Franco JR (2020)

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revista de teoria da história 23|2 2020

ARTIGO

Só irmãos não basta ser,


melhor é sermos amigos
AS RELAÇÕES ENTRE
HISTÓRIA E PSICANÁLISE
HILÁRIO FRANCO JÚNIOR
Universidade de São Paulo
São Paulo | São Paulo | Brasil
[email protected]
orcid.org/0000-0003-1519-180X

O diálogo que se intensificou nas últimas décadas entre as


ciências do homem pouco envolveu a mais antiga e a mais
nova delas, a História e a Psicanálise. E contudo, apesar de
métodos e metas próprios a cada uma, os pontos comuns
não faltam, como comprovam as pontuais incursões já
feitas nessa área de intersecção. É de se esperar que
abandonados certos preconceitos recíprocos, mas sem
renúncia de suas personalidades, a colaboração entre
historiadores e psicanalistas seja proveitosa para ambos.

História – psicanálise – interdisciplinaridade


proximidades – distanciamentos

O presente texto beneficiou-se da leitura crítica e das sugestões do nosso amigo


Osmar Luvison Pinto, psicanalista, membro associado da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalitical
Association. A ele nosso vivo agradecimento. As falhas e lacunas subsistentes
são, claro, de inteira responsabilidade do autor.

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ARTICLE

Il ne suffit pas d’être frères,


c’est mieux d’être amis
LES RELATIONS ENTRE
HISTOIRE ET
PSYCHANALYSE
HILÁRIO FRANCO JÚNIOR
Universidade de São Paulo
São Paulo | São Paulo | Brésil
[email protected]
orcid.org/0000-0003-1519-180X

Le dialogue qui s’est intensifié au cours des dernières


décennies entre les sciences de l’homme a peu impliqué la
plus ancienne et la plus jeune, l’Histoire et la Psychanalyse.
Et pourtant, malgré des méthodes et des objectifs
spécifiques à chacune, les points communs ne manquent
pas, comme en témoignent les ponctuelles incursions déjà
réalisées dans ce domaine d’intersection. On peut espérer
que, abandonnés certains préjugés réciproques, mais sans
rénoncer à leur personnalités, la collaboration entre
historiens et psychanalystes sera bénéfique pour les deux.

Histoire – psychanalyse – interdisciplinarité


rapprochements – éloignements

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A colaboração mútua entre campos de conhecimento autônomos


envolve rigores e cuidados voltados à preservação dos fundamentos imanentes
a cada uma das disciplinas. Há fatores epistemológicos, teóricos,
metodológicos e técnicos bastante específicos, condição que poderia servir de
argumento para que os diferentes se mantenham distantes de um contágio
potencialmente nocivo. Tais temores não têm, porém, sido confirmados pela
experiência. Ao contrário, os encontros interdisciplinares reforçam a
observação das singularidades e, nesse sentido, mais autorizam do que limitam,
mais enriquecem do que desfiguram identidades. Diante do propósito de
examinar possíveis áreas de contato entre História e Psicanálise, não é inútil
lembrar que os nomes das duas disciplinas exprimem simultaneamente uma
investigação e seu resultado.
“Psicanálise”, termo criado por Freud em 1896, designa tanto um
procedimento investigativo de processos psíquicos quanto um método de
tratamento de patologias psicológicas, com um alimentando o outro e
reciprocamente, de maneira que não há dubiedade no uso da palavra. Se no
plano pessoal o fundador pensava que “o conhecimento teórico é para cada
um de nós incomparavelmente mais importante que o sucesso terapêutico”
(Freud 1996, 124), se ele destacava o “valor cultural da Psicanálise”, ansiando
“por um espírito lúcido que dela possa extrair as inferências válidas para a
filosofia e a sociologia” (Freud; Jung 1993, 354), se ele ironizava o furor sanandi
de seus colegas, sendo, enfim, “menos um terapeuta que um pesquisador, […]
são sobretudo seus alunos e seus sucessores que propuseram adaptações, até
mesmo métodos aparentados, na esperança de tornar mais eficaz o caráter
‘terapêutico’ da psicanálise” (Mijolla 2002, 1286), no senso comum acabou por
prevalecer a acepção curativa da técnica freudiana.
“História”, de seu lado, é termo ambíguo. Literalmente a palavra
significa “investigação”, mas também assumiu a acepção daquilo que se
conhece graças a ela, isto é, o conjunto de fatos ocorridos no passado. Para
contornar o equívoco pensou-se em distinguir a realidade histórica do
conhecimento dessa realidade – res gestae / historia rerum gestarum. Contudo, visto
que o passado ao qual temos acesso é um constructo, um fragmento resultante
de escolhas e interpretações, tais diferenciações não são estruturais, são meros
artifícios. Em português, trata-se do uso da letra inicial da palavra grafada em
minúscula ou maiúscula1; em alemão, os dois termos (Geschichte/Historie)
possuem as duas acepções criando certa indeterminação; nas demais línguas
ocidentais, uma única palavra (history, histoire, storia, historia, etc.) indica as duas
coisas. Em todos esses idiomas existe o termo “historiografia” para nomear a
escrita da história, mas sua tonalidade técnica não a torna de uso corrente.
Se considerarmos que em cada área há importantes divergências
internas quanto aos paradigmas utilizados na interpretação da realidade,
passada ou atual, coletiva ou individual, psíquica ou factual, não é possível falar
de uma única História e uma única Psicanálise. Cada comunidade científica é
formada por grupos de pensamento bastante diversos, não raro divergentes. O
que ocorre com a pesquisa multidisciplinar é que ela problematiza o senso de
pertencimento a determinada unidade científica, pois o trabalho cooperativo
entre distintas disciplinas impõe a ultrapassagem das suas origens, embora sem

1 Pela atual gramática da língua portuguesa os nomes de disciplinas e ciências são grafados

com minúscula, embora o Dicionário Houaiss aceite História, como conhecimento, grafada com
maiúscula, o que fazemos por necessidade de clareza para diferenciá-la da história como
desenrolar de acontecimentos. Por equivalência, também escrevemos a criação de Freud com
maiúscula.

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negá-las. O ganho em lucidez, profundidade e eficácia na exploração do


mundo dos fatos, ideias e sentimentos leva o pesquisador à busca de parcerias
extrafamiliares.

A PSICANÁLISE ENTRE A HISTÓRIA E A HISTORIOGRAFIA


Falar do encontro entre a antiga História e a recém-nascida Psicanálise
significa, primeiramente, levar em conta o efervescente e controverso
panorama cultural observado nas metrópoles europeias na segunda metade do
século XIX, período que mesclou com intensidade as luzes e sombras da
humanidade: de uma parte, firmava-se o progresso da ciência, da tecnologia,
das artes e do pensamento; de outra, acentuava-se a miséria cosmopolita e os
dramas do submundo. Ao lado das façanhas artísticas e científicas inspiradas na
perfeição apolínea havia a escalada de produções julgadas marginais, que
desnudavam a face repressora da moral moderna e os efeitos colaterais por ela
desencadeados na vida das pessoas e das sociedades.
A invenção da Psicanálise ao propiciar uma via de acesso à
interioridade humana situa-se, como já foi notado (Rouanet 1993, 99), numa
posição estratégica na “revolta teórica e prática contra a Modernidade”. O
racionalismo iluminista que esteve na base da derrocada da sociedade e cultura
elitistas do Ancien Régime, mostrou depois disso seus limites e derivas, abrindo
caminho para o Romantismo que conheceria seu apogeu por volta de 1830.
Tratava-se de reação contra a busca racional de uma suposta verdade universal,
abandonada a favor da tentativa de alcançar o conhecimento por meio dos
sentidos, dos sentimentos, do instinto, da paixão, do sonho, da recordação, da
imaginação.
Essa exaltação romântica abriu caminho à obsessão onírica,
alucinatória, sonambúlica, hipnótica e a outras manifestações do Inconsciente
tão presentes nas artes e literatura do período. Como se sabe, aquele
movimento intelectual e artístico foi anunciado em 1777 com a tragédia de
Friedrich Klinger (1752-1831) intitulada Sturm und Drang, expressão que,
independentemente do entendimento que se lhe atribua (“tempestade e
ímpeto” ou “tormenta e angústia” ou “tumulto e desejo”), ajusta-se com
perfeição às situações que a Psicanálise se proporia a enfrentar. É o que
comprova a definição do Romantismo dada por um dos seus grandes nomes,
Wilhelm Schlegel (1767-1845) – “poesia da ansiedade” (Talmon 1969, 138-
168).
Mais exatamente, poesia da tensão entre os opostos, da qual resultaria
uma nova síntese porque os românticos sabiam não ser possível apagar o
passado. Em certo sentido, a teoria freudiana foi uma síntese desse tipo. Ao
racionalismo cartesiano aplicado e burilado pelos iluministas, Freud
acrescentou a ciência romântica na qual encontrou alguns dos temas que lhe
eram caros, pertencentes a distintos patamares conceituais na teoria e na
prática da Psicanálise: o sonho, a pulsão, o recalque, a autoanálise. Em
filósofos românticos tardios, seus contemporâneos, ele encontrou conceitos
que se revelariam centrais para sua construção teórica – de Gustav Fechner
(1801-1887), citado por ele sete vezes ao longo de sua obra, provém a noção de
tópico e de princípio do prazer/desprazer; de Theodor Lipps (1851-1914),
citado igualmente seis vezes, o de Inconsciente; de Karl Scherner (1825-1889),
citado 22 vezes, a teoria do sonho (Robert 2019, 121, 130 e 137).

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Entende-se, assim, que Freud tenha aludido ao Romantismo como pré-


