Franco JR (2020)
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ARTIGO
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1 Pela atual gramática da língua portuguesa os nomes de disciplinas e ciências são grafados
com minúscula, embora o Dicionário Houaiss aceite História, como conhecimento, grafada com
maiúscula, o que fazemos por necessidade de clareza para diferenciá-la da história como
desenrolar de acontecimentos. Por equivalência, também escrevemos a criação de Freud com
maiúscula.
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Não é estranho, então, que seus herdeiros dos anos 1970-80, criadores
da História das mentalidades, tenham se mostrado ambíguos em relação à
teoria freudiana. Algo semelhante ocorreu naquela época em outros campos
historiográficos. O inglês Keith Thomas admitiu ter por Freud uma admiração
“muito condicional”, por isso “meu uso consciente da teoria psicanalítica tem
sido mínimo”. Mais do que isso, um biógrafo de Freud e defensor do uso da
Psicanálise no trabalho historiográfico, pensa que se Thomas tivesse recorrido
ao ferramental psicanalítico o ganho teria sido “no máximo marginal e
provavelmente contrabalançado por uma certa perda de elegância e clareza”
(Gay 1989, 187 e 138)2.
Realmente, nem sempre há um claro ganho em historiadores
recorrerem à Psicanálise ou psicanalistas à História. Mas muitas vezes, sim. Um
importante livro sobre a Revolução Francesa ao estudar o medo coletivo a
supostos ataques de grupos desconhecidos defendeu a necessidade de levar
“em conta o fator psicológico” na apreciação do fenômeno, que concluiu ser
infundado pois o temido “bandido aristocrata era um fantasma” (Lefebvre
1979, 41 e 191), contudo em nenhum momento recorreu a instrumentos
psicanalíticos que poderiam ter beneficiado sua demonstração. De igual modo,
não é despropositado imaginar, certas obras-primas historiográficas teriam
ganho em aprofundamento e refinamento se o tivessem feito. Entre elas, A
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904-1905) de Max Weber, O Outono
da Idade Média (1919) de Johan Huizinga, Os Reis Taumaturgos (1924) de Marc
Bloch, Os dois corpos do Rei. Um Estudo sobre Teologia Política Medieval (1957) de
Ernst Kantorowicz, O Queijo e os Vermes: o Cotidiano de um Moleiro Perseguido pela
Inquisição (1976) de Carlo Ginzburg, O Nascimento do Purgatório (1981) de Jacques
Le Goff.
No sentido inverso, é razoável pensar que certos trabalhos do fundador
da Psicanálise teriam ganho maior solidez apoiando-se na História. Ele insistiu
que os sofrimentos humanos nas relações com os semelhantes derivam das
imposições sociais, da sublimação dos instintos ditada pela cultura (Freud
2016, 42-43), mas não fez uma demonstração histórica (realizada dez anos
depois, em outra abordagem, por Norbert Elias), a única adequada para sua
argumentação. Evitando ou minimizando enfoques históricos, Freud suscitou
em seus seguidores reticências a respeito. Mas sendo a hesitação freudiana
quanto à História um fato histórico e psicanalítico, ficam autorizadas algumas
especulações. Em plano amplo, ela pode ter sido reflexo das suspeições que o
analista tinha sobre sua época (Freud 2016). Em plano restrito, pode ter
derivado das relações ambíguas que ele mantinha com suas raízes judaicas
(Pfrimmer 1982; Balmary 1986).
2 O livro de Thomas ao qual ele se refere é O Homem e o Mundo Natural. Mudanças de Atitude
em Relação às Plantas e aos Animais [1983]. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. Em outro
livro, Gay (2002, 15) define seu próprio trabalho como “história cultural informada pela
Psicanálise”, não deixando em seguida de ressaltar “informada, não subjugada”.
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3 Fora dessa civilização, a Psicanálise não encontra igual recepção e espaço de atuação,
trabalha com restrições e dificuldades quando alguma prática já instalada cumpre o papel ao
qual ela se propõe. Na China, por exemplo, era função do taoísmo, dentre várias outras coisas,
redefinir as relações entre mortos e vivos encontrando um lugar para aqueles que por terem
sofrido morte violenta ficavam fora das genealogias e ameaçavam assim seus descendentes.
Não por acaso, a Revolução Cultural comunista rejeitou tanto o taoísmo como a Psicanálise e
seu trabalho com lembranças mal assimiladas, com elementos que não aceitos na consciência
reemergem de forma desorganizadora em algum momento.
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sonho para a realidade, e por isso o recalca (Freud 2009, 194 - 198). A hipótese
foi tratada em outras obras antes de escrever Totem e Tabu precisamente para
identificar a origem desse processo psíquico. A Psicanálise admitia precisar da
História.
