Dosimetria Das Penas Privativas de Liberdade

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Faculdade de Direito

DOSIMETRIA DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE


A incidência e o reflexo das circunstâncias do crime nas diversas fases da
fixação da pena

Edson Massato Ishizawa


RA : 455600-4
Turma – 3209C01
Fone: (11) 5011-9459
e-mail: [email protected]

Orientador: Prof. Edson Luz Knippel

São Paulo
2004
Faculdade de Direito

DOSIMETRIA DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE


A incidência e o reflexo das circunstâncias do crime nas diversas fases da
fixação da pena

EDSON MASSATO ISHIZAWA


RA : 455600-4
TURMA – 3209C01

Monografia apresentada ao
Curso de Direito da UniFMU
como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel
em Direito, sob a orientação do
Prof. Edson Luz Knippel

São Paulo
2004
Faculdade de Direito

Banca Examinadora

Prof. orientador:_______________________________
Edson Luz Knippel

Prof. argüidor:________________________________

Prof. argüidor:________________________________

Nota:_________(_________)

São Paulo
2004
Os nossos mais sinceros
agradecimentos ao Prof. Edson
Luz Knippel, cuja orientação foi
imprescindível para a realização
desta pesquisa.
SINOPSE

As penas restritivas de liberdade, consagradas no Código Penal pátrio, são a

detenção e a reclusão, cuja dosimetria é regulamentada pelo art. 68 do referido direito

substantivo.

São três as fases da fixação da pena. Primeiro se fixa a pena-base, aumentando

ou diminuído a pena cominada ao tipo legal, considerando-se a existência das

circunstâncias judiciais. Em um segundo momento, sobre a pena-base, incidirão as

agravantes e as atenuantes, compondo a pena provisória. Por derradeiro, para a

dosimetria da pena definitiva, consideram-se as causas de aumento e diminuição da

pena.

Pelo princípio jurídico non bis in idem, nenhuma circunstância poderá ser

considerada mais de uma vez na dosimetria da pena, sendo que, em caso de múltipla

incidência de uma circunstância, deve ser observada a seguinte prioridade:

qualificadoras; causas de aumento e diminuição da pena; agravantes e atenuantes;

circunstâncias judiciais. Somando-se a esta regra, impõe-se que apenas as causas de

aumento e diminuição podem levar a fixação da pena aquém ou além daquela

cominada ao tipo legal.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO, 7

2. DAS PENAS, 9

2.1. Conceito, finalidade e características, 9

2.2. Classificação segundo o Código Penal, 16

2.3. Penas privativas de liberdade e suas espécies, 18

3. DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME, 24

3.1. Conceito, 24

3.2. Diferença entre circunstância e elementar do tipo, 25

3.3. Classificação, 29

3.4. Circunstâncias judiciais, 30

3.4.1. Culpabilidade, 30

3.4.2. Antecedentes, 32

3.4.3. Conduta social, 38

3.4.4. Personalidade do agente, 38

3.4.5. Motivos do crime, 39

3.4.6. Circunstâncias do crime, 39

3.4.7. Conseqüências do crime, 40

3.4.8. Comportamento da vítima, 40


3.5. Circunstâncias legais, 41

3.5.1. Agravantes e atenuantes, 42

3.5.2. Qualificadoras, 45

3.5.3. Causas de aumento e diminuição da pena, 45

4. DA FIXAÇÃO DA PENA, 46

4.1. Fases da fixação da pena privativa de liberdade, 49

4.2. A incidência das circunstâncias e seus reflexos, 51

4.3. Múltipla incidência de uma única circunstância nas diversas fases

da fixação da pena, 65

4.4. Concurso de circunstâncias, 66

4.1.1. Concurso de agravantes e atenuantes, 66

4.1.2. Concurso de causas de aumento ou diminuição, 68

5. CONCLUSÃO, 69

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 73
1. INTRODUÇÃO

O tema referente à dosimetria das penas restritivas de liberdade é por demais

complexo para ser esmiuçado em um curso de graduação de direito em função de sua

extensa grade curricular. Por outro lado, trata-se de um assunto de suma importância

para aqueles que pretendem militar na área do direto penal, seja na Advocacia, no

Magistrado ou no Ministério Público, pois entre estes sempre haverá um interesse

público ou privado a ser tutelado. De um lado estará presente o jus puniendi do Estado,

do outro, o direito à liberdade do indivíduo, e no centro, a sua composição, ou seja, a

justiça. Imprescindível, pois, nos aprofundarmos na questão, motivo o qual nos inspirou

a realizar este estudo.

Devido à vastidão do assunto, delimitamos-o à incidência e o reflexo das

circunstâncias do crime nas diversas fases da fixação das penas privativas de

liberdade, com o intuito precípuo de encontrarmos respostas a duas questões

formuladas no projeto desta pesquisa, quais sejam:

a) A circunstância de um determinado crime pode incidir em mais de uma fase

da fixação da pena?

b) As circunstâncias do crime podem levar a fixação da pena aquém ou além do

limite estabelecido no tipo penal?


Para tanto, utilizamos uma metodologia eminentemente bibliográfica, tomando como

ponto de partida os artigos 59 a 68 do Código Penal, confrontando-os com o

entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrio. Outrossim, em nosso estudo, nos

detivemos às penas privativas de liberdade constantes no Código Penal em detrimento

daquelas preceituadas nas leis extravagantes.

Assim sendo, a nossa pesquisa foi dividida, basicamente, em 3 capítulos:

No primeiro, discorremos sobre a pena: conceito, princípios, finalidades,

características e espécies, segundo o código penal, dando ênfase ao estudo das penas

privativas de liberdade.

No segundo capítulo, tratamos das circunstâncias do crime: conceito, características

e espécies, assim como dos critérios para diferenciá-las das elementares dos tipos

penais.

Por derradeiro, após nos aprofundarmos no conhecimento dos universos das penas

restritivas de liberdade e das circunstâncias do crime, estudamos a intersecção de

ambos, ou seja, a sua correlação. É nesse momento, portanto, que pretendemos dirimir

as questões suscitadas em relação a incidência e o reflexo das circunstâncias do crime

nas diversas fases da fixação das penas privativas de liberdade, objeto desta pesquisa.
2. DAS PENAS

2.1. Conceito, finalidade e característica

Pena do grego “poiné” e do latim “poena” quer dizer castigo, punição. Do ponto
de vista jurídico, pena é uma punição legal imposta pelo Estado àquele que infringe
norma de direito, nos limites da lei.

Do conceito acima, extraem-se princípios, alguns explícitos e outros


implícitos, sejam quais:

a) Punição legal: deve estar prevista em lei existente antes da prática do ato
delituoso – princípio da anterioridade, consubstanciado no princípio da
legalidade ou da reserva legal, que constitui efetiva limitação do poder
punitivo estatal. Subtende-se, ainda, deste princípio que a lei deve emanar
do Poder Legislativo, através de procedimento estabelecido em nível
constitucional, para a definição dos crimes e cominação das sanções
penais, o que afasta não só outras fontes do direito como as regras
jurídicas que não são leis em sentido estrito, embora tenham o mesmo
efeito, como ocorre, por exemplo, com as medidas provisórias.1

Nesse sentido, preceitua a norma constitucional princípio reiterado pelo


nosso Código Penal:

“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal” (Art. 5o, XXXIX, CF).

“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal” (art. 1o, CP).

1
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.1, p.55.
b) Imposta pelo Estado: o “ius puniendi”, ou o direito de punir, é exclusivo do
Estado, que deve em contrapartida respeitar os princípios do devido
processo legal , do contraditório e da ampla defesa.

“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade


competente” (art. 5o,LIII, CF).

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido


processo legal” (art. 5o, LIV, CF).

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos


acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5o, LV, CF).

c) Àquele que infringe norma de direito: a pena é pessoal, não podendo ser
imputada a outro senão ao próprio agente delituoso, segundo o princípio
da pessoalidade.

“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a


obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens
ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (art. 5o,
XLV, CF).

d) Nos limites da lei: não é qualquer pena a ser imposta, e sim aquela
cominada em lei, e dentro dos limites estabelecidos. Tais limites, são
norteados explicitamente pelo princípio da legalidade e implicitamente
pelos princípios:
• Da Intervenção Mínima - ao direito penal cabe somente intervir nos
casos de ofensa grave aos bens jurídicos mais importantes, assim
considerados pela sociedade, sendo que aos demais casos
cominar-se-ão sanções extrapenais.

• Da Proporcionalidade – princípio que prescreve que o meio, que é


a pena, deve ser proporcional ao fim, que é o de punir o agente
pelo delito praticado, ou seja, a intensidade da pena deve ser
diretamente proporcional à gravidade do delito, requisito este a ser
observado pelo legislador ao estabelecer os limites do desvalor da
ação e do desvalor do resultado, face às sanções correspondentes.

“a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre


outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos” (art. 5o, XLVI, CF).

• Da Culpabilidade

a) Como fundamento da pena: “refere-se ao fato de ser possível ou


não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e
antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a
presença de uma série de requisitos – capacidade de
culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta
– que constituem os elementos específicos do conceito
dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses
elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção
penal”.2

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou


desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo
da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento” (art. 26, CP).

b) Como elemento de determinação ou medição da pena: “Nessa


acepção a culpabilidade funciona não como fundamento da
pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja
imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de
culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como
importância do bem jurídico, fins preventivos, etc”.3

“O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta


social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”
(art. 59, CP).

• Princípio da humanidade. - “Esse princípio sustenta que o poder


punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade
da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica
dos condenados”.4

2
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.14.
3
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.14.
4
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.15.
“não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos


do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis” (art. 5o, XLVII, CF).

Uma outra questão que está implícita no conceito de pena é a sua finalidade.
Várias são as teorias a respeito deste assunto, dentre as quais destacamos:

I) Teoria Absoluta ou Retributiva

Teoria, cujos principais defensores foram Kant e Hegel, que, em linhas


gerais, considera a pena como um castigo imposto ao agente por transgredir
a lei, com o fim de realizar a justiça, não podendo ser aplicada como um meio
para se buscar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade. A
pena é aplicada só por ter o sujeito delinqüido, em detrimento da ordem ética
(Kant) ou da ordem jurídica (Hegel), não havendo qualquer função preventiva
ou preocupação com a pessoa do delinqüente, pensamento que ensejou
fortes críticas a esta teoria.

II) Teorias Relativas ou Preventivas

Para esta corrente, a pena não visa retribuir o fato delitivo cometido, e sim
prevenir a sua prática. Impõe-se a pena para que o delinqüente não volte a
delinqüir, diferentemente das teorias absolutas que impõe a pena ao agente
somente porque este delinqüiu. Esta teoria se subdivide ainda em dois
grupos distintos: o da Prevenção Geral e o da Prevenção Especial.

A teoria da Prevenção Geral, cujos principais precursores foram Bentham,


Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e Feuerbach, preconiza que o Direito
Penal pode dar a solução ao problema da criminalidade através da pena em
dois momentos distintos, mas ambos agindo na psique de todos os homens
da sociedade, na forma de uma coação psicológica: o primeiro, como objetivo
imediato, no instante da cominação da pena, a todos avisando quais são as
ações injustas contra as quais se reagirá; o segundo, no momento da
aplicação da pena, deixando claro a disposição de cumprir a ameaça, ou
seja, a certeza do seu cumprimento. Fundamentada na intimidação, esta
teoria leva em consideração a ponderação da racionalidade do homem
comum, que se absteria de cometer delitos em face do temor de ser punido,
não considerando, porém, um aspecto importante da psicologia do
delinqüente, que é a sua confiança em não ser descoberto.