história da Psicanálise (Freud 1996, 265-268), mas é preciso reconhecer que tal
movimento cultural significou mais do que isso (devido ao peso do material
psicanalítico ali coletado) e menos do que isso (devido à importância que o
Iluminismo manteve na obra freudiana). Logo, a melhor definição da
Psicanálise talvez seja aquela dada em 1929 por Thomas Mann – “Romantismo
tornado ciência natural” (Mann 1929, 29). Em certo sentido, aquilo que
Heinrich Heine (1797-1856), autor citado 61 vezes, afirmou da Revolução
Francesa – é uma “guerra de libertação da humanidade” (Heine 1969, 377) –
Freud pensava da Psicanálise. Sem existir, que saibamos, uma declaração
freudiana sintética a respeito, a ideia encontra-se dispersa pela sua obra: a
experiência analítica libera da repressão, permite a superação dos sintomas,
sejam eles pessoais ou civilizatórios.
As reflexões históricas de Peter Gay revelam-se úteis para pensar esse
tema. Todas as épocas, diz ele, sofrem de ansiedade, mas a burguesia vitoriana
foi mais sensível a ela, considerou-a uma doença moderna e deu-lhe um nome
(cunhado em 1879 pelo psiquiatra americano George Beard), neurastenia. Em
1886, o sexólogo italiano Paolo Mantegazza escreveu um livro intitulado Il
secolo nevrosico, em 1890 o jornalista alemão Carl Falkenhorst definiu-a como “a
enfermidade do século XIX”, em 1897 o sociólogo francês Émile Durkheim
constatou que a neurastenia, “espécie de insanidade elementar […] está se
tornando progressivamente mais geral” (Gay 2001, 152-154). A ansiedade
oitocentista resultou, enfim, da brusca passagem da sociedade tradicional para a
industrial, aquilo que o historiador Peter Laslett chamou de “o mundo que
perdemos” (Laslett, 1965).
Os contemporâneos tinham clara consciência disso. Para Émile Zola
(citado duas vezes por Freud na sua lista de “bons livros”), em carta de 1860,
“nosso século é um século de transição” (Zola 1978, 69), o que alimentava a
ansiedade. Vários psicólogos da época explicavam aquele quadro geral pela
neurastenia, o que a Freud pareceu insuficiente. Como outros, ele reconheceu
os sinais transformadores de seu tempo, mas deu um decisivo passo adiante ao
retirar o véu da encobridora e patogênica sensibilidade burguesa, revelando o
vínculo entre o sintoma psíquico e a repressão sexual praticada, justamente,
pelo moralismo burguês. Ele concordou que a neurastenia é um
empobrecimento da excitação, portanto um problema de ordem sexual,
identificando o problema civilizacional na “neurose de angústia” (Angstneurose)
decorrente do “desvio da excitação sexual somática”, da “ação inadequada”
nesse campo, provocada pelo repressor moralismo vitoriano (Freud 1989, 31-
58).
Ou seja, a Psicanálise foi uma criativa bricolagem do material médico,
psicológico e filosófico então existente, visando responder aos problemas
emocionais da época. Nessa construção original buscou-se o diálogo com as
ciências humanas, menos com a tradicional História do que com as novas
arqueologia, sociologia e antropologia. Sobretudo com esta, por quatro razões.
Primeira, ela pretendia-se uma ciência comparativa e generalizante que seguiria
o modelo das ciências naturais, acreditando poder identificar leis de estrutura e
de evolução, de maneira que sua busca por traços universais do ser humano
parecia a Freud mais adequada à compreensão da psique do que as
especificidades de tempo e espaço estudadas pela História. Segunda, enquanto
a História restringia-se em fins do século XIX e princípios do XX ao uso de
fontes escritas, a antropologia recorria, como a Psicanálise, à observação direta
de seu objeto e ao uso de fontes orais. Terceira, o uso de fontes escritas pela

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História denunciava seu interesse especial pelas manifestações conscientes da


vida social, cujos fundamentos inconscientes eram deixados à antropologia e à
Psicanálise. Quarta, a História trabalhava com diacronias, a antropologia com
sincronias, o que a tornava mais próxima da Psicanálise e sua concepção da
dinâmica do aparelho psíquico.
Todavia, é preciso lembrar, a formação de Freud deu-se toda no século
XIX, que revelou uma especial atração pela História. O romance histórico
tornou-se enorme sucesso de público com os livros de Walter Scott, sobretudo
Ivanhoé (1819), alguns de Victor Hugo, em especial O Corcunda de Notre-Dame
(1831), além de obras de ambientação, inspiração e temática medievais, seja na
literatura com o Fausto (1808 e 1832) de Goethe (criação citada 54 vezes), seja
na música com Tristão e Isolda (1859) e Parsifal (1882), ambas de Wagner (autor
referido seis vezes). Desenvolveram-se então novas escolas historiográficas e
fundaram-se sociedades históricas muito ativas, inclusive aquela que lançou as
Monumenta Germaniae Historica, desde 1873 financiadas pelos governos da
Alemanha e da Áustria.
Nesse enquadramento, Freud não poderia ter ficado isento da
influência histórica e historiográfica. Da primeira, porque sendo
contemporâneo de sangrentas guerras e revoluções, sentiu-se estimulado a
tratar de questões civilizatórias que o levaram a teorizar sobre a natural
inclinação humana tanto para unir e construir quanto para desagregar e
destruir. Da segunda, porque soube se beneficiar do que sua época acumulara
de conhecimento nos estudos históricos. Embora não faça referência a ela,
Freud muito possivelmente conhecia a obra do alemão Oswald Spengler que
teve grande repercussão e vendagem, A Decadência do Ocidente (1918 e 1922).
Em abordagem histórico-filosófica, mas defendendo que toda obra
efetivamente histórica deve exprimir a vida interior, aquele autor revelou a
inquietação geral sobre a qual Freud refletiria, do ponto de vista psicológico,
em O Mal-estar da Civilização (1929). É expressivo que no ano seguinte o
também austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) tenha, no seu diário,
assinalado a existência de traços comuns entre seu pensamento, o de Spengler
e o de Freud (Wittgenstein 2003, 36).
No campo historiográfico, seria justo supor que os herdeiros de
Heródoto, em particular aqueles que se dedicam à chamada História das
mentalidades, tenham absorvido os novos saberes trazidos pela invenção do
método psicanalítico. Afinal, ele partejou uma nova concepção de homem e de
mundo com a descoberta do Inconsciente, a teoria dos sonhos, a interpretação
da sexualidade, os estudos sobre a psicologia das massas e da civilização. Mas é
recomendável prudência: Freud chamou atenção para o perigo de retirar os
“conceitos da esfera em que surgiram e evoluíram” (Freud 2016, 92). Os
caminhos das ciências são com frequência tortuosos e nem sempre seguem as
trajetórias expectáveis. Os fundadores da célebre revista Annales (1929), que
revolucionou a historiografia, valorizaram a cooperação com a psicologia – “a
própria base de todo trabalho válido do historiador” (Febvre 1992, 238) – sem,
contudo, identificarem uma corrente específica e quase nada falando da
Psicanálise, a não ser para lhe dirigir algumas alusões mordazes (Febvre 1976,
42-43).
O grande nome da denominada segunda geração da Escola dos
Annales reconheceu o papel da Psicanálise, apesar de pouco recorrer a ela:

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Uma civilização atinge sua verdade rejeitando na obscuridade de terras


limítrofes e já estrangeiras aquilo que a incomoda. Sua história é a
exaltação ao longo dos séculos de uma personalidade coletiva tomada,
como qualquer personalidade individual, entre um destino consciente e
claro e um destino obscuro e inconsciente, que serve de base e de
motivação essencial à outra, mas sem se fazer sempre conhecer. Vê-se
que os estudos de psicologia retrospectiva foram marcados pelas
descobertas da Psicanálise. (Braudel 1987, 64).

Não é estranho, então, que seus herdeiros dos anos 1970-80, criadores
da História das mentalidades, tenham se mostrado ambíguos em relação à
teoria freudiana. Algo semelhante ocorreu naquela época em outros campos
historiográficos. O inglês Keith Thomas admitiu ter por Freud uma admiração
“muito condicional”, por isso “meu uso consciente da teoria psicanalítica tem
sido mínimo”. Mais do que isso, um biógrafo de Freud e defensor do uso da
Psicanálise no trabalho historiográfico, pensa que se Thomas tivesse recorrido
ao ferramental psicanalítico o ganho teria sido “no máximo marginal e
provavelmente contrabalançado por uma certa perda de elegância e clareza”
(Gay 1989, 187 e 138)2.
Realmente, nem sempre há um claro ganho em historiadores
recorrerem à Psicanálise ou psicanalistas à História. Mas muitas vezes, sim. Um
importante livro sobre a Revolução Francesa ao estudar o medo coletivo a
supostos ataques de grupos desconhecidos defendeu a necessidade de levar
“em conta o fator psicológico” na apreciação do fenômeno, que concluiu ser
infundado pois o temido “bandido aristocrata era um fantasma” (Lefebvre
1979, 41 e 191), contudo em nenhum momento recorreu a instrumentos
psicanalíticos que poderiam ter beneficiado sua demonstração. De igual modo,
não é despropositado imaginar, certas obras-primas historiográficas teriam
ganho em aprofundamento e refinamento se o tivessem feito. Entre elas, A
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904-1905) de Max Weber, O Outono
da Idade Média (1919) de Johan Huizinga, Os Reis Taumaturgos (1924) de Marc
Bloch, Os dois corpos do Rei. Um Estudo sobre Teologia Política Medieval (1957) de
Ernst Kantorowicz, O Queijo e os Vermes: o Cotidiano de um Moleiro Perseguido pela
Inquisição (1976) de Carlo Ginzburg, O Nascimento do Purgatório (1981) de Jacques
Le Goff.
No sentido inverso, é razoável pensar que certos trabalhos do fundador
da Psicanálise teriam ganho maior solidez apoiando-se na História. Ele insistiu
que os sofrimentos humanos nas relações com os semelhantes derivam das
imposições sociais, da sublimação dos instintos ditada pela cultura (Freud
2016, 42-43), mas não fez uma demonstração histórica (realizada dez anos
depois, em outra abordagem, por Norbert Elias), a única adequada para sua
argumentação. Evitando ou minimizando enfoques históricos, Freud suscitou
em seus seguidores reticências a respeito. Mas sendo a hesitação freudiana
quanto à História um fato histórico e psicanalítico, ficam autorizadas algumas
especulações. Em plano amplo, ela pode ter sido reflexo das suspeições que o
analista tinha sobre sua época (Freud 2016). Em plano restrito, pode ter
derivado das relações ambíguas que ele mantinha com suas raízes judaicas
(Pfrimmer 1982; Balmary 1986).

2 O livro de Thomas ao qual ele se refere é O Homem e o Mundo Natural. Mudanças de Atitude

em Relação às Plantas e aos Animais [1983]. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. Em outro
livro, Gay (2002, 15) define seu próprio trabalho como “história cultural informada pela
Psicanálise”, não deixando em seguida de ressaltar “informada, não subjugada”.

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No plano pessoal, parece expressar o estado de seus vínculos com


Jung. Dois ou três meses após este último ter declarado que “uma
compreensão aprofundada da psique não pode prescindir da História ou de
uma íntima colaboração com ela” (Freud e Jung 1993, 289), Freud
acompanhou-o e traçou um claro paralelo entre a escrita da história e a fixação
de lembranças da infância num adulto. Estas “correspondem efetivamente,
quanto à sua gênese e à sua fiabilidade, à história dos tempos de origem de um
povo, composta tardia e tendenciosamente”, da mesma forma que “com
certeza não se escreve a história motivado pelo desejo de um saber objetivo,
mas porque se quer agir sobre seus contemporâneos” (Freud 2009, 108).
Entretanto, na fase seguinte, de rompimento com o discípulo suíço, Freud
pouco tratou de história num ensaio que se propunha justamente a pensar a
evolução cultural, “as influências a que deve sua origem, como nasceu e o que
determinou seu curso” (Freud 2016, 43). Anos mais tarde, com a amizade
tendo se transformado em rivalidade, Freud na sua autobiografia inverteu os
eventos e acusou Jung de fazer uma análise não histórica para rejeitar o
complexo de Édipo (Freud 1992, 100).