Freud acreditava na validade geral da sua descoberta, mas era obrigado
a aceitar sua historicidade. Já na primeira vez em que expôs publicamente a
noção, na sua grande obra inaugural, A Interpretação dos Sonhos, nota que no
texto de Sófocles (420 a.C.) o protagonista concretiza sua paixão incestuosa
enquanto seu correspondente moderno, o Hamlet de Shakespeare (1601-1602),
reprime-a. Diante da constatação, ele afirma que a “mudança de tratamento do
mesmo material revela toda a diferença na vida mental dessas duas épocas da
civilização muito distantes uma da outra” (Freud 1953, 264). Ou seja, se a
presença do fenômeno com vinte séculos de intervalo (e mais três em relação
ao analista) comprova ser um traço da natureza humana, atesta também que
esta não fica imune às transformações temporais, que a intervenção da história
atua inclusive em elementos na aparência imutáveis ou pouco discerníveis.
Como indicam Deleuze e Guattari (1973) discutindo a questão edipiana, essa
historicidade é estrutural e estruturante, dela resulta o fenômeno edipiano
porque o Inconsciente não é algo que simplesmente exista, ele é produzido
política, social, historicamente.
No entanto, o tratamento dado ao tema nesse livro erudito e inteligente
que é Totem e Tabu não satisfaz o historiador por ser excessivamente
especulativo, por ser carente de provas documentais. O filósofo Michel Onfray
avalia que a tese ali defendida,
essa hipotética verdade científica, é antes de mais um problema
existencial subjetivo, pessoal, individual […] transformado […] em
tormento de todos os homens desde o princípio da humanidade até o
fim dos tempos, problema de um só homem, que consegue passar a sua
neurose a toda a humanidade, na louca esperança de que ela lhe pareça,
assim, mais fácil de suportar, mais ligeira, menos penosa.
(Onfray 2012, 150).
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MÉTODO E INTERPRETAÇÃO
A História e a Psicanálise, ainda que sob enfoques e ênfases bastante
diferentes, estão ambas envolvidas com a questão da representação. Enquanto
o biólogo examina uma bactéria, o químico uma substância, o astrônomo uma
estrela, o geólogo uma rocha, o geógrafo um rio, o historiador não estuda um
evento e o psicanalista não analisa um afeto, somente suas representações. Para
o historiador, adotando e adaptando reflexões oriundas de outras áreas do
conhecimento, representação é um significante que pode tanto encobrir quanto
desvelar a significação do mundo. Seja representações mentais (como a língua),
seja objetais (emblemas, por exemplo), seja performáticas (teatro é o caso
típico), trata-se sempre de algo no lugar de outro, de presentificar uma
ausência. Daí se dever “incluir no real a representação do real”, (Bourdieu
1996, 108). As descrições da batalha de Bouvines não são o real em primeira
instância (o choque de alguns milhares de homens perto de Lille e Tournai,
entre 12:00 e 17:00 do domingo 27 de julho de 1214), mas uma segunda
instância que agiu sobre a posterior história política francesa (terceira
instância).
Para o psicanalista, é preciso levar em conta que Freud adota a palavra
coloquial alemã para “representação”, Vorstellung, cujo campo semântico é
largo, significando ainda “imaginar ou pensar (conceber uma imagem sensorial
sem a presença concreta do objeto)”, além de “concepção, conceito, noção,
ideia” etc. Ademais, o vocabulário freudiano recorre a Darstellung,
“apresentação”, também “representação” e “caracterização” na linguagem
teatral, donde Darstellbarkeit para designar a atividade psíquica ligada à
representatividade e à figurabilidade, à “capacidade de se exprimir em
imagens”, aos pensamentos dos sonhos e “às possibilidades de um conteúdo
ser representável (ser colocado em linguagem e mostrado)” como se encontra
em Die Traumdarstellung (A Interpretação dos Sonhos) (Hanns 1996, 376-396).
Tanto no uso historiográfico como no psicanalítico, para se
compreender os mecanismos da representação e alcançar os elementos
representados, é preciso lançar mão de um método interpretativo. Que ele seja
qualificado de científico, ou não, é questão polêmica que não cabe aqui
rediscutir visto não ser essencial para os comentários de cunho ensaístico e
restrito apresentados neste texto. De fato, para muitos epistemólogos “ciência”
deve ser denominação reservada a ramos do conhecimento que a partir de
métodos lógicos e sistemáticos alcançam resultados passíveis de comprovação
verificável e repetível. Nenhuma das duas áreas que examinamos se encaixa
nesse perfil. No que diz respeito à Psicanálise, Freud (1994, 13) classificava-a
como uma ciência da natureza (Naturwissenschaft), argumentando que a falta de
precisão, imutabilidade e infalibilidade é de toda ciência nos seus primeiros
tempos. Paul Veyne (1971, 7) foi mais direto e menos pretencioso sobre a sua
área: “a História não é uma ciência e não o será jamais”.
