Relatorio Economiacircular Path

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RE

ECONOMIA

LA
CIRCULAR
NO
FESTIVAL

TO
PATH
2018
FESTIVAL
PATH
por Léa Gejer

Nos dias 19 e 20 de maio aconteceu a sexta edição do Festival


Path, aqui em São Paulo. O evento é imenso e é considerado o
maior festival de inovação e criatividade do país. Ele acontece
todos os anos com a intenção de movimentar e unir a rede criativa
do Brasil. Os temas abordados são sempre relevantes para
inovação e criatividade e têm o objetivo de apresentar iniciativas
transformadoras e promover encontros muito proveitosos. São
dois dias cheios de atividades, com palestras, debates, entrevistas,
workshops, shows, filmes, feira de startups, de games, feira maker,
feira gastronômica ao ar livre, lançamentos de livros, entre outros.

Este ano eu tive a honra de ser uma das curadoras do Festival Path
com o tema de Economia Circular! Nós conseguimos – de forma
inédita no Brasil - criar um percurso sobre esse assunto com os
principais atores da área no decorrer dos dois dias do festival. Foram
convidados empreendedores, designers, arquitetos, engenheiros,
acadêmicos e ambientalistas, que vêm trabalhando na transição
para um futuro mais positivo e circular.

Tivemos dez painéis, divididos em três blocos, inspirados nos


princípios Cradle to Cradle, que são a base da minha abordagem à
economia circular. No primeiro bloco, tratamos os resíduos como
nutrientes e trabalhamos com sessões que trouxeram novas formas
de produzir a partir do design circular. Uma das mesas discutiu
tecnologias disruptivas que estão inseridas no ciclo biológico e
que estão muito próximas da gente. Outro painel discutiu o ciclo
técnico, unindo o produtor industrial às cooperativas de reciclagem.
Outro assunto foi o “food design”, que refletiu todo o processo e
a cadeia da produção do alimento, olhando não somente para a
comida em si, mas também para toda a estrutura necessária para
ela chegar às nossas mesas. Teve também uma discussão sobre o
design inspirado na natureza, no qual colocamos lado a lado duas
abordagens diferentes, mas que são muito alinhadas: o Cradle to
Cradle e a Biomimética. Ainda nessa linha, a Carla Tennenbaum, co-
fundadora da Ideia Circular, ofereceu o workshop mão na massa “O
lixo é um erro de design”, no qual os participantes desconstruíram
objetos e pensaram no seu redesenho.

Em um segundo bloco, os painéis discutiram questões de


fechamento de ciclos, a partir de fontes renováveis de energia e
gestão de recursos, a exemplo do que se tem feito em comunidades
remotas. A abordagem foi além de bens materiais, e surgiu a
discussão de como o envolvimento de comunidades locais é
crucial para o bom funcionamento das tecnologias. Também não
podíamos deixar de abordar a questão das águas, trazendo uma
visão que muda o foco da escassez para a abundância. Isso se
torna bastante possível se trabalharmos junto da natureza, ao invés
de contra ela.

O último bloco foi sobre diversidade e sobre um futuro circular.


Focamos em como usar a tecnologia para o nosso bem e em como
conectar a sociedade das inovações, para viabilizar a economia
circular. Discutimos sobre a internet das coisas e revolução digital
para o desenvolvimento sustentável. E também sobre diversas
formas de como podemos construir e habitar o nosso planeta num
futuro não tão distante.

Como não queríamos deixar de fora aqueles que não puderam


participar, nós criamos esse breve relato, com os principais pontos
abordados por essa curadoria. É claro que não vamos conseguir
destrinchar tudo na íntegra, mas ao menos queremos passar um
gostinho de cada apresentação. Espero que vocês gostem das
discussões tanto quanto a gente!
Sumário
Sumário
7 20
COMO HABITAREMOS
A REVOLUÇÃO NO FUTURO?
COMEÇA PELO PRATO Katia Sartorelli
Christian Ullmann Yorik van Havre
Mariana Duarte