A TENTATIVA DA PSICOHISTÓRIA NORTE-AMERICANA


Seria no Novo Mundo que o encontro entre História e Psicanálise iria
inicialmente prosperar. Buscando harmonizar no que fosse possível os dois
campos de estudo, surgiu a psicohistória, área da pesquisa histórica à qual se
aplica alguma teoria psicológica, não necessariamente a Psicanálise, não
obstante este ser o caso mais frequente. Um dos adeptos da nova disciplina
definiu-a como “fusão da Psicanálise e da História na qual ambas disciplinas
modificam a outra” (Mazlish 1972, 165). Sem aderir à psicohistória, outro autor
considerou-a factível por ser a Psicanálise similar à História (Friedländer 1975,
26). Mas, ele advertiu, isso não ocorre de maneira automática já que há pontos
em que o pensamento de Freud não fornece todo o instrumental necessário,
pedindo então o recurso a outros teóricos, como Erikson ou Jung. De forma
geral, porém, a Psicanálise freudiana continua a ser “o paradigma explicativo
mais completo que se tem do comportamento humano”, o que permite ao
historiador abordar por um ângulo novo questões tradicionais e identificar
novas questões a explorar. A psicohistória, ele concluiu, pode por essa razão
contribuir para a construção de uma história total (Friedländer 2010, 35 e 210).
Sua meta é compreender o comportamento de um grupo, enquanto a
aparentada psicobiografia utiliza os mesmos recursos teóricos voltados para
um indivíduo específico. Uma permite, idealmente, por meio da sociedade
alcançar comportamentos e sentimentos individuais, outra por meio de
personalidades particulares permite entender sua sociedade. Em função de
todo o impacto social, econômico, político e cultural que a Segunda Guerra
provocou, logo depois aquele domínio bidisciplinar se desenvolveria nos
Estados Unidos, onde se tornou cadeira universitária e onde conta com duas
revistas especializadas, uma na qual colaboram sobretudo clínicos (The Journal of
Psychohistory), na outra, historiadores (The Psychohistory Review).
A primeira incursão no novo domínio da psicohistória deveu-se a um
alemão naturalizado norte-americano, alguém que não era nem médico nem
historiador nem psicólogo, Erik Erikson, que havia conhecido a Psicanálise por
intermédio de Anna Freud, de quem foi analisando. Por influência dela,
Erikson tornou-se psicanalista de crianças e a partir dessa experiência
escreveria Childhood and Society (1950), onde formulou o conceito de identidade

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do Eu, construído menos pelo componente libidinal (como reza a ortodoxia


freudiana) do que pela sociedade, ideia que fundava a psicohistória e seria
aprofundada nos seus trabalhos seguintes. O essencial continuaria a ser a tese
anunciada em artigo anterior: é “a necessidade histórica que faz da pessoa o
que ela é” (Erikson 1946, 395).
As hesitações naturais do novo campo do conhecimento despontaram
desde o início, com o historiador William Langer em uma espécie de
proclamação programática instando seus colegas a não negligenciarem as
descobertas freudianas porque seu interesse deve estar “mais nos seres
humanos e suas motivações do que nas forças impessoais”. Para compreender
a Peste Negra do século XIV, ele exemplifica, é preciso levar em conta que
“todos os homens, como indivíduos, carregam consigo o peso de uma
culpabilidade inconsciente e o medo do castigo que, aparentemente, remontam
ao controle e à repressão dos instintos sexuais e agressivos na infância, bem
como à emergência do desejo de morte dirigido contra os pais. Esse
sentimento de pecado, fundamental para toda religião, é naturalmente
reforçado pelo impacto de vastas forças desconhecidas e misteriosas que
ameaçam a existência de cada um de nós” (Langer 1958, 286, 299).
Defendendo a psicohistória da acusação de ser demasiado teórica, de
não valorizar o material propriamente histórico, um arquivista mostrou que,
pelo contrário, ela é mais sensível do que a História tradicional a todo tipo de
testemunhos contemporâneos ao tema que pretende estudar, porque sabe fazer
perguntas novas e específicas, sabe observar indícios na aparência secundários,
sabe extrair dados interessantes desse repertório variado. Com documentação
inusual e fragmentária, o psicohistoriador consegue alcançar recantos antes
pouco conhecidos do passado. Ele recorre às fontes primárias (no jargão da
disciplina) costumeiras de outros historiadores, mas sabe explorá-las melhor.
Todo tipo de documento é útil para o psicohistoriador (Saffady 1974) e, em
outra perspectiva, para o historiador das mentalidades (Le Goff 2011, 740).
A psicohistória resgatou uma questão clássica e durante muito tempo
adormecida, a da verdade. Frente à posição tradicional de que História é
narrativa do que “realmente aconteceu” (Rank 1824, VI), colocou-se a
constatação freudiana de seu relativismo na situação clínica, sem deixar de vê-la
como elemento central da ética psicanalítica. Em vez de buscar uma “verdade
histórica” idealizada, argumenta Spence, é preferível falar de uma “verdade
narrativa”, uma reconstrução subjetiva que leva em conta os ocultamentos
inconscientes do paciente e as contratransferências do analista (Spence 1982,
279-296). É igual a situação do historiador tout couro, que não pode pretender
alcançar a verdade como correspondência exata da realidade passada, pois ele
depende tanto do que a documentação lhe diz a respeito como de seus
próprios preconceitos (pessoais, ideológicos, filosóficos) e julgamentos
(intelectuais, mas também afetivos, empáticos ou antipáticos em relação ao
objeto de estudo). Assim, a psicohistória pretende ser uma barreira filtrante
dessas deformações, consciente, porém, dos limites da tentativa. Daí Gay julgar
que “toda História é em alguma medida psicohistória”, ressalvando que “a
psicohistória não pode ser toda a História” (Gay 1989, 13).
No campo específico da psicobiografia, o primeiro ensaio remonta a
Freud (que exprimiria mais tarde reticências a esse tipo de trabalho) com seu
estudo sobre Leonardo da Vinci. Por aparentemente acolher com mais
facilidade o componente psicanalítico, a abordagem biográfica sempre foi a
mais praticada no campo da psicohistória, sobretudo, por razões documentais,
em relação a líderes políticos da época contemporânea como Robespierre,

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Lincoln, Bismarck, Pétain, Wilson, Hitler ou Stalin. Nesses estudos, porém, a


abundância de fontes históricas provocou não raras hiperinterpretações: o
antissemitismo de Hitler teria sido despertado pela sua forte identificação com
a mãe, que durante o tratamento de um câncer no seio foi por inadvertência
envenenada com iodofórmio pelo médico judeu que cuidava dela (Binion 1976,
14-23).
Um marco na psicobiografia é aquela que Erikson dedicou a Lutero,
cruzando dados do personagem e de sua sociedade com intenção de lançar luz
sobre ambos. As difíceis relações do jovem Lutero com seu pai e sua mãe,
excessivamente severos, acabariam por ser projetadas no papa e na Igreja,
autoridades paterna e materna que ele rejeita. O conservadorismo pessoal e
institucional que não aceita naqueles, Lutero por um mecanismo
compensatório adota em outros assuntos, como na repressão da revolta
camponesa contra a servidão (ironicamente inspirada pela reforma religiosa
luterana) que levou ao massacre de dezenas de milhares de indivíduos. Assim
como o percurso de qualquer pessoa só pode ser entendido pelos seus ciclos
de vida (oito, de acordo com Erikson), o de Lutero foi definido pela saída
prematura do primeiro deles, o da “confiança fundamental”, em razão do
conflito com os pais (Erikson 1958).
Exatos trinta anos antes dessa psicobiografia, Febvre já havia proposto
através da trajetória do reformador religioso alemão abordar “o problema das
relações do indivíduo e da sociedade, da iniciativa pessoal e da necessidade
social, que é, talvez, o problema capital da história” (Febvre 1976, 9). Nesse
aspecto ele acompanhava Toynbee, de linhagem historiográfica bem diferente,
para quem qualquer sociedade é constituída não por pessoas, e sim pelas
relações entre elas (Toynbee 1986, 44). No seu estudo, o historiador francês
centrou-se nos anos de maturidade do personagem, renunciando “ao Lutero
hipotético dos anos de juventude”, talvez por não ter, justamente, recorrido ao
instrumental psicanalítico que seria usado por Erikson, interessado nos anos de
formação do seu biografado. Como quer que seja, o biógrafo de qualquer
personagem, historiador ou psicanalista, não pode deixar de levar em conta
aquilo que um sociólogo chama de “ilusão biográfica” (Bourdieu 1986).
Apesar de seu sucesso acadêmico e popular nos Estados Unidos, a
psychohistory não vingou fora dali e também naquele país não deixou de ter
críticos acerbos. De um lado, ela foi acusada de minimizar o fato de o
psiquismo humano não poder evitar as condicionantes históricas. De outro
lado, o corporativismo dos historiadores rejeitou a priori a nova proposta
alegando que ela busca sua justificativa menos na História do que na
Psicanálise, doutrina reputada muito conjectural, biológica e determinista. Um
desses críticos afirmou que a dependência do psicohistoriador em relação ao
psicanalista exclui “todo compromisso com a História na forma que os
historiadores entenderam até agora”, e porque assim “transcendeu o domínio
da História” o psicohistoriador mesmo que seja brilhante como psicanalista
não pode ser classificado de historiador (Himmelfarb 1975, 73, 76).
Embora Gay avalie que as realizações dessa nova área não são
“completamente desanimadoras”, viu-se obrigado a admitir os inúmeros
“fiascos da psicohistória”. Seus praticantes não escaparam, ele detecta, a certo
reducionismo e a leituras preconceituosas de seu material. Por exemplo, ao
interpretar teorias políticas racionais como simples reflexos de identificações
sexuais ambíguas, ou fazendo de mudanças importantes nas relações familiares
meras manifestações edipianas. Portanto, “o historiador psicanalítico deve estar
preparado para enfrentar quase tanto ceticismo dos seguidores de Freud

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revista de teoria da história 23|2 2020

quanto de seus detratores” (Gay 1989, 149-17). Falta aos psicohistoriadores e


aos seus críticos historicizarem a criação freudiana.

