) interesse ou benefício da pessoa jurídica. Os
demais seriam pressupostos implícitos, postulados concebidos para ser-
virem ao proposito de “evitar os abusos na repressão das pessoas
morais” (ROCHA, 2012, p.112), quais sejam: a) Executor material vincu-
lado à pessoa jurídica; b) Amparo no poder da pessoa jurídica; c) Atuação
na esfera das atividades da pessoa jurídica.
156 | Estudos de Compliance Criminal

Em grande medida, os debates sobre o instituto da responsabiliza-


ção penal da pessoa jurídica no Brasil tem se concentrado na ideia de que
o próprio instituto em si seria inconstitucional (SARCEDO, 2015, p.144),
pois ofenderia postulados fundamentais do direito penal consagrados na
Constituição Brasileira - vale destacar, a título exemplificativo, os princí-
pios da culpabilidade e da intranscendência da pena.
Por muitos anos esse debate se manteve vigoroso (e até hoje resiste)
– só que, a nível jurisprudencial os tribunais superiores já consolidaram
o entendimento pela admissão do instituto (SARCEDO, 2015, p.144).
Hoje em dia tem ganhado mais força um movimento na literatura
jurídica nacional - ao qual se filiam Sarcedo (2015, p. 144/146) e Tange-
rino (2010, p.17), por exemplo - não em favor da negativa de legitimidade
do instituto, mas do seu aprimoramento. Especialmente sobre a posição
do último autor mencionado, vale trazer trecho da obra referenciada, a
fim de sintetizar suas ideias:

Considerando-se, pragmaticamente, que as pessoas jurídicas podem e são


julgadas por crimes ambientais, é missão da doutrina buscar conter o poder
punitivo, injetando-lhe parâmetros garantistas que tornem seu emprego
compatível com os preceitos constitucionais penais, sobretudo quando se tem
por horizonte a tendência expansionista do poder punitivo. (TANGERINO,
2010, p.17).

Tal perspectiva acima evidenciada se compatibiliza integralmente


com o objetivo do presente estudo. Se a ideia aqui é indicar um ponto
crítico no modelo brasileiro de responsabilização penal da pessoa jurídica
e discutir as possibilidades de reforma deste, é justamente porque se
entende que a academia deve assumir o papel de contribuir com o apri-
moramento do instituto.
Se no campo legislativo o cenário é nebuloso, e não houve mudan-
ças significativas nos últimos 20 anos, há de se levar em conta que
algumas decisões recentes dos Tribunais Superiores brasileiros promove-
ram grande impacto na sistemática nacional, indicando os rumos a
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 157

serem tomados na condução do futuro do instituto, cenário que vem


detalhadamente delineado por Sarcedo (2015, p.146/156).
Como se destacou, a lei de crimes ambientais é de 1998, mas foi so-
mente em 2005 que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o
entendimento pela constitucionalidade da previsão legal contida no refe-
rido diploma – ao se manifestar no Recurso Especial n° 610.114/RN
(SARCEDO, 2015, p. 149).
A afirmação, pela via jurisprudencial, da constitucionalidade do ins-
tituto veio acompanhada de duas consequências, no entendimento do
comentado autor:

1) A cristalização da ideia de que teria se adotado um modelo de heterorrespon-


sabilidade no Brasil – no qual os critérios de imputação estariam legislados de
maneira insatisfatória (2015, p. 149);
2) A consolidação do entendimento de que haveria a necessidade de dupla impu-
tação – ou seja, a indicação de que, sendo a responsabilização da entidade legal
dependente da intervenção da pessoa física, de quem se toma emprestada a
conduta para punir a entidade, obrigatoriamente será necessário imputar o fa-
to à pessoa física e a pessoa jurídica ao mesmo tempo (2015, p. 151).

A posição firmada pelo STJ em 2005 permaneceu praticamente in-


contestável até 2011, quando o STF, ao julgar Agravo regimental em
recurso extraordinário (n.628.581/RS), manifestou-se pela desnecessida-
de da dupla imputação ao indicar que “a responsabilização da pessoa
jurídica independe da responsabilização da pessoa natural”.
Em 2013, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão que teve
impacto ainda mais significativo sobre a sistemática em análise, no bojo
do Recurso Extraordinário correspondente ao agravo regimental recém
mencionado.
Em especial, o voto de autoria da Ministra Rosa Weber gerou gran-
de repercussão. Na ocasião, Weber fez uma detalhada análise do cenário
brasileiro, indicou a necessidade de mudanças e direcionou para o cami-
nho que deveria ser seguido.
158 | Estudos de Compliance Criminal

Para além de reafirmar a constitucionalidade do instituto e a desne-


cessidade da dupla imputação, a Ministra avaliou o modelo brasileiro
como falho, pois a opção pela heterorresponsabilidade teria dado ensejo a
um déficit de aplicação (SARCEDO, 2015, p.153). Isso porque os crimes
ambientais, notadamente os mais gravosos, seriam aqueles que ocorrem
num contexto de criminalidade empresarial corporativa – e, como já
destacado, esse tipo de organização oferece, na prática, uma série de
obstáculos para a repressão da delinquência que se opera em seu ambi-
ente. Na tentativa de sanar esse déficit – e aí vem a grande inovação – a
Ministra afirmou que, no atual estágio de desenvolvimento da criminali-
dade moderna, parece insuficiente para a definição da responsabilidade
da pessoa jurídica realizar uma análise apenas da conduta de seus repre-
sentantes. No presente momento, se impõe como necessário o
desenvolvimento de critérios específicos para a responsabilização da
entidade – e a construção de conceitos de conduta e culpabilidade pró-
prias e ela.
Ademais, Weber também assinalou que conhecer os procedimentos
internos da empresa seria imprescindível para a definição da sua respon-
sabilidade penal – ou seja, indicando, ainda que não tão explicitamente, o
seu alinhamento ao modelo de defeito de organização e indicando a rele-
vância da adesão da pessoa jurídica a programas de compliance para a
caracterização de sua responsabilização criminal.
O voto da Ministra, apesar de enfatizar a necessidade de adoção
imediata de um modelo com moldes de defeito de organização, não defi-
niu com clareza as balizas de tal modelo - e concluiu com a sugestão para
que doutrina e jurisprudência desenvolvam seus critérios e requisitos
(SARCEDO, 2015, p. 154).
Trata-se de desfecho altamente problemático.
Por um lado, parece positivo que a Suprema Corte reconheça que o
modelo brasileiro merece aprimoramentos, diante da afirmação de que a
lei não define critérios satisfatórios de imputação para a entidade – posi-
ção com a qual dificilmente se pode discordar.
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 159

Lado outro, a indicação de que é necessário desde já caminhar na


direção da adoção de um modelo de autorresponsabilidade/defeito de
organização e avaliar a adesão das pessoas jurídicas a programas de
compliance como critério relevante para a definição de sua responsabili-
zação penal chega a ser temerária. Isto porque, lamentavelmente, ela não
vem acompanhada de um complemento mais que necessário: a indicação
de como esse modelo deve se constituir e mesmo a definição das caracte-
rísticas essenciais de um programa de integridade a serem exigidos da
entidade, bem como o apontamento sobre em que medida a adesão da
empresa aos referidos programas poderia impactar no seu sancionamen-
to.
A Ministra Rosa Weber, em seu voto paradigmático, chega a esboçar
alguns critérios de parametrização de um modelo ideal, que foram siste-
matizados por Sarcedo, abaixo em destaque. Mas a impressão que fica –
aqui manifestada muito respeitosamente – é de que não há nada de mui-
to inovador na construção da Ministra. Ao contrário, os critérios
elencados não se afastam muito do tão criticado texto da lei. A saber:

I) É necessário verificar se o ato apontado como delituoso decorreu do pro-


cesso normal de deliberação interna da corporação e se as instâncias
decisórias internas foram observadas; II) constatar se houve ciência da pes-
soa jurídica, por meio de seus órgão internos de deliberação, do fato ilícito
que se estava a cometer, diante do qual houve a aceitação ou mesmo inércia
em não o impedir; III) examinar se a atuação delituosa estava de acordo com
os padrões e objetivos da empresa e visava a atingir seus objetivos sociais,
tendo sido realizado em seu nome; IV) evidenciar que o fato foi cometido no
interesse ou benefício do ente coletivo, possibilidade o afastamento da ilicitu-
de quando foi cometido em benefício exclusivo de terceiro(s); (SARCEDO,
2005, p.155)

Como desfecho deste tópico, parece oportuno retomar a questão


que orientou o presente estudo, a fim de conduzi-lo para seu debate der-
radeiro. A saber:
160 | Estudos de Compliance Criminal

• Em face do texto legal, qual a relevancia da adesão da empresa a um programa


de compliance para a definição da sua responsabilidade penal na esfera ambien-
tal?

Aqui, se tentou evidenciar que a relevância é nenhuma. Mesmo que


a pessoa jurídica tome todas as medidas necessárias para construir um
programa de integridade eficaz e evitar a prática de ilícitos na suas ativi-
dades (algumas já enumeradas no presente estudo), a entidade poderá
ser severamente sancionada na ocasião em que uma infração venha a
ocorrer – basta que haja, nos termos da lei, ato do seu representante
legal, em benefício da entidade.
E não parece difícil imaginar ocasiões em que, apesar da adoção de
providências concretas por parte da entidade – estabelecimento de um
rigoroso código de conduta, realização de investigações internas, audito-
rias, treinamentos periódicos, criação de um canal de denúncias – um de
seus representantes legais possa vir a atuar de maneira a fraudar a con-
formação (omitindo informações das auditorias e do chief compliance
officer e indo na contramão de todas as recomendações preventivas),
praticando um ilícito que beneficie a pessoa jurídica.
E que fique claro: não se está a defender que tal modelo é injusto ou
desarrazoado, por sancionar a pessoa jurídica a despeito das medidas
que ela adota para prevenir a prática de delitos (posição que apoia Sarce-
do, por exemplo).
A afirmação pretendida é mais simples: por mais que haja um dese-
jo (ao menos de parte da doutrina e jurisprudência) de que a entidade
não seja sancionada (ou mesmo, que sofra minoração em sua reprimen-
da) nas ocasiões em que se constatar um genuíno esforço de prevenção
de ilícitos e de aprimoramento organizacional, revelado por meio do
estabelecimento de um programa de integridade - tal desejo esbarra em
um severo obstáculo, que frustra terminantemente sua satisfação. O fato
é que não existe previsão e menos ainda regulamentação sobre como
deve se operar o livramento/minoração da sanção para a pessoa jurídica.
E, por mais que a manifestação da Suprema Corte sobre a questão –
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 161

notadamente, o voto da ministra Rosa Weber – se proponha a represen-


tar uma mudança significativa para a matéria, a solução de defender a
adoção de um modelo de autorresponsabilidade (ou de defeito de organi-
zação) de imediato, sem nenhuma regulamentação sobre o assunto, e
convidar doutrina e jurisprudência a construção de diretrizes concomi-
tantemente à aplicação do próprio modelo, parece mais prejudicial do
que benéfica.
Em suma, a assertiva que fica como conclusão intermediária deste
estudo é que a adoção imediata de um modelo de defeito de organização
se mostra incompatível com os ditames do ordenamento jurídico brasi-
leiro, e por isso a implementação de um novo modelo nestes moldes
precisará vir acompanhada de uma significativa reforma legislativa.
Resta, então, avaliar qual seriam as possibilidades concretas dessa
reforma vir a acontecer.

4. Perspectiva de mudanças no campo legislativa: responsabilidade


penal de pessoas jurídicas no projeto do novo Código Penal
brasileiro.

Efetivamente, a perspectiva mais expressiva de mudança legislativa


que trata da matéria em análise se refere ao anteprojeto de novo Código
Penal, que tramita no Congresso Nacional - Projeto de Lei do Senado nº
236, de 2012, do Senador José Sarney (2012).
Na sistemática planejada, o próprio Código passaria a prever a res-
ponsabilização penal das entidades legais em sua parte geral.
Notadamente:

Responsabilidade penal da pessoa jurídica


Art. 39. As pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas
penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem
econômico-financeira e o meio ambiente, nos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
162 | Estudos de Compliance Criminal

§ 1º A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas


físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é depen-
dente da identificação ou da responsabilização destas.
§ 2º A dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição não exclui a respon-
sabilidade da pessoa física.
§ 3º A responsabilidade penal será exclusiva da pessoa física, se o adminis-
trador ou gestor, por sua conta, extrapolar os poderes que lhe foram
conferidos pela pessoa jurídica. (grifo nosso)

Duas modificações chamam a atenção: a) a ampliação das hipóteses


de responsabilidade penal da pessoa jurídica - para atos praticados con-
tra a administração pública e a ordem econômico-financeira; e b) a
inclusão de um parágrafo afirmando a independência entre a responsabi-
lidade das pessoas físicas e jurídicas, o que parece ser uma tentativa de
solucionar a discussão sobre a necessidade da dupla imputação;
Contudo, a despeito das inovações notadas, no tocante à definição
dos requisitos para a imputação da pessoa jurídica, o legislador pratica-
mente repete a redação do dispositivo em vigor - que é problemático,
como se viu.
Neste sentido, são perceptíveis na doutrina manifestações de que a
sistemática projetada representa pouco avanço no tratamento da ques-
tão.
Em especial, merecem ser destacadas as críticas de Paulo Busato
(2012), que tem artigo dedicado à análise pormenorizada das disposições
do PLS relativamente ao assunto em tela – de leitura altamente reco-
mendável.
Um dos pontos levantados pelo autor no trabalho em comento é es-
pecialmente relevante para a discussão empreendida no presente estudo:
a definição de qual modelo de responsabilização da pessoa jurídica teria
sido adotado no Projeto de Código Penal. São vários os apontamentos
feitos por Busato sobre o assunto, notadamente:

a) No entender do autor, o legislador foi vacilante na elaboração do projeto de lei,


demonstrou insegurança quanto as decisões tomadas, não tendo sido capaz de
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 163

indicar claramente qual teoria teria servido de inspiração para o modelo adota-
do (2012, p. 99);
b) Tal postura teria dado ensejo a uma série de disposições contraditórias (2012,
p.99);
c) Sobre a escolha entre auto e heterorresponsabilidade – entendida por Busato
como a primeira questão a ser definida em qualquer discussão técnica sobre o
tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica (2012, p.101) – concluiu o
autor que a opção do legislador teria ficado obscura. Isto porque a leitura dos
dispositivos projetados, diante do seu conteúdo discrepante, parece conduzir a
conclusões antagônicas – ora pela adoção de um modelo, ora por outro;
d) A grande contradição que se evidencia diz respeito ao conteúdo do caput e do §
1º, do artigo 39. Em síntese, o que faz o texto da lei é: I) apontar, por um lado,
a absoluta independência entre a responsabilidade das pessoas físicas e jurídi-
cas – indicando se filiar a um modelo de autorresponsabilidade, “tendência que
cada vez mais se afirma na doutrina e na própria legislação de outros países
como o adequado” (BUSATO, 2012, p. 113); e II) formatar um modelo no qual a
responsabilização da pessoa jurídica, repetindo os critérios da legislação em vi-
gor, depende da conduta e da decisão do seu representante legal.

A impressão que fica é que o legislador se encontrava na posição de


sedimentar uma solução para o problema em voga, poderia ter se debru-
çado sobre os debates científicos quanto ao assunto, analisar os modelos
de outros países, e mesmo atender aos apelos da Corte Suprema, e ideali-
zar um modelo aprimorado para a responsabilização da pessoa jurídica –
mas optou por reproduzir quase que integralmente a redação do disposi-
tivo que especifica os critérios de imputação atualmente em vigor, e, na
parte em que quis inovar, o fez de maneira pouco satisfatória.

5. Conclusões

De certo que o cenário analisado neste estudo se mostra severamen-


te problemático, mas não parece ser este artigo o espaço para indicar
uma solução definitiva para as questões enumeradas.
A escolha quanto ao caminho a ser seguido no Brasil para a refor-
mulação do nosso modelo de responsabilização penal da pessoa jurídica é
questão seríssima, e uma tomada de posição conclusiva mereceria um
164 | Estudos de Compliance Criminal

aprofundamento nos estudos sobre a questão, para que seja possível


formular uma proposição bem fundamentada.
Mesmo porque se avolumam perspectivas doutrinárias sobre o as-
sunto, o que torna difícil a escolha quanto ao modelo ideal. E mais: a
própria ideia de melhor modelo depende também do objetivo pretendido
com a reforma que venha a se realizar – se é a maximização da punição e
da vigilância, se é a maximização da segurança jurídica e da limitação à
intervenção na liberdade.
Contudo, a título argumentativo, o desfecho deste estudo deve con-
duzir a uma afirmação: se a decisão político-criminal brasileira for pela
adoção de um modelo de autorresponsabilidade, nos moldes do dito de-
feito de organização, o implemento de uma profunda reforma legislativa
será indispensável. Isto porque a lei precisará prever com clareza – o que
é o defeito de organização e quais serão os parâmetros mínimos dos pro-
gramas de compliance necessários ao afastamento da responsabilização
da pessoa jurídica.
E, neste sentido, a experiencia de outros países pode servir de refe-
rência, em especial a italiana, que, como esclarece Sarcedo, possui
decreto que regulamenta a matéria – Decreto-Legislativo n.231/2001,
prevendo os “parâmetros mínimos exigidos das pessoas jurídicas em
relação aos seus modelos corporativos de gestão e organização”
(SARCEDO, 2015, p. 239).
Como síntese final vale a apresentação de alguns apontamentos
conclusivos:

a) O modelo de responsabilização penal da pessoa jurídica atualmente em vigor


no Brasil é de heterorresponsabilidade – pois dependente da avaliação da con-
duta da pessoa física (representante legal, contratual ou órgão deliberativo) da
entidade;
b) Tal formatação torna irrelevante a adesão da pessoa jurídica a um programa de
compliance para a definição de sua responsabilidade penal. Em outras palavras:
ainda que seja estruturado um programa de integridade, por mais aperfeiçoado
que possa ser, se os representantes legais da entidade decidem por burlá-lo, e
Rafael Barros Bernardes da Silveira | 165

praticam infração em favor da pessoa jurídica, tanto os indivíduos quanto a en-


tidade merecerão sanção penal;
c) São os requisitos estabelecidos em lei que associam o modelo brasileiro ao pa-
radigma da heterorresponsabilidade – e, pelo mesmo motivo, inviabilizam a
adoção imediata de um modelo de autorresponsabilidade/defeito de organiza-
ção;
d) O modelo brasileiro precisa de aprimoramentos, mas a mudança precisará vir
pela via legislativa. Não há sentido em defender acadêmica ou jurisprudenci-
almente a aplicação imediata dos postulados do sistema de defeito de
organização se o texto legal se mostra incompatível com tal paradigma;
e) As perspectivas concretas de reforma não são nada otimistas. O Anteprojeto do
Código Penal em trâmite no Congresso Nacional praticamente repete a forma-
tação da sistemática atual, com os problemas que a acompanham;
f) Felizmente, o fato da temática do compliance estar em evidência faz com que
venham a surgir muitos estudos sobre o assunto – com a proposição de novos
modelos teóricos de responsabilização penal da pessoa jurídica em consonância
com o instituto, bem como a análise de modelos concretos adotados por outros
países.
g) Se o cenário legislativo não se mostra promissor, o panorama para a academia
é justamente o oposto. A relevância do tema, a abundância de discussões e o in-
teresse pela questão tornam o debate atraente para o pesquisador, e urgente
para a sociedade. São as reflexões de hoje que conduzirão os rumos da política
criminal nos anos vindouros no tocante a matéria. Evidentemente, abrem-se
muitas possibilidades.
h) Por isso, vale o apelo, para servir como fio-condutor às proposições que vierem
a surgir: qualquer modelo que seja idealizado deverá necessariamente levar em
conta a noção de que o direito penal é a extrema ratio, em respeito à perspecti-
va da limitação da intervenção punitiva arbitrária e da garantia da segurança
jurídica, essenciais a um modelo democrático de direito penal.