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4 Não seria difícil, mas não cabe aqui, desenvolver os paralelos entre a metapsicologia e sua
descrição das relações internas de um processo psíquico (Freud 1968) e a metahistória com seu
procedimento de atribuição de sentido histórico (Jörn Rüsen, “What is Meta-history?”, 2010,
https://pt.scribd.com/doc/39630477/What-is-the-meta-history).
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anos antes de morrer – minha vida foi minha obra, “foi meu único evento”. E
concordaria (substituindo na frase a área de atuação) com a ideia de que “a
história faz o historiador, bem mais do que é feita por ele. Meu livro me criou.
Eu é que fui sua obra. […] Levando sempre mais longe minha ardente
perseguição, me perdi de vista, me ausentei de mim. Passei ao lado do mundo e
tomei a História pela vida. E assim ela ficou para trás. Não lamento nada”
(Michelet 1893, IX, X e XLIV).
Michelet e Freud viram-se diante do mesmo problema: o fogo da
paixão aquece mas pode queimar, a luz da razão ilumina mas pode cegar. O
espírito romântico fornecia muitas ilustrações do primeiro risco (ao qual o
historiador sucumbiu várias vezes), o cartesianismo e o iluminismo do segundo
(ao qual o psicanalista nem sempre escapou). Michelet viu-se contestado
devido à interioridade dos fenômenos históricos que estudou (o povo, a
mulher, a feiticeira), Freud devido à interioridade dos fenômenos anímicos que
examinou (pulsões, recalques, Inconsciente). A paixão intelectual alimenta a
razão, mas nem sempre a razão controla as paixões, inclusive as intelectuais.
Enquanto a paixão teme o tempo e a distância, a razão é nutrida por eles. Daí
por que o distanciamento do investigador além de hermenêutico, é também
profilático.
Qualquer espectador muito próximo do — tomando um exemplo
pouco posterior a Michelet e contemporâneo à formação da Psicanálise —
Campo de Trigo com Corvos (1890) não consegue perceber nada além das
pinceladas. Somente recuando alguns passos é possível identificar a paisagem
atormentada de Van Gogh. Todo historiador, por definição, conta com o
recuo temporal que lhe permite um olhar abrangente e a esperança de captar o
sentido do fenômeno estudado. Todo psicanalista, muito mais próximo do
objeto analisado, ganha na recolha dos detalhes, mas precisa de perspectiva
para compreendê-los. Se de um único detalhe ele extrai inferências importantes
para sua tarefa, é para desse ângulo de visão provisório obter novos detalhes e
com eles ampliar, matizar ou até reformular a teoria.
Próximas também são as duas ciências na sua limitação epistemológica,
pois trabalham com condições necessárias, jamais com condições suficientes às
suas interpretações. Se “a essência da realização artística é psicanaliticamente
inacessível” (Freud 1998, 163), isso debilita a possibilidade de alcançar a
pretendida cosmovisão global ou Weltanschauung — construção intelectual
destinada a resolver todos os problemas da existência humana a partir de uma
hipótese edificada sobre a ciência, que comanda o todo — em certa medida
comparável à noção de história total empreendida por Michelet desde 1820 e
da descrição literária total ambicionada por Balzac na década de 1830 com a
Comédie humaine. Também a totalidade histórica fica comprometida pela
inacessibilidade à essência artística, o que gera uma deficiência na compreensão
do material examinado pelo historiador, e por consequência na sua explicação
sobre a sociedade que produziu as obras de arte.
Em História, a noção de causa que havia se firmado com o
cartesianismo e o consequente recuo da ideia de intervenção divina na
evolução das sociedades, teria vida longa desde Montesquieu, que incluiu a
causalidade já no título de suas Considérations sur les causes de la grandeur des
Romains et de leur décadence (1734), até pelo menos 1961, quando um
contemporaneista inglês afirma que “o estudo da história é um estudo de
causas” (Carr 1978, 75). Também Freud (2016, 9) raciocinou em termos de
causalidade: toda “explicação psicanalítica é genética”. A etiologia praticada
pela História e pela Psicanálise é geralmente complexa, mas aceita a
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Clio (aquela que preside a História); Livro II – Euterpe (música); Livro III –
Tália (comédia); Livro IV – Melpômene (tragédia); Livro V – Terpsícore
(dança); Livro VI – Érato (lírica); Livro VII – Polímnia (retórica); Livro VIII –
Urânia (astronomia); Livro IX – Calíope (épica).