REALIDADE FACTUAL E REALIDADE PSÍQUICA


No final do século XIX, distanciando-se da estrita atitude iluminista, a
Psicanálise em seus começos foi se rendendo à realidade do Inconsciente, isto
é, aceitando o papel da fantasia, do sonho e, de modo mais abrangente, do
desejo: acredita-se facilmente naquilo que “vai ao encontro de nossas ilusões
fundadas sobre desejos, sem consideração pela verdade”, (Freud 1986, 233).
Nas palavras de um comentador atual, “a verdade não é uma relação com a
natureza, mas com a história, que inclui o que é e o que não é ainda” (Rouanet
1983, 103). O conceito de realidade factual foi então sendo encampada pelo
que se chamou de realidade psíquica.
Trata-se de dois planos distintos, porém não estanques, visto que há
uma relação de reciprocidade entre a realidade externa ao sujeito e sua
correspondente realidade intrapsíquica, daí na metapsicologia ser impossível
dissociá-las. O grande salto epistemológico da Psicanálise reside justamente
nessa superação do absolutismo realista, materialista e comportamental, para
dar lugar à interpretação de sonhos, fantasias, lapsos, sentidos e sensações
existentes na atividade inconsciente. Contudo o psicanalista, tanto quanto o
historiador, deve atentar para não ser minimamente tomado pelos dados
interpretados. Um filósofo e historiador contemporâneo de Freud explicitou o
cuidado: “o passado frequentemente me faz sonhar, mas sonhos breves e
fugazes, logo repelidos pelas necessidades do meu trabalho, que não é de
poeta” (Croce 1945, 8).
A reorientação do pensamento freudiano no que se refere à percepção
da realidade tem seu primeiro registro em conhecida carta de 1897, enviada ao
grande interlocutor e amigo Wilhelm Fliess (Freud 2009, 190). Ali, Freud
confessava ao médico berlinense a descrença em sua própria teoria sobre a
etiologia das neuroses. O abandono da “teoria da sedução” – baseada na
participação real do pai no assédio sexual dirigido às filhas, futuras histéricas –
marca a migração da visão factual para outro paradigma, o da fantasia
produzida pela criança no mundo até então inexistente da sexualidade infantil.
É clara a virada freudiana no sentido de retirar o excesso de materialidade da
doutrina e de afirmar a preponderância da realidade psíquica na constituição do
sujeito e do sintoma, transcendendo o que no senso comum e na ciência era
chamado de real.
Isso evidentemente remete à questão do tempo, que na Psicanálise é
multidirecional, linear quando ordena cronologicamente os eventos ouvidos;
bidirecional, quando um evento pode modificar o traço psíquico de um evento
anterior, que é assim transformado por uma “causalidade posterior sem
analogia para o historiador, e talvez para qualquer outra disciplina”, diz Roger
Perron (in Mijolla 2002, 744). Geralmente, é verdade, tende-se a ver o
historiador lidando com fatos alinhados numa linha do tempo irreversível, mas
isso decorre de uma definição muito estreita de “fato”. Este não é apenas uma
ação concreta e completa, pode ser um costume, uma crença ou um
sentimento, elementos passíveis de condicionar outras ações, pois fato é “a
espuma da história, bolhas, grandes ou pequenas, que estouram na superfície e
cujos estilhaços provocam ondas que se propagam mais ou menos longe”, diz
Duby (1973, 8).

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revista de teoria da história 23|2 2020

A atração exercida pelo romance histórico está exatamente em


contemplar a realidade psíquica de seus personagens sem perder comunhão
com os acontecimentos contados pela História. Mais do que isso, se a
historiografia tem pretensões científicas, se em certa medida é uma ciência, a
história, ela, é um romance. Por essa razão, todo romance tanto quanto story é
history, é um fragmento da grande aventura humana na Terra, seja a narrativa de
horas (como em Ulisses, de James Joyce), dias (Divina Comédia, Dante Alighieri),
anos (Odisseia, Homero), gerações (Os Buddenbrook, Thomas Mann), séculos
(Todos os Homens são Mortais, Simone de Beauvoir). Evidentemente, a dosagem
daqueles elementos varia conforme um conjunto de fatores autorais. O Nome
da Rosa (1980) apresenta uma ambientação que graças à formação de
medievalista e semiólogo de Umberto Eco, é superior à descrição do perfil
psicológico de seus personagens. O Homem Moisés e a Religião Monoteísta (1939), a
última grande obra de Freud, retrata com brilho a psicologia de uma situação e
de um personagem, mas às custas dos eventos históricos, com os quais toma
várias liberdades, justificando o título original, depois abandonado, Moisés, um
Romance Histórico.
Enquanto gênero literário, na segunda metade do século XIX o
romance pendeu para o intimismo, para os silenciosos e silenciados dilemas
interiores, matéria-prima da literatura romântica. Os enredos desses romances
falam dos conflitos pessoais vividos na relação com a sociedade, isto é, coloca
os motivos humanos confrontados com as exigências civilizatórias.
Encontramos uma boa amostra desse conteúdo em dois escritores vienenses,
contemporâneos de Freud, Arthur Schnitzler e Stefan Zweig, cujas obras
colocaram a paixão, o desejo e a fragmentação do sujeito na vitrine cultural da
época. O realce dado ao instinto sexual em sua relação com a cultura faz a
Psicanálise – que “confere à sexualidade uma espiritualidade revolucionária”,
avalia Thomas Mann (1929, 29) – apoiar-se sobre os pilares do amor e da
morte, na subjetividade do indivíduo e da civilização. Junto à noção iluminista
de realidade e de verdade, o Romantismo foi abrindo espaços para o
nascimento desse novo homem em sua condição ambivalente, como ser do
desejo e ser da cultura.
O psicanalista Jacques André afirma que “não há indício de realidade no
Inconsciente, sendo impossível distinguir a realidade histórica da imaginária
[...]. Essa realidade psíquica torna-se o verdadeiro objeto da Psicanálise, é ela
que a transferência atualiza”. E a seguir o autor dá um passo fundamental na
direção do que nos interessa no presente ensaio:
O Inconsciente funciona em relação ao contexto histórico e cultural
como o sonho em relação ao dia anterior a ele, em que busca os
materiais a partir dos quais constrói sua própria realidade, mas esta nunca
reflete a simples imagem do que o mundo propõe. A Psicanálise navega
por entre dois perigos: o primeiro seria elevar o Inconsciente ao nível de
uma transcendência que ignora as variações sociais; o segundo, reduzir a
realidade psíquica ao simples registro do mundo circundante”.
(André 2019, 34).

O antigo comentário de Malinowski revela assim toda sua pertinência –


a pesquisa etnológica confirma as teorias de Freud, mas é preciso tornar
“algumas de suas fórmulas mais flexíveis” (1927, 82). Nunca é demais insistir
que a Psicanálise, como tudo, é produto histórico, não escapa aos
condicionantes de sua época. Inclusive aquilo que lhe parece ser ahistórico
(como o Inconsciente) ou universal (como o complexo de Édipo) não deixa de
ser tributário da história. As descobertas e hipóteses freudianas resultaram,

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nem poderia ser diferente, de vivência e reflexão evidentemente históricas, isto


é, ocorridas em um quadro social, político, cultural e linguístico preciso. Daí se
ter reconhecido que a sexualidade atual não é a mesma da época de Freud, e
que se este tivesse vivido um século mais tarde a sexualidade provavelmente
não teria tido na sua teoria função etiológica (Green 1995).
Das belas páginas de George Steiner (2020, 93-134), podemos extrair
algumas pistas de reflexão sobre a contextualização psicanalítica, ainda que sem
poder aqui desenvolvê-las. Quando ele relembra que cada uma das línguas
existentes é uma janela aberta sobre o ser, sobre a criação, explorando e
transmitindo aspectos particulares e potencialidades inerentes à circunstância
humana, não podemos deixar de perguntar o que poderia ter sido o freudismo
se tivesse sido concebido em inglês, francês, italiano ou qualquer outra língua
ocidental3. De fato, cada língua expressa a realidade de maneira única, e em
situações de tensão, privada ou pública, “é o não-dito que fala mais alto”, entra
em jogo matizes, camuflagens. Nas línguas do eros, “estes atributos e
opacidades são levados ao seu mais alto grau de intensidade combinatória”.
Porque cada língua descreve e evoca o sexo de forma peculiar, Steiner
sugere que o alemão no qual Freud escutava seus pacientes (na fase formadora
da teoria, depois ele psicanalizará mais em inglês que em alemão), refletia e
escrevia, talvez não tenha deixado de influir no papel central que ele atribuiu ao
sexo na vida psicológica. Como na língua alemã com muita frequência o verbo
é colocado no final da frase, isso mantém seu sentido em suspenso até o
desenlace semiótico, sintaxe análoga ao ato sexual e sua conclusão orgástica. As
convenções, as expressões e as simulações do fazer e do falar amor em alemão
diferem, por exemplo, do francês.
Nessa língua, a mais perfeita intimidade física não excluía (no período a
que se referem as confidências de Steiner) o formalismo no trato social. Mas
ela aceita, inclusive nas manifestações líricas, que o amor é função corporal, daí
o vocabulário erótico francês misturar, mais que outros, saúde, alimentação e
sexo. Do ponto de vista filosófico, aquele idioma expressa um valor essencial –
os termos libertin e libertinage proclamam a liberté; “a gramática, o mito e a
iconografia franceses feminizam a liberdade”. Tais reflexões levam a pensar
que caso tivesse sentido, pensado e escrito em francês, Freud provavelmente
teria tido outros ângulos de visão dos problemas que analisou, ou ao menos os
teria formulado de maneira diversa.
Como quer que seja, o complexo de Édipo formulado em 1897 (mas
ainda inominado) ressentia-se de uma base histórica. A ideia foi enunciada em
carta dirigida a Fliess, na qual Freud afirma que teve a libido despertada aos
dois ou dois anos e meio de idade ao ver a mãe nua durante uma viagem. E
alguns dias depois, em outra carta, explica que “encontrei em mim, como em
qualquer outra parte, sentimentos de amor por minha mãe e de ciúme do meu
pai, sentimentos que são, penso, comuns a todas crianças pequenas […]. O
mito grego captou essa compulsão que todos reconhecem porque todos a
sentiram. Cada ouvinte [do mito] foi um dia, em germe, em imaginação, um
Édipo”, e fica aterrorizado diante da possibilidade de transposição do seu

3 Fora dessa civilização, a Psicanálise não encontra igual recepção e espaço de atuação,
trabalha com restrições e dificuldades quando alguma prática já instalada cumpre o papel ao
qual ela se propõe. Na China, por exemplo, era função do taoísmo, dentre várias outras coisas,
redefinir as relações entre mortos e vivos encontrando um lugar para aqueles que por terem
sofrido morte violenta ficavam fora das genealogias e ameaçavam assim seus descendentes.
Não por acaso, a Revolução Cultural comunista rejeitou tanto o taoísmo como a Psicanálise e
seu trabalho com lembranças mal assimiladas, com elementos que não aceitos na consciência
reemergem de forma desorganizadora em algum momento.

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revista de teoria da história 23|2 2020

sonho para a realidade, e por isso o recalca (Freud 2009, 194 - 198). A hipótese
foi tratada em outras obras antes de escrever Totem e Tabu precisamente para
identificar a origem desse processo psíquico. A Psicanálise admitia precisar da
História.
Freud acreditava na validade geral da sua descoberta, mas era obrigado
a aceitar sua historicidade. Já na primeira vez em que expôs publicamente a
noção, na sua grande obra inaugural, A Interpretação dos Sonhos, nota que no
texto de Sófocles (420 a.C.) o protagonista concretiza sua paixão incestuosa
enquanto seu correspondente moderno, o Hamlet de Shakespeare (1601-1602),
reprime-a. Diante da constatação, ele afirma que a “mudança de tratamento do
mesmo material revela toda a diferença na vida mental dessas duas épocas da
civilização muito distantes uma da outra” (Freud 1953, 264). Ou seja, se a
presença do fenômeno com vinte séculos de intervalo (e mais três em relação
ao analista) comprova ser um traço da natureza humana, atesta também que
esta não fica imune às transformações temporais, que a intervenção da história
atua inclusive em elementos na aparência imutáveis ou pouco discerníveis.
Como indicam Deleuze e Guattari (1973) discutindo a questão edipiana, essa
historicidade é estrutural e estruturante, dela resulta o fenômeno edipiano
porque o Inconsciente não é algo que simplesmente exista, ele é produzido
política, social, historicamente.
No entanto, o tratamento dado ao tema nesse livro erudito e inteligente
que é Totem e Tabu não satisfaz o historiador por ser excessivamente
especulativo, por ser carente de provas documentais. O filósofo Michel Onfray
avalia que a tese ali defendida,
essa hipotética verdade científica, é antes de mais um problema
existencial subjetivo, pessoal, individual […] transformado […] em
tormento de todos os homens desde o princípio da humanidade até o
fim dos tempos, problema de um só homem, que consegue passar a sua
neurose a toda a humanidade, na louca esperança de que ela lhe pareça,
assim, mais fácil de suportar, mais ligeira, menos penosa.
(Onfray 2012, 150).