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ce como eixo de discussão de uma culpabilidade de pessoas jurídicas. In:
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166 | Estudos de Compliance Criminal

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2012.

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SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de (coord.). Comentá-


rios à Lei de Crimes Ambientais – Lei n° 9605/1998 – São Paulo: Quartier Latin,
2009.

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SARNEY, José. Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. Institui novo Código Penal.
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Rafael Barros Bernardes da Silveira | 167

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TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en derecho


comparado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, a. 3, n. 11, p.21-
35, jul./set. 1995.
7

Canais institucionais de denúncia

Paola Alcântara Lima Dumont 1

1. Introdução

O presente artigo pretende refletir de maneira ampla sobre os as-


pectos objetivos e subjetivos dos canais institucionais de denúncia, por
meio perspectiva de compliance criminal, em especial no que diz respeito
questões afetas origem e ao anonimato da informação. O presente traba-
lho não pretende esgotar todos os pontos relacionados ao tema, apenas
fixar os principais do assunto.
O objetivo é apresentar como o canal institucional denúncia funcio-
na, os seus benefícios legislativos e práticos, bem como os pontos
principais da operacionalização em companhias, bem como utilizá-lo de
maneira não transgredir direitos e garantias individuais.
A importância do trabalho se dá em razão do aumento de estudos
sobre compliance, em especial na área criminal, que ainda são incipientes
e por surgir diversos questionamentos sobre implementação de progra-
mas de integridade e a necessidade de compatibilizar direitos e garantias
individuais como ampla defesa e contraditório, com anonimato da ori-
gem da denúncia e possível investigação interna.

1
Advogada Criminalista. Pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela PUC Minas (2019). Especialista em
Ciências Criminais pela ESA- Escola Superior de Advocacia OAB/MG em parceria com Dom Helder Câmara (2017)
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2016) Vice-Presidente da Comissão de
Advocacia Criminal da OAB/MG. Coordenadora da coluna Vozes-Mulheres no site da Editora Empório do Direito.
Paola Alcântara Lima Dumont | 169

2. O que é compliance?

Que o compliance tomou grande espaço no mundo jurídico, é um fa-


to inegável. Desde o final do século passado, o programa de integridade
passou ser considerando como grande instrumento de contenção e pre-
venção de crises. Todavia, em matéria criminal, considerando grandes
operações policiais e MPF, alterações legislativas e repercussão midiática,
qualquer empresa que almeje operar no mercado, sendo reconhecida
como integra, confiável e com credibilidade deverá observar todos os
princípios norteadores do programa para ser considerado eficiente.
Mas o que significa ter um programa de compliance? Já adianto que
devemos pensar para além da tradução de “estar em conformidade com
algo”. O compliance é um programa que envolve conjunto de medidas
adotadas por uma sociedade empresarial com o fim de se ajustar às pres-
crições éticas e legais, evitando riscos reputacionais, trabalhistas,
financeiros e jurídicos decorrentes da atividade empresarial.
No Brasil, em que pese ser possível observar posicionamento do te-
ma na Lei de Lavagem de Capitais Lei 9.613/98, após publicação da Lei
Anticorrupção, Lei 12.846/13, os programas de compliance tomou tama-
nha repercussão e disseminação sobre o tema, em especial, em face das
investigações de corrupção e afins.
E aqui já digo que existem alguns benefícios referente um programa
eficiente, pois no caso de desdobramento de repercussão criminal um dos
pontos a ser avaliados é se o programa atende os efetivos fins a que se
propõe, é possível haver atenuação (como previsto na Lei Anticorrupção
brasileira) ou exclusão (conforme disposições do FCPA, dos EUA) da
responsabilidade da sociedade. Nos termos do Decreto 8.420/2015, o
percentual de redução da multa nos casos de responsabilidade adminis-
trativa por atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção pode variar entre
1% e 4%:
170 | Estudos de Compliance Criminal

Art. 23. Com a assinatura do acordo de leniência, a multa aplicável será re-
duzida conforme a fração nele pactuada, observado o limite previsto no § 2º
do art. 16 da Lei nº 12.846, de 2013 .

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá ce-
lebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática
dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investiga-
ções e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções


previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3
(dois terços) o valor da multa aplicável.

3. Pilares do programa de integridade

Sendo assim, quais os elementos mínimos necessários para o cor-


reto funcionamento do programa e que o tornam apto a prevenir a
ocorrência de ilícitos e de sanções, em outras palavras: quais são os pila-
res do programa de compliance? Os pilares são procedimentos
organizados, compostos por diversos documentos, ações e ideias que
permitem a elaboração de programa e que garantem confiabilidade do
projeto.
Importante dizer: Antes de entrar especificamente nos pilares, em
especial análise de risco do negócio, é necessário entender funcionamen-
to da empresa, sua estruturação, padrão de recursos humanos,
reputação, negócio e imagem, procedimentos jurídicos anteriores como
bem dispõe Alana Luz:

Neste sentido, faz-se imprescindível o diagnóstico completo da realidade da


sociedade, com o intuito de buscar as informações referentes à forma socie-
tária e estruturação administrativa, a composição do quadro diretivo e da
hierarquia existente, bem com os critérios para a tomada de decisão. Além
disso, é importante investigar a quantidade funcionários e o padrão de recur-
sos humanos seguidos pela sociedade empresária, sobretudo em termos de
progressão de carreira, com o objetivo de verificar qual a mensagem e os in-
centivos que são passados àqueles que atuam em nome daquela.(LUZ, 2019)
Paola Alcântara Lima Dumont | 171

De maneira sucinta, o primeiro pilar do programa é o comprome-


timento da alta administração. É necessária demonstração que todos e
em especial, alta administração estão de acordo com o programa de com-
pliance e que todos estão comprometidos com normas éticas e valores da
empresa. Aqui, é importante que além da imagem, da replicação de
ações, alta administração se comprometa seguir orientações, bem como
não meça esforços pessoais, gerenciais e financeiros para sua implemen-
tação.
Em segundo momento, é necessário realizar avaliação de risco. O
que é conhecido como risco nada mais é do que os impactos negativos
que podem afetar o negócio empresarial como o todo. É imprescindível
que se tenha catalogação de dados, em especial das áreas de marketing,
jurídico, recursos humanos, comercial, sempre avaliando o histórico,
fatos e ações que envolvem e impactam: negócio x imagem x reputação.
É importante dizer que existem metodologias para tal avaliação. Ve-
jam como interessante o método apresentado pela LEC: Analisar o
Impacto, que pode ser gradual de insignificante ao extremo, bem como a
Probabilidade de ocorrência, que vai de mínima até certeza de ocorrên-
cia, e a partir daí analisasse os riscos com maior ou menor intensidade.
Também é necessário que seja elaborado código de conduta, políti-
cas ou diretrizes internas. Aqui geralmente o questionamento se dá no
que deve ser abordado pelo código. As orientações são de que após anali-
sar os maiores riscos para empresa e quais são as ações para afastar
ocorrência. Geralmente, os temas mais abordados são de anticorrupção,
lavagem, cortesia, conflito de interesses, interação com setor público, em
razão da própria regulação brasileira.
Adiante, é necessário que os controles internos da empresa também
sejam criados, eles serão considerados como regras e procedimentos,
traçados nos riscos e com base na elaboração de plano de ação com me-
todologia para trazer confiabilidade e lisura nas ações e informações da
companhia.
172 | Estudos de Compliance Criminal

Posteriormente, deverá ser realizado o treinamento, comunicação e


aferição das regras de compliance, isto porque é necessário que todos
tenham conhecimento e estejam cientes das normas, bem como seja
replicado, executado, efetuado o reforço contínuo, e educação continua-
da, seja para colaboradores internos ou externo, para terceiros,
fornecedores e prestadores de serviços.
Ademais, não menos importante um dos pilares para manter um
programa integro, é necessário o estabelecimento de um canal de denún-
cia. Neste momento entraremos no objeto do presente trabalho.

4. Canal institucional de denúncia

O que é um canal de denúncia? São canais de comunicação, dispo-


níveis ao público interno, terceiro ou externo (stakeholders), para a
denúncia de irregularidades ou crimes em momentos passados ou pre-
sentes relacionadas à sociedade empresária, seus funcionários, diretores
ou outros que tenham relação direta com empresa e podem impactar o
negócio como todo no caso de exposição de risco.
Devem ser acessíveis pelos mais variados meios os mais clássicos
como e-mail, telefone, fax até os considerados mais modernos, como
aplicativos, canais terceirizados, mas todos com intuito de garantir a
confidencialidade das denúncias e permitir a comunicação de quaisquer
fatos e/ou pessoas relacionadas à empresa ou seus diretores sejam possí-
veis de investigação e punição, se necessário.
O mecanismo de registro deve permitir o envio de documentos, fo-
tos, vídeos e outras evidências relacionadas aos fatos denunciados.
Quando empresa assume programa de integridade ela também as-
sume papel proativo na observância nas leis e regulamentos, e demais
valores relacionados a sua atividade.
Merecem destaque, outrossim, as previsões relacionadas aos canais
de denúncia facultativos para microempresas e EPP, obrigatório para
Paola Alcântara Lima Dumont | 173

empresas com capital aberto e para empresas com capital aberto que
atuam no EUA ou RU, também é obrigatório vejamos:

No que se refere aos canais de denúncia, além de prever um completo siste-


ma de proteção, a Sarbanes-Oxley exigia das sociedades listadas em bolsas do
EUA, a suas subsidiárias e também- e o que é mais importante- às sociedades
estrangeiras que ofereçam valores imobiliários em algum dos mercados de
valores do EUA que estabelecessem em seu Comitê de Auditória procedimen-
tos (i) para a recepção, custódia e tratamento de queixas recebidas pelos
auditores em relação a contabilidade, controles contábeis internos ou ques-
tões de auditória; e (ii) para as denúncias confidencias e anônimas que os
empregados possam apresentar em relação a práticas contábeis ou de audi-
torias questionáveis (seção 301-4). Na prática, estas mudanças na lei
provocaram uma rápida expansão nos canais de denúncia: a maioria das
grandes empresas, ao oferecer valores e ações no mercado de valores do
EUA, deveria estruturar e implementar canal de denúncias para cumprir
disposições de lei. (Moreno, 2019.p.264)

Existem diversos benefícios com implementação do canal de denún-


cia, tais como promoção de um ambiente de trabalho ético e responsável.
Aqui é necessário ter cuidado, pois em que pese necessidade de se ter o
incentivo, a empresa não pode criar ambiente policialesco, fazendo com
que os colaboradores vigiem uns aos outros.
Ademais, também transmite credibilidade e confiança a todos os
públicos que possuem interesse com empresa, tais como colaboradores,
acionistas, fornecedores, clientes e consumidores e a comunidade e soci-
edade em geral.
Contribui ainda como uma peça importante da engrenagem de ges-
tão de riscos, pois através das informações que são recebidas
retroalimentam, ao indicar os desvios, irregularidades ou crime, por
meio de procedimento de avaliação de risco e orienta as ações de melho-
ria contínua. Neste sentido, informa Beatriz Garcia Moreno:

Um canal de denúncia, no marco de um programa de compliance solido, po-


de ser um instrumento tremendamente valioso, pois coloca à disposição da
companhia uma fonte de informação de primeira mão, que pode ser verda-
174 | Estudos de Compliance Criminal

deiramente útil a efeitos de elidir uma possível responsabilidade penal. De


um lado, será uma ferramenta a mais para o exercício do devido controle e,
dará ademais, as chaves para melhorar ou reconfigurar outras. O canal pro-
porcionará as evidências mais claras de efetividade (ou a falta de) do
programa, pois se funciona adequadamente, registrará os descumprimentos
e facilitará a adoção de medidas disciplinares. A informação obtida através do
canal será, por isto um elemento chave nas avaliações e estruturas periódicas
às quais devem submeter um programa de compliance, pois permitirá com-
provar se análise de risco se realizou adequadamente e se as estratégias e
protocolos estão segundo o previsto. (Moreno, 2019.p.260)

Importante mencionar que em linhas gerais os canais de denúncia


excessivamente complicados, inacessíveis e difíceis de modo geral, que
restringem o objeto ou os sujeitos da investigação, que dispõe de muitas
informações e que não garantem a confidencialidade tendem a ser inó-
cuos, pois desincentivam o compartilhamento de informações, seja pelo
procedimento de acesso, pela falta de descrição ou represálias.
Seu papel não se esgota apenas na prevenção de infrações, mas sim
no sentindo de que elas devem ser detectadas, investigadas e sanciona-
das.
É imprescindível que as denúncias recebidas sejam levadas em con-
sideração, é importante que se crie métodos e com eles o
desenvolvimento de investigações internas, em especial aqueles em que
se trate de fatos rotineiros práticas criminosas. A investigação é reco-
mendável, ainda, nos casos em que auxilie na correção de algum defeito
do programa e naquelas hipóteses prévias à aplicação de sanções.
Vale dizer que a falta de atividade ou o mal-uso do canal de denún-
cia da companhia será reflexo da escassa vigência do programa de
compliance mal desenhado ou que cumpre apenas o papel cosmético,
como dispõe Beatriz Garcia Moreno (Moreno, 2019. p. 259).
É importante também mencionar que após o desenvolvimento da
investigação interna, se houver apuração de prática criminosa, é necessá-
rio que exista comunicação para instauração de investigação externa, por
órgãos oficiais, o procedimento interno tem o seu valor, notadamente
Paola Alcântara Lima Dumont | 175

pela facilidade de acesso às provas e demais elementos de informação e


imediaticidade do procedimento. Este procedimento, de modo geral, tem
que seguir os mesmos padrões do procedimento criminal, sempre aten-
tando para que sejam respeitados os direitos e garantias fundamentais 2,
devem ser observados, por exemplo realização de toda documentação
por escrito, possibilidade de questionamento, possibilidade de produção
elementos defensivos, oitiva de testemunhas dentre outros.
Na prática, para desenhar um canal de denúncias efetivo, muitas
variáveis são devem ser consideradas, sejam objetivos ou subjetivos.
Como já adiantado, deve-se avaliar o ramo da atividade, perfil, o grau de
comprometimento com programa, mas, sobretudo, deve ser demonstra-
do a confiança no sistema, por meio de seriedade e rigor, não só do canal,
mas do programa como um todo.
Do ponto de vista de características subjetivas, o canal para funcio-
nar, tem que identificar fontes potenciais de informação (sujeitos ou
grupos). Mais relevantes são: funcionários, que trabalham dia a dia com
demais funcionários e colaboradores, gestores que conhecem os proce-
dimentos e conseguem avaliar os riscos. Gerentes e administradores,
pois tem conhecimento de gestão do negócio e atuações importantes.
Fornecedores, parceiros e clientes, passam por procedimentos que po-
dem afetar empresa e os stakeholders, possuem interesse na atividade da
empresa.
É importante mencionar que todos que se envolvam com empresa,
tem legitimidade passiva para ser alvo do canal, até mesmo em razão da
atividade que exercem na companhia e a repercussão de seus atos.
E para quem é destinado informações disponibilizadas? A resposta
aqui se baseia na capacidade da empresa em que criar ambiente agradá-
vel e confiável, que passa também pela alocação de setor, financeiro e
pessoas que demonstrem capacidade e integridade para lidar com comu-
nicações, é necessário que seja criado ambiente neste sentindo.

2
a exemplo da intimidade, do contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência
176 | Estudos de Compliance Criminal

Assim, a área responsável pelo canal de denúncias deve, obrigatori-


amente, prestar contas periodicamente de suas atividades e dos
resultados diretamente a ele, pois por meio de tais atividades demonstra
não só para os gestores, mas os demais envolvidos (clientes, colaborado-
res e etc.) que os assuntos trazidos são tratados com preocupação e
responsabilidade, no sentindo de evitar danos maiores e ou futuros.
Conforme já dito anteriormente, é necessário ter cuidado com in-
centivo, para não criar estado policial e ambiente hostil entre os
funcionários, o que vai em desconformidade com os valores do próprio
programa. Não distribuir obrigação de comunicar para todos, todo mo-
mento e por qualquer ação, apenas para especialidades especificas de
desvios, irregularidades e práticas de crimes, sugestões, elogios ou até
insatisfações trabalhistas devem ser tratadas por outras áreas. O reco-
mendável é: na dúvida, informe, mas com total responsabilidade.
Transmite imagem de confiabilidade e integridade a todos os envolvidos.
É importante ter muita cautela no tratamento dado a denúncias de
assédio, agressão e discriminação. Em geral, estes são temas bastante
sensíveis para as empresas que, em sua maioria, prezam pelo respeito
como um de seus valores organizacionais. Por outro lado, são discussões
que, se não forem direcionadas via canal de denúncias e tratadas por um
processo estruturado de apuração, deixam de chegar ao conhecimento da
gestão, ou quando chegam, tendem a ser abafadas ou simplesmente tra-
tadas de modo a agravar o problema ao invés de resolvê-lo. Sendo assim,
justificasse sua prioridade no trato.
Vale dizer ainda que a iniciativa de implementar o canal denúncia
corresponde empresa, mas não necessariamente quer dizer que o canal
deva ser gerido e administrado por ela. Existem vantagens na aplicação
de modelo de gestão terceirizado.
Isto porque, a depender do aspecto reputacional da empresa, optar
em ter pessoas independentes e imparciais no recebimento de denúncia,
custódia dos documentos e realização de investigação interna transmite
credibilidades, pois terceiros que não tem interesse na situação apresen-
Paola Alcântara Lima Dumont | 177

tada, que não sejam influenciados por trabalhadores e até setores,


transmite que todas comunicações são levadas a sério.
Ademais, a vantagem também diz respeito à proteção das informa-
ções e de quem realiza denúncia, os fatos, resultados e pessoas
envolvidas merecem responsabilidade com sigilo, bem como protege na
exposição midiática ou judicial.
Por fim, cabe ressaltar que demonstra cuidado com efeitos da res-
ponsabilização criminal, no sentindo de demonstrar criação de meios
para cuidados e ações, e a posição de garante.
No que diz respeito às características objetivas é importante abordar
incialmente que as comunicações recebidas devem ter conteúdo acusató-
rio, indicar infração, desvio ético ou prática criminosa, e o que mais for
necessário para empresa, de acordo com sua política.
Ademais, a delimitação do âmbito material das comunicações deve
ter em voga a gravidade da conduta, deve ser filtrado pelo setor ou pes-
soa destacada para lidar que existem classificação das informações e
prioridade de tratamento. As ações indicadas que atingem diretamente
empresa, bem como prática criminosa devem ser tratadas como priori-
dade.
É importante mencionar novamente que para canal eficiente tem
que existir uma divisão, é necessário diferenciar de canais de sugestão,
reclamações ou elogios do canal de denúncias, isto porque os temas são
diferentes e assim precisam ser considerados.
Noutro giro, tema que causa grande discussão sobre os canais insti-
tucionais de denúncia giram em torno de denúncias falsas de má-fé ou
até mesmo sobre confidenciabilidade e anonimato.
Isto porque, após definido o âmbito material do canal, é necessário
traçar o limite ao conteúdo e ao nível de certeza da informação reporta-
da. Pois uma posição permissiva permitirá que denúncias baseadas em
meros rumores, poderá caminhar e abrir espaço para denúncias de má-
fé, enquanto uma postura incisiva e exigente fará com que denúncias
sejam escassas e podem não atingir todos os âmbitos da companhia.
178 | Estudos de Compliance Criminal

Logo, o que parece ser mais razoável é que nenhuma denúncia co-
messe ser tratada como verdade absoluta, mas que a empresa divulgue
os canais, os conteúdos principais para comunicações, mas que também
tenha previsões de responsabilização administrativas e até criminais para
o mau uso do meio através de denúncias de má-fé, devidamente compro-
vadas.
Por fim, vale dizer sobre o tratamento das informações, pois não se
limita apenas tratar comunicação em específico, para garantir a eficiência
e transparência do canal, outros reportes complementares são importan-
tes. Estes, não precisam necessariamente conter os detalhes dos casos,
mas, sim, disponibilizar aos denunciantes a possibilidade de tomar co-
nhecimento de um encaminhamento da denúncia feita, isto transmite
segurança e credibilidade.
Ademais a comprovação e registro, todo o material e experiência ti-
rados de cada caso devem constituir fonte para retroalimentar toda a
estrutura do canal de denúncias. Um caso específico pode, por exemplo,
demonstrar que o código de conduta é vago ou ausente em determinado
tema, ou ainda que não havia política para outro caso. Muitas vezes pode
ficar claro que treinamentos complementares serão necessários.