Percebendo que os eventos se desenrolam não apenas no tempo, mas
também no espaço, dedicou a ele muita atenção, o que levou comentadores
modernos a considerá-lo também pai da geografia. Tendo observado que o
mundo é uno, embora habitado por povos de costumes bem diversos,
Heródoto descreve formas educacionais e funerárias, crenças, ritos,
monumentos, imaginários, e pode por isso ser igualmente qualificado de pai da
etnografia. Um dos comportamentos coletivos ao qual dedica grande parte da
narrativa revela-se essencial pelas decorrências práticas e psicológicas — os
gregos são livres, são cidadãos que definem seu destino, em contraste com os
“bárbaros” (todos aqueles que não falam um dialeto grego), súditos de
monarcas despóticos revestidos de caráter sagrado. Da variedade de costumes,
às vezes bastante antagônicos, Heródoto extrai uma conclusão que os futuros
antropólogos, historiadores e psicanalistas confirmariam — a humanidade é
singular, mas os homens são plurais. Assim, por via indireta, o indivíduo com
seus sentimentos e conflitos não deixa de ser contemplado pela metodologia de
Heródoto, mesmo que o núcleo de seu estudo esteja voltado para a dimensão
coletiva.
Freud, por sua vez, desde os primeiros casos clínicos enfatizou os
efeitos recíprocos entre indivíduo e cultura. Sua biografia intelectual comprova,
e nem poderia ser diferente, seu íntimo relacionamento com a história da
época. Além do pano de fundo cultural, eventos históricos muito concretos
encaminharam certas reflexões psicanalíticas fundamentais. Não é casual que
uma inflexão conceitual tenha vindo à luz entre 1920 e 1926 — estimulada, ou
tornada necessária, pela carnificina da Primeira Grande Guerra, pela
desintegração do Império austro-húngaro, pelas convulsões da revolução
bolchevique, pela ascensão do fascismo italiano — com a nova doutrina das
pulsões, agora formulada em termos de pulsão de vida / pulsão de morte, ou
com a nova teoria da angústia. Do entrecruzar das novas circunstâncias
históricas e dos novos conceitos é que surgiriam três dos quatro grandes textos
culturais freudianos (o quarto é Totem e Tabu, de 1913): O Futuro de uma Ilusão
(1927), O Mal-estar na Civilização (1929) e O Homem Moisés e a Religião Monoteísta
(1939).
O olhar freudiano global sobre o humano não está afastado do olhar
micheletiano – “para reencontrar a vida histórica seria preciso segui-la
pacientemente por todos seus caminhos, todas suas formas, todos seus
elementos. Seria preciso também […] restabelecer o funcionamento do
conjunto, a ação recíproca dessas forças diversas num poderoso movimento
que se tornaria a própria vida” (Michelet 1893, III). Independentemente do
valor pessoal desses fundadores, nem Heródoto nem Freud foram, é claro,
produtos ex nihilo, pelo contrário, suas criações respondiam às novas
necessidades culturais de suas épocas. A curiosidade de Heródoto pelo mundo
grego e por povos distantes e estranhos teve como pano de fundo a expansão
territorial, comercial e intelectual do mundo helênico naquela segunda metade
do século V a.C. A curiosidade de Freud era uma das facetas daquela Europa
que, na passagem do século XIX ao XX, questionava antigas convicções,
sacudida por transgressões culturais como as expressadas por Schopenhauer
(†1860), Dostoievski (†1881), Nietzsche (†1900), Mahler (†1911), Strindberg
(†1912), Wedekind (†1918) ou Klimt (†1918).
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Michael Coupe (1983) argumentou com razão que, sendo muito difícil
a um só indivíduo dominar o universo de conhecimentos historiográficos e
psicanalíticos de maneira sólida e equilibrada, o melhor é que a história
psicanalítica – ou psicanálise histórica, ou psicohistória, o rótulo aqui não é
essencial – seja praticada em conjunto por profissionais dos dois campos em
estreita colaboração. À semelhança do que fez Jean Leclercq (1976), historiador
do monasticismo e da religiosidade monástica, ao convidar um psicanalista, um
psicolinguista e alguns psicólogos para se juntarem a ele no estudo dedicado a
São Bernardo.
Porque a epistemologia desnuda os limites das duas disciplinas, que não
podem pretender alcançar a certeza, elas enfatizam a importância da ética,
impõem a integridade intelectual – Heródoto “é um homem honesto, muito
imaginativo também, mas perfeitamente verídico” (Bonnard 2018, 330); Freud
é a prova que basta “que um único homem tenha a coragem da verdade para
aumentar a veracidade em todo o universo” (Zweig 1932, 34). Por caminhos
distintos, buscando metas próximas sem serem exatamente as mesmas,
História e Psicanálise podem dialogar, devem dialogar, fundamentando a ideia
de um cântico chinês do século XII ou XI a.C. que aqui nos serviu de
inspiração: “só irmãos não basta ser, melhor é sermos amigos” (Livro dos
Cantares 1990, 297).
REFERÊNCIAS
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