10 24
Luciene Antunes

CIRCULANDO SERVIÇOS
REVOLUÇÃO DIGITAL E RECURSOS EM
E DESENVOLVIMENTO COMUNIDADES REMOTAS
SUSTENTÁVEL André Dias
Fabiana Dias
Ricardo Abramovay Felipe Pinheiros

12 27
Unai Arrieta Salgado

O QUE VEM DA INDÚSTRIA COMO SÃO PAULO PODE


VOLTA PARA A INDÚSTRIA: MUDAR DE HUMOR
FECHANDO CICLOS TRABALHANDO COM
Linda de Oliveira SUAS ÁGUAS
Érika Raísa Duarte Caio Silva

15 29
Alexandre Gobbo Fernandes Guilherme Castagna

INTERNET DAS COISAS O LIXO É UM


PARA A SUSTENTABILIDADE ERRO DE DESIGN
Regina Magalhães Carla Tennenbaum

18 31
O QUE VEM DA TERRA
UM FUTURO INSPIRADO É DA TERRA: PROJETOS
NA NATUREZA REGENERADORES
Giane Brocco Felipe Pacheco
Léa Gejer Adriano Campos
Fernando Pecoraro
Onofre de Araujo Neto
Dia 1
Dia 1
A revolução
começa pelo
com: Christian Ullmann

prato: o que
comemos muda o
mundo

O circuito começou logo pela manhã, às 11h15, com duas palestras da nossa
curadoria acontecendo simultaneamente. No Instituto Tomie Ohtake, o designer
porteño Christian Ullmann, do IED - Instituto Europeu de Design falou sobre food
design na apresentação “A revolução começa pelo prato: o que comemos muda
o mundo”.

“Fudiquê?”, brincou, ao dizer que o food design é muito mais do que apenas
apresentação de pratos. Ele fez uma relação dos objetivos de desenvolvimento
sustentável na agenda da Organização das Nações Unidas (ONU) até 2030
e apontou que praticamente todos estão diretamente relacionados com
alimentação, em suas mais diferentes esferas, mostrando que o papel da comida
está muito além de nos alimentar biologicamente. Ela tem o poder de conectar

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pessoas e culturas e é um fortíssimo
indicador social.

Sobre o cenário que vivemos hoje, o designer


trouxe alguns dados preocupantes: mais
de 800 milhões, ou seja, quase 10% da
população mundial passa fome, ao passo
que 1,3 bilhões de toneladas de comida
são desperdiçadas no mundo todo ano - e a
maior parte disso vem da própria indústria.
Para cada 1kg descartado em uma casa,
70kg são descartados na indústria. No Brasil,
traduzindo em dinheiro, o descarte anual traz
uma perda de R$7 bilhões.

Ullmann explicou que a solução para esse


problema, portanto, não está em produzir
mais, e sim mudar o modelo de produção e
principalmente de distribuição de alimentos.
E essa mudança pode vir ao olharmos
mais atentamente para as nossas próprias
tradições naturais e buscarmos um retorno
a métodos e mercados antigos. Afinal, na
natureza não existe lixo. Os descartes nada
mais são do que um remanejamento de
resíduos, que se transformam em nutrientes
para outros processos biológicos. Em outras
palavras, o processo é completamente
circular.

Christian também trouxe a discussão de


como vai ser a nossa alimentação num futuro
bem próximo. Segundo ele,existem 25.000
espécies de plantas comestíveis no planeta,
mas 70% do que comemos vem de apenas

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cinco delas: trigo, milho, feijão, cana de açúcar e soja. O designer apontou que
repensar esse modelo também é fundamental, e levantou ainda questões como
o papel do design de embalagens, a impressão 3D e como até os insetos podem
se tornar protagonistas nos nossos pratos. “Fudiquê?”

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Revolução
digital e
com: Ricardo Abramovay

desenvolvimento
sustentável

No mesmo horário, no Centro Cultural Rio Verde, o Professor Ricardo Abramovay


apresentou a palestra “Revolução digital e desenvolvimento sustentável”. Ele fez
uma análise crítica sobre a revolução digital com o advento cada vez mais veloz
de novas tecnologias e apontou que se elas não forem acompanhadas por uma
mudança de valores, o desenvolvimento sustentável se torna inviável, uma vez
que continuaremos com as mesmas práticas nocivas e lineares de sempre.