5. Conclusão

Diante de todo o aqui exposto, o presente trabalho tentou abordar


os aspectos gerais de um programa de integridade eficaz, perpassando
pelos pilares básicos, em especial, o pilar que diz respeito aos canais ins-
titucionais de denúncia.
No que tange os canais institucionais de denúncia, abordamos o que
é o canal institucional, como os eles funcionam, os aspectos objetivos e
subjetivos do mesmo. Abordamos também os pontos referente a má-fé
em relação ao uso do canal.
Concluímos que o canal institucional de denúncia é um excelente
meio para obtenção de desvios e irregularidades observados por terceiros
Paola Alcântara Lima Dumont | 179

e uma forma de apuração e aperfeiçoamento do programa de complian-


ce.
Contudo, é necessário que empresa tenha em mente que é possível
fazer o mau uso do canal e a necessidade de responsabilização adminis-
trativa pelo ato, bem como necessidade de respeitar e garantir que
durante investigações internas sejam assegurados os direitos e garantias
fundamentais dos envolvidos.

6. Referências.

BENEDETTI, Carla Rahal. Criminal compliance: instrumento de prevenção criminal


corporativa e transferência de responsabilidade penal. São Paulo: Quartier Latin,
2014.

LEC. Legal Ethics Compliance. Os pilares de programa de compliance. Disponível em:


<http://conteudo.lecnews.com/ebook-pilares-do-programa-de-compliance>. Aces-
so em 05 dez 2019.

LUZ, Ilana Martins. Compliance e omissão imprópria. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.

LUZ, Ilana Martins. Esboço de uma teoria geral dos elementos de um programa de com-
pliance eficaz. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2018-mar-16/ilana-
martins-esboco-elementos-compliance-eficaz>. Acesso em 02 dez 2019.

SAAD-DINIZ, Eduardo. GOMES, Rafael Mendes. Manual de cumprimento normativo e


responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch,
2019.

SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção


de um novo modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. São Paulo:
LiberArs, 2016.

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge e SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei
anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015.
8

Considerações sobre o anonimato e


sigilo de whistleblowers no Brasil

Felipe Machado Prates 1

1. introdução

No contexto das novas formas de divisão do trabalho e controle do


capital impulsionado pelos avanços tecnológicos e pela globalização,
principalmente no seio das grandes corporações, o compliance vem ocu-
pando, cada vez mais, foco de discussão e desenvolvimento. Embora essa
tendência se apresente já há algumas décadas, diversos assuntos ainda
estão sendo debatidos e regulamentados nos dias atuais, inclusive quanto
às suas implicações na seara criminal.
Como destaca Heloisa Estellita 2, a organização empresarial moder-
na é marcada por características como delegação e fragmentação de
tarefas entre diversas pessoas, o que faz com que resultados delitivos
sejam frequentemente reconduzíveis a um aglomerado de condutas que,
isoladamente, não denotam práticas criminosas. Aliando-se tais aspectos
ao fato de que os crimes empresariais atingem, predominantemente,
bens jurídicos difusos ou supraindividuais, os membros de uma organi-

1
Advogado criminalista. Doutorando e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da UFMG.
2
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão: estudo sobre a responsabili-
dade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de cumprimento por
crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017, p. 71-72.
Felipe Machado Prates | 181

zação empresarial acabam sendo as pessoas que possuem a melhor capa-


cidade de identificação de práticas ilícitas no seu seio 3.
O informante, ou whistleblower, é um dos temas cuja normatização
vem sendo promovida atualmente no Brasil, tal como feito na Lei nº
13.964/19, o chamado “Pacote Anticrime”. No âmbito do compliance,
conceitua-se o informante como sendo uma pessoa que revela informa-
ção sobre práticas ilícitas ou antiéticas de uma organização ou de sujeitos
que a compõe. A figura do informante encontra-se aliada à noção de que,
amiúde, o conhecimento dos fatos negativos relatados a terceiros decorre
da condição possuída pelo informante de membro daquela própria orga-
nização 4.
Embora alguns autores tratem o termo informante como gênero
bastante amplo 5, o informante propriamente dito, ou whistleblower, se
distingue daquele sujeito que se vale de delação premiada, na medida em
que o informante não possui envolvimento com os ilícitos narrados e
tampouco ocupa papel de suspeito ou acusado, sendo processualmente
desinteressado 6. Além disso, aduz-se também não serem classificados
como informantes as pessoas que possuem obrigação legal de identificar
e reportar ilícitos, tal como o compliance chief officer.
A figura do informante tem sido relevante ferramenta em progra-
mas de compliance, havendo estudos indicativos de que denúncias feitas
por membros de dentro da organização empresarial constituem o maior
fator de identificação de fraudes 7. A constatação da importância do in-

3
LUZ, Ilana Martins. Teoria geral dos elementos de um programa de compliance eficaz. In: COMPLIANCE e temas
relevantes de direito e processo penal: estudos em homenagem ao advogado e professor Felipe Caldeira. Organiza-
ção de Bruno Espiñeira LEMOS et al. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018, p. 477-478.
4
Cf. MORENO, Beatriz García. Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto (org.).
Manual de Cumprimento Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo: Tirant Lo
Blanch, 2019, p. 259; RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistleblowing: una aproximación desde del derecho penal.
Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 19.
5
Nesse sentido, ARAS, Vladimir. Whistleblowers, informantes e delatores anônimos. In A Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal: Temas Relevantes. Vilvana D. Zanellato (org.). Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p.
362.
6
TAMBORLIN, Fábio Augusto. Pacote anticrime e Whistleblower: um ponto dentro da curva. In Boletim IBCCRIM,
Ano 27, nº 323. Out/19, p. 21.
7
Cf. SPINELLI, Mário Vinícius Classen. Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto
(org.). Manual de Cumprimento Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo:
182 | Estudos de Compliance Criminal

formante tem suscitado, assim, a busca pelo aprimoramento de práticas


aptas a incentivar o reporte de fatos ilícitos, tais como a criação e divul-
gação de canais internos de denúncia (hotlines), concessão de
recompensas financeiras e adoção de medidas que protejam o informan-
te contra retaliações dentro e fora do ambiente de trabalho.
Se o desenvolvimento de diretrizes e normas relacionadas ao infor-
mante se faz importante, notadamente aquelas voltadas para a sua
proteção, por outro lado há que se lembrar da imperiosa necessidade de
assegurar sua compatibilidade com as garantias conferidas aos acusados
no bojo de investigações e processos penais. Isso porque o surgimento de
leis e projetos de lei sobre a temática, como se demonstrará adiante, tem
colocado em evidência a tensão entre efetividade de programas de com-
pliance e direitos do acusado, principalmente no que se refere à proteção
da identidade do informante.

2. Medidas de proteção ao informante

O estudo de leis estrangeiras e diretrizes internacionais sobre prote-


ção de informantes revela uma ampla gama de medidas à disposição do
legislador e de empresas e que podem ser destinadas a esse fim. Muitas
dessas formas de proteção possuem natureza laboral, impedindo que o
informante receba retaliações que o discriminem ou prejudiquem de
alguma forma no trabalho, mediante atos como demissão, imposição de
transferência de localidade, rebaixamento de cargo, redução na remune-
ração, exclusão de treinamentos etc. Sob o ponto de vista processual,
ainda, advoga-se uma inversão do ônus probatório, pelo que caberia ao
empregador que tiver sido denunciado demonstrar que atos tomados
contra um empregado informante não possuem natureza retaliatória.

Tirant Lo Blanch, 2019, p. 291; LUZ, Ilana Martins. Teoria geral dos elementos de um programa de compliance
eficaz. In: COMPLIANCE e temas relevantes de direito e processo penal: estudos em homenagem ao advogado e
professor Felipe Caldeira. Organização de Bruno Espiñeira LEMOS et al. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018.
Felipe Machado Prates | 183

Outras medidas identificáveis no direito comparado são a existência


de normas protegendo os informantes contra acusações de violação à
honra dos denunciados e contra atos de lawfare, criminalização da práti-
ca de retaliações a informantes, facilitação para que os informantes
denunciem atos de retaliação e até mesmo acesso mais amplo dos infor-
mantes à órgãos do poder judiciário. Medidas destinadas a garantir o
anonimato ou sigilo da identidade do informante, por sua vez, também
se fazem fortemente presentes no tratamento do assunto.
Dentre as principais referências em matéria de proteção ao infor-
mante, pode-se citar o Public Interest Disclosure Act, do Reino Unido 8, a
Lei Sarbanes-Oxley, dos Estados Unidos 9, bem como documentos como o
Guiding Principles for Whistleblower Protection Legislation, da OCDE 10, e
o Recommended draft principles for whistleblowing legislation, da
Transparência Internacional 11.
Embora o Brasil tenha se tornado há quase duas décadas signatário
da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e da Convenção da
Organização dos Estados Americanos contra a Corrupção, que fomentam
a incorporação de políticas de incentivo e proteção ao informante no
ordenamento jurídico, o tratamento legal do tema era, até recentemente,
bastante escasso. Uma das poucas referências legais sobre o assunto, por
exemplo, era o Decreto Federal nº 8.420, que em seu art. 42, X, regula-
menta parâmetros sancionatórios da Lei nº 12.846/13, dispondo como
um dos critérios para aferição de programas de integridade a existência
de “canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divul-
gados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção
de denunciantes de boa-fé”.

8
Disponível na internet em <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1998/23/contents>. Acesso em 01.12.2019.
9
Disponível na internet em <https://www.govinfo.gov/content/pkg/PLAW-107publ204/pdf/PLAW-
107publ204.pdf>. Acesso em 01.12.2019.
10
Disponível na internet em <https://www.oecd.org/g20/topics/anti-corruption/48972967.pdf>. Acesso em
30.11.2019.
11
Disponível na internet em <https://www.transparency.org/files/content/activity/2009_PrinciplesForWhistleblo
wingLegislation_EN.pdf>. Acesso em 30.11.2019.
184 | Estudos de Compliance Criminal

Diante da parca legislação sobre o tratamento de informantes no


Brasil, empresas nacionais sempre se voltaram para práticas e diretrizes
estrangeiras ao estruturarem os canais de denúncia em seus programas
de compliance. Dentre os tópicos que a própria empresa goza de ampla
liberdade de regulamentação tem-se, por exemplo, a escolha dos canais
para oferecimento de denúncias, os assuntos passíveis de denúncia, as
pessoas que podem utilizar o canal, eventuais exigências de identificação
do informante, as pessoas com acesso às informações recebidas, o enca-
minhamento das denúncias às autoridades públicas, as iniciativas que
serão tomadas pela empresa diante das denúncias etc.
Especificamente no que tange a identidade do informante, depara-
se a empresa, a princípio, com três possibilidades: (i) admitir que o in-
formante apresente denúncias de forma anônima; (ii) exigir a
identificação do informante, assegurando o sigilo de sua identidade e (iii)
exigir a identificação do informante para o recebimento de denúncias e
não conceder proteção à sua identidade.
Sobre os caminhos que podem ser seguidos na estruturação de um
canal de denúncias, Beatriz García Moreno 12 explica que

optar por um sistema de denúncias anônimas oferece maiores garantias ao


denunciante, o que favorece a efetividade do canal. Os empregados se mos-
trarão menos reticentes a utilizar a hotline se para isto não têm que
proporcionar seus dados, pois só desta maneira se assegura autêntica prote-
ção frente a represálias ou outro tipo de consequência derivadas de sua
denúncia. Mas o anonimato apresenta também alguns problemas. A facilida-
de para realizar as denúncias poderia fomentar denúncias por vingança ou
com ânimo de prejudicar a um companheiro ou a um superior, com a conse-
guinte dificuldade para empreender ações contra o denunciante de má-fé,
cuja identidade se desconhece. Por tudo isto, a configuração preferida, tanto
pela doutrina como pelas autoridades de proteção de dados, é a da confiden-
cialidade. E também por este modelo optaram a maioria das companhias.

12
MORENO, Beatriz García. Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto (org.).
Manual de Cumprimento Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo: Tirant Lo
Blanch, 2019, p. 278.
Felipe Machado Prates | 185

A enorme maioria dos programas de integridade se divide entre as


duas primeiras opções, que fornecem ao informante uma confidenciali-
dade tida por diversos autores e organismos internacionais como
proteção indispensável para a efetividade de um canal de denúncia.
Recentemente, tratando sobre obrigações de empresas de transpor-
tes terrestres, a Lei nº 13.608/18 inseriu a responsabilidade dessas
empresas de manter “Disque-Denúncia” com garantias de anonimato e
sigilo ao informante. De forma recôndita, assim, o legislador deu um
primeiro passo no tratamento do tema, antecipando os rumos que vie-
ram a ser tomados de forma mais ampla com a Lei nº 13.964/19 13, o
Pacote Anticrime.

3. Tratamento do informante na Lei nº 13.608/18: panorama


anterior às alterações da Lei nº 13.964/19

Em janeiro de 2018 entrou em vigor a Lei nº 13.608/18, que de ma-


neira bastante breve criou a obrigação de divulgação de “Disque-
Denúncia” por empresas de transportes terrestres (art. 1º, I) e dispôs
sobre a concessão de garantia de anonimato (art. 1º, II), asseguramento
de sigilo dos dados para as pessoas que se identificarem (art. 3º) e o
oferecimento de recompensas pelo oferecimento de informações “úteis
para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos admi-
nistrativos” (art. 4º).
O diploma legal em epígrafe alinhou-se à mencionada tendência de
abertura do ordenamento brasileiro aos whistleblowers anônimos e sigi-
losos e de proteção desses predicados ao longo da investigação e do
processo.

13
Por meio desta lei, passaram a viger no ordenamento algumas disposições mais específicas sobre a proteção de
informantes, v.g. “será assegurada ao informante proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao
exercício do direito de relatar, tais como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições,
imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos
ou indiretos, ou negativa de fornecimento de referências profissionais positivas”.
186 | Estudos de Compliance Criminal

O texto, todavia, incitava a colocação de algumas importantes per-


guntas: o informante sigiloso somente poderia ser arrolado pelo
Ministério Público como testemunha em processo criminal se estivesse
de acordo com isso? Se o informante sigiloso fosse arrolado como teste-
munha pelo Ministério Público, sua identidade poderia ser mantida em
sigilo em relação ao acusado e seu defensor?
Sobre a última pergunta, veja-se que ao apreciarem o Provimento
nº 32/2000 da Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP, que regulamenta a
Lei de Proteção à Testemunhas (Lei nº 9.807/99) e restringe o acesso do
réu à identidade de testemunhas protegidas, ambas as turmas do Su-
premo Tribunal Federal indicaram não haver inconstitucionalidade por
suposta ofensa da plenitude da defesa e do contraditório, em razão de
“tal Provimento garantir ao advogado do réu pleno e integral acesso aos
dados pessoais e reservados da testemunha sob proteção” 14.
Noutro giro, no julgamento do Mandado de Segurança 24.405/DF,
em 2003, o Excelso Pretório declarou inconstitucional a previsão de sigilo
de informantes existente no art. 55, § 1º da Lei Orgânica do TCU (Lei nº
8.443/92), por violação ao art. 5º, incisos V, X, XXXIII e XXXV, da Consti-
tuição Federal. A decisão sinalizou inegável repúdio ao anonimato e ao
sigilo de informantes e indicou o direito do acusado de conhecer a identi-
dade de quem lhe acusou, tendo o Senado Federal, em seguida,
suspendido a eficácia desse dispositivo, nos termos do art. 52, X, da
Constituição Federal.
De maneira surpreendente, em agosto de 2019 entrou em vigor a
Lei nº 13.866/19, que acrescentou parágrafo ao art. 55 da Lei Orgânica
do TCU com praticamente a mesma definição sobre sigilo declarada in-
constitucional pelo STF no MS 24.405/DF e suspendida pelo Senado.
Oportuno ressaltar o vigor com que o relator do MS 24.405/DF, Ministro
Carlos Velloso, apresentou seu libelo contra o anonimato e o sigilo de
denunciantes, assim como o não-enquadramento dessas hipóteses ao
sigilo mencionado no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal.

14
HC 124614 AgR. Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 10/03/2015.
Felipe Machado Prates | 187

Na mesma linha da Lei nº 13.866/19, em seguida foi publicado o


Decreto Presidencial nº 10.153, de 3 de dezembro de 2019, que dispôs
sobre a proteção da identidade de denunciantes de ilícitos no âmbito da
administração pública federal. Nele consta, por exemplo, que:

Art. 6º O denunciante terá seus elementos de identificação preservados des-


de o recebimento da denúncia, nos termos do disposto no § 7º do art. 10 da
Lei nº 13.460, de 2017.
§ 1º A restrição de acesso aos elementos de identificação do denunciante será
mantida pela unidade de ouvidoria responsável pelo tratamento da denúncia
pelo prazo de cem anos, conforme o disposto no inciso I do § 1º do art. 31 da
Lei nº 12.527, de 2011.
§ 2º A preservação dos elementos de identificação referidos no caput será
realizada por meio do sigilo do nome, do endereço e de quaisquer outros
elementos que possam identificar o denunciante.

Ainda que tenha havido mudanças legislativas diversas após o jul-


gamento do MS 24.405/DF, realizado no ano de 2003, tal como a entrada
em vigor da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11), e que mani-
festações posteriores no âmbito do próprio STF indicassem um
prognóstico de maior tolerância ao anonimato e sigilo de informantes, é
inegável que o sigilo de identidade prometido a informantes em canais de
denúncia corporativos, pelo governo (vide Decreto nº 10.153/19) ou pelo
próprio legislador (tal como feito no art. 3º da Lei nº 13.608/18) encon-
trava-se à mercê de um considerável risco de descumprimento. Destaca-
se, nessa linha, que a própria Constituição Federal, no art. 93, IX, desau-
toriza a limitação de publicidade de atos processuais face o advogado do
réu, proibindo-a mesmo diante da necessidade de preservar o direito à
intimidade da pessoa interessada no sigilo.
Beatriz García Moreno, no sentido do alerta supra, anota que 15

15
MORENO, Beatriz García. Whistleblowing e canais institucionais de denúncia. In MARTÍN, Adan Nieto (org.).
Manual de Cumprimento Normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2ª ed., São Paulo: Tirant Lo
Blanch, 2019, p. 279.
188 | Estudos de Compliance Criminal

os problemas dos canais que optam pela confidencialidade aparecem quando


a investigação e o procedimento para sancionar ao responsável transcendem
as fronteiras da companhia e acabam em mãos do Promotor de Justiça ou do
Juiz. A proteção da identidade do whistleblower cai diante de uma ordem ju-
dicial e, ainda recebendo tratamento de testemunha protegida, sua denúncia
ao final terá trazido consequências negativas. Isto implica uma perda de efe-
tividade do sistema de denúncia e, em geral, do programa de compliance da
entidade, pois desincentiva a denúncia e dificulta a detecção de irregularida-
des. Pois bem, este não é um problema que se apresente unicamente a
respeito da informação obtida através do hotline, senão que se apresenta em
geral com toda a informação gerada a partir de programa de compliance.