E detecta a origem desse “epicentro da Psicanálise” em dados


biográficos do fundador da disciplina: seu pai tinha quase o dobro de idade da
sua mãe; o menino Sigmund assistiu a um episódio de antissemitismo de que
seu pai foi vítima sem reagir, o que pareceu trinta anos depois “nada heróico
por parte de um homem grande e forte”; Sigmund sempre foi o filho predileto
dos oito que teve sua mãe (Onfray 2012, 149-151, grifos do autor). Com efeito,
enquanto redigia aquele livro ele admitiu em privado que ninguém, inclusive
psicanalistas, deixa de ter “sua própria dose de neurose”, e se alguém afirmar
sua normalidade apenas levanta a “suspeita de que lhe falta compreensão da
sua doença” (Freud; Jung 1993, 545-546).
Se não é universal, o Édipo freudiano tampouco é grego. A helenista
belga Marie Delcourt (1944) vê naquele mito motivos monárquicos e sociais a
respeito da vitória de um rei jovem sobre um rei velho. O antropólogo
estadunidense Clyde Kluckhohn (1959) identifica mitos análogos em muitas
sociedades, todos abordando a hostilidade entre pai e filho, mas sem
componente incestuoso. O helenista francês Jean-Pierre Vernant (1972)
sublinha que o incesto é exclusivo da obra de Sófocles, não aparece em
nenhuma outra tragédia grega e o sucesso de que Édipo Rei gozou na
Antiguidade deveu-se ao tema da relação do homem com os deuses e a polis,
não a um pretendido conjunto de afetos reprimidos.

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revista de teoria da história 23|2 2020

O psicanalista alemão Erich Fromm (1949) também notou que o


complexo identificado por Freud – desejos incestuosos inconscientes em
relação à mãe e por consequência ódio dirigido ao pai-rival – baseia-se apenas
na peça de Sófocles, onde, ele acrescenta, não há qualquer referência à atração
física de Édipo por Jocasta, com quem se casa apenas obedecendo aos
costumes de Tebas por ter salvo a cidade. Tampouco o texto grego fala de
ciúme de Édipo em relação a Laio, que ele sequer conhecia e que matou no
curso de um banal desentendimento entre viajantes. Para bem compreender o
mito e dele derivar fundadas observações psíquicas, seria preciso levar em
conta igualmente Antígona (440 a.C.) e Édipo em Colono (405 a.C.). Tomada em
conjunto a trilogia, vê-se que seu tema básico não é um amor materno-filial
incestuoso, e sim uma rebelião do filho contra a autoridade do pai no seio da
família patriarcal.
Como notou um helenista, a tragédia grega é “um gênero didático” que
tem por meta realizar a “passagem do homem ao herói”, daí em Antígona,
“rainha das tragédias”, a personagem central, filha de Édipo, encarnar o
primado da ordem espiritual sobre a ordem social, e nessa função opor-se ao
rei, seu tio: “Antígona é liberdade, Creonte é fatalidade”, comenta Bonnard.
Édipo ao cegar-se “alcança na noite uma outra luz”, faz “da sua servidão
instrumento da sua libertação”. Enfim, de Édipo Rei pode-se dizer que
“nenhuma tragédia antiga é menos psicológica que esta, nenhuma é mais
filosófica” (Bonnard 2018, 205-228 e 275-303). Outro estudioso acrescenta
sobre aquele texto que “não cabe atribuir um sentido psicológico àquilo que no
espírito do poeta trágico era unicamente signo de fatalidade” (Miguez 1978,
LXIX). Ora, na leitura freudiana em vez do homem tornar-se herói ocorre o
contrário, a criança pequena, para os pais uma espécie de herói familiar na fase
pré-edipiana, involui para uma condição muito humana, carregada de desejos
insatisfeitos, ciúme, raiva, ansiedade. A grandeza do herói que na desgraça
ganha em sabedoria fica reduzida no pessimismo freudiano a uma
manifestação do destino humano no qual a margem de liberdade é limitada e
condicionada.
Não sendo grego, o que é o Édipo freudiano? Uma resposta plausível
poderia ser vienense da Belle Époque. Vigorosa prova da força da história é que
Freud, grande conhecedor da psique humana, foi tão homem do seu tempo
que tomou por atemporal o que possivelmente — a questão continua a opor
psicanalistas ortodoxos e revisionistas — era histórico. Ele revelou, em si e nos
seus pacientes, fantasmas sexuais característicos da Europa ocidental entre fins
da guerra franco-prussiana e o começo da Grande Guerra, período que assistiu
à vitória econômica, política e social da burguesia e à valorização de sua moral.
Nesse ambiente sociocultural era comum o recalque (Verdrängung), processo
que leva o sujeito a repelir ou manter inconsciente representações associadas a
uma pulsão. A medicina de fins do século XIX expressava e reforçava esse
enquadramento geral. O então celebrado Richard Freiherr von Kraft-Ebbing
(1840—1902) ensinava que a mulher normal tem pequeno desejo sexual e deve
ser submissa, pois “se não fosse esse o caso, o mundo inteiro seria um bordel e
o casamento e a família impensáveis” (1890, 11).
A sensibilidade psicanalítica foi em certa medida responsável pela
tomada de consciência do historiador quanto ao suposto realismo das fontes,
percebendo que se elas divergem é porque foram produzidas por seres
humanos com ansiedades, receios, esperanças, ambições e toda uma gama de
emoções presente em todos os tempos, contudo sentidas e expressadas de
forma particular por cada época e cada indivíduo. Disso não escapa,

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obviamente, o próprio historiador, em cujas obras fala em certa medida de si


mesmo por meio do tema escolhido, da teoria adotada, da documentação
selecionada, da redação praticada. Ou simplesmente fala das naturais
transformações que conhece ao longo do tempo enquanto pessoa. Jules
Michelet (1798—1874) confessou que os quatro anos anteriores ao livro que
então apresentava, em 1869, “fizeram de mim um outro homem” (1893,
XXIV), ocorrência psicológica que, é claro, repercutiu na sua produção
intelectual.
Nem todo historiador, porém, diante da percepção do relativismo de
suas informações e de suas interpretações fica convencido a abandonar a busca
de um suposto absoluto. Ainda em meados do século XX, um deles (Marrou
1978, 28) defendeu que conhecimento histórico é conhecimento verdadeiro,
oposto à “representação falsa ou falsificada, irreal do passado”, aquela da
utopia, do mito, das tradições populares ou das lendas, sem compreender que
se referia a produtos do passado que agiam sobre este enquanto era presente,
sendo, portanto, passíveis de serem estudados como tal. Ilustrando as “lendas
pedagógicas”, ele lembrou de personalidades históricas como Carlos Magno,
ensinadas diferentemente na França e na Alemanha. Ora, isso ocorre
simplesmente porque como toda pessoa, viva ou morta, o imperador carolíngio
é suscetível de ser avaliado de maneiras diversas, consoante as informações que
tenhamos sobre ele, o ambiente a partir do qual o observamos, o ângulo de
análise adotado na apreciação do personagem.
O fenômeno da utopia mencionado por Marrou é eloquente, por se
tratar de carência presente, de desejo coletivo projetado no futuro, mas que
quase sempre resgata, reelaborando-o, uma situação primordial idealizada.
Sendo a utopia transversal aos três modos de tempo, o historiador, por
definição habituado a lidar com o passado, tem dificuldade em estudá-la,
deixando a tarefa ao filósofo, ao politólogo, ao sociólogo. No entanto, é
expectável que o diálogo entre o historiador e o psicanalista possa lançar luz
sobre as utopias, “sonhos diurnos” na definição de Ernst Bloch (2005 vol. I,
14).
De um lado, porque sendo uma manifestação histórica que pretende
ultrapassar a história, é preciso bem conhecer o ambiente em que nasce a
utopia para compreender seu material constitutivo, seu pensamento, sua
eventual passagem à ação. De outro lado, porque o pensamento utópico talvez
seja um caso-limite daquilo que Freud (2013, 86-90) chamou de “onipotência
do pensamento”, cuja raiz está, disse Shakespeare (1978, 49), de quem o
austríaco foi grande leitor, no fato de o desejo ser “pai do pensamento”,
expressão retomada por Bloch (2005 vol. II, 419). Destarte, no plano psíquico
pode-se estender à utopia o comentário freudiano quanto ao projeto coletivo
de refazer o mundo, de “construir outro em seu lugar, no qual os aspectos mais
intoleráveis sejam eliminados e substituídos por outros conformes aos próprios
desejos”, empreendimento que representa “uma delirante modificação da
realidade” que nada alcançará (Freud 2016, 25-26). Utopia é uma estratégia de
busca de felicidade calcada na ilusão.
Uma obra historiográfica não é apenas, conscientemente, a descrição e
interpretação de um momento, personagem ou fenômeno do passado, é, além
disso, inconscientemente, uma manifestação dos sentimentos do historiador
sobre seu próprio tempo. Edward Carr exemplifica esse processo comum,
revelador da humanidade de cada autor, lembrando que a History of Greece
(1846) de George Grote informa o leitor de hoje tanto sobre a democracia
ateniense do século V a.C. quanto sobre o pensamento dos radicais ingleses

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dos anos 1840. A Römische Geschichte (1854—1856) de Theodor Mommsen tem