Já a teoria da Prevenção Especial, cujo principal defensor foi Von Liszt,


assim como na teoria da Prevenção Geral, procura evitar a prática do delito,
porém visando exclusivamente o delinqüente, e não todo o grupo social. Tem
como objetivo a defesa da ordem social e considera o delinqüente uma
ameaça a esta ordem. Assim, visa apenas àquele que já delinqüiu, e o fim da
pena é intimidá-lo, corrigi-lo, ou neutralizá-lo, se incorrigível.

III) Teorias Mistas, Unificadoras ou Ecléticas

Tendo Merkel como precursor, estas teorias tentam agrupar em um


conceito único a retribuição, a prevenção geral e prevenção especial, como
fins da pena. Por outro lado, estabelecem uma diferença entre
fundamentação e fim.
“Sustenta-se que a sanção punitiva não deve fundamentar-se em nada
que não seja o fato praticado, qual seja, o delito”.5 O fim precípuo do
Direito Penal seria a prevenção geral ou especial, enquanto que a
retribuição desempenharia uma função limitadora da pena.

“Passou-se a entender que a pena, por sua natureza, é retributiva, tem


seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas
também um misto de educação e correção”.6

É esta, pois, a teoria adotada pelo direito pátrio. “A pena na reforma de


1984, passou a apresentar natureza mista: é retributiva e preventiva,
conforme dispõe o art. 59, caput, do CP”.7

“O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à


personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências
do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”

Complementando o nosso estudo, mencionamos, ainda, duas outras teorias.


A primeira, conhecida como a Teoria da Prevenção Geral Positiva, de Welzel e
Jacobs, preconiza que o fundamento do direito penal não é a proteção dos bens
jurídicos e sim a proteção da norma. A segunda, conhecida como Teoria da
Prevenção Geral Limitadora, contrária à primeira, prescreve que a prevenção geral
deve expressar-se com sentido limitador do poder punitivo do Estado, tendo como
elementos limitadores os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade,
da ressocialização e da culpabilidade.

5
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.83.
6
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.1, p.245.
7
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.519.
2.2. Classificação segundo o Código Penal

Segundo o art. 32 do Código Penal, as penas podem ser privativas de


liberdade, restritivas de direito e de multa. Das penas privativas de liberdade,
que são a detenção e a reclusão, falaremos detalhadamente mais adiante.

As penas restritivas de direito, relacionadas no art. 43 do Código


Penal, são as chamadas penas alternativas ou substitutivas, inseridas no
referido estatuto repressivo pela Lei 7.209/84 e ampliadas pela Lei 9.714/98,
de caráter geral, seguindo uma tendência mundial de substituir as penas
privativas de liberdade por outras, dando primazia à questão da
ressocialização do delinqüente.

A aplicação de tais penas se dá segundo os critérios do art. 44 do


Código Penal e pode ser:

a) Prestação pecuniária: Segundo o art. 45, § 1o, CP, “a prestação


pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus
dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação
social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário
mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários
mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual
condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os
beneficiários”.

b) Perda de bens e valores: Autorizada também pelo art. 5o, XLVI, b,


da CF, e regulamentada pelo art. 45, § 3o, do CP, consiste em um
confisco em favor do Fundo Penitenciário Nacional, cujo valor
máximo será o montante do prejuízo causado, ou do provento
obtido pelo agente ou terceiro, em conseqüência do crime, o que
for maior.

c) Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas: A


Constituição Federal, em seu art. 5o, XLVI, d, prevê tal pena.
Conforme o art. 46, e seus parágrafos, a pena consiste na
atribuição de tarefas gratuitas ao condenado em entidades
assistenciais, hospitais escolas, orfanatos e outros
estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou
estatais, conforme as aptidões do condenado, devendo ser
cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação,
aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da
liberdade, observados os critérios do art. 44 do mesmo estatuto.

d) Interdição temporária de direitos: De acordo com o art. 47 do CP,


que foi recepcionado pelo art. 5o, XLVI, e, da CF, as penas podem
ser: I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública,
bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de
profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação
especial, de licença ou autorização do poder público; III -
suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. IV
– proibição de freqüentar determinados lugares.

e) Limitação de fim de semana: Conforme preconiza o art. 48 do CP,


consiste na obrigação imposta ao condenado de permanecer, aos
sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de
albergado ou outro estabelecimento adequado.

A pena de multa, prevista no art. 5o, XLVI, c, CF, pode ser comum, ou seja,
abstratamente prevista em cada tipo penal, ou substitutiva da pena privativa de
liberdade, nos termos dos artigos 58, parágrafo único e 44, § 2o , do CP. Conforme
o art. 49 do CP, consiste no pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na
sentença e calculada em dias multa, de no mínimo dez e no máximo, de trezentos e
sessenta, sendo que o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser
inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato,
nem superior a cinco vezes esse salário.

2.3. Penas privativas de liberdade e suas espécies

Com fundamento no art. 5o, XLVI, a, da CF, o Código Penal, em seu art. 33,
menciona duas espécies de penas privativas de liberdade: reclusão e detenção.
Ademais, além dessas duas espécies, a Lei das Contravenções Penais introduziu,
ainda, a prisão simples, a qual apenas citamos, pois o nosso foco volta-se,
exclusivamente, para o conteúdo do Código Penal.

É oportuno, no entanto, antes de estudarmos estas espécies de pena,


traçarmos linhas gerais a respeito dos sistemas penitenciários e dos regimes penais.

São três os sistemas penitenciários conhecidos quanto à execução das penas


privativas de liberdade: o sistema de Filadélfia, também conhecido como sistema
Pensilvânico ou Celular, o sistema de Auburn e o sistema Progressivo.

O sistema Celular, que teve sua origem na cidade de Filadélfia, Estado da


Pensilvânia, EUA, por volta do ano de 1776, caracterizava-se, precipuamente, pelo
isolamento absoluto do condenado, sem direito a trabalho ou visitas.
Já o sistema de Alburn, que herdou o nome da cidade norte-americana do
Estado de Nova Iorque, onde se originou em 1818, tinha como características
principais o isolamento noturno, o trabalho dos presos e a exigência de absoluto
silêncio entre os condenados.
O sistema Progressivo, criado pelos ingleses e posteriormente aperfeiçoado
pelos irlandeses, no qual inspirou-se o sistema penitenciário brasileiro, divide a
condenação em quatro períodos: “o primeiro é de recolhimento celular contínuo; o
segundo é de isolamento noturno, com trabalho e ensino durante o dia; o terceiro é
de semiliberdade, em que o condenado trabalha fora do presídio e recolhe-se à
noite; e o quarto é o livramento condicional.”.8

Quanto aos regimes penais, são três as espécies adotadas pelo nosso
Código Penal, nos termos do art. 33, § 1o, alíneas “a”, “b” e “c”:

a) Regime fechado:

Execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média –


penitenciária, cujas regras estão dispostas no art. 34 e parágrafos, do CP;

b) Regime semi-aberto:

Execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento


similar; regulamentada nos art. 35 e parágrafos, do CP;

c) regime aberto:

Em regra: execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento


adequado, tendo suas regras dispostas no art. 36 e parágrafos, do CP.
Excepcionalmente: conforme os requisitos aduzidos pelo art. 117 da Lei

8
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p. 250;
Cf. PINHO, Rodrigo César Rebello. Apreciação crítica do anteprojeto de lei modificativa da parte geral do
código penal de 1940 no tocante às penas privativas de liberdade. Justitia 117/126.
7.210/84 – Lei de execução Penal (LEP), poderá no regime aberto ser a
pena cumprida em residência particular, forma conhecida como Prisão
Domiciliar.

A LEP estabelece as condições básicas de cada um dos referidos


estabelecimentos para o cumprimento da pena: penitenciária - arts. 87 a 90; colônia
agrícola, industrial ou similar - arts. 91 a 92; casa do albergado - arts. 93 a 95. Além
disso, prescreve nos arts. 110 a 119 as regras do sistema progressivo.

Ressalte-se que no sistema penitenciário brasileiro, quando se diz


progressivo, referimo-nos a um conceito amplo de progressão, que é o gênero, do
qual fazem parte as espécies progressão e regressão, isto é, uma vez estabelecido
o regime inicial pelo juiz da condenação, o condenado poderá tanto progredir para
um regime mais ameno ou regredir para um regime mais rigoroso, se houver,
conforme determinação do juiz da execução, nos termos estabelecidas na LEP.

Em face de tal situação, iniciada a fase de execução, não existe diferença


entre detenção e reclusão no que se refere ao regime sob qual a pena poderá ser
cumprida até o seu termo.

Não se pode, no entanto, alegar que não existam diferenças entre detenção e
reclusão. São várias as diferenças, e, a título exemplificativo, citamos9 :

a) Somente os crimes mais graves são punidos com a pena de reclusão,


enquanto que à detenção relacionam-se os delitos de menor gravidade;

b) A pena de detenção inicia-se, na pior das hipóteses, no regime semi-


aberto, ao passo que a reclusão pode iniciar-se no regime fechado;

9
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p. 421.
c) É permitido à autoridade policial conceder fiança somente nos casos de
delitos punidos com detenção, enquanto que naqueles em que são
cominadas penas de reclusão a fiança deverá ser requerida ao juiz;
d) Nos crimes punidos com reclusão, a medida de segurança será sempre
detentiva, ao passo que, naqueles punidos com detenção a medida de
segurança poderá ser convertida em tratamento ambulatorial (art. 97 do
CP) ;

e) Somente os crimes punidos com reclusão, praticados pelos pais, tutores


ou curadores contra os respectivos filhos, tutelados ou curatelados, geram
a incapacidade para o exercício do pátrio-poder, tutela ou curatela,
respectivamente.

Como já dito acima, a execução da pena de detenção inicia-se, no pior dos


casos, em regime semi-aberto. Tal afirmação deduz-se da segunda parte do caput
do art. 33 do CP que prescreve:

“A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou


aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade
de transferência a regime fechado”.

Conclui-se, então, que as possibilidades de cumprimento da pena de


detenção são o regime semi-aberto e o aberto, salvo necessidade de transferência
para o regime fechado, no caso de uma regressão.

Já no caso da reclusão, o rol é mais amplo, incluindo além da possibilidade


de cumprimento da pena em regime semi-aberto e aberto, o regime fechado.

As regras que determinam o regime inicial a ser cumprido nas penas


privativas de liberdade estão contidas nos parágrafos 2o e 3o do art. 33, combinados
com o seu caput:
“§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser
executadas em forma progressiva, segundo o mérito do
condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas
as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá


começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4


(quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o
princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou


inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la
em regime aberto”.

“§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á


com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.

Do exposto acima podemos concluir o que se segue:

I) Para pena de reclusão:

a) O condenado, reincidente ou não, cuja pena seja superior a 8 anos deverá


começar a cumpri-la em regime fechado;

b) O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não


exceda 8 anos, começará a cumpri-la em regime fechado ou semi-aberto,
segundo determinação do juiz da condenação, observados os critérios do
art. 59 do CP;

c) O condenado reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda


8 anos, deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

d) O condenado não reincidente, cuja pena não exceda 4 anos, começará a


cumpri-la em regime fechado, semi-aberto ou aberto, segundo
determinação do juiz da condenação, observados os critérios do art. 59 do
CP;

e) O condenado reincidente, cuja pena não exceda 4 anos, começará a


cumpri-la em regime fechado ou semi-aberto, segundo determinação do
juiz da condenação, observados os critérios do art. 59 do CP.