Durante os dois anos em que a Lei nº 13.608/18 esteve vigente em


sua redação original, contudo – mesmo com as dúvidas relativas à sua
aplicação e o contexto jurisprudencial incerto antecedente a sua promul-
gação –, suas disposições passaram incólumes a maiores
questionamentos doutrinários e jurisprudenciais.

4. Tratamento do informante na Lei nº 13.964/19

Uma regulamentação mais profunda sobre o informante foi apre-


sentada no Projeto de Lei nº 882/19, o Pacote Anticrime, que em seu art.
14 propunha alterações na Lei nº 13.608/18. O projeto, que deu ensejo à
Lei nº 13.964/19, foi aprovado com algumas alterações no texto proposto
originalmente para a regulamentação da figura do informante.
A lei em testilha criou a obrigação de manutenção de unidades de
ouvidoria e correição por parte de entes da Administração Pública e inse-
riu medidas de proteção ao chamado informante de boa-fé, tais como
“isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato” (art.
4º-A, p.u), proteção contra “demissão arbitrária, alteração injustificada
de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remunera-
tórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou
indiretos, ou negativa de fornecimento de referências profissionais posi-
tivas” (art. 4º-C, caput) e ressarcimento em dobro “por eventuais danos
Felipe Machado Prates | 189

materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem


prejuízo de danos morais” (art. 4º-C, § 2º).
No que tange a proteção de identidade, a lei prevê que a quebra do
seu sigilo ocorrerá exclusivamente quando houver concordância por
parte do informante, conforme se extrai do art. 4º-B, caput e parágrafo
único.
As inserções legais em questão mantêm diversos pontos dúbios que
já pairavam sobre a Lei nº 13.608/18. Haverá alguma situação em que a
identidade do informante poderá ser revelada sem sua aquiescência? A
identidade do informante será mantida em sigilo em relação à quais
pessoas? O informante sigiloso poderá ser compromissado e contradita-
do em juízo de alguma forma?
Como se denota, a manutenção do sigilo é tratada pela lei como re-
gra geral, arredável apenas se existir “relevante interesse público ou
interesse concreto para a apuração dos fatos” e concordância formal do
informante. A regra inverte a lógica de que o réu deve poder conhecer a
identidade das vítimas e das testemunhas, como indica o art. 187, § 2º,
inciso V, do Código de Processo Penal 16, limitando o exercício do contra-
ditório e da ampla defesa pelo acusado.
Se a preservação da identidade do informante que utiliza canais de
denúncia públicos ou privados é tida como crucial para uma política
efetiva de prevenção de ilícitos e aparenta estar justificada por critérios
de proporcionalidade, o mesmo não se pode dizer da utilização do de-
poimento em sigilo como fundamento condenatório e da admissão do
informante sigiloso no processo como testemunha.
O conhecimento da identidade das vítimas e testemunhas do pro-
cesso criminal pelo acusado é fundamental para garantir-lhe o exercício
do contraditório e da ampla defesa, de forma que se um informante tem
sua identidade mantida em sigilo, seu depoimento não deveria ser utili-

16
“Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. (...) § 2o
Na segunda parte será perguntado sobre: V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e
desde quando, e se tem o que alegar contra elas;”.
190 | Estudos de Compliance Criminal

zado para apoiar uma sentença condenatória. Por essa razão, mostra-se
de todo inadequada a possibilidade de o juiz considerar que a identifica-
ção do informante perante o acusado é prescindível para efeito de
utilização do depoimento por ele prestado.
Apesar de inserir os requisitos apontados por diversas entidades
como caracterizadores de uma legislação ideal sobre whistleblowers, o
texto da Lei nº 13.964/19 carece de aprimoramento em diversos pontos 17,
principalmente no que se refere a vedação de utilização, no processo
criminal, de depoimentos de informantes cobertos por anonimato ou
sigilo. Considera-se inarredável, nesse ponto, a máxima de que “deve ser
assegurado ao réu conhecer o nome das pessoas da vítima e das teste-
munhas que sustentam a acusação contra si, erigindo-se tal assertiva em
status de condição sine qua non à garantia do due process of law num
verdadeiro Estado Democrático de Direito” 18.
Como afirma Ferrajoli 19,

os procedimentos de formulação de hipóteses e de averiguação da responsa-


bilidade penal devem desenvolver-se à luz do sol, sob o controle da opinião
pública e sobretudo do imputado e seu defensor. Trata-se do requisito segu-
ramente mais elementar e evidente do método acusatório.

As inúmeras zonas de penumbra legal impregnadas na legislação


proposta criam, dessa forma, grande preocupação, não só pelo espaço
que dão para interpretações aptas a conferir ao processo criminal uma
natureza kafkaniana, mas também por despejarem insegurança jurídica
sobre uma questão tão sensível quanto uma promessa de sigilo feita a
um informante.

17
Rodolfo Prado pontua, por exemplo, que “como está escrito o projeto hoje, quem recebe a informação por meio
de seu ofício [v.g. chief compliance officer], por exemplo, poderia ir às autoridades competentes e pleitear recom-
pensa por aquela informação, criando uma espécie de “mercado paralelo de informação”, semelhante ao insider
trading” (PRADO, Rodolfo Macedo do. O whistleblowing no âmbito do Pacote Anticrime: entre erros e acertos.
Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 27, n. 324, p. 13-15., nov. 2019).
18
ROTH, Ronaldo João. O sigilo do nome de vítimas e testemunhas ameaçadas no processo penal militar e seus
limites. In Revista de Direito Militar, n. 69, jan/fev 2008, p. 27.
19
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2006, p. 567.
Felipe Machado Prates | 191

5. Informante anônimo ou sigiloso e valor probatório

Após um período de certa controvérsia sobre o valor probatório de


denúncias anônimas (também chamadas de notícias-crime inqualifica-
das) e sua aptidão para colocar em movimento a máquina investigativa
estatal, os tribunais superiores consolidaram entendimento no sentido de
que, recebida denúncia dessa natureza, cabe à Polícia ou ao Ministério
Público realizar diligências preliminares sigilosas para verificar a proce-
dência dos fatos relatados, podendo ser formalizada a instauração de
inquérito se os elementos de informação colhidos lhe derem suporte.
A postura a ser adotada pela autoridade policial que recebe uma de-
núncia anônima foi bem resumida no julgamento do HC 95244/PE pela
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, assim ementado:

Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Possibilidade de denúncia


anônima, desde que acompanhada de demais elementos colhidos a partir de-
la. [...] 1. O precedente referido pelo impetrante na inicial (HC nº 84.827/TO,
Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 23/11/07), de fato, assentou o enten-
dimento de que é vedada a persecução penal iniciada com base,
exclusivamente, em denúncia anônima. Firmou-se a orientação de que a au-
toridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve antes realizar
diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa "denún-
cia" são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações.
[...] 20

Compreende-se, nessa linha, que uma delatio criminis apócrifa pode


ensejar investigações informais, desde que sem qualquer mitigação dos
direitos de sigilo e intimidade do acusado e sem deflagração de medidas
judiciais. Extrai-se que a formalização de uma investigação pode ocorrer,
portanto, por força de elementos de informação colhidos a partir da de-
núncia anônima, substituindo-a.

20
HC 95244, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 23/03/2010.
192 | Estudos de Compliance Criminal

Como bem leciona Rodrigo Iennaco de Moraes 21:

Com a verificação da procedência da informação veiculada na denúncia anô-


nima, imperativo que se impõe à autoridade pública como dever
constitucional, a notícia de crime originalmente apresentada é descartada e
integralmente substituída pelas novas informações, autênticos elementos de
convicção aptos à formação da opinio delicti. Essas informações irão funda-
mentar a instauração do procedimento formal, a futura ação penal, a
instrução processual e assim sucessivamente.

O reconhecimento de que denúncias anônimas podem ser apuradas,


por outro lado, não significou um afastamento da vedação ao anonimato
(CF/88, art. 5º, IV) ou da obrigação legal de testemunho (CPP, art. 206).
O Código Penal deixa claras essas questões ao prescrever como causa de
aumento do crime de denunciação caluniosa o fato de o agente se servir
de anonimato (CP, art. 339, § 1º), bem como ao tipificar como falso tes-
temunho a conduta de “negar ou calar a verdade como testemunha” em
“processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbi-
tral” (CP, art. 342, caput).
De acordo com a legislação, ninguém possui, via de regra, obrigação
legal de denunciar crimes ou de se apresentar às autoridades como al-
guém capaz de contribuir com a apuração de um crime 22 .
Adicionalmente, é dever da autoridade policial “colher todas as provas
que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias” (CPP,
art. 6º, III), bem como direito do acusado, consectário da ampla defesa
(CF/88, art. 5º, LV) expressamente previsto na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (art. 8º, 2, “f”), obter o comparecimento e in-
quirir, em juízo, “pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”.
É interessante notar, a partir dos dispositivos legais supracitados,
uma contrariedade do ordenamento ao status de anonimato ou sigilo de

21
MORAES, Rodrigo Iennaco de. Da validade do procedimento de persecução criminal deflagrado por denúncia
anônima no Estado Democrático de Direito. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 62, v. 14, 2006, p. 260.
22
Existem algumas exceções, como, por exemplo, no caso de servidores públicos, constituindo contravenção penal
a omissão em comunicar à autoridade competente crime de ação pública incondicionada que tenha chegado a seu
conhecimento no exercício da função pública, conforme prevê o art. 66, I, da Lei de Contravenções Penais.
Felipe Machado Prates | 193

informantes como algo a ser objeto de incentivo ou tutela pelo poder


público. A visão de que a investigação e a identificação daqueles que te-
nham algum conhecimento sobre os fatos é dever das autoridades e de
que o testemunho é uma obrigação legal dessas pessoas, contudo, colide
frontalmente com a ideia do anonimato ou sigilo do informante como
elemento indispensável para a efetividade de programas de compliance.
A proteção do anonimato e do sigilo de informantes é defendida por
Vladimir Aras a partir do entendimento de que a própria Constituição
Federal tutela, no art. 5º, XIV, o sigilo da fonte necessário ao exercício
profissional, o que se aplica, em suas palavras, tanto para o trabalho do
jornalista quanto para o trabalho do policial. A preservação da identidade
do informante, assim, seria imprescindível para a atividade policial 23.
Aras também justifica o sigilo da identidade de informantes, inclusi-
ve quando ouvidos em juízo, com base no art. 7º, IV, da Lei de Proteção
de Testemunhas (Lei nº 9.807/99) e no art. 23, VIII, da Lei de Acesso à
Informação (Lei nº 12.527/2011), aduzindo ser possível classificar tais
informações nas categorias de ultrassecretas, secretas ou reservadas,
mantendo sua proteção por 25, 15 e 5 anos, respectivamente 24.
Com efeito, a valorização do canal de denúncia como instrumento
de compliance tem ensejado visível mudança de paradigma em diversas
searas no que tange o tratamento legal do anonimato e do sigilo. Diver-
sos organismos sugerem a proteção do anonimato ou sigilo do
informante, tal como a OCDE (Guiding Principles for Whistleblower
Protection Legislation) e a Transparência Internacional (Recommended
draft principles for whistleblowing legislation 25), sendo que convenções
ratificadas pelo Brasil também vêm sendo citadas como fundamento para
o anonimato e o sigilo, v.g. a Convenção das Nações Unidas contra o

23
ARAS, Vladimir. Whistleblowers, informantes e delatores anônimos. In A Jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal: Temas Relevantes. Vilvana D. Zanellato (org.). Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 368.
24
ARAS, Vladimir. Whistleblowers, informantes e delatores anônimos. In A Jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal: Temas Relevantes. Vilvana D.Zanellato (org.). Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 370.
25
“12. Protection of identity – the law shall ensure that the identity of the whistleblower may not be disclosed
without the individual’s consent, and shall provide for anonymous disclosure.”
194 | Estudos de Compliance Criminal

Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo (art. 24, n. 2,


‘a’); a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - Convenção de
Mérida (art. 32, n. 2, ‘a’); a Convenção Interamericana contra a Corrup-
ção - Convenção de Caracas (art. 3º, § 8º). Apesar do compromisso com
a proteção da identidade de informantes, contudo, tais convenções não
apresentam muitas especificações sobre como isso deve ser feito.
Em última análise, conclui-se que a questão de fundo da discussão
sobre sigilo e anonimato do whistleblower reside em como compatibili-
zar os direitos e garantias do acusado com uma política de prevenção e
repreensão de ilícitos eficiente. Dentro do espectro de possibilidades, se a
vedação absoluta de denúncias feitas por informantes anônimos ou sigi-
losos caracterizaria algo extremista e inadequado, é certo que a
atribuição de espaço e poder demasiados ao relato anônimo ou confiden-
cial na persecução penal também carrega grandes problemas. Além da
possibilidade de oferecimento de denúncias de má-fé, geram grande
preocupação o apoio de decisões condenatórias em relatos anônimos,
bem como a manutenção do sigilo da identidade de informantes ouvidos
no processo criminal, haja vista a limitação ao exercício do contraditório
e da ampla defesa por parte do réu.
Nessa linha, talvez um dos pontos de maior acerto do legislador na
promulgação da Lei nº 13.964/19 tenha sido a exclusão do texto proposto
originalmente no Projeto Lei nº 882/19 para o art. 4º-B, da Lei nº
13.608/18, que trazia disposições confusas sobre o uso do depoimento do
informante no processo judicial 26.
Embora houvesse previsão de que a manutenção do sigilo da identi-
dade do informante levaria à perda do valor probatório do depoimento

26
“Art. 4º-B O informante terá o direito de preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de
relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos.
§ 1º Se a revelação da identidade do informante for imprescindível no curso de processo cível, de improbidade ou
penal, a autoridade processante poderá determinar ao autor que opte entre a revelação da identidade ou a perda do
valor probatório do depoimento prestado, ressalvada a validade das demais provas produzidas no processo.
§ 2º Ninguém poderá ser condenado apenas com base no depoimento prestado pelo informante, quando mantida
em sigilo a sua identidade.
§ 3º A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante, com prazo de
trinta dias, e com sua concordância”.
Felipe Machado Prates | 195

por ele prestado, o mesmo artigo indicava que o depoimento prestado


pelo informante sigiloso não deveria ser totalmente desprezado pelo
magistrado, noção confirmada também pela previsão de que “ninguém
poderá ser condenado apenas com base no depoimento prestado pelo
informante, quando mantida em sigilo a sua identidade”.
Comentando o Projeto de Lei em testilha, Souza asseverou que

não há entre as duas opções uma relação de alternatividade, mas sim de con-
sequencialidade. A opção da norma se explica diante da impossibilidade de o
Reportante ser contraditado pelas pessoas delatadas e em razão da inerente
falibilidade da prova testemunhal, o que leva a criação de um filtro (safe-
guards), como uma espécie de compensação valorativa dessa prova: o
depoimento sigiloso, dada a impossibilidade de ser contraditado, somado à
fragilidade abstrata, terá valor probatório reduzido, mas não inteiramente
desprezado. 27

A supressão da redação original do art. 4-B no Pacote Anticrime


abre espaço para que os tribunais possam consolidar um tratamento
mais restritivo ao uso do depoimento do informante sigiloso ou anônimo,
opção que se entende desejável. Com efeito, a ideia de que ninguém po-
derá ser condenado apenas com base no depoimento prestado pelo
informante sigiloso, além de permitir a interpretação a contrario sensu
de que o depoimento do informante identificado seria suficiente para a
condenação, incorre nas mesmas críticas passíveis de serem feitas ao art.
155, caput, do Código de Processo Penal, quando veda ao juiz “fundamen-
tar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação”. Ora, ao admitir a presença do advérbio exclusivamente no
caput do art. 155 do Código de Processo Penal, a Lei nº 11.690/18 abriu
margem para a utilização de elementos produzidos sem contraditório e
também para que uma condenação possa se apoiar neles de forma prati-
camente exclusiva (ou, caso se queira traduzir em números, na razão de

27
SOUZA, Renee do Ó. Projeto de Lei “Anticrime” e a Figura do Informante do Bem ou Whistleblower. In Projeto de
Lei Anticrime. Antonio Henrique Graciano Suxberger, Renee do Ó Souza, Rogério Sanchez (orgs.). Salvador: Ed.
JusPodivum, 2019, p. 470-471.
196 | Estudos de Compliance Criminal

“99%”) 28. A previsão de que “ninguém poderá ser condenado apenas


com base no depoimento prestado pelo informante, quando mantida em
sigilo a sua identidade” (art. 4º-B, § 2º), apesar de não ter sido inserida
na Lei nº 13.964/19, contudo, não dista da prática judicial atual.

6. Conclusão

A ignorância é tão dinâmica quanto o conhecimento, razão pela


qual, parafraseando Verghese 29, há de se evitar que nossa geração de
juristas suponha que a ignorância seja atributo especial dos colegas ido-
sos ou falecidos. Afinal, como lembra Luiz Nazario 30,

todo progresso acarreta regressões renovadas, pelo que podemos afirmar


que há simultaneamente progresso e regressão na História. A humanidade
libertou-se do Império Romano para lançar-se nas fogueiras da Inquisição;
escapou das guilhotinas da Revolução Francesa e dos fuzilamentos da Revo-
lução Russa para afundar-se nas trincheiras da Primeira Guerra; saiu das
câmaras de gás dos campos de concentração do Nazismo para sofrer bom-
bardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki, não cessando de desenvolver
novos Gulags e meios de destruição mil vezes mais potentes que os napalms
jogados no Vietnã, os killing fields de Pol Pot e as revoluções culturais chine-
sas.