Segundo Abramovay, as empresas globais estão agindo de maneira a não levar


em consideração nos seus sistemas e estruturas o uso que fazem dos recursos
naturais do ecossistema. Para ilustrar, apontou que se as empresas tivessem
que pagar pelo uso de recursos e serviços ecossistêmicos fundamentais para
seu funcionamento, que são retirados da natureza e não retornados novamente,
o lucro seria nulo.

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Partindo desse ponto, o desenvolvimento
sustentável deve ser encarado como valor,
o mais importante do século XXI, partindo
do pressuposto que seu objetivo maior é a
expansão da liberdade dos seres humanos
e do bem-estar social. O propósito deve
guiar os negócios e a tecnologia, sendo
a economia e os bens materiais apenas
os meios para alcançar esse objetivo. As
empresas precisam dar atenção aos cinco
fatores que mais sofrem modificações por
meio das suas ações: biodiversidade, uso
do solo, emissão de gases de efeito estufa,
água e poluição do ar. E o caminho para a
mudança está na modificação da lógica de
produção principalmente dos alimentos,
dos combustíveis e das roupas, bens
fundamentais para a sociedade hoje.

O professor também citou o cenário


brasileiro dentro desse contexto e reforçou
a atenção que devemos ter com a ilusão de
emancipação total que a revolução digital nos
traz. Precisamos mudar a forma de pensar
e consumir, com um objetivo de resgate
de valores perdidos, como o da comida e
o da criatividade dentro da cidade, dando
recursos reais e incentivando o papel de
áreas mais periféricas como vetor principal
para a inovação no país.

pg. 11
O que vem da
indústria volta
com: Linda de Oliveira
Érika Raísa Duarte
Alexandre Gobbo
para a indústria:
fechando ciclos

Às 12h30 aconteceu o primeiro painel em grupo, com o tema “O que vem da


indústria volta para a indústria: fechando ciclos”, que tinha o objetivo de discutir
como a indústria pode (e deve) começar a traçar novas estratégias para tornar
a produção mais circular. O arquiteto Alexandre Gobbo Fernandes, do EPEA
Brasil, mediou a discussão. Ele falou sobre a importância da metodologia
Cradle to Cradle em seu trabalho como arquiteto, como um novo paradigma
que demonstra ser possível continuar produzindo e prosperando dentro de sua
profissão, modificando o ambiente de forma positiva ou regenerativa.

Assim, ao invés de ter como objetivo a diminuição da pegada ecológica, podemos


pensar em aumentá-la, mas de forma positiva, de modo que traga benefícios para
o ecossistema como um todo. Alexandre introduziu brevemente os princípios do

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pensamento Cradle to Cradle, em especial o
primeiro, que trata resíduos como nutrientes,
e que era o contexto daquela mesa sobre a
circulação de materiais industriais do ciclo
técnico.

A coordenadora de comunicação e marketing


da Sinctronics, Linda de Oliveira, contou sobre
o caso da empresa localizada em Sorocaba,
SP, que trabalha com o reaproveitamento
de componentes de aparelhos eletrônicos
que seriam descartados. O plástico é o
principal item trabalhado pela Sinctronics,
que consegue, em alguns casos, retornar
100% do descarte para a produção de novos
materiais, em um processo completo de
reciclagem em alta qualidade, ou upcycle.
Todo esse material ainda conta com uma alta
tecnologia de rastreamento, permitindo às
empresas o controle total sobre o processo
contínuo da sua cadeia. Um dos clientes da
empresa é a Receita Federal, que passou a
dar um novo destino e reinserir na cadeia
produtiva as peças provenientes do enorme
volume de eletrônicos confiscados, que
antes eram destruídos.