II) Para pena de detenção

a) O condenado não reincidente, cuja pena não exceda 4 anos, começará a


cumpri-la em regime semi-aberto ou aberto, segundo determinação do juiz
da condenação, observados os critérios do art. 59 do CP;

b) O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos, ou


reincidente, independentemente da quantidade da pena, deverá começar
a cumpri-la em regime semi-aberto.
Existem ainda exceções às regras enumeradas acima: “Por expressa
disposição da Lei no 8.072 de 25-7-90, a pena será integralmente cumprida em
regime fechado quando se tratar de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
de terrorismo e dos crimes definidos como hediondos, consumados ou tentados,
ainda que aplicada pena inferior a oito anos (art. 2o, § 1o). Também o art. 10 da Lei
no 9.034, de 3-5-95, que prevê os crimes praticados por organização criminosa,
estabelece o regime inicial fechado, qualquer que seja a quantidade da pena
aplicada e independentemente de ser ou não o condenado reincidente”.10

3. DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME

3.1. Conceito

“Circunstância: situação, estado ou condição de coisa(s) ou pessoa(s) em


determinado momento; particularidade, acidente que acompanha um fato, uma
situação; caso, condição; causa, motivo”.11

“Circunstância deriva de circum stare, “estar em redor”. Tratando-se de crime,


circunstância é todo fato ou dado que se encontra em redor do delito. É um dado
eventual, que pode existir ou não, sem que o crime seja excluído”.12

“Circunstâncias do crime são aqueles elementos meramente acessórios, que


não integram o crime, mas influem sobre sua gravidade, deixando inalterada sua
essência”.13

10
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.1, p. 256.
11
FEREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.
ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 478.
12
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.551.
13
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal: curso completo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
164.
Somando-se os conceitos acima, poderíamos afirmar que circunstância do
crime é tudo aquilo que o circunda, manifestando-se por uma situação, estado ou
condição de coisa ou pessoa, por uma particularidade, um acidente que o
acompanha, por um caso, uma condição, causa ou motivo.

Podemos extrair, também, a sua característica principal, que é a


acessoriedade. A circunstância, então, é acessória, depende do delito para a sua
existência na esfera penal. O crime, por sua vez, subsiste mesmo quando as suas
circunstâncias não forem determinadas.

3.2. Diferença entre circunstância e elementar do tipo

Consideração importante a se fazer, é a diferença entre circunstância de um


fato e circunstância de um crime. Todo crime é um fato, mas nem todo fato é um
crime. Conclui-se, então, que podemos ter circunstâncias de um fato tido como
criminoso, não sendo porém circunstâncias do crime, pois estão contidas neste, e
não circundando-o, como conceituado acima.

Deste pensamento subtende-se que não são circunstâncias do crime os seus


requisitos, quais sejam: o fato típico e a antijuridicidade. O fato em si, a sua
tipicidade e a sua antijuridicidade não são circunstâncias do delito, mas ele próprio.
Tanto é que se excluirmos qualquer um destes elementos, o crime, em si, se esvai.
Logo, os elementos do tipo e a antijuridicidade não são circunstâncias do crime. A
comprovação de parte desta afirmação, relativa a antijuridicidade, pode ser
observada no art. 23 do Código Penal:

“Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício
regular de direito”.

Quanto aos elementos do tipo, extraímos os fundamentos da doutrina, que


para diferenciá-los de uma simples circunstância do crime, os exclui, isolada e
hipoteticamente. Se desta operação resultar a atipicidade total ou surgir um outro
crime, estar-se-á diante de uma elementar. Caso contrário, ou seja, subsistindo o
crime, tratar-se-á de uma circunstância.14

Tomemos como exemplos, dois casos distintos do nosso Código Penal:

Homicídio simples

Art. 121 - Matar alguém:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante


valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de
um sexto a um terço.

Se excluirmos qualquer um dos elementos do § 1o, o crime de


homicídio simples subsiste, não surgindo nenhum outro em seu lugar. São
estas, então, simples circunstâncias do crime.

Infanticídio

14
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.552;
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.552.
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho,
durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

No infanticídio, porém, diferentemente do caso anterior, excluindo-se, por


exemplo, a circunstância do estado puerperal, este crime desaparece, surgindo
outro em seu lugar: o homicídio. Estamos diante, então, de uma elementar do tipo.

Existe, porém, controvérsia na doutrina em relação às chamadas


“qualificadoras”, como por exemplo, o homicídio qualificado (art. 121, §2o, CP).
Damásio E. de Jesus e Julio Fabrini Mirabete, consideram-nas como sendo
circunstâncias do crime.15 Cezar Roberto Bitencourt, opostamente, exclui as
qualificadoras deste rol, fundamentando-se no seguinte pensamento:

“Cumpre destacar, porém, que somente os tipos básicos contêm as


elementares do crime, porquanto os chamados tipos derivados – qualificados –
contêm circunstâncias especiais que, embora constituindo elementos específicos
dessas figuras derivadas, não são elementares do crime básico, cuja existência ou
inexistência não alteram a definição deste. Assim, as qualificadoras, como dados
acidentais, servem apenas para definir a classificação do crime derivado,
estabelecendo novos limites mínimo e máximo, cominados ao novo tipo. Concluindo,
as elementares são componentes do tipo penal, enquanto as circunstâncias são
molduras da aplicação da pena, e são acidentais, isto é, podem ou não existir na
configuração da conduta típica. As circunstâncias, que não constituem e nem
qualificam o crime, são conhecidas na doutrina como circunstâncias judiciais,
circunstâncias legais e causas de aumento e de diminuição da pena” (grifo nosso).16

Compartilhamos do pensamento acima, pois entendemos que as


qualificadoras são apenas fruto da intenção do legislador em organizar os tipos

15
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.555; MIRABETE, Julio
Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.1, p.292.
penais, não deixando, porém, por este motivo, de serem crimes distintos e
autônomos. O infanticídio, por exemplo, não deixa de ser uma espécie de homicídio,
diferenciando-se deste apenas pela presença de circunstâncias específicas. Tais
circunstâncias, no entanto, poderiam ter ensejado uma forma qualificada de
homicídio. Assim como no infanticídio, o homicídio qualificado comina pena distinta
do homicídio simples. Outrossim, se excluirmos as circunstâncias específicas do
homicídio qualificado, este desaparecerá, surgindo um outro crime em seu lugar: o
homicídio simples. Que diferença há, então, entre uma forma e outra, além da
distinção dada ao infanticídio que foi erigido em artigo apartado do homicídio?

Não é, no entanto, objeto deste estudo aprofundarmos nesta questão, tão


pouco defender uma tese a seu respeito, e, considerando-se que grande parte da
doutrina considera as qualificadoras como sendo circunstâncias do crime, assim
também consideraremos.

Exceção ao método da exclusão para diferenciar uma elementar do tipo e


uma circunstância ocorre com a tentativa (art. 14, CP). Considerada como uma
circunstância legal genérica de diminuição de pena, é, na realidade, uma elementar
genérica complementar a vários outros tipos penais. Se excluirmos as circunstâncias
descritas na tentativa, utilizando-se do aludido método, o crime deixará de existir. Se
o crime não é consumado, ele só pode ser tentado, ou não constituirá nenhum
delito.

Trata-se de uma adequação típica de subordinação mediata, por extensão ou


ampliada, quando o fato não se enquadra imediatamente na norma penal
incriminadora, necessitando para isso do concurso de outra disposição, havendo, no
caso da tentativa, uma ampliação temporal da figura típica, uma vez que, com o
concurso da outra disposição, o tipo não abrange somente o momento consumativo

16
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.552.
do crime, estendendo-se, também, ao instante anterior em que a conduta se dirigia à
completa realização do modelo legal.17

17
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.270.
3.3. Classificação

Conforme relacionam-se ou não ao agente do crime, as circunstâncias


classificam-se em objetivas ou subjetivas, respectivamente. As primeiras dizem
respeito a materialidade do delito como, os modos, os meios e o objeto empregados,
o tempo, o lugar e a qualidade da vítima. As últimas relacionam-se especificamente
ao o agente do crime, suas qualidades pessoais, os motivos que o levaram a
praticar a infração penal, etc.

Outra classificação, para nós a mais importante, pois, como veremos mais
adiante, determina o momento em que as circunstâncias são consideradas no
cálculo da pena, é aquela em que a doutrina subdivide-as em judiciais e legais.

As circunstâncias judiciais são aquelas descritas no art. 59, caput, do Código


Penal, e assim são denominadas por serem reconhecidas e admitidas pelo poder
discricionário que a lei confere ao juiz.

“O juiz possui, no processo individualizador da pena, uma larga margem de


discricionariedade, mas não se trata de discricionariedade livre e, sim, como anota
Jescheck (Tratado de Derecho Penal, vol. II/1191, 1981), de discricionariedade
juridicamente vinculada, posto que está preso às finalidades da pena e aos fatores
determinantes do quantum punitivo”.18

Por outro lado, as circunstâncias legais são especificamente taxadas pelo


Código Penal, independem da discricionariedade do juiz para o seu reconhecimento,
e, conforme são descritas na parte geral ou na parte especial, são conhecidas como
circunstâncias legais genéricas ou específicas, respectivamente.

18
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.876.
3.4. Circunstâncias judiciais

Conforme dissemos, anteriormente, as circunstâncias judiciais são aquelas


reconhecidas ou não pelo juiz, segundo sua avaliação, dentre aquelas descritas no
caput do art. 59 do Código Penal:

“O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à


personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do
crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”

Observe-se que a disposição acima tem caráter amplo e genérico, devendo,


no entanto, como veremos com mais detalhes ao tratarmos sobre a fixação da pena,
serem excluídas deste rol, aquelas que figurarem entre as circunstancias legais. A
seguir, passaremos, então, a descrever cada uma das circunstâncias judiciais.

3.4.1. Culpabilidade

Culpabilidade é o grau de censurabilidade da conduta do agente.


Ressalte-se, no entanto, que a culpabilidade a que se refere o art. 59, do CP,
não é aquela que funciona como pressuposto de imposição da pena, analisada
juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade no momento em que se decide
pela condenação. Aqui ela atua como elemento balizador do quantum da
pena.19

Por outro lado, polêmica é a questão da abrangência do termo


“culpabilidade”. A Lei 7.209/84, que reformou a parte geral do Código Penal de
1940, substituiu as expressões “intensidade do dolo” e “grau de culpa”, antes
usadas, pela “culpabilidade”, sob a justificativa de que “graduável é a censura,
cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”. Adotou-se, assim, a

19
BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.553.
teoria finalista, excluindo-se da culpabilidade o dolo e a culpa, que passaram a
fazer parte do tipo penal, restando, ainda, como seus elementos a
imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta
diversa. Grande parte da doutrina, porém, entende que, apesar da modificação
inserida pela Lei 7.209/84, o dolo deve ser considerado para avaliar o grau de
censurabilidade.20

Nesse sentido, manifestou-se o STJ:

“-...Não há negar a vocação finalista da nova redação do dispositivo que


trata da fixação da pena no art. 59, do CP. A própria Exposição de Motivos
é clara, ao afirmar “-...Preferiu o Projeto a expressão “culpabilidade” em
lugar de intensidade do dolo ou grau de culpa”, visto que graduável é a
censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”.
Ainda que se aceite, como ensina a teoria finalista, que o dolo faz parte da
ação humana, que está localizada no tipo, e não no juízo de culpabilidade
(Welzel), ainda assim ele não fica excluído do exame para a fixação da
pena-base. Evidente que se a sanção ao crime deve ser aplicada entre os
extremos da pena in abstrato, o dolo não pode ser extraído do art. 59
competindo ao juiz, a análise da sua maior ou menor intensidade. No
particular, a própria Exposição de Motivos é explícita, ao dizer: Preferiu o
projeto a expressão culpabilidade...”visto que é graduável a censura, cujo
índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”. Então, pergunta-
se, que é a censura, senão a reprovabilidade da conduta da ação ilícita
típica? E a imputabilidade não é um dos elementos da culpabilidade? E
nela não se exige que o indivíduo proceda de acordo com suas condições
psíquicas, exatamente de onde se extraem a periculosidade

20
BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.554;
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997. v.1, p.883; CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p.34.
e a maior ou menor intensidade do dolo? Se as respostas são afirmativas,
na visão finalista do tipo penal, nele se incluem, desenganadamente, o
dolo e a negligência. É a melhor doutrina (...)” (STJ – RE – Rel. José
Cândido – RSTJ 17/472).21

Outrossim, nos ensina Salo de Carvalho que a culpabilidade de que


tratamos é de ato e não de autor. Diz respeito à reprovação do ato e não da
personalidade do sujeito, do julgamento ético a seu respeito, da culpabilidade de
caráter ou a sua periculosidade.22

Nesse sentido, Inácio de Carvalho Neto manifesta-se: “A culpabilidade não


se confunde com a periculosidade. Esta é requisito para a aplicação da medida
de segurança, enquanto que a imposição de pena depende da culpabilidade”.23

3.4.2. Antecedentes

“Antecedentes são todos os fatos da vida pregressa do agente, sejam


bons ou maus”.24

Clássico é o conceito acima na doutrina, porém, após realizarmos estudos


a respeito do assunto, arriscamos formular o seguinte conceito:

Antecedentes são precedentes judiciais do agente, relevantes, bons ou


maus, anteriores à época dos fatos delituosos que geraram a sua condenação.