A implementação e a expansão de políticas de compliance se apre-


sentam como inafastáveis tendências das corporações e das legislações
modernas, sendo que os canais de denúncia franqueados a informantes
anônimos e sigilosos representam um dos principais alicerces desse novo

28
No magistério de Aury Lopes Jr., “o grande erro da reforma pontual (Lei n. 11690/2008) foi ter inserido a
palavra “exclusivamente”. Perdeu-se uma grande oportunidade de acabar com as condenações disfarçadas, ou seja,
as sentenças baseadas no inquérito policial, instrumento inquisitório e que não pode ser utilizado na sentença.
Quando o art. 155 afirma que o juiz não pode fundamentar sua decisão “exclusivamente” com base no inquérito
policial, está mantendo aberta a possibilidade (absurda) de os juízes seguirem utilizando o inquérito policial, desde
que também invoquem algum elemento probatório do processo” (LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 16ª
ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 167).
29
VERGHESE, Abraham. O décimo primeiro mandamento. Tradução Donaldson M. Garschagen. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
30
NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas-Fapesp,
2005, p. 187.
Felipe Machado Prates | 197

paradigma. A valorização do whistleblower, contudo, não deve ser feita


em detrimento das garantias básicas de defesa do acusado.
Embora Aras afirme que a ausência de proteção legal aos informan-
tes no Brasil faz com que os pássaros daqui não gorjeiem como os de
outros países 31, não se identifica, para uma política de prevenção de ilíci-
tos eficiente, a necessidade de admitir que condenações criminais possam
se embasar em depoimentos anônimos ou sigilosos. Eventual condena-
ção, assim, não deve se apoiar na notícia-crime inqualificada, e sim nos
elementos obtidos a partir dela.
Diante da parca legislação sobre o tratamento de informantes no
Brasil, empresas nacionais sempre se voltaram para práticas e diretrizes
estrangeiras ao estruturarem os canais de denúncia em seus programas
de compliance. Dentre os tópicos que a própria empresa goza de ampla
liberdade de regulamentação tem-se, por exemplo, a escolha dos canais
para oferecimento de denúncias, os assuntos passíveis de denúncia, as
pessoas que podem utilizar o canal, eventuais exigências de identificação
do informante, as pessoas com acesso às informações recebidas, o enca-
minhamento das denúncias às autoridades públicas, as iniciativas que
serão tomadas pela empresa diante das denúncias etc.
Repisa-se que as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil
implicam no compromisso com a proteção da identidade de informantes,
o que não significa, porém, que um depoimento não submetido ao con-
traditório pleno deva lastrear uma decisão condenatória. Nos dizeres de
Felipe Martins Pinto,

a justiça da decisão pressupõe a justiça no procedimento, ou seja, ainda que o


provimento reflita o fato ocorrido, se o resultado frutificou a partir de viola-
ções a direitos fundamentais, restrições a garantias da pessoa humana e
descumprimentos a limites normativos, o ato de poder jurisdicional ao invés
de meio de tutela se torna instrumento de risco para a coletividade. 32

31
ARAS, Vladimir. Whistleblowers, informantes e delatores anônimos. In A Jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal: Temas Relevantes. Vilvana D. Zanellato (org.). Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.
32
PINTO, Felipe Martins. A verdade no processo penal: uma proposta de superação do mito da verdade real. Tese
de doutorado. Belo Horizonte, 2009, p. 88.
198 | Estudos de Compliance Criminal

Em suma, a intransigência com práticas criminosas e a busca de


uma política criminal eficiente, refletidas na legislação sobre whistleblo-
wer, não podem ensejar a ignorância de se desprezar princípios caros ao
Estado Democrático de Direito. Veja-se, nessa linha, que a obsessão com
o denuncismo e o sigilo são traços marcantes do período inquisitorial 33 e
avessos a nossa herança iluminista.
A lição do juiz Louis Brandeis, de que a luz do sol é o melhor desin-
fetante, também se apresenta valiosa. A publicidade dos atos serve de
garantia ao cumprimento da lei também pelas autoridades, sendo neces-
sário refletir até mesmo sobre a possibilidade de, à moda das
famigeradas “javanesas”, acontecer de ser formalizado depoimento de
informante sigiloso que talvez sequer exista.
O anonimato e o sigilo de informantes, portanto, devem ser admiti-
dos no ordenamento com restrição e cautela, mantendo-se a ideia
postulada por Beccaria: “sejam públicos os julgamentos; sejam-no tam-
bém as provas do crime” 34.
Sob outra ótica, se a escassez de tratamento legal sobre whistleblo-
wers no Brasil fazia com que corporações se voltassem para práticas
estrangeiras, é inegável que a Lei nº 13.964/19, embora voltada para a
Administração Pública Direta e Indireta, a partir de agora constitui ine-
gável norte para a estruturação de programas de compliance em âmbito
privado.
Tomando de maneira geral as disposições das Lei nº 13.608/18 e
13.964/19, por fim, destaca-se que, ainda que o enfrentamento do tema
pelo legislador seja oportuno e necessário, cabe ecoar a crítica apresenta-
da por Priscila Beltrame e Yuri Sahione no sentido de que a inserção da
complexa figura do whistleblower no ordenamento demanda uma siste-

33
NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas-Fapesp,
2005, p. 97 e 127.
34
BECCARIA, Cesare. “Dos delitos e das penas”. Martin Claret, 2ªed. São Paulo, 2000, p. 30.
Felipe Machado Prates | 199

matização mais robusta 35. Acrescenta-se que a sistematização e imple-


mentação de recompensas para informantes passíveis de serem fixadas
pelos entes do Poder Executivo exigem atenção e cautela ainda maiores,
como sugere a história de diversas políticas premiais já criadas no Bra-
sil 36.

7. Referências

ARAS, Vladimir. Whistleblowers, informantes e delatores anônimos. In A Jurisprudência


do Supremo Tribunal Federal: Temas Relevantes. Vilvana D. Zanellato (org.). Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

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Revista dos Tribunais, 2006.

35
BELTRAME, Priscila Akemi; SAHIONE, Yuri. “Informante do bem” ou whistleblower: críticas e necessários
ajustes ao projeto. In Boletim IBCCRIM, Ano 27, nº 317, abr/2019, p. 25.
36
Vide, ilustrativamente, a célebre política sanitária implementada por Oswaldo Cruz no início do século XX, que
ao recompensar a eliminação de ratos pela população a fim de evitar a transmissão da peste bubônica, fez surgirem
diversos criadouros do animal mantidos por aproveitadores (Cf. CURY, Bruno da Silva Mussa. Combatendo ratos,
mosquitos e pessoas: Oswaldo Cruz e a saúde pública na reforma da capital do Brasil (1902-1904. Dissertação de
mestrado. Rio de Janeiro: Unirio, 2012).
200 | Estudos de Compliance Criminal

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Mancha, 2006.
9

Investigações internas e a privatização do


processo penal sob a ótica da autoregulação regulada

Ciro Costa Chagas 1

1. Introdução

O Direito Penal, mais precisamente o Direito Penal Econômico, tem


se adaptado as muitas e novas nuances que lhe são impostas em torno da
moderna sociedade corporativa. Tal sociedade lida agora com crimes
que por vezes atingem bens jurídicos supraindividuais e que costumam
apresentar certo distanciamento ao cotidiano do cidadão comum. Para
lidar com este novo cenário de criminalidade, a doutrina passa a debater
há algum tempo possibilidades de imputação de responsabilidades da
pessoa jurídica, autorregulação e criminal compliance.
O movimento de internacionalização do Direito Penal e a enorme
pressão das entidades internacionais, empurra ao legislador nacional
novos conceitos para lidar com a gestão de riscos da atividade econômica.
Um bom exemplo do turn over do conceito de gestão de risco empresari-
al é que este agora não lida apenas com fundamentos de custos
econômicos, mas também passa a considerar os pesados custos do Direi-
to Penal.

1
Doutorando em Direito Penal e Sistema Financeiro Nacional pela UFMG, Mestre em Direito das Relações Econô-
micas e Sociais pela Faculdade Milton Campos. Professor de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Estácio
de Sá. Professor na Pós Graduação Estácio em Governança Corporativa, Especialista em Derecho Penal Económico
y Teoría del Delito (Universidad Castilla La-Mancha- Espanha). Especialista em Direito Tributário pela Universida-
de Gama Filho
Ciro Costa Chagas | 203

Os custos do Direito Penal neste contexto, passam a tentar ser evi-


tados com o surgimento de institutos como regulamentos internos de
conduta, códigos de ética, procedimentos de investigação interna, todos
estes inseridos nas premissas da própria noção de autorregulação.
Tantas mudanças conceituam o que define o professor Adan Nieto
Martín como darwinismo jurídico 2. Para melhor compreensão deste
“processo evolutivo” do Direito Penal, buscaremos adentrar ao cenário da
autorregulação empresarial, diante de eventuais defeitos organizacionais
em que essa autorregulação não seja efetiva. Mais especificamente, estu-
daremos os procedimentos de investigações internas dos ditos defeitos
organizacionais e os conflitos existente entre direito a intimidade, pro-
cesso e estruturas de dogmática penal.

2. Noções de autorregulação empresarial

Renato de Mello Jorge Silveira, aduz que a mudança pretendida ao


Direito Penal Econômico não é de fácil e nem muito menos de unânime
aceitação. Muito pelo contrário, as inovações enfrentam resistência dog-
mática constantes. 3 Nesse contexto, observa-se um grande
distanciamento nacional entre política criminal e dogmática, o que cer-
tamente reforça o problema aqui enfrentado. Como discorrer sobre
autorregulação e investigações internas quando a teoria continua a re-
chaçar qualquer possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica.
A dogmática, como recorda Silva Sánchez, não se constrói sobre o
prisma de um direito nacional de afastamento da política criminal, mas
sim de construção, reconstrução e sistematização de regras de imputação
de responsabilidade segura, igualitária e consoante aos princípios garan-
tistas, como limites à construção típica de lege data. Balizas nacionais

2
NIETO MARTÍN, Adán. Regulatory capitalism y cumplimiento normativo, en El derecho penal económico en la era
del compliance, p.11 Tirantlo Blanch, 2013
3
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção, São Paulo: Saraiva, 2015, p.66
204 | Estudos de Compliance Criminal

devem ser mantidas, mas como recorda o catedrático de Barcelona, as


premissas lógicas de construção penal a princípio seriam universais. 4.
Bernd Schünemann, de forma incisiva, também tece críticas sobre o
atual distanciamento entre dogmática e política criminal, identificando
uma relação de complementaridade e jamais de primazia ou hierarquia
entre estas. 5 Diante da relação de complementariedade, da qual concor-
damos, o penalista serviria como elo entre ambas, com o propósito de
dar lógica e coerência ao empregarmos institutos a princípio estranhos
ao Direito Penal, como é o caso da autorregulação. 6
A autorregulação toma espaço frente a crise do Estado moderno,
sendo que o Direito Penal como recorda o professor Nieto Martín, “fora o
último convidado para a festa corporativa da autorregulação”. 7 Nova-
mente, temos aqui o conflito dogmático-político, onde o penalista
precisará conduzir adaptações e lidar com institutos como códigos de
ética, regulamentos internos de conduta, sistemas de normatização in-
dustrial, certificações ISO, dentre outros elementos novidadeiros, muitas
vezes trabalhados de forma errática como explica Silveira. 8
Voltando ao conceito, a autorregulação, segundo Nieto Martín, não é
outra coisa senão a autoimposição voluntária de padrões de conduta por
parte de organizações empresariais. 9 Dentre as diversas variações de
autorregulação, a que nos interessa aqui é a chamada autorregulação
regulada, na qual o Estado estabelece um marco geral, ou seja, constrói
metanormas a fim de regular as normas internas das empresas, não
como forma de imposição, como explica Coca Vila, mas sim com incenti-
vos do Estado.

4
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La sistemática alemana de la teoria del delito: 2005,p.35 e s.
5
SCHÜNEMANN, Bernd. Dez teses sobre a relação da dogmática penal com a política criminal e com a prática do
sistema penal, In SCHÜNEMANN, Bernd; TEIXEIRA, Adriano. (coord.). Direito Penal, Racionalidade e Dogmática.1.
ed. São Paulo: Marcial Pons, 2018, p.92
6
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção, São Paulo: Saraiva, 2015, p.68
7
NIETO MARTÍN, Adán. Problemas fundamentales del cumplimiento normativo em el derecho penal 2013, p. 26.
8
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção, São Paulo: Saraiva, 2015, p.67
9
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
p.40 e s.
Ciro Costa Chagas | 205

Há no contexto brasileiro clara menção à espécie aqui estudada,


qual seja, a autorregulação regulada, como depreende-se da Lei
12.843/13 e sua norma complementar reguladora o Decreto nº 8.420/15.
A Lei 12.846/13, em seu art. 7º, inciso VIII, consagra a noção de au-
torregulação 10, definindo como critério a ser considerado em eventual
sanção a existência de programas internos de integridade.
De igual modo, o Decreto nº 8.420/15, que como dito, regulamenta
a Lei anticorrupção brasileira, faz expressa menção à autorregulação
regulada ao incentivar a criação de programas de integridades efetivos
em seu artigo 41, Capítulo IV, definindo, por conseguinte, mitigadores à
eventuais sanções, como observamos a seguir nos artigos 17 e 18 do refe-
rido diploma.

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade con-
siste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denún-
cia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pú-
blica, nacional ou estrangeira.
Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valo-
res correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da
pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, exclu-
ídos os tributos:
V - um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurí-
dica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os
parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.

Salienta-se que diante dos textos legais elencados, há indelével acei-


te à possibilidade de autorregulação regulada no sistema jurídico
brasileiro. Tal fato não garante ao Direito Penal ausência de problemas,

10
Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia
de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; (Lei
12.846/13)
206 | Estudos de Compliance Criminal

mas apenas reafirma a necessidade de adaptação da dogmática aos no-


vos institutos aqui trabalhados.
Superadas as breves conceituações do “novo instituto” do Direito
Penal, frisa-se que a autorregulação regulada utiliza-se umbilicalmente
das investigações internas para decidir sobre eventual processo sanciona-
tório interno, que passamos a abordar em sequência.

3. Investigações internas na legislação brasileira e sua relação com a


investigação criminal no Código de Processo Penal

Antes de adentrarmos a estrutura das investigações internas confe-


rida pelo instituto da autorregulação regulada, é premente que
percorramos, nem que seja de forma breve, a dogmática que trata do
tema. Neste ponto, importante retornarmos às normas de processo penal
a respeito dos procedimentos de investigações, a fim de compreender-se
os limites deontológicos concedidos ao particular dentro do ambiente de
autorregulação sem que direitos fundamentais sejam fragilizados.
Como alerta muito bem o professor Nieto 11, não podemos perder de
vista que a investigação interna pode ser converter em uma espécie de
processo penal “teleguiado”, a qual o Estado se afastaria das estritas
regras aplicáveis ao processo penal, utilizando-se da estrutura da empre-
sa como marco jurídico mais flexível. Ainda que tenhamos que nos
adaptar aos “novos tempos”, em nosso entender, o direito processual
penal deve ser observado como referência.
A investigação criminal, em regra delimitada através do inquérito
policial, também denominada instrução preliminar ou prévia, costumei-
ramente é tratada pela doutrina brasileira como a fase inicial de nossa
persecução penal. Em sua essência, o inquérito, conhecido como fase
extrajudicial, tem como finalidade primordial a colheita de informações
necessárias à opinio delicti.

11
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
p.297 e s.
Ciro Costa Chagas | 207

Ao buscarmos na fonte histórica processual, como declarado na Ex-


posição de Motivos do Código de Processo Penal, há quase um século, o
inquérito preliminar, ou instrução provisória, ofereceria ao investigado
uma “justiça menos aleatória, mais prudente e serena”, contra aos azares
do detetivismo. 12
A estrutura de nossa sistemática processual penal, no que tange o
cerne do inquérito, fora construída em premissas e funções não declara-
das, herança de um modelo napoleônico de processo penal e, como dito
por Gloeckner, carreado por um contraditório degenerado de efeitos
ratificadores, ao invés de construtivos. 13
Em termos constitucionais, o inquérito é direito das partes decor-
rente do próprio direito à prova. Provas estas que em processo, como
sabido, advêm da consequência lógica aos princípios do devido processo
legal, contraditório e à ampla defesa, garantias constitucionais insculpi-
das em nossa Carta Magna, mas frequentemente abauladas por
interpretações processuais autoritárias e doutrinas que autorizam con-
denações por conjunto de indícios.
Com o objetivo de dar um deslinde ao problema, não raro, reapare-
ce o usual argumento “binderiano” 14da “verdade real”, como válvula de
escape e standard justificatório dos excessos judicantes. Novamente,
herança de um processo penal inquisitório, tal como reconstruído na
obra do autor Ricardo Jacobsen Gloeckner.
E qual a relação do inquérito policial com os procedimentos de in-
vestigação interna necessários à prevenção exigida pela autorregulação
regulada? Em nosso entendimento é exatamente a norma processual

12
“Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então
despercebido. Por que, então, abolir‐se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo‐se a justiça
criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais
expedito o sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o inquérito preparatório,
assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena”. CAMPOS, Francisco. Exposição de Motivos do
Código de Processo Penal, 1940.
13
GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Autoritarismo e Processo Penal:uma genealogia das idéias autoritárias no
processo penal brasileiro, Vol. 1, Florianópolis, 2018, p.395
14
Alberto Binder (2003), se expressa que a “verdade real” como meta de indagação não necessita de regime
probatório. Para o autor, para descobrirmos tal verdade não necessitaríamos de regras processuais, muito pelo
contrário, estas obstaculizariam, molestariam e entorpeceriam nossa descoberta”. (BINDER, 2003, p. 61 ).
208 | Estudos de Compliance Criminal

vigente, carreada das garantias constitucionais existentes, que nortearão


o penalista diante do embate entre a obrigação do empregado de colabo-
rar com a investigação, como consequência lógica de seu contrato de
trabalho e, de outro lado a necessidade de salvaguardar direitos, como
por exemplo o princípio constitucional nemo tenetur se detegere.
Novamente, assim como ocorre no sistema jurídico processual penal
externo à empresa, para assegurar que as normas sejam eficazes e cum-
pridas, é necessário detectar as infrações, investigá-las e eventualmente
sancioná-las. De igual modo, a autorregulação empresarial insere a in-
dispensabilidade das investigações internas na elaboração de programas
de compliance concretos.
Observadas as precauções a respeito das colisões de direitos e deve-
res, e retornando ao ponto que expusemos anteriormente, sobre a
necessidade da dogmática lidar com novos institutos que se amontoam
no prisma da criminalidade econômica, e da autorregulação, deve o pe-
nalista preocupar-se em identificar primeiramente o objetivo da
investigação. Quanto à delimitação destes objetivos, Nieto Martín, expli-
ca que não seria a mesma situação uma investigação interna cujos
resultados dariam lugar unicamente à consequências internas (imposi-
ções de sanções disciplinares, melhoras no sistema de compliance),
àquela que se faz com a finalidade de defender a própria empresa, cola-
borando com investigações externas a fim de descobrir o(s) responsável
(is) individual (is). 15

3.1 Fases da investigação

Identificado qual o objetivo da investigação, de forma transparente e


justa, é importante delimitar como se dariam as fases destas investiga-
ções. Adan Nieto, estrutura as investigações internas de forma
semelhante à de um inquérito criminal. Havendo uma suspeita de que

15
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
p.296 e s.
Ciro Costa Chagas | 209

tenha ocorrido violação ao sistema de prevenção da empresa, tanto pelo


canal de denúncias ou por qualquer outro meio, dá-se início ao procedi-
mento. A investigação se dividiria, segundo o autor, em fase preliminar,
abertura da investigação, realização da investigação e comunicação dos
resultados e consequências. 16
A fase preliminar deve considerar, além dos custos econômicos que
acarreta, um mínimo de verossimilhança na suspeita, considerando neste
ponto o princípio da proporcionalidade, sob pena de empregar-se meios
da empresa de forma contrária ao seu dever e lesionar direitos funda-
mentais, como intimidade ou segredo das comunicações em vão.
Importante destacar, como leciona Adan Nieto, que esse grau de veros-
similhança deve ser consideravelmente menor do que a de uma
investigação criminal. Isto porque as investigações internas fundamen-
tam-se do poder de direção do empresário, não havendo sentido impor
os limites que marcam o exercício do ius puniendi. 17
Como dito acima, as investigações internas decorrem do poder de
direção empresarial e, eventualmente, de seus administradores na forma
da lei. No entanto, devem ser avaliados alguns indicadores para dar-se
seguimento, abrindo uma investigação formal, devendo se ponderar o
dano correspondente a não realização desta, ou quando a suposta infra-
ção tenha efetivamente prejudicado patrimonialmente a empresa. Essa
decisão caberá ao órgão independente ou oficial de compliance, manda-
tado para tanto, sempre prezando por sua autonomia investigativa.
Destacamos aqui a exigência da autorregulação regulada, sendo que sua
efetividade será avaliada tanto pelos integrantes do corpo empresarial,
quanto, eventualmente, pelo controle externo conforme o art. 41 do De-
creto nº 8.420/15.
Aberta a investigação interna, avaliadas as condicionantes de veros-
similhança e proporcionalidade, mandatando-se o departamento ou

16
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
p.297 e s.
17
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
.p.298 e s.
210 | Estudos de Compliance Criminal

responsável autônomo, deve-se deixar formalizado qual o objetivo desta.