Falando pela YouGreen, a engenheira de


produção Érika Raísa Duarte mostrou como
a cooperativa de técnicos e catadores (que
recebem remuneração acima do mercado)
serve como ponte entre a indústria e
empresas que trabalham dando um destino
correto para os resíduos. De acordo com a
necessidade do cliente, a YouGreen aciona

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os parceiros corretos, formando assim uma rede circular. Para ela, o downcycle
ainda continua sendo o maior desafio para a economia circular, e foram citados
os 3 Cs que dificultam a reciclagem:

Composição: quando há materiais misturados na composição. Ex: embalagens


longa vida, compostas por papel, plástico e alumínio.

Cola: a cola não sai manualmente, só consegue ser removida por métodos
químicos, que dificultam e encarecem o processo.

Cor: corantes que diminuem as possibilidades de trabalho do produto. Ex:


garrafas PET coloridas, que valem menos do que as transparentes.

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Internet das
coisas para a
com: Regina Magalhães

sustentabilidade

Às 14h40, Regina Magalhães, gerente sênior de sustentabilidade e inovação


para a América do Sul na Schneider Electric, deu a palestra “Internet das coisas
para a sustentabilidade”, em que falou sobre o cenário de expansão da IoT (sigla
para Internet das Coisas em inglês). Segundo ela, cada vez mais as empresas
estão preocupadas com os impactos que provocam no ambiente, e as novas
tecnologias podem trazer soluções práticas nos mais diversos campos. A
tecnologia pode, por exemplo, tornar o uso da energia mais eficiente, melhorar
a circulação e reciclagem de materiais, reduzir a emissão de poluentes, rastrear
produtos, monitorar impactos ambientais, entre uma infinidade de outras coisas.

Partindo dos objetivos do desenvolvimento sustentável estipulados pela ONU,


ela citou alguns casos reais do uso dessas tecnologias e suas contribuições:

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Eficiência energética: uso mais inteligente e
racional do consumo de energia de maneira
que as empresas possam fazer uma gestão.
Como exemplo, citou o Bradesco, um dos
clientes da empresa, na qual o gestor pode
controlar o consumo de energia de todas a
agências do Brasil por meio de um celular.
Como um segundo exemplo, a palestrante
comentou sobre a própria sala onde
estávamos. Segundo ela, se houvesse um
sistema de automação no local, a iluminação
do ambiente poderia ser controlada conforme
a quantidade de pessoas, reduzindo o
consumo de energia.

Uso da água: 40% da água que está nas


redes de distribuição do Brasil é perdida
em vazamentos, por causa das tubulações
antigas ou da manutenção precária. Sensores
instalados nessas tubulações poderiam
indicar onde está ocorrendo vazamento, ou
sistemas automatizados com Inteligência
Artificial poderiam controlar a pressão dessa
água de acordo com o consumo.

Gestão dos resíduos: em um país onde


apenas 14% do plástico utilizado é reciclado,
lixeiras conectadas à internet controladas por
cooperativas poderiam avisar o momento
exato de cada coleta, aumentando a taxa de
reciclagem.

Controle de poluentes: emissão mínima


de poluentes pode ocorrer por meio de
sensores que medem os tipos de gases que

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estão sendo emitidos pelas indústrias. Sistemas que geram essas informações
poderiam ser controlados por empresas ou poder público e consultados pela
sociedade.

Agricultura de precisão: maior aplicação da IoT atualmente.Os agricultores


podem ter controle, por meio de sensores, da quantidade de água usada para
regar as plantas, energia consumida pelas máquinas, fertilizantes e químicos
aplicados. Além disso, a IoT permite o controle da origem da produção, desde
a fazenda até o consumidor final, possibilitando a circulação e transparência de
informações.

Controle de riscos ambientais: a IoT pode ser aplicada para prevenir e remediar
os riscos. O acidente de Mariana, por exemplo, poderia ter sido evitado se a
barragem tivesse sensores medidores de vibração que mandassem sinais para
a empresa e a comunidade. Isso possibilitaria a intervenção e diminuição dos
riscos, que ainda existem na maioria das áreas de mineração do país.