como objeto manifesto a evolução da república romana, e como objeto oculto
(mas perfeitamente discernível pelo leitor atento) o impacto das revoluções
liberais de 1848. Mas a escrita da história é igualmente, em maior ou menor
medida, manifestação de uma época por intermédio do historiador. O
comentário de Carr é uma obviedade que deve ser reafirmada visto que com
frequência esquecida: “o historiador antes de começar a escrever história, é
produto da história”, seu trabalho reflete a sociedade na qual trabalha (Carr
1978, 35, 37 e 39).
Não cabe mais, portanto, a ideia de História como “relato dos fatos
considerados verdadeiros” (Voltaire 1765, 220). Não é por estar em
documento histórico que uma informação é intrinsecamente autêntica. Ou
melhor, ela pode sê-lo de maneira diversa: uma notícia falsa também transmite
dados de qualidade para o historiador, desde que devidamente contextualizada,
cotejada e analisada. Amostra disso é um episódio de maio de 1247 na cidade
de Parma, tradicional aliada do papa, que estando sitiada pelas tropas imperiais
de Frederico II esperava um exército de apoio. Como este tardava a chegar e o
moral dos defensores caía, o legado pontifício da cidade fez com que durante
uma reunião dos cavaleiros locais entrasse um frade esbaforido, aparentando
ter acabado de chegar de viagem, e entregasse uma carta anunciando a
aproximação dos aguardados reforços. A mensagem era uma falsificação, mas
seu conteúdo logo se espalhou entre os cidadãos (Kantorowicz 1927, 592-593).
Construiu-se assim uma nova verdade, plena de implicações psicológicas e
práticas. Verdade nascida da história e construtora da história.
O rumor (rumor, “ruídos vagos”, “propósitos difundidos”, “opinião
corrente”) é de todas as épocas, e a atual não é exceção como demonstra a
onipresença informática das fake news. O destino de batalhas, complôs,
revoluções, canonizações de santos, eleições de papas, imperadores e políticos
modernos, construção ou destruição de reputações, valorização ou
desvalorização de mercadorias, flutuação na cotação da bolsa de valores, tudo
isso não poucas vezes foi e é definido por boatos. A percepção desse
fenômeno de largo alcance social não é só da História, ela é partilhada com
outras ciências que tem muito a lhe sugerir a respeito, como a antropologia, a
sociologia e a Psicanálise, cada uma lidando com o fenômeno de forma
específica.
No essencial, todo estudioso do homem enquanto ser social “tem de
romper com sua personalidade segregada e autocentrada e penetrar nos
sentimentos, pensamentos e vidas de outras pessoas, [inclusive dos] que
viveram em eras há muito passadas, em partes distantes do habitat da
humanidade”. Esta afirmação de Toynbee (1986, 515) é perfeitamente válida
para o psicanalista, que não separa o ser individual do ser social. “Um dos
traços característicos do historiador”, constata um deles, o francês Anheim
(2018, 214 e 235), de filiação teórica bem distinta da do inglês, é que
“trabalhamos sobre aquilo que nos trabalha”, é que “a prática da História nos
altera, faz de nós alguém diferente”, formulações que caberiam sem ressalva na
boca ou na pena de um psicanalista.
Assim como este, também o historiador possui métodos e
procedimentos que permitem perseguir seus objetivos minimizando os riscos
de contágio do objeto pelo sujeito e do sujeito pelo objeto. A ingenuidade de
Heródoto ou dos cronistas medievais foi cedendo lugar ao espírito crítico dos
iluministas e seus sucessores, até hoje, sem que, entretanto, as distorções
possam ser eliminadas pela simples razão que o material e seu artesão são

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humanos. Sem paradoxo, a humanidade do exegeta que lhe permite aproximar-


se dos antepassados estudados é também o que o afasta deles, o induz a
projetar sobre eles ideias e sentimentos que lhe são estranhos, são de outro
tempo. Marrou (1978, 42-54), entre outros, insiste com razão que o
conhecimento histórico é “uma mistura indissolúvel de objeto (o passado) e de
sujeito (o historiador)”.

MÉTODO E INTERPRETAÇÃO
A História e a Psicanálise, ainda que sob enfoques e ênfases bastante
diferentes, estão ambas envolvidas com a questão da representação. Enquanto
o biólogo examina uma bactéria, o químico uma substância, o astrônomo uma
estrela, o geólogo uma rocha, o geógrafo um rio, o historiador não estuda um
evento e o psicanalista não analisa um afeto, somente suas representações. Para
o historiador, adotando e adaptando reflexões oriundas de outras áreas do
conhecimento, representação é um significante que pode tanto encobrir quanto
desvelar a significação do mundo. Seja representações mentais (como a língua),
seja objetais (emblemas, por exemplo), seja performáticas (teatro é o caso
típico), trata-se sempre de algo no lugar de outro, de presentificar uma
ausência. Daí se dever “incluir no real a representação do real”, (Bourdieu
1996, 108). As descrições da batalha de Bouvines não são o real em primeira
instância (o choque de alguns milhares de homens perto de Lille e Tournai,
entre 12:00 e 17:00 do domingo 27 de julho de 1214), mas uma segunda
instância que agiu sobre a posterior história política francesa (terceira
instância).
Para o psicanalista, é preciso levar em conta que Freud adota a palavra
coloquial alemã para “representação”, Vorstellung, cujo campo semântico é
largo, significando ainda “imaginar ou pensar (conceber uma imagem sensorial
sem a presença concreta do objeto)”, além de “concepção, conceito, noção,
ideia” etc. Ademais, o vocabulário freudiano recorre a Darstellung,
“apresentação”, também “representação” e “caracterização” na linguagem
teatral, donde Darstellbarkeit para designar a atividade psíquica ligada à
representatividade e à figurabilidade, à “capacidade de se exprimir em
imagens”, aos pensamentos dos sonhos e “às possibilidades de um conteúdo
ser representável (ser colocado em linguagem e mostrado)” como se encontra
em Die Traumdarstellung (A Interpretação dos Sonhos) (Hanns 1996, 376-396).
Tanto no uso historiográfico como no psicanalítico, para se
compreender os mecanismos da representação e alcançar os elementos
representados, é preciso lançar mão de um método interpretativo. Que ele seja
qualificado de científico, ou não, é questão polêmica que não cabe aqui
rediscutir visto não ser essencial para os comentários de cunho ensaístico e
restrito apresentados neste texto. De fato, para muitos epistemólogos “ciência”
deve ser denominação reservada a ramos do conhecimento que a partir de
métodos lógicos e sistemáticos alcançam resultados passíveis de comprovação
verificável e repetível. Nenhuma das duas áreas que examinamos se encaixa
nesse perfil. No que diz respeito à Psicanálise, Freud (1994, 13) classificava-a
como uma ciência da natureza (Naturwissenschaft), argumentando que a falta de
precisão, imutabilidade e infalibilidade é de toda ciência nos seus primeiros
tempos. Paul Veyne (1971, 7) foi mais direto e menos pretencioso sobre a sua
área: “a História não é uma ciência e não o será jamais”.

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Para outros pensadores, as noções de objetividade e neutralidade


científica são referências conceituais que só fazem sentido para o século XIX,
tendo sido abandonadas pela epistemologia posterior visto que as ciências não
podem estar descoladas do seu contexto político, social e cultural, que
condiciona a elaboração e a aplicação de seus métodos, logo, de seus
resultados. Quine (1951) pensa que não existem verdades empíricas,
comprováveis pela experiência, tampouco verdades irrefutáveis, pois a lei da
não-contradição cara à lógica clássica é colocada em xeque pela física quântica
ao admitir que uma partícula ao mesmo tempo pode ser e não ser, ao
reconhecer que a mera observação da partícula muda seu estado. O caso
particular da História já foi visto como ciência não “no sentido de epistémê, mas
no de tékhnê, isto é, conhecimento elaborado em função de um método
sistemático e rigoroso”, oposto ao conhecimento vulgar da experiência
cotidiana (Marrou 1978, 29).
Freud reiterou em várias oportunidades o estatuto científico singular da
Psicanálise, mas o comentário de um Prêmio Nobel de literatura em relação à
História poderia se estender ao campo psicanalítico: “não é uma ciência, é uma
arte. Nela só se tem sucesso pela imaginação.” (France 1927, 458) Talvez a
formulação anterior de um historiador seja mais exata: “une œuvre d’art autant que
de science” (Michelet 1840, V). Mas alguns dos contemporâneos desse autor
criticaram seus excessos verbais e advertiram para a necessidade de controlar a
imaginação na escrita da história. Ainda assim, um sucessor de Michelet no
Collège de France, Georges Duby (1980, 50), insiste que a História é antes de
tudo uma arte, “uma arte literária essencialmente”. No século XX outros
historiadores, tão diferentes entre si como Edward Carr (1978, 24), Robin
Collingwood (1972, 365-375), René Rémond (1989, 336) e Jacques Le Goff
(1977, 7), aceitaram a imaginação no seu ofício, desde que usada com
moderação e submetida à erudição.
Assim, o termo “ficção” utilizado por Hayden White (1994, 30) a
propósito do trabalho do historiador – e cabível igualmente ao psicanalista –
não é absurdo, já que pela etimologia fictio, “formação”, “criação”, “suposição”,
“hipótese”, é derivação de fingere, “modelar na argila”, “esculpir”, “fabricar”,
“reproduzir os traços de”, “representar”. Ou seja, antes de prevalecer o sentido
figurado de “fingimento”, “falsidade”, “imaginação” (do que derivou fictum,
“mentira”, ficticius, “inventado”, “fingido”), ficção é simplesmente aquilo que se
organiza, se estrutura, de determinada maneira, seja ele o texto historiográfico,
o diálogo clínico ou um estudo psicanalítico. Freud (1967, 276) pretendeu
transformar a metafísica em metapsicologia, White (1993) foi mais modesto
quanto à História, contudo a diferença é quantitativa, não qualitativa. Ambos
propõem refletir em profundidade sobre suas disciplinas: metapsicologia é a
dimensão teórica da Psicanálise assim como metahistória o é da História. Uma
e outra lançam o olhar por detrás (μετά) das aparências4. Como comentou
Steiner (2020, 48-54), na literatura há uma verdade da ficção e na erudição uma
ficção da verdade.
Um jogo especular comparável ocorre na situação psicanalítica,
tornando necessária a arte da interpretação (Hermann 1991), de forma similar à
atuação do historiador, cujo método consiste “essencialmente na interpretação
das provas” (Collingwood 1972, 22), tarefa que é “o sangue vivo da História”

4 Não seria difícil, mas não cabe aqui, desenvolver os paralelos entre a metapsicologia e sua

descrição das relações internas de um processo psíquico (Freud 1968) e a metahistória com seu
procedimento de atribuição de sentido histórico (Jörn Rüsen, “What is Meta-history?”, 2010,
https://pt.scribd.com/doc/39630477/What-is-the-meta-history).

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(Carr 1978, 27). Se “a História é a resposta às perguntas que lhe queremos


colocar” (Veyne 1971, 44), é possível dizer que a Psicanálise é o conjunto de
perguntas que resistimos em lhe colocar. Com efeito, como a etimologia nos
informa, “perguntar” deriva de percontari, por sua vez vindo de contus (vara), isto
é, perguntar é sondar o fundo do rio com uma vara, ou, metaforicamente, é
sondar a alma daquele a quem se sugere uma pergunta.
Vale para a Psicanálise, em linhas gerais, as reflexões de Collingwood
sobre a História, cuja função é “o auto-conhecimento humano”. Quer dizer,
conhecer a si mesmo significa saber o que se pode fazer. E como
ninguém sabe o que pode fazer antes de tentar, a única indicação para
aquilo que o homem pode fazer é aquilo que já fez. O valor da História
está então em ensinar-nos o que o homem tem feito e, deste modo, o
que o homem é. […] condição sem a qual nenhum outro conhecimento
pode ser justificado criticamente e fundamentado com segurança.
(Collingwood 1972, 22 e 315).