Deve-se definir se a investigação tem finalidade corretiva das deficiências
técnicas/estruturais da empresa ou busca responsabilização por eventual
dano causado, como pressuposto lógico do fair trial 18. Nas palavras do
professor Adan Nieto, não faria sentido impor um sistema de valores, ao
passo que na promoção deste (investigação e imposição de sanções disci-
plinares) não se respeitassem regras de isonomia e “jogo limpo”,
enganando o trabalhador no transcurso de uma investigação com o fim
de que ele forneça informações que possam prejudicá-lo tanto interna-
mente, quanto perante às autoridades judicantes.
Outro ponto fundamental no início das investigações, além do cui-
dado com definição dos objetivos, é delimitar ao mandato um plano de
investigação, detalhando sua duração, calendário de trabalho, lista de
pessoas a serem entrevistadas, documentos que terá acesso, sedes do
escritório onde poderão ocorrer diligências. Segundo Nieto Martín, o
plano de investigação claro, será a ferramenta básica para controlar pro-
porcionalidade dos meios que serão empregados, inclusive exigindo-se
autorização para eventuais alterações substanciais ao plano. Neste ponto,
retornamos às premissas processuais penais, sendo que o controle do
plano de investigação se assemelha ao controle que o Juiz de Garantias
detém no Inquérito Policial. 19
Também de acordo com normativas e finalidade do inquérito polici-
al, as investigações internas, quando possível, devem prezar pelo sigilo,
evitando assim danos reputacionais tanto para empresa quanto para o(s)
investigado (s). Como garantia deste sigilo, aconselha-se também firmar
compromisso dos demais participantes do corpo investigativo, através de
contratos ou cláusulas de confidencialidade. O descumprimento ensejaria
eventual reparação cível e possível sanção penal conforme disposto do

18
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
.p.298 e s.
19
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019
.p.303 e s.
Ciro Costa Chagas | 211

art. 195, inciso XI na Lei 9.279/96 que trata dentro outros pontos sobre
os crimes de concorrência desleal. 20
Após definida a equipe que integrará junto ao mandatário respon-
sável pela investigação, iniciam-se os procedimentos investigativos.
Sugerem-se que estes procedimentos sejam pautados também em con-
sonância com as normas de processo, como direito a ser informado sobre
a investigação, contraditório, colacionar provas em sua defesa e, em ca-
sos específicos, conceder o direito de serem acompanhados de advogado.
As entrevistas também embebidas de garantias evitariam, como destaca
Nieto Martín, a máxima de talk or walk, o que poderia configurar inclu-
sive o delito de ameaça. 21
Todos estes pontos destacados nas fases da investigação aqui narra-
dos poderiam estar previamente descritos em um Código de
Investigações Internas, reafirmando garantias básicas, reforçando a efi-
cácia da autorregulação regulada, sistematizada em um completo
programa de compliance.
Por fim, ao concluir a investigação, sugere-se redigir um relatório
final, avaliando, quando necessário, a comunicação às autoridades ou a
imposição de sanções disciplinares, garantindo assim a função cumprido-
ra da ética empresarial buscada em um real programa de integridade.

3.2 A atual posição jurisprudencial sobre as investigações internas

Embora a jurisprudência brasileira ainda não tenha enfrentado di-


retamente o problema, isto porque ainda não se tem notícia de utilização
do material produzido em investigações internas como base para a inves-
tigação criminal, algumas decisões em tribunais europeus e norte-

20
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizá-
veis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que
sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia,
mesmo após o término do contrato;
21
NIETO MARTÍN, Adán. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2019.
p.303 e s.
212 | Estudos de Compliance Criminal

americanos nos concedem uma janela para eventuais posicionamentos


jurisdicionais pátrios.
No contexto europeu, duas decisões são importantes a se destaca-
rem como precedentes. A primeira delas, espanhola, onde o Tribunal
Supremo da Espanha através do Recurso de Casación nº 2229/2013,
julgado em 16/06/2014, na Sala de lo Penal, não apenas reafirmou o
respeito à reserva de jurisdição, como também afastou a possibilidade de
“tácita renuncia” do direito constitucional ao sigilo, posto que a Consti-
tuição não traz como fundamento válido de ingerência na intimidade o
consentimento do indivíduo invadido, ou seja, a autorização do funcioná-
rio para que a empresa invada suas comunicações não suplanta a
necessidade de ordem judicial válida para fins penais: 22
A segunda decisão importante sobre o tema fora exarada pelo Su-
premo Tribunal de Justiça Português, onde a análise foi além da
espanhola. Em julgamento de recurso de revista contra despedimento
sem justa causa, promovido pela empresa em desfavor da trabalhadora,
entendeu-se que o acesso ao e-mail corporativo disponibilizado pela em-
presa ao funcionário ofende o sigilo das comunicações, ainda que o
conteúdo do e-mail tenha sido dirigido a outro funcionário da mesma
empresa, escrito durante o horário de trabalho e sem nota de pessoalida-
de. O Acórdão foi prolatado no processo nº 07S043 e data de
05/07/2007. No caso em análise, o fato a se destacar foi que o Supremo
Tribunal de Justiça transpôs para o regime laboral as mesmas garantias
ofertadas ao investigado no processo penal. 23
Diferentemente do posicionamento europeu, os tribunais norte-
americanos, indicam tendência diversa, de que, quanto mais privado fica

22
ESPANHA. Tribunal Supremo. Sala de Lo Penal. Recurso Casación nº 528/2014, Sts 2844/2014
ECLI:es:ts:2014:2844. Relator: Jose Manuel Maza Martin. Madrid, 16 de junho de 2014. Cendoj: Centro de Docu-
mentacion Judicial. Madrid,. Disponível em: http://www.poderjudicial.es/search/contenidos.action?action=
contentpdf&databasematch=TS&reference=7128135&links=&optimize=20140718&publicinterface=true>. Acesso
em: 23 abr. 2020
23
PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso de Revista nº 07S043, Sj20070707050000434. Relator:
MARIO PEREIRA. Lisboa, 05 de julho de 2007. Igfej: Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça I.P..
Lisboa, . Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ 54d3c9f0041a
33d58025735900331cc3?OpenDocument&Highlight=0,07S043>. Acesso em: 18 abr. 2020.
Ciro Costa Chagas | 213

o Direito Penal, mais os tribunais desafiam o attorney-client privilegie. O


precedente fora estabelecido em 2014 no caso Barko v. Halliburton.
Em breve análise do caso, Henry Barko intentou uma ação da Lei de
Reivindicações Falsas (FCA) contra a Halliburton e sua antiga subsidiária
Kellogg, Brown and Root (KBR) em 2005, alegando que um subemprei-
teiro da KBR executava trabalhos fora do padrão e aumentava os custos
de construção, que foram repassados ao governo. Separadamente, a KBR
investigou a falta indevida do contrato internamente, de acordo com seu
Código de Conduta Comercial, que a KBR instituiu e administrou por
meio de seu departamento jurídico interno.
Quando a investigação interna começou, investigadores, que não
eram advogados, entrevistaram testemunhas, revisaram documentos e
prepararam relatórios para o departamento jurídico interno. Um investi-
gador da KBR entrevistou funcionários “com conhecimento potencial das
alegações” e obteve declarações de testemunhas confidenciais.
Em 6 de março de 2014, o tribunal considerou que a investigação
interna, mesmo quando conduzida por advogados, não teria como objeti-
vo principal aconselhamento jurídico e, portanto, não teria direito à
proteção do attorney-client privilegie, traduzindo, privilégio advogado-
cliente, sendo que o conteúdo das entrevistas internas não estaria aco-
bertado pelo sigilo das comunicações. Segundo o tribunal, a investigação
analisada teria sido mera resposta aos protocolos de compliance, sem que
a obtenção de aconselhamento jurídico fosse um objetivo significativo.
Diante dos precedentes aqui destacados, e o regramento planejado
das investigações, o interesse do Estado em uma investigação interna é
evidente do ponto de vista probatório. Para a empresa, a detecção e pos-
terior colaboração com as autoridades públicas, dentro da perspectiva da
autorregulação regulada, pode se construir estratégia jurídica que vise
reduzir significativamente sanções ou danos decorrentes do ilícito, como
por exemplo, os danos reputacionais.
A análise específica aqui construída sobre as investigações e seus li-
mites, nos deixa claro que a autorregulação regulada parece ser um
214 | Estudos de Compliance Criminal

caminho estrutural pujante. Certamente é questão de tempo para que o


judiciário nacional passe a lidar com estes novos institutos. No entanto,
acreditamos que essa “nova sistemática”, não funcionará como salvo
conduto para a aplicação do Direito Penal como sanção. Como destaca
Bestriz Goena Vives, por muitas vezes os programas são simplesmente
ignorados tem termos judiciais. 24
Não nos afastaremos aqui de nosso recorte, que foi tracejar a pers-
pectiva processual das investigações internas, sob a ótica da
autorregulação regulada. No entanto, não podemos deixar de frisar nossa
opinião de que, no contexto brasileiro, a qualidade do programa de com-
pliance e boa condução das estruturas de investigação internas, de nada
contribuíram como possível atenuação penal. Servirá sim, como critério
objetivo de diminuição do impacto do Direito Administrativo Sanciona-
dor, na forma da lei.

4. Conclusão

Diante de todo o analisado neste breve ensaio, a prevenção de deli-


tos utilizando-se de programas de compliance efetivos é base de aplicação
da autorregulação. Nos parece que a escolha do legislador pátrio fora
pelo modelo de autorregulação regulada. Isto porque, a legislação nacio-
nal criou incentivos na forma de redutores quantitativos das sanções
administrativas, valorizando no texto da norma a construção de progra-
mas de integridade eficazes.
A perspectiva do direito administrativo sancionador é de completa
adequação à sistemática da autorregulação regulada. No entanto, este
não é o panorama do Direito Penal Econômico. O Direito Penal Econômi-
co enfrenta uma tempestade de novos institutos transdisciplinares, sendo
que a aproximação entre a política criminal e a dogmática poderia auxili-
ar o penalista em como diminuir o problema aqui enfrentado.

24
GOENA VIVES, Beatriz. La atenuante de colaboración. In MONTANIER FERNÁNDEZ, Raquel (coord.). Criminali-
dad de empresa y compliance. Prevenciones corporativas. Barcelona: Atelier, 2013, p.299 e s.
Ciro Costa Chagas | 215

Apesar de não termos percorrido neste estudo, de forma central, a


temática da responsabilização penal da pessoa jurídica, para conseguir-
mos inserir no Direito Penal os benefícios da autorregulação é necessário
que a dogmática lide de forma prática com o problema desta responsabi-
lização, necessariamente estruturada sobre as garantias fundamentais.
De igual modo, deveríamos evitar cair na retórica corporativa e na obses-
são punitiva por parte de reguladores e fiscalizadores.
Especificamente sobre nosso recorte, a condução justa e planejada
da investigação interna, deve se cercar dos princípios norteadores do
processo penal garantista, construindo na empresa um sistema de valo-
res de jogo limpo, evitando danos à imagem, às relações de emprego e
até mesmo a configuração de delitos por parte do gestor ou seus manda-
tários autoritários.
No entanto, o não surgimento de novos impactos penais sobre o ex-
cesso investigativo, ou eventuais reparações trabalhistas por exageros
investigativos, não são suficiente e não se coadunam com os comandos
da autorregulação regulada, que trata de beneficiar o meio empresarial
pelo cuidado preventivo. Não há na legislação penal brasileira comando
claro que permita a empresa beneficiar-se por sua efetividade na evitação
de ilícitos, como existe direito administrativo sancionador. Pelo contrário,
a eficácia no modelo investigativo da empresa pode servir ao anseio pu-
nitivista estatal, utilizando a estrutura da empresa como marco jurídico
mais flexível para fugir das estritas regras aplicáveis ao processo penal,
Sob a ótica da política criminal, é premente que a prestação jurisdi-
cional venha anuir com a nova dimensão do Direito Penal, sob pena de
desprestígio e absoluta ineficácia da inovação. De todo modo, é inexorá-
vel que a autorregulação fora absorvida pela construção própria da
sociedade de risco, sendo que a autorregulação regulada é forma de con-
trole social, conforme a ideia do Bom Cidadão Corporativo. O Direito
Penal, especificamente as normas de garantia processuais penais, serviria
assim de filtro aos modelos autorregulatórios.
216 | Estudos de Compliance Criminal

5. Referências.

BINDER, Alberto M. Os descumprimentos das Formas Processuais: Elementos para uma


crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira
Pessoa com revisão de Fauzi Hassan Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

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soas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2015. Dispo-
nível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/
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BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização admi-


nistrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração
Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso
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propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em:
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MEINI, Iván; PASTOR, Nuria; PARMA, Carlos; REÑO, José. Estudios de derecho pe-
nal. Lima: Ara, 2005
10

Redução de riscos da investigação interna autorregulada

Danilo Emanuel Barreto de Oliveira 1

1. Introdução

Ilicitudes e irregularidades cometidas no âmbito das atividades em-


presariais têm o potencial de causar graves lesões a empresas e
sociedade. Exemplos estrangeiros do início do século XXI 2 e nacionais da
última década corroboram para essa percepção, motivando a discussão
sobre diferentes sistemas de regulação desses espaços de liberdade.
O modelo liberal da autorregulação privada 3, marcado por ampla
discricionariedade conferida às empresas na formulação de seus valores e
procedimentos internos, recebe críticas da doutrina, que o entende eiva-
do do vício de fazer prevalecer interesses econômicos ante interesses
éticos e legais, fazendo prevalecer transgressões “calculadas”.
Antítese ao modelo da autorregulação privada, a regulação pura-
mente estatal 4 carece de eficácia por falta de recursos técnicos e
financeiros para ostensiva vigilância de todos os espaços econômicos.
Da contraposição entre a tese da autorregulação privada, endossada
pelo discurso liberal, e a antítese da regulação puramente estatal, apregoada

1
Mestrando em Direito Penal, pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pós-graduando em Compliance, pelo
CEDIN, e Bacharel em Direito pela PUC Minas. E-mail: [email protected]
2
PABLO MONTIEL, Juan. Autolimpieza empresarial: compliance programs, investigaciones internas y neutrali-
zación de riesgos penales. In: KUHLEN, Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.).
Compliance y Teoría del Derecho penal. Madrid: Marcial Pons, p 221-243, p. 221.
3
GARCÍA CAVERO, Percy. Criminal Compliance. Lima: Palestra Editores, 2014, p. 14.
4
GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica: teoria do crime para pessoas jurídi-
cas, São Paulo: Editora Atlas, 2015.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 219

por modelos de Estado-vigia, surge como síntese a corregulação pública e


privada 5. Esse modelo traduz-se, na prática, em limitar-se o Estado à posi-
ção de Supervisor dos controles internos das corporações. Institui-se, sob
essa premissa, um sistema de autorregulação (empresas criando regula-
mentos para seus sócios, administradores, diretores, colabores e parceiros a
ela relacionados) regulada (por meio de normas gerais produzidas pelo
Estado). Segundo Braithwaite, ocorre a superação de um modelo de regula-
ção Keynesiano, “no qual o Estado rema muito porém timoneia mal”, por
um modelo de regulação Hayekiano, “no qual o Estado timoneia e a socie-
dade civil rema” 6.
Nesse sistema, ficam incumbidas as empresas de se autorregularem
com critérios razoavelmente estabelecidos por regulação estatal, sob o
risco de responderem por infrações legais e regulatórias cometidas no
curso de atividades suas ou de seus sócios, colaboradores e terceiros. A
autorregulação das empresas se dá nesse modelo por meio da elaboração
e implementação de programas de compliance, isto é, sistemas de super-
visão empresarial vocacionados a assegurar que as empresas e seus
órgãos operem harmonicamente com o Direito vigente 7.
Para tanto, faz-se necessário não só a privatização de parcela do
controle de ilícitos e irregularidades, mas também da sua detecção e da
sua punição, pois os programas de compliance que não garantem a de-
tecção, punição e validade do controle de ilicitudes e irregularidades são
considerados como "de aparência” ou “de fachada” 8, isto é, inefetivos,
expondo as empresas e sociedade aos mesmos ou até maiores riscos
quando da inexistência do programa de compliance.

5
SIEBER, Ulrich. Programas de ‘Compliance’ em el Derecho Penal de la Empresa. In: NIETO MARTÍN, Adán
(coord.). El Derecho penal econômico em la Era Compliance. Valencia: Editorial Tirant lo Blanch, 2013, p. 71.
6
BRAITHWAITE, John. El Nuevo Estado Regulador y la Transformación de la Criminología. In: SOZZO, Maximo
(Coord.). Reconstruyendo las Criminologías Críticas. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006, p. 43-73.
7
ROTSCH, Thomas. Criminal Compliance. Indret: Revista para el Análisis del Derecho, n. 1, 2012. Disponível
em: https://indret.com/criminal-compliance/. Acesso em: 4 maio 2020.
8
PABLO MONTIEL, Juan. Autolimpieza empresarial: compliance programs, investigaciones internas y neutrali-
zación de riesgos penales. In: KUHLEN, Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.).
Compliance y Teoría del Derecho penal. Madrid: Marcial Pons, p. 224.
220 | Estudos de Compliance Criminal

Depreende-se, do raciocínio acima, que em modelos de autorregula-


ção regulada é necessário, entre outros aspectos, um correto exercício
das atividades de apuração e detecção de ilícitos e irregularidades pelas
empresas. O cuidado com as investigações internas num programa de
compliance tem de ser grande, pois o que parece ser água contra o fogo,
se mal empregado pode servir-lhe como gasolina.
A investigação interna, existente e operada sob crivos objetivos e de-
terminados, pode significar o exercício de um direito, o cumprimento de
um dever, o esclarecimento da suspeita de um fato e resultar na diminui-
ção ou extinção de eventuais sanções por parte do Estado, em virtude do
sucesso de sua colaboração.
Todavia, diante de um cenário em que falta ao instituto regulação
por parte do Estado, a operação do instituto torna-se difícil e arriscada,
podendo causar danos a colaboradores e resultar-se inefetiva para fins de
diminuição de sanções e funcionamento do compliance.
Vale dizer, da falta de regulação da investigação interna acirra-se de-
fasagem entre essa e o compliance. Enquanto o compliance opera cada vez
mais sob um paradigma de autorregulação regulada, a investigação interna
titubeia em ambiente incerto em detrimento da falta de sua regulação.
Considerando o acima exposto, o presente artigo pretende: i) apre-
sentar o instituto da investigação interna, tratando de sua origem, seu
conceito, seus fundamentos e objetivos, e ii) propor critérios objetivos
desenvolvidos pela doutrina para a realização das investigações internas,
considerando os riscos atinentes ao instituto, diante da falta de regulação
estatal direta.

2. Primeira parte: sobre o instituto da investigação interna

2.1 Origem

Não obstante as investigações internas sejam consideradas tema de


recente preocupação da doutrina nacional, em função do crescente mo-
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 221

vimento no Brasil pela adesão ao compliance, as investigações internas já


acontecem há muito tempo em solos estrangeiros 9.
A literatura identifica as primeiras atividades de investigação inter-
na na década de 1960, nos Estados Unidos da América, onde os tribunais
ordenavam processos de “autolimpeza” a empresas que fossem denún-
cias pela Security Exchange Comission – SEC (órgão de regulação e
fiscalização do mercado de valores mobiliários do país) com a finalidade
de dar cumprimento a leis de Direito cambiário dos Estados Unidos da
América 10.
O uso sistemático das investigações internas, porém, foi adotado a
partir da década de 1970, para coibir a práticas anticoncorrenciais e de
atos de suborno e corrupção, no âmbito dos programas de leniência (vo-
luntary disclosure), exigidos às empresas pela SEC e pelo Departamento
de Justiça norte-americano (DoJ). Para contornar problemas afetos à
investigação de fatos complexos, passaram a ofertar a diminuição ou
extinção de sanções nas hipóteses em que as empresas suspeitas colabo-
rassem, com seus próprios recursos e esforços, para o esclarecimento de
fatos suspeitos 11.
Embora a origem da investigação interna tenha sido motivada em
razão de mecanismos de justiça negociada, sua utilização inicial foi alvo
de críticas por parte das empresas e operadores do Direito, principal-
mente por 3 (três) razões 12: (i) não houve até 1975, mesmo após 90
empresas terem celebrado acordos de voluntary disclosure, qualquer
orientação sobre quais e como as informações deveriam ser entregues
para a celebração dos acordos de leniência; (ii) as empresas que celebra-

9
LEITE FILHO, José Raimundo. Corrupção internacional, criminal compliance e investigações internas. 2017.
241f. Dissertação (mestrado) – Universidade de Lisboa, 2017, p. 141.
10
WOLFF, Jacqueline C.. Vonluntary disclosure programs. Fordham Law Review, v. 47, p. 1057-1082, p. 1979. No
mesmo sentido, DUGGIN, Sarah H.. Internal corporate investigations: legal ethics, professionalism and the emplo-
yee interview. Colum. Bus. L. Rev., 2003, p. 870.
11
ESTRADA I CUADRAS, Albert; LLOBET ANGLI, Mariona. Derechos de los trabajadores y deberes del empresario:
conflito en las investigaciones empresariales internas. In: SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria (dir.);
MONTANER FERNÁNDEZ, Raquel (coord.). Criminalidad de empresa y Compliance. Prevención y reaciones
corporativas. Barcelona: Atelier Libros Jurídicos, 2013, p. 198
12
WOLFF, Jacqueline C. op cit., p. 1059.
222 | Estudos de Compliance Criminal

ram acordos parecem não ter sido beneficiadas pelos seus esforços; e (iii)
os acordos de voluntary disclosure celebrados à época acabaram estimu-
lando uma criminalização secundária obscura e excessiva contra
empresas.
Não obstante as críticas, as investigações internas se tornaram insti-
tuto muito empregado nos Estados Unidos a partir da década de 1980, e
com isso, puderam alcançar seu apogeu mais tarde, em 2001, na solução
de escândalos financeiros 13.
O que já é tendência nos Estados Unidos, passou a ser abordado por
países de tradição jurídica continental, na medida em que houve o pro-
gresso do compliance e grupos econômicos importantes de seus países
passaram a ser responsabilizados atos cometidos pelos seus sócios, ad-
ministradores, diretores, colaboradores e parceiros.