Essas tecnologias já são uma realidade e estão cada vez mais presentes em
grandes e pequenas empresas que desenvolvem soluções de acordo com suas
necessidades. Estima-se que mais de 80% dos projetos e empresas que utilizam
IoT tenham potencial de impactar positivamente o ecossistema ambiental e
social. Os exemplos mostram os avanços alcançados e os impactos positivos que
eles podem trazer. Porém, ainda há um caminho de processo de regulamentação
dessas tecnologias a ser enfrentado, e como garantir a privacidade dos dados e
das pessoas em um mundo cada vez mais conectado.

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Um futuro
inspirado na
com: Giane Brocco
Léa Gejer

natureza

Às 15h foi a vez da mesa “Um futuro inspirado na natureza”. Aqui, a Léa Gejer,
co-fundadora da Ideia Circular e da Flock falou sobre por que o modo linear
de produção e consumo que temos hoje não é mais viável e sobre como as
novas tecnologias devem ser inspiradas e potencializadas pelo conhecimento
da natureza. A economia circular torna-se possível se entendermos que os
materiais têm um valor intrínseco. Eles podem ser renovados indefinidamente
se projetados com qualidade e com intenção de retornar aos seus ciclos, sejam
eles biológicos ou técnicos.

Para isso, apresentou o design Cradle to Cradle, ou “do berço ao berço”, uma
abordagem que vem como oposição ao modelo linear, que direciona os recursos
“do berço ao túmulo”. Uma vez que o modelo de pensamento não é mais o de

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produzir e depois gerir, mitigar e reduzir, o
próprio conceito de lixo é eliminado, tornando
o processo efetivamente circular.

Outra vertente que caminha paralelamente na


inspiração e potencialização dos processos
da natureza é a biomimética, apresentada
pela fundadora da Biomimicry Brasil,
Giane Brocco. O conceito (bio=natureza;
mimética=imitação) é simples, e, de acordo
com ela, o segredo para a solução de qualquer
problema pode estar na natureza - basta que
prestemos atenção. Segundo Giane, sempre
que pensamos em algo tido como inovador,
devemos ter consciência que, de alguma
forma, “a natureza já fez isso primeiro”.
E, se temos algum problema em mãos,
primeiramente podemos nos questionar: “O
que a natureza faria em meu lugar?”.

Como exemplos de observar a natureza para


propor soluções práticas para as nossas
questões, ela citou, entre outros, o caso
do coletor que absorve a água presente na
umidade do ar e serve como solução para
regiões com baixos índices de chuva. A
inspiração para a criação desse sistema foi
o besouro do deserto da Namíbia, que possui
uma estrutura no corpo capaz de captar e
condensar o ar, formando microgotículas
que se unem e formam gotas d’água que
mantêm o animal vivo. Como ela mesma
disse: “a natureza já tinha pensado nisso
primeiro”.

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Como
habitaremos
com: Katia Sartorelli
Yorik van Havre
Mariana Duarte
no futuro? Luciene Antunes

A última atividade do dia foi a mesa “Como habitaremos no futuro?”, mediada pela
jornalista Luciene Antunes. Começou com a arquiteta Katia Sartorelli contando
sobre o processo de construção, em parceria com a Léa Gejer, da Casa Circular,
que, como o nome diz, é uma alternativa de construção inspirada no Cradle to
Cradle e desenhada para economia circular. A casa foi planejada como um banco
de materiais, priorizando a otimização contínua dos recursos envolvidos. São
muitas as diferenças entre esse tipo de construção e o tradicional, mas o que
separa esses modelos definitivamente é o questionamento: “e depois?”. Nessa
casa, houve cuidado desde o projeto até a construção, para que os recursos
utilizados possam continuar circulando de maneira segura e saudável tanto para
a natureza quanto para os seres humanos.

pg. 20
Diretamente de Brasília, a engenheira
Mariana Duarte apresentou a sua startup,
a InovaHouse3d, que desenvolve e aplica
impressão 3D para a construção civil. Ela
mostrou a trajetória da empresa e como a
tecnologia, que ainda está em evolução, tem
se mostrado cada vez mais uma realidade no
mundo da construção. Segundo Mariana, a
construção 3D pode ser uma solução muito
viável para conter o déficit habitacional. As
vantagens da tecnologia são a rapidez de
montagem das construções, além da não
geração de resíduos e desperdícios, uma vez
que o material é usado sob demanda para
cada projeto.