21
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.883.
22
CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2001. p.39.
23
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.35.
24
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.556.
O conceito acima, expressa o nosso posicionamento a respeito das
controvérsias existentes na doutrina em relação à sua amplitude, e a ele
chegamos formulando questões a partir do conceito clássico, sejam quais:

a) Incluem-se nos antecedentes quaisquer fatos da vida pregressa do


agente?

Não. Consideram-se, tão somente, os precedentes judiciais,


chamados também de “antecedentes criminais”, ou sejam, os fatos que
estão sob a jurisdição do poder judiciário, desde que relevantes e
anteriores ao crime sobre o qual irá incidir a pena.

Excluem-se, portanto, aqueles de caráter social, relacionados ao


agente, que são abrangidos pela “conduta social”, outra circunstância
também elencada no at. 59, do CP. Nesse sentido, extraímos
ensinamento da doutrina:

“O juiz deverá levar em conta, ao individualizar a pena, os


antecedentes do agente, isto é, tudo aquilo que existiu ou lhe
aconteceu antes da prática do fato criminoso. Em resumo, o seu
comportamento anterior. O estudo dos episódios da vida anteacta
do agente sofreu, contudo, restrição em face da introdução no art.
59 da PG/84, do conceito de “conduta social”, como um fator
independente de posição da pena. Destarte, o conceito de
antecedentes veio a ter um relativo esvaziamento, destinando-se
agora não mais a expressar um quadro referencial abrangente
(comportamento social, inclinação ao trabalho, relacionamento
familiar etc. do agente), mas apenas um quadro menor referente à
existência ou não, no momento da consumação do fato delituoso,
de precedentes judiciais”.25

Questão polêmica é o confronto dos antecedentes criminais com o


princípio da presunção do estado de inocência, contido no art. 5o, LVII,
da Constituição Federal:

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de


sentença penal condenatória”

Para parte da doutrina e da jurisprudência, incluem-se no rol dos


maus antecedentes, por exemplo, os inquéritos instaurados ou
arquivados, os processos criminais em andamento, as absolvições
penais por falta de provas, as prescrições abstratas, retroativas e
intercorrentes, as condenações ainda não transitadas em julgado e os
processos paralisados por superveniência da extinção da punibilidade,
sem que haja, contudo ofensa ao aludido princípio. Nesse sentido,
Damásio E. de Jesus26, Inácio de Carvalho Neto27 e Gilberto Ferreira28.

Também, nesse sentido, manifestou-se o STF:

“Não tem razão o paciente quando alega que, à guisa de maus


antecedentes, foram levados em conta inquéritos policiais. A
jurisprudência do STF tem entendimento no sentido de que ‘a
presunção de inocência não impede que a existência de inquérito
policial e de condenação criminal que não possa ser considerada
para a caracterização da reincidência não possa ser levada em

25
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.884.
26
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.556.
27
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.44.
28
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.44; Cf.
FERREIRA, Gilberto. Op. Cit., pp. 84-85.
conta de maus antecedentes’ (HC 74.967, Rel. Min. Moreira Alves,
DJU 30/05/97)” (STF – HC 77.049/4-RS – Rel. Min. Ilmar Galvão –
j. em 09.06.98 – LBJ 194/476 (ago./1998), verb. 15.418).29
Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência adversárias
preconizam que a admissão de tais antecedentes viola o princípio da
presunção do estado de inocência,

“Com efeito, sob o império de uma nova ordem constitucional, e


“constitucionalizando o Direito Penal”, somente podem ser
valoradas como “maus antecedentes” decisões condenatórias
irrecorríveis. Assim, quaisquer outras investigações preliminares,
processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal, não
podem ser valorados como maus antecedentes” .30

Nesse sentido, decidiu o STF:

“O ato judicial de fixação da pena não poderá emprestar relevo


jurídico-legal a circunstância que meramente evidente haver sido, o
réu, submetido a procedimento penal persecutório, sem que deste
haja resultado, com definitivo trânsito em julgado, qualquer
condenação de índole penal. A submissão de uma pessoa a meros
inquéritos policiais, ou, ainda, a persecuções criminais de que não
tenha derivado qualquer título penal executório, não se reveste de
suficiente idoneidade jurídica para justificar ou legitimar a especial
exacerbação da pena. Tolerar-se o contrário implicaria admitir grave
lesão ao princípio constitucional consagrador da presunção de não-
culpabilidade dos réus ou dos indiciados (CF, art. 5o, LVII). É
inquestionável que somente a condenação penal transitada em
julgado pode justificar a exacerbação da pena, pois, com ela,

29
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.45.
30
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.555.
descaracteriza-se a presunção juris tantum de não-culpabilidade do
réu, que passa, então – e a partir desse momento – a ostentar o
status jurídico-penal de condenado, com todas as conseqüências
daí decorrentes. Não podem repercutir contra o réu situações
jurídico=processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do
Poder Judiciário especialmente naquelas hipóteses de inexistência
de titulo penal condenatório definitivamente constituído” (STF – HC
68.465-3 – Rel. Celso de Mello – DJU, de 21.2.92, p. 1.694).31

Alega a primeira corrente que não se trata de atribuir ao réu


conseqüência própria do status de condenado, valorando o fato como
imputação de culpa, e sim apurar a sua propensão para o crime.32

Ora, entendemos que a afirmação acima é parcialmente correta. O


que se procura é avaliar a propensão do réu para o crime, mas com a
finalidade de estabelecer a pena-base, “suficiente para reprovação e
prevenção do crime”, conforme aduz o art. 59, do CP. Portanto, se age
sobre uma pena, como elemento de determinação ou medição (vide
princípios da pena – 2.1. d), é inegável que o antecedente veste a
vestimenta da culpabilidade de um delito, virtual é verdade, mas com
efeitos reais sobre outro delito real. Logo se é de culpa que falamos, o
preceito constitucional deve ser obedecido.

Compartilhamos, portanto, do pensamento da segunda corrente,


entendendo que somente podem ser considerados como antecedentes
as condenações penais transitadas em julgado que não constituam
reincidência, pois estas últimas são agravantes genéricas, como
veremos mais adiante. Ressalte-se, no entanto, que no caso de

31
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.888.
32
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.45.
existência de mais de uma causa de reincidência, uma delas poderá ser
considerada como antecedente.
Do pensamento acima é que concluímos que os antecedentes são
precedentes judiciais, excluindo-se, então, os precedentes policiais e
aqueles que não são relevantes, ou sejam, as situações jurídico-
processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível ou, em regra,
se irrecorríveis, constituam reincidência.

b) Os antecedentes podem ser tanto bons quanto maus?

Não há dúvidas em relação à possibilidade da existência de maus


antecedentes, pois sendo precedentes judiciais, fácil é de se observar
que, uma vez sob a apreciação do judiciário, na esfera penal, tendem,
na maioria das vezes, a ser infrações.

Quanto aos bons antecedentes, para aqueles que entendem ser


abrangente o campo sobre o que versam, não há dificuldade em
identifica-los, como, por exemplo, ter o agente inclinação para o
trabalho. Por outro lado, os que se restringem aos antecedentes
criminais, como são chamados, normalmente se calam a respeito dos
bons, dentre aqueles, apesar de admiti-los. Existe, inclusive, na
doutrina, quem considere ser característica intrínseca dos antecedentes
a negatividade.

“Negativo porque revela a tendência judicial em considerar apenas


os ‘maus antecedentes’ do autor, sendo excluídos todos os fatos
‘nobres’”. 33

Apesar da dificuldade em imaginar bons antecedentes, dentro da


ótica restritiva, ao nosso ver, estes podem existir. Talvez a dificuldade
advenha da utilização da denominação “antecedente criminal”,

33
CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2001. p.43.
vinculando o fato pregresso ao crime. Se, no entanto, utilizássemos a
expressão “precedentes judiciais”, cuja amplitude é maior, indicando
todos os fatos realizados perante ou sob a responsabilidade do Poder
Judiciário, poderíamos imaginar bons antecedentes com menor
dificuldade, como, por exemplo, o agente ter funcionado como jurado
durante vários anos. Outrossim, o fato de não ter maus antecedentes já
é um bom precedente.

3.4.3. Conduta social

É a vida pregressa do agente representada pela sua conduta no


meio social, familiar, profissional, etc.

Tal conduta pode ser tanto boa quanto má, avaliada segundo
padrões éticos e morais da sociedade contemporânea, e , muitas vezes,
não se vincula a existência ou não de precedentes judiciais. Por exemplo,
pode um sujeito portador de maus antecedentes, antes de preso, ter sido
um bom pai de família e inclinado ao trabalho.

3.4.4. Personalidade do agente

Caráter ou qualidade pessoal do agente que o individualiza em


relação a outras pessoas. É o elemento estável da conduta, sua maneira
habitual de ser no meio ambiente em que vive.

Através da análise da personalidade verifica-se a boa ou má índole


do agente, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, assim como a
presença ou não de desvios de caráter, com o objetivo de identificar se o
crime constitui um episódio acidental ou uma tendência na vida do réu.34

34
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.555.
3.4.5. Motivos do crime

São as causas ou as razões que levaram o agente a praticar o


crime, avaliadas à luz de uma valoração ética, moral e social, segundo
padrões da sociedade contemporânea.

Um indivíduo pode cometer um crime impulsionado pelos mais


variados motivos: fome, ambição, amor, ódio, ciúme, honra, por vingança,
por um motivo político, etc.

Em relação a dois crimes de homicídio, um praticado em defesa da


honra e o outro impulsionado por puro sadismo, a princípio, injusto seria
que sobre o primeiro pendesse pena maior do que aquela atribuída ao
segundo. Há, portanto, no intuito de individualizar a pena, que se valorar
tais motivos para se estabelecer a pena mais adequada, proporcional à
magnitude do injusto e ao desvalor da ação.

Ressalte-se, no entanto, que, como veremos mais adiante, devem


ser excluídos deste rol aqueles motivos expressos tanto na parte geral do
Código Penal como em sua parte especial.

3.4.6. Circunstâncias do crime

Como estudamos anteriormente, circunstância do crime é tudo


aquilo que o circunda, manifestando-se por uma situação, estado ou
condição de coisa ou pessoa, por uma particularidade, um acidente que o
acompanha, por um caso, uma condição, causa ou motivo.

As circunstâncias que ora estudamos, no entanto, são subespécies


das circunstâncias judiciais. Excluem-se do rol, então, as demais
circunstâncias judiciais, aquelas que fazem parte do tipo penal e as
circunstâncias legais.

A inclusão de tais circunstâncias inominadas no âmbito das


circunstâncias judiciais, demonstra a preocupação do legislador em
abarcar o maior número possível de elementos individualizadores da
pena.