Nesse sentido, talvez a mais eloquente relação da Psicanálise com a História


não esteja em determinado texto freudiano, nem no conjunto deles, e sim na
coleção de antiguidades que povoava seu consultório. Peças egípcias, gregas,
romanas e orientais que o inspiravam, que o lembravam incessantemente das
raízes históricas de todo homem, impensável sem seus elos com o passado.
O método psicanalítico confere patamares distintos à questão da
interpretação, ora tomando-a como instrumento de investigação de sentido,
situando-se então num terreno hermenêutico comparável ao da História, ora
utilizando-a como privilegiado recurso terapêutico. Se a escuta no sentido
literal é o que faz o psicanalista em relação ao paciente, em sentido figurado é o
que deve fazer o historiador com todo o tipo de material associado a seu
objeto de estudo. Assim como aquele não deve ficar restrito ao mal-estar
imediato (familiar, sexual, profissional) do paciente, o segundo não pode se
limitar às camadas superficiais de suas fontes. Ele deve submeter seu vasto
material, pelo menos em certa fase da pesquisa, a associações livres
comparáveis àquelas ocorridas em situação psicanalítica e fundamentais para
sua evolução. Aplica-se a esta uma avaliação relativa ao historiador: “a crítica
do testemunho, que trabalha sobre realidades psíquicas, permanece sempre
uma arte de finesse” (Bloch 1993, 139). Arte que o historiador e o psicanalista
praticam com ferramentas de suas disciplinas, mas também de outras,
conforme as necessidades de cada momento.
Sendo a escuta a via de apreensão dos sentidos que emanam do objeto,
externados no espaço manifesto (o divã analítico ou as fontes primárias do
historiador), Luís Carlos Menezes (2001, 48) afirma que “o ouvido do analista
será sensível ao detalhe, ao fragmento, àquilo que destoa; o analista trabalha
psiquicamente, em sua escuta, com ... restos, e não com o conteúdo
intencionalmente significado pelo paciente”. Notemos que também o
historiador trabalha com restos (os fragmentos do passado que chegaram até
ele) e com indícios (detectados nesses fragmentos), precisando assim estar
atento aos detalhes que podem revelar significados latentes. Por isso não é
aceitável pretender que “nenhum documento pode nos dizer mais do que
aquilo que o autor pensava” (Carr 1978, 18). Várias vezes aquilo que ele diz
sem consciência de fazê-lo é tão ou mais importante do que aquilo que afirma.
O valor de uma informação não depende de sua explicitação e sim de seu
conteúdo, mesmo implícito.

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Marc Bloch comparava o historiador ao “juiz que se esforça em


reconstituir um crime ao qual não assistiu”, daí a necessidade de recorrer a “um
conhecimento por traços”, centrado naquilo que os textos (e as imagens,
devemos acrescentar) “nos deixa perceber, sem ter desejado dizê-lo”, porque
eles são testemunhas que não falam espontaneamente (Bloch 1993, 99, 103,
108 e 109). Mais recentemente, Carlo Ginzburg (1989) chamou atenção para o
“paradigma indiciário” que se afirmou a partir de 1870-1880 (mas de raízes
pré-históricas, segundo ele) nas ciências humanas, inclusive na História, cujo
conhecimento é “indireto, indiciário e conjuntural”, análogo ao conhecimento
médico, constituído a partir dos sintomas.
Também a Psicanálise parte do singular, do particular concreto,
considerado índice do universal, em direção ao todo. Entre 1883 e 1896 (antes,
portanto, da elaboração da teoria psicanalítica), Freud conheceu a obra do
historiador da arte Giovanni Morelli (†1891), médico de formação, que se
propunha atribuir a autoria de um quadro não pelos seus traços mais evidentes,
e sim por pormenores como os formatos de orelhas, dedos e unhas. Logo no
começo de O Moisés de Michelangelo, Freud admite ter encontrado na obra de
Morelli um método estreitamente aparentado ao psicanalítico, pois este
trabalha com detalhes, dados marginais, refugos, elementos comumente pouco
notados, contudo, essenciais para a investigação do analista (Freud 2005, 143).
Isso reafirma a já comentada avaliação que a Psicanálise, como a História, é
arte, aquilo que “torna preciosas coisas sem valor”, em célebre definição
(Shakespeare 1978, 263).
Ainda que em contextos bastante específicos, pode-se dizer que as
interpretações em História e Psicanálise convergem na ressignificação do
passado, social ou individual, sempre a partir da realidade presente. E que a
pesquisa do imaginário numa disciplina e do Inconsciente na outra leve em
conta a imprecisão do discurso recebido, escrito ou oral, decorrente da
subjetividade de quem comunica, bem como da ausência de neutralidade do
receptor da informação cujas percepções estão sujeitas ao filtro de sua própria
subjetividade. A aceitação desses novos paradigmas permite reconhecer as
evidências da vida imaterial, como fazem a Psicanálise e alguns segmentos da
História.
Mas nesse procedimento há inevitáveis projeções do presente do
psicanalista ou do historiador sobre os relatos recebidos, o que, comenta
Oakeshott (2003, 128) sobre esse último, pode às vezes colaborar na tarefa, em
outras se tornar um empecilho. Contra essa possibilidade a História conta com
poucos recursos, enquanto a Psicanálise elaborou certos controles técnicos,
porém de eficácia apenas relativa na medida em que não se pode escapar às
forças inconscientes. O melhor exemplo é uma célebre passagem de Totem e
Tabu sobre a horda primitiva:

Um pai violento e ciumento, que reserva todas as fêmeas para si e


expulsa os filhos quando crescem, eis o que ali se acha. […] Certo dia, os
irmãos expulsos se juntaram, abateram e devoraram o pai, assim
terminando com a horda primeva. Unidos, ousaram fazer o que não seria
possível individualmente. […] Sem dúvida, o violento pai primevo era o
modelo temido e invejado de cada um dos irmãos. […] No ato de
devorá-lo eles realizavam a identificação com ele, e cada um apropriava-
se de parte de sua força. A refeição totêmica, talvez a primeira festa da
humanidade, seria a repetição e a celebração desse ato memorável e
criminoso, com o qual teve início tantas coisas: as organizações sociais,
as restrições morais, a religião. (Freud 2013, 147-148).

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Ironicamente, é a teoria freudiana que permite perceber que além de


formular uma hipótese sobre os tempos pré-históricos, o trecho acima refere-
se também ao movimento psicanalítico, cujo pai se sentia ameaçado por alguns
filhos ambiciosos. No mês e ano (outubro de 1913) em que se completava a
publicação do texto concretizava-se o rompimento entre Freud e Jung,
herdeiro presumido do movimento. Outros duros afastamentos de
personagens importantes já haviam acontecido (Wilhelm Fliess, Alfred Adler,
Wilhelm Stekel) e voltariam a acontecer (Karl Abraham, Otto Rank, Sandor
Ferenczi), mas era o preço a pagar para manter a ordem na horda primitiva.
Em rigor, pela natureza de suas áreas, nem o historiador nem o
psicanalista tem condições de produzir uma tese (thesis < θέσις, ”ação de
colocar, arranjar”, em sentido figurado “estabelecer um princípio”), devem se
conformar em ficar no nível da hipótese (hypothesis, argumento < ὑπόθεσις,
suposição < ὑπό, sob + θέσις). É claro que as ciências ditas duras ou exatas
antes de poderem formular, ou não, certas conclusões, trabalham com
hipóteses, que constituem, entretanto, apenas um instrumental, uma etapa
intermediária da pesquisa. Nas ciências do homem é diferente. No caso das
duas que aqui interessam, o terreno privilegiado de encontros e desencontros
ilustra bem a necessidade estrutural de hipóteses. Se Freud admite
(desprezando a nova teoria genética da hereditariedade, formulada por Mendel
em 1900) a existência de uma memória transgeracional, um conjunto de traços
mnemônicos arcaicos, é porque precisa construir “uma ponte acima do fosso
que separa a psicologia individual da psicologia de massas”, permitindo-lhe
“tratar os povos como o indivíduo neurótico” (Freud 1986, 196).

O CONHECIMENTO ENTRE RAZÃO E PAIXÃO


Por examinarem o humano, tanto a História quanto a Psicanálise
defrontam-se com um material complexo, de harmonização e compreensão
difíceis. Como na vida psíquica razão e paixão são complementares, uma não
existe sem a outra, elas condicionam o objeto de estudo, e também o
estudioso. Em especial no cenário romântico. Michelet aliou erudição e
imaginação em proporções muito variáveis, com a primeira sendo mais um
estímulo do que um controle sobre a segunda. Não é a razão, mas a paixão (a
pessoal e a pelo mundo contemporâneo), que explica a passagem da sua visão
positiva da Idade Média, formulada em 1833-1844, para a negativa, de 1855-
1861 (Le Goff 1977, 19 - 45). Em Uma Lembrança da Infância de Leonardo da
Vinci, Freud (2009, 99) nota que o personagem devido às circunstâncias de sua
infância convertera a paixão em sede de conhecimento, entregando-se à
investigação científica com persistência sustentada pela força da pulsão, e só ao
atingir o auge de seu trabalho intelectual, ao adquirir o conhecimento desejado,
permitiu que o afeto há muito reprimido viesse à tona e transbordasse
livremente, como se deixa correr a água represada de um rio após ter sido
utilizada.
Não é absurdo especular se o interesse freudiano pelo frágil equilíbrio
entre razão e paixão em Leonardo não refletia igual situação nele próprio,
Freud. É o que permite pensar a predileção que tinha por aquela obra: ainda
nove anos depois de sua publicação, ele revelou a um amigo que ela era “a
única coisa bela” que havia produzido (Freud 1996, 368). Porque um ano após
aquele estudo, ao falar do novo livro então em elaboração, Freud confessou
que “sou inteiramente Totem e Tabu” (Freud; Ferenczi 1992, 317),
possivelmente acolheria como sua a autoavaliação de Michelet em 1869, cinco

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anos antes de morrer – minha vida foi minha obra, “foi meu único evento”. E
concordaria (substituindo na frase a área de atuação) com a ideia de que “a
história faz o historiador, bem mais do que é feita por ele. Meu livro me criou.
Eu é que fui sua obra. […] Levando sempre mais longe minha ardente
perseguição, me perdi de vista, me ausentei de mim. Passei ao lado do mundo e
tomei a História pela vida. E assim ela ficou para trás. Não lamento nada”
(Michelet 1893, IX, X e XLIV).
Michelet e Freud viram-se diante do mesmo problema: o fogo da
paixão aquece mas pode queimar, a luz da razão ilumina mas pode cegar. O
espírito romântico fornecia muitas ilustrações do primeiro risco (ao qual o
historiador sucumbiu várias vezes), o cartesianismo e o iluminismo do segundo
(ao qual o psicanalista nem sempre escapou). Michelet viu-se contestado
devido à interioridade dos fenômenos históricos que estudou (o povo, a
mulher, a feiticeira), Freud devido à interioridade dos fenômenos anímicos que
examinou (pulsões, recalques, Inconsciente). A paixão intelectual alimenta a
razão, mas nem sempre a razão controla as paixões, inclusive as intelectuais.
Enquanto a paixão teme o tempo e a distância, a razão é nutrida por eles. Daí
por que o distanciamento do investigador além de hermenêutico, é também
profilático.
Qualquer espectador muito próximo do — tomando um exemplo
pouco posterior a Michelet e contemporâneo à formação da Psicanálise —
Campo de Trigo com Corvos (1890) não consegue perceber nada além das
pinceladas. Somente recuando alguns passos é possível identificar a paisagem
atormentada de Van Gogh. Todo historiador, por definição, conta com o
recuo temporal que lhe permite um olhar abrangente e a esperança de captar o
sentido do fenômeno estudado. Todo psicanalista, muito mais próximo do
objeto analisado, ganha na recolha dos detalhes, mas precisa de perspectiva
para compreendê-los. Se de um único detalhe ele extrai inferências importantes
para sua tarefa, é para desse ângulo de visão provisório obter novos detalhes e
com eles ampliar, matizar ou até reformular a teoria.
Próximas também são as duas ciências na sua limitação epistemológica,
pois trabalham com condições necessárias, jamais com condições suficientes às
suas interpretações. Se “a essência da realização artística é psicanaliticamente
inacessível” (Freud 1998, 163), isso debilita a possibilidade de alcançar a
pretendida cosmovisão global ou Weltanschauung — construção intelectual
destinada a resolver todos os problemas da existência humana a partir de uma
hipótese edificada sobre a ciência, que comanda o todo — em certa medida
comparável à noção de história total empreendida por Michelet desde 1820 e
da descrição literária total ambicionada por Balzac na década de 1830 com a
Comédie humaine. Também a totalidade histórica fica comprometida pela
inacessibilidade à essência artística, o que gera uma deficiência na compreensão
do material examinado pelo historiador, e por consequência na sua explicação
sobre a sociedade que produziu as obras de arte.
Em História, a noção de causa que havia se firmado com o
cartesianismo e o consequente recuo da ideia de intervenção divina na
evolução das sociedades, teria vida longa desde Montesquieu, que incluiu a
causalidade já no título de suas Considérations sur les causes de la grandeur des
Romains et de leur décadence (1734), até pelo menos 1961, quando um
contemporaneista inglês afirma que “o estudo da história é um estudo de
causas” (Carr 1978, 75). Também Freud (2016, 9) raciocinou em termos de
causalidade: toda “explicação psicanalítica é genética”. A etiologia praticada
pela História e pela Psicanálise é geralmente complexa, mas aceita a