Também caminhando por um viés


tecnológico, o arquiteto belga Yorik van
Havre falou sobre o trabalho da wikihouse,
um coletivo de arquitetos autônomos que
trabalham com uma espécie de “plataforma
de modelos de casa em código aberto”. O
objetivo é disponibilizar projetos de casas
e “moldes” das peças para que as pessoas
possam, a partir routers CNC, cortar madeira
compensada em espécies de peças de
quebra-cabeça e assim construir as suas
próprias casas do zero. Com encaixes padrão,
as peças da casa podem ser removidas e
reaproveitadas em outras construções, que
podem ser sempre ampliadas e modificadas
de maneira personalizada.

Após as apresentações, foi aberta uma


discussão com participação do público,

pg. 21
na qual foi debatido como essas novas tecnologias podem contribuir para o
acesso universal à habitação. Foram tocados os pontos do papel da profissão de
arquiteto dentro da quebra de paradigma proposta por essas novas tecnologias;
o domínio das grandes construtoras; a percepção cultural que as pessoas têm
da “casa ideal”, que precisa ser repensada; e a regulamentação desses novos
processos construtivos pelo poder público.

pg. 22
Dia 2
Dia 2
Circulando
serviços e
com: André Dias
Fabiana Dias
Felipe Pinheiro
recursos em Unai Arrieta Salgado

comunidades
remotas

Abrindo o segundo dia de festival, às 10h45 começou a mesa “Circulando


serviços e recursos em comunidades remotas”. A jornalista Fabiana Dias mediou
a conversa na qual foram apresentados exemplos de atuação em comunidades
remotas - já iniciando a primeira reflexão: “o que é remoto, afinal de contas?”, e o
que podemos aprender e trocar nas experiências vividas em locais tão diferentes?

O primeiro a apresentar seu case foi Unai Arrieta Salgado, que contou um pouco
sobre algumas experiências internacionais em países da África e América Latina.
A empresa em que trabalha, a Trama TecnoAmbiental, tem o foco em projetos
urbanos e rurais de distribuição de energia de fontes renováveis em comunidades
remotas. Pautando os principais eixos de atuação da empresa - acesso à energia,
serviços, distribuição e benefícios, o engenheiro citou um caso de atuação em

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Cabo Verde, onde desenvolveu e executou
um projeto de geração de energia por meio
de painéis solares, instalados na quadra de
uma escola. Enquanto a área de recreação
dos alunos passou a ser protegida do sol, o
telhado produzia energia capaz de manter
o comércio funcionando durante a noite,
trazendo serviços que beneficiassem de
diferentes formas a comunidade local.

Já em território nacional, o engenheiro


Felipe Pinheiro falou sobre a experiência e o
impacto de construir o Museu Arqueológico
Comunitário Cumbe e Canavieiras (MACCC)
no Ceará pela sua empresa de bioarquitetura
e permacultura, a Ecosapiens.

Localizado em um sítio arqueológico no


interior do Ceará, o museu seria o principal
meio de exposição e giro da cultura e economia
local. Ele foi construído seguindo três
eixos de trabalho: utilização de tecnologias
bioconstrutivas, processo educativo dos
trabalhadores durante a construção, além
de mobilização e transformação social.
Felipe contou como o envolvimento das
comunidades nos seus projetos é importante
para que eles se viabilizem e perdurem por
bastante tempo.

O último palestrante do painel, André Lira,


é músico, empreendedor e consultor de
economia criativa do Sebrae. Ele mostrou
histórias do seu projeto “Sertão Criativo”. O
objetivo é fomentar a visão empreendedora à

pg. 25
inovação que já acontece, de forma independente e natural em várias comunidades
do interior de Pernambuco. Para isso, André orienta pessoas e empresas para
um viés mais comercial, criando uma rede de parceiros, e buscando soluções
para o desenvolvimento do mercado cultural da região.