3.4.7. Conseqüências do crime

As conseqüências do crime dizem respeito aos efeitos produzidos


pela ação delituosa: “o maior ou menor vulto do dano ou perigo de dano,
que é sempre inerente ao delito, não só para a vítima como para a
sociedade, o sentimento de insegurança provocado nesta e outros efeitos
ainda que mais afastados” (Magalhães Noronha. Direito Penal, 31 ed.
1995, vol 1/245).35

São os efeitos produzidos pelo ato delituoso, excetuando-se as


conseqüências naturais do crime contidas nos tipos penais. Assim, o efeito
morte no homicídio, por exemplo, não constitui a conseqüência da qual
falamos e sim elementar do tipo penal. Constituiria conseqüência, o fato
do homicídio ter sido praticado perante crianças, causando,
posteriormente, a uma delas um trauma psíquico.

3.4.8. Comportamento da vítima

Por vezes, a vítima contribui com o seu comportamento para que o


agente venha a praticar o crime. Não significa, contudo, que tal
comportamento justifique o delito ou isente de pena o seu autor. Serve sim

35
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.900.
para se avaliar o grau de censurabilidade do ato criminoso em face da
influência exercida pelo comportamento da vítima. Nesse sentido, explica
a Exposição de Motivos do Código Penal – Lei 7.209/84 em seu item 50:

“Fez-se referência expressa ao comportamento da vítima, erigido,


muitas vezes, em fator criminógeno, por constituir-se em provocação ou
estímulo à conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco
recato da vítima nos crimes contra os costumes.”

A ciência que estuda o comportamento da vítima no fato criminoso


é a Vitimologia que costuma classificar os tipos de vítimas em: vítimas
totalmente inocentes – as que não tem qualquer participação no delito;
vítimas menos culpadas que o criminoso – as provocadoras, imprudentes
e ignorantes; vítimas tão culpadas como o delinquente – as vítimas
voluntárias dos crimes de encontro; vítimas mais culpadas que o
delinquente – as que provocam o delito; vítimas totalmente culpáveis – as
agressoras, simuladoras e imaginárias.36

3.5. Circunstâncias legais

Conforme já dissemos, as circunstâncias legais são aquelas,


especificamente, taxadas pelo Código Penal, não dependendo da discricionariedade
do juiz para o seu reconhecimento, e, conforme são descritas na parte geral ou na
parte especial, são conhecidas como circunstâncias legais genéricas ou específicas,
respectivamente.

São circunstâncias legais genéricas as causas de aumento ou diminuição de


pena constantes da parte geral do CP, as agravantes e as atenuantes.

36
CARVALHO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.69; Cf.
MENDELSON. “La victimologie, science actuelle” . In: Revue de drit pénal et de criminologie. Bruxelles,
1959. Apud Paulo José da COSTA JÚNIOR. Op. cit., p. 202.
São circunstâncias legais específicas, ou também conhecidas como
especiais, as causas de aumento e diminuição de pena constantes da parte especial
do CP e as qualificadoras.
3.5.1. Agravantes e atenuantes

As agravantes são aquelas circunstâncias enumeradas no art. 61 e


62, do CP, quando não constituírem elementos do tipo ou qualificadoras.

“Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando


não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência:

II - ter o agente cometido o crime:

a) por motivo fútil ou torpe:,

b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação,


a impunidade ou vantagem de outro crime;

c) à traição, de emboscada, ou mediante


dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou
impossível a defesa do ofendido;

d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou


outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar
perigo comum;

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de


relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade;

g) com abuso de poder ou violação de dever inerente


a cargo, ofício, ministério ou profissão;

h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida;


i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção
da autoridade;

j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou


qualquer calamidade pública, ou de desgraça
particular do ofendido;

l) em estado de embriaguez preordenada.

Agravantes no caso de concurso de pessoas

Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao


agente que:

I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou


dirige a atividade dos demais agentes;

II - coage ou induz outrem à execução material do


crime;

III - instiga ou determina a cometer o crime alguém


sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de
condição ou qualidade pessoal;

IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa


de recompensa”.

As atenuantes são as circunstâncias descritas no art. 65, do CP,


conhecidas como atenuantes nominadas, e no art. 66, do CP, que são as
atenuantes inominadas:

“Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a


pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do
fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da
sentença;

II - o desconhecimento da lei;

III - ter o agente:

a) cometido o crime por motivo de relevante valor


social ou moral;

b) procurado, por sua espontânea vontade e com


eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe
as conseqüências, ou ter, antes do julgamento,
reparado o dano;

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir,


ou em cumprimento de ordem de autoridade superior,
ou sob a influência de violenta emoção, provocada por
ato injusto da vítima;

d) confessado espontaneamente, perante a


autoridade, a autoria do crime;

e) cometido o crime sob a influência de multidão em


tumulto, se não o provocou”.

“Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de


circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei”.

As agravantes e as atenuantes têm como função agravar ou


atenuar, respectivamente, a pena-base, segundo prudente arbítrio do juiz,
vez que o Código Penal não estabelece a quantidade de aumento ou
diminuição.
Outrossim, já estudamos que as circunstâncias podem ser de
natureza objetiva ou subjetiva, conforme relacionam-se com a
materialidade do delito ou ao agente do crime. Tal distinção se fará
importante no concurso de agravantes e atenuantes como veremos mais
adiante.

3.5.2. Qualificadoras

Como já estudamos anteriormente no capítulo que trata sobre a


distinção entre circunstâncias do crime e elementares do tipo, as
qualificadoras, apesar de serem consideradas circunstâncias do crime por
grande parte da doutrina, atuam como verdadeiros tipos penais
autônomos.

Tal afirmação é corroborada pelo fato das qualificadoras se


encontrarem presentes somente na parte especial do Código Penal,
cominando, em caso de sua incidência, novos limites para a pena,
aumentando-a em relação àquela cominada ao tipo penal básico.

Exemplo clássico é o do homicídio qualificado (art. 121. § 2o, CP),


em que a incidência de qualquer uma das circunstâncias elencadas
assevera a pena de reclusão para 12 a 30 anos em detrimento do
homicídio simples, cuja pena é de 6 a 20 anos.

São exemplos de qualificadoras: arts. 121, § 2o; 129, §1o; 129, § 2o;
129, § 3o; 130, § 1o; 150, § 1o; 223, parágrafo único; 230, § 1o; 230, § 2o;
etc.

3.5.3. Causas de aumento e diminuição de pena


As causas de aumento ou de diminuição de pena, também
conhecidas como majorantes e minorantes, respectivamente, são
circunstâncias legais constantes tanto na parte geral – circunstâncias
legais gerais, como na parte especial – circunstâncias legais especiais, do
Código Penal.

Caracterizam-se por expressarem em seu texto a conjugação dos


verbos “aumentar”, “diminuir” ou “reduzir”, aumentando ou diminuído a
pena em forma de fração. Ademais, como veremos a seguir, incidem no
derradeiro momento da dosimetria da pena, após a consideração das
agravantes e das atenuantes.

São exemplos de causas de aumento e de diminuição de pena:


arts. 14, parágrafo único; 24, § 2o; 26, parágrafo único; 121, §1o, 121, §4o;
133, §3o; 135, parágrafo único; 207, § 2o; etc.

4. DA FIXAÇÃO DA PENA

Como veremos adiante, são três as fases da dosimetria da pena,


formando um sistema trifásico. Antes de estudarmos cada uma dessas fases,
porém, é oportuno tecermos considerações sobre regras comuns a todas elas.

Característica comum às diversas fases da dosimetria da pena é o poder


outorgado ao juiz para aplicar a sanção in concreto, tendo como fim atender ao
princípio da individualização da pena. É importante, no entanto, salientar que
este poder, discricionário que é, subordina-se às regras contidas no Código
Penal e no Código de Processo Penal, ordinariamente. Tais regras apresentam-
se, basicamente, por via de limites mínimos e máximos impostos para as penas,
e, também, pela obrigatoriedade imposta ao juiz de motivar as suas decisões,
conforme prescrevem os dispositivos do CPP abaixo:
“Art. 381. A sentença conterá:

III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a


decisão”.

“Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

m) a sentença”.

Nesse sentido proferiu o STF:

“Incabível a fixação da pena além do mínimo, se não houve


fundamentação para justificar fosse ela exacerbada.
Nulidade da decisão condenatória, para que outra seja
proferida” (STF – HC- Relator Aldir Passarinho – JUTACRIM
89/477 e RTJ 121/101).37

Ademais, a Exposição dos Motivos do Código Penal – Lei 7.209/84


esclarece em seu item 51, 2a parte, que o sistema trifásico tem como fim permitir
o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz, dando ênfase à
garantia constitucional da ampla defesa:

“Tal critério permite o completo conhecimento da operação dos elementos


incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira
instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o
recurso poderá ferir com precisão essa parte da sentença, permitindo às
instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no

37
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.909.
processo mental do juiz. Alcança-se pelo critério, a plenitude de garantia
constitucional da ampla defesa”.

Existe, no entanto, entendimento jurisprudencial majoritário de que não há


necessidade de fundamentação, no caso de estabelecimento de pena mínima.
Assim decidiu o STF:

“A sentença criminal deve conter fundamentação suficiente, e não


abundante. A parte da sentença que diz respeito à fixação da pena deve
ser fundamentada, entretanto, se a pena foi fixada na quantidade mínima,
sem prejudicar o réu, não se anula a decisão” (STF – HC – Rel. Antônio
Neder – RTJ 68/348).38

Em oposição ao pensamento majoritário, entendemos ser mais correta a


posição que adota a obrigatoriedade da fundamentação, mesmo nos casos em
que se fixe a pena no mínimo legal, conforme nos ensina Cezar Roberto
Bittencourt39:

“Esse é um entendimento que necessita ser revisto urgentemente ou, pelo


menos, merece detida reflexão. É, no mínimo, uma posição questionável
entender que a favor do indivíduo tudo é permitido, esquecendo-se que ao
outro pólo da relação processual encontra-se a sociedade, representada
pelo Ministério Público, que também tem o direito de receber um
tratamento isonômico. A fixação da pena no limite mínimo permitido, sem
a devida fundamentação, viola o ius accusationis e frauda o princípio
constitucional da individualização da pena, que em outros termos, significa
dar a cada réu a sanção que merece, isto é, necessária e suficiente à
prevenção e repressão do crime. Assim, deve-se entender que a ausência

38
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.908.
39
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.561.
de fundamentação gera nulidade, mesmo que a pena seja fixada no
mínimo, desde que haja recurso da acusação, é claro”.
Outra peculiaridade é o imperativo imposto pelo princípio jurídico “non bis

in idem” que significa “não duas vezes a mesma coisa”, ou seja, ninguém pode
responder pela segunda vez sobre o mesmo fato já julgado, ou duplamente
punido pelo mesmo direito. Consequentemente, no caso de haver múltipla
incidência de uma única circunstância nas diversas fases da fixação da pena,
esta só poderá ser considerada uma única vez. Em qual fase é a questão, cuja
resposta veremos mais adiante.

Outras regras regem o sistema trifásico, porém, de aceitação não tão


pacífica como as que descrevemos, motivo pelo qual as abordaremos, para
melhor entendimento e discussão, no desenvolver do nosso estudo.