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predominância de um fator do qual derivam os demais, ou pelo menos articula


os demais — “todo argumento histórico gira em torno da questão da
prioridade de causas” (Carr 1978, 78) — caso do econômico na historiografia
marxista e do sexual na interpretação psicanalítica.
Se evidentemente a maioria dos episódios psicológicos não têm
ressonância histórica além do próprio sujeito, alguns condicionam a trajetória
da sociedade e das ciências que explicarão o indivíduo e a coletividade. Uma
circunstância dessas se deu na noite de 10 para 11 de novembro de 1619, com
os três sonhos tidos por René Descartes, que naquela época servia ao exército
de Maurício de Nassau para poder viajar e assim ler diretamente no “livro do
mundo”. Naquela manhã ele despertou convicto de ter tido uma espécie de
epifania científica, de iluminação filosófica, que lhe pareceu solucionar suas
inquietações intelectuais. Dispôs-se então a curar o conhecimento caótico de
seu tempo, cujos saberes não considerava confiáveis por acumularem-se como
cidades que crescem de forma desordenada e aleatória.
O jovem Descartes tirou de seus sonhos um método científico que
deveria dirimir as dúvidas sobre a autenticidade da produção de conhecimento
e a validade de seus resultados. A razão tornar-se-ia juiz e sinônimo de juízo,
inspiração para que, século e meio depois, a Revolução Francesa cultuasse a
“deusa Razão” em plena Notre-Dame de Paris e a seguir em várias outras
igrejas por todo o país. Entretanto, a despeito de o método cartesiano-
iluminista pretender emitir vereditos sobre o falso e o verdadeiro, ele não
deixava de estar impregnado de certo romantismo e mística, como mostrou um
geólogo e paleontólogo alemão (Quiring 1954-1955). O primeiro historiador a
percebê-lo foi o inglês Edward Gibbon (1737-1794), que alertará para o fato de
até “as almas mais isentas de preconceitos não saberem deles se desfazer
completamente”. É preciso, diz ele, identificar, comparar e associar os
acontecimentos, porém o mais difícil é a etapa seguinte do trabalho
historiográfico: compreender o irracional na história (Gibbon 1762, 60-61).
As tentativas nesse sentido demorariam a aparecer, mas no século
passado certas correntes historiográficas superaram os limites tradicionais da
sua área e concederam espaço a temas como fantasmas, loucura, magia,
sexualidade, símbolos, sonhos, superstição. A Psicanálise dos primeiros
tempos, muito tributária da intenção de fazer ciência positiva, subestimou a
presença do irracional na sua investigação, com Freud criticando Jung por
valorizar material mitológico e religioso e refletir sobre fenômenos como
astrologia e magia. Ainda assim, o austríaco teve a inteligência de preferir falar
de uma área cinzenta entre normalidade e patologia psíquicas, mais do que na
existência de fronteira vincada entre elas (Onfray 2012, 604-605). Seguindo
esse modelo, psicanalistas e historiadores deveriam evitar todo entendimento
polarizado, inclusive aquele pelo qual os primeiros se ocupam do indivíduo e
os segundos do coletivo, avaliação simplista visto que nem Heródoto descurou
do indivíduo, nem Freud da cultura.
O pai da História elaborou sua obra fundado em dois métodos básicos,
a constatação pessoal (αὐτοψία, autópsia, “ver com os próprios olhos”) e a
informação recebida de outrem (οὖς, ous, “orelha”, isto é, aquilo que ouviu),
sem atribuir qualquer hierarquia valorativa a essas procedências do seu
material. Seu inquérito (ἱστορία, istoria < *weid-, raiz indo-europeia de “ver”)
resultou em relato (λόγος, logos) composto pela sucessão e encadeamento de
vários relatos particulares (logoi). Cioso de deixar a mitologia à margem, como
homem do seu tempo Heródoto não podia, porém, escapar completamente a
ela, e titulou as nove partes da sua obra com nomes das musas gregas: Livro I –

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Clio (aquela que preside a História); Livro II – Euterpe (música); Livro III –
Tália (comédia); Livro IV – Melpômene (tragédia); Livro V – Terpsícore
(dança); Livro VI – Érato (lírica); Livro VII – Polímnia (retórica); Livro VIII –
Urânia (astronomia); Livro IX – Calíope (épica).
Percebendo que os eventos se desenrolam não apenas no tempo, mas
também no espaço, dedicou a ele muita atenção, o que levou comentadores
modernos a considerá-lo também pai da geografia. Tendo observado que o
mundo é uno, embora habitado por povos de costumes bem diversos,
Heródoto descreve formas educacionais e funerárias, crenças, ritos,
monumentos, imaginários, e pode por isso ser igualmente qualificado de pai da
etnografia. Um dos comportamentos coletivos ao qual dedica grande parte da
narrativa revela-se essencial pelas decorrências práticas e psicológicas — os
gregos são livres, são cidadãos que definem seu destino, em contraste com os
“bárbaros” (todos aqueles que não falam um dialeto grego), súditos de
monarcas despóticos revestidos de caráter sagrado. Da variedade de costumes,
às vezes bastante antagônicos, Heródoto extrai uma conclusão que os futuros
antropólogos, historiadores e psicanalistas confirmariam — a humanidade é
singular, mas os homens são plurais. Assim, por via indireta, o indivíduo com
seus sentimentos e conflitos não deixa de ser contemplado pela metodologia de
Heródoto, mesmo que o núcleo de seu estudo esteja voltado para a dimensão
coletiva.
Freud, por sua vez, desde os primeiros casos clínicos enfatizou os
efeitos recíprocos entre indivíduo e cultura. Sua biografia intelectual comprova,
e nem poderia ser diferente, seu íntimo relacionamento com a história da
época. Além do pano de fundo cultural, eventos históricos muito concretos
encaminharam certas reflexões psicanalíticas fundamentais. Não é casual que
uma inflexão conceitual tenha vindo à luz entre 1920 e 1926 — estimulada, ou
tornada necessária, pela carnificina da Primeira Grande Guerra, pela
desintegração do Império austro-húngaro, pelas convulsões da revolução
bolchevique, pela ascensão do fascismo italiano — com a nova doutrina das
pulsões, agora formulada em termos de pulsão de vida / pulsão de morte, ou
com a nova teoria da angústia. Do entrecruzar das novas circunstâncias
históricas e dos novos conceitos é que surgiriam três dos quatro grandes textos
culturais freudianos (o quarto é Totem e Tabu, de 1913): O Futuro de uma Ilusão
(1927), O Mal-estar na Civilização (1929) e O Homem Moisés e a Religião Monoteísta
(1939).
O olhar freudiano global sobre o humano não está afastado do olhar
micheletiano – “para reencontrar a vida histórica seria preciso segui-la
pacientemente por todos seus caminhos, todas suas formas, todos seus
elementos. Seria preciso também […] restabelecer o funcionamento do
conjunto, a ação recíproca dessas forças diversas num poderoso movimento
que se tornaria a própria vida” (Michelet 1893, III). Independentemente do
valor pessoal desses fundadores, nem Heródoto nem Freud foram, é claro,
produtos ex nihilo, pelo contrário, suas criações respondiam às novas
necessidades culturais de suas épocas. A curiosidade de Heródoto pelo mundo
grego e por povos distantes e estranhos teve como pano de fundo a expansão
territorial, comercial e intelectual do mundo helênico naquela segunda metade
do século V a.C. A curiosidade de Freud era uma das facetas daquela Europa
que, na passagem do século XIX ao XX, questionava antigas convicções,
sacudida por transgressões culturais como as expressadas por Schopenhauer
(†1860), Dostoievski (†1881), Nietzsche (†1900), Mahler (†1911), Strindberg
(†1912), Wedekind (†1918) ou Klimt (†1918).

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Michael Coupe (1983) argumentou com razão que, sendo muito difícil
a um só indivíduo dominar o universo de conhecimentos historiográficos e
psicanalíticos de maneira sólida e equilibrada, o melhor é que a história
psicanalítica – ou psicanálise histórica, ou psicohistória, o rótulo aqui não é
essencial – seja praticada em conjunto por profissionais dos dois campos em
estreita colaboração. À semelhança do que fez Jean Leclercq (1976), historiador
do monasticismo e da religiosidade monástica, ao convidar um psicanalista, um
psicolinguista e alguns psicólogos para se juntarem a ele no estudo dedicado a
São Bernardo.
Porque a epistemologia desnuda os limites das duas disciplinas, que não
podem pretender alcançar a certeza, elas enfatizam a importância da ética,
impõem a integridade intelectual – Heródoto “é um homem honesto, muito
imaginativo também, mas perfeitamente verídico” (Bonnard 2018, 330); Freud
é a prova que basta “que um único homem tenha a coragem da verdade para
aumentar a veracidade em todo o universo” (Zweig 1932, 34). Por caminhos
distintos, buscando metas próximas sem serem exatamente as mesmas,
História e Psicanálise podem dialogar, devem dialogar, fundamentando a ideia
de um cântico chinês do século XII ou XI a.C. que aqui nos serviu de
inspiração: “só irmãos não basta ser, melhor é sermos amigos” (Livro dos
Cantares 1990, 297).

REFERÊNCIAS

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SÓ IRMÃOS NÃO BASTA SER, MELHOR É SERMOS AMIGOS.


AS RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E PSICANÁLISE
ARTIGO RECEBIDO EM 25/08/2020 • ACEITO EM 17/11/2020.
DOI | https://doi.org/10.5216/rth.vi2.65243
REVISTA DE TEORIA DA HISTÓRIA | ISSN 2175-5892

ESTE E UM ARTIGO DE ACESSO LIVRE DISTRIBUIDO NOS TERMOS DA LICENÇA CREATIVE


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