2.2 Conceito

A primeira questão que se demonstra importante no estudo do ins-


tituto da investigação interna é a sua delimitação conceitual, pois,
somente a partir da adequada compreensão do conteúdo relativo à dita
expressão é possível compreender o seu real papel diante do paradigma
da autorregulação regulada.
São chamados de “investigação interna” os procedimentos orienta-
dos à apuração de suspeita de irregularidades e ilícitos conduzidos pela
ou em nome da própria pessoa jurídica afetada ou relacionada à conduta
lesiva 14.
Diferentemente das atividades de controle e procedimentos de audi-
toria, cujas principais funções são de fiscalização, revisão, exame e
avaliação de resultados das empresas, geralmente realizados periodica-
mente e sem que haja a necessária presença de indícios mínimos de

13
LEITE FILHO, José Raimundo. op. cit., p. 141.
14
GUARAGNI, F. A.; NETO, L. M. F.; SILVA, D. R.. As investigações internas e a análise econômica do direito.
Revista Unicuritiba, Curitiba, v. 1, n. 26, 2020. No mesmo sentido, DUGGIN, Sarah H.. Internal corporate investiga-
tions: legal ethics, professionalism and the employee interview. Colum. Bus. L. Rev., 2003, p. 864.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 223

irregularidade ou ilicitude, as investigações internas são providas de


reatividade à suspeita de fatos ilícitos ou irregulares, pretéritos ou em
andamento 15, com a finalidade específica de tentar reconstruir esse fato,
para se fazer provar ou descartar autoria e materialidade.
Verificam-se, portanto, duas características que distinguem, portan-
to, as atividades de investigação das atividades de controle, a saber: a
reatividade e a fundada suspeita de ilícito ou irregularidade.
Há, ainda, conhecida expressão empregada pela doutrina, conhecida
como “caça às bruxas” 16. Essa expressão faz referência a procedimentos
não-eventuais sobre agentes para a identificação de fato negativo que lhe
possa ser imputado. Exemplos de atividades desse tipo seriam a fixação
de localizadores em materiais de colaboradores para conhecer sua locali-
zação a qualquer tempo, ou ainda a instalação de gravadores de voz
ocultos em lugares de reuniões de seus colaboradores para descobrir
segredos e informações pessoais.
Diante dessas características, as caças às bruxas, além de se desvia-
rem da característica de fundada suspeita para o seu início, como
acontece no caso das investigações internas, corriqueiramente são eiva-
das de ilegalidade por incidirem em lesões ilícitas a bens jurídicos
constitucional ou penalmente tutelados, como inviolabilidade da corres-
pondência, inviolabilidade do domicílio, privacidade, intimidade, silêncio
e o direito a não produzir provas contra si mesmo.

2.3 Fundamento

Por vezes, o curso de uma investigação interna, necessária para a


detecção de ilícito ou irregularidade, pode desdobrar procedimento apto
à lesão ilícita de bens jurídicos de investigados, incidindo assim em tipos
penais. Para tanto, necessário se faz compreender se há fundamento

15
PABLO MONTIEL, Juan. “Sentido y alcance de las investigaciones internas en la empresa”, in Revista de Dere-
cho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso XL, Chile, p. 251-277, p. 257.
16
Ibid., p. 257.
224 | Estudos de Compliance Criminal

jurídico que faça a investigação interna prevalecer sobre direitos de ou-


trem em determinadas situações, isto é, saber se se trataria de hipótese
de exercício regular de direito, estrito cumprimento de dever legal, ou,
ainda, de lesão jurídica amparada sobre outra justificante ou exculpante.
De acordo com Leite Filho, a literatura costuma excluir, de início,
justificativa pela via do estado de necessidade ou da legítima defesa, visto
que as investigações empresariais internas ocorrem, como medidas de
reação frente a uma infração usualmente já consumada 17. O argumento
não se sustenta, haja vista que, embora as investigações internas usual-
mente constituam reação frente a infrações já consumadas, isso não
ocorre na totalidade dos casos. Nas hipóteses em que a investigação in-
terna se dá no curso de irregularidade ou ilicitude que se prolonga ao
tempo da investigação, poderiam ficar justificados procedimentos de
investigação interna que restrinjam direitos do investigado, sob os crivos
da legítima defesa ou do estado de necessidade, a depender do caso con-
creto.
Para Montiel, estaria a investigação interna que restringe direitos de
investigados fundada em dever quando da legislação assim se depreen-
desse. Assim seria de acordo com os Códigos Penais da Argentina e da
Espanha, bem como pela legislação britânica (UK Bribery Act) 18.
Quando da legislação não pudesse ser imediatamente depreendido
dever jurídico de investigação interna, fundar-se-ia como um dever legal
mediato, ou ainda, uma coerção fática 19, se decorrente de obrigações
anteriores de controle no âmbito de um programa de compliance, as
quais, se violadas e não investigadas, dariam lugar a responsabilizações
civis, penais ou administrativas.

17
LEITE FILHO, José Raimundo. op. cit., p. 143.
18
PABLO MONTIEL, Juan. Autolimpieza empresarial: compliance programs, investigaciones internas y neutrali-
zación de riesgos penales. In: KUHLEN, Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.).
Compliance y Teoría del Derecho penal. Madrid: Marcial Pons.
19
LEITE FILHO, José Raimundo. op cit., p. 143.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 225

Por fim, há quem compreenda como fundamento da investigação


interna poder ingerir sobre direitos fundamentais, o exercício regular de
um direito. Nesse sentido entendem García Cavero e Gómez Martín 20.
No Brasil, as investigações internas seriam frutos de coerções fáti-
cas, haja vista constituírem obrigações mediatas à empresa ou à sua
cúpula, decorrentes de responsabilidades cíveis de empregadores pelos
atos de seus empregados, no exercício do trabalho, conforme estabelece o
Art. 932 do Código Civil Brasileiro; proibições e mandamentos penais,
como nas hipóteses de imputação objetiva, por exemplo, e responsabili-
dades administrativas, como as previstas pela Lei Anticorrupção (Lei nº
12.846/2013) e outras normas nacionais.

2.4 Classificação

Entre as escassas contribuições doutrinárias para a classificação das


investigações internas é possível perceber algumas discriminações, quais
sejam 21.

• Quanto à participação: diferenciam-se as investigações internas em sentido


estrito, em que participam do esclarecimento dos fatos apenas advogados ex-
ternos, das investigações internas em sentido amplo, em que participam na
tarefa de esclarecimento dos fatos também os membros da empresa;
• Quanto à abrangência: diferenciam-se as investigações internas nacionais,
que envolvem a apuração de unidades e bens nacionais, das investigações in-
ternas transnacionais, que envolvem a apuração de unidades e bens
multinacionais;
• Quanto ao momento em que se iniciam: diferenciam-se as investigações in-
ternas pré-judiciais, em que a apuração de fato por empresa inicia-se tão
somente a partir de indícios de irregularidade ou ilícito, sem que o fato esteja
sub judice, das investigações para-judiciais, que ocorrem paralelamente a
processo judicial já iniciado.

20
GÓMEZ MARTÍN, Víctor. (2013). “Compliance y derechos de los trabajadores”, in KUHLEN, Lothar; PABLO
MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.), Compliance y Teoría del Derecho penal, Madrid:
Marcial Pons, p. 125-146.
21
PABLO MONTIEL, Juan. “Sentido y alcance de las investigaciones internas en la empresa”, in Revista de Dere-
cho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso XL, Chile, pp. 251-277, p. 260.
226 | Estudos de Compliance Criminal

A classificação quanto ao momento é ressaltada por Montiel, pela


razão de sua peculiaridade inicial implicar circunstâncias e consequências
práticas, como a abrangência da investigação (geralmente maior para
investigações pré-judiciais e menor para investigações para-judiciais) e
os fatores de mitigação de pena (as pré-judiciais, na aferição de um com-
pliance efetivo, e as para-judiciais, na aferição do grau de colaboração do
autorreporte).

2.5 Objetivos

De acordo com Sahan, os objetivos22 da investigação interna para as


empresas são: (i) a evitação de responsabilização da empresa, da direção
e do compliance officer pela conduta de seus sócios, colaboradores e ter-
ceiros; (ii) apuração, interrupção e punição de ilícitos e irregularidades,
(iii) identificação de deficiências dos sistemas de controle, viabilizando a
correção de deficiências e consequente efetividade do programa de com-
pliance e (iv) prevenção, pela transmissão da mensagem aos sócios,
diretores, colaboradores e terceiros da empresa, de que irregularidades e
ilícitos serão apurados.
Diverge-se acerca da punição ou interrupção de ilícitos e irregulari-
dades como objetivos da investigação interna, como elencados por Sahan.
Nesse sentido, da mesma forma pela qual não deve ser objetivo da inves-
tigação pública a punição de ilícitos e irregularidades, senão somente sua
apuração, assim também acontece com a investigação interna. Seria a
legitimação da punição um dos objetivos do processo sancionatório de-
corrente da investigação interna.
Ressalta-se, conforme Leite Filho, o objetivo da investigação interna
para o Estado, qual seja: a concretização da política criminal de preven-

22
SAHAN, Oliver. Investigaciones empresariales internas desde la perspectiva del abogado. In: KUHLEN, Lothar;
PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.). Compliance y Teoría del Derecho penal.
Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 251.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 227

ção de delitos sob o modelo da autorregulação regulada da iniciativa


privada 23.
Por fim, há também objetivos almejados pelas autoridades de perse-
cução, que, de acordo com Nieto Martin 24, traduzem-se em vantagens,
quais sejam: a economia de trabalho e custos, e a evitação de controles
eventualmente impostos pelo juiz de garantias.
Quanto à segunda vantagem, essa revela-se como potencial de ris-
cos à estrutura do processo penal brasileiro, principalmente se
considerarmos a vindoura realidade da figura do juiz das garantias, no-
vidade trazida pela Lei Anticrime (Lei nº 13.964/2019).

3. Segunda parte: redução de riscos da investigação interna


autorregulada

Após serem abordados os principais aspectos de caracterização do


instituto da investigação interna, são expostas, a seguir, soluções apre-
sentadas pela doutrina para a redução de riscos existentes da falta de
regulação estatal sobre a matéria e do conflito de sua realização com
direitos dos investigados.

3.1 Marco legal insuficiente

O modelo de corregulação pública e privada surge de contradições


do modelo regulado estritamente pelo Estado. Nesse sentido, a passagem
de um paradigma de regulação estatal para outro de corregulação pública
e privada só se perfectibiliza no ordenamento vez que haja ato legítimo a
garantir eficácia a esse novo modelo. Nessa esteira, José Raimundo Leite
Filho faz alusão à discriminação em 5 níveis de atuação estatal, feita por

23
LEITE FILHO. op cit., p. 149.
24
NIETO MARTÍN, Adán. Problemas fundamentales del cumplimiento normativo en el derecho penal. In KUHLEN,
Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.). Compliance y Teoría del Derecho
penal. Madrid: Marcial Pons, p. 47.
228 | Estudos de Compliance Criminal

Engelhart 25, para analisar modelos de autorregulação regulada: (i) apoio


informal do Estado, (ii) recompensas pelo programa de compliance, (iii)
sanções pela falta de programa de compliance, (iv) exclusão de responsa-
bilidade, e (v) obrigação de implementar programa de compliance.
A partir desse movimento de delegação de tarefas controlada nor-
mativamente, projetam-se diversos problemas relacionados ao nível de
integração da autorregulação ao ordenamento, promovida justamente
pela edição ou não de regulação estatal, fazendo surgir normas abertas e
conceitos jurídicos indeterminados.
No Brasil, a legislação que orienta o compliance é bastante esparsa:
no campo das obrigações situam-se a Lei de Combate aos Crimes de
Lavagem de Dinheiro (Lei Federal nº 9.613/98 26 e a Resolução nº
2.554/98 27, do Banco Central do Brasil (Bacen), que obrigam a implanta-
ção e implementação de controles internos a determinados segmentos da
ordem econômica, sobretudo do setor financeiro. Ainda no campo das
obrigações encontram-se também as várias legislações, sobretudo em
âmbito estadual, que obrigam a implementação de programas de integri-
dade às empresas como requisito para contratações públicas,
No âmbito da regulação estatal existem, também, leis que recom-
pensam o programa de compliance, mitigando responsabilizações às
empresas que o tenham implantado. Nesse ângulo destacam-se legisla-
ções que prevejam acordos de leniência diante da existência de
cooperação da empresa com as autoridades para a detecção de ilicitudes,
a Lei Anticorrupção 28 e seu Decreto Regulamentador 29.

25
ENGELHART, Marc. Corporate Criminal Liability from a Comparative Perspective. In BRODOWSKI, Dominik et
al (eds). Regulating Corporate Criminal Liability. New York: Springer, p. 69.
26
BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998: Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos
e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 4 mar. 1998.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 03 maio 2018.
27
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução 2.554: Dispõe sobre a implantação e implementação de sistema de
controles internos. Diário Oficial da União, 29 set. 1998. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/
pre/normativos/res/1998/pdf/res_2554_v3_P.pdf. Acesso em: 03 maio 2018.
28
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1ª de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras provi-
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 229

Salvo especificidades como a de determinados segmentos como o fi-


nanceiro, a falta do programa de compliance não é, por si só, omissão
relevante para o Direito do ponto de vista das sanções.
Muito embora haja certa legislação dispondo sobre o compliance
como um todo, não existe no Brasil marco legal que esclareça os proce-
dimentos e balizas das investigações internas. O escasso regramento que
existe com alguma relação ao assunto no Brasil reside na Lei nº
13.432/2017 30, que dispõe sobre o exercício da profissão de detetive par-
ticular, no entanto, a lei é vaga e confusa em seus termos.
Exemplo de confusão é verificado em seu art. 2º, que classifica co-
mo detetive particular apenas aquele que coleta informações de natureza
não criminal, excluindo, portanto, do âmbito de sua aplicação aqueles
que coletam informações de natureza criminal. No entanto, em seu art.
5º, o texto se contradiz e estabelece a possibilidade do detetive particular
colaborar com investigação policial em curso, desde que expressamente
autorizado pela contratante e não rejeitado pelo delegado de polícia. Da
leitura da referida lei, conclui-se que a principal preocupação dessa é a
regulação da relação entre o profissional que carreará eventual investiga-
ção interna e o seu contratante. Os limites e principais preocupações
concernentes às investigações internas não são aclarados pelo texto.
Nesse sentido, diante da ausência de regulação sobre o tema, e da
existência de conflitos entre deveres mediatos de apuração de ilícitos e
irregularidade e lesões à intimidade e privacidade de colaboradores, des-
loca-se, em plano fático, ao Poder Judiciário o papel de regular e depurar
a validade dos procedimentos de investigação interna realizados.

dências. Diário Oficial da União, 02 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-


2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 03 maio 2020.
29
BRASIL. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que
dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 mar. 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8420.htm. Acesso em: 03 maio 2018.
30
BRASIL. Lei nº 13.432, de 11 de abril de 2017: Dispõe sobre o exercício da profissão de detetive particular. Diário
Oficial da União, 12 abr. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/lei/L13432.htm. Acesso em: 03 maio 2018.
230 | Estudos de Compliance Criminal

A consequência do exposto acima é uma diferença de fases entre o


compliance, de um ponto de vista geral, demarcado pela fase de autorre-
gulação regulada, e as investigações internas, ainda muito mais próximas
à dimensão da autorregulação privada. A investigação interna, nesse
contexto, traduz-se na substituição de um risco possível por um risco
provável, o que é indesejável.
Carece, portanto, de autorregulação regulada, a matéria de investi-
gações internas, haja vista que, se mal conduzida, além de gerar custos às
empresas, pode resultar-se ineficaz para a redução ou exclusão de res-
ponsabilizações, bem como promover uma série de lesões a direitos de
privacidade e intimidade de colaboradores e terceiros relacionados à
empresa.
A autorregulação regulada das investigações internas resultaria di-
versas vantagens, segundo Montiel, quais sejam: (i) otimização de custos
econômico-jurídicos, posto que a existência de regras escritas afastaria
custos decorrentes da improvisação e (ii) maior previsibilidade ao cola-
borador da possibilidade de atuação da empresa na realização de
investigações internas, atendendo ao princípio da boa-fé objetiva dos
contratos, forte art. 422, do Código Civil Brasileiro 31.
Na extensão de suas lições, Montiel apresenta o desafio de pensar a
autorregulação de investigações internas como um sistema de garantias
de rigor intermediário 32. A linha mestra do raciocínio é interessante, na
medida em que concilia numa solução um sistema processual com limi-
tes não tão estritos quanto as regras do Direito Processual Penal, haja
vista o cariz privatístico da relação laboral, nem alheios a qualquer baliza,
de modo que ainda estejam modulados a determinadas proteções que
visem tutelar direitos fundamentais dos investigados.