4.1. Fases da fixação da pena privativa de liberdade

Muito já se discutiu no passado sobre quantas e quais seriam as fases de


fixação da pena. De um lado, Roberto Lyra defendia o sistema bifásico, e de
outro, Nelson Hungria, o sistema trifásico. 40

No primeiro caso, para a fixação da pena-base levar-se-ia em


consideração, em um mesmo momento, as circunstâncias judiciais e as
circunstâncias legais genéricas – agravantes e atenuantes, para posteriormente,
em uma segunda fase, incidirem sobre a pena-base as circunstâncias relativas
as causas de aumento ou diminuição da pena. No segundo caso, a apreciação
das circunstancias judiciais e das circunstâncias legais genéricas seriam feitas
em momentos distintos. Este é, pois, o sistema consagrado na reforma de 1984,
que eliminou a controvérsia existente, conforme esclarece a 1a parte do item 51,
da Exposição dos Motivos do Código Penal – Lei 7.299/84:

“Decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal,


remanescem as divergências sobre as etapas da aplicação da pena. O
Projeto opta claramente pelo critério das três fases, predominantes na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a pena-
base, obedecendo-se o disposto no art. 59; consideram-se, em seguida,
as circunstâncias atenuantes e agravantes; incorporam-se ao cálculo,
finalmente, as causas de diminuição e aumento.”

Nesse sentido, estabelece o caput do art. 68, do Código Penal:

“A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59


deste Código; em seguida serão consideradas as
circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as
causas de diminuição e de aumento”.

São, então, três as fases de fixação da pena:

a) Fixação da pena-base: escolha da pena aplicável, dentre as


cominadas (art. 59, I, CP) e estabelecimento da sua quantidade,
dentro dos limites previstos (art. 59, II, CP), levando-se em
consideração as circunstâncias judiciais (art. 59, caput, CP) ;

b) Fixação da pena provisória: consideração das agravantes (arts.


61, 62, CP) e das atenuantes (arts. 65 e 66, CP);

c) Fixação da pena definitiva: consideração das causas de aumento


e diminuição da pena, genéricos ou específicos.

Ressalte-se, porém, que consideramos como definitiva a pena


estabelecida na terceira fase somente para efeitos do nosso estudo, pois é
verdade que após este momento, tem ainda o juiz a incumbência de estabelecer

40
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.587.
o regime inicial de cumprimento da pena restritiva de liberdade (art. 59, III, CP) e
substituí-la, por outra espécie, caso seja cabível (art. 59, IV, CP).

4.2. A incidência das circunstâncias e seus reflexos

Conforme estudamos anteriormente, as circunstâncias do crime se


classificam em: circunstâncias judiciais, contidas no caput do art. 59, do CP;
circunstâncias legais genéricas, que são as agravantes e atenuantes, e as
causas de aumento e diminuição de pena expressas na parte geral do CP;
circunstâncias legais específicas, que são as qualificadoras e as causas de
aumento e diminuição de pena relacionados na parte especial do CP.

Passaremos a seguir a descrever os seus reflexos face a sua incidência


nas diversas fases da fixação da pena.

a) Qualificadoras

As qualificadoras atuam como tipos penais autônomos, para


efeitos de aplicação da pena.41 Logo incidem, a priori, na cominação
das penas abstratas, aumentando-as em relação às penas cominadas
aos respectivos tipos penais básicos.

Representam a preocupação do legislador em atender ao


princípio constitucional da individualização da pena, porém na fase
legislativa.

Quanto aos seus reflexos, delimitam a pena mínima e a máxima,


às quais devem estar adstritos os efeitos das circunstâncias judiciais,
assim como das agravantes e atenuantes, conforme demonstraremos
adiante. Outrossim, elementares do tipo que são, pelo princípio non bis
in idem, uma vez presentes no caso concreto, impedem a sua
consideração em qualquer uma das fases do sistema trifásico.

b) Circunstâncias judiciais

O caput do art. 59 , do CP, consagra uma fórmula ampla e


genérica de circunstâncias, com o intuito de abarcar o maior número
possível de elementos individualizadores da pena que incidirão sobre
a primeira fase de sua dosimetria. Poderíamos dizer, então, que as
circunstâncias judiciais englobam todas as circunstâncias do crime,
exceto aquelas aduzidas como circunstâncias legais: qualificadoras;
agravantes e atenuantes; causas de aumento e diminuição da pena.
Conclue-se do exposto que, uma vez incidentes como circunstâncias
legais, específicas que são e, pelo princípio non bis in idem, tais
circunstâncias, em regra, não podem incidir como circunstâncias
judiciais.

Quanto aos seus reflexos, as circunstâncias judiciais Influem na


escolha das penas cominadas e na dosimetria da pena-base.

A pena-base é aquela que servirá como ponto de partida para o


cálculo da pena provisória. Para o seu estabelecimento, o juiz escolhe
a pena aplicável, dentre as cominadas, e fixa a sua quantidade,
obedecendo aos limites previstos na sanção penal abstrata.

Os critérios, para tanto, estão contidos no caput do art. 59, do


CP, que faz menção às circunstâncias judiciais e a necessidade de se
estabelecer pena suficiente para a reprovação prevenção do crime.

41
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.85.
As penas cominadas são as sanções abstratas expressas para
cada tipo penal, básico ou qualificado. Podem ser simples, cumulativas
ou alternativas. Simples são aquelas em que se comina apenas uma
espécie de pena: reclusão, detenção ou multa. Cumulativas são
aquelas em que se cominam, concomitantemente, pena restritiva de
liberdade com pena pecuniária: reclusão e multa ou detenção e multa.
Já nas penas alternativas cominam, alternativamente, pena restritiva
de liberdade ou pecuniária: reclusão ou multa; detenção ou multa.

A distinção se faz importante para compreendermos que a


escolha preconizada pelo art. 59, I, do CP, diz respeito somente as
penas alternativas, sendo que tal dispositivo não alcança as penas
simples e as penas cumulativas.

Quanto ao critério utilizado para a escolha, recorremos ao


ensinamento de Inácio de Carvalho Neto:42

“Embora não se possa fixar parâmetros a priori para a escolha


entre as penas alternativamente cominadas, entendemos que,
havendo mais de uma circunstância judicial desfavorável ao
acusado, muito provavelmente não será mais o caso de se
aplicar a pena de multa, devendo-se optar pela pena restritiva
de liberdade, ainda que, quando for o caso, em limites próximos
do mínimo legal”.

Em relação à dosimetria da pena-base, consideração importante


a se fazer é o fato desta estar adstrita aos limites da sanção penal
cominada. Isso ocorre em função do princípio da legalidade. O art. 59,
do CP, não estabelece o quantum da pena-base, prescrevendo,
somente, em seu inciso II, que a quantidade da pena aplicável deverá
estar dentro dos limites previstos. Ora, tais limites são aqueles
previstos na pena cominada para o tipo penal, conforme aduz o art. 53
do CP:

“As penas privativas de liberdade têm seus limites


estabelecidos na sanção correspondente a cada
tipo legal de crime”.

Ademais, o princípio constitucional da legalidade, preconizado


pelo art. 5o, XXXIX, da CF e repetido pelo art. 1o do CP, estabelece:

“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”

Polêmica, no entanto, é a discussão a respeito de qual patamar


deverá o juiz partir para fazer incidir as circunstâncias judiciais. Como a
lei se cala, a controvérsia gira em torno de duas correntes distintas,
uma defendendo a utilização da pena mínima, e a outra, o termo
médio entre a pena mínima e a máxima cominadas.

Fundado no princípio de beneficiar sempre o réu, a doutrina e a


jurisprudência majoritária entendem que o patamar a ser utilizado é a
pena mínima cominada. Por outro lado, outros defendem como
patamar inicial o termo médio, ou seja, a média da soma dos dois
extremos – pena mínima e pena máxima. Assim, se a pena for de 6 a
12 anos de reclusão, por exemplo, o termo médio seria de 9 anos. A
partir deste ponto, passaria o juiz a dosar a pena-base, diminuindo-a
ou aumentando-a, conforme forem boas ou más as circunstâncias
judiciais. Postula esta corrente que tal critério é mais racional, tendo
em vista o patamar médio possibilitar tanto a redução quanto o

42
CARVALHO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.81.
aumento da pena, dentro dos limites mínimo e máximo da pena
cominada, em detrimento da tese do patamar mínimo que só permite a
variação para cima.
Os defensores do termo mínimo refutam a tese adversária,
argumentando que, no caso de haver absoluto equilíbrio entre
circunstâncias positivas e negativas, a pena não sairia do patamar
inicial, e, nestas condições, se o termo médio fosse adotado como
ponto de partida o réu seria prejudicado.

Acreditamos ser mais correta a tese do termo médio, pois, além


de ser mais racional, condiz com os princípios da individualização da
pena e da legalidade. A tese do temo mínimo, por outro lado, afronta o
princípio da individualização da pena, pelo que a seguir expomos.

O Princípio da Legalidade prescreve que não há pena sem


prévia cominação legal.

“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal” (Art. 5o, XXXIX, CF).

O princípio constitucional da individualização da pena se faz


presente em três momentos distintos. O primeiro momento é aquele
em que o legislador, na fase legislativa, comina pena abstrata ao tipo
legal, dentro de um limite mínimo e máximo. O segundo, já na fase
judicial, o juiz, investido de poder discricionário, estabelece a pena
para o caso concreto, tendo como base as diversas circunstancias do
crime, e a medida suficiente para retribuir e preveni-lo. O terceiro
momento é na fase de execução, quando o juiz da execução tem o
poder de modificar a pena em função do comportamento do preso. Em
todos estes momentos, porém, o que se busca é a individualização da
pena.
Pois bem, a lei se cala em relação ao quantum da pena base,
mas não quanto aos seus limites, que são aqueles previstos na pena
abstrata cominada. Nesse sentido, não há qualquer ilegalidade em se
estabelecer como pena-base o termo médio, nos casos de absoluto
equilíbrio entre as circunstâncias judiciais boas e más.

De onde vem o fundamento de favorecer o réu? Seria in dúbio

pro réu? Mas onde se encontra a dúvida? Não há. A lei é clara, deve a
pena-base estar entre os limites mínimo e máximo da pena cominada.
Pois o termo médio não se encontra dentro destes limites? Não se
justifica, portanto, o argumento de que o réu seria prejudicado, em
caso de absoluto equilíbrio entre boas e más circunstâncias.

Por outro lado, aceitando-se a tese do patamar mínimo, se,


hipoteticamente, confrontássemos dois crimes enquadrados em um
mesmo tipo penal, um em que houvesse equilíbrio entre boas e más
circunstâncias judiciais e o outro em que a favor do réu só militassem
boas circunstâncias, ambos teriam a pena-base fixada no mínimo
legal, o que afrontaria o princípio da individualização da pena.

c) Circunstâncias legais genéricas - agravantes e atenuantes

Já vimos que, quando as circunstâncias incidem sobre


agravantes ou atenuantes, não devem ser consideradas como
circunstâncias judiciais.

Em relação à múltipla incidência com as demais espécies de


circunstâncias legais, o art. 61 do Código Penal prescreve:
“São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não
constituem ou qualificam o crime”

Logo, se as circunstâncias incidirem nos tipos penais, básicos


ou qualificados, ou nas causas de aumento de pena, não podem ser
consideradas na segunda fase de dosimetria da pena como
agravantes. Caso contrário seria bis in idem.

Já em relação as atenuantes, a lei não faz a mesma ressalva no


art. 65:

“São circunstâncias que sempre atenuam a pena”

Surge, então a questão: Em qual momento deverá ser


considerada a circunstância que incidir, concomitantemente, como
atenuante e elementar do tipo ou como atenuante e causa de
diminuição da pena?

No primeiro caso fácil é de se observar que somente a


incidência da circunstância sobre a elementar do tipo, básico ou
qualificado, deverá ser considerada, pois, como elemento constitutivo
do crime, determina a cominação da pena do tipo legal na fase
legislativa, que é pressuposto para o cálculo da pena-base, e, assim
sendo, necessariamente, ocorre antes da consideração das
atenuantes.

No segundo caso, apesar da lei também se calar a respeito, é


pacífico o entendimento no sentido de dar primazia às causas de
diminuição da pena em detrimento das atenuantes, evitando-se, assim,
o bis in idem.
As expressões “sempre agravam” e “sempre atenuam”,
presentes nos artigos 61 e 65, do Código Penal, respectivamente,
indicam que as agravantes e as atenuantes devem, obrigatoriamente,
ser consideradas na segunda fase da dosimetria da pena, no cálculo
da pena provisória, podendo provocar aumento ou diminuição da pena-
base fixada na primeira fase. Não é, portanto, uma faculdade
concedida ao julgador.