Entre os exemplos, podemos citar o do repentista que, por falta de um lugar


para se apresentar, construiu um palco em uma caçamba de caminhão e passou
a se apresentar “em turnê” na região. Com a participação no projeto, o palco
improvisado foi ganhando mais estrutura e notoriedade pelos lugares onde
passava. Depois de um certo tempo, o cantor pode inclusive começar alugar
o carro para apresentações de outros grupos, o que retornou como um lucro a
mais para o seu negócio.

pg. 26
Como São Paulo
pode mudar
com: Caio Silva
Guilherme Castagna

de humor
trabalhando com
suas águas

À tarde foi a vez do engenheiro Guilherme Castagna e do cineasta Caio Silva


Ferraz falarem sobre as relação da nossa cidade com a água no painel “Como
São Paulo pode mudar de humor trabalhando com suas águas”. Eles fizeram
uma relação entre os nossos sentimentos e movimentos com os da água e da
natureza, e como tudo isso está (ou deveria estar) conectado. Deram o exemplo
do rio, que tem um movimento próprio, curvo, que nunca é o mesmo e que precisa
da área de vazão para ter liberdade de mudar seu curso livremente, assim como
nós.

Para ilustrar como estamos tratando os nossos rios de maneira equivocada,


mostraram os casos dos rios Tietê e Pinheiros. Esses cursos d’água, tão presentes
e importantes para a nossa cidade, foram totalmente canalizados e retificados,

pg. 27
e tiveram sua fluidez natural modificada em
prol do interesse de construtoras privadas,
que buscavam novas áreas para construção.
Ao redor deles, surgiram as marginais e os
grandes edifícios. O histórico de trabalhar
a gestão das águas de forma artificial e
impositiva, que muitas vezes vai contra o
movimento da natureza, juntamente com a
pouca atenção dada à gestão dos recursos
naturais pelo poder público, gera resultados
como a crise hídrica de abastecimento que
tivemos na cidade em 2014.

A gestão da água, segundo Guilherme, deve


trabalhar em conjunto com a natureza e não
contra ela, e, para isso, precisamos pensar
em soluções efetivas. Como exemplo, citou o
trabalho com manejo de água de chuva para
recarregar lençóis freáticos, e que garantem
a produtibilidade e autonomia das regiões
que vivem no entorno de rios. A websérie
Volume Vivo, produzida e dirigida pelo Caio, e
com participação do Guilherme, retrata bem
a questão, fazendo uma análise da relação
da cidade com os seus rios em diferentes
momentos da história até hoje.

pg. 28
O lixo é um erro
de design
com: Carla Tennenbaum

Depois da apresentação da Léa no dia anterior, foi a vez da outra fundadora


da Ideia Circular, Carla Tennenbaum, estar à frente de uma atividade. A oficina
“O lixo é um erro de design” aconteceu na Escola Britânica de Artes Criativas -
EBAC e contou com mais de 30 pessoas. O público, diverso em faixa etária e nas
motivações que os levaram à oficina, colocou a mão na massa para repensar
a maneira como produtos cotidianos são desenhados e fabricados. Eles se
dividiram em grupos e escolheram objetos como caneta, escova de dentes,
absorvente, carrinho de brinquedo e roupas, e em seguida foram convidados
a desconstruir e analisar cada elemento que os compunha, levando em conta
critérios como utilidade, ciclabilidade (capacidade de ter seus ciclos de uso
renovados) e toxicidade.

pg. 29
Após uma breve explicação teórica sobre os
conceitos de produção e economia linear e
circular, os participantes foram convidados a
redesenhar seus produtos, com o objetivo de
pensar novas formas de tornar sua produção
mais circular de fato. Os resultados foram
compartilhados, e ao final tínhamos uma série
de novos pensamentos e questionamentos
sobre o atual modelo linear que vivemos.

O assunto é importante, mas foi abordado de


forma lúdica e descontraída, o que levou os
participantes a experimentarem um modelo
de atividade mais leve e interativo enquanto
aplicavam o conteúdo na prática e ainda
compartilhavam suas reflexões com outras
pessoas.