31
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 03 maio 2020.
32
PABLO MONTIEL, Juan. Sentido y alcance de las investigaciones internas en la empresa. In Revista de Derecho
de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso XL, Chile, pp. 251-277, p. 267.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 231

3.2 Direito ao silêncio

Entre as dificuldades enfrentadas pela falta de regulação estatal re-


ferente ao tema das investigações internas, destaca-se questão quanto à
aplicabilidade do direito ao silêncio, protegido pelo art. 5º, LXIII da Cons-
tituição da República 33.
De um lado, a doutrina advoga pela aplicação da referida garantia
aos interrogatórios tomados dos colaboradores na investigação interna,
assim como ocorre para os réus no processo penal, de modo que os cola-
boradores poderiam, sob a égide do princípio nemo tenetur, recursar
prestarem informações sobre fatos aos seus empregadores. Todavia,
como bem atesta Montiel, fazer valer o princípio nemo tenetur em sua
máxima extensão nas relações trabalhistas implicaria sua desnaturação,
em vista da boa-fé objetiva que deve ser observada no seio de qualquer
contrato, inclusive o de trabalho, além de deveres contratu-
ais/estatutários de fidelidade empregatícia e/ou associativa no sentido de
prestar informação certa 34.
Soluções nesse sentido, como as indicadas por Montiel pela inobser-
vância do princípio da vedação à autoincriminação não se sustentam
diante do Estado de Direito, como sustentam José Raimundo Leite Filho e
Nieto Martin. Segundo Nieto Martín, “se a investigação interna é a antes-
sala do processo penal, há de se oferecer garantias similares” e
complementa, “as pessoas que sejam interrogadas devem ser advertidas
de que possuem direito a guardar silêncio e qual é a finalidade da inves-
tigação” 35.
Leite Filho desenvolve solução interessante cujo presente texto pas-
sa a endossar: uma clivagem entre as investigações internas com

33
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 05 out. 1988. Disponí-
vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 03 maio 2020.
34
PABLO MONTIEL, Juan. op. cit., p. 272.
35
NIETO MARTÍN, Adán. Problemas fundamentales del cumplimiento normativo en el derecho penal. In KUHLEN,
Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.). Compliance y Teoría del Derecho
penal. Madrid: Marcial Pons, p. 48.
232 | Estudos de Compliance Criminal

propósitos e motivações puramente internos, isto é, sem a perspectiva de


se cooperar com autoridades, e as investigações internas predestinadas
ou interessadas à cooperação com as autoridades e suas possíveis conse-
quências e vantagens.
Nesse sentido, as investigações internas com propósitos e motiva-
ções puramente internos não estariam moduladas ao nemo tenetur entre
empregados e empresas, todavia as provas obtidas pelos interrogatórios
daqueles não poderiam ser alvo de repasse ou valoração de autoridades.
De outro lado, nas investigações que visassem a produção de provas
para possível colaboração com autoridade pública, essas deveriam obser-
var e informar colaboradores interrogados sobre seu direito ao silêncio,
considerando, sobretudo, a razão de a empresa não mais possuir a refe-
rida vantagem investigatória advinda de sua relação privada com o
colaborador. Essas investigações estariam permeadas pelas finalidades da
persecução pública, portanto deveriam respeitar as mesmas garantias
atinentes a esse sistema, como o direito ao silêncio.

3.3 Suspeita necessária e proporcionalidade como balizas para as


investigações internas

O nível de suspeita necessária para o início de uma investigação in-


terna é questão de ordem complexa, pois agrega aspectos materiais
econômicos, reputacionais, econômicos e jurídicos: (i) problemas econô-
micos, pois a condução de investigações internas supõe, por vezes,
elevados custos às empresas; (ii) problemas reputacionais, porque o
início de uma investigação interna é fato passível de especulação a acio-
nistas, sócios e terceiros; (iii) problemas de compliance, porque o modelo
de autorregulação regulada sobre o qual se repousa o compliance mana-
gement faz surgir nas autoridades a expectativa de que as empresas não
deixarão, na alegoria de Montiel, a “água chegar ao pescoço”; e (iv) pro-
blemas de ordem jurídica, pois a realização de investigação interna sem
motivo suficiente ou demasiadamente intrusiva pode gerar diversas res-
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 233

ponsabilizações. Soma-se aos problemas citados acima a necessidade de


decisões velozes.
Diante disso, propõe Montiel um critério mínimo plausível para o
nível de suspeita necessário para se dar início a uma investigação inter-
na: O nível de suspeita requerido para iniciar as investigações deveria ser
igual ou superior ao de uma investigação pública 36.
O critério acima é interessante, pois se apoia em uma premissa lógi-
ca: a de que em um Estado de Direito, os poderes coercitivos e de
investigação da empresa devem ser iguais ou inferiores aos das autorida-
des públicas, que têm legitimidade política, por excelência, para tanto.
Para balizar a ideia de suspeita necessária para o início de uma in-
vestigação interna, adequado se faz um juízo de proporcionalidade da
credibilidade da suspeita à gravidade da ilicitude ou irregularidade sus-
peitada, de modo que meros rumores de que um colaborador tenha
realizado atos de corrupção não se revelaria, nesse escrutínio, como grau
de suspeita necessária para a realização de uma investigação interna.
Essa ideia de proporcionalidade deve seguir o curso de toda medida to-
mada no âmbito das investigações internas, em conformidade à
gravidade e à complexidade da ilicitude ou irregularidade investigada.

3.4 Esferas de intimidade

No curso de investigações internas, segundo Montiel, as ações de


investigadores podem adequar-se a dois tipos de ilícitos à intimidade do
investigado: (i) a revelação desautorizada de informações privadas de
investigados e (ii) ações intrusivas para obter, de forma não autorizada,
dados pessoais ou sensíveis do investigado 37. Percebe-se, nesse sentido, a
necessidade de identificar com maior segurança até que nível de intimi-

36
PABLO MONTIEL, Juan. “Sentido y alcance de las investigaciones internas en la empresa”, in Revista de Dere-
cho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso XL, Chile, pp. 251-277. p 267 e ss
37
Id.. Autolimpieza empresarial: compliance programs, investigaciones internas y neutralización de riesgos penales.
In: KUHLEN, Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.). Compliance y Teoría del
Derecho penal. Madrid: Marcial Pons.
234 | Estudos de Compliance Criminal

dade do investigado poderiam ser empreendidas atividades de investiga-


ção interna.
Tendo essa questão como pano de fundo, foi desenvolvido pelo Tri-
bunal Constitucional Federal Alemão o que hoje se denomina como
“Teoria das Esferas da Intimidade”. A teoria tem sido endossada por
pronunciamentos da Quarta Turma do Tribunal Supremo Espanhol e do
Tribunal Constitucional da Espanha 38.
De acordo com essa teoria projetam-se no espaço da intimidade do
indivíduo investigado pela empresa três grandes esferas de distinto raio:
(i) a esfera em que falta por completo expectativa razoável de intimidade,
(ii) a esfera em que pode haver modificação legítima de uma expectativa
curta de intimidade em falta de expectativa, e (iii) a esfera em que há
expectativa absoluta de intimidade.
No primeiro grupo, referente à esfera em que falta por completo
expectativa razoável de intimidade, encontram-se as situações de relação
laboral em que não se pode depreender racionalmente que exista expec-
tativa de intimidade.
Encaixam-se como exemplos desse grupo as imagens captadas por
câmaras de segurança em locos públicos da empresa ou em setores de
especial vulnerabilidade, bem como os papeis deixados sobre a mesa em
locais públicos. Atividades investigativas com base nessas informações
são consideradas, segundo esse raciocínio, como ingerências não lesivas à
intimidade, sendo nesses casos, dispensável notificação prévia ou consen-
timento por parte do colaborador.
No segundo grupo, o da esfera em que falta expectativa de intimi-
dade por modificação de expectativa, enquadram-se as dinâmicas
laborais submetidas aos poderes de direção e controle da empresa, de
modo que a ingerência do empregador torna-se legítima se não com-

38
Nesse sentido, Montiel cita decisões do Tribunal Constitucional Federal Alemão: BVerfGE 27, 344 (351); 34, 238
(245); 35, 35 (39); 35, 202 (220); 38, 312 (320); 44, 353 (372); 80, 367 (373). Cita também decisões do Tribunal
Sumpremo Espanhol e do Tribunal Contitucional da Espanha, a saber: STS 1826/2010 (Sala 4.ª); STS 4053/2010
(Sala 4.ª); STC 98/2000; STC 196/2004. PABLO MONTIEL, Juan. Autolimpieza empresarial: compliance programs,
investigaciones internas y neutralización de riesgos penales. In: KUHLEN, Lothar; PABLO MONTIEL, Juan; ORTIZ
DE URBINA GIMENO, Iñigo (eds.). Compliance y Teoría del Derecho penal. Madrid: Marcial Pons.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 235

promete a dignidade do colaborador. Encaixam-se como exemplos desse


grupo os meios de comunicação providos pela empresa estritamente para
usos laborais, como celulares, correios eletrônicos, chats, etc.
O caráter estritamente laboral dos meios providos pela empresa, no
entanto, não impede que haja a transmissão de informações pessoais em
certas comunicações intra e extralaborais mediante o uso desses meios, o
que faz persistir uma expectativa mínima de confidencialidade. Para esse
caso, é o programa de compliance que autorregulará detalhadamente os
usos aos quais devem ser destinados os meios providos pela empresa aos
seus colaboradores. Provada a ciência dos colaboradores de que os meios
poderão ser objeto de investigação e que está vedado o uso não-laboral
do meio, opera-se a modificação de esfera de expectativa de intimidade
para esfera de falta de expectativa de intimidade. Dessa forma, quedaria
não lesiva as atividades de investigação nessas situações.
Por fim, há a terceira esfera, de expectativa absoluta de intimidade,
na qual estão abrangidas as informações mais íntimas dos colaboradores,
como material genético ou correspondências pessoais. Essa esfera estaria
blindada de atividades de investigação interna, em respeito à dignidade
da pessoa humana.
Essas esferas de intimidade imodificável cuja atividade investigativa
não pode acessar tem raio que varia de acordo com cada ordenamento.
Segundo Conceição Aparecida Giori, para o Tribunal Supremo Espanhol,
a ingerência ao direito de segredo das comunicações somente é válido
para uso em processo penal, quando autorizado por ordem judicial, pou-
co importando o consentimento ou renúncia de direito do investigado 39.
Em Portugal, por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça expandiu as
garantias penais para o âmbito laboral, não tolerando nenhuma forma de

39
GIORI, Conceição Aparecida. Supressão de sigilo de comunicações nas investigações internas e limites ao
seu emprego no processo penal: os programas de integridade e a colisão com direitos fundamentais.
Instituto Brasileiro do Direito de Defesa, 2019. Disponível em: https://ibradd.org.br/2019/12/09/supressao-de-
sigilo-de-comunicacoes-nas-investigacoes-internas-e-limites-ao-seu-emprego-no-processo-penal-os-programas-
de-integridade-e-a-colisao-com-direitos-fundamentais/. Acesso em: 03 maio. 2020.
https://ibradd.org.br/2019/12/09/supressao-de-sigilo-de-comunicacoes-nas-investigacoes-internas-e-limites-ao-
seu-emprego-no-processo-penal-os-programas-de-integridade-e-a-colisao-com-direitos-fundamentais/
236 | Estudos de Compliance Criminal

invasão de comunicações, sem respaldo judicial para tanto 40. No Brasil, a


Justiça do Trabalho vem se pronunciando em desfavor da proteção da
intimidade do colaborador no caso de comunicações havidas por meios
de comunicação estritamente laborais.

3.5 Proteção de dados

Na esteira da revolução tecnológica que marca o presente tempo,


cuja evolução da capacidade computacional de processamento viabiliza e
acelera cada vez mais a coleta, o armazenamento, o tratamento e o com-
partilhamento de dados 41 , a preocupação pela autodeterminação
informativa de indivíduos como sujeitos de direitos reclama tutela espe-
cial, demandando que não haja ingerência arbitrária, sobretudo por parte
de agentes privados, em relação ao uso que se dá de dados pessoais.
Essa maior preocupação com o uso de dados pessoais resultou em
novo passo na evolução regulatória sobre o tema de proteção de dados, o
que se materializa na última década pela criação de marcos legais mais
rígidos em relação ao tratamento de dados pessoais.
Nesse contexto, seguindo movimento iniciado pela União Europeia
para expansão da proteção de dados pessoais que levou à criação do Re-
gulamento Geral de Proteção de Dados - GDPR (General Data Protection
Regulation) 42, foi editada em 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados -
LGPD (Lei Federal nº 13.709/2018) 43, que dispõe sobre uma série de
princípios e regras que devem ser considerados na hipótese de tratamen-

40
GONZALES, Nariman Ferdinian. Compliance: Investigações internas e eseus limites à luz da privacidade e da
proteção de dados. 2018. 60f. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Paulo, 2018.
41
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respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE
(Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados). Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/ALL/?uri=celex%3A32016R0679. Acesso em: 03 maio 2020..
43
BRASIL, Lei Federal nº 13.709/2018: Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União,
15 ago. 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso
em: 03 maio 2018.
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 237

to de dados pessoais, cuja operação de tratamento: (i) seja realizada no


Brasil, (ii) tenha como objetivo o tratamento de dados de indivíduos
localizados no território nacional, ou ainda (iii) quando os dados pessoais
objeto de tratamento tenham sido coletados no território nacional.
Muito embora a lei brasileira tenha expectativa de início de vigência
apenas para maio de 2021, as empresas devem começar desde já a con-
formar seus procedimentos a fim de viabilizar adequação tempestiva à
norma. Vale dizer: no ângulo das investigações internas, cuja suspeita de
fato a ser apurada constantemente está envolta de certa sensibilidade e a
potencialidade de impacto a dados pessoais é potencializada, os cuidados
devem ser redobrados.
Nos termos do artigo 4º, que estabelece as situações em que a lei
não se aplica, excluem-se do escopo da LGPD as atividades de “investiga-
ção e repressão de infrações penais”, cujos procedimentos não tratem a
totalidade dos bancos de dados em que a atividade investigativa incidirá e
ocorram sob a tutela de pessoa jurídica de direito público. Nesse sentido,
apenas as investigações internas criminais parajudiciais tuteladas por
pessoa jurídica de direito público não estariam submetidas à LGPD.
As demais investigações internas ficam submetidas às disposições
da lei, que exigem um tratamento dos dados pessoais que respeite prin-
cípios como a finalidade, a necessidade e adequação das informações
coletadas. Nesse sentido, a LGPD não inviabilizará a realização das inves-
tigações internas, que poderá ocorrer se a coleta de dados pessoais
processados por ela estiver fundamentada sob uma das hipóteses permi-
tidas, constantes do art. 7º da LGPD, quais sejam: consentimento;
obrigação legal, execução de políticas públicas, realização de estudos por
órgão de pesquisa; execução de contrato; exercício regular de direito em
processo judicial, administrativo ou arbitral; proteção da vida; tutela da
saúde; legítimo interesse; e proteção do crédito.
As investigações internas, no panorama das hipóteses permitidas
pela LGPD, configurar-se-iam para as empresas, na maioria das vezes,
ora como cumprimento de obrigação legal ou regulatória, ora como legi-
238 | Estudos de Compliance Criminal

timo interesse para o atendimento de deveres mediatos, a depender da


compreensão do fundamento de cada investigação interna, cotejando o
caso concreto com a legislação pertinente ao assunto que lhe a envolve.
Ademais, o tratamento de dados pessoais sensíveis, isto é, “dados
pessoais relacionados a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opi-
nião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso,
filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado gené-
tico ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”,
constantemente obtidos em sede de investigações internas, só poderá
ocorrer se motivado por uma das hipóteses do art. 11 da LGPD, que não
mencionam o legítimo interesse, restando deslegitimadas as investiga-
ções internas motivadas por legítimo interesse que venham tratar dados
pessoais sensíveis. No caso de tratamento de dados pessoais sensíveis, a
investigação interna só encontraria guarida da lei, se fossem realizadas
para cumprir obrigação legal ou regulatória, ou ainda, sob consentimen-
to do titular dos dados, podendo esse, ainda, retirar o seu consentimento
a qualquer momento.
Outro cuidado cabível às investigações internas que se extrai do
marco protetivo de dados pessoais é no sentido de as empresas estarem
preparadas para a elaboração de relatório de impacto à proteção de da-
dos pessoais referente a eventual investigação interna, quando exigido
pela autoridade nacional de proteção de dados.
Não obstante aos pontos de atenção referidos acima, outras exigên-
cias da lei pertinentes também ao caso das investigações internas, só
ficarão aclaradas após a formação do órgão responsável por disciplinar a
proteção de dados no Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANPD), que regulamentará diversos aspectos importantes da LGPD.

4. Considerações finais

A corregulação pública e privada é solução encontrada pelo Estado


na contemporaneidade para a repressão de ilícitos e irregularidades em-
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 239

presariais, em virtude da impossibilidade de onipresença fiscalizatória e


investigativa do Estado. Nesse sentido, pode-se compreender o modelo
citado como síntese da contraposição dos paradigmas da autorregulação
privada e da regulação estritamente estatal.
Manifesta-se a corregulação pública e privada por meio da autorre-
gulação regulada de entes privados, isto é, pela implantação e
implementação, por esses, de programas de procedimentos e controles
que garantam a harmonia das atividades da empresa e dos indivíduos
que a compõem com dado ordenamento jurídico estatal vigente.
Para a efetivação da corregulação pública e privada, a edição de có-
digos de conduta ética e de procedimentos de controle não se faz
suficiente. Necessário o emprego de procedimentos de apuração de sus-
peita de irregularidades e ilícitos pretéritos ou em andamento, isto é, a
realização de investigações internas, quando cabível.
No cenário pátrio, há defasagem entre o compliance, que se encon-
tra sobre o modelo da corregulação pública e privada, e a investigação
interna, que se assenta em uma realidade muito mais próxima a da au-
torregulação privada.
Desse cenário emergem diversos conflitos de direitos e deveres, tor-
nando a investigação interna por vezes problemática, na medida em que
dessa se desdobram diversos riscos prováveis e em problemas, como a
responsabilização por violações à privacidade e à intimidade de seus
colaboradores por ela investigados, o que em última instância deve ser
evitado diante do império do Estado de Direito.
Alguns dos principais problemas geradores de riscos para as inves-
tigações internas autorreguladas são contemplados no texto e soluções
para cada um desses são apresentadas. Mais especificamente, trata-se da
falta de marco legal suficiente, dos cuidados que devem ser observados
pelas investigações internas diante do novo marco protetivo a dados
pessoais no Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados, de um critério para
se apurar o nível de suspeita necessário para o início de investigações
internas, de um critério operacional da teoria das esferas de intimidade
240 | Estudos de Compliance Criminal

como balizas para as investigações internas e de quando deve ser neces-


sária a observância ao princípio de vedação à autoincriminação e direito
ao silêncio.
Diante do problema de marco legal suficiente, concluiu-se pela ne-
cessidade de edição, por parte das empresas, de regulamentos internos
estabelecendo seus procedimentos de investigação interna, bem como, a
edição por parte do Estado, de regras e critérios objetivos para verifica-
ção de sua eficácia e validade. Essa regulação dar-se-ia por meio de um
sistema de rigor intermediário, que visasse a conciliação da natureza da
relação privatística laboral e a manutenção de direitos e garantias indivi-
duais existentes no Estado de Direito.
Diante do problema de qual seria o grau de suspeita necessária da
empresa pela para o início de investigações internas, em virtude dos
custos econômicos e jurídicos advindo dessas, concluiu-se que esse grau
de suspeita deve ser igual ou maior ao esperado para o início de investi-
gações públicas, isto é, deve-se observar em plano ideal se, diante da
suspeita existente, seria esperado que autoridades públicas dessem início
a investigações. Se insuficiente a suspeita no exercício mental, insuficien-
te também seria para o início de investigações internas por parte das
empresas.
Diante do problema de regulação estatal e da necessidade de crité-
rios operacionais para decidir ou não por determinados procedimentos
em sede de investigação interna, propõe-se seja adotada a teoria das
esferas de intimidade, considerando os espaços de expectativa de intimi-
dade absoluta, modificável e inexistente, por parte do colaborador, em
relação à situação contemplada.
Quanto ao problema de se exigir, diante de investigação interna, a
prestação de informações certas que de conhecimento forem do empre-
gado, ainda que o incrimine, propõe-se sejam divididas em solução a
depender de dois cenários: para a situação em que a investigação interna
tiver motivações e propósitos eminentemente internos, no que tange a
relação laboral/associativa desse em relação ao empregador, resta facul-
Danilo Emanuel Barreto de Oliveira | 241

tado à empresa proceder a interrogatórios, sem direito ao silêncio por


parte do empregado, impossibilitada a apreciação do Estado como prova.
Quando, em situação diversa, estiver presente, por parte da empresa, a
motivação, o interesse ou a finalidade de colaborar com o Estado, não
deve estar desassistido o empregado de direito ao silêncio, haja vista a
investigação interna estar servindo para propósitos e finalidades afins à
investigação pública, terreno onde devem prevalecer direitos e garantias
fundamentais.

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