A lei substantiva, contudo, não estabelece o quantum da


majoração ou da diminuição, deixando-o ao arbítrio do juiz. Porém, à
semelhança das circunstâncias judiciais, a pena provisória não deve ir
além ou quem dos limites da pena cominada.

Tal entendimento, porém, apesar de ser majoritário na doutrina


e na jurisprudência, não é pacífico. Há aqueles que entendem ser
possível, nesta fase, extrapolar os limites cominados ao tipo legal.

Nesse sentido postula Inácio de Carvalho Neto43:

“Na segunda fase, diz o referido art. 68, caput, serão


consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes. Aqui
não há, obviamente, remissão ao art. 59, já que é ele inaplicável
a esta fase. E também não há determinação de respeito aos
limites do tipo. E é assim por razões óbvias: só a pena-base
deve ser fixada dentro dos limites do tipo. Não há razão lógica
para que as demais fases da aplicação da pena também fiquem
adstritas a tais limites. Ninguém nega que, na terceira fase
(consideração das causas de aumento ou diminuição), seja
possível ultrapassar tais limites; por que então não se poderia
ultrapassa-los na segunda fase?
Há mais um argumento: sendo a pena-base fixada no mínimo
legal e acolhendo-se o argumento majoritário de respeito aos
limites do tipo, ter-se-ia que a existência de circunstâncias
atenuantes, ainda que várias, ficaria desconsiderada, o que
implicaria evidente negativa do disposto no art. 65 do Código
Penal, que determina que tais circunstâncias sempre atenuam
a pena. O mesmo se diga se a pena-base fosse fixada no
máximo legal, havendo agravantes, quando então se estaria
negando vigência ao art. 61 do estatuto repressivo, que
estabelece circunstância que sempre agravam a pena”.

Assim, também, entendeu o TJSP:

“As circunstâncias agravantes e atenuantes previstas nos arts.


61, 62 e 65, todos do CP, sempre incidirão sobre as penas
básicas, por força do disposto no art. 68 do mesmo diploma
legal, ainda quando essas se encontrarem nos limites mínimo e
máximo da cominação em abstrato. No caso, trata-se de uma
obrigatória circunstância atenuante. Ao, ninguém mais do que
um eu que, à análise determinada pelos diversos critérios do art.
59 do CP, mereceu a pena-base mínima, faz jus à incidência,
compulsória, diga-se, seguinte da atenuante. Raciocínio outro
seria admitir a conclusão no sentido de que só os réus que
viessem a ter, por circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-
base estabelecida acima do mínimo legal, fariam jus à benéfica
incidência da atenuante obrigatória. Tanto seria o sufrágio do
injusto e do ilógico. Miguel Liebmann, em trabalho intitulado ‘As
circunstâncias atenuantes podem sim descer a pena abaixo do
mínimo legal’, que merece leitura integral, anota: ‘podemos
então afirmar, sem medo de erro, que a não redução abaixo do

43
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.124.
mínimo legal, em presença de atenuantes, nos coloca frente a
um verdadeiro absurdo jurídico: a redução da pena na presença
de atenuantes só se aplica aos réus que, pelas circunstâncias
judiciais, tenham a sua pena-base fixada acima do mínimo legal,
isto é, em face de sua culpabilidade, antecedentes, conduta
social, personalidade, motivos etc., apresentem maior
reprovabilidade’ (RT 676/391). Afinal, o que autoriza concluir
que só as causas de diminuição e aumento podem vulnerar os
limites mínimo e máximo? Por certo, não a peculiaridade de que
a quantidade de diminuição e aumento está balizada em lei. Isso
seria absurdo e ontologicamente inaceitável. Ninguém pode
duvidar que o juiz, diante do caso concreto, tem condições, ao
seu arbítrio prudente, de melhor estabelecer a quantidade da
diminuição ou aumento determinados por atenuantes e
agravantes” (TJSP – AC – Rel. Luiz Pantaleão – RT 702/329).44

Ousamos discordar de tal entendimento. Como já vimos


anteriormente, fundamentalmente, dois são os princípios que regem o
instituto da pena: princípio da individualização e o princípio da
legalidade.

O princípio da individualização preconiza uma graduação da


pena proporcional à gravidade do delito, suficiente para reprová-lo e
preveni-lo. Eis, porque estabelece-se uma margem de
discricionariedade para que o juiz possa efetivar tal individualização.

Tal margem, no entanto, é limitada, tendo como fundamento o


princípio da legalidade que limita a intervenção estatal. Podemos

44
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.1075.
concluir, então, que o princípio da individualização está adstrito ao
princípio da legalidade.

O Código Penal, é verdade, não ordena que a pena na segunda


e na terceira fase da dosimetria se restrinja aos limites impostos ao tipo
penal. Isto é fato.

Por outro lado, a Constituição Federal em seu art. 5o, XXXIX,


estabelece preceito, que é, inclusive, repetido pelo art. 1o do Código
Penal:

“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”

Pois bem, não há pena sem prévia cominação legal.

Cominar é impor, prescrever um castigo, uma pena no caso de


infração. No nosso código penal são duas as formas, prévias, de
cominação. A primeira é o estabelecimento de patamares mínimos e
máximos, que são os casos das penas cominadas aos tipos penais
básicos e qualificados. A outra forma, que é uma espécie de
complemento da primeira, é a prescrição de percentuais fixos ou
variáveis para as causas de aumento e diminuição de pena. Prévias,
só há estas duas formas.

Portanto, a pena majorada ou minorada, em função das


agravantes ou atenuantes, não pode ir além ou aquém dos limites do
tipo legal. As causa de aumento ou diminuição de pena sim, podem
levá-la além ou aquém daqueles limites, pois constituem formas
prévias de cominação.
Outrossim, as expressões “sempre agravam” e “sempre
atenuam”, ao nosso entender, indicam que não é uma faculdade, e sim
um dever do juiz considerar as circunstâncias incidentes, não ficando
ao seu arbítrio considera-las ou não. É forma de se prestigiar o
princípio da individualização e controlar a discricionariedade do
julgador. Porém, como expusemos, o princípio da individualização é
adstrito ao princípio da legalidade.

Eis, porque compartilhamos da posição majoritária, a qual


destacamos através de exemplos da nossa jurisprudência:

“As penas não podem ser aplicadas fora dos limites previstos
pela lei penal, em razão de circunstâncias atenuantes ou
agravantes. Tão-só por força de causas de aumento ou
diminuição, esses limites podem ser ultrapassados, porque, em
casos que tais, ocorre o surgimento de uma subespécie
delituosa, com um novo mínimo e novo máximo” (TACRIM – SP
– AC – Rel. Reynaldo Ayrosa – BMJ 26/20).45

“Mesmo que no sistema penal anterior (Parte Geral do Código


de 1940) achava-se definitivamente estabelecido que as
agravantes e as atenuantes cifravam-se nos limites cominados
ao crime. Não, porém, as causas de aumento e diminuição.
Essa diferenciação devia-se, o que se mostra até intuitivo, à
natureza diversa, sumamente mais ponderável, de peso jurídico
incomparavelmente maior dessas causas em relação àquelas
circunstâncias. Confrontem-se: a tentativa (art. 14, II); o
arrependimento posterior (art. 16); erro sobre a ilicitude do fato
(art. 21); a irresponsabilidade relativa (art. 26, parágrafo único);

45
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.1073.
embriagues voluntária (art. 28, § 2o); participação menor (art. 29,
nos dois casos dos §§ 1o e 2o). São todas, questões de maior
relevância fático-jurídica; com imenso reflexo na subjetividade;
ou na objetividade concreta (tentativa). Deu-lhe o legislador essa
premência especial, casuística, ainda aqui, com fixação de
limites. Mais uma vez os limites; para afastar o puro arbítrio. O
que se faz, pela tese do Magistrado, não é apenas equiparar
coisas distintas; de pesos diferenciados; de naturezas dispares;
de importâncias escalonadas pelo legislador penal. É mais.
Muito mais. É conferir às circunstâncias, majorantes ou
minorantes, peso maior, infinitamente maior do que aquele dado
pelo codificador, às causas de aumento ou modificação. Tais
circunstâncias, por não contarem com limites ou prefixações,
acabam ganhando indevida importância maior, muito maior do
que a dada àquelas preditas causas. Mais do que equiparação,
supremacia. Sem barreiras quantitativas. Ao arbítrio pleno do
julgador” (TJSP – AC – Rel. Ary Bellfort – RT 671/299).46

Nesse sentido, ensina a doutrina:

“O entendimento de que o legislador de 84 permitiu ao juiz


superar tais limites encerra um sério perigo ao direito de
liberdade do cidadão, pois, se, de um lado, autoriza que a pena,
em virtude de atenuantes, possa ser estabelecida abaixo do
mínimo, não exclui, de outro, a possibilidade de que, em razão
de agravantes, seja determinada acima do máximo. Nessa
situação, o princípio da legalidade da pena sofreria golpe mortal,
e a liberdade do cidadão ficaria à maior mercê dos humores, dos
preconceitos, das ideologias e dos “segundos códigos” do

46
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.1074.
magistrado. Além disso, atribui-se às agravantes e às
atenuantes, que são circunstâncias acidentais, relevância
punitiva maior do que a dos elementos da própria estrutura
típica, porque, em relação a estes, o juiz está preso às balizas
quantitativas determinadas em cada figura típica. Ademais,
estabelece-se linha divisória inaceitável entre as circunstâncias
legais, sem limites punitivos, e as causas de aumento e
diminuição, com limites determinados, emprestando-se àquelas
uma importância maior do que a esta, o que não parece ser
correto, nem ter sido a intenção do legislador. Por fim, a margem
de deliberação demasiadamente ampla, deixada ao juiz,
perturbaria o processo de individualização da pena que se
pretende tornar, através do art. 68 do CP, o mais transparente
possível e o mais livre de intercorrências subjetivas”.47

Quanto a dosimetria da pena nesta fase, para aqueles que


sustentam estarem os efeitos das agravantes e atenuantes adstritos
aos limites mínimo e máximo das penas cominadas em abstrato, é
coerente defender que a variação dessas circunstâncias não possa ir
muito além do limite mínimo das majorantes e minorantes, que é fixado
em um sexto.48 Referida tese coaduna com o pensamento de se
reconhecer a maior relevância punitiva das causas de aumento e
diminuição da pena.

Por outro lado, àqueles que não reconhecem a existência dos


aludidos limites, não cabe defender tal tese de dosimetria, pois, seria
uma contradição que se firma, ainda mais, quando se defende uma
variação menor do que a citada acima, sem, no entanto, reconhecer os

47
FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. v.1, p.1072.
48
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1, p.557.
limites da pena impostos pelo tipo penal. É o que preconiza Inácio
Carvalho Neto:

“Vamos além: entendemos que o aumento ou a diminuição não


podem, sequer, chegar a um sexto da pena-base, devendo ser
bem inferior a este patamar, sob pena de se estar equiparando
tais circunstâncias às causa de aumento ou diminuição para as
quais o Código Penal fixou aumento ou diminuição de um sexto.
Achamos, assim, que, embora entregue a questão ao prudente
arbítrio do juiz, recomendável seria aumento ou diminuição na
ordem de 1/12 (um doze avos) a 1/9 (um nono) para cada
circunstância agravante ou atenuante”.49

d) Causas de aumento e diminuição da pena

As causas de aumento ou diminuição da pena são consideradas


na terceira fase da dosimetria da pena.

Em caso de incidência de circunstância, tida como causa de


aumento ou diminuição da pena, em outras fases da fixação da pena,
destas deve ser excluída a sua consideração, aplicando-se tão
somente à terceira fase.