Os participantes reconheceram que não têm


acesso ao conhecimento e que até então não
tinham se questionado sobre como coisas,
que utilizamos com tanta frequência e uma
certa naturalidade, são feitas e descartadas.
Eles também perceberam que esse
pensamento crítico pode ser aplicado em
absolutamente tudo o que consumimos. Ao
final, eles estavam instigados e motivados
para aplicar esse conhecimento nas suas
atuações no dia a dia, seja no trabalho ou na
vida pessoal, e concluíram que o lixo é sim
um erro de design. Em outras palavras: o
objetivo da oficina foi alcançado.

pg. 30
O que vem
da terra é da
com: Felipe Pacheco
Adriano Campos
Fernando Pecoraro
terra: projetos Onofre de Araujo Neto

regeneradores

E para finalizar o circuito de economia circular do festival, no finalzinho do domingo


foi a vez do painel “O que vem da terra é da terra: projetos regeneradores”, que
apresentou três casos de projetos restauradores e regeneradores que repensaram
o ciclo biológico, utilizando materiais biodegradáveis e energias renováveis como
recursos para gerar efeitos positivos por meio dos seus produtos e serviços.

O editor do portal eCycle, Onofre de Araujo Neto, mediou o painel, que


começou com o case da Oka Embalagens, representada pelo seu diretor de
sustentabilidade Adriano Campos. Ele contou o percurso da empresa que fabrica
embalagens biodegradáveis a partir de fibras vegetais. Cada brasileiro gera em
média 380kg de lixo por ano, sendo que um terço são embalagens de produtos
que consumimos no nosso dia a dia, e que acabam indo para aterros, lixões,

pg. 31
rios e oceanos. A ideia da Oka é produzir
embalagens que não geram lixo. É daí que
surgiram as embalagens produzidas a partir
de fécula de mandioca, um produto renovável
e muito brasileiro. Por ser 100% natural, as
embalagens se degradam rapidamente,
podendo ir diretamente para a compostagem
ou ainda serem usadas como ração animal.
Desta forma, o produto descartado retorna
para a natureza, ou para o ciclo biológico.
No final da palestra, teve até degustação das
embalagens!

Felipe Pacheco é biólogo e mestre em


engenharia de aquicultura, que estuda a
produção de alimentos e derivados de
origem aquática, com formação em biologia
e dinâmica de ecossistemas marinhos. Ele
representou a Algae Biotecnologia, empresa
que desenvolve soluções tecnológicas
baseadas no cultivo de microalgas para
produção de ingredientes e aditivos para
nutrição animal e suplementos alimentares
humanos, e ainda para a produção de
biocombustíveis.

Além disso, as microalgas têm capacidade


de crescimento em ambientes sem luz,
utilizando carbono orgânico como fonte de
energia. Nessas condições, elas também
consomem nitrogênio e fósforo em grandes
quantidades, atuando como verdadeiros
“biofiltros” destes nutrientes. A empresa
utiliza essa capacidade no desenvolvimento
de soluções para o tratamento de efluentes
líquidos e gasosos agroindustriais.

pg. 32
Por fim, o engenheiro químico Fernando Pecoraro mostrou seu trabalho com
a Ambievo Recoy, uma tecnologia para recuperação de solos contaminados,
desenvolvida a partir do óleo da casca de laranja descartada pela indústria no
processo de produção de suco. Ele explicou as propriedades químicas de reação
com outros contaminantes, que fazem deste óleo um material fundamental
para a criação da tecnologia, que funciona dentro de um caminhão. Essa
“portabilidade” permite que o serviço ocorra em qualquer lugar sem o descarte
de resíduo contaminante, que é segregado. Ao final do processo, o solo está
limpo e pode ser devolvido ao seu lugar original.

A iniciativa recebeu o prêmio de melhor desafio nos avanços na área da química


verde do Departamento de Ciência e Tecnologia dos Estados Unidos em 2015 e
passou a integrar o programa Launch, que incentiva a criação de mecanismos
científicos que impulsionam o crescimento econômico e protegem os recursos
naturais do planeta, fruto de uma parceria firmada entre o Departamento de
Estado dos Estados Unidos, a Nasa, a Nike e a Agência Para o Desenvolvimento
Internacional dos Estados Unidos (Usaid).

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