Nos casos de múltipla incidência, as causas de aumento e de


diminuição da pena prevalecem em relação a todas as demais
espécies de circunstâncias do crime, exceto sobre as qualificadoras.

Quanto aos seus efeitos, como já dissemos anteriormente ao


compara-las às agravantes e atenuantes, as causas de aumento e

49
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.120.
diminuição podem levar a fixação de pena além ou aquém dos limites
cominados ao tipo penal.

4.3. Múltipla incidência de uma única circunstância nas diversas fases da


fixação da pena

O Código Penal em seus artigos 59 e 68 prescreve uma seqüência para a


consideração das circunstâncias do crime na fixação da pena. Ocorre, no
entanto, que, exceto no caso das agravantes, em que há mandamento expresso
de exclusão destas em caso de incidência concomitante com as qualificadoras, o
referido direito substantivo não se posiciona sobre os demais casos de múltipla
incidência.

Como pudemos observar ao longo do capítulo anterior, esta múltipla


incidência é aparente, pois o processo de fixação da pena é regido pelo princípio
jurídico “non bis in idem”, que impede a consideração de uma mesma
circunstância do crime mais de uma vez.

Nesse sentido, a síntese do estudo que realizamos sobre a incidência de


cada espécie de circunstâncias, demonstrou que em caso de múltipla incidência,
as circunstâncias devem ser consideradas apenas uma vez, conforme a seguinte
ordem de prioridade: qualificadoras; causas de aumento e diminuição da pena;
agravantes e atenuantes; circunstâncias judiciais.

4.4. Concurso de circunstâncias

4.4.1. Concurso de agravantes e atenuantes

O art. 67 do Código Penal estabelece as regras do concurso de


agravantes e atenuantes:
“No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-
se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes,
entendendo-se como tais as que resultam dos motivos
determinantes do crime, da personalidade do agente e da
reincidência”.

Tem-se concurso quando houver em um mesmo fato delituoso a


presença concomitante de circunstâncias agravantes e atenuantes. Neste
caso, estabelece o dispositivo legal que, incidindo uma e outra, poderá o
juiz deixar de aplicar ambas, por ser uma delas preponderante.50

Preponderantes são as circunstâncias que devem prevalecer sobre


as demais, sendo que, o nosso Código Penal, ao estabelecer como tais
as circunstâncias referentes aos motivos determinantes do crime, à
personalidade do agente e à reincidência, deu primazia às circunstâncias
de natureza subjetiva em detrimento das circunstâncias de natureza
objetiva.

Nesse sentido, manifestou-se o Tribunal de Justiça de Santa


Catarina:

“Circunstâncias objetivas são aquelas relacionadas com os modos


e meios de realização da infração penal, tempo, ocasião, lugar,
objeto material e condições ou qualidades pessoais do ofendido;
subjetivas são as que só dizem respeito ao agente, suas condições
ou qualidades pessoais e relações com o ofendido, sem qualquer
vinculação com a materialidade do crime. Há concurso de
circunstâncias legais agravantes e atenuantes quando estão
presentes concomitantemente, devendo ser consideradas de per si;
havendo equivalência, poderá proceder-se à compensação, o que

50
CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.132.
vale dizer, agrava-se e em seguida atenua-se, com o mesmo valor.
No entanto, quando não haja equivalência, decorrente de uma
delas ser preponderante (CP, art. 67 – de índole subjetiva), esta
deve prevalecer para maior aumento ou menor diminuição, em
relação àquelas de cunho objetivo. A circunstância agravante de
surpresa (CP, art. 61, II, ‘c’), por dizer com modo de realização da
infração penal, é de caráter objetivo, não se classificando como
preponderante” (Apel. Crime 33.397, de São João Batista, Rel. Dês.
Nilton Macedo Machado, J.em 05.09.1995 – TJ/SC).51

4.4.2. Concurso de causas de aumento ou diminuição

O parágrafo único do art. 68 do Código Penal aduz:

“No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na


parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só
diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou
diminua”.

Analisando o dispositivo legal, extraímos as seguintes conclusões:

a) A regra se impõe ao concurso entre causas de aumento ou


entre causas de diminuição de pena. Nada dispõe sobre a
presença simultânea de causa de aumento e causa de
diminuição;

b) Tal dispositivo faculta ao juiz limitar-se, em caso de concurso


entre majorantes ou entre minorantes , a uma só causa de
aumento ou a uma só causa de diminuição, prevalecendo entre
as incidentes a que mais aumente ou a que mais diminua.

51
KUEHNE, Maurício. Teoria e prática da aplicação da pena. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2003. p.197.
c) Tal discricionariedade é conferida ao juiz somente no caso de
concurso entre majorantes ou entre minorantes contidas na
parte especial do Código Penal, não valendo, pois, para aquelas
previstas na parte geral, quando não lhe cabe tal faculdade.
5. CONCLUSÃO

Conforme o estudo que realizamos dos dispositivos do Código Penal,


confrontando-os com o entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrios, as principais
conclusões relativas aos capítulos desta pesquisa estão dispostas a seguir:

Das Penas

1. A pena é uma punição legal imposta pelo Estado, àquele que infringe norma
de direito, nos limites da lei. A sua finalidade é dar justa punição ao agente
delituoso, assim como prevenir nova ocorrência da infração, seja por este ou
por outros. Conclui-se, então, que o nosso Código Penal adotou a Teoria
Mista, preconizando que a pena tem natureza retributiva, preventiva e,
também, um misto de educação e correção.

2. A pena privativa de liberdade é tanto mais rigorosa, não só em sua duração


como em sua intensidade, quanto maior a gravidade do ato delituoso. É esta
rigorosidade, pois, o fator que diferencia, basicamente, a detenção da
reclusão. A primeira é cominada aos crimes menos graves, enquanto que a
segunda resta aos crimes mais graves. A detenção, ao contrário da reclusão,
tende a ser menos rigorosa em relação à intensidade da privação imposta,
demonstrado pelo fato da sua execução iniciar-se, na pior das hipóteses, em
regime semi-aberto, enquanto que a execução daquela permite-se iniciar em
regime fechado.

3. O regime penal é o modo como se materializa as citadas punições legais,


podendo ser fechado, semi-aberto ou aberto, conforme a intensidade da
privação que se espera impor ao condenado. O sistema penitenciário, por
sua vez, progressivo que é no nosso direito pátrio, consagra a natureza mista
de ressocialização e educação da pena preconizada pele Teoria Eclética,
concatenando os três regimes penais de forma a permitir ao condenado
evoluir de um regime mais rigoroso para um menos rigoroso ou vice-versa,
conforme o seu comportamento durante a execução.

4. Precipuamente, dois são os princípios constitucionais que norteiam a


aplicação da pena: princípio da legalidade e o princípio da individualização da
pena. Ao primeiro atribui-se a máxima de que para existirem, o crime deve
ser definido em lei anterior e a pena cominada previamente. O segundo
preconiza que a pena deve ser individualizada, proporcional à gravidade do
delito.

Das circunstâncias do crime

1. A circunstância de um crime é tudo aquilo que o circunda, manifestando-se


por uma situação, estado ou condição de coisa ou pessoa, por uma
particularidade, um acidente que o acompanha, por uma caso, uma condição,
causa ou motivo. Conclui-se, então, que os elementos do tipo não são
circunstâncias de um crime, pois não o circundam, e sim, fazem parte da sua
essência. Uma elementar do tipo, quando excluída, gera atipicidade total ou
faz surgir outro crime. Por outro lado, o crime subsiste quando excluída
qualquer uma das suas circunstâncias. Este é, pois, o critério para se
diferenciar uma circunstância de uma elementar do tipo.

2. Consideram-se antecedentes somente os precedentes judiciais, excluindo-se,


portanto, aqueles de caráter social. Outrossim, dando primazia ao princípio
da presunção de inocência, excluem-se de tais precedentes aqueles de
natureza policial e as situações jurídico-processuais ainda não definidas por
decisão irrecorrível ou, em regra, se irrecorríveis, constituam reincidência. Em
outras palavras, somente podem ser considerados como antecedentes as
condenações penais transitadas em julgado que não constituam reincidência.
A exceção se dá no caso em que existir mais de uma causa de reincidência,
quando uma delas poderá ser considerada como antecedente.
Da fixação da pena

1. Sãs três as fases de fixação da pena preconizadas pelo art. 68 do Código


Penal. Na primeira, fixa-se a pena-base: escolhe-se a pena aplicável dentre
as cominadas (art. 59, I, CP) e estabelece-se a sua quantidade, dentro dos
limites previstos (art. 59, II, CP), tendo como base as circunstâncias judiciais
(art. 59, caput, CP). Na segunda, fixa-se a pena provisória: agrava-se ou
atenua-se a pena-base considerando-se a presença das agravantes (arts.
61, 62, CP) e atenuantes (arts. 65, 66, CP). Na terceira fase, fixa-se a pena
definitiva, tendo como base as causas de aumento e diminuição da pena.

2. As qualificadoras são tipos penais derivados e, por assim serem, não


incidem sobre nenhuma das três fases de dosimetria da pena. Incidem no
momento da subsunção do caso concreto ao tipo penal, cominando ao ato
delituoso um mínimo e um máximo de pena às quais devem estar adstritas a
pena-base e a pena provisória.

3. As circunstâncias judiciais não podem levar a fixação da pena aquém ou


além dos limites estabelecidos no tipo penal, pois infringiriam o disposto no
art. 59, II, do Código Penal.

4. As agravantes e atenuantes não podem levar a fixação da pena aquém ou


além dos limites estabelecidos no tipo penal, pois infringiriam o princípio
constitucional da legalidade (art. 5o, XXXIX, CF).

5. As causas de aumento e diminuição podem levar a fixação da pena aquém


ou além dos limites estabelecidos no tipo penal, pois não infringiriam
qualquer dispositivo legal, inclusive o princípio constitucional da legalidade,
uma vez que estabelecem previamente, na fase legislativa, percentuais de
majoração ou minoração da pena.
6. A possibilidade de múltipla incidência das circunstâncias do crime nas
diversas fases de fixação da pena é aparente, pois, efetivamente, uma
determinada circunstância pode ser considerada apenas uma vez na
dosimetria da pena conforme os motivos que a seguir expomos:

a) As qualificadoras são tipos penais derivados e, assim sendo, constituem


o crime;

b) Em regra, as circunstâncias só serão judiciais se não forem legais;

c) Às agravantes o Código Penal impõe, em seu art. 61, a condição de não


constituírem ou qualificarem o crime para serem consideradas;

d) De resto, em relação às atenuantes e às causas de aumento e


diminuição da pena o direito substantivo se cala, mas sobre estas, e por
que não dizer sobre as demais circunstâncias também, paira o princípio
jurídico non bis in idem, que impede a punição do agente por um mesmo
fato.

Em síntese, em caso de múltipla incidência, as circunstâncias do crime


devem ser consideradas apenas uma vez, conforme a seguinte ordem de
prioridade: qualificadoras; causas de aumento e diminuição da pena;
agravantes e atenuantes; circunstâncias judiciais.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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diminuição. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v.1.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
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CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal; parte geral. São Paulo: Saraiva, 2000.
v1.

CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e


Garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001.

CARVALHO NETO, Inácio de. Aplicação da pena. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
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COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal: curso completo. 7. ed. São Paulo:
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ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. v.1

FEREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da


língua portuguesa. 3. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. Monografia no curso de Direito:
trabalho de conclusão de curso: metodologias e técnicas de pesquisa, da escolha do
assunto à apresentação gráfica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
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KUEHNE, Maurício. Teoria e prática da aplicação da pena. 4. ed. Curitiba: Juruá,


2003.

MARQUEZ, José Frederico. Tratado de direito penal. 1. ed. atual. Campinas:


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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
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NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v.